Teatro E Cinema - Perto Demais

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Anacã Rupert Agra

Teatro e Cinema: Perto Demais

João Pessoa 2007

Anacã Rupert Agra

Teatro e Cinema: Perto Demais

Trabalho final da disciplina Teorias do Texto Dramático, do Programa de Pós-graduação em Letras, da Universidade Federal da Paraíba (Campus

I),

ministrada

Professora Sandra Luna.

João Pessoa 2007 Introdução

pela

Em 1997, a peça Closer, de Patrick Marber, estreou em Londres, e em 1999 na Broadway. Em 2004, Closer virou filme, nas mãos de Mike Nichols, diretor conhecido por filmes como Quem tem medo de Virginia Woof? (Who’s afraid of Virginia Woof?), de 1966, também baseado numa peça teatral (de Edward Albee), A primeira noite de um homem (The graduate), de 1967, baseado num romance de Charles Webb, Uma secretária de futuro (Working girl), de 1988, e A gaiola das loucas (The birdcage), de 1996, baseado também numa peça teatral (de Jean Poiret). A peça (e também o filme) conta a história de quatro pessoas que se envolvem umas com as outras, em relacionamentos plenos de sexo, traição e ciúme. Closer1, no entanto, não tem uma narrativa comum, não descamba para o melodramático ou para as soluções fáceis, é uma obra realista, que trata dos relacionamentos de uma forma bastante acurada. Acostumado a adaptar peças de teatro para o cinema, o diretor Mike Nichols não deve ter tido muitos problemas na transposição de Closer para a tela, pricipalmente tendo a ajuda do próprio dramaturgo (Patrick Marber) na construção do roteiro do filme. Certos problemas típicos da adaptação de romances não são característicos da adaptação de peça teatral. Os diálogos, por exemplo, podem facilmente ser usados da mesma forma que na peça, ou com pequenas mudanças. Os cenários também podem ser facilmente transpostos para uma realidade fora do palco. Problemas como descrições e imersão na psique das personagens (típicos da narrativa do romance) não afetam a adaptação da peça para a tela, pois já estão resolvidos no cenário e nas falas. Outros problemas (típicos da adaptação teatral), no entanto, podem se tornar mais difíceis de contornar do que esses. As cenas de uma peça, normalmente, são longas e restritas a um só cenário. O filme não permite isso. A facilidade de mudança de ambiente, com a montagem, no cinema, não permite que se tomem saídas simples como “filmar a peça”. É necessário todo um trabalho de mudança de ambientes das cenas da peça, recriação das cenas para variar os lugares e os ângulos. Muitos acontecimentos da peça teatral aparecem não em cena, mas na fala das personagens. Como as falas normalmente são muito bem “amarradas”, o trabalho fica maior no cinema: fazer com que os diálogos continuem coerentes, mas não desperdiçar os recursos cinematográficos; ou seja, devese tentar filmar as cenas que, na peça, só ocorrem nas falas, e encaixá-las no filme de forma que a obra pareça fluente.

1Quando usarmos “Closer”, estaremos nos referindo tanto à peça quanto ao filme. Quando se tratar somente de uma das duas obras, se o contexto não deixar claro de qual delas estamos falando, especificaremos.

São dificuldades como essas que causam diferenças entre as obras teatrais e cinematográficas. Neste trabalho, pretendemos analisar essas diferenças na obra Closer, peça e filme, de forma que possamos, mesmo que de modo bastante específico (talvez de valia só para essa obra em especial), determinar elementos que podem ir e vir do teatro para o cinema, e outros que são típicos de cada meio. O caminho que escolhemos para isso foi seguir a ordem dos atos e cenas na peça, sempre contrapondo ao filme, e usando qualquer ajuda teórica e crítica que pudermos, sem nos apegarmos a apenas um caminho teórico específico, pois o importante aqui não é provar uma teoria, mas examinar os elementos, as características, e os recursos que cada meio (Teatro/Cinema) tem para construir a obra.

ATO I

Cena 1 Na primeira cena de Closer, Dan e Alice se conhecem. Na peça, essa cena se dá inteiramente em um hospital, Alice está com um corte na perna, e Dan a ajuda. Pelo diálogo dos dois, sabe-se que ela sofreu um pequeno acidente, atravessando a rua, na

frente de Dan, que a socorreu. São as palavras de Dan, num relato justificado pela inconsciência de Alice depois do acidente, que descrevem o que aconteceu.2 Dan Nós paramos no sinal, eu olhei nos seus olhos e depois você... pisou na rua. Alice E depois? Dan Você estava deitada no chão, olhou para mim, disse: ‘Oi, estranho’.3 Esse diálogo, que aparece na peça depois de os dois conversarem um pouco, aparece no filme na primeira cena, não em forma de diálogo, mas encenada. É a abertura do filme, com a música “Blower’s Daughter” (de Damien Rice), e em câmera lenta, formando uma cena belíssima, que acaba no acidente e na personagem Alice dizendo “Hallo, stranger”. Durante esse mesmo diálogo, na peça, Alice relata para Dan o que ela estava fazendo até aquele momento. Ela fala sobre os lugares por onde passou e menciona o Postman’s Park, onde se encontra um memorial para pessoas que morreram salvando a vida de outras pessoas. Ainda no hospital, eles conversam sobre o memorial, e Dan lembra de ter estado lá quando criança. No filme, toda essa cena do memorial se dá no próprio parque (Postman’s Park), pois Alice e Dan saem conversando do hospital e o mesmo diálogo, que na peça se passa inteiramente na sala de espera do hospital, acontece no filme enquanto os dois passeiam por Londres. Esse primeiro diálogo entre os dois é essencial para o entendimento do resto da obra, tanto filme quanto peça. É nessa cena que Alice diz como se devem acabar os relacionamentos: Alice É a única forma de acabar: ‘Eu não te amo mais, adeus.’4 Essa fala de Alice será importante no final da obra. 2As citações de textos originalmente em língua estrangeira aparecerão no corpo do trabalho em português, em tradução nossa. A citação original, na língua de origem, será colocada em nota de rodapé, devidamente numerada. 3 “Dan We stood at the lights, I looked into your eyes and then you ... stepped into the road. Alice Then what? Dan You were lying on the ground, you focused on me, you said, ‘Hallo, stranger.’” (MARBER, 1999. pp. 3, 4) 4 “Alice It’s the only way to leave: ‘I don’t love you anymore, good-bye.’” (MARBER, 1999. p. 9)

As duas cenas (do filme e da peça) acabam da mesma forma, embora uma no hospital (peça) e outra em frente ao prédio do jornal onde Dan trabalha (filme): Dan não vai trabalhar e a cena é fechada com Alice dizendo seu nome (Alice Ayres). Os elementos do filme que não estão presentes na peça são estritamente cinematográficos, não chegam a ser elementos constitutivos do drama em si. O filme, por exemplo, tem música. A primeira cena utiliza muito bem a trilha sonora, começando com uma imagem memorável de Natalie Portman (a atriz que interpreta Alice) andando em câmera lenta ao som da canção Blower’s Daughter. Nessa cena, Dan e Alice estão andando um em direção ao outro, mas o espectador vê como se eles estivessem andando em direção à câmera, de forma que se aproximam cada vez mais, tanto um do outro, quanto os dois de nós mesmos, espectadores. Essa aproximação lembra um dos “recursos” do drama: o espectador deve se sentir próximo da personagem, para sofrer junto com ela. No acidente, há uma pequena diferença quanto à trama, entre filme e peça. Na peça, todas as personagens são inglesas, mas as mulheres, no filme, são americanas. O acidente ocorre, no filme, porque Alice é americana, e olha para o lado esquerdo antes de atravessar a rua. Na Inglaterra, é sabido, o trânsito vem pela direita. Essa mudança de ambientes de que falamos até aqui, que acontece no filme, mas não tem lugar na peça, ilustra bem um princípio dramático que não atinge o cinema. Algo

análogo

no

que

se

refere

ao

espaço

fundamenta a exigência de unidade de lugar. O entorno espacial deve (assim como os elementos temporais) ser eliminado da consciência do espectador. Só assim surge uma cena absoluta, isto é, dramática. Quanto mais freqüentes são as mudanças de cena, tanto mais difícil é esse trabalho. Ademais a descontinuidade espacial (como a temporal) pressupõe o eu-épico. (Szondi, 2001, p. 33) Parece-nos, assim, que a economia de lugar na peça não precisa ser efetivada no cinema, que busca através de outros recursos (música, closes, mudanças de ângulo, etc.) tornar a cena dramática. Levemos em consideração o que diz Peter Szondi (2001, p. 131) sobre o cinema:

