Teorias Da Pena - Parte I 2019.rtf

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DCJS DEPARTAMENTO DE CIENCIAS JURÍCIAS E SOCIAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

TEORIA DA PENA: Parte I PROFESSORA: ESTER ELIANA HAUSER

IJUI Fevereiro de 201

9

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO..................................................................................................................... 04 1...............................................................................................................................................OS FUNDAMENTOS DA ATIVIDADE PUNITIVA DO ESTADO E O DIREITO DE PUNIR 05 1.1 O poder de punir: aspectos históricos....................................................................................06 1.2..........................................................................................................................................A pena: Conceito e características............................................................................................08 1.3 Configuração do Sistema Penal e de suas teorias de legitimação: Teorias da Pena.............09

1.3.1 Teorias da Pena…………………………………………………………………………….10 1.3.2 Críticas às Teorias da Pena............................................................................................... 15 1.4 A prisão como pena: aspectos históricos e contemporâneos.................................................. 19 1.4.1 Origem e evolução da pena de prisão...................................................................................19 1.4.2 Sistemas Penitenciários.........................................................................................................21 1.4.3 A prisão no contexto contemporâneo....................................................................................22 1.5 Princípios penais aplicáveis às penas....................................................................................26

2. DAS PENAS EM ESPÉCIE................................................................................................. .30 2.1 PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE............................................................................. .31 2.1.1Conceito de Pena Privativa de Liberdade............................................................................31 2.1.2................................................................................................................................Esp écies de Penas Penas Privativas de Liberdade................................................................31 2.1.3................................................................................................................................Reg imes de execução.............................................................................................................31 2.1.4................................................................................................................................Reg ime inicial de execução...................................................................................................34 2.1.5.................................................................................................................................Pro gressão e Regressão de Regime.......................................................................................35 2.1.6................................................................................................................................Dir eitos e Deveres do Preso..................................................................................................38 2.1.7..................................................................................................................................Re mição................................................................................................................................40 2.1.8.................................................................................................................................Det ração................................................................................................................................41

2.1.9.................................................................................................................................Dis ciplina Carcerária e Sanções Disciplinares.....................................................................42 2.2.........................................................................................................................................PE NAS RESTRITIVAS DE DIREITOS................................................................................44 2.2.1...................................................................................................................................Me didas Alternativas à Prisão e Penas Restritivas.................................................................44 2.2.2....................................................................................................................................Cla ssificação das Penas Restritivas de Direitos.......................................................................44 2.2.3...................................................................................................................................Co minação e Aplicação..........................................................................................................45 2.2.4..................................................................................................................................Esp écies de Penas Restritivas de Direitos..............................................................................48 2.2.5...................................................................................................................................Con versão.................................................................................................................................49 2.3........................................................................................................................................PEN A DE MULTA…………………………………………………………………………50 2.3.1...................................................................................................................................Co minação e Aplicação da Pena de Multa.............................................................................50 2.3.2...................................................................................................................................O sistema dias-multa.............................................................................................................50 2.3.3....................................................................................................................................Exe cução da pena de multa......................................................................................................51 REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 52

APRESENTAÇÃO O presente texto propõe-se a auxiliar estudantes do Curso de Graduação em Direito no acompanhamento, organização e execução das atividades de ensino- aprendizagem no componente curricular de Direito Penal II. Trata-se de um trabalho que serve como roteiro para o acompanhamento das aulas, assim como subsídio de estudo aos acadêmicos. A temática abordada é relativa ao conteúdo desenvolvido no componente curricular Direito Penal II: A TEORIA DA PENA. Para o desenvolvimento do tema são abordados, num primeiro momento, os fundamentos da atividade punitiva do estado, os aspectos históricos da pena e suas principais teorias de legitimação e deslegitimação. A seguir são apresentados e analisados os princípios constitucionais penais que se aplicam à pena, bem como as espécies de penas previstas na legislação brasileira. O texto também apresenta, de forma sucinta e esquemática, o sistema de cominação, aplicação e execução das penas privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa, tendo como base o Código Penal e a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/840). Ao final são apresentadas as medidas alternativas à prisão como a Suspensão Condicional da Penal e o Livramento Condicional, bem como as causas extintivas da punibilidade, dedicando-se especial atenção à prescrição penal.

1. OS FUNDAMENTOS DA ATIVIDADE PUNITIVA DO ESTADO E O DIREITO DE PUNIR Na estrutura do Direito Penal a previsão de uma conduta como criminosa está sempre vinculada à possibilidade de imposição de uma sanção penal, que se efetiva mediante a realização de um ato de coerção protagonizado pelos poderes constituídos (Estado). Com a consolidação do Estado Moderno, caracterizado pela centralização do poder, a soberania se manifesta mediante a possibilidade do uso legítimo da força, ou seja, da coerção como instrumento para o exercício dos poderes constituídos. Nesta perspectiva o Estado “reinvidica o monopólio do uso legítimo da violência física”, transformando-se na única fonte do “direito à violência”. (WEBER, apud CARVALHO, 2013). A pena representa, pois, um ato de violência programado e imposto pela autoridade instituída como resposta a violência do ato criminoso e, como tal, deve ser limitada por regras e legitimada discursivamente. Por meio da pena imposta o Estado concretiza o seu direito de punir (jus puniendi) e realiza a forma mais invasiva de controle social. O Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que estabelecem as condições mediante as quais o Estado poderá, legitimamente, limitar as liberdades individuais, mediante a definição de condutas delituosas e suas respectivas sanções. Seu estudo está estruturado em três grandes campos de sistematização: a) a teoria da lei penal; b) a teoria do crime; c) a teoria da pena. A teoria da lei penal destina-se ao estudo dos processos de elaboração, interpretação e aplicação das normas penais no tempo, no espaço e em relação às pessoas. Tal estudo estrutura-se a partir do princípio da legalidade que determina não haver crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação legal. A teoria do crime trata dos critérios (requisitos) mediante os quais uma conduta pode ser qualificada como criminosa, ou seja, busca identificar, a partir da análise da legislação penal, os pressupostos objetivos e subjetivos de imputação, a partir dos quais pode se afirmar a existência de um crime e se atribuir a responsabilidade ao seu autor. Tal estudo realiza-se mediante a análise de três grandes categorias, que integram o conceito analítico de delito: a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. Já a teoria da pena estuda os processos legais de cominação, aplicação e execução das penas e, embora seja apresentada, muitas vezes, como uma disciplina essencialmente normativa, seu estudo transcende os aspectos estritamente dogmáticos. Isso porque, para além de estudar o sistema legal de cominação, aplicação e execução das penas vigente no direito brasileiro, pressupõe um debate sobre os fundamentos da atividade punitiva do Estado, no qual questões como “Por que punir? Quando punir? Como punir?” ocupam lugar de destaque, determinando reflexões que emergem da filosofia política (Por que o Estado detém o poder de punir? Por que este ato de violência pode ser considerado legítimo?) e da Política criminal (Quando o estado deve se valer da pena como instrumento de controle social? Como deve punir? Quais penas devem ser utilizadas?). Dependendo da visão de Estado que se adote, tais questionamentos podem encontrar respostas totalmente distintas. Ocorre que no atual contexto histórico brasileiro, marcado pela consolidação normativa de um modelo de Estado Constitucional Democrático e de Direito, que tem como fundamento a ideia de dignidade humana, exige-se que tais questionamentos sejam respondidos a partir das referências acima mencionadas: direitos fundamentais, democracia, dignidade humana. Neste aspecto se faz necessário desdobrar tais questionamentos em outros: Como punir numa democracia? Como conjugar a pena, como ato de violência legítima, e a ideia de dignidade humana? Estas são questões fundamentais para o estudo da teoria da pena.

1.1

A PENA: ASPECTOS HISTÓRICOS

Afirma-se que a história da repressão penal pode ser confundida com a história da própria humanidade. Tal afirmação apoia-se no fato de que o homem sempre revidou a qualquer tipo de comportamento que colocasse em risco sua própria existência. Pode ser encontrada aqui a origem da pena e também sua essência: a pena nasce com o homem e é reação ou vingança contra todo e qualquer comportamento indesejado. Originariamente esta reação foi exercida pelo próprio ofendido ou pelo seu grupo familiar (vingança privada), não guardando qualquer critério de proporcionalidade entre a ofensa e a reação ou revide. Por meio da vingança privada se buscava, exclusivamente, retribuir ao ofensor pelo mal que havia praticado. Esta forma de vingança foi exercida não somente pela vítima, mas também por seu grupo familiar ou pelo grupo social em que se encontrava inserido. Tratava-se de uma forma de autotutela, marcada pela total ausência de proporção entre o mal sofrido e a reação punitiva. A origem da pena também é ligada ao pensamento mágico ou religioso. Não podendo explicar os fenômenos ou acontecimentos que fugiam ao cotidiano os homens primitivos passaram a atribuí-los a entes sobrenaturais que, segundo eles, premiavam ou castigavam a comunidade pelo seu comportamento. O homem primitivo muitas vezes punia para proteger-se da ira dos deuses, aos quais atribuía os fenômenos naturais maléficos. Tudo aquilo que ultrapassava o seu conhecimento e que alterava sua vida normal era visto como obra de influências sobrenaturais. Fenômenos como a chuva, o trovão, a seca, a tempestade e que exerciam influência sobre a vida de cada um e de toda a comunidade eram atribuídos a estas entidades sobrenaturais e, por isso, era necessário adequar a conduta humana para obter desses seres benevolência e proteção. (FRAGOSO, 1994) Para tanto se criam uma série de proibições denominadas tabus, que quando desrespeitadas ocasionavam o castigo. Desse modo, o tabu, como lei religiosa, expressa- se como forma de controle social dos povos primitivos. O homem pune porque acredita que assim defende-se da ira divina provocada por comportamentos humanos e essa defesa se faz por meio do ataque a tais comportamentos. Porém este ataque, apesar de sua finalidade defensiva, guarda a natureza de reação ou vingança que sempre aparece ligada ao instinto primeiro de preservação. Vê-se, pois, que sob esta ótica a pena aparece como vingança, não mais privada, e sim divina. Pimentel (1985, p. 10) observa que “a pena surgiu como uma necessidade sentida pelos grupos humanos primitivos de responder, satisfatoriamente, às entidades superiores ofendidas pelo infrator” e isso coloca o homem em um segundo plano, sendo este instrumentalizado a serviço da entidade sobrenatural, a quem cumpre apaziguar com o castigo. Com o desenvolvimento e fortalecimento de um poder centralizado, que aparece e se institui a partir do desenvolvimento da atividade produtiva e da divisão do trabalho é que a vingança contra atos lesivos passa a ser contida ou limitada. Essa limitação é produto da racionalidade humana e aparece, num primeiro momento, através do talião e da composição. Contudo, é a tomada de consciência dos fins potencialmente atingíveis pela ameaça ou aplicação da punição, como castigo, que constitui um dos critérios fundamentais para a transição da vingança privada para a vingança pública. A lei do Talião, contida no Código de Hammurabi (1792 a. C.), é tida como o primeiro passo na contínua tentativa de evoluir no sentido da humanização das sanções, pois com ela surge a noção de proporcionalidade e de retribuição, que são marcas indeléveis da pena, sustentadas até os dias atuais. Representou a primeira tentativa de limitação do direito de punir, introduzindo a necessidade de graduar delitos e penas. (SICA, 2002). No âmbito do Direito Canônico, que influenciou largamente as práticas punitivas utilizadas ao final da Idade Média e início da Idade Moderna, a pena foi concebida como um mal, mas justificada como um bem, pois buscava reconciliar o réu pecador com a divindade ofendida. Sua finalidade seria o arrependimento do réu e a sua emenda, por meio da expiação do erro cometido. O Direito Canônico influenciou profundamente o sistema punitivo que se desenvolveu

e consolidou a partir do início da modernidade, especialmente no que se refere a ideia de pena como instrumento de transformação do apenado. Expressões utilizadas ainda hoje no âmbito do sistema penal tem origem naquele contexto histórico, por influência do pensamento canônico, e permanecem largamente utilizadas na atualidade, exemplo disso são as palavras penitenciária (local para penitência) e cela (espaço de reclusão dos clérigos) que integram o texto da própria lei de execução penal brasileira, atualmente em vigor. Com o aparecimento e posterior desenvolvimento do Estado, caracterizado fundamentalmente pelo surgimento de um poder público separado da sociedade, o exercício punitivo passa a ser centralizado e gradativamente vai sendo monopolizado pelo mesmo, retirando-se da vítima o direito de vingança particular ou privada. Este exercício punitivo centralizado no Estado passa a ser justificado, primeiramente, por discursos transcendentais e, posteriormente, por discursos pretensamente racionais. Por que o Estado tem o poder de dispor sobre a liberdade dos indivíduos? Por que os homens, ao se organizarem socialmente, aceitaram passar às mãos do Estado o poder de punir, abrindo mão de parcela significativa de sua liberdade? Estas são questões fundamentais, pois dizem respeito a legitimidade do jus puniendi Estatal, e para as quais construíram-se respostas variadas. No pensamento penal moderno os fundamentos do direito de punir do Estado foram construídos essencialmente por meio da teoria do contrato social (contratualismo). Os preceitos do contratualismo são, segundo Dallari (1989), a base de toda a teoria do Estado e serviram para explicar o surgimento do jus puniendi estatal. Partindo da ideia de que os homens viviam originariamente num estado de natureza, totalmente desagregados, em condições de igualdade e liberdade quase absolutas, mas num constante estado de guerra e insegurança, pensadores contratualistas como Hobbes e Rousseau, que embora divirjam quanto a condição humana no estado natural, afirmam que o poder do Estado deriva de um “pacto” ou de um “contrato” firmado entre os indivíduos, que aceitam ceder parte de sua liberdade ao “soberano” em troca de maior segurança. De maneira geral e convergente, destaca-se, no pensamento contratualista, a marcante concepção sobre a necessidade de uma força superior a coordenar as vontades individuais em nome da vontade geral (Rousseau). A ambição, as pretensões sobrepostas, as desavenças, inerentes ao convívio social, são, porém, perniciosas, clamando assim, por uma organização suprapessoal de controle, calcada na hipotética soma das vontades pessoais. Apesar de divergirem nos meios e fundamentos pelos quais surge e se legitima esse pacto, os contratualistas evidenciam a inescapável necessidade da existência da organização estatal e meios de controle correspondentes [...]. O cotejo das teorias contratualistas serve para mostrar que junto com a sociedade civil – formada primeiramente por um “pacto de associação”, seguido por um “pacto de submissão”- nascem as esferas de controle social, desde já com caráter eminentemente punitivo e sempre orientadas verticalmente. Logo, o jus puniendi surge teoricamente justificado como manifestação imediata e inerente da organização social e fundado na crença de que deva ser exercido pelo Estado (Leviatã), representante e portador da somatória das vontades individuais e, logo, ente apto a garantir a coexistência pacífica de seus membros. (SICA, 2002, p. 24)

Como se percebe a repercussão do pensamento contratualista no âmbito do Direito Penal é extremamente marcante, tendo ele fundamentado toda a formação do pensamento penal contemporâneo. Cesare Beccaria, cuja obra “Dos delitos e das Penas” é considerada um marco na construção da racionalidade penal moderna, utiliza este paradigma para explicar a origem das penas e do direito de punir: Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda a parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma

de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo. [...] Por conseguinte, só a necessidade constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada indivíduo só consente em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, isto é, precisamente o que era necessário para empenhar os outros e mantê-lo na posse do resto. O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo o exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo. (BECCARIA, 1993, p. 16-17).

A teoria exposta por Beccaria confere ao Estado o poder de punir para: a) garantir a proteção dos indivíduos contra agressões uns dos outros; b) assegurar ao agressor proteção contra reações informais e contra penas desproporcionais, baseadas nos impulsos e nas paixões. Com tal raciocínio Beccaria atribui à pena o papel principal de obstáculo às condutas desviadas, vendo-a como uma necessidade social, pois somente a certeza de sua aplicação garantiria segurança e a possibilidade de uma convivência pacífica entre os indivíduos. Por outro lado, também estabelece a necessidade de proteção ao agressor, à medida que propugna pela limitação das penas, por sua proporcionalidade, defendendo a moderação como princípio básico do exercício do direito de punir. De modo geral pode-se afirmar que, durante vários séculos (período antigo e medieval) a repressão penal foi exercida através de penas cruéis que além de atingirem o acusado atingiam também todos os seus descendentes, bem como os seus bens. Eram utilizados castigos como a morte, açoites, as mutilações, as galés e o desterro, sendo o suplício um estilo penal amplamente utilizado. Estes tipos de castigos tiveram ampla aceitação no decorrer da história da humanidade tendo entrado em declínio apenas no século XVIII quando, a partir da monopolização estatal da punição, e por força do movimento iluminista que propugnou pela humanização das sanções, as penas corporais passaram a ceder espaço a outras espécies de sanções, dentre as quais se destaca a pena privativa de liberdade. Tais questões serão melhor discutidas a frente quando tratarmos da pena de prisão. 1.2

CONCEITO DE PENA E SUAS CARACTERÍSTICAS:

A palavra pena provém da expressão latina poena, que significa imposição de dor física ou moral ao transgressor da lei. A pena expressa, portanto, uma espécie de sofrimento que recai sobre aquele que foi declarado autor de um delito, representando, portanto, a restrição ou supressão de um direito. Emile Durkheim, sociólogo francês, apresenta uma classificação das diferentes espécies de direito levando em conta a espécie de sanção adotada para cada um deles. Ao definir o preceito de direito como regra de conduta sancionada, afirma que a melhor classificação das normas é aquela que as separa segundo as diferentes sanções a elas vinculadas. Assim, surgem dois tipos de normas, na medida em que estão vinculadas a uma ou outra espécie de sanção. Sempre que a sanção implicar num sofrimento, numa dor ou numa diminuição/restrição de um direito infligida ao agente, cujo objetivo é atingi-lo em sua vida, liberdade, patrimônio, honra, esta terá caráter repressivo, eis que buscará privar o agente de algo que desfruta. Ao contrário, quando a sanção, não implicando necessariamente um sofrimento do agente, buscar o restabelecimento das relações perturbadas em suas devidas condições, terá caráter restitutivo. Desse modo distinguem-se as normas segundo tenham sanções repressivas ou sanções restitutivas. Levando em conta este critério a pena, por sua natureza retributiva, é tradicionalmente conceituada como “sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração penal, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos” (Soller)

1.3 A CONFIGURAÇÃO DO SISTEMA PENAL CONTEMPORÂNEO E DE SUAS IDEOLOGIAS DE LEGITIMAÇÃO (TEORIAS DA PENA) O final do século XVIII é o momento histórico em que se iniciam profundas e radicais transformações na estrutura do controle penal nas sociedades ocidentais, estabelecendo-se nele a gênese do modelo repressivo contemporâneo. Estas transformações não são isoladas e inseremse no conjunto de transformações de ordem política, econômica e cultural que se operam naquele contexto histórico, quando se consolida a transição da ordem feudal e do Estado absolutista para a ordem capitalista e para o Estado de Direito Liberal na Europa. A partir do final do século XVIII e durante o século XIX opera-se a grande transformação dos sistemas de controle do desvio. Cohen (1988, p. 34), sintetiza esta transformação a partir de quatro aspectos fundamentais: a) O Estado passa a monopolizar o exercício da violência penal – Há o incremento do papel do Estado no campo do controle do desvio e a hegemonia da lei e do sistema de justiça penal conduzem ao desenvolvimento de todo um aparato de controle e de castigo do crime que se caracteriza pela centralização, racionalização e burocratização; b) Desenvolve-se, a partir de um modelo de especialização profissional, o aumento de classificações e diferenciações dos desviados, cada um com seu próprio corpo de conhecimentos científicos; c) O cárcere aparece como resposta penal hegemônica. Assume a condição de instrumento dominante para a transformação de comportamentos indesejáveis e como forma predileta de castigo; d) Diminuem significativamente o castigo público e o sofrimento físico. A mente substitui o corpo como objeto de repressão penal. Este modelo de controle consolida-se, até meados do século XIX, na grande maioria das sociedades industriais, e nasce em oposição ao sistema de controle vigente no antigo regime. No período histórico anterior (pré-século XVIII) o controle do delito por parte do Estado era débil, descentralizado e arbitrário; era aberto, difuso, no sentido de realizar-se pela comunidade ou por instituições primárias; o objeto do controle era indiferenciado e sua visibilidade era pública, espetacular, não havendo hegemonia da lei ou do sistema de justiça penal. O objeto de intervenção penal era o corpo do condenado e as teorias da pena tinham caráter moralista (retributivas- justo preço). (Cohen, 1988. Foucault, 1994). Dentre as transformações que marcam a passagem do antigo para o moderno modelo de controle acentuam-se, pois, as características da centralização, da racionalização e a adoção da prisão como resposta penal básica. A centralização manifesta-se pela concentração do controle do delito na esfera estatal e é acompanhada pela normativização da atuação punitiva. Por meio dela o controle do delito é apresentado como um exercício de poder racional porque, em oposição ao controle vigente no antigo regime, está limitado pela lei. Neste contexto, acentua Andrade (1994, p. 123), o sistema penal adquire uma estrutura marcada pela presença de duas dimensões distintas: uma dimensão programadora, consubstanciada na elaboração normativa dos delitos e das penas e, portanto, na enunciação legal dos limites do poder de punir, e uma

dimensão operacional, que compõe-se do conjunto de decisões e ações dos órgãos responsáveis pelo controle. Paralelamente à consolidação do sistema penal moderno emerge um conjunto de saberes e teorias que, ao realizar a crítica do modelo de repressão antigo, contribuíram para a consolidação e a racionalização do novo modelo. O Estado, enquanto único legitimado para o exercício do poder de punir, necessitou destas discursividades, saberes e ideologias para a racionalização do exercício da função de controle e para sua justificação. Neste sentido, acentua Andrade (1997, p. 177) que Uma característica do controle social formal é a de requerer não apenas a definição do objeto do controle, mas a justificação dos meios empregados para fazê-lo, de modo que suas ações (...) devem receber uma fundamentação racional, e esta constitui o seu marco de legitimação, já que supõe uma aceitação societária destes instrumentos, que, naturalmente, deve ser trabalhada mediante discursividades.

