FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL. ESTAMOS PREPARADOS? Desafios, experiências e possibilidades Tatiana Meirelles*
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A história da filosofia no país pode ser contada por diferentes campos, contudo a questão política tem demarcado fortemente os rumos desta disciplina nos currículos escolares, esse, dentre outros é um dos motivos pelos quais a Filosofia esteve, e em algumas regiões ainda está, ausente dos currículos escolares. Contudo, junto às questões ideológicas, políticas, culturais, enfim, dentre os males e benefícios que produzimos, cabe ressaltar a atual rapidez e socialização de informações, que em muitas vezes tem sido determinante no rumo da história. A “luta” para a inserção e obrigatoriedade da filosofia no Ensino Médio, por exemplo, foi acompanhada por diversas pessoas. Movimento esse, que iniciou-se em meados dos anos 90 pela organização de estudantes, professores, instituições de ensino, pesquisadores, entre outros que passaram a organizar diversas atividades em defesa da Filosofia e da Sociologia como disciplinas curriculares em todo território nacional, o que acabou gerando uma ampla mobilização e valorização da formação Licenciada e Bacharel em Filosofia. Concluindo Curso de Especialização em “Culturas Juvenis, subjetividade e educação”. Educadora da Rede Municipal de Ensino de Esteio. *
filosófica no âmbito da sociedade civil, que culminou na aprovação por unanimidade do Parecer nº 38/2006 que insere a Filosofia e a Sociologia nos currículos de Ensino Médio de todo país e, posteriormente, em 11 de agosto de 2006 sua homologação, pelo ministro da educação Fernando Haddad. Desta forma a capacidade humana de refletir criticamente e filosofar estão deixando de ser um conhecimento hermético, privilégio de alguns “iniciados” ou um “produto” de erudição que está ao alcance de poucos, para estar cada vez mais ao alcance de todos. “Filosofia é um assunto que não interessa só ao especialista porque, por mais estranho que isto pareça provavelmente não há homem que não filosofe; ou pelo menos, todo homem se torna filósofo em alguma circunstância da vida. (…) o importante é que todos nós filosofamos, e até parece que estamos obrigados a filosofar”. (BOCHENSKI, 1977, p. 21) Desafios Com a difusão da filosofia vem uma antiga questão: é possível ensinar filosofia? Lembremo-nos da máxima kantiana: “Não é possível ensinar filosofia, só podemos ensinar a filosofar”. Com esta, outras questões surgem: O que deve ser ensinado nas aulas de filosofia? Que critérios são utilizados na avaliação de filosofia? Que temáticas são pertinentes para as aulas de filosofia? Os cursos de graduação estão preparando os estudantes para lecionar filosofia no Ensino Médio? Os livros didáticos de Filosofia têm dado conta das necessidades do ensino da filosofia? E a Filosofia no Ensino Fundamental?
É sabido que nos cursos de graduação em Filosofia, pouco é trabalhado questões pedagógicas relativas ao ensino da Filosofia, de maneira que os estudantes que se formam em licenciatura chegam as escolas precariamente preparados para trabalhar com crianças e adolescentes. A maioria das escolas não tem um currículo de filosofia próprio e quando tem, ele foi elaborado por alguém que geralmente não está mais na escola e para um público e uma realidade que também são diferentes. Os “jovens” professores de filosofia acabam se deparando com o impasse: ao ensino de filosofia cabe exercitar o próprio pensamento ou conhecer o desenvolvimento da tradição filosófica? Questões como essa se agravam no Ensino fundamental. Filosofia no Ensino Fundamental: possibilidades Na década de 60, o filósofo estadunidense Matthew Lipman criou um programa de ensino de filosofia para crianças, com o objetivo de reformar o sistema educacional, desenvolvendo uma metodologia e um currículo específico de filosofia para aplicar nas escolas, abrindo caminhos para a filosofia com crianças. Lipman organizou um programa normativo de ensino de filosofia para crianças que parte de quatro conceitos: filosofia, investigação, diálogo e educação democrática. Sua metodologia é centrada em “novelas filosóficas” que contém, segundo o autor, “temas comuns”, ou seja, que tem a ver com toda a humanidade, tais como: liberdade, amizade, vida, morte, etc.e a partir desses temas criar
conflitos
e
investigá-los.
Em
sua
metodologia,
propõe
as
comunidades de investigação, que é o espaço no qual o diálogo, baseado no respeito e reconhecimento de todos participantes acontece e oportuniza, através da
disciplina
e análise lógica,
que
o saber
abrangente sobre as questões investigadas se efetive. Desta forma as salas de aulas se transformam em círculos de investigação filosófica.
Lipman propõem através desse programa à busca de um ideal de homem a ser alcançado pela educação filosófica das crianças, de maneira que a filosofia se tornaria a base da educação, na medida em que se apresenta como ferramenta para o desenvolvimento do ato de pensar. Essa proposta chegou ao Brasil na década de 80 e desde então é estudada e questionada, enfrentado algumas críticas procedentes, por se tratar de uma proposta baseada no pragmatismo norte-americano, com pouca relação com a nossa realidade, e por estar enraizada em uma determinada concepção de mundo e pretender-se neutra do ponto de vista teórico. Contudo, isso não anula o mérito de Lipmam por ter defendido o direito da infância em praticar a filosofia. Depois de décadas de pesquisas, Lipman chega à conclusão de que o impacto dessa filosofia nas crianças pode não ser observado imediatamente, mas o impacto nos adultos de amanhã poderá ser determinante no modo de organização das futuras sociedades, sobre isso diz Kohan: Serão as crianças que construirão suas filosofias e seus modos de produzi-las. Não é mostrando que as crianças podem pensar como adultos que vamos revogar o desterro de sua voz. Pelo contrário, nesse caso haveremos cooptado, o que constitui uma outra forma de silenciá-las. Seria mais adequado preparar-nos para escutar uma voz diferente como expressão de uma filosofia diferente, uma razão diferente, uma teoria do conhecimento diferente, uma ética diferente e uma política diferente: aquela voz historicamente silenciada pelo simples fato do emanar de pessoas estigmatizadas na categoria de não adultos” (KOHAN, 1999, p. 70).