O desenvolvimento do cinema na virada do século até os anos vinte foi marcado por três descobertas: 1) a mobilidade da câmera, isto é, a mudança de plano, 2) o close e 3) a montagem, a composição das imagens. Com essas três inovações, o cinema obteve possibilidades expressivas específicas, indispensáveis para fazer dele uma

arte

independente.

(...)

Mediante

as

três

descobertas artísticas mencionadas, que inserem a câmera

no

quadro

de

maneira

produtiva,

tornam

fecundas para a configuração imagética as modificações na contraposição entre câmera e objeto, e fazem com que as seqüências das imagens sejam determinadas não apenas pelo acontecimento real, mas também pelo princípio de composição do diretor na montagem, o cinema deixa de ser teatro filmado e se transforma em narrativa imagética independente. Ele já não é mais a reprodução técnica de uma [sic] drama, mas uma forma artística épica autônoma. Mesmo que esses recursos tornem o cinema algo mais épico do que dramático, não se pode deixar de levar em consideração que um close em um rosto chorando, por exemplo, pode aumentar o efeito dramático, ao aproximar mais o espectador do sofrimento da personagem, o pathos. Ainda nessa cena, algumas partes do diálogo da peça são suprimidos no filme, pois outros elementos cinematográficos, como o acidente (que é mostrado no filme), não precisam ser explicitados pelas falas das personagens. Grosso modo, no cinema, a imagem é mais importante do que o diálogo, enquanto que o diálogo é mais importante no teatro. Talvez por isso o memorial apareça logo na primeira cena, quando Dan e Alice andam por Londres, enquanto na peça o memorial é apenas citado nas falas das personagens. O memorial (no Postman’s Park) toma lugar de importância nas duas obras, e terá importância para a trama como um todo, e para o drama, no final da obra. Os elementos que aparecem na peça e não aparecem no filme são cruciais para o resto da obra teatral. Durante a primeira cena, ainda no hospital, Larry aparece. Esse

encontro, casual, nos levará, mais tarde a pensar sobre o que diz Aristóteles sobre o “possível incrível” e o “impossível crível”. Larry trava um breve diálogo com Alice, no qual ele menciona a cicatriz que Alice tem na perna. A cicatriz de Alice, bem como tudo relacionado a ela, estão ausentes no filme, que se mostra mais “enxuto” em relação a elementos dramáticos (mais adiante veremos como isso se dá). Outro elemento presente na peça e ausente no filme é o fade. Na peça, na verdade, as cenas acabam com blackout, o equivalente ao fade out cinematográfico. No filme, o fade não é usado, o que faz com que a passagem de tempo seja sentida na atuação, na forma como as pessoas tratam umas às outras. O blackout na peça talvez seja necessário para a mudança de cenário, pois, da mesma forma que no filme, não há indicações de passagem de tempo, a não ser nos diálogos, na forma como as personagens se relacionam.

Cena 2 Pouco mais de um ano depois (segundo pode-se entender tanto da peça quanto do filme), Dan está sendo fotografado por Anna. Os dois flertam. As referências à água aparecem aqui fortemente, através da sugestão do título do livro “O aquário”. Na primeira cena, há um diálogo curto sobre peixes e o mar. Na peça, a cena se passa por inteiro no studio de Anna. No filme, Dan encontra com Alice brevemente do lado de fora, o que não faz grande diferença. A saída de dentro do studio parece, no filme, somente um modo de enganar o espectador, para que ele continue no clima de filme, sem sentir a clausura que uma peça filmada pode causar. Uma pequena diferença no diálogo que Dan e Anna travam enquanto Alice vai ao banheiro, no entanto, demonstra o quanto a ação dramática pode ser diferente entre peça e filme. No filme, Dan diz: “Você me beijou”; essa fala não está presente na peça, tornando o diálogo mais implícito. Para o espectador não faz diferença, ele sabe o que aconteceu entre Dan e Anna, mas para Alice, saber que houve um beijo é causa maior para o choro que virá no final da cena. Na peça, o motivo do choro de Alice é somente saber que Dan está interessado em Anna. Enquanto a questão do beijo é melhor explicitada no filme, outra parte do diálogo fica mais interessante na peça. Quando Alice entra no studio, ela pergunta a Anna se esta roubou a alma de Dan, fazendo uma referência à crença antiga de que a fotografia rouba a alma da pessoa fotografada. Mais na frente, quando Alice confronta

Anna quanto ao que aconteceu entre ela e Dan, Anna diz que não é ladra. A alma de Dan é roubada por Anna, pois ele se apaixonou por ela, e os diálogos deixam isso claro, metaforicamente. A pergunta de Alice no começo do diálogo (“Você roubou a alma dele?”5) não está presente no filme, fazendo com que o diálogo perca força poética. Já aqui, nessa cena, pode-se perceber como os lapsos de tempo são importantes para Closer. Na primeira cena, não é consolidado o relacionamento entre Dan e Alice, mas já no começo dessa segunda cena o espectador sabe que em algum momento entre a Cena 1 e a Cena 2 eles começaram um relacionamento sério. As cenas da obra, como veremos, não retratam acontecimentos nítidos, como um primeiro beijo; na verdade, são mostrados os momentos que antecedem os acontecimentos reais: quando as pessoas se conhecem. Já os finais dos relacionamentos acontecem em cena, não fazem parte dos intervalos, como os inícios. No entanto, esses acontecimentos que se dão fora da obra parecem estar presentes nas cenas, de forma que contribuem para uma homogeneidade da peça (e do filme). Um comentário de Peter Szondi (2001, p. 167) sobre a peça A longa ceia de Natal (de Thornton Wilder) vale, mutatis mutandis, para Closer: É como se os lapsos de tempo, que a montagem deixa intocados

nos

espaços

intermediários,

fossem

desalojados de seu esconderijo (...), e vinculados por sua vez em um decurso de tempo homogêneo (...).

Cena 3 Na terceira cena da peça, o palco é dividido em dois, Dan está em casa, de um lado, e do outro está Larry, em seu escritório. Os dois estão conversando em chats na internet. A conversa dos dois é projetada em um telão, de forma que os atores ficam em segundo plano, o que termina causando um efeito semelhante ao close up do cinema. O diálogo dos dois fica, então, em close, e ganha uma importância ainda maior pela mínima atuação necessária dos atores. Aqui, aparece um elemento que tem grande importância na peça, mas não aparece no filme: o Newton’s Cradle.