Assim é que se desenvolve o primeiro conjunto articulado e sistemático de saberes que, muito embora sejam anteriores e/ou concomitantes à consolidação da nova estrutura punitiva, serviram para sua racionalização e justificação. A organicidade de tais saberes, ao contrário das manifestações filosóficas e dos estudos isolados realizados sob a égide do antigo regime (Idade Média), permitiu a consolidação das denominadas escolas penais. Através delas, em especial das escolas Clássica, Positiva e Técnico-Jurídica, desenvolveram-se estudos sistemáticos em torno do crime, do criminoso e da pena e consolidaram-se as discursividades responsáveis pela legitimação do poder punitivo centralizado, a partir da modernidade, no sistema de justiça penal estatal. 1.3.1 As teorias da pena: No marco do Estado Moderno em que a coerção penal aparece como um exercício monopolizado pelo Estado o controle penal apresenta-se como um controle punitivo institucionalizado que, dado sua característica coercitiva, precisa ser justificado mediante discursividades (teorias legitimadoras). Assim, o porquê e o para quê da pena constituem as principais justificativas teóricas que buscam fundamentar a aplicação do castigo estatal. Partindo da análise dos fins da pena é que o saber penal oficial, passando pela filosofia clássica até a criminologia desenvolvida pela escola positiva, construiu as grandes linhas de legitimação do sistema penal moderno. Segundo o discurso jurídico penal prevalecente a pena tem uma tríplice finalidade: retributiva, preventiva e ressocializadora. Para as denominadas Teorias Absolutas a pena tem uma finalidade eminentemente retributiva, sendo que o fundamento para a punição é uma exigência de justiça: pune-se o agente porque cometeu o crime. Para as Teorias Relativas a pena tem uma finalidade preventiva. O crime não é a causa da pena, mas a ocasião para que esta seja aplicada. Para as Teorias Unitárias a pena é retribuição, mas essa também deve perseguir fins de prevenção geral e especial. Referindo-se as justificações retributivas (absolutas) e preventivas (relativas), Luigi Ferrajoli (2001, p. 205) observa que: A diferença entre justificações absolutas ou retributivas e justificações relativas ou utilitaristas encontra-se expressa de forma límpida em um conhecido trecho de Sêneca: as justificações do primeiro tipo são quia peccatum, ou seja, dizem respeito ao passado; aquelas do segundo, ao contrário, são ne peccetur, ou seja, referem-se ao futuro. Enquanto para as primeiras a legitimidade externa da pena é apriorística, no sentido de que não é condicionada por finalidades extrapunitivas, para as segundas, diferentemente, referida legitimidade é condicionada pela sua adequação ou não ao fim perseguido, externo ao próprio direito ....

Teorias Absolutas: “As doutrinas absolutas ou retributivas fundam-se todas na expressão de que é justo transformar o mal em mal” (FERRAJOLI, 2001, p. 205). Este princípio de retribuição já esteve presente na tradição hebraica e se consolidou na tradição cristã ocidental, girando em torno de três ideias fundamentais: vingança, expiação, reequilíbrio entre pena e delito (entre pecado e castigo). Não obstante sua vertente religiosa a concepção da pena como retribuição também possuiu uma versão laica, em que se destacam os postulados de Kant e Hegel. Para o primeiro a pena é uma retribuição ética que se justifica pela violação da lei moral por parte do culpado, para o segundo a pena é uma retribuição jurídica (negação da negação), que se justifica pela necessidade de restauração do direito. Para Bittencourt (2010) a ideia de pena em sentido absoluto também deve ser analisada conjuntamente com o tipo de Estado que a consolidou. A pena como retribuição aparece vinculada ao Estado absolutista e se desenvolve com o aparecimento do Estado burguês. No Estado absolutista, em que o poder do soberano é justificado pela delegação divina, toda e qualquer violação a este poder é penalizada porque é vista como violação ao próprio Deus. Com o surgimento do Estado burguês, que tem como fundamento a teoria do Contrato Social, a pena passa a ser concebida como retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena aparece como instrumento capaz de restaurar a ordem jurídica interrompida, com a tarefa única de realizar a Justiça. Importa ressaltar, que a pena como retribuição teve ampla aceitação na denominada Escola Penal Clássica, visto que a mesma encontrava o fundamento para a punição na racionalidade humana ou no denominado “livrearbítrio”. Teorias Relativas (Preventivas): As teorias preventivas concebem a pena não como um fim em si mesma, mas como um meio para a realização de finalidades que lhe são exteriores. Para elas a pena se justifica como instrumento de proteção e de defesa do grupo social. As concepções relativas desenvolvem-se a época do iluminismo, tornando-se a base comum do pensamento reformador. Unindo-se a doutrina da completa separação entre direito e moral, os pensadores iluministas (Beccaria, Bentham, entre outros) passam a defender a tese de que as aflições penais não podem ser homenagens gratuitas à ética, à religião ou à vingança, mas que são preços necessários para impedir males maiores. Nesta perspectiva a pena justifica-se por ser um instrumento útil para a prevenção de novos delitos. As teorias relativas são fruto do pensamento utilitarista que confere à pena e ao Direito Penal a função de prevenção de novos delitos, através do qual se buscaria a realização da “máxima felicidade ao maior número de pessoas”. Relativamente às teorias da prevenção podem se identificar quatro tipos ideais de modelos teóricos: teorias da prevenção geral, que se subdividem em prevenção geral negativa e positiva, e teorias da prevenção especial, que também se dividem em prevenção especial positiva e negativa. a) Teorias da prevenção geral: Para estas teorias os destinatários da norma penal são àqueles indivíduos que ainda não delinquiram. Estas se subdividem em teorias da prevenção geral negativa (Bentham, Feuerbach, Beccaria) e prevenção geral positiva (Jakobs). As primeiras, afirmam que a sanção penal tem como destinatários os infratores potenciais, sendo que a função da pena é, justamente, intimidalos ou dissuadi-los da prática delitiva através da mensagem contida na lei penal (seja através do exemplo da punição ou da ameaça legislativa). As segundas, afirmam que os destinatários da lei penal são os cidadãos fiéis à lei, e a função da pena é a de afirmar valores e regras sociais, contribuindo para o reforço da ordem mediante a reafirmação de valores jurídicos lesados pela conduta delitiva (prevenção geral positiva).

Dentre as teorias da prevenção geral positiva, merece análise cuidadosa a teoria formulada por Günter Jakobs, que trabalha numa perspectiva funcionalista e que tem recebido destaque especial nos últimos anos. Jakobs (2007) afirma que a pena apresenta-se como necessidade funcional para o sistema social. “A pena apresenta-se... como necessidade sistêmica de estabilização de expectativas sociais, cuja vigência é assegurada ante frustrações que decorrem da violação das normas.” (JACKOBS, 2007). Para o autor as interações sociais geram expectativas de ação das mais diversas e estas são necessárias a subsistência da ordem social. Tais expectativas podem ser desestabilizadas em face do conflito entre os indivíduos e, por isso são normatizadas, para assegurar a confiança e a fidelidade das interações interindividuais. “A pena, por sua vez, protege as condições de tal interação, e tem, portanto, função preventiva, pois assegura a validade da norma. Para a perspectiva sistêmica, por conseguinte, a reação punitiva (a pena) tem como função principal restabelecer a confiança e reparar ou prevenir os efeitos negativos que a violação da norma (seu descumprimento) produz para a estabilidade do sistema e para a integração social.” (apud QUEIROZ, 2002). Assim, neste modelo, a pena é concebida positivamente, sendo sua função a manutenção da norma, que é o modelo de orientação de condutas para as relações sociais. b) Teorias da prevenção especial: Para estas os destinatários da norma penal são aqueles que já delinquiram. Dividem-se em teorias da prevenção especial negativa e prevenção especial positiva. Para as primeiras a função do Direito Penal e da pena é a neutralização do transgressor, seja pelo seu isolamento ou aniquilamento físico. Para as segundas a função da pena é a transformação do condenado através da reeducação, ressocialização ou tratamento. Estas atribuem a pena uma função correcional. As doutrinas que justificam a pena a partir da função de prevenção especial tiveram um grande desenvolvimento durante o século XIX, principalmente a partir do surgimento da Escola Penal Positiva italiana e paralelamente à difusão de concepções organicistas do corpo social. As concepções correcionalistas ou neutralizadoras que delas derivam partem do pressuposto de que o crime é um fenômeno natural e o criminoso é um sujeito anormal, determinado a prática delitiva por fatores genéticos, psíquicos ou sociais e a pena tem finalidade preventiva especial, funcionando como meio de recuperação (tratamento) ou simples neutralização do delinquente, com vistas a defesa da sociedade. Referindo-se as concepções terapêuticas da pena Ferrajoli (2001, p. 215) observa que a tese central desta doutrina é a de que: [...] o delinquente é um ser antropologicamente inferior, mais ou menos pervertido ou degenerado, e que portanto, o problema da pena equivale àquele das defesas socialmente mais adequadas ao perigo que o mesmo representa. Nesta perspectiva as penas assumem o caráter de medidas tecnicamente apropriadas às diversas exigências terapêuticas da defesa social, vale dizer, higiênico-preventivas, terapêutico-repressivas, cirúrgico-eliminatórias, dependendo do tipo de delinqüente e dos fatores sociais, psicológicos ou antropológicos do crime.

Tais doutrinas, contrariamente as teses da intimidação geral que pressupõe o livre- arbítrio, constituem uma versão criminológica determinista, ou seja, concebem o homem como [...] uma entidade animal privada de liberdade e inteiramente sujeita às leis da necessidade natural. Mais precisamente, representam o resultado de uma infeliz mistura das ideias de Lombroso, acerca do “delinquente nato” ou “natural” e sobre a natural desigualdade dos homens, daquelas de Spencer sobre a sociedade enquanto “organismo social” e daquelas de Darwin acerca da seleção e da luta pela existência que, se aplicadas a tal “organismo”, legitimam-no a defender-se das agressões externas e internas por meio de práticas socialmente profiláticas. (FERRAJOLI, 2001, p. 216)

Muito embora tenham ganhado consistência durante o século XIX com as doutrinas terapêuticas da Escola Positiva Italiana, as doutrinas da prevenção especial tem origem mais remota. São fruto de uma concepção espiritualista de homem que, baseadas no pressuposto do livre-arbítrio, concebem a pena não apenas como instrumento de retribuição ao crime, mas também como instrumento de transformação dos homens (doutrinas pedagógicas da emenda). Essa visão pedagógica da pena orienta todo o direito penal canônico (pena como remédio para a alma) e representa o fundamento para as teses da diferenciação penal que afirmam que a pena deve ser diferenciada, sendo seu limite determinado a partir da capacidade de emenda ou transformação dos condenados (FERRAJOLI, 2001) Segundo Ferrajoli (2001), apesar das divergências suscitadas, as concepções preventivas especiais tem como elemento comum a tese do delito como patologia individual, pouco importando se moral, social ou natural e a pena como terapia. A partir delas a pessoa do delinquente é colocada em primeiro plano para fins de determinação qualitativa e quantitativa da pena, sendo que o julgamento privilegia a pessoa do autor e a pena visa a transformação ou neutralização da personalidade do condenado. c) Teorias ecléticas (mistas): São todas as teorias, dominantes na atualidade, que buscando superar a dicotomia retribuição/ prevenção, pretendem combiná-las. Procuram aliar as noções de justiça e utilidade, defendendo que a pena será legitima na medida em que for justa e útil a sociedade. Uma simples leitura dos artigos 59 do Código Penal e do artigo 1º da Lei de Execuções Penais (LEP) permite perceber que a legislação brasileira adota uma concepção eclética de pena. O artigo 59 do Código Penal determina que a pena deve ser fixada pelo juiz, conforme seja necessário e suficiente para reprovar e prevenir o delito, o que indica uma opção do legislador por concepções retributivas e preventivas da pena. A lei de execuções penais, em seu artigo 1º, foi bastante incisiva ao afirmar que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, indicando a opção do legislador por uma concepção preventiva especial de pena. É notório, portanto, o fundamento pedagógico adotado no que se refere à pretensão executória. No plano teórico, merecem destaque, na atualidade, duas concepções mistas de pena: a teoria dialética unificadora de Claus Roxin e o garantismo penal de Luigi Ferrajoli. Para Roxin (apud Queiroz, 2002, p. 58) a finalidade da pena é a prevenção geral subsidiária de delitos (positiva-negativa). Prevenção geral porque o fim da norma penal é, essencialmente, dissuadir as pessoas do cometimento de delitos; subsidiária porque o direito penal somente deve ter lugar quando fracassarem outras formas de prevenção e controle sociais, como o direito civil, o direito administrativo.... Mas não apenas a prevenção negativa, pois segundo Roxin, cabe ao direito penal também fortalecer a consciência jurídica da comunidade.

Já para Ferrajoli (2001), a única função capaz de justificar a pena é a prevenção geral negativa, mas não somente a prevenção de futuros delitos, mas também e sobretudo a prevenção de penas arbitrárias. A pena, nesta perspectiva não serve somente para prevenir os delitos injustos, mas também os castigos injustos. Segundo este autor as doutrinas utilitárias tradicionais de prevenção geral negativa atribuem a pena um único fim, qual seja, a prevenção de delitos, referindo-se, deste modo, somente a máxima felicidade ou utilidade da maioria não desviada, sem qualquer espécie de consideração ou referência a minoria desviada. Uma concepção deste tipo “ao orientar o direito penal unicamente ao fim ne peccetur, encaminha suas opções para a adoção de meios penais maximamente fortes e ilimitadamente severos”(2002, p. 331), justificando modelos de controle penal máximo. Para evitar este defeito, Ferrajoli considera ser necessário recorrer a um segundo parâmetro, que se refira não aos interesses dos não desviados e sim aos interesses dos desviados. Assim, para ele, a pena deve buscar não só a prevenção de novos delitos, mas, sobretudo, deve

prestar-se a garantir a prevenção de penas informais, ou seja, de possíveis reações públicas ou privadas arbitrárias que, na falta do controle penal estatal, poderiam emergir contra os desviados. Assinala, portanto, que a pena não serve exclusivamente para prevenir delitos, mas também os castigos excessivos e arbitrários. Nas palavras de Ferrajoli (2002, p. 332): Há, sem embargo, outro tipo de fim ao que cabe ajustar o princípio da pena mínima, e é a prevenção não de delitos, mas de outro tipo de mal antitético ao delito que é esquecido tanto pelas doutrinas justificacionistas como pelas abolicionistas. Este outro mal é a maior reação – informal, selvagem, espontânea, arbitrária, punitiva porém não penal – que a falta de penas poderia provir da parte ofendida ou de forças sociais ou institucionais solidárias com ela. Impedir este mal, de que seria vítima o reu ou inclusive pessoas ligadas a ele, o que representa, me parece, o segundo e fundamental fim justificador do direito penal.

