Texto De Apoio 1

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1.

ESCOLA BÁSICA 2,3 2, DE AZEITÃO CURSO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS – EFA

NS

Sociedade, Tecnologia e Ciência (STC) Unidade de Formação de Curta Duração (UFCD) - 3: SAÚDE - Comportamentos e instituições. instituições

TEXTO DE APOIO 1

A Matematização da Natureza e o Nascimento da Ciência Moderna

O pensamento religioso dominante na Europa, Europa a partir da sua cristianização cristianiza estipulava que a criação do Mundo pelo Demiurgo Dem havia seguido certos arquétipos tipos comuns ao Homem, por ser este a Sua principal produção. Daí poder-se se admitir, admitir tal como os Gregos o haviam feito pela pnmerra vez - e num um contexto religioso totalmente diferente - que o Cosmos fosse passivel pa ivel de ser compreendido pela razão r humana, procurando-se, então na Europa medieval, uma síntese entre o saber legado pela Grecia e o pensamento reliigioso, sobretudo na sua vertente tomista.

A ideia de lei natural levou muitos seculos a se firmar, f e, não o tendo sido uma expressao utilizada regularmente pelos gregos, gregos mesmo Kepler, como Einstein, "viveu numa época em que não o havia certezas certe quanta à existência de leis gerrais respeitantes aos fenómenos menos da Natureza." Natureza Na sua forma modema, o conceito onceito de lei natural surge, surge pela primeira vez, nos estudos ópticos ó de Roger Bacon (1210 - 1292),, quando ele, por um lado, fala das leis da reflexão re da refracção, e, por outro, de coisas que não nã seguem as leis da Natureza.

A partir do aparecimento arecimento da Ciência Ci modema, foi-se se percebendo gradualmente gradu que ela poderia passar perfeitamente sem questionar a origem das regularidades observadas bservadas na Natureza e que estas regularidades admitiam ser codific codificadas em termos

de expressões matemáticas, sem que fosse necessario invocar qualquer tipo de ideologia religiosa. Ou seja, as leis naturais admitiam uma formulação matemática, em pnncípio inteiramente autónoma de quaisquer justificativas metafísicas.

Tendo que limitar-nos a observar o céu, sem poder minimamente manipulá-Io ou com ele interferir, essa limitação, essa censura entre a sólida Terra e o etéreo Céu morada, este último, por antiquíssima tradição, dos seres divinos - não foi sem um choque traumático que tivemos que acabar por aceitar que as mesmas leis se aplicavam a todo o Cosmos, e que, tal como a Terra, tambem os céus eram passíveis de alteração e mudança.

Foi com Copérnico, com Kepler, com Galileu e com Newton que se começou, pela primeira vez, desde a Grécia Clássica, a empregar, na descrição e explicação dos fenómenos celestes, das mesmas leis aplicadas aqui na Terra. Foi assim que Kepler estruturou as premissas do seu trabalho de observação astronómica (baseado, em grande parte nas observações sistematicas do seu antecessor Tycho Brahe (1546 1601). Tendo dado início à sistematização da formulação de leis naturais em termos matemáticos, este programa teve tanto sucesso que logo foi adoptado pelo seu contemporâneo (e correspondente) Galileu, bem como por todos que vieram a seguir (nomeadamente, Newton), tornando-se a Matemática em brevíssimo prazo a linguagem por excelência, exigida para toda a Física e para toda a Astronomia. Segundo o testemunho de Kepler em 1605:

"O meu objectivo é mostrar que a máquina celeste não é uma espécie de ser vivo e divinal, mas uma especie de engrenagem de relojoaria (...) tal como quase todos os variados movimentos são causados por uma força muito simples, magnética e material, tal como todos os movimentos do relógio são causados por um simples peso. E eu demonstro como atribuir a essas causas físicas expressões numéricas e geométricas. "

Anteriormente a Kepler, a Astronomia desenvolvida desde Ptolomeu até Copémico e Tycho, ao consistir de modelos qualitativos, sem qualquer suporte matemático que permitisse previsões quantitativas, que podiam ser livremente ajustados de modo a concordar, dentro da precisão da época, com as observações efectuadas, fazia com que a adopção ou rejeição de qualquer modelo astronómico fosse, essencialmente, uma questão de preferência pessoal. Kepler vem alterar irreversivelmente este estado de coisas, ao retomar o ideal Pitagórico de que o Mundo obedece a uma harmonia codificada em termos matemáticos e inteiramente determinada e pré-fixada pela matéria.