5

“Alice Did you steal his soul?” (MARBER, 1999. p. 19)

Newton’s Cradle O Newton’s Cradle é um objeto simples que demonstra a conservação de momentum e energia. Didaticamente, no entanto, ele é usado para demonstrar a terceira lei de Newton: ação e reação (mais na frente veremos as implicações disso para a ação dramática). Outro elemento presente fortemente na peça e quase ausente no filme é a coincidência. Aqui, como no filme, Dan e Larry se encontram por acaso na internet. Como, na peça, Larry já tinha encontrado Dan e Alice no hospital, no mesmo dia em que os dois (Dan e Alice) tinham se conhecido, a segunda coincidência (a da internet) se torna forçada, leva ao que Aristóteles chamou de “possível improvável”. No filme, Larry não aparece no hospital, o que torna o encontro casual na internet mais plausível (voltaremos a falar sobre isso na cena em que Larry encontra, por acaso, Alice, em um strip club). A cena do diálogo na internet, no filme, é praticamente igual à da peça, o diálogo é quase idêntico. Mike Nichols poderia ter escolhido o caminho fácil, e ter dividido a tela em duas, mostrando Dan de um lado e Larry do outro, como na peça. No entanto, ele preferiu ser fiel à qualidade do diálogo, que, já na peça, mostra-se como parte de uma espécie de montagem paralela. O diálogo, na peça, leva a atenção para Larry, e logo para Dan, e depois para Larry, e Dan, e assim até o final da cena. O que o diálogo já fazia na peça, é feito no filme através da montagem paralela. Dan e Larry dividem a cena, aparecendo um seguido do outro, sendo mostradas suas ações e suas reações. As reações dos dois, principalmente, são mostradas em close, o que leva a outra diferença entre peça e filme: enquanto na peça o diálogo fica em close, fica como mais importante; no filme, tanto o diálogo (mostrado em close nas telas dos computadores das duas personagens) quanto as reações das personagens são mostrados em close, de modo que as duas coisas parecem se equilibrar no filme.

Cena 4 Essa cena se passa no dia seguinte à Cena 3. Sabemos disso porque é o dia em que Larry vai ao Aquário à procura de “Anna” (ele havia marcado um encontro com Anna, pela internet, sem saber que era um homem - Dan - pregando uma peça nele). Aqui, na peça, Anna comenta para Larry que no dia anterior não estava na internet, mas sim conversando com uma conhecida: Alice. No filme, Anna não diz que estava com Alice. O encontro mencionado na peça, de Anna com Alice, parece levar a uma ampliação das relações intersubjetivas na obra. Se as duas se encontram sozinhas (mesmo que para tratar de “assuntos fotográficos”), isso sugere um relacionamento só delas (essa questão das relações intersubjetivas será tratada novamente nas próximas cenas). Nessa cena há outra fala de Anna que esclarece um ponto da trama da obra: Anna (...) Você estava falando com Daniel Woolf. Larry Quem? Anna Ele é o namorado de Alice. Ela me disse ontem que ele brinca na internet. É ele.6 Sabendo que Alice contou a Anna que Dan “brinca” na internet, fica mais plausível o fato de Anna adivinhar, tão rapidamente, que foi Dan que enganou Larry, marcando esse encontro com ela (se, aqui, o encontro entre Larry e Anna é acidental, e causado por Dan, sem querer, outro encontro entre eles – Anna e Larry – irá acontecer, causado por Alice, e não acidentalmente, como veremos na cena 9). Esse encontro acidental, junto ao encontro também acidental entre Larry e Dan e Alice (no hospital), nos leva a refletir sobre os conceitos de “possível incrível” e “impossível crível”. Diz Aristóteles (1966): De preferir às coisas possíveis mas incríveis, são as impossíveis mas críveis (...). (p.98)

6

“Anna (...) You were talking to Daniel Woolf. Larry Who? Anna He’s Alice’s boyfriend. She told me yesterday that he plays around on the Net. It’s him.” (MARBER, 1999. pp. 30, 31)

Com efeito, na poesia é de preferir o impossível que persuade, ao possível que não persuade.(p.101) Trata-se, aqui, de coincidências muito grandes (ainda mais se somarmos o encontro, mais uma vez acidental, entre Larry e Alice na Cena 7), que entram no conceito de “possível incrível”. Fica difícil acreditar em tantos encontros acidentais, principalmente em uma cidade grande como Londres, o que nos leva a incluir esses encontros na área do “possível que não persuade”. Na peça, esse encontro entre Larry e Anna se dá inteiramente no Aquário. No filme, mais uma vez, eles saem, mas não por motivos reais, de trama, saem somente para variar o cenário, o que é comum e facilmente feito no cinema. No entanto, se a presença da água tem algum motivo forte na obra (tentaremos examinar isso mais à frente), é interessante notar que na peça a água se mostra presente, mais do que em qualquer outra cena, aqui, através do aquário, enquanto no filme, além do aquário, há o rio (creio que seja o Tâmisa), que aparece como fundo do final do diálogo entre Larry e Anna.

Cena 5 Mais ou menos seis meses depois, Dan e Alice vão para a exposição de Anna. Nessa cena, é visível o quanto o filme “enxuga” os diálogos da peça e transfere alguns diálogos para outros ambientes, às vezes somente para não parecer uma “peça filmada”, mas outras vezes a fim de tornar o diálogo mais natural. Logo no começo dessa cena, na peça, Alice conta uma história que aconteceu com ela mais cedo, enquanto trabalhava, o que leva a um diálogo íntimo, que funciona melhor em um local isolado, como acontece no filme. Alice (...) Um cara veio na lanchonete hoje e disse: ‘Ei, garçonete7, você está esperando o quê?’ Dan Cara engraçado. Alice Eu disse: ‘Estou esperando que um cara venha aqui e me coma toda com uma cantada linda dessa.’ (...) 7Em português, o trocadilho entre WAITress (garçonete) e WAITing (esperando) se perde.

Alice (...) Estou esperando você. Dan Fazer o quê? (...) Alice (gentilmente) Me deixar. Dan (preocupado) Eu não vou te deixar. Eu te amo completamente. (...)8 No filme, esse diálogo (que vai da página 34 à 36, na peça) se dá no quarto deles, enquanto se vestem para ir à exposição. Além da intimidade maior que o quarto proporciona, o diálogo se torna mais plausível, pois parece que os dois chegaram do trabalho e estão se arrumando para sair. É mais do que normal conversar sobre o que aconteceu no seu dia logo que se reencontram; na peça esse diálogo não parece natural, pois acontece já na exposição, como se eles não tivessem conversado o dia todo, até aquele momento. Também nessa cena, há um exemplo de um momento em que a peça parece parar para que uma personagem faça um discurso que mais parece saído da boca do dramaturgo, e não dela mesma. Há outros exemplos disso ao longo da peça (alguns aparecem também no filme), o que reproduzimos aqui é emblemático de todos:

Larry (...) O que você achou, no geral? (...) Alice É uma mentira. É um bando de estranhos tristes fotografados de forma bela e todos os imbecis ricos que apreciam arte dizem que é bonito porque é isso que eles querem ver. 8

“Alice (...) A man came into the cafe today and said, ‘Hey, waitress, what are you waiting for?’ Dan Funny guy. Alice I said, ‘I’m waiting for a man to come in here and fuck me sideways with a beautiful line like that.’ (...) Alice (...) I’m waiting for you. Dan To do what? (...) Alice (gently) Leave me. Dan (concerned) I’m not going to leave you. I totally love you. (...)” (MARBER, 1999. p. 34)