Ao descrever esta dupla finalidade preventiva observa que ela contempla, de um lado, os interesses da maioria não desviada e, de outro, o interesse do réu ou do acusado em um procedimento penal. Reflete, portanto, interesses conflitivos: de um lado o interesse de defesa social e de maximização da prevenção de novos delitos através das penas e, de outro, a defesa do interesse individual através da prevenção de penas arbitrárias. Considera que desta dupla finalidade preventiva resulta o fim geral do direito penal, qual seja, a minimização da violência na sociedade, afirmando que “... um sistema penal está justificado somente se a soma das violências – delitos, vinganças e castigos arbitrários – que está em condições de prevenir é superior a das violências constituídas pelos delitos não prevenidos e pelas penas estabelecidas para eles.” (FERRAJOLI, 2002, p. 336). A tutela dos direitos humanos constitui, portanto, o fundamento para a pena e para o direito penal. Para ele a defesa dos direitos humanos dos cidadãos (desviados ou não desviados) representa a finalidade última do direito penal e, a partir dela, devem ser estabelecidos os limites e vínculos, ou as condições mediante as quais o monopólio da violência pode ser exercido legitimamente pelo Estado. Neste sentido é que doutrina de justificação de Ferrajoli é concebida como um doutrina que é, simultaneamente minimalista, e garantista. Isso porque tem como finalidade geral a tutela dos direitos humanos de todos, tutela esta que exige a defesa e a proteção dos direitos dos indivíduos tanto contra as arbitrariedades das proibições como também dos castigos e que exige, portanto, a extinção dos modelos de controle penal máximos ou totalitários, fundamentando somente a possibilidade de modelos de controle penal mínimo. Deve-se destacar também que, nos países com tradição romano-germânica, emergiram, nas últimas décadas do século XX, modelos penalógicos de incapacitação e neutralização do infrator, baseados nas teorias funcionalistas-sistêmicas, que tem no alemão Günther JaKobs seu maior representante. Formulações baseadas num modelo de Direito Penal do Inimigo, que propõe uma lógica de guerra, de neutralização de grupos de risco, propõe a sobreposição da razão de Estado ao Estado de Direito. Neste aspecto o “ente público passa a ser visto como bem autônomo e próprio de tutela, cujo objetivo primário e incondicionado da ação governamental (meio) é a sua conservação e ampliação (fim)” (CARVALHO, 2013, p. 109) Jakobs (2007) propõe a adoção da dicotomia “Direito Penal do cidadão” versus “Direito Penal do Inimigo”, para designar dois modelos distintos de intervenção punitiva, que devem ter por base uma diferenciação dos indivíduos a partir de sua identificação como cidadãos ou como inimigos. O Direito Penal de garantias, fundado nos princípios da legalidade, da lesividade, da proporcionalidade, da jurisdicionalidade, entre outros, teria aplicabilidade apenas aos “cidadãos” que praticam acidental e/ou esporadicamente crimes. O cidadão seria aquele indivíduo que, mesmo tendo cometido um crime, oferece garantias mínimas de que se comportará, em geral,

obedecendo aos conteúdos de proibição das normas penais. Em contrapartida a este Direito Penal do cidadão, propõe a consolidação de um Direito Penal do Inimigo, tendo este como objeto os indivíduos que delinquem por princípio e de forma sistemática. Sustenta ser possível identificar, em alguns casos, indivíduos que se comportam de forma a violar sistematicamente as normas penais, não oferecendo garantias mínimas de condutas pessoais estabilizadoras da vigência das normas. Estes seriam os inimigos, contra quem deve o Estado agir de forma implacável. No primeiro modelo (Direito Penal do Cidadão), o indivíduo faria jus ao status de pessoa; no segundo (Direito Penal do Inimigo) não, devendo ser tratado apenas como inimigo, pois este “não aceitou o estado, desrespeitando-o, deste modo este não precisa respeitá-lo como cidadão” (CANTERJI, 2010, p. 52). 1.3.2 Críticas às teorias da pena Contemporaneamente são extremamente significativas as críticas que se fazem em torno das teorias da pena. De um lado elaboram-se críticas que a partir de uma perspectiva normativa (dever ser), consideram as funções de retribuição e prevenção atribuídas à pena inaceitáveis desde o ponto de vista ético e também jurídico. De outro são elaboradas críticas que, com base na operacionalidade dos sistemas penais contemporâneos (ser), demonstram a ineficácia da pena como instrumento de realização dos fins normativamente declarados. Referindo-se as concepções retributivas da pena, Luigi Ferrajoli (2001) acentua que estas incorrem em um grave equivoco teórico à medida que confundem os pressupostos (quando punir) da pena e os seus fins (porque punir). Neste sentido, dizer que a pena é justificada como retribuição significa dizer quando é possível punir (Princípio Retributivo), mas não equivale dizer por que é justificado punir. Para Ferrajoli as concepções retributivas padecem do defeito de confundir direito e moral, justificando punições que se fundamentam em juízos meramente éticos. Ramirez (1992) acentua que as teorias retributivas, ao buscarem como fundamento para a punição a realização da justiça como tal, partem do pressuposto de que existem verdades ou valores absolutos e imutáveis, esquecendo-se que os valores são variáveis e que somente podem ser apreendidos dentro de um sistema social específico. Ao fazerem isso transformam o direito e o direito penal em um puro problema ético, em que estão em jogo valores absolutos. Além disso [...] dentro de um Estado Democrático, não se mostra racional nem tampouco apropriado a dignidade da pessoa humana, em virtude da transcendência que se reconhece em um estado de Direito democrático, que a pena só consiste em um mal, que só tem por objeto retribuir. Tal unilateralidade (....) está marcada pelas idéias do talião ou da vingança, que não resultam adequadas para a concepção de um Estado de Direito. (RAMIREZ, 1992, p. 94)

Maria Lúcia Karam (2000, p. 338) acentua que a teoria retributiva da pena se fundamenta em uma irracionalidade pois [...] se o mal é algo que se deseja ver afastado ou evitado, por que se deveria reproduzi-lo, por que se deveria insistir nele com a pena? Mesmo aceitando-se as teses contratualistas, que estiveram na origem da ideia de retribuição, ou as posteriores posições neo-contratualistas, decerto pareceria mais lógica a opção pela reparação do dano material ou moral causado pelo delito, especialmente porque aí se levariam em contra os interesses das pessoas diretamente afetadas.

As críticas às teorias relativas da pena são mais significativas no atual contexto, eis que são estas que, desde o século passado, se afirmaram como principais teorias de justificação da intervenção punitiva. Em relação à prevenção geral, Ferrajoli acentua que esta não condiciona nem a qualidade, nem a quantidade das penas mas, ao contrário, sugere a máxima crueldade punitiva. Neste sentido a finalidade da prevenção geral que se faz através da ameaça não é suficiente como critério de limitação das penas dentro de um modelo de direito penal mínimo, próprio dos Estados Democráticos de Direito.

Por outro lado, a prevenção que se faz através da punição exemplar dá margem a objeção Kantiana, segundo a qual, não é eticamente aceitável que um homem seja utilizado como instrumento para os desígnios dos demais. Para além disso, esta forma de prevenção pode transmutar-se em punições discricionárias que se configuram a partir de conveniências políticas ou de alarme social. As maiores críticas às teorias da prevenção geral tem como fundamento a operacionalidade dos sistemas penais contemporâneos. Estes sistemas, caracterizados pela criminalização primária excessiva (inflação legislativa), precisam atuar de forma seletiva, por conta de uma incapacidade estrutural, punindo apenas uma pequena parcela de ilícitos. Neles a impunidade é a regra e a criminalização secundária (aplicação da pena) é a exceção. Neste sentido, a função de prevenção geral fica comprometida uma vez que para intimidar os potenciais criminosos, a punição deveria ser eficaz sempre que a norma penal fosse desrespeitada. Referindo-se a prevenção geral Maria Lúcia Karam observa que A história demonstra que a função de prevenção geral jamais funcionou. A ameaça, mediante normas penais, não evita a formação de conflitos ou a prática dos ditos delitos. Ao contrário, com o passar dos tempos, os conflitos e os ditos delitos multiplicaram-se e sofisticaram-se, sendo, aliás, ponto forte do discurso contemporâneo dominante o alarde em torno de um descontrolado aumento do número de delitos. O efeito dissuasório nunca se comprovou. Ao contrário, é clara a sinalização de que a aparição de delitos não se relaciona com o número de pessoas punidas ou com a intensidade das penas impostas. (KARAM, 2000, p. 336)

O que tem se observado é que a intimidação pela via da ameaça penal não tem se cumprido. Basta verificar o caso brasileiro pois, em que pese o país tenha, nas últimas décadas ampliado significativamente o rigor punitivo e os níveis de encarceramento, os níveis de conflitos e de violência aumentaram significativamente. Também são várias as críticas dirigidas às teorias da prevenção especial positiva. A mais incisiva é aquela que acentua a transformação do homem em objeto a ser utilizado na estabilização do sistema social. Nela o direito não se presta à solução dos conflitos, nem à proteção dos bens jurídicos, ao menos como meta principal, servindo apenas à estabilização da norma, independentemente do conteúdo desta. Trata-se, como afirma Queiroz (2013), de uma teoria que faz uma descrição asséptica e tecnocrata do modo de funcionamento do sistema penal, sem uma valoração ou uma crítica do mesmo. Para esta teoria a resposta penal não é baseada na real criminalidade, mas apenas no nível de visibilidade social do desvio sendo que, por isso, esta legitima a seletividade produzida pelo sistema (criminalização de uns e imunização de outros). As teorias da prevenção especial, voltadas para uma atuação direta sobre o autor do delito, somente se sustentam, em relação à prevenção de delitos, em sua versão negativa, que se funda na ideia de inocuização do indivíduo (pena de morte, incapacitação física, prisão perpétua). Mas estas além de estarem vedadas por imperativo constitucional implicam na instrumentalização do homem para os fins do Estado, com o qual se coisifica e se perde o respeito por sua dignidade, que é um dos pilares do Estado de Direito. Em relação a pena como instrumento de ressocialização (teoria da prevenção especial positiva) também existem críticas contundentes. Para Ferrajoli (2001) esta tese é contestada no plano da justiça substancial porque o fim proposto por ela não é realizável e porque é incompatível com o valor fundamental da civilização que é o respeito à pessoa humana. A realidade dos sistemas penais contemporâneos, que tem a pena privativa de liberdade como principal resposta penal, demonstra que esta funciona independentemente das condições em se cumpre, como fator criminógeno. A ideia de ressocialização, cujo objetivo é o de que o autor do delito não volte a delinquir em razão de sua reeducação e reintegração à sociedade, é absolutamente incompatível com a segregação. Por outro lado, a pretendida transformação do sujeito, através da imposição de um tratamento carcerário, contradiz valores fundamentais do Estado democrático de Direito como a liberdade, a igualdade e a dignidade.

Referindo-se a tal questão Ferrajoli acentua que a ideia de ressocialização: a) contradiz o princípio da autonomia de consciência (liberdade); b) pressupõe ser o criminoso um ser anormal ou inferior (igualdade); c) desrespeita o direito a diversidade e nega a tolerância, que são sustentáculos do princípio da dignidade da pessoa humana. Na atualidade compreender a finalidade da pena implica uma avaliação do papel que esta exerce em cada um dos momentos do dinamismo penal (Cominação, Aplicação e Execução), bem como a avaliação dos fins declarados pelo discurso-jurídico penal oficial, responsável pela legitimação do sistema de repressão penal, e as finalidades reais que transparecem através de uma análise empírica, reveladora do alto nível de discriminação do sistema penal. Nesta perspectiva, cabem algumas considerações elaboradas no âmbito da Criminologia Crítica que, ao tomar o sistema penal como objeto de análise, procura evidenciar as reais funções desempenhadas pela pena, notadamente a pena de prisão. Os criminólogos críticos, dentre os quais se destaca Alessandro Baratta, estabelecem uma severa crítica as tradicionais teorias da pena, afirmando que estas desempenham uma função exclusiva de legitimação dos sistemas penais. Observa que as finalidades por elas declaradas se situam exclusivamente numa perspectiva ideal (de dever ser) não se efetivando na realidade operacional dos sistemas penais, e que, não obstante isso, são apresentadas, pelo discurso penal oficial, como finalidades que se cumprem. Partindo destas afirmações acentuam que a função real da pena de prisão no contexto contemporâneo é, sobretudo, a de construção da realidade criminal, a partir da estigmatização de determinados indivíduos e de determinadas condutas. Partindo da análise da operacionalidade do sistema penal, Baratta (1982, p. 740) afirma que este é absolutamente incapaz de cumprir as funções declaradas em seu discurso oficial, ou seja, as funções apresentadas pelas teorias da pena porque: a) o direito penal não tutela os bens e interesses de todos os membros da sociedade e quando defende os bens essenciais o faz de forma fragmentária e desigual; b) a lei penal não é igual para todos, sendo que o status criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos. A análise do sistema penal demonstra que a atuação dos agentes do controle penal não é condicionada por variáveis legais, mas sim por variáveis latentes (códigos sociais) que conduzem à avaliação da pessoa do autor; que a regularidade de atuação do sistema penal obedece a uma distribuição seletiva que deriva de mecanismos entre os quais tem importância fundamental os estereótipos de autores e vítimas. Desse modo a intervenção do sistema geralmente subestima e imuniza as condutas que, embora produzam mais altos danos sociais, não tenham sido praticadas por pessoas que correspondem ao estereótipo criminoso. (ANDRADE, 1999) Para a construção seletiva e desigual da criminalidade, o cárcere exerce papel fundamental. Através de um recorte sutil, ele desenha, não obstante o imenso universo de indivíduos violadores da norma penal, o estereótipo de criminoso. Ao estigmatizar determinados indivíduos e determinados delitos, ele mascara uma série de outros comportamentos que permanecem imunes à repressão penal. Assim, apesar do aparente fracasso quanto às funções declaradas de reinserção social, a prisão cumpre com uma função real de fundamental importância para a sustentação do sistema penal: “não erra seu alvo, ao contrário, ela o atinge à medida que destaca, no meio de tantas, uma forma particular de ilegalidade e um tipo específico de criminoso. Ela sublima uma forma de ilegalidade que parece resumir simbolicamente todas as outras, para deixar à sombra as que se quer ou se deve tolerar.” (BARATTA, 1982, p. 742). Esta “fenomenologia da desigualdade” é interpretada a partir do nexo funcional existente entre os mecanismos seletivos do processo de criminalização e a estrutura econômica capitalista. Tanto os processos de criminalização primária, através dos quais são selecionados os bens jurídicos considerados dignos de tutela penal, como os processos de criminalização secundária, através dos quais são selecionados os indivíduos que receberão a etiqueta de delinquentes, são, sob sua ótica, condicionados pelas necessidades de manutenção e de reprodução da estrutura econômica vigente. (ANDRADE, 1999) Assim, asseguram os criminólogos críticos, se nas sociedades capitalistas contemporâneas, marcadas por um grau crescente de desigualdade econômica, o sistema penal atua desigualmente, assim o faz porque sua atuação é condicionada pelo desejo de manutenção de uma estrutura vertical de sociedade. Através do controle dos grupos que ocupam, na hierarquia

social, o lugar menos privilegiado, o sistema penal exerce uma função real relacionada à produção e à reprodução das relações de desigualdade social e, para fazer isso, declara o cumprimento de funções de defesa social e individual. Estas cumprem a tarefa de cobertura ideológica, ou seja, uma função simbólica, dirigida à legitimação e à sustentação do sistema penal. Neste sentido, acentua Andrade, (1999, p. 31) ... o controle penal se caracteriza por uma eficácia instrumental invertida, à qual a eficácia simbólica confere sustentação; ou seja, enquanto suas funções declaradas ou promessas apresentam uma eficácia meramente simbólica (reprodução ideológica do sistema) porque não são e não podem ser cumpridas, ele cumpre, latentemente, outras funções reais, não apenas diversas, mas inversas às socialmente úteis declaradas por seu discurso oficial, que incidem negativamente na existência dos indivíduos e da sociedade, e contribuem para reproduzir as relações desiguais de propriedade e de poder.

Daí Andrade (1999, p. 33) referir-se a duas inversões. A “eficácia invertida” manifesta-se duplamente, incidindo sobre as funções de prevenção e garantidora do sistema penal. A “inversão preventiva” significa que a pena não só não cumpre com as funções declaradas de prevenção geral e especial, como cumpre com funções opostas, apresentando-se como fator criminógeno, estigmatizante e de reincidência. A “inversão garantidora”, perceptível a partir da consideração do descompasso entre programação normativa no âmbito dos princípios liberais garantidores e o real funcionamento do sistema penal, significa que “...o sistema penal não apenas viola como está estruturalmente preparado para violar seus princípios e que é, em regra, um sistema que se dirige à violação e não à proteção de direitos”. Para Zaffaroni (2011) as clássicas teorias construídas no campo da dogmática penal localizam-se, estritamente, na abstração do “dever ser” e, nisto se equivocam, uma vez que o “dever ser” é algo que ainda “não é”. Pretendem fundamentar a pena em algo que “não é”, incorrendo, como propõe Ferrajoli, numa falácia normativista que, não obstante, as críticas, definiram os clássicos paradigmas do saber penal, atribuindo funções positivas (preventivas) à pena, numa tentativa de racionalizá-la e legitimá-la. O fato é que todas as proposições próprias ao prevencionismo (ressocialização, reintegração, estabilização social e normativa, intimidação) não tem fundamentação empírica ou científica. Não existem dados sociais ou pesquisas que demonstrem o cumprimento de tais funções. Em realidade, todos os dados evidenciam o contrário, pois, em especial em países como o Brasil, a pena não é capaz de ressocializar, nem de evitar a prática de novos delitos. Zaffaroni(2011, p. 44) salienta, portanto, que as teorias legitimadoras da pena “Atribuem ao poder punitivo funções falsas desde o ponto de vista da ciência social, pois não se verificam empiricamente, provem de generalizações arbitrárias de casos particulares de eficácia [...]” e, por isso “[....] jamais podem afirmar-se em todos os casos e nem sequer em um número significativo deles”. Deste modo constrói, a partir dos pilares da criminologia crítica, uma concepção negativa ou agnóstica da pena. Para ele a pena representa apenas uma “[....] (a) coerção, (b) que impõe uma privação de direitos ou uma dor, (c) que não repara ou restitui (d) nem tampouco detem lesões em curso ou neutraliza perigos iminentes” (ZAFFARONI, 2011, p. 45). Vista nesta perspectiva negativa a pena, por ser um instrumento destinado a infligir dor sem solucionar problemas ou conflitos, passa a ser reduzida a um “ato de poder” cuja aplicação é exclusivamente política. Neste aspecto a teoria agnóstica proposta por Zaffaroni (apud MACHADO; VILLA, 2017, p. 127) assume que “[...] a pena não possui fundamentos jurídicos conhecidos, senão que (b) é um ato de poder político (c) que opera de forma seletiva (e estigmatizante) e (d) é incapaz de cumprir as funções manifestas a ela atribuídas”. Também sustenta a necessidade “desmascarar as funções latentes da pena e tomar em conta a existência de um “sistema penal subterrâneo (que opera mediante delitos praticados pelos próprios operadores das agências do sistema penal”. Para Zaffaroni (1991), portanto, a afirmação de que o sistema penal cumpre com uma eficácia inversa àquela declarada normativamente significa que este, ao invés de apresentar-se como um instrumento de realização e de defesa dos direitos humanos, é instrumento de

consagração ou cristalização da desigualdade de direitos em todas as sociedades. Significa dizer que o sistema penal e especialmente a pena, apresentam-se como violência institucional cuja função principal é a de servir de instrumento de reprodução da violência estrutural, ou seja, como instrumento de manutenção de estruturas de poder e socioeconômicas desiguais. Ao considerar o distanciamento entre a dimensão programadora, que expressa um conjunto de funções socialmente úteis atribuídas aos sistemas penais (consubstanciadas nas promessas de segurança individual e de defesa social), e sua realidade operacional, marcada pelo fenômeno da desigualdade e pela produção e reprodução da realidade criminal e da violência estrutural, a Criminologia crítica declara a ilegitimidade do controle penal. Esta ilegitimidade deriva, pois, da inexistência de sintonia entre as duas dimensões constitutivas do sistema, uma vez que a realidade operacional não reflete a dimensão programadora, em nome da qual o sistema pretende se legitimar.