Pode-se asseverar, pois, que Kepler foi um Pitagórico que se propôs saber o que é que nos competia explicar nos céus. Entre as características dos objectos celestes, quais poderiam ser explicadas pela razão e quais pertenceriam ao domínio exclusivo da transcedência? Um dos aspectos que Kepler considerou seria explicar o porquê de existirem seis planetas, quais os seus tamanhos e quais os seus movimentos. E foram, justamente, os seus resultados sobre este último problema que consistiram num passo decisivo para a construção da teoria gravitacional de Newton. Tivesse Kepler se atido unicamente à sua componente Pitagórica e ter-se-ia contentado com a sua explicação do número de planetas em termos dos cinco poliedros regulares ou Platónicos, que fomecia um excelente acordo qualitativo com as medidas astronómicas disponíveis.

Kepler, contudo, propôs-se a um inteiramente novo e solitário empreendimento. Não apenas passou a tentar ajustar as ideias e os modelos, o melhor possível aos dados observacionais, como, também - ao contrário de Copérnico - não se limitou a satisfazer-se com um modelo geométrico do Universo. Levantou, assim, a questão de porque é que os planetas mais afastados do Sol se deslocam mais lentarnente (Júpiter tem um período de doze anos, apesar de se encontrar apenas cerca de cinco vezes mais afastado do Sol do que a Terra). Kepler atribuiu ao Sol uma influência decisiva nessa questão, pela qual ele exerceria algum tipo de força sobre os planetas, que iria

diminuindo, de alguma forma, com a distância. Fenómenos magnéticos, que acabaram por ser descritos por William Gilbert (1544 - 1603) na Inglaterra, foram, então, invocados por Kepler.

Algumas poucas palavras sobre a Matemática utilizada por Kepler na sua impressionante obra. A principal ferramenta de que dispunha era a Trigonometria esférica, além da Aritmética e da Geometria Euclideana. Embora o emprego dos números arabicos se tivesse iniciado na Europa no seculo XIII, trezentos anos após, o tratamento de divisões e de fracções era ainda considerado complicado. As fracções decimais só surgiram, efectivamente, em 1585 e Kepler, usualmente, não lançou mão dessa utilíssima novidade.

Cálculos trigonométricos completados em segundos numa pequena calculadora electrónica de mão envolviam (sempre que houvesse dinheiro para pagá-los) vários assistentes trabalhando durante muitas horas. Tycho, de família nobre e amplamente financiado pelo rei da Dinamarca, podia lançar mão desses auxiliares, embora Kepler tivesse, ele próprio, de efectuar muitas vezes os seus cálculos sem qualquer ajuda.

A formulação Kepleriana de leis matemáticas baseadas nos dados da observação, por ter sido uma inovação, uma novidade na nossa maneira de tentar descrever o Mundo, era, por isso mesmo, claramente deficiente sob diversos aspectos importantes. Assim, por exemplo, a sua primeira lei do movimento planetário, ao estabelecer órbitas elípticas, não fomece a previsão da evolução ao longo dessas mesmas órbitas: conhecida a posição de um dado planeta num dado instante, a primeira lei de Kepler não permite a determinação da sua posição anteriormente ou posterioremente; ou seja, essa lei estabelece tão somente a forma global do movimento, mas não a sua evolução temporal, não constituindo, pois, uma verdadeira lei de movimento, coisa que só viria a ser possivel com o cáIculo infinitesimal de Newton.

Trabalhando afanosamente com os dados de Tycho sobre a órbita de Marte (aquela que mais se afasta de uma circunferência); Kepler, após 900 páginas de cáIculos ainda baseados na hipótese circular, obteve uma discrepância de 8 minutos de arco entre o modelo e as medidas astronómicas. Apesar desse acordo ser muito superior ao conseguido até então por quem quer que fosse, cônscio de que a precisão das medidas de Tycho era superior a 8 minutos de arco, Kepler decidiu rejeitar todos os seus árduos cáIculos baseados no modelo de uma órbita circular para Marte:

"Quem teria pensado que isso fosse possível? Esta hipótese, que concorda tão de perto com as oposições observadas, e, apesar de tudo, falsa. ( . .) Se eu tivesse acreditado que poderíamos ignorar esses 8 minutos, eu teria remendado correspondentemente as minhas hipóteses. Mas, como não era possível ignorá-Ios, aqueles 8 minutos apontam o caminho para uma completa reformulação da Astronomia: eles tornaram-se o material de construção de uma grande parte deste trabalho. "

Em 1596, Kepler publica o seu Mysterium cosmographicum (cujo título completo é: Uma Antecipação aos Tratados Cosmológicos, contendo o Mistério Cosmográfico das admiráveis proporções entre as Órbitas Celestes e as verdadeiras e apropriadas razões para os seus Números, Grandezas e Movimentos Periódicos),no qual apresenta a visão actualizada do cosmo de então e que consistia do Sol, seis planetas, a Lua e a esfera das estrelas fixas.