Mas as pessoas nas fotos estão tristes e sozinhas mas as fotos fazem o mundo parecer bonito. Então, a exibição é tranqüilizadora, o que a torna uma mentira, e todo mundo ama uma Grande Mentira.9 Se nessa fala (bem como em outras) o autor praticamente se mostra através do discurso da personagem, notamos que a afirmativa de Peter Szondi (2001, p. 30) de que “O dramaturgo está ausente no drama. Ele não fala (...)” não pode ser aplicada à peça Closer. Do ponto de vista de Lawson (1949, p. 171), pode-se examinar melhor essas falas: Fala é também uma forma de ação. Diálogos que são abstratos ou que lidam com sentimentos ou idéias gerais não são dramáticos. A fala é válida enquanto ela descreve ou expressa ação. A ação projetada pela palavra falada (...) jaz em sua concretude, seu impacto físico, sua qualidade de tensão.10 Fica claro, então, que falas como essa de Alice não são dramáticas, têm a aparência, realmente, de comentários do autor. Como dissemos, nessa cena também se pode notar como os diálogos são mais “enxutos” no filme. Isso acontece por dois motivos. O primeiro diz respeito ao corte já feito na trama. Como o encontro entre Larry e Alice na primeira cena, no hospital, não acontece no filme, todos os elementos daquele momento da cena que reaparecem na peça são cortados no filme. A questão da cicatriz de Alice e da relação com o cigarro entre Larry e Alice desaparece no filme, bem como o fato de Larry costumar ir ao Memorial para fumar. Isso torna os diálogos do filme mais condensados, mais 9

“Larry (...) What d’you reckon, in general? (...) Alice It’s a lie. It’s a bunch of sad strangers photographed beautifully and all the rich fuckers who appreciate art say it’s beautiful because that’s what they want to see. But the people in the photos are sad and alone but the pictures make the world seem beautiful. So, the exhibition is reassuring, which makes it a lie, and everyone loves a Big Fat Lie.” (MARBER, 1999. pp. 36, 37) 10“Speech is also a form of action. Dialogue which is abstract or deals with general feelings or ideas, is undramatic. Speech is valid insofar as it describes or express action. The action projected by the spoken word (...) lies in its concreteness, its physical impact, its quality of tension.”

preocupados com a trama em si do que com o desenvolvimento das personagens. O segundo motivo diz respeito justamente a isso: como o filme se preocupa mais com as relações intersubjetivas diretamente ligadas à trama, certas partes dos diálogos são suprimidas, como a conversa sobre os pais de Anna (entre ela e Larry), que foi cortada do filme. O diálogo entre Larry e Alice, que, no filme, não possui a parte sobre a cicatriz de Alice, leva a um ponto de entrecruzamento com o diálogo posterior, entre Dan e Anna, ambos acontecendo na galeria durante a exposição de Anna. Na peça não há esse entrecruzamento, Alice e Larry saem do palco e Dan e Anna entram. O final desse diálogo entre Larry e Alice se dá em montagem paralela com o início do diálogo entre Dan e Anna, no filme. Aparentemente, o final do primeiro diálogo se dá simultaneamente ao início do segundo diálogo, mas, se ouvirmos a trilha sonora, percebemos que a música não sofre alterações, tendo continuidade normal de um plano para o outro (de Larry e Alice para Dan e Anna). Como a música, nessa cena, é diegética, é a música que está sendo tocada na galeria, deve-se imaginar que os diálogos, embora pareçam concomitantes, têm, na verdade, partes suprimidas. No entanto, a naturalidade como os diálogos acontecem e se colocam se superpondo um ao outro (um parece entrar no outro, já que tratam do mesmo assunto: Larry e Alice falam sobre Dan e Anna, e Dan e Anna falam sobre Larry e Alice) leva a uma linearidade que acompanha a linearidade da música, de forma que tudo parece fluir sem interrupções, quando, na verdade, como já foi dito, os diálogos possuem lacunas. Outra diferença entre peça e filme nessa cena é quanto ao modo como Dan engana Alice no filme, elemento que fica implícito na peça. Dan leva Alice para fora da galeria e a coloca em um táxi, dizendo que ele vai pegar o próximo táxi para a estação de trem, onde vai pegar um trem para ir ao funeral do pai. Dan, na verdade, livra-se de Alice para poder voltar e conversar com Anna, tentando convencê-la a ficar com ele. Nesse momento, há a possibilidade de escolha por parte de Dan: se ele pegar um táxi e for para a estação de trem, não comete um erro moral; se ele não pegar o táxi e for conversar com Anna, o erro é efetivado. Dan escolhe ir à procura de Anna, o que parece ser um exemplo de hamartia. Cena 6 A Cena 6 se passa por volta de um ano depois dos acontecimentos da Cena 5. Essa é, talvez, a cena mais dramática de Closer; nela, Dan se separa de Alice para ficar com Anna, enquanto Anna se separa de Larry para ficar com Dan. Os diálogos entre

Larry e Anna e entre Dan e Alice começam como parte de cenas comuns do dia-a-dia, são diálogos comuns, sobre assuntos banais. No entanto, de dentro desses diálogos surgem discórdias, brigas, conflito. Isso parece fazer com que algo do plano do conteúdo se espelhe no plano da expressão: o conflito que se mostra entre as personagens é espelhado no conflito entre diálogo em acordo (comum, do dia-a-dia) e diálogo em desacordo (conflituoso). Isso pode ser observado tanto na peça quanto no filme. Nessa cena acontece o “distúrbio máximo do equilíbrio”, pelo menos do Ato I, sendo talvez maior do que o distúrbio final, pois aqui são dois casais que se desfazem, o que pode se configurar como o clímax da obra. Pode-se considerar, claro, que esse é o clímax do Ato I, enquanto a Cena 11 seria o clímax da peça como um todo. Ambas as cenas (6 e 11), no entanto, são “distúrbios máximos de equilíbrio”, o que, nos dizeres de Lawson (1949, p. 168), configura o clímax. Na peça, o palco é dividido em dois, de um lado ocorre a cena entre Dan e Alice, e do outro entre Larry e Anna. A ação muda de um lado para o outro da cena de acordo com o movimento das personagens. Quando Alice sai do palco (como se estivesse saindo da sala do apartamento), a cena muda para a entrada de Larry do outro lado. Quando Larry sai da sala para ir tomar banho, Alice volta ao palco do outro lado e a cena dela com Dan continua. Essas saídas e retornos das personagens regulam os “cortes” das cenas. No filme, acontece da mesma forma, mas a tela não é dividida em duas, há, realmente, uma montagem paralela, cujos cortes são dirigidos também pelas saídas e retornos das personagens. Isso leva a uma pequena, mas significativa, diferença na ação da peça e do filme. Em determinado momento, na peça, enquanto Larry e Anna conversam, há ação do outro lado do palco, embora sem palavras: Alice sai, Dan nota que ela saiu e vai em busca dela. No filme, como tudo acontece em montagem paralela, a conversa entre Larry e Anna pára a fim de que Dan perceba que Alice saiu do apartamento e corra atrás dela. Além dessa diferença, há outra, em relação aos diálogos, que merece ser examinada. No filme (na peça essa fala só aparece na Cena 9), Alice diz para Dan que há sempre um momento de decisão, no qual a pessoa pode se entregar ou não à traição. Isso leva a um entendimento claro do erro trágico e do livre-arbítrio. Alice tem consciência (e suas palavras são tão suas quanto do dramaturgo/roteirista) de que há um momento em que a pessoa (personagem) se vê diante de uma escolha, mas se entrega ao erro, escolhe errado, o que leva ao drama (ou ao trágico). Alice é uma personagem que parece ter consciência das possibilidades dramáticas da vida (e do drama em si, se pensarmos que as dela são palavras também do

dramaturgo). Nessa mesma cena, ela diz que é ela que deveria deixá-lo, e não o contrário. Alice (...) Sou eu quem vai embora. Eu deveria deixar você. Sou eu quem vai embora.11 Nessa fala, Alice revela que é parte do caráter dela deixar o outro, que a personagem dela é que deveria abandonar Dan, e não ser abandonada por ele. Não só o caráter de Alice tem relevo nessa cena, mas também o de Larry (e por extensão o de Dan também). Anna fica com medo de que Larry bata nela. Larry é bruto, grita com ela, faz sexo com prostitutas (ele revela isso a Anna nessa cena). Dan, por outro lado, se mostra o oposto, é calmo, submisso, trata Alice com carinho. A personalidade (o caráter) deles dois se mostra dessa forma durante toda a peça, mas suas ações vão se mostrar mais representativas de seus caracteres, principalmente as ações de Dan no final da peça, o que nos levará a pensar sobre o conceito de Aristóteles de que a ação determina o caráter (e vice-versa).