1.4 A PRISÃO COMO PENA: ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEMPORÂNEOS 1.4.1 Origem e evolução da pena de prisão A pena de prisão aparece, a partir do século XIX, como principal resposta penal para o problema da criminalidade. Seu aparecimento, no entanto, data de época mais remota, estando presente já na antiguidade e na idade média, como forma de custódia (contenção ou guarda de réus até o julgamento e execução da pena aplicada). Este caráter da prisão é alterado principalmente a partir do surgimento da prisão eclesiástica, que nasce a partir do direito canônico, sendo destinada aos clérigos, cujo objetivo é promover o arrependimento por meio de penitência e oração. Assim, as ideias de arrependimento e correção do delinquente associadas a inúmeras crenças em torno da reabilitação do recluso, constituem a base das ideias que cercam a prisão moderna. A pena de prisão passa a ser vista, então, como a forma mais apropriada de punir, na medida em que possibilita, através de técnicas disciplinares, a transformação do cidadão indisciplinado (vadio, vagabundo, mendigo) num cidadão exemplar. (BITTENCOURT, 2002) Vincula-se, também, a origem da pena de prisão ao processo de humanização das sanções proposto a partir do movimento desencadeado com a publicação da obra “Dos delitos e das penas” de Césare Beccaria, que se contrapõe à aplicação de penas sanguinárias e cruéis, amplamente adotadas durante toda a idade média. Uma reflexão histórica mais apurada demonstra que a adoção da pena privativa de liberdade como pena por excelência também foi motivada por outros fatores, uma vez que esta adoção coincidiu com o processo de instauração e desenvolvimento do modo de produção capitalista, carente de mão de obra habilitada, disciplinada e apta a assumir a produção industrial em desenvolvimento. A consolidação da pena privativa de liberdade como principal resposta penal opera-se no período de dissolução do sistema feudal de produção e de consolidação do modelo capitalista. Neste período ocorrem mudanças estruturais importantes assim sintetizadas por Zaffaroni e Pierangeli (1999, p.259-261): a) Rompe-se com a ideologia da servidão que marca o modelo feudal e inaugura-se uma forma de produção em que, a partir de uma suposta igualdade de todos os homens, pressupõese um mercado regido pela oferta e demanda. “Nele cada um oferece o que tem de forma completamente livre e, como é natural, aquele que nada tem somente pode oferecer o seu trabalho.” b) A produção, até então agrícola, passa a ser manufatureira e o setor hegemônico não é mais o senhor feudal e sim o dono do capital. “O servo já não dispõe da proteção do seu senhor e é deslocado do campo para a cidade, sem qualquer treinamento para a forma de produção industrial.” c) Ocorre uma concentração de população nas cidades que oferece sua mão-de-obra aos proprietários das manufaturas. Inicialmente os espaços de trabalho ainda eram poucos pois a acumulação de bens de produção era, ainda, pequena, de modo que os trabalhadores vêem-se obrigados a contratar em troca de baixíssimos salários. Os burgueses se apropriam do que

pagam a menos em mão-de-obra e vão acumulando o capital que é reinvestido em bens de produção. Esse processo, que gera demanda por de mão-de-obra, reduzindo sua oferta, fortalece os trabalhadores já qualificados para o trabalho fabril, que podem barganhar por melhores salários. d) Paralelamente a acumulação da riqueza por parte dos proprietários dos meios de produção a população concentrada nas cidades torna-se perigosa, porque não está habilitada para o trabalho na manufatura e tem fome. Os crimes contra a propriedade se incrementam, sendo necessário controlá-la. Neste contexto histórico marcado pela existência de uma massa de indivíduos “....vagabundos, andarilhos, pobres, ainda não adaptados a nova estrutura produtiva imposta, mas potencialmente habilitados a tornarem-se mão de obra excedente, tão necessária ao novo modelo de produção....” (HAUSER, 1997) surge a prisão como novo instrumento de controle social. Por meio dela, essa multidão de excluídos poderia, em vez de constituir-se em incômodo, responder a uma necessidade premente do sistema, desde que estivesse treinada para assumir a produção manufatureira em substituição aos outros. As cadeias aparecem, então, como local apropriado para o depósito de um segmento populacional a ser adestrado para a disciplina capitalista, através de um rígido regime de trabalho, de distribuição do tempo, de controle total do “ser”. Assim, as primeiras prisões são casas de trabalho que surgem na Inglaterra e na Holanda e que, para além da reforma ou emenda do recluso, buscavam domesticá-lo para o novo modelo de sociedade. Nesta perspectiva pode se dizer que a história da pena privativa de liberdade, desde o surgimento das Workhouses, precursoras das prisões modernas, sempre esteve marcada por esse conteúdo ético do trabalho, necessário ao desenvolvimento da sociedade capitalista. Esse conteúdo viabilizou, no início da história das prisões, uma utilização econômica da força de trabalho encarcerada e também a disciplina das classes subalternas à produção fabril do emergente sistema de produção industrial capitalista. Referindo-se a profunda transformação nas práticas punitivas que se opera entre os séculos XVIII e XIX, Michel Foucault, em sua obra “Vigiar e Punir” observa que o abandono dos suplícios e sua substituição pela prisão representaram um novo estilo penal que não significou, necessariamente, uma tentativa de humanização das sanções, mas, antes disso, uma nova economia do castigo, em que se substitui o corpo como principal objeto de punição. Em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal. A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena.... A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída a sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens... O essencial da pena... não consiste em punir; o essencial é procurar corrigir, reeducar, curar; [...] O desaparecimento dos suplícios é pois o espetáculo que se elimina; mas é também o domínio sobre o corpo que se extingue. (FOUCAULT, 1987, p. 13-15)

Partindo desta analise Foucault abandona a crença na pena como instrumento de repressão de delitos e defende a necessidade de os sistemas punitivos serem estudados como fenômenos sociais complexos que não podem ser vistos como simples consequências de regras de direitos, mas como técnicas cuja especificidade deve ser encontrada no campo geral dos processos do poder. Para este autor as medidas punitivas não aparecem simplesmente como medidas negativas destinadas a repressão, mas estão ligadas a uma série de outros efeitos úteis que elas buscam sustentar. (Foucault, 1994, p. 27). Partindo da constatação do fenômeno do poder e da tese fundamental de que poder e saber são fenômenos estritamente relacionados, Foucault afirma que o poder produz saber, não havendo “(...) relação de poder sem a constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de

poder”. (Foucault, 1994, p. 30). Na perspectiva de Foucault (1987) a transição da antiga para a moderna justiça penal, que se dá na passagem do século XVIII para o século XIX, não significou a passagem de formas indiferenciadas, bárbaras e desumanas de punição a formas racionais e humanizadas de castigo, mas a passagem de uma forma de punir a outra, ou seja, a passagem de uma a outra tecnologia de poder. Enquanto o exercício da punição exemplar e pública sobre o corpo dos condenados possuía no antigo regime uma lógica própria relacionada a uma mecânica de poder específico – o super poder monárquico -, com o advento do Estado Moderno e das sociedades capitalistas o exercício punitivo, centrado no trinômio cárcere – disciplina - mente, passa a obedecer a uma lógica diferenciada, mais compatível e funcional ao complexo sistema de poder que nela se instaura. O poder, nas sociedades capitalistas, deveria ser exercido com o menor custo econômico e político possível, e seus efeitos deveriam ser mais extensos e intensos sendo transmitidos a todas as partes. Instaura-se, neste contexto, uma nova estratégia punitiva, baseada na utilização da disciplina carcerária e do controle sobre a mente (tratamento e ressocialização), cujo objetivo central seria o de [...] fazer da punição e da repressão das ilegalidades uma função regular, coextensiva a toda a sociedade; não punir menos, mas punir melhor; punir talvez com severidade atenuada, mas para punir com mais universalidade e necessidade; inserir mais profundamente no corpo social o poder de punir. (FOUCAULT, 1994, p. 76).

Para Foucault a disciplina carcerária representa uma técnica específica de poder. Esta é explicada “[...] pela produção e reprodução de uma ilegalidade fechada, separada e útil (delinquência) e, simultaneamente, de corpos dóceis, garantindo e reproduzindo as relações de poder (e a estrutura de classe) da sociedade.” (apud ANDRADE, 1997, p. 196). Paralelamente ao deslocamento do objeto de incidência do poder punitivo (corpo à mente) e às novas estratégias punitivas nasce um novo regime de verdades, de técnicas, de especialistas, de discursos. É assim que, na perspectiva de Foucault, materializa-se a espiral saber/poder: o poder produz o saber adequado a sua sustentação e reprodução. Desta nova perspectiva nasce tese de que as transformações na estrutura do sistema penal, que se operaram ao final do século XVIII até meados do século XIX, refletem transformações subjacentes ao desenvolvimento da ordem capitalista em que se inserem. Assim, são fatores como a “[...] necessidade de regular a força de trabalho, o impacto racionalizador do mercado, a necessidade de substituir a autoridade tradicional e os conceitos pré-modernos, o medo do proletariado nascente...” que fazem da violência física um anacronismo. Esta não cabe em um contexto em que são necessários novos sistemas de dominação e de disciplina para criar uma força de trabalho submissa e regulada (COHEN, 1988, p. 45). Neste contexto o sistema penal adota um novo instrumento de repressão e controle: o cárcere. Este se apresenta como melhor instrumento para tornar dóceis os membros da classe operária, ensinando-lhes hábitos e disciplinas necessários à nova ordem. A nova tecnologia de repressão surge para legitimar e fortalecer o controle da classe governante e para manejar os grupos não adequados à racionalidade burguesa em consolidação. Substituem-se as formas antigas de controle ineficientes, débeis e descentralizadas e o Estado adquire um papel mais ativo, “coordenando e planificando um sistema de justiça penal que pode conseguir maior penetração racional na população submetida”. (COHEN, 1988, p. 46). 1.4. 2 Sistemas Penitenciários: Com a adoção da pena privativa de liberdade como principal resposta penal, passam a ser desenvolvidos sistemas para a execução destas penas. A partir da metade do século XVIII desenvolvem-se pelo mundo experimentos pioneiros que se fundamentam num corpo de doutrinas, estabelecendo os denominados Sistemas Penitenciários, que vão orientar a forma de execução das penas privativas de liberdade aplicadas. Os primeiros sistemas penitenciários

surgiram nos Estados Unidos (Sistema celular e sistema auburniano)  Sistema Pensilvânico ou celular: que tem como características fundamentais a sujeição do apenado a isolamento absoluto, para reflexão, com possibilidade de passeios eventuais. A obrigação estrita do silêncio, a meditação e a oração.  Sistema de Auburn ou Nova York: que tem como características a sujeição do apenado a trabalho diurno em silêncio absoluto e isolamento noturno.  Sistemas Progressivos: desenvolvem-se no século XIX (inglês e irlandês) e consistem em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um deles os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento do tratamento reformador. Nele o condenado passa por estágios que vão desde o isolamento absoluto numa fase inicial, sujeição a trabalho coletivo, numa fase intermediária para ao final ser colocado em liberdade condicional. O legislador brasileiro não adota nenhum dos sistemas, mas se aproxima do sistema progressivo ou Inglês de execução de penas. O artigo 33 & 2º do Código Penal estabelece que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas de forma progressiva, segundo o mérito do condenado. O dispositivo é reforçado pelo que dispõe o artigo 112 da Lei de Execuções Penais: A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com transferência para regime menos rigoroso a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão. Em razão desta sistemática progressiva estabelece a lei três regimes de cumprimento de penas: regime fechado, regime semiaberto e regime aberto. 1.4.3 A prisão no contexto contemporâneo: Como visto anteriormente, a prisão, desde suas origens, foi inserida e compreendida, até mais ou menos a década de 70 do século XX, em uma lógica homogênea e dual: “exclusão social associada a inclusão disciplinar” via discurso ressocializador (exclui-se para incluir), tendo atuado, segundo a criminologia crítica, apenas o controle das massas menos favorecidas, e “[...] da mão de obra excedente com vistas a seu aproveitamento útil em um sistema econômico capitalista (mercantil ou industrial)”. Analisando a obra de Garland, Ferraz e Joffoly (2019, p. 10) acentuam que estas são [….]as linhas gerais do chamado modelo penal-welfare ou “welfarismo penal”, que se consolida em definitivo a partir do final do século XIX, e que consiste na edificação, mais ou menos correlata ao desenvolvimento do Estado social (welfare state) no mundo ocidental, de grandes sistemas penitenciários e de controle social correcional, baseados em ideais de ressocialização e reintegração, nos quais a punição figura como tratamento e correção moral dos desviantes. ,

(FERRAZ; JOFFOLY, 2019, p. 10) Ocorre que, a partier dos anos 70 do século XX, o mundo ocidental passa por transformações profundas, de diversas ordens, e estas acabam por influenciar os sistemas penais, vindo a respaldar sua lógica de expansão. O capitalismo industrial dá lugar a um capitalismo financeiro neoliberal, abandonando-se os velhos modelos fordistas de gestão da mão de obra em prol do trabalho técnico e cada vez mais qualificado (DE GIORGI, 2006); o mundo pósmoderno assiste ao surgimento de medos e inseguranças sociais difusas, frutos ocultos do colapso econômico dos grandes Estados Sociais geridos no pós-1945, que, por sua vez, dão lugar a verdadeiros Estados Penais, em que se governa precipuamente por políticas neoliberais de “combate” ao crime e segurança pública22, que, sendo do agrado imediato do grande público, se apresentam como formas daquilo que veio a se chamar “populismo punitivo” 23, que, a seu turno, retroalimenta os movimentos de hipercriminalização e encarceramento. O resultado concreto desse mosaico de mudanças é uma expansão vertiginosa,

constante e sem precedentes do aprisionamento em nível mundial 24, sendo seguro afirmar que o mundo vive, hoje, uma (nova) “Era de Grande Encarceramento”, com recortes demarcados de classe e raça. (FERRAZ; JOFFOLY, 2019, p. 11)

O encarceramento massivo, a crescente exclusão social, exige, portanto, uma ressignificação da própria prisão. “Não se trata mais de disciplinar, de readaptar ou reinserir: não é economicamente interessante, culturalmente desejável nem politicamente útil às classes dominantes”(FERRAZ; JOFFOLY, 2019, p. 11). Os corpos úteis ao processo de consolidação do capitalismo industrial, tornam-se, na era do capitalismo financeiro, dispensáveis ou “inúteis”, uma vez que neste a produção da riqueza não depende, necessariamente, do trabalho na fábrica. Analisando o fenômeno, Ferraz e Joffoly (2019, p. 11) acentuam, entretanto, que o encarceramento, como forma de responsabilização permanence e se amplia, pois […] a prisão não é dispensável: ela serve (como, no fundo, sempre serviu) para controle social repressivo e seletivo de marginalizados, excluídos e discriminados (WACQUANT, 2004; 2013, p. 306-320), e se insere em um complexo econômico próprio, que, hoje, é caracterizado por movimentos cada vez maiores de privatização de presídios e administração carcerária (CHRISTIE, 1993). Porém, no século XXI, ela é transformada de tal modo que passa a se destinar, exclusivamente, à incapacitação e neutralização dos “inadaptados”, “consumidores falhos”, das velhas “classes perigosas”. “Trancar e jogar a chave fora” seria a expressão que melhor define os propósitos da prisão nesta altura da história ocidental, cujo impacto afeta, de forma seletiva, a juventude pobre e negra, suas famílias e comunidades.

Nesse processo o discurso que sustentou e legitimou a adoção da prisão como pena principal baseado, essencialmente, nas ideologias “re” (ressocialização, reintegração, reinserção, etc), perdeu seu significado. O fracasso de tais ideologias e a expansão da prisão como forma de punição, exigiram uma reformulação dos discursos legitimadores, produzindo, segundo Ana Gabriella Braga (2014) importantes releituras. A primeira releitura refere-se ao fracasso das funções instrumentais da pena (controle da violência via prevenção especial positiva/ressocialização) e substituição do interesse acadêmico pelas funções simbólicas (de reforço da norma e dos valores sociais, bem como de estabilização do sistema normativo e do sistema social). A segunda releitura nasce do descrédito das funções preventivas o que gera a ascensão dos discursos retributivos, que colocam como função principal da pena o castigo e a neutralização do preso. Até a década de 1980 os discursos da reabilitação eram hegemônicos e conferiam à prisão a função de intimidar e corrigir o indivíduo, inserindo-o na ética do trabalho e adequando-o a padrões comportamentais socialmente aceitos. A partir daquele contexto histórico as teorias da reabilitação começaram a perder força, abalando a hegemonia do discurso sobre punição vigente até então. O paradigma penal da modernidade, baseado no modelo disciplinar/correcionalista, que correspondia, nos países europeus, as necessidades econômicas do trabalho fabril, entrou em colapso. Neste período histórico, segundo Yong (2002), identifica-se a transição de uma sociedade inclusiva para uma sociedade excludente, de uma sociedade que busca assimilar e incorporar os desviados, mediante medidas correcionais, para uma sociedade que exclui. Neste contexto o criminoso deixa de ser visto como alguém passível de recuperação a ser reabilitado e incluído, passando a ser visto como inimigo. A lógica disciplinar é substituída pela lógica do controle, e esta se realiza nos mais diversos espaços da vida cotidiana, mediante mecanismos tecnológicos por ex., e tem na segregação, sua forma mais brutal de manifestação. Neste contexto

As prisões teriam se distanciado da reforma ética que as instituições

panópticas queriam promover. A função do panoptica e dos mecanismos disciplinares em geral, consistia em enquadrar o individuo nos padrões sociais, reinserindo-o na ética do trabalho. Contudo, com a nova configuração econômica e social da pósmodemidade, caracterizada pelo desemprego, excesso de mão de obra e flexibilização das relações de trabalho, a imposição dos comandos éticos do trabalho teria perdido o sentido. Sob esta perspectiva, a aceitação da ética do trabalho não seria mais condição para a reinserção social do preso. Já que houve sensível redução na demanda por mão de obra, não haveria necessidade de que o preso (ao sair da instituição ou ainda dentro dela) esteja docilizado para o trabalho. De acordo com De Giorgi (2006: 19), não existe mais projeto de disciplinamento porque os estratos sociais mais baixos não são mais elementos centrais no processo produtivo. A reforma individual de outrora teria sido substituída pela contenção preventiva. A prisão funcionaria no sentido de desestruturar a potencia do individuo, desarmando-o de qualquer possibilidade de rebelião ou resistência. De acordo com Bauman (1999: 116), "um isolamento total reduziria o outro a uma pura personificaçãopunitiva da lei". (BRAGA, 2014, p. 344)

Discutindo a questão do surgimento e desenvolvimento da prisão Andrade (2015) nos fala de duas possíveis respostas: Uma construída com base nas funções declaradas da pena e outra construída com base nas funções reais e estas, quando contrastadas “mostram-nos que a prisão funciona com uma eficácia invertida (ela não "combate", ela "constrói" o criminoso e a criminalidade)”. Isso significa que do ponto de vista das ideologias preventivas (intimidação, ressocialização) a prisão é um fracasso, porque não consegue combater a criminalidade, “tanto que há três séculos estamos girando em torno do mesmo discurso da prisão lutando contra a criminalidade”, mas, do ponto de vista de suas funções não declaradas a prisão tem tido relativo sucesso, pois tem se mostrado como instrumento de gestão da pobreza e de controle pós/disciplinar das classes sociais vulneráveis. (ANDRADE, 2015, s/p) No atual contexto, no entanto, o confinamento prisional tem se mostrado como um problema de graves proporções que produz consequências não apenas para os envolvidos (apenados e familiares), mas também para toda a sociedade. E já é tão vasto o acúmulo teórico e empírico sobre os efeitos nocivos da prisão, que o horror prisional está definitivamente no centro da deslegitimação. E por que ela funciona de maneira invertida? É que a prisão inverte todos os princípios declarados em relação ao seu funcionamento, a começar pelo princípio da presunção de inocência e é por isso que a execução penal é o lugar de construção e estigmatização de criminosos dos baixos estratos sociais, é um mecanismo de marginalização secundária que reproduz marginalização primária. Os princípios garantidores não são cumpridos, as garantias dos direitos humanos não são cumpridas em relação aos criminalizados, não é pela inexistência de infraestrutura ou por qualquer disfunção, mas, ao contrário, pela existência de uma lógica estrutural: a inconstitucionalidade é aberta. (ANDRADE, 2015, P. 23)

A lógica pós-disciplinar do mero controle e de gestão dos riscos é, em certa medida, a que comanda o sistema carcerário brasileiro. Isso explica a falta de interesse na consolidação de políticas de inserção (baseadas na educação e no trabalho) e de efetivação dos direitos mínimos do apenado nos espaços prisionais brasileiros. Este fenômeno, aliado a gestão precária dos investimentos públicos na área penitenciária, a precariedade de recursos humanos e materiais e ao crescimento significativo da população carcerária, tem sido a base sob a qual se amplia a barbárie nas instituições prisionais brasileiras. Tudo isso faz com que a experiência medieval de suplicio seja frequente no âmbito do sistema penitenciário brasileiro, o que faz atualíssima a narrativa de Foucault quando, em Vigiar e Punir, descreve a cena de esquartejamento de um condenado. Em pleno século XXI, a dor sobre os corpos não foi substituída pela “medicina” da alma, como narra a obra antes mencionada.

A seletividade, o controle pós/disciplinar e o processo de horror, suplício e tortura pode ser facilmente demonstrado por dados referentes ao sistema carcerário Brasileiro. De acordo com os dados oficiais publicados, disponibilizados por meio de relatório elaorado pelo Departamento Penitenciário Nacional– (DEPEN - Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN 2016), publicado em dezembro de 2017 e com informações atualizadas até junho 2016, o Brasil conta com uma população carcerária de mais de 720.000 pessoas e uma taxa de encarceramento de 352,6 presos para 100 mil habitantes, o que coloca o país, com a 3ª maior população carcerária do mundo, em números absolutos. Segundo os mesmos dados, mais de 64% da população carcerária é de pessoas negras; 75% só possui o ensino fundamental completo; e a faixa etária predominante é a de 18 a 29 anos (mais de 55%, sendo que os mesmos estão recolhidos em razão da prática do crime de tráfico de drogas (29%), por roubo (25%), por furto (13%) e por homicídio (10%). Agregue-se a isso o fato de que aproximadamente 40% das pessoas recolhidas ao sistema penitenciário são presos provisórios, numa estrutura superlotada, com taxa de ocupação de 197,4% em junho de 2016. O Brasil ainda fica atrás de países como EUA e China, sendo que o primeiro (Estados Unidos da América) segue sendo sendo o paradigma mundial da política de encarceramento em massa, uma vez que conta com de 2,2 milhões de presos, em 2014 (taxa de 655 presos/100 mil hab.). A taxa de encarceramento geral (número de pessoas presas por grupo de 100 mil habitantes), coloca o Brasil na sexta colocação mundial, com uma taxa de 306,2 detentos por 100 mil habitantes, ultrapassada apenas por Ruanda, Rússia, Tailândia, Cuba e Estados Unidos. Em 2004, a taxa brasileira era de 135 presos por 100 mil habitantes. Se considerada apenas a taxa de encarceramento feminino, saltou de 13,58 em 2005 para 32,25 detentas por 100 mil habitantes.