Inevitavelmente, Kepler, como figura de transição entre duas visões de Mundo - uma mística, fundamentada na fé, a outra física, fundamentada na ciência emergente - não poderia deixar de ter o seu pensamento ligado a ambas essas vertentes. Ao propor que a linguagem da mensagem cifrada engastada nos céus era a da Matemática, ele, simultaneamente, estabelecia correlações, que, sendo de cariz matemático, nos permitissem aproximar-nos dos mistérios divinos. É assim que ele justifica a existência de seis planetas pelo facto de existirem apenas cinco poliedros regulares, os chamados

sólidos Platónicos, os únicos cujas superfícies são compostas por polígonos regulares idênticos.

Nas palavras de Kepler:

"A órbita da Terra é a medida de todas as coisas; circunscreva-se à sua volta um dodecaedro e a circunferência contendo isso será Marte; circunscreva-se à sua volta um tetraedro e a circunferência contendo isso será Júpiter; circunscreva-se em torno de Júpiter um cubo e a circunferência contendo isso será Saturno. A seguir, dentro da Terra, um icosaedro e a circunferência contendo isso será Vénus; inscreva-se dentro de Vénus um octaedro e a circunferência contendo isso será Mercúrio. Tendes, agora, a raziio para o número de planetas. "

O espantoso é que este modelo, que nada tem a ver com a física do nosso sistema planetário, dava conta das distâncias relativas dos planetas ao Sol com um erro não superior a 5% (Tabela). Kepler, porém, não se manteve preso a essa ideia. Raios

Razão dos raios

Esf. Insc./Esf. Circuns

orbitais médios

Merc. / Vénus

Octadero

0,577

0,376/0,719=0,523

Vénus / Terra

lcosaedro

0,795

0,719/1,00=0,719

Terra / Marte

Dodecaedro

0,795

1,00/1,52=0,658

Marte / Júp.

Tetraedro

0,333

1,52/5,22=0,291

Júp. / Sat.

Cubo

0,577

5,22/9,17=0,569

Em 1601, publica De fundamentis astrologiae certioribus (Sobre as certeiras fundações da astrologia) onde estabelece que as propriedades físicas do Sol e dos planetas têm importantes efeitos sobre o nosso clima. Embora recusando que a divisão das estrelas em doze signos zodiacais tivesse qualquer significado científico, procurou estabelecer uma base física para as previsões astrológicas, o que o levou a considerar fenómenos celestes que até então ninguém abordara.

Em 1609 publica a Astronomia nova, aitologetus seu physica coelistis (Uma nova Astronomia, causalmente explicada, ou física celeste), na qual apresenta as suas duas primeiras leis. Aristóteles havia declarado que "O que é eterno é circular e o que é circular é eterno ", daí que o movimento circular fosse tornado como o único perfeito e natural. Mais , com

a

incorporação do

Estagirista

pelo

Tomismo, tomara-se impossível a revogação dos seus ensinamentos dentro da cultura aceite e difundida na Europa católica.

Dando-se conta de que o conjunto das suas observações (bem como as anteriores de Tycho) não se compadeciam com movimentos circulares, Kepler tenta ajustá-Ias a diveras curvas ovóides. Faltando-lhe uma teoria dinâmica com potencial preditivo, ele tinha que limitar-se a ajustes empíricos. Ao atingir o capitulo 51 de A Nova Astronomia,ele anuncia que a elipse, com o Sol num dos seus focos, era a verdadeira causa para dar conta das órbitas planetárias (primeira Lei). A chamada Segunda Lei - que estabelece que os planetas, nas suas deslocações, varrem áreas iguais em tempos iguais - havia já sido proposta num

capitulo anterior.

Uma coisa pouquíssimo usual nesse livro foi o estilo empregado por Kepler, muito pessoal, quase, pode-se dizer, confessional, repetindo as hipóteses formuladas e rejeitadas, relatando os falsos caminhos, seguidos e abandonados, expondo os cáIculos falhados e os que resultavam.