11

“Alice (...) I’m the one who leaves. I’m supposed to leave you. I’m the one who leaves.” (MARBER, 1999. p. 54)

ATO II

Cena 7 Cerca de três meses depois, Larry encontra Alice em um clube de striptease. Na peça, a cena já começa numa sala privativa, e eles conversam sobre assuntos que não são discutidos no filme, como o casal com o qual Alice estava naquela mesma sala antes, ou a cicatriz de Alice (mais uma vez). Dois momentos dessa cena, na peça, são bastante importantes para a comparação com o filme: são os momentos em que Larry olha para (e parece falar com) a platéia. No primeiro momento ele somente olha para a platéia:

Larry (...) O que aconteceria se eu tocasse em você agora? Alice Eu chamaria a segurança. Larry E o que eles fariam? (...) Alice Eles te levariam embora. Esse espelho é de face dupla. Ela sinaliza na direção da audiência. Tem câmeras no teto. Hesitação.

Larry

olha

para

cima

e

para

a

audiência.12 No segundo momento, ele olha e parece falar diretamente com ela, de uma maneira metalingüística, a personagem parece se colocar como personagem e ao mesmo tempo como pessoa, numa reflexão sutil a respeito da exposição a que as personalidades deles estão sujeitas, uma espécie de falta de privacidade das personagens em relação ao público, como se os momentos mais íntimos deles fossem públicos, e não privados.

Larry Você é fria. Você tem o coração gelado. Larry olha para o espelho de face dupla. O QUE SE TEM QUE FAZER PARA SE TER UM POUCO DE INTIMIDADE POR AQUI?13

12

“Larry (...) What would happen if I touched you now? Alice I would call security. Larry And what would they do? (...) Alice They would remove you. This is a two-way mirror. She nods in the direction of the audience. There are cameras in the ceiling. Beat. Larry glances up and to the audience.” (MARBER, 1999. p. 66) 13 “Larry You’re cold. You’re all cold at heart. Larry Stares into the two-way mirror. WHAT D’YOU HAVE TO DO TO GET A BIT OF INTIMACY AROUND HERE?” (MARBER, 1999. p. 73)

No filme, da mesma forma que na peça, esses momentos levam ao olhar de Larry em direção ao público, no caso do cinema: à câmera. No cinema, no entanto, a flexibilidade é maior, e quando Alice diz que há câmeras no teto, Larry olha para cima e a câmera se coloca de cima para baixo, em contre-plongé, como se ele estivesse olhando para nós, espectadores. No entanto, o ângulo é tão estranho, e a distância tão grande, que esse efeito parece desaparecer, e, embora ele olhe diretamente para a câmera, o espectador não se coloca naquela posição, como se estivesse lá em cima, olhando para ele. Toda essa cena é cuidadosamente montada, composta, de forma que é extremamente pesada sexualmente, mas sem nada explícito. A composição, aqui, é a própria ação, pois é através dos ângulos e da posição dos atores que se entende a relação sexual e conflituosa entre os dois. Lawson (1949, p. 383), falando sobre a composição no cinema, diz: A composição não é meramente um comentário sobre a ação. Ela é a ação.14 No palco talvez seja mais difícil realizar a cena da mesma forma, pois a flexibilidade da câmera, no cinema, permite a mudança de ângulo e o posicionamento dos atores, facilitado pela edição, sem preocupação com o palco, de forma que há uma liberdade de compor a cena do modo que seja necessário para explicitar a relação conflituosa entre as duas personagens. Nessa cena, no filme, é fácil perceber como Larry se impõe fisicamente, através do posicionamento da câmera, enquanto Alice se impõe no diálogo, dominando a conversa com suas respostas esquivas. O conflito se mostra em dois níveis (diálogo e posicionamento físico), mas também entre um nível e outro, já que cada personagem se mostra “dominante” em um dos níveis. Outro elemento que pode ser percebido no cinema, o qual seria difícil de realizar no palco, é a metáfora que se apresenta no início dessa cena. Na peça, como já dissemos, a cena já tem início na sala privada, mas no filme ela começa com Larry entrando no clube de striptease. Quando entra, ele só aparece através de sua imagem refletida nos espelhos do corredor de entrada do clube. Os espelhos são seccionados e parecem refletir o “despedaçamento” da personagem. Larry aparece estilhaçado, quebrado em centenas de pedaços, imagem que reflete (numa reflexão metalingüística) o estado de espírito dele.

14“The composition is not merely a commentary on the action. It is the action.”

Cena 8 Aproximadamente um mês depois, Dan e Anna se encontram, na peça, em um restaurante. Pelo diálogo dos dois sabemos que Anna se encontrou mais cedo naquele mesmo restaurante com Larry, para que ele assinasse os documentos do divórcio. Dan e Anna estão no presente e representam o presente, em seu relacionamento e na cena. Quando Dan sai para ir ao banheiro, Larry aparece. Já é passado, trata-se do encontro que foi citado no diálogo entre Dan e Anna. Larry e Anna representam o passado, tanto em seu relacionamento (casamento acabado) quanto na cena em si. Anna pede para ele assinar os documentos do divórcio e Larry pede que ela durma com ele uma última vez. Larry sai para o bar e Dan volta. Já é presente de novo, e Dan pergunta se ela dormiu como ele, como se o diálogo do passado entrasse no presente, mas sem que isso ocorra diegeticamente. Anna conta a verdade (ela dormiu com ele) e os dois discutem. Até aqui, passado e presente não se misturam, um sai antes que o outro apareça; mas, no momento em que o caso do passado afeta o presente, o passado, personificado em Larry, aparece junto ao presente, quando Larry volta do bar e fica ao lado de Dan e Anna. Os três, ao mesmo tempo no palco, dividem dois tempos. Dan e Anna estão no presente, enquanto Larry e Anna estão no passado. Anna fica então dividida entre os dois tempos, com a consciência de que o passado está interferindo no presente, e essa interferência é concretizada com a presença de Larry no palco. Anna, dividida em dois tempos (presente e passado), divide-se também entre dois homens (Dan e Larry), o que gera uma isomorfia, um espelhamento entre forma e conteúdo. Anna conversa com Dan e depois com Larry, revezando entre os dois, de forma que ela passa do presente para o passado várias vezes. O que poderia ser um simples flash-back (ou reminiscência, na nomenclatura teatral) entra na peça como um recurso metalingüístico e transforma a cena numa bela metáfora da intromissão do passado no presente. Essa cena contraria o que diz Peter Szondi (2001, p. 32) a respeito do tempo no drama moderno: Sendo o drama sempre primário, sua época é sempre o presente. O que não indica absolutamente que é estático, senão somente que há um tipo particular de decurso temporal no drama: o presente passa e se torna passado, mas enquanto tal já não está mais presente em