1.5 PRINCÍPIOS PENAIS APLICÁVEIS AS PENAS: A Revolução Francesa alterou profundamente os rumos políticos, sociais e jurídicos do mundo ocidental e afetou, de forma definitiva, os sistemas punitivos contemporâneos. Os ideais de liberdade, fraternidade e solidariedade, apanágios da classe burguesa em ascensão, apareceram como resposta contundente aos abusos das monarquias medievais e modernas. Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (de 1789), que nasceu inspirada nos ideais iluministas, consagraram-se, em nível normativo, princípios limitadores da ação punitiva do Estado, retirando-se a soberania da mão do monarca e transferindo-a a nação, sendo esta expressa por intermédio da lei, considerada expressão da “vontade geral”. O texto da Declaração consagra garantias penais e processuais penais destacando- se “... a proibição de detenções arbitrárias (art. 7º), a proporcionalidade entre o ilícito e a sanção correspondente, o princípio da legalidade e anterioridade da lei penal (art. 8º), a presunção de inocência e o banimento das prisões desumanas” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2012, p. 86). Naquele momento histórico a lei passa a representar o sustentáculo dos direitos fundamentais do cidadão frente ao poder do Estado, cumprindo aos magistrados o dever de interpretá-la de forma literal, atuando mecanicamente como “boca inanimada da lei” (MONTESQUIEU). Este período, marcado pelo legalismo extremo e pela onipotência do legislador, em que se consolidou o Estado de Direito como um Estado Legalista, afetou diretamente o Direito Penal, que mergulhou em uma fase legalista e humanitária. As obras de Beccaria, na Itália, e Feuerbach, na Alemanha, representaram os sustentáculos para a consolidação deste novo Direito Penal, estruturado no princípio da Legalidade, e expresso pela fórmula latina “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege”. O Estado Legalista não tardou a cair em declínio, vez que “o abuso do monarca converteu-se em excesso do legislador, que se apresentava onipotente” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2012, p. 86). Percebia-se uma espécie de substituição do despotismo absolutista pela tirania do parlamento, produzindo-se [...] paradoxalmente, uma hiperlegalidade (excesso de leis regulando todos os setores da vida humana – situação presente nos dias atuais) e uma hipolegalidade (existência de leis de baixa qualidade, incapazes de atender as aspirações sociais – sentimento também percebido contemporaneamente). (ESTEFAM; GONÇALVES, 2012, p. 87)

Tais ingredientes criaram condições para o surgimento de um novo modelo de Estado, em que o legislador perde seu poder ilimitado, estando ele próprio vinculado aos valores insculpidos no texto da Constituição. Trata-se do Estado Constitucional de Direito que surge a partir do aparecimento das constituições contemporâneas e da crescente admissibilidade de sua força normativa. O Estado Constitucional de direito representa, portanto, uma superação do Estado meramente legal ou legalista e nele a Constituição é colocada no centro do sistema, caracterizando-se por possuir uma carga valorativa, o que impõe que todas as leis sejam produzidas e interpretadas de acordo com tais valores. O texto constitucional incorpora valores e opões políticas, como a dignidade da pessoa, a democracia e os direitos fundamentais, que deverão servir como base para a atuação de todos os poderes constituídos. Isso exige que todo o ordenamento jurídico seja interpretado à luz da Constituição, promovendo-se uma harmonização das leis à Constituição, não apenas no plano formal, mas também no plano material, o que exige sua compatibilização com os valores consagrados no texto maior. (FERRAJOLI, 2005) A consolidação deste novo modelo de Estado passou a exigir que o ordenamento jurídico passasse a ser visto como uma estrutura complexa que se compõe de regras, mas também por valores e princípios, que contam com inegável força normativa. De acordo com a hermenêutica tradicional os princípios são considerados enunciados gerais, parâmetros ou diretrizes que se destinam a orientar o intérprete ou aplicador da lei.

De acordo com a concepção normativa dos princípios estes não são somente critérios de interpretação do direito, mas, assim como as regras, são categorias que propõe um dever ser. Nesta perspectiva hermenêutica os princípios tem sido considerados como espécies de normas, que veiculam valores, que tem força normativa e que tem primazia sobre as regras. Segundo sistematização proposta por Estefam e Gonçalves (2012, p. 88 e 89) a teoria constitucional contemporânea acentua as seguintes distinções entre regras e princípios: a) Os princípios, por expressarem valores fundamentais do Estado, se encontram em patamar hierárquico superior, de tal modo, que num aparente confronto com as regras, deverão prevalecer. (posição hierárquica) b) Os princípios expressam valores ou finalidades a serem atingidas e as regras descrevem condutas a serem observadas (conteúdo); c) A estrutura formal das regras é produzida com base no padrão descrição do fato e atribuição das consequências, ao passo que os princípios apenas reúnem enunciados ou valores que podem ser expressos de várias formas (estrutura formal); d) As regras são aplicadas mediante subsunção, isto é, por meio da adequação do fato concreto ao modelo abstrato. Os princípios são aplicados como orientação a ser seguida ou para anular uma regra que os contradiga. (modo de aplicação) e) Os princípios possuem maior grau de abstração, vagueza e são mais genéricos, possuindo maior leque de incidência. As regras são dotadas de maior concretude e especificidade, incidindo sobre um menor número de hipóteses. f) Os princípios tem baixa densidade normativa. As regras contém maior densidade normativa. Por densidade normativa entende-se a certeza ou exatidão das alternativas de interpretação admissíveis. Quanto maior o número de interpretações divergentes possíveis, menor será a densidade normativa da norma. g) Os princípios são dotados de plasticidade ou poliformia, adaptando-se a diferentes situações e acompanhando a evolução social. As regras não são dotadas de plasticidade e poliformia. No âmbito do Direito Penal os princípios tem fundamental importância, tanto é que a Constituição traz inúmeros princípios penais, limitadores do poder de punir, destacando-se os princípios da legalidade, da humanidade das penas, da intervenção penal mínima, da proporcionalidade, entre outros. A função destes princípios é limitar o poder proibitivo e punitivo do Estado face às liberdades individuais. No que tange as penas, são vários os princípios penais que se aplicam: a) Princípio da Legalidade: Tal princípio, consagrado no artigo 5º, inciso XXXIX da CF/88, estabelece que somente as leis (e não a moral ou outras fontes externas) podem dizer o que é delito e qual a pena a aplicável. Por força dele não há pena sem prévia cominação legal, derivando daí inúmeras consequências: exigência de lei escrita (lex scripta), certa (lex certa), clara, proporcional e prévia (lex praévia). b) Princípio da Igualdade: “Tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais é a máxima em que se assenta a justiça distributiva” (BOSCHI, 2002, p. 49). O princípio da igualdade está endereçado ao legislador que não pode, ao editar leis, criar ou aumentar as diferenças entre as pessoas. Na lei penal brasileira, encontram-se inúmeros dispositivos que agridem ao princípio da igualdade na lei. Exemplo disso é o artigo 34 da lei 9.249/95 que prevê a extinção da punibilidade por crime de sonegação fiscal, se o agente efetuar o pagamento do débito antes da ação penal, previsão que não é estendida aos autores de outros crimes patrimoniais ainda que devolvam o objeto do furto à vítima ou a indenizem de qualquer outro modo. c)Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ou da Humanidade das Penas: Trata-se de um princípio que se desenvolveu a partir do reconhecimento de que uma das finalidades essenciais da organização política é a defesa dos direitos humanos e do reconhecimento da centralidade da

pessoa humana. Neste sentido a pena, apesar de ser uma forma de violência, deve ser aplicada sem atingir a dignidade humana. Em virtude disso é que estão proibidas pela CF/88 a adoção de tortura e de tratamento desumano ou degradante a qualquer pessoa (artigo 5º,III), a adoção da pena de morte, prisão perpétua, trabalhos forçados, assim como penas cruéis, ou qualquer espécie de tratamento que conduza a degradação do condenado ou que não o reconheça como sujeito de direitos. Foi Cesare Beccaria em seu livro “Dos delitos e das penas” escrito em 1764, que proclamou ao mundo a necessidade de serem moderadas as penas, enunciando o princípio de humanidade. Nesta obra o autor afirma que os castigos deveriam ter por finalidade única “...obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus patrícios do caminho do crime.” Neste sentido as penas devem ser limitadas, pois “...toda severidade que ultrapasse os limites se torna supérflua e, por conseguinte, tirânica.” Referindo-se a crueldade das penas vigentes a seu tempo Beccaria (1993, p. 23) observa: Como pode um corpo político, que, longe de se entregar às paixões, deve ocupar-se exclusivamente em pôr um freio nos particulares, exercer crueldades inúteis e empregar o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos tiranos? Poderão os gritos de um infeliz aos tormentos retirar do seio do passado (...) uma ação já cometida?

A concepção iluminista de Beccaria difundiu-se ao mundo e materializa-se em textos como a Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem que em seu artigo 5º proclama que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. No Brasil a Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana é o mais importante dos princípios constitucionais, tendo sido eleito, ao lado da cidadania, da soberania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, como um dos fundamentos na República (art. 1º). A adoção deste princípio, que não se restringe a esfera penal, implica a proibição de incriminação de condutas socialmente inofensivas e a vedação de tratamento degradante, cruel ou de caráter vexatório. O princípio da humanidade das penas encontra- se expresso em vários dispositivos, assegurando, por exemplo, o respeito à integridade física e moral do preso (artigo 5º, XLIX), a possibilidade das mulheres condenadas permanecerem com seus filhos durante o período de amamentação (inciso L) e a proibição das penas cruéis, de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados e de banimento (inciso XLVII). Esta visão do legislador de 1988 foi reafirmada pela promulgação, no Brasil, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José – 1969). Referindo-se ao princípio da humanidade Boschi (2002) observa que, não obstante a multiplicação dos textos legais que o consagram, ocorre no mundo moderno uma constante violação dos direitos individuais. No Brasil a violação a tal princípio se efetiva, especialmente, quando da aplicação e execução das penas privativas de liberdade cujos limites são excessivos e cuja forma de execução representa o melhor exemplo de violação ao princípio da dignidade humana. d) Princípio da Personalidade: Durante o antigo regime a punição, em regra, alcançava não só ao acusado, mas estendia-se, também aos membros de sua família. Pelo princípio da personalidade a responsabilidade penal não pode ultrapassar a pessoa do condenado. Tal princípio constou da Declaração dos Direitos do Homem (1789), na Declaração dos Direitos Humanos (1948), e tem assento na Constituição Federal Brasileira de 1988 no inciso XLV do artigo 5º que afirma que nenhuma pena passará da pessoa do condenado.

Não entra na vedação decorrente do princípio da personalidade o dever de reparação do dano causado pela infração. Esse dever alcança os sucessores do condenado até os limites do valor do patrimônio transferido. e)Princípio de Culpabilidade: A responsabilidade penal (a imposição de penas) tem por pressuposto o reconhecimento da culpabilidade do agente. Em nosso direito que recusa a responsabilidade objetiva, a culpabilidade atua como fundamento e também como limite para a imposição da pena. A culpabilidade assume, deste modo, uma dupla dimensão. Enquanto pressuposto da pena, corresponde à reprovabilidade do ato e exige a presença de três elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de outra conduta. Enquanto medida para a pena significa o grau de censurabilidade do comportamento praticado. O princípio da culpabilidade deriva da dignidade da pessoa humana e encontra-se consagrado no art. 5º, inciso LVII da CF: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Para Estefam e Gonçalves ( 2012) este enunciado consagra dois princípios sendo um de natureza processual penal (presunção de inocência) e outro de natureza penal (culpabilidade). f) Princípio da Individualização: Tal princípio, consagrado pelo inciso XLVI da CF, impede que, no ato de aplicação da pena, sejam ignoradas as diferenças entre os indivíduos e os fatos. “Individualiza-se a pena, aliás, precisamente, porque cada acusado é um, e cada fato se reveste de singularidades próprias e irreparáveis” (BOSCHI, 2002) Nucci (2005, p. 98) observa que [...] individualizar significa tornar individual uma situação, algo ou alguém, particularizando o que era genérico... A individualização tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, o perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores.... Sua finalidade é a fuga da padronização da pena, da “mecanizada‟ ou “computadorizada‟ aplicação da sanção penal, que prescinda da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena preestabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto.

A individualização da pena efetiva-se em três fases distintas: 1. No momento de cominação da pena (definição abstrata da sanção para cada espécie delitiva), em que o legislador, a partir do etiquetamento das condutas criminosas estabelece os limites extremos da pena. É a chamada individualização legal da pena. 2. No momento de aplicação da pena, quando através da sentença o magistrado, apreciando o caso concreto e a culpabilidade do agente, determina a qualidade e a quantidade de pena aplicável, dentre os limites legalmente previstos. Trata-se da individualização judicial da pena. 3. No momento de execução da pena, quando o Estado submete efetivamente o condenado a pena aplicada, devendo essa se desenvolver de acordo com o programa de tratamento individual elaborado pela Comissão Técnica de Classificação, de modo que, também nessa fase, fiquem protegidas as diferenças entre os condenados. Este é o momento de individualização executiva da pena. Referindo-se a individualização da pena Figueiredo Dias (apud PAGANELLA BOSCHI, 2002), observa que ela expressa [...] um conjunto complexo de operações em que existe, em medida variável, uma estreita cooperação – mas também, por outro lado, uma separação de tarefas e de responsabilidades tão nítida quanto possível – entre o legislador e o juiz. Ao legislador compete, desde logo, estatuir as molduras penais cabidas a cada tipo de fatos que descreva na PE do CP e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um

daqueles tipos de fatos pode presumivelmente assumir. (....) Com todo este condicionalismo, assim fixado pelo legislador, tem o juiz de estritamente se conformar.

No processo de individualização da pena a tarefa do magistrado não é, portanto, arbitrária, mas é limitada por lei. Neste processo ele precisa exteriorizar, passo a passo, o caminho percorrido para fixar a pena. g)Princípio da proporcionalidade: Também elaborado originariamente por Cesare Beccaria, tal princípio compreende outros princípios como o da necessidade da pena e o da sua adequação e exige que a intervenção do poder público sobre as liberdades do cidadão só poderá ser legítima na medida em que seja adequada, necessária e proporcional. Além de encontrar seu fundamento na exigência de respeito à dignidade humana, o princípio da proporcionalidade aparece em diversas passagens do texto constitucional (art. 5º, XLVII, XLVI, XLII,XLIII e XLIV). Trata-se de um princípio que se baseia na relação custo benefício. O Direito Penal utiliza-se da pena como instrumento de atuação. Ao incriminar determinadas condutas ele impõe limites aos indivíduos uma vez que determina a não realização de determinados comportamentos sob ameaça da imposição da pena. Ao aplicar a pena, o sistema penal, impõe ao violador da norma penal um mal, que consiste na supressão de algum Direito. Isso significa que o Direito Penal é invasivo, pois limita, em todos os momentos do dinamismo penal, a liberdade das pessoas. Visto nesta perspectiva, o Direito Penal representa um ônus para o indivíduo e também para a sociedade e este ônus só estará justificado pelas possíveis vantagens que a intervenção punitiva trouxer para a sociedade. Assim, se faz necessária uma relação de proporcionalidade entre o ônus da pena e o benefício de sua imposição no sentido de que o custo seja sempre menor do que a vantagem alcançada pela imposição da pena. Referindo-se ao princípio da proporcionalidade BARATTA (1997) observa que a pena é uma forma de violência institucional que só estará justificada quando seus custos sociais forem menores do que as vantagens alcançadas pela sua imposição. Decorre daí a necessidade de estabelecer-se uma relação de proporcionalidade entre o delito praticado e a pena a ele prevista ou aplicada, no sentido de que o mal da pena não supere o mal do crime. Deriva também do princípio da proporcionalidade a regra do “non bis in idem” segundo a qual, ninguém poderá ser duplamente punido em razão de um mesmo fato ou de uma mesma circunstância. Com base nisso tem-se discutido hoje a questão relativa à constitucionalidade de inúmeros institutos penais cuja aplicabilidade poderia conduzir ao bis in idem e a violação do princípio da proporcionalidade. Cita-se como exemplo o instituto da reincidência, previsto no artigo 63 do Código Penal, que determina a agravação da pena do reincidente, ou seja, daquele que já sofreu condenação por um crime anterior e que terá sua nova pena aumentada em virtude da primeira condenação.

2.

DAS PENAS EM ESPÉCIE

O sistema de penas existente na legislação penal brasileira encontra fundamento no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira. Nesse dispositivo estão elencadas as penas proibidas e as penas lícitas ou permitidas. Estão proibidas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, as de caráter perpétuo, as de trabalhos forçados, a de banimento e as penas cruéis. As penas proibidas pelo legislador constituinte tiveram ampla aplicação no passado, estando, hoje, proibidas por razões relacionadas a dignidade da pessoa humana e os princípios da proporcionalidade e de humanidade das penas (BOSCHI, 2002). As penas lícitas ou permitidas são a privação ou restrição da liberdade, a perda de bens, a prestação social alternativa e a suspensão ou interdição de direitos. (artigo 5, inciso XLVI da CF) penas:

O Código Penal brasileiro traz, em seu artigo 32, a seguinte classificação para  Penas Privativas de Liberdade;  Penas Restritivas de Direitos; Pena de Multa

as

. 2.1 PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE: 2.1.1 CONCEITO: As penas privativas de liberdade consistem no recolhimento do condenado a algum estabelecimento prisional por determinado tempo e sob as condições do regime penal imposto. 2.1.2 ESPÉCIES: No sistema jurídico penal brasileiro as penas privativas de liberdade apresentam-se sob três formas que são a reclusão, a detenção e a prisão simples. Sob um ponto de vista ontológico, detenção e reclusão não se diferenciam, pois ambas suprimem a liberdade da pessoa humana. No entanto, a pena de reclusão é indicada para delitos mais graves e portanto, gera consequências jurídicas diferenciadas. São diferenças essenciais entre elas: RECLUSAÓ A) Aplica-se aos delitos mais graves B) Cumpre-se em regime inicial fechado, semiaberto ou aberto: C) Aplica-se medida de segurança detentiva; D) Pode gerar incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela e da curatela; E) Os crimes punidos com reclusão admitem interceptação telefônica (lei 9.296/96)

2.1.3

DETENÇAO A) Aplica-se aos delitos menos graves; B) Cumpre-se em regime inicial semiaberto ou aberto; C) Poderá ser aplicada medida de segurança restritiva; D) Não gera perda do poder familiar; E) Os crimes punidos com detenção não admitem interceptação telefônica.

PRISÁO SIMPLES É a pena de prisão prevista na lei de introdução ao código penal e que se aplica somente as contravenções penais. Deve ser cumprida sem rigor penitenciário somente nos regimes semiaberto ou aberto, devendo o condenado ficar separado dos demais presos, sendo que o trabalho é facultativo no caso de pena de até 15 dias.