Com essa obra, Kepler introduz uma total reformulação na maneira de fazer astronomia, dado que, pela primeira vez, na sua já antiquíssima história, ela passava a ser, embora necessariamente parcialmente, guiada por argumentos físicos. Essa mudança radical não teve, todavia, o impacto que merecia, não se tendo percebido, no enquadramento cultural vigente, que aquele livro tivesse vindo desvendar e anunciar algo de verdadeiramente transformador.

Em 1619, Kepler publica Harmonices Mundi (Harmonias do Mundo), onde aborda questões de geometria, música, astrologia e astronomia. Grande parte do livro é devotada ao estabelecimento de relações entre harmonias musicais e fenómenos celestes, atraves da associação de certas séries musicais aos planetas, dos quais Kepler discute o seu significado astrológico. É nesse livro que ele apresenta a sua Terceira Lei, pela qual todos os planetas têm o quadrado do seu período igual ao cubo da sua distância ao Sol.

Hoje é-nos difícil perceber como é que as três majestosas leis de Kepler absolutamente essenciais para a construção do edifício gravitacional Newtoniano apareciam imiscuídas entre ideias e conceitos tais como as relações entre os poliedros regulares e os raios das órbitas planetárias, as relaçõoes entre música e astronomia, os longos e elaborados trabalhos astrológicos - inteiramente infensos à nossa Ciência, mas que, para ele, o maior astrónomo do seu tempo e, indubitavelmente, um dos maiores de sempre, tinham tanto ou mais peso do que aquelas três leis. Justamente: a

moldura, a linguagem, o enquadramento da Ciência, tal como nós a entendemos e aceitamos, estava, precisamente, a começar a ser construída por Kepler e Galileu.

As descobertas de Kepler constituem um impressionante resultado matemático, se considerarmos que ele as extraiu directamente das tabelas de Tycho e suas, usando a maestria matemática e tendo como suporte tecnológico para os seus pesados e árduos cálculos manuais apenas uma régua e um compasso. Aliás, ninguém melhor do que um outro criador intelectual excepcional para apreciar as dificuldades envolvidas, os difíceis caminhos a construir, a grandeza da obra conseguida. Para dar uma ideia das fantásticas dificuldades com que se defrontou Kepler para chegar às suas leis, dedicou Einstein em 1930 (aquando do tricentenário da morte de Kepler) algumas páginas cheias de admiração:

"A admiração por este homem de génio e ainda acrescida do sentimento de admiração e respeito, não só pelo homem em si, mas também pela enigmática harmonia da Natureza que nos dá o ser.”

Já a reacção de Galileu aos resultados de Kepler foi muitíssimo mais cautelosa, não tendo ele chegado a aceitar a elipticidade das órbitas planetárias:

"Parece-me que se pode razoavelmente concluir que, para a manutenção de uma ordem perfeita entre as partes do Universo, é necessario dizer que os corpos móveis são móveis apenas circularmente. "

Foi necessário esperar pela teoria matemática da gravitação conseguida por Newton, a qual, ao enquadrar as tres leis de Kepler, veio dar-lhe plena razão. Escreveu Kepler:

"0 que eu profetizei vinte e dois anos atrás, logo que descobri os cinco sólidos entre as órbitas celestes (...) aquilo porque me juntei a Tycho Brahe, porque me instalei em Praga, porque devotei a melhor parte da minha vida à contemplação astronómica, eu, finalmente, trouxe à luz e reconheci a verdade para aIém das minhas mais optimistas expectativas (...) Os dados estão lançados e eu escrevo este livro. Se ele será lido pelos meus contemporâneos ou pela posteridade não é importante. Deus, ele próprio, esperou seis mil anos para que alguém contemplasse as suas obras; o meu livro pode esperar cem. "

De facto, foi só cem anos depois, e devido à gigantesca síntese Newtoniana, que as três leis de Kepler saíram da obscuridade e foram elevadas a uma das maiores conquistas de sempre da Ciência. Nas palavras de Einstein:

"Como devia ser profunda a sua crença nessas leis para the insuflar o ânimo necessário a sacrificar pacientemente o árduo trabalho de dezenas de anos ao estudo empírico do movimento dos planetas e das leis matemáticas que o regem, sempre na solidão, sem apoio de ninguém e com a compreensão de poucos! "

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