cena. Ele se passa produzindo uma mudança, nascendo um novo presente de sua antítese. O decurso temporal do drama é uma seqüência de presentes absolutos. Ora, se passado e presente se mostram ao mesmo tempo em cena, em Closer, e o passado pode ser claramente separado do presente no palco, os dois existem ao mesmo tempo em uma espécie de presentificação, mas sem que o passado deixe de ser passado. O passado se apresenta em cena, aqui, como passado. Peter Szondi (2001, p. 174) reconhece que em A morte de um caixeiro-viajante, devido às reminiscências, as três unidades dramáticas são suprimidas, e isso no sentido radical: a reminiscência não só implica a multiplicidade de lugares e tempos como também a perda de sua identidade de modo geral. O presente espácio-temporal da ação não é apenas relativizado em função de outros presentes; antes, é relativo em si. Em Closer parece ocorrer o mesmo, com a diferença de que o lugar é o mesmo (o restaurante), mas, ainda assim, esse lugar se divide em dois tempos, se tornando também relativo, como a ação, que fica dividida de acordo com a atenção de Anna, ora para Dan, ora para Larry. Peter Szondi diz ainda que o cinema tornou o drama um pouco épico, pelo uso de filmes e projeções que acabam a totalidade temporal e intersubjetiva (p.132). Em Closer, no entanto, é a “montagem paralela” (realizada na divisão do palco na Cena 6 e na Cena 2), e o flash-back (aqui, nessa cena), que acabam a totalidade temporal. O cinema modifica o drama não só pelo uso da projeção (como na Cena 2), ou seja, pelo aparato tecnológico, mas pela própria técnica cinematográfica, o close (na projeção), a montagem paralela (divisão do palco), e o flash-back (reminiscência não nos diálogos, aqui em Closer, mas no próprio palco, encenada). No filme, embora o efeito dessa cena seja parecido, ela não se dá de forma tão rica. Dan e Anna se encontram numa Opera House, e não no mesmo restaurante em que ela encontra Larry. Os cortes são quase iguais aos “cortes” da peça, entre presente e passado, mas como estão em lugares diferentes, as cenas entre Anna e Larry não parecem interferir no presente de forma tão concreta quanto na peça. O flash-back é

comum e, embora realizado em montagem paralela, termina parecendo somente um flash-back. O efeito não é tão concreto, mas a análise pode ser a mesma: o passado (no flash-back) tenta “entrar” no presente, através do diálogo, que liga o pedido de “uma última vez” de Larry à pergunta de Dan “se ela dormiu com ele”. O passado, aqui, também interfere no presente, mas não de forma metafórica (ou metonímica), como acontece na peça. Todas as cenas da peça acabam em blackout. Até aqui, nenhuma das cenas do filme tem fade to black. Essa cena 8, no entanto, acaba em fade to white. Esse fade pode ter um significado metalingüístico, talvez até intersemiótico: a Cena 9 não existe no filme, assim, o fade pode representar um salto em relação à peça; o filme pularia da Cena 8 para a Cena 10.

Cena 9 Como já dissemos, essa cena não existe no filme. Em um museu, Larry e Alice conversam. Pelo diálogo sabemos que os dois estão juntos há algum tempo. A cena revela sutilmente um plano de Alice para unir Anna e Larry mais uma vez, de forma que Dan possa voltar para ela (Alice). Há uma frase de Alice que denuncia seu plano: ela repete a mesma frase que disse no dia em que Dan conheceu Anna, mas, dessa vez, em relação a Larry. Retomando o dia em que Dan se apaixonou por Anna, ela parece querer que Anna fique com Larry, da mesma forma que ficou com Dan. Na cena 2: Alice (...) (Para Anna) Nós não queremos ele [Dan] aqui enquanto trabalhamos, queremos? Na cena 9: Alice (...) Nós não queremos ele [Larry] aqui enquanto trabalhamos, queremos? 15

15Na cena 2: “Alice (...) (To Anna) We don’t want him here while we’re working, do we?” (MARBER, 1999. p. 20) Na cena 9: “Alice (...) We don’t want him here while we’re working, do we?” (MARBER, 1999. p. 88)

Aqui, percebemos que Alice tem um objetivo claro e age para atingi-lo, elemento inexistente no filme. Se Alice age para atingir seu objetivo somente na peça, isso nos leva a ver a inclusão dessa cena na peça e a exclusão no filme a partir do caráter intrínseco ao drama. Como diz Peter Szondi (2001), a forma dramática se cumpre na esfera do conflito e da decisão (p. 157); é preciso, então, que as personagens atuem efetivamente dentro do conflito, que tomem decisões, senão o drama fica dissolvido. E Alice toma realmente uma decisão. O diálogo entre ela e Anna sugere mais claramente isso, em falas como esta: Alice (...) Por que você não volta para ele [Larry]? Anna E aí Dan volta para você? Alice Talvez.16 É interessante notar como nesse diálogo surge uma fala de Alice que no filme foi colocada na Cena 6, e é dita para Dan, não para Anna, como acontece aqui. Alice (...) Tem um momento, tem sempre um momento; eu posso fazer isso, posso me entregar a isso ou posso resistir. Eu não sei quando foi seu momento, mas eu aposto que teve um. Anna Teve sim.17 Essa fala de Alice, junto à questão de ela aparecer no cinema sendo dita a Dan, sugere que esse momento existe não só para quem age, como Dan, mas para quem se entrega, como Anna.

Cena 10

16

“Alice (...) Why don’t you go back to him? Anna And then Dan would go back to you? Alice Maybe.” (MARBER, 1999. p. 89) 17 “Alice (...) There’s a moment, there’s always a moment; I can do this, I can give in to this or I can resist it. I don’t know when your moment was but I bet there was one. Anna Yes, there was.” (MARBER, 1999. p. 90)

Cerca de um mês depois (no filme são cerca de 2 meses de intervalo, já que a Cena 9 não existe nele), Dan vai ao consultório de Larry para pedir Anna de volta. Ficamos sabendo, só então, que Anna e Dan se separaram. O diálogo que Dan tem com Larry aqui deixa claro que parte da razão do final do relacionamento entre Dan e Anna foi por causa do que Larry fez (exigiu que Anna dormisse com ele uma última vez). No filme, esse parece ser o único motivo, pois, na falta da Cena 9, não há ação por parte de Alice para que o relacionamento de Dan e Anna acabe. Na verdade, o relacionamento deles parece acabar logo depois da Cena 8, enquanto na peça eles ainda estão juntos na Cena 9, e só depois se separam definitivamente. Larry não esconde o fato de ter tramado contra Dan. Dan Quando ela veio aqui, você acha que ela gostou? Larry Eu não comi ela para ela ‘se divertir’. Eu comi ela para foder você. Uma boa briga nunca é limpa. E sim, ela gostou, ela é Católica – ela adora uma trepada com culpa.18 Ainda nessa cena, Larry faz (conscientemente) o que Dan fez (sem querer) por ele: Larry entrega a Dan o endereço do clube em que Alice está trabalhando, para que ele a encontre. Da mesma forma que Dan fez Larry encontrar Anna pela primeira vez, Larry agora faz Dan reencontrar Alice.