REGIMES PENAIS:

Os regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade são três: regime fechado, semiaberto e aberto. O regime inicial de cumprimento da pena é determinado fundamentalmente pela espécie e quantidade da pena aplicada na sentença e pela reincidência. Iniciada a execução da pena em um regime mais severo poderá o apenado avançar para os regimes mais brandos, desde que cumpridos alguns requisitos objetivos e subjetivos. Observase, pois, que o sistema de execução da pena privativa da liberdade se assemelha ao sistema progressivo, eis que permite que o condenado avance, paulatinamente, de uma condição mais severa para uma condição mais benéfica, em que o contato com o mundo exterior é sempre maior. “O regime torna-se, agora, o estado de cumprimento de pena, em que se coloca o condenado, no tocante à intensidade modulada de redução da liberdade”. (PITOMBO, apud BITENCOURT, 2000) REGIME FECHADO (art. 33 &1º, alínea “a” e art. 34 do CP) - A pena deverá ser cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média (penitenciária). Segundo o art. 88 da LEP nas penitenciárias o condenado será alojado em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. O ambiente deve ser saudável, com insolação, aeração e condições térmicas adequadas a saúde humana e deve possuir área mínima de 6 metros quadrados. Na penitenciária feminina deve existir ala para gestantes e parturientes, bem como creche para abrigar crianças maiores de 6 meses e menores

de 7 anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa (art. 89 LEP) - O condenado é submetido, no início da execução, a exame Criminológico de classificação para individualização da pena, a ser realizado pela Comissão Técnica de Classificação. É norma constitucional que a lei regulará a individualização da pena (artigo 5º, XLVI). A individualização é uma das garantias repressivas. No momento executório a individualização se processa durante o cumprimento da pena e abrange o conjunto de medidas judiciais e administrativas, ligadas ao regime penitenciário, à suspensão da pena, ao livramento condicional, etc. Entende-se que a execução penal não pode ser igual para todos os apenados, nem todos os presos devem ser submetidos ao mesmo programa de execução. Na lógica estabelecida pela lei de execução penal, individualizar a pena significa dar a cada preso as oportunidades e os elementos necessários para que este possa lograr sua reinserção social. Com base nisso estabelecem-se instrumentos de classificação cuja finalidade é selecionar os presos de acordo com seu grau de perigo de reincidência ou de periculosidade. Nos termos estabelecidos pela lei de execução penal, a classificação faz-se segundo os antecedentes e personalidade do acusado(art. 5º). O exame de personalidade é, nesta perspectiva, um exame médico-psicológico e social dos condenados que permitirá que se construa um maior conhecimento sobre a sua pessoa. Os exames de personalidade são obrigatórios para todos os condenados a penas privativas de liberdade e destinam-se a classificação que determinará qual o tratamento penal mais recomendado. Para a classificação do condenado a Lei de Execução Penal também faz referência ao exame criminológico, que será efetuado obrigatoriamente quando for aplicado o regime fechado e, facultativamente quando o regime inicial de cumprimento da pena for o semiaberto. “O exame criminológico é uma espécie do gênero exame da personalidade e parte do „binômio delito-delinquente, numa interação de causa e efeito, tendo como objetivo a investigação médica, psicológica e social, como o reclamavam os pioneiros da criminologia. ‟No exame criminológico, a personalidade do criminoso é examinada em relação ao crime em concreto, ao fato por ele praticado, pretendendo-se com isso explicar a dinâmica criminal (diagnóstico criminal), propondo medidas recuperadoras (assistência)” e a avaliação da possibilidade de delinquir (prognóstico criminológico).” (MIRABETTE, 2000, p. 50). Tal concepção encontrase ultrapassada sendo que o próprio Conselho Federal de Psicologia, em resolução própria, passou a vedar, na perícia psicológica, a elaboração de prognósticos de reincidência, bem como a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir destes. Em seu artigo 1º, a resolução determina a necessidade de se promover a desconstrução de conceitos de que o crime está relacionado unicamente à patologia ou história individual. Na perspectiva estabelecida pela Lei de Execução Penal as duas perícias, a criminológica e a da personalidade, ofereceriam elementos para a percepção das causas do delito e os indicadores para sua prevenção. O exame criminológico deve ser realizado por peritos oficiais, no Centro de Observação, ou, na falta, pela própria Comissão Técnica de Classificação. A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo Diretor e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social. Tem como atribuições: a) classificação do condenado; b) elaboração do programa individualizador; c) acompanhar a execução das penas privativas de liberdade; d) propor as progressões e regressões de regime, assim como as conversões; e) emitir parecer sobre as progressões solicitadas pelos apenados; f) expedir parecer quando do processamento do pedido de Livramento Condicional nos crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. g) acompanhar a execução das penas restritivas de direitos. Sobre o exame criminológico ver as súmulas 439 do STJ e Súmula Vinculante n. 26 (STF). - O apenado fica sujeito a trabalho durante o período diurno e isolamento noturno (Sobre o trabalho do preso ver artigos 28 a 37 da Lei de Execuções Penais – LEP – Lei 7.210/84); - Quem cumpre pena em regime fechado não poderá, em regra, sair para frequentar cursos, de instrução ou profissionalizantes e o trabalho externo só é possível em obras ou serviços púbicos, desde que o condenado tenha cumprido, ao menos, um sexto da pena. - O condenado poderá obter permissão de saídas, de acordo com o disposto no artigo 120 da LEP. A permissão de saída aos condenados a regime fechado poderá ser concedida quando ocorrer falecimento de familiar próximo e para tratamento médico. A saída será feita sempre com escolta e será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso.

- Direito a remição (pelo trabalho e pelo estudo) REGIME SEMIABERTO (art. 33 &1º, alínea „b‟ e art. 35 do CP) - A pena deve ser cumprida em colônia, agrícola, industrial ou estabelecimento similar; - O condenado poderá ser submetido a Exame Criminológico; - O condenado será submetido a trabalho, podendo este ser realizado externamente; (§ 2º do CP). A prestação de trabalho externo dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade do condenado, além do cumprimento mínimo de1/6 da pena. (artigo 37 da LEP). (Ver súmula 40 do STJ) - Admite-se a permissão de saída (ver artigo 120 da LEP) - Garantia de saída temporária, desde que cumpridos 1/6 da pena para os não reincidentes e ¼ da pena para os reincidentes. A saída temporária pode ser autorizada para visita à família, para frequência a curso supletivo profissionalizante, ou de instrução do segundo grau ou superior, para participação em outras atividades que contribuam para o retorno ao convívio social. A autorização para saída temporária cabe ao juiz da execução, desde que presentes os seguintes requisitos: a) comportamento adequado, cumprimento de um mínimo de pena e compatibilidade do benefício com os objetivos da pena. Sobre o tempo da saída ver artigo 124 da LEP. (artigos 122a 126). A Lei 12.258/10 alterou o art. 146 da LEP para admitir o monitoramento eletrônico e presos que estejam em saída temporária ou em prisão domiciliar (regime aberto). Deste modo o preso que se encontra em regime semiaberto e obtiver o direito à saída temporária, poderá ser monitorado eletronicamente, a critério do juiz da execução. - Direito à remição (pelo trabalho e pelo estudo). REGIME ABERTO (art. 33 &1º, alínea „c‟ e art. 36 do CP) - A pena deverá ser executada em casa de albergado ou estabelecimento similar; - O condenado não é submetido a exame criminológico; - Baseia-se no senso de responsabilidade e autodisciplina do condenado; - O apenado deverá trabalhar, frequentar cursos ou exercer outras atividades autorizadas fora do estabelecimento penal durante o dia; - Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que estiver trabalhando ou comprovar possibilidade de fazê-lo imediatamente; (art. 114 com exceção das pessoas elencadas no art. 117 da LEP- Prisão domiciliar) - Deverão ser cumpridas condições especiais estabelecidas pelo art. 115 da LEP: a) permanecer no local designado, durante o repouso e nos dias de folga; b) sair para o trabalho e retornar nos horários fixados; c) não se ausentar da cidade sem autorização judicial; d) comparecer a juízo para informar e justificar suas atividades, quando solicitado. Além das condições acima descritas, que são obrigatórias, poderão ser estabelecidas, pelo juiz, outras condições: ex: proibição de frequentar determinados lugares. - Permite-se prisão domiciliar - nos casos do artigo 117 da LEP: Nos casos em que o condenado for maior de 70 anos, seja acometido de doença grave, condenada gestante, condenada com filho menor ou deficiente. O art. 95 da LEP determina que todas as comarcas do país deve haver uma casa de albergado. Apesar dos quase 30 anos de vigência da LEP inúmeras comarcas não contam com casa de albergado, o que faz com que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) passasse a determinar que os presos que iniciem a execução da pena em regime aberto ou que progridam para tal regime podem obter o direito à prisão albergue domiciliar, quando não existir casa de albergado na comarca,

mesmo que estes não se enquadrem nos requisitos do art. 117 da LEP. - Admite-se remição pelo estudo. REGIME ESPECIAL: A LEP determina que não poderá haver qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política no decorrer do cumprimento das penas. Esta proibição, no entanto, não inclui as distinções de ordem sexual. Por isso, dispõe o art. 37 que as mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes a sua condição pessoal. Assim as penitenciárias para as mulheres devem possuir algumas características: - devem ser construídas junto às cidades; - devem possuir creches; - devem oferecer condições para que a mãe possa ficar com o filho durante a amamentação; - devem possuir seção para gestantes (art. 83 da LEP). Súmulas relacionadas aos regimes de execução de penas: Súmula Vinculante n.26 (STF): “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do artigo 2 da Lei 8.072/90, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.” Súmula 439 do STJ: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”. Súmula Vinculante nº 56 (STF): “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS” 2.1.4 REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE: (art. 33 do Código Penal) O juiz na sentença condenatória deverá determinar a espécie de regime para início do cumprimento da pena, orientando-se pelos critérios estabelecidos pelo art. 33, & 2º do CP. A fixação do regime inicial de execução da pena privativa de liberdade integra o ato decisório final. Essa decisão será sempre provisória uma vez que ficará sujeita a progressão e regressão, atendendo-se ao mérito do condenado. Para determinação do regime inicial deverá o juiz observar alguns critérios fundamentais: a natureza e a quantidade da pena aplicada e a reincidência. Esses critérios são subsidiados pelos elementos do artigo 59 do Código Penal, sempre que os três fatores antes indicados não resultarem na aplicação obrigatória de certo regime. Determina o § 2º do art. 33 do Código Penal que: a) o condenado a pena superior a 8 anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado. b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a oito anos poderá, desde o início cumpri-la em regime semiaberto. c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. O artigo 111 da LEP determina que quando houver condenação por mais de um crime a determinação do regime inicial de cumprimento de penas deverá ser feita pelo resultado da soma ou unificação das penas. Para a determinação do regime inicial deverá o juiz observar também a natureza da pena imposta, se reclusão ou detenção, uma vez que o artigo 33, caput, determina que a pena de reclusão pode ser cumprida nos três regimes penais e a pena de detenção somente nos regimes semiaberto e aberto. Com base nestes elementos pode-se organizar a seguinte tabela:

PENA

Situação do condenado

RECLUSÃO

Fechado Maior de 8 anos

Maior de 4 a 8 anos

Igual ou inferior a 4 anos

DETENÇÃO

Semiaberto

Aberto

Semiaberto

Reincidente

Xo

Xo

Não reincidente

Xo

Xo

Reincidente

Xo

Xo

Não reincidente

Xf

Xf

Xo

Reincidente

Xf

Xf

Xo

Não reincidente

Xf

Xf

Xf

Aberto

Xf

Xf

Note bem: a) Segundo entendimento dominante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a partir da vigência da Lei 12.736/2012, o Juiz ao proferir sentença condenatória, deverá descontar (detrair) o período de prisão cautelar para fins de fixação do regime prisional. O § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, alterado pela referida lei não versa sobre progressão de regime prisional, instituto próprio da execução penal, mas, sim, acerca da possibilidade de se estabelecer regime inicial menos severo, descontando-se da pena aplicada o tempo de prisão cautelar do acusado, cabendo ao magistrado fazê-lo no momento da aplicação da pena. b) Nos crimes hediondos e equiparados, a determinação do regime inicial deverá observar as regras constantes no art. 33, parágrafo 2º do Código Penal. Isso porque o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 27/7/2012, ao julgar o HC 111.840/ES, por maioria, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/2007, afastando, dessa forma, a obrigatoriedade do fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados. Deste modo embora o crime de tráfico de drogas seja equiparado a hediondofechado, ao réu primário, condenado à pena reclusiva não superior a 4 anos, cuja pena-base foi estabelecida no mínimo legal, fazendo jus o condenado ao regime intermediário, qual seja, o semiaberto. Súmulas sobre Regime Inicial de Execução da Pena Privativa de Liberdade: Súmula 718 do STF: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”. Súmula 719 do STF: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”. Súmula 269 do STJ: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a 4 (quatro) anos se favoráveis as circunstâncias judiciais” Súmula 493 do STJ: “É inadmissível a fixação da pena substitutiva (art. 44 do Código Penal) como condição especial do regime aberto.”

2.1.5 PROGRESSÃO E REGRESSÃO DE REGIME: Conforme salientado no ponto 1.4.2, do sistema da Filadélfia, fundado no isolamento celular absoluto do condenado, passou-se para o sistema de Auburn, que preconizava o trabalho em comum em absoluto silêncio, chegando-se ao sistema progressivo. No Brasil o Código Penal de 1940 adotou o sistema progressivo, prevendo um período inicial de isolamento absoluto (até 3 meses), seguido de trabalho comum durante o dia até se chegar, por fim, ao livramento condicional. Com a Lei nº 6.416/77 o isolamento inicial passou a ser facultativo e foi criado o sistema de execução em 3 regimes (fechado, semiaberto e aberto) e a possibilidade de cumprimento da pena nos regimes menos severos, conforme a quantidade da pena e as condições do condenado. A Lei 7.209/84, que reformulou a parte geral do Código Penal excluiu o período inicial de isolamento, mantendo as três espécies de regime e determinando que as penas devem ser cumpridas em forma progressiva. Como o objetivo declarado da execução penal é o de promover a integração e a reinserção social do condenado, propõe-se, através do sistema progressivo, que este seja colocado gradualmente em condições de maior liberdade a medida que demonstre maior capacidade de adaptação a vida social. Por isso é que os regimes penitenciários são comunicáveis entre si. Há entre eles canais de ligação que propiciam avanços e recuos comandados sempre pelo juiz. Através do sistema progressivo é possibilitado ao condenado, através de seu procedimento, da sua conduta carcerária, direcionar o ritmo de cumprimento de sua sentença. Assim permite que o condenado vá conquistando paulatinamente a sua liberdade, ainda durante o cumprimento da pena. PROGRESSÃO DE REGIME: Determina o artigo 33, parágrafo 2 do Código Penal que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado. O artigo 112 da LEP (Lei de Execuções Penais), por sua vez, estabelece os requisitos para a progressão: o cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior e demonstração de mérito do condenado que indique ser conveniente a progressão. Assim, por meio de sentença motivada é sempre possível a transferência do condenado de um regime mais rigoroso para outro menos rigoroso, desde que cumpridos os requisitos objetivos definidos em lei. O parágrafo 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 (que define os crimes hediondos e equiparados) exige, como requisito temporal para a progressão de regime, o cumprimento de 2/5 da pena no caso de réus primários e 3/5 no caso de réus reincidentes. Trata-se de regra especial mais gravosa, inserida pela Lei 11.464/07, que se aplica exclusivamente aos crimes hediondos e equiparados. Em dezembro de 2018, a Lei 13.769, visando oferecer tratamento especial, durante a fase de execução da pena, para mulheres gestantes ou mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, inseriu, no art. 112 da LEP, os parágrafos 3º e 4º, autorizando a progressão de regime com o cumprimento de 1/8 da pena no regime anterior, desde que cumpridos alguns requisitos: [....] § 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; V – não ter integrado organização criminosa. § 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo.” (NR)

A mesma lei alterou o parágrafo 2º ao art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), que passou a vigorar com a seguinte redação:

[....] § 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho

Da leitura dos referidos dispositivos, infere-se que, nos casos de mulheres gestantes ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, a progressão se dará com 1/8 da pena cumprida desde que o crime tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa; que não tenha vitimado filho ou dependente da condenada, que a mesma seja primária, com bom comportamento carcerário e não integre organização criminosa. Questões relevantes sobre a progressão de regime: a) Requisito temporal para nova progressão: Na segunda progressão, deve-se cumprir o tempo da pena restante, não um sexto da pena total (inicial). b) Tempo remido pelo trabalho: o tempo remido deve ser computado em favor do condenado para efeito de progressão. Soma-se o tempo cumprido da pena mais o tempo remido para se chegar ao “quantum” de um sexto da pena. c) Condenados a penas superiores a 30 anos: De acordo com a súmula 715 do STF “a pena unificada para atender ao limite de 30 anos de cumprimento (....) não é considerada para concessão de outros benefícios como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”. Segundo este entendimento o cálculo de 1/6 deve ser feito sobre o total da pena aplicada e não sobre a pena unificada em 30 anos. Para Luiz Flavio Gomes (2007) esse entendimento não mais se sustenta, pois viola o princípio da individualização da pena, visto que em muitos casos fará com que o condenado, ainda que tenha bom comportamento e mérito, permaneça 30 anos no cárcere em regime fechado. d) Exigência de laudo técnico para progressão de regime (exame criminológico): para a doutrina majoritária, com o advento da Lei 10.792/03, não mais se exige, para a progressão de regime, a realização do referido exame. O STF já admitiu, entretanto, sua realização facultativa. O exame criminológico tem sido considerado pela doutrina majoritária como um instrumento inapto para a avaliação do condenado, além de representar um atentado a dignidade da pessoa humana e a liberdade subjetiva do indivíduo. A introdução de métodos voltados para análise, diagnóstico e classificação serve como instrumento disciplinar exaustivo, pois tais dispositivos não se contentam simplesmente com comportamento corretos e submissos, subservientes ao sistema de punições e recompensas, sendo muito mais ávidos, exigindo dos apenados um grau de correção da própria subjetividade. Segundo Carvalho (2013) “A atuação destes dispositivos resulta em avaliações e diagnósticos carregados de determinismos e simplificações que não cessam de identificar miséria e criminalidade, desestruturação e carência familiar com periculosidade, rebeldia e insubordinação com transtornos antissociais. Exigem padrões de condutas totalmente avessos a própria condição de encarceramento como o arrependimento, relações familiares estruturadas, padrões sexuais considerados normais, demonstração de higiene e zelo pessoal.” e) Condenado por crime contra a administração pública: por força da Lei 10.763/03, que acrescentou o parágrafo 4 ao artigo 33 do CP, nos crimes contra a administração pública a progressão de regime fica condicionada à reparação dos danos causados ou à devolução do produto obtido com o ilícito. f) Cometimento de falta grave: a prática de falta grave (art. 50 da LEP) implica na perda do tempo para progressão, iniciando-se nova contagem de um sexto da pena, a partir da falta grave. A súmula 534 do STJ determina que “A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, a qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração”.

g) Progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados após o advento da Lei 11.464/2007: O art. 5º, XLII, da CF prevê que: “a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los se omitirem”. Para regulamentar referido dispositivo foi aprovada a Lei 8.072/90, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, que definiu tais delitos bem como estabeleceu que, nestes casos, a pena deveria ser cumprida integralmente em regime fechado. O parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, em sua redação original, dizia que a pena nestes crimes deveria ser cumprida integralmente em regime fechado, vedando, portanto, a progressão de regime. Durante 16 anos o Supremo Tribunal Federal considerou que referido dispositivo não violava a constituição, mas, em fevereiro de 2006, por maioria de votos, acabou por declarar a inconstitucionalidade da redação originária do art. 2º, parágrafo 1º da Lei 8.072/90, por entender que a vedação da progressão de regime violava os princípios da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana. De acordo com esta decisão todos os condenados por tais crimes poderiam obter progressão de regime com o cumprimento de 1/6 da pena. Tal fato motivou a rápida aprovação da Lei 11.464/2007, que alterou o parágrafo 1º, do art. 2º da Lei dos crimes hediondos, passando a determinar que a pena será cumprida inicialmente em regime fechado. Pela nova regra o regime inicial de cumprimento da pena será obrigatoriamente fechado, não estando, entretanto, vedada a progressão. Para a obtenção deste benefício a Lei 11.464/2007 estabeleceu tempo diferenciado de cumprimento da pena, exigindo, nos crimes hediondos e equiparados, 2/5 de pena (40%) e 3/5 (60%) se reincidente. A nova regra, considerada mais gravosa que a anterior (em razão da declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2 da Lei 8.072/90, pelo STF, em fevereiro de 2006) tem incidência somente para os crimes cometidos a partir da vigência da Lei 11.464 (29.03.2007), sendo que aos crimes anteriores aplica-se a regra genérica do artigo 112 da LEP, que exige apenas 1/6 de cumprimento da pena para progressão de regime (princípio da irretroatividade da lei penal mais severa e da ultra-atividade da lei penal mais benigna). Este é o teor da súmula Súmula 471 STJ que determina: “Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional”.