Cena 11 Mais um mês se passa, e Dan e Alice estão juntos, em um quarto de hotel. O diálogo, na peça, mais uma vez contém elementos que não aparecem no filme, como o “doutor” (Larry) da primeira cena, e a cicatriz de Alice. Aqui, aparecem algumas reminiscências, que aparecem também no filme. Na peça, elas vêm através apenas do diálogo, já no filme, além da fala de Dan relatar o que 18

“Dan When she came here you think she enjoyed it? Larry I didn’t fuck her to give her a ‘nice time.’ I fucked her to fuck you up. A good fight is never clean. And yeah, she enjoyed it, she’s a Catholic – she loves a guilt fuck.” (MARBER, 1999. p. 95)

aconteceu, aparecem rápidos flash-backs, que acompanham a narração feita pela personagem. A primeira reminiscência diz respeito ao reencontro deles dois, e é necessária para situar a platéia quanto ao desenvolvimento da trama. A segunda é o relato do que aconteceu no táxi, enquanto ele a levava para o hospital, um resquício da primeira cena. No filme, esse flash-back é realizado apenas através das imagens. Enquanto cenas do passado aparecem na tela, o som é do presente, com a voz de Dan relatando o ocorrido. Quando ele vai citar suas próprias falas, sua voz, no presente, invade as imagens do passado, e aparecem sincronizadas com os movimentos dos seus lábios, no táxi. Dessa vez não é o passado que invade o presente, mas o presente que invade o passado, como numa nostalgia poética. Enquanto na Cena 8 a peça se mostra mais rica ao metaforizar a invasão do presente pelo passado, nessa cena, é o filme que se mostra mais rico, através do flash-back, e não só das reminiscências no diálogo, ao metaforizar a invasão do passado pelo presente. Essa “retomada” do passado leva Dan a perguntar sobre ela (Alice) e Larry. Isso leva a uma briga, que faz Alice deixar de amar Dan, e as palavras que ela cita na primeira cena como sendo o único modo certo de acabar um relacionamento se repetem aqui, dessa vez não mais como menção, mas sendo realmente usadas. Alice Eu não te amo mais. Pausa Dan Olha... desculpa... Alice Não, eu mudei de assunto. Eu não te amo mais. Dan Desde quando? Alice (gentilmente) Agora... exatamente agora. Eu não quero mentir e não posso falar a verdade, então acabou. Dan Alice... não me deixe. Alice sai da cama e pega sua mochila, encontra o passaporte de Dan e entrega a ele. Alice Eu já deixei... eu já saí. ‘Eu não te amo mais. Adeus.’19 19

“Alice I don’t love you anymore. Pause. Dan Look... I’m sorry... Alice No, I’ve changed the subject. I don’t love you anymore. Dan Since when?

Alice conta a verdade a Dan (ela dormiu com Larry), e isso leva a uma nova briga, que culmina com Dan batendo em Alice. Essa ação (Dan bate em Alice) parece ser a ação base, que constitui o clímax da peça (e do filme). O clímax depende da mudança de equilíbrio. Como diz Lawson (1949, p. 178): O clímax, sendo o ponto de tensão máxima, (...) resolve o conflito através de uma mudança de equilíbrio, que cria um novo balanço de forças. Sendo assim, em Closer, é nessa cena (Cena 11) que o conflito é resolvido. Dan e Alice se separam de uma vez por todas, e uma nova situação se configura, que é mostrada na Cena 12. Ainda segundo Lawson (1949, p.169) ...

a

mudança

de

equilíbrio

não

acontece

mecanicamente, em um dado ponto; é um processo que inclui a expectativa de mudança, a tentativa de efetivar a mudança, bem como a mudança em si. Assim, embora essa cena se configure como o clímax da obra, é notável como essa mudança de equilíbrio vem se preparando desde o início, da Cena 1, em que Alice diz para Dan que ela abandona os namorados quando deixa de amá-los. Lembramos ainda aqui da relação entre caráter e ação. Dan parece, durante toda a obra, ser calmo, pacífico, não propenso à violência, enquanto Larry parece violento, rústico. Larry, em seu momento de raiva, não bate em Anna, mas Dan bate em Alice, o que termina invertendo, aparentemente, as personalidades, ou o caráter dos dois. Vejamos o que diz Aristóteles (1966, p. 75) sobre o caráter e as ações das personagens:

Alice (gently) Now... just now. I don’t want to lie and I can’t tell the truth so it’s over. Dan Alice... don’t leave me. Alice gets out of bed and goes to her sucksack, finds Dan’s passport and hands it to him. Alice I’ve left... I’ve gone. ‘I don’t love you anymore. Good-bye.’” (MARBER, 1999. p. 108)

Ora

os

homens

possuem

tal

ou

qual

qualidade,

conformemente ao caráter, mas são bem ou malaventurados pelas ações que praticam. Daqui se segue que, na tragédia, não agem as personagens para imitar caracteres, mas assumem caracteres para efetuar certas ações (...). As ações de Dan e seu caráter parecem contradizer o princípio “caráter-ações” de Aristóteles. No entanto, diante de outra afirmativa do próprio Aristóteles (1966, p. 85), pode-se justificar que a ação final de Dan é incoerente de forma coerente, pois ele é levado a realizar uma ação não típica de seu caráter pelas forças das circunstâncias. ainda que a personagem a representar não seja coerente nas suas ações, é necessário, todavia, que [no drama] ela seja incoerente coerentemente.

Cena 12 A Cena 12 (que se passa cerca de seis meses depois da Cena 11), assim como a Cena 9, não existe no filme. No filme, o que há são pequenas cenas que sintetizam as informações reveladas através de diálogos na peça. No filme, aparecem Anna e Larry, juntos na cama; Alice chega na alfândega, nos EUA, e tem seu passaporte mostrado, seu nome verdadeiro é Jane Jones (como ela disse várias vezes a Larry na Cena 7, no strip club); Dan anda pelo Memorial e vê a placa com o nome Alice Ayres; Alice, em Nova York, é mostrada em câmera lenta (como na primeira cena do filme), e atravessa a rua com o sinal vermelho para pedestres, sem olhar para os lados. Na peça, essas mesmas informações (com devidas modificações), são dadas aos espectadores através dos diálogos. A cena se passa no Memorial, onde Larry, Anna e Dan se encontram. Anna e Larry não estão mais juntos; Alice morreu em um acidente, e o nome verdadeiro dela é revelado (Jane Jones); Anna lê a placa de Alice Ayres. Essa cena funciona como um epílogo. Elementos que foram deixados soltos durante a obra são amarrados aqui. A morte de Alice é certa na peça, enquanto no filme a cena é cortada antes que o acidente aconteça, de forma que o espectador não pode dizer com

certeza o que aconteceu (se ela sofreu um acidente ou não, e, ainda mais, se morreu ou não no acidente). Mesmo assim, a semelhança com a cena inicial e a aparição do sinal vermelho para pedestres enquanto Alice atravessa a rua sugerem um acidente, embora nada determine fatalidade. A morte de Alice, mesmo sendo bastante “seca”, na peça, revela uma proximidade maior com o drama, mas não com a tragédia. Mesmo que se considere o drama moderno como “tragédia moderna” (seguindo Raymond Williams), a tragédia ainda depende de eventos trágicos, e um evento só pode ser trágico se relacionado com uma espécie de ordem. Um acidente não pode ser um evento trágico, a menos que seja proveniente, mesmo indiretamente, de ações. Essa cena, que segue a cena 11, que parece revelar uma certa “destruição” (metafórica) do herói (Dan), mostra-se como um estabelecimento de uma nova ordem, em que um novo futuro (as personagens vão seguir seus caminhos agora separados) se determina. Mesmo que Closer não siga completamente as características de uma “tragédia moderna”, fica claro que possui certas qualidades dela, como é o caso dessa cena “pós-destruição do herói”. Certamente, em quase todas as tragédias, o herói é destruído, mas isso não é normalmente o final da ação. Um tipo de nova distribuição das forças, física ou espiritual, normalmente sucede a morte. (WILLIAMS, 2005. p. 78) A “destruição” do herói, em Closer, embora não seja uma morte, seja mais uma destruição emotiva, é sucedida por essa última cena, em que é determinada uma nova distribuição das forças. Parece revelador o fato da cena se passar no Memorial, um local que “passa” pela vida das quatro personagens, e que é marcado pelo passado (tanto por causa da relação das personagens com o local – no passado –, quanto por causa das placas, que relatam o passado). O Memorial parece exercer uma força maior na peça, tendo sua importância diminuída no filme por causa da ausência dessa cena final. No filme, o Memorial aparece apenas para revelar de onde Alice tirou seu pseudônimo, enquanto na peça o Memorial é palco da última cena, do encontro final entre personagens que, vistas agora, eram amarradas apenas pela ligação com Alice. Depois da morte de Alice, as ligações se acabam, as personagens não têm mais proximidade, estão, agora, distantes demais.