Cabe mencionar, por fim, que em junho de 2012, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a determinação legal que obrigava a imposição de regime inicial fechado aos crimes hediondos e equiparados. O plenário, valendo-se do princípio da individualização da pena assegurou aos magistrados a possibilidade de imposição de regime inicial mais brando, desde que presentes os requisitos legais para tanto. REGRESSÃO DE REGIME: É a transferência de um regime para outro, mais severo. Segundo o artigo 118 da LEP a regressão ocorrerá nos seguintes casos: -

prática de fato definido como crime doloso;

prática de fato definido como falta grave; (artigo 50 da LEP estabelece os casos de falta grave: participação em motim; fuga; posse indevida de instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; provocação de acidente de trabalho; descumprimento das condições do regime aberto; desobediência aos servidores; recusa a execução do trabalho, das tarefas ou ordens recebidas e prática de crime doloso) quando o apenado sofrer nova condenação cuja pena somada com o restante da anterior torne incabível o regime. O artigo 111 da LEP dispõe que, havendo condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime inicial de cumprimento da pena será feita pela soma ou unificação das penas. Assim, se o réu sofrer várias condenações não existe irregularidade na fixação de regime semi-aberto, embora tenha sido condenado, originariamente a cumprir a pena no regime aberto, pois as penas deverão ser

somadas para se aferir o regime prisional. Estando o apenado em regime aberto são ainda motivos para a regressão a frustração dos fins da execução da pena e o não pagamento da multa cumulativamente aplicada. A lei 12.258/10 estabeleceu nova hipótese de regressão de regime. Referida lei acrescentou o artigo 146 C à lei 7.210 (LEP) e este determina que o juiz poderá determinar a regressão de regime quando o apenado, em saída temporária, não cumprir com os deveres inerentes a monitoração eletrônica. Súmulas sobre progressão e regressão de regime prisional: Súmula 698 do STF: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura” – súmula prejudicada pela lei 11.464 que passou a autorizar a progressão de regime nos crimes hediondos. Súmula 716 do STF: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”. Súmula Vinculante n.26 (STF): “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do artigo 2 da Lei 8.072/90, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.” Súmula 471 STJ: “Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional.” Súmula 491 STJ: “É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional”. Súmula 526 do STJ: “O reconhecimento de falta decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato”. Súmula 534 do STJ : “A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, a qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração”.

2.1.6

DIREITOS E DEVERES DOS PRESOS: Artigos 38, 39 e 40 da LEP.

O preso conserva todos os direitos não atingidos pela condenação (CP, artigo 38, e LEP, art. 3º). A exposição de motivos da Lei de Execução Penal esclarece que é comum, no cumprimento das penas privativas de liberdade, a privação ou limitação de direitos inerentes ao patrimônio jurídico do homem que não são alcançados pela sentença condenatória. Esses fatos, em regra, contribuem para a reincidência dos apenados. Com base nisso a própria LEP preocupou-se em assegurar ao condenado todas as condições para sua reintegração social, seja por meio da educação ou por meio da preservação de sua dignidade. São direitos do condenado: - Direito à vida; - Direito à integridade física e moral: (CF, art. 5,III e XLIX; LEP, art. 3º e art. 40) - Direito à tratamento igualitário: (CF, art. 5º, caput e inciso I, art. 3º, IV; LEP, art. 2 § único, art. 3º § único, art. 41, XII) - Direito de propriedade; - Direito à liberdade de pensamento e à convicção religiosa: - Direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem - Direito de petição aos poderes públicos; - Direito à assistência jurídica; - Direito à educação e cultura; - Direito ao trabalho remunerado; - Direito à indenização por erro judiciário; - Direito à alimentação, vestuário e alojamento com instalações higiênicas. - Direito de assistência à saúde e assistência social - Direito de receber visitas: LEP, artigo 41, X. Esse direito pode ser limitado por ato motivado do diretor do estabelecimento ou do juiz, não constituindo direito absoluto do reeducando. - Direitos políticos: Segundo dispõe o artigo 15, III da Constituição Federal, a condenação transitada em julgado acarreta a suspensão dos direitos políticos, enquanto durarem seus efeitos. São deveres do condenado (artigo 39 da LEP); - comportamento disciplinado; - obediência ao servidor e respeito a todas as pessoas; - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; - não participação em movimentos individuais ou coletivos de subversão à ordem;

- execução do trabalho, das tarefas e ordens recebidas; - submissão as sanções disciplinares impostas; - indenização à vítima ou a seus sucessores; - indenização ao Estado; - higiene e asseio pessoal e na cela ou alojamento. 2.1.7

REMIÇÃO:

O trabalho do condenado à pena privativa de liberdade tem suas regras básicas dispostas nos artigos 28 a 37 da LEP, que o estabelece como um dever social e condição de dignidade humana e que tem como finalidade a reeducação do condenado. A remição consiste na abreviação pelo trabalho de parte do tempo da condenação. O art. 126 da LEP estabelece que aquele que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. Tal instituto premia a atividade do preso que trabalha e integra-se ao modelo progressivo de execução da pena no que tange ao conteúdo ético da execução penal – a transformação (reeducação) gradativa do apenado que possibilita seu paulatino contato com a vida em liberdade. A contagem do tempo é feita à razão de um dia de pena por três dias de trabalho, desde que a jornada de trabalho não seja inferior a seis horas diárias, sendo que a disposição alcança o preso impossibilitado de prosseguir no trabalho por ter sido vítima de acidente durante o trabalho. A Lei 12.433, de 29 de junho 2011, alterou os artigos 126 e 127 da Lei de Execuções Penais, dispondo que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. Ampliou deste modo, a incidência da remição para os casos de estudo, adotando posicionamento já aceito na jurisprudência (Súmula 341 do STJ: “A frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução da pena sob regime fechado ou semiaberto.”) A contagem de tempo, para os casos de estudo, deve ser feita à razão de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar, desde que sejam divididas, no mínimo, em 3 dias. A frequência escolar mencionada abrange qualquer atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional. As atividades de estudo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados. O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação. O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, na proporção anteriormente mencionada. Determina o artigo 127, com a nova redação dada pela lei 12.433/11 que em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. Trata-se de nova lei “in mellius”, uma vez que determina perda de somente parte do tempo remido. Pela redação anterior, em caso de falta grave, o apenado perdia, na integralidade, o tempo de pena remido pelo trabalho ou pelo estudo. Com esta alteração legislativa perdeu aplicabilidade a súmula vinculante n. 9 do Supremo Tribunal Federal que determinava: “O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”.

Determina, por fim, o artigo 128 que o tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos, garantindo ao condenado relação de seus dias remidos. No ano de 2017 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consagrou, por meio da Súmula 562, que é admitida a remição da pena em caso de atividade laborativa extramuros: “É possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa, ainda que extramuros. 2.1.8 DETRAÇÃO: A detração penal é a operação aritmética por meio do qual é computada no tempo de duração da condenação a parcela de tempo correspondente a concreta aplicação de uma medida cautelar ou a efetiva internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Assim, por meio da detração penal computam-se na pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória no Brasil ou no estrangeiro, bem como internação em qualquer estabelecimento para tratamento psiquiátrico. (art. 42 do CP) Em vigor desde o dia 03 de dezembro de 2012, a Lei Nº 12.736/12, alterou o Código de Processo Penal, passando a dispor sobre o reconhecimento da detração penal pelo juiz de conhecimento no momento em que este prolata a sentença condenatória. Art. 1. A detração deverá ser considerada pelo juiz que proferir a sentença condenatória, nos termos desta Lei. o Art. 2. O art. 387 do Decreto-Lei n 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 387..……………………………………………………………. § 1O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta. § 2 O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.” (NR)

Deste modo, o tempo da Prisão Provisória deverá, obrigatoriamente, ser descontado do tempo de pena imposto na sentença condenatória, inclusive para fins de determinação do regime inicial de execução da pena privativa de liberdade. Este tem sido o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que reiterademente decide que “Com o advento da Lei n. 12.736/2012, o Juiz processante, ao proferir sentença condenatória, deverá detrair o período de custódia cautelar para fins de fixação do regime prisional. Forçoso reconhecer que o § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal não versa sobre progressão de regime prisional, instituto próprio da execução penal, mas, sim, acerca da possibilidade de se estabelecer regime inicial menos severo, descontando-se da pena aplicada o tempo de prisão cautelar do acusado.” (STJ HC 373035 / SP) Detração e Penas Restritivas de Direitos: A lei não menciona a possibilidade de o tempo de prisão provisória ser computado do período de pena restritiva de direitos. Grande parte da doutrina acredita, porém, que por uma questão de equidade, existe possibilidade de detração mesmo quando a pena aplicada posteriormente for restritiva de direitos. 2.1.9

DISCIPLINA CARCERÁRIA E SANÇÕES DISCIPLINARES:

A execução da pena privativa de liberdade está sujeita a disciplina carcerária, de acordo com o estabelecido nos artigos 44 e 47 da Lei de execução penal. De acordo com os referidos dispositivos “A disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho” sendo que “o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares”. Assim, se o apenado não se submeter a disciplina carcerária cometendo faltas disciplinares, estará sujeito a imposição de sanções disciplinares, de acordo com o que preceituam os artigos 53 e 54 da Lei de Execuções Penais.

As faltas graves estão descritas no artigo 50 da LEP e ocorrem quando o apenado: I-

incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II-

fugir;

IIIpossuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV-

provocar acidente de trabalho;

V-

descumprir, no regime aberto, as condições impostas;

VInão observar os deveres previstos nos incisos II e V do artigo 39 (obediência ao servidor e respeito as pessoas; execução do trabalho, das tarefas e ordens recebidas); VIItiver, em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. VIII-

prática de fato definido como crime doloso.

Efeitos do reconhecimento da prática de falta grave: 1. aplicação de sanção disciplinar (artigo

51); 2. regressão de regime; 3. perda de parcela (1/3) dos dias remidos; 4. reinício da contagem do lapso temporal para progressão de regime (Súmula 524 STJ) As sanções aplicáveis aos casos de falta disciplinar estão previstas no artigo 51 e são: advertência verbal; repreensão; suspensão ou restrição de direitos (proporcionalidade na distribuição do tempo para trabalho, descanso e recreação; visita e contato com o mundo exterior); isolamento (o isolamento, a suspensão ou restrição de direitos nunca poderá ser superior a 30 dias); inclusão no regime disciplinar diferenciado. Além da aplicação de sanções disciplinares a prática de falta grave produz efeitos na execução da pena, dentre os quais se destacam a regressão de regime (artigo 118 da LEP) e a perda de parcela dos dias remidos (artigo 127 da LEP). Segundo dispõe a LEP a inclusão em regime disciplinar diferenciado ocorrerá quando o apenado praticar fato definido como crime doloso que ocasione subversão da disciplina ou da ordem; quando o apenado apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; quando existirem fundadas suspeitas de que o apenado esteja envolvido ou participe de organizações criminosas, quadrilha ou bando. São as seguintes as características do regime disciplinar diferenciado: - recolhimento em cela individual, com visitas semanais de apenas duas pessoas, com duração de 2 horas; saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. O tempo de duração do RDD é de no máximo 360 dias. As sanções de advertência, repreensão, suspensão ou restrição de direitos e isolamento serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento penal. Para sua aplicação deverão ser consideradas a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. A sanção disciplinar não poderá ser aplicada sem a instauração de procedimento administrativo para sua apuração. A sanção de submissão a regime disciplinar diferenciado será determinada pelo juiz da execução e dependerá de prévia manifestação do Ministério Público e da defesa. A análise dos dispositivos legais relativos à disciplina carcerária (aqueles relativos aos deveres e direitos dos presos, assim como os relativos às faltas e sanções disciplinares) conduz a uma séria reflexão em torno da legitimidade destes, quando compreendidos com referência aos direitos e garantias constitucionais. Em relação às faltas disciplinares constantes do artigo 50 da Lei de Execuções penais, observa-se nítida violação ao princípio da legalidade penal, uma vez que a falta de taxatividade na definição dos comportamentos faltosos, viola o ideal de segurança jurídica, conferindo à autoridade administrativa enorme poder de definição do que seja uma falta grave. Referindo-se a tal questão SCHMIDT (2002, p. 93) observa que:

...é unanimemente reconhecido pela doutrina em geral que a lei penal deve possuir um conteúdo claro e determinado, de tal forma que possa proporcionar – ou, pelo menos, chegar o mais próximo possível- segurança jurídica à sociedade, mas, além disso, também evitar a ofensa ao princípio da separação dos poderes, posto que uma norma vaga confere ao juiz a possibilidade de legislar em concreto. A Lei de Execução Penal, em diversos momentos, apresenta-se com esse vício legislativo. Assim, por ex., ao enumerar, dentre as faltas graves da execução penal, a conduta do preso que incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina (art. 50, I), ou quando não se portar com obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se, a Lei de Execução Penal, dada a polissemia destes dispositivos, possibilita uma atividade judicante de constituição de faltas graves, e não a declaração destas. Assim ocorrendo, estamos não só diante de uma invasão, pelo juiz, no caso concreto, dos poderes conferidos ao legislador, como, além disso (e o que é mais grave), legitimando a aplicação de sanções disciplinares arbitrária e ilegais.

No que se refere às sanções disciplinares previstas, merece atenção e destaque a sanção de inclusão em regime disciplinar diferenciado, incluída na Lei de Execução Penal, pela Lei 10.792/03. Tendo como base a ideia, amplamente difundida pelos grandes meios de comunicação de massa, de que o crescimento e aprimoramento das organizações criminosas, estaria vinculado a facilidade de comando destas por criminosos presos, graças a facilidade de comunicação externa, e também a tese de que o controle deste tipo de ação, assim como o controle das rebeliões e motins dentro do sistema penal, dependeria do isolamento efetivo destes apenados, o congresso nacional aprovou a alteração na Lei de Execução Penal, instituindo o Regime Disciplinar Diferenciado, como instrumento de controle de tais práticas. Trata-se, contudo, de um caso de flagrante inconstitucionalidade uma vez que essa modalidade de sanção não pode receber outra denominação senão a de pena cruel, vedada pela Carta Constitucional (art. 5º, inciso XLVII). Neste sentido, cabe ressaltar como fazem CARVALHO e WUNDERLICH que ....o texto delimita uma forma de execução de pena totalmente inédita, visto que consagra em lei o suplício gótico vivido pelos condenados nos presídios brasileiros. Se antes ainda havia a possibilidade de desqualificar a desumana realidade carcerária nacional invocando a LEP, com sua alteração a tragédia é subsumida à lei. (.....) A Lei nº 10.792/03, ao incorporar o RDD na (des) ordem jurídica nacional...., manifesta o assentimento dos Poderes Públicos com práticas regulares nas penitenciárias nacionais: arbitrariedades na adjetivação dos atos cotidianos dos presos em decorrência da imprecisão dos termos regulamentadores; minimização dos direitos de defesa na averiguação das faltas disciplinares, abusos na dilatação do tempo predeterminado da sanção disciplinar.

Súmulas referentes a disciplina carcerária e ao processo disciplinar: Sumula 526 STJ: “O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado da sentença penal condenatória no processo judicial instaurado para apuração do fato”. Súmula 533 STJ: “Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado”. Súmula 534 STJ: “A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração”. Súmula 535 STJ: “A prática de falta grave não interrompe o prazo para fim de comutação de pena ou indulto”

2.2

DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

O modelo de repressão penal baseado exclusivamente na privação de liberdade tem sido, desde a década de 70 do século XX, alvo de inúmeras e crescentes críticas. A crise da pena de prisão como instrumento de controle da violência e da criminalidade evidenciada em todo o mundo, inquieta os mais diversos setores da sociedade. Ciente desta realidade e diante do desassossego internacional quanto ao papel do direito penal a ONU, em Assembléia realizada na cidade de Tóquio editou, através da Resolução nº 45/110 de 1990, as “Regras Mínimas das Nações Unidas para Elaboração de Medidas NãoPrivativas de Liberdade”, também conhecidas como “As regras de Tóquio”. A resolução propõe uma nova orientação em relação ao Direito Penal, centrando-se, sobretudo, na ideia do Direito Penal Mínimo e propondo a maior utilização de penas não privativas de liberdade. Sugere a utilização da pena privativa de Liberdade como extrema ratio, ou seja, como a última opção a ser adotada, somente quando não restar outra via de ação, seja em função da gravidade da conduta, seja porque as outras penas se mostrem inócuas para a situação. O Brasil, observando as orientações das Regras de Tóquio, foi um dos primeiros países a editar um novo texto penal buscando atentar para os princípios e objetivos traçados. Para tanto foi editada a Lei 9.714/98 que ampliou a possibilidade de aplicação das penas restritivas de direitos, já existentes no ordenamento penal brasileiro desde a reforma penal de 1984. 2.2.1

AS ALTERNATIVAS À PRISÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

O ordenamento jurídico penal brasileiro prevê uma série de alternativas que visam evitar a imposição de penas privativas de liberdade. Estas alternativas podem ser classificadas em medidas alternativas e penas alternativas. Aquelas são soluções processuais e penais que não tem caráter de pena e que buscam evitar a prisão como resposta penal. Estas, ao contrário, constituem modalidade de pena, pois além de estarem definidas como tal em lei, implicam na supressão ou restrição de algum direito do acusado ou do condenado. As medidas alternativas à prisão podem ser classificadas em: a) Consensuais: São medidas que tem aplicação condicionada à vontade das partes (por isso são consensuais). Estão previstas na lei 9.099/95 e são os casos de composição do dano civil (art. 74) e de suspensão condicional do processo (art.89). Na primeira hipótese (COMPOSIÇAO), estabelece-se um acordo entre o autor do fato e a vítima, compondo sobre a reparação do dano sofrido por esta. A composição é cabível nas infrações de menor potencial ofensivo, assim consideradas aquelas cuja pena máxima cominada não ultrapasse 2 anos (art. 61 da Lei 9.099/95). Na segunda situação, (SURSIS DO PROCESSO) a propositura da suspensão cabe ao Ministério Público, ao oferecer a denúncia ou mesmo no curso do processo. A suspensão do processo é cabível nas infrações de médio potencial ofensivo, assim consideradas aquelas cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a 1 ano (art. 89 da Lei 9.099/95) b) Não consensuais: São medidas aplicadas após a sentença condenatória, evitando a pena. Essas medidas podem ser judiciais, como é o caso do sursis, do perdão judicial, do livramento condicional, como administrativas, como o caso do indulto ou da anistia. 2.2.2

CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS:

As penas restritivas de direitos, também conhecidas como penas alternativas são classificadas em: a) Consensuais: são penas que tem sua aplicação condicionada à concordância do agente. Exemplo disso é a transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/95, que permite, ao

Ministério Público, propor ao autor do fato uma pena imediata como forma de exclusão do processo. Aceita a propositura, competirá ao julgador sua aplicação. A transação penal somente poderá ser proposta para as infrações de menor potencial ofensivo. b) Não consensuais: não dependem da concordância do acusado e são aplicadas após o término da instrução processual, através da sentença condenatória. Podem ser: a) DIRETAS: com aplicação direta pelo julgador, sem passar pela pena de prisão, quando cominadas nos tipos legais de crimes. Ex: pena de suspensão da habilitação para dirigir veículo, prevista no Código de Trânsito Brasileiro (artigos 302 e 303 da Lei 9.503/97). b) SUBSTITUTIVAS: substituem a pena privativa de liberdade imposta na sentença condenatória As penas restritivas de direitos consistem na restrição temporária de um ou mais direitos do condenado sendo, em regra, aplicadas em substituição as penas privativas de liberdade. São elas:

2.2.3



Prestação pecuniária; (Artigo 43, I e artigo 45, parágrafo 1º do CP)



Perda de Bens e Valores (Artigo 43, II e artigo 45, parágrafo 3º do CP)



Prestação de Serviços a Comunidade; (Artigo 43, IV e artigo 46 do CP)



Interdição Temporária de Direitos; (Artigo 43, V e artigo 47 do CP)



Limitação de Final de Semana. (Artigo 43, VI e artigo 48 do CP) COMINAÇÃO E APLICAÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS:

As penas restritivas de direitos não estão cominadas (definidas) na parte especial do Código Penal, em cada tipo delitivo, como as penas privativas de liberdade. Elas estão cominadas na parte geral e podem ser aplicadas em três situações distintas: Hipótese A: Na transação penal, nos Juizados Especiais Criminais (JECrim), mediante proposição do representante do Ministério Público e aceitação do acusado. (Nas infrações de menor potencial ofensivo). Hipótese B: Em substituição a pena privativa de liberdade aplicada na sentença penal condenatória, desde que presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal. Hipótese C: Durante a execução da pena privativa de liberdade, como incidente na execução, desde que presentes os requisitos do artigo 180 da Lei de Execução Penal. 2.2.3.1 Aplicação da pena restritiva de direitos na transação penal (hipótese A) A lei 9.099/95 prevê, em seu artigo 76, a possibilidade de aplicação consensual de penas não privativas de liberdade às infrações de menor potencial ofensivo. O artigo 61 da Lei 9.099/95 considera infração de menor potencial ofensivo “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa” e nestes casos, a pena poderá ser aplicada pelo juiz, mediante proposta do representante do Ministério Público e aceitação do acusado. Dispõe o artigo 76 da Lei 9.099/95 que: “Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”. O parágrafo 2º, do mesmo artigo determina que não será admitida a proposta se ficar comprovado que o autor da infração já tenha sido condenado definitivamente a pena privativa de liberdade pela prática de crime doloso ou quando tenha se beneficiado anteriormente, no prazo de 5 anos, da transação penal. Sobre a transação penal, vale destacar o teor da Súmula Vinculante nº 35 (STF) segundo a

qual “A homologação da transação penal prevista no art. 76 da Lei 9.099/95 não faz coisa julgada e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento da denúncia ou requisição ministerial. 2.2.3.2 Aplicação das penas restritivas de direitos em substituição a Pena Privativa de Liberdade: (Hipótese B) A possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade está à disposição do juiz para ser executada no momento da determinação da pena na sentença. Ao determinar a quantidade final da pena de prisão se esta não for superior a 4 anos ou se o delito for culposo, o juiz, imediatamente deverá considerar a possibilidade de substituição. Tal possibilidade encontra-se prevista no artigo 44 do Código Penal. São requisitos da substituição: Requisitos objetivos: a) Quantidade de Pena Aplicada: As penas restritivas de direitos podem substituir as privativas de liberdade no caso de delitos dolosos que receberem em concreto pena igual ou inferior a quatro anos e nos delitos culposos. (Artigo 44, I do CP).Tanto nos casos de crimes dolosos quanto crimes culposos, quando a pena aplicada for superior a um ano deverá haver substituição cumulativa de duas penas restritivas de direitos ou de uma pena restritiva de direitos e multa (artigo 44, parágrafo 2º).Quando a pena aplicada não for superior a um ano de prisão poderá ser substituída por pena de multa ou por uma pena restritiva de direitos. b) Natureza do crime cometido: Em relação a natureza do crime privilegiam-se os de natureza culposa, pois, para estes, permite-se a substituição da pena privativa de liberdade independentemente da quantidade de penal aplicada. c) Forma de execução do crime: Para que a pena aplicada ao delito doloso possa ser substituída é necessário que o mesmo tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa. Requisitos subjetivos: a) O Réu não deve ser reincidente em crime doloso: Ocorre reincidência quando o réu comete novo crime após o trânsito em julgado da sentença que o condenou por crime anterior. A condenação anterior mantém seus efeitos por 5 anos após a extinção da punibilidade (computados o tempo de suspensão condicional da pena e do livramento condicional) (artigos 63 e 64 do Código Penal).As penas restritivas de direitos são inaplicáveis, em regra, aos casos de reincidência (artigo 44, II do CP) ressalvados os casos de reincidência em crime culposo e os casos em que, nos crimes dolosos, o juiz considere que a pena restritiva seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude do mesmo crime (reincidência específica). (artigo 44, parágrafo 3º). b) Prognose de suficiência da substituição: Os critérios para avaliação da suficiência da substituição são representados pela culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do fato (artigo 44, III do CP) 2.2.3.3Aplicação das penas restritivas como incidente na execução: (hipótese C) A pena privativa de liberdade poderá ser convertida em pena restritivas de direitos durante a sua execução. Poderá ocorrer nas seguintes hipóteses: 

Quando a pena aplicada não for superior a dois anos;

 Quando esta estiver sendo cumprida em regime aberto;  Quando o apenado já houver cumprido ¼ da pena;  Desde que os antecedentes e a personalidade recomendem a conversão.

Questões para debate: a) Crimes de lesões leves, constrangimento ilegal e ameaça: tais crimes, considerados de menor potencial ofensivo admitem a transação penal, sendo possível a aplicação consensual de penas restritivas de direitos a essas modalidades delitivas, apesar de serem praticadas com violência à pessoa. Em virtude desta possibilidade (aplicação de penas restritivas de direitos no JEC) seria desproporcional e desigual não permitir sua aplicação após a sentença condenatória. b) Casos de violência doméstica e familiar (art. 17) – Com a edição da lei 11.340/2006 vedouse, nessas hipóteses, a aplicação de penas de cestas básicas ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. A lei também afastou de forma absoluta a aplicação das regras do Juizado Especial Criminal (lei 9.099/95) o que impede a aplicação de penas restritivas de direitos através da transação penal. Em 2017 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou, por meio da súmula 588, entendimento sobre a inviabilidade de substituição da PPL por PRD em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Sumula 588 (STJ): “A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher no ambiente doméstico impede a substituição da Pena Privativa de Liberdade por Pena Restritiva de Direitos” c) Penas alternativas para crimes de tráfico de entorpecentes: discutia-se a possibilidade de aplicação de penas restritivas de direitos aos crimes hediondos e equiparados, notadamente os crimes relacionados a trafico de drogas, uma vez que tais crimes podem ser praticados sem a presença de violência ou grave ameaça a pessoa. Ocorre que com a vigência da lei 11.343/6 ficou expressamente vedada à aplicação de penas restritivas de direitos a estes delitos. (ver artigo 44). No entanto a pena prevista para o crime de tráfico, que é de reclusão de 5 a 15 anos, pode ser menor do que 4 anos, uma vez que o art. 33 prevê a possibilidade que esta pena seja reduzida de 1/6 a 2/3 se o traficante for primário, de bons antecedentes, não integrar organização criminosa e não se dedicar costumeiramente ao tráfico. Em tais casos, é comum que a pena privativa de liberdade aplicada ao traficante seja inferior a 4 anos. Em razão disso, o STF entendeu que a vedação presente no artigo 44 afronta diretamente o princípio da individualização da pena, decretando a inconstitucionalidade do art. 44 da Lei antidrogas. (HC 97.256) d) Penas alternativas para os usuários de drogas: o artigo 28 da Lei 11.343/06 contemplou somente a possibilidade de penas alternativas para o usuário de drogas, que jamais poderão ser submetidos à prisão. e) Descumprimento das penas restritivas de direitos impostas na transação penal: Se o autor do fato, depois da transação penal, descumpre a pena restritiva imposta, pode haver conversão para prisão? Trata-se de uma questão polêmica, sobre a qual já se construíram respostas divergentes. Para Luiz Flavio Gomes é impossível esta conversão, pois na transação penal não foi fixada anteriormente uma pena privativa de liberdade, de acordo com a culpabilidade do agente, como ocorre quando há substituição. Na transação penal não se discute a culpabilidade do agente, por isso converter a pena restritiva em prisão significaria submeter o acusado a uma prisão sem o devido processo legal. Atualmente prevalece o entendimento de que, descumprida a pena restritiva imposta na transação penal, desconstitui-se o acordo homologado, devendo o Ministério Público propor denúncia contra o acusado. Não cabe, portanto, conversão da Pena Restritiva em Pena Privativa de Liberdade. Sobre tal questão, em 2017, foi editada a Súmula Vinculante nº 35 (STF): “A homologação da transação penal prevista no art. 76 da Lei 9.099/95 não faz coisa julgada e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento da denúncia ou requisição ministerial.”

2.2.4

PENAS RESTRITIVAS EM ESPÉCIE:

LIMITAÇÃO DE FINAL DE SEMANA: (artigo 48 do CP) Também chamada de prisão descontínua, a pena de limitação de final de semana tem a intenção de evitar o afastamento do apenado de suas tarefas diárias, de manter suas relações com a família e demais relações sociais. A limitação de final de semana consiste na obrigação de o condenado permanecer aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou estabelecimento similar. Tem caráter educativo eis que prevê que durante sua execução o apenado frequente cursos, palestras ou ainda realize quaisquer outras atividades educativas. A fiscalização do cumprimento da pena de LFS será realizada pelo diretor do estabelecimento em que estiver sendo cumprida, o qual remeterá mensalmente ao juiz da execução um relatório sobre o comportamento e disciplina de cada um dos albergados. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE: (artigo 46 do CP) Consiste no dever de prestar determinada quantidade de horas de trabalho não remunerado e útil para a comunidade durante o tempo livre em benefício de pessoas necessitadas ou para fins comunitários. A pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas só poderá ser aplicada a condenações superiores a seis meses de privação de liberdade. A execução é feita nos horários de disponibilidade do condenado, à razão de uma hora de trabalho por dia de condenação, a serem fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho do condenado. A pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas deverá ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ressalvada a hipótese prevista no artigo 46, parágrafo 4º do CP, que permite que a pena superior a 1 ano possa ser cumprida em tempo menor, nunca inferior à metade do tempo de pena privativa de liberdade fixada na sentença. INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS: (Artigo 47 do CP) Ao contrário das penas de limitação de final de semana e de prestação de serviços a comunidade, que são genéricas, as penas de interdição temporária de direitos são específicas e se aplicam a determinados crimes. Consistem na proibição do exercício de direito do condenado por um determinado período de tempo, sendo que o direito interditado tem sempre uma relação direta com a infração cometida. Espécies: a) Proibição do Exercício de Cargo, Função, Atividade ou Mandato Eletivo; b) Proibição do Exercício de Profissão, Atividade, Ofício que dependam de autorização do poder público. c) Suspensão da autorização ou habilitação para dirigir veículo. d) Proibição de frequentar determinados lugares. A primeira modalidade (letra a) refere-se a todas as atividades relacionadas ao funcionário público, nos termos do artigo 327 do Código Penal. Não se trata de incapacidade definitiva, mas temporária que terá o tempo de duração da prisão substituída. É indispensável que a infração tenha sido cometida com violação de deveres inerentes ao cargo, função ou atividade ou mandato eletivo. (artigo 56 do CP)

A segunda modalidade (letra b) refere-se a profissões, atividades ou ofícios que exigem habilitação especial ou autorização do poder público para que sejam exercidas. Qualquer profissional que for condenado por crime praticado no exercício de seu mister, com infringência aos deveres que lhe são inerentes, poderá receber esta sanção, desde que, é claro, preencha os requisitos necessários à substituição. (artigo 56 do CP) A terceira modalidade é aplicável somente aos crimes culposos de trânsito; (artigo 57 do CP). PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA (artigo 45, parágrafo do CP) A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 salário mínimo, nem superior a 360 salários mínimos. A leitura do texto legal parece demonstrar que a finalidade desta sanção penal é garantir a reparação do dano causado pela infração. Tanto é verdade que o valor pago deverá ser deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação cível, se coincidentes os beneficiários. O parágrafo 2º do artigo 45 do CP permite a substituição da prestação pecuniária por uma prestação de outra natureza, nos casos em que houver aceitação do beneficiário. PERDA DE BENS E VALORES (artigo 45, parágrafo 3º do CP) Trata-se de outra nova pena, introduzida pela Lei 9.714/98 e que refere-se a perda de bens e valores pertencentes ao condenado em favor do Fundo Penitenciário Nacional, considerando-se como teto o prejuízo causado pela infração ou o proveito obtido pelo agente ou por terceiro. Trata-se na verdade de pena de confisco. O produto dessa sanção penal destina-se ao Fundo Penitenciário Nacional, assim como o produto da pena de multa, ao contrário da prestação pecuniária que tem caráter indenizatório. O objeto desse confisco não serão os instrumentos ou os produtos do crime, como ocorre com o confisco efeito da condenação, mas é o próprio patrimônio do condenado, definido como “bens e valores”. 2.2.5

CONVERSÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO: (art. 45 do CP)

A pena restritiva de direitos poderá ser convertida em pena privativa de liberdade em determinadas hipóteses. Até o advento da lei 9.714/98 a conversão operava-se pela pena efetivamente aplicada, independentemente do tempo que a sanção tenha sido cumprida. Com o advento da nova norma a conversão deixou de ser pela pena efetivamente aplicada, adotando-se o princípio da detração penal, deduzindo-se o tempo de pena restritiva de direito cumprido. A nova lei estabelece, contudo, uma ressalva que se refere ao saldo mínimo de trinta dias de detenção ou de reclusão a ser cumprido pelo condenado no caso de conversão. a) Causas gerais de conversão: A conversão poderá ser obrigatória ou facultativa. Será obrigatória quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta (artigo 44, parágrafo 4º). Será facultativa quando ocorrer nova condenação a pena privativa de liberdade que impossibilite o condenado de continuar cumprindo a pena restritiva imposta (artigo 44, parágrafo 5º). b) Causas especiais de conversão: ver artigo 181 da Lei de Execuções Penais.

2.3

- DA PENA DE MULTA:

A terceira modalidade de pena adotada pelo Código Penal brasileiro é a multa que, Segundo o art. 59, constitui no pagamento ao Fundo Penitenciário de uma quantia fixada na sentença e calculada em “dias-multa”. Trata-se de uma espécie de pena pecuniária que, assim como a prisão, tem sido alvo de muitas críticas, uma vez que a mesma além de se mostrar inócua (por que inexequivel em grande parte dos casos), também mostra-se impessoal e desigual. Isso se dá não apenas porque a grande maioria dos condenados é formada por pessoas economicamente vulneráveis que, em regra, não dispõe de recursos para pagamento, mas porque atinge de maneira desigual os condenados, considerando suas condições sócio-econômicas. Para o cálculo da pena de multa o CP adota o Sistema dias-multa, segundo o qual a pena deverá ser calculada em duas etapas. Inicialmente fixa-se um número de dias (entre 10 e 360 dias) e após fixa-se o valor de cada dia (entre 1/30 a 5 salários mínimos). O valor da multa será resultado da multiplicação do número de dias pelo valor de cada dia-multa. Tal Sistema foi adotado no Código criminal do Império (1830) e foi mantido pelo Código Penal Republicano (1890). O código penal de 1940 abandonou o critério do dia-multa e foi o único diploma codificado brasileiro a não adotá-lo. Com a reforma penal de 1984 (Lei 7.209), adotou-se novamente o dia-multa, tornando-se assim a pena pecuniária mais flexível e individualizável, ajustando o seu valor não só a gravidade mas especialmente a situação sócio econômica do delinquente. 2.3.1

COMINAÇÃO E APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA:

Com a reforma penal de 1984 o legislador adotou, ao lado das penas privativas de liberdade, as penas restritivas de direitos e a pena de multa, inaugurando uma nova sistemática de cominação de penas. Ao invés de repetir em cada tipo penal a espécie de pena restritiva ou a quantidade da multa, inseriu um capítulo específico para as penas restritivas e cancelou as referências a valores da multa, estabelecendo um critério único para determinação do valor da multa no artigo 49 do código penal. Assim, a partir da reforma penal de 1984 foram revogados todos os dispositivos que fixavam a pena de multa em valores expressos em cruzeiros. A pena de multa pode ser cominada nos tipos penais como pena principal, cumulativa ou alternativa e ainda aparece como pena substitutiva: Pena Principal: quando cominada isoladamente para a infração penal. Pena Cumulativa: quando cominada juntamente com uma pena privativa de liberdade Pena Alternativa: quando cominada juntamente com a pena privativa de liberdade dandose ao juiz a faculdade de opção. Pena Substitutiva: quando substitui a pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 44, parágrafo 2º do Código Penal. Súmula 171 do STJ: Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa. 2.3.2 O SISTEMA DIA-MULTA: No sistema dia multa, os tipos apenas aludem, no preceito sancionatório à pena pecuniária, sendo que a determinação quantitativa fica sujeita as regras da parte Geral do Código Penal. De acordo com o esse sistema a pena é calculada em duas fases, que guardam perfeita separação, e seu quantum final depende de uma operação complementar. A especificação do número de dias-multa e a definição do valor de cada dia-multa correspondem a dois momentos autônomos em que se desdobra o processo de individualização da

pena pecuniária. Através da multiplicação do valor de cada dia-multa pelo número de dias-multa obtém-se o valor final da pena pecuniária. 2.3.2.1 O Valor: o valor do dia-multa deverá corresponder à renda média que o autor do crime aufere em um dia, considerando-se da situação econômica e financeira. 2.3.2.2 O número de dias: será determinado levando-se em conta a gravidade da infração e as circunstâncias legais e judiciais que cercaram a prática do delito Assim, para que se possa aplicar a pena pecuniária o cálculo deve ser feito em dois momentos: (a) Primeiro estabelece-se o número de dias multa dentro do limite de 10 a 360

dias, levando-se em conta a gravidade do delito; (b) após, conhecendo-se o número de dias-multa fixa-se o valor de cada dia-multa, levando-se em consideração a situação econômica do réu, multiplicando-se, ao final, o número de dias estabelecido pelo valor de cada dia-multa (o valor do dia multa poderá ser estabelecido entre os limites de 1/30 a 5 vezes o valor do Salário Mínimo); (c) por fim, o valor resultante da operação anterior poderá ser multiplicado por 3, nas situações em que o valor da multa for insignificante para o réu em razão de sua condição econômica. 2.3.4 EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA: Até o advento da Lei 9.268/96 a multa convertia-se em detenção quando o condenado solvente deixava de pagá-la ou frustrava sua execução. Na conversão, cada dia-multa correspondia a um dia de detenção. Com a reformulação proposta o art. 51 do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-lhe as normas da legislação relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne as causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. Assim, com o advento da nova lei:

a) não existe mais conversão da multa em detenção; b) a atribuição para a execução da multa passou a ser da Fazenda Pública, deixando de ser do Ministério Público (a execução da pena perde seu caráter penal, devendo o seu valor ser inscrito como dívida ativa do Estado); Há posicionamento divergente. c) Transitada em julgado a condenação, o juiz da execução criminal manda intimar o sentenciado para pagamento da multa no prazo de 10 dias. Superado este prazo, não havendo pagamento, é extraída uma certidão circunstanciada, contendo informações sobre a condenação e a multa, que será remetida à Fazenda Pública. d) A competência para execução da pena será da vara da Fazenda Pública; e) Os prazos prescricionais para a execução da multa, bem como as causas suspensivas e interruptivas da prescrição, passam a ser os previstos na Lei 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) e no Código Tributário Nacional.

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