Conclusão John Howard Lawson (1949, p. 163) diz que o drama é um conflito social em que é exercida uma vontade consciente, e que essa vontade deve ser direcionada para um objetivo específico. Tendo em vista essa definição, podemos perceber como o filme se afasta um pouco do drama, enquanto a peça se aproxima. A questão básica estaria na Cena 9, em que a vontade de Alice é definida e ela a direciona para um objetivo específico: Alice quer ter Dan de volta, e trama para que Anna volte para Larry, deixando Dan para ela. Tanto a Cena 9 quanto a Cena 12 (em que uma nova realidade se mostra, e é encenado certo pathos), excluídas do filme, parecem pertencer ao que é mais característico do drama. O conflito é mais bem explicitado na peça do que no filme. A crise, na peça, é atingida pelas vontades de Alice e de Larry, que acabam o relacionamento de Dan e Anna. No filme, como a vontade de Alice não é explicitada através de ações com um objetivo específico, o efeito dramático é diminuído, de forma que o resultado parece mais aleatório do que concretamente efetivado por Alice. Alice, em seu desejo de ter Dan de volta para si, tem um caso com Larry, e o usa para que Anna deixe Dan. Ela consegue o que quer, mas, como resultado do caso que ela teve com Larry, o relacionamento dela com Dan acaba, e isso faz com que ela vá embora para outro país, e morra em um acidente. Como diz Lawson (1949, p. 165): ...a

intensidade

e

significado

do

conflito

jaz

na

disparidade entre o objetivo e o resultado, entre o propósito e o alcançado.20 Fica claro, então, que, embora tanto a peça quanto o filme possuam conflitos que levam a crises, somente na peça a vontade é explicitada e leva a um resultado, digamos, contrário ao desejado. Outra questão levantada por Lawson (1949, p. 167) é que a vontade tem que ser forte o suficiente para causar um problema. Fica claro, ao ler a peça e ver o filme, que a vontade de Alice só pode ser vista como forte o suficiente na peça, pois somente nela 20“... the intensity and meaning of the conflict lies in the disparity between the aim and the result, between the purpose and the achievement.”

ela age e demonstra obstinação. O problema é causado nas duas obras, mas somente na peça ele é resultado da vontade direta de Alice. Embora exista conflito e vontade, do ponto de vista de Dan (e de Larry), tanto na peça quanto no filme, a definição de drama de Lawson (1949, p. 168) se aplica inteiramente somente à peça, por causa de Alice (que é a personagem que liga todas as outras): O caráter essencial do drama é o conflito social – pessoas contra outras pessoas, ou indivíduos contra grupos, ou grupos contra outros grupos, ou indivíduos ou grupos contra forças sociais ou naturais – no qual a vontade consciente, exercida para a realização de objetivos específicos e inteligíveis, é forte o suficiente para levar o conflito a um ponto de crise.21 Embora do ponto de vista do conflito a peça se mostre mais dramática do que o filme, é patente o fato de que, quanto à ação dramática, as duas obras se mostram equivalentes. Ambas se organizam segundo a expectativa, a preparação e a realização da mudança de equilíbrio (embora a preparação na peça seja um pouco mais clara e maior, por causa da Cena 9). Em ambas, também, a mudança ocorre efetivamente. Nas palavras de Lawson (1949, p. 173): Ação dramática é atividade que combina movimento físico e fala; inclui a expectativa, a preparação e a realização de uma mudança de equilíbrio que é parte de uma série de tais mudanças. O movimento em direção a uma mudança de equilíbrio pode ser gradual, mas o processo de mudança tem que acontecer. Expectativa falsa e preparação falsa não são ações dramáticas. A ação pode ser complexa ou simples, mas todas as suas

21“The essential character of drama is social conflict – persons against other persons, or individuals against groups, or groups against other groups, or individuals or groups against social or natural forces – in which the conscious will, exerted for the accomplishment of specific and understandable aims, is sufficiently strong to bring the conflict to a point of crisis.”

partes

têm

que

ser

objetivas,

progressivas,

significativas.22 Por último, podemos examinar, rapidamente, como três princípios básicos elencados por Lawson (1949, pp. 375-376) se aplicam a Closer: 1. O conflito no filme tem uma maior extensão no tempo e no espaço. 2. O conflito se desenvolve em duas linhas de ação paralelas, mas bastante separadas. 3. O filme é capaz de uma intimidade e de uma ação concentrada que aumenta o conflito.23 Durante todo o texto demos exemplos de mudanças de cenário inexistentes na peça, mas necessárias (mesmo que somente para que o filme não pareça teatro filmado) para o filme. Essas mudanças geram uma maior extensão no espaço, no filme. No entanto, o tempo se mostra igualmente extenso nas duas obras, inclusive com inserções do passado no presente e lapsos de meses entre uma cena e outra, como já foi visto. Quanto ao segundo ponto, basta lembrar da Cena 9, que, inexistente no filme, torna o relacionamento de Alice e Larry quase inexistente, de forma que as relações Dan-Alice/Larry-Anna se mostram muito mais independentes, realmente paralelas, apenas ligadas pela relação Dan-Anna; ao passo que na peça os relacionamentos se fecham: Alice-Dan; Dan-Anna; Anna-Larry; Larry-Alice. E, por último, conforme já foi visto, o filme faz o uso de closes, ângulos e montagem, elementos quase inexistentes na peça, o que causa uma intimidade maior (como na Cena 7), e um conseqüente aumento do conflito (em determinados momentos). Entendemos, por fim, que o drama se mostra possível tanto no teatro quanto no cinema. E que, embora a peça se mostre, quanto a alguns aspectos, mais dramática do

22“Dramatic action is activity combining physical movement and speech; it includes the expectation, preparation and accomplishment of a change of equilibrium which is part of a series of such changes. The movement toward a change must actually take place. False expectation and false preparation are not dramatic action. Action may be complex or simple, but all its parts must be objective, progressive, meaningful.” 23“I. The film conflict has much greater extension in time and space. 2. The conflict develops in two parallel, but quite separate, lines of action. 3. The film is capable of an intimacy and concentrated attention that sharpens the conflict.”

que o filme, é possível pensar no inverso: o filme se mostra mais dramático do que a peça, quanto a alguns aspectos, esses, típicos do cinema.

Bibliografia ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Sousa. Porto Alegre: Editora Globo, 1966. AUMONT, Jacques & MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Campinas: Papirus, 2003. LAWSON, John Howard. Theory and technique of playwriting and screenwriting. New York: Putnam’s Sons, 1949. LUNA, Sandra. Arqueologia da ação trágica: o legado grego. João Pessoa: Idéia, 2005. MARBER, Patrick. Closer. New York: Groove Press, 1999. SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno [1880-1950]. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. _____________. Teoria do drama burguês. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. _____________. Ensaio sobre o trágico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. WILLIAMS, Raymond. Modern tragedy. New York: Broadview Encore, 2006.

Filmografia CLOSER: perto demais. Direção de Mike Nichols. EUA: 2004. 1 DVD. son., color., leg.

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