Lipman abre caminho, então, do filosofar para crianças e com isso, outras propostas, sistematizações, métodos e organizações têm surgido
com o propósito de pensar alternativas e criar modos próprios de se trabalhar com o filosofar nas escolas.1 Aqui no Rio Grande do Sul, temos vários professores que participam do mais antigo fórum com atuação efetiva pela qualificação da Filosofia no país, que é o Fórum Sul-brasileiro de Filosofia e Ensino, os quais pesquisam e produzem referenciais teóricos muito relevantes para o ensino de filosofia. Há professores/ pesquisadores que tem desenvolvido muitos materiais e norteado diversas experiências riquíssimas de ensino da filosofia com crianças2, que é uma alternativa de trabalho para a filosofia no ensino fundamental, diferente da proposta de filosofia para crianças de Matthew Lipman. A filosofia com criança é pautada em um filosofar construído com as crianças, a partir de seu ponto de vista, dessa maneira anula a possibilidade de doutrinação, pois não se quer impor algo de fora, mas extrair algo de dentro. Assim o filosofar não pode ter uma receita pronta, apostilada, pois trata-se também de partir do interesse, da realidade e do contexto dos alunos e construir com eles análises e reflexões críticas acerca de questões de sua existência.Um ótimo exemplo que ilustra essa proposta é o trabalho do professor Sérgio A. Sardi com seu livro “Ula”, esta obra nos possibilita trabalhar questões relativas a existência humana e conseqüentemente filosóficas, de maneira lúdica e acessível à infância. A “Ula” nos abre infinitas possibilidades de trabalho sem determinar o raciocínio e o caminho que a
turma
deve
professores
e
percorrer alunos
se
em
suas
admiram,
investigações. se
Desta
surpreendem,
maneira
descobrem,
aprendem e filosofam sobre o mundo que pertencem, um exercício que Considero muito interessante e indico pesquisa sobre as produções e experiências do professor Sérgio A. Sardi, aqui no RS e GESEF (Grupo de estudos sobre o Ensino de filosofia) de SP, coordenado pelo professor Sílvio Gallo. 2 Tem como principal referência o professor Walter Omar Kohan. 1
precisa de disciplina, mas que não precisa ser disciplinador. Esse movimento com os outros abre possibilidades, não traz possibilidades fechadas, desta forma: O que anima o aprendiz do filosofar? Dentre os mais diversos motivos, é possível apontar um que faz dele desde cedo um filósofo: ambos (professor e aluno) possuem aquele distanciamento do mundo e aquela intimidade que só pode ser obtida pela via da reflexão. Nesse sentido, não se ensina filosofia, mas se alimenta o desabrochar de uma recusa secreta, de uma necessidade de recuo, de encontrar um caminho produtivo para um estranhamento atávico” (GIANNOTTI, 1995, p. 13).
Cada vez mais escolas inserem o ensino da filosofia no currículo do ensino fundamental, o que é muito positivo, pois quanto mais novo o aluno, menos formatado está seu olhar e sua interpretação do mundo, a criança possui uma intensa capacidade de admirar-se com a vida, significando suas descobertas e a realidade que acerca, o que possibilita que
as
reflexões
e
debates
filosóficos
sejam
mais
ricos
e
conseqüentemente que os alunos se tornem cada vez mais cedo cidadãos críticos e atuantes no meio em que vivem, pois “A filosofia não tem uma ”receita mágica” para resolver problemas da vida de ninguém, mas pode ser um instrumento interessante para entendermos melhor as situações pelas quais passamos, possibilitando que façamos escolhas mais bem pensadas.” (GALLO, 2002, p.12) Há diversos professores e pesquisadores estudando e organizando metodologias para o trabalho com filosofia no Ensino Fundamental e Médio, citei a cima, de maneira superficial duas “vertentes” de pensamento que, acredito, continuam norteando novas possibilidades de sistematização do trabalho com filosofia e o fazer pedagógico de muitos professores. Considero relevante socializar, brevemente, um pouco da minha experiência como professora de filosofia no Ensino Fundamental e
da importância da formação continuada de professores para a autoria dos mesmos e o surgimento de novas possibilidades de trabalho. Filosofia no Ensino Fundamental: experiências Sou educadora do município de Esteio, trabalhei com filosofia no Ensino Fundamental de 2002 a 20053, com crianças entre 10 e 14 anos de idade. A educação no município de Esteio, atualmente, é pautada em pressupostos de uma educação popular e progressista e tem como princípios norteadores de suas ações: Qualidade Social da Educação, Acesso e Permanência e Gestão Democrática e Participativa. Por isso, cada escola da rede municipal tem autonomia para organizar seu Projeto Político Pedagógico, Regimento escolar e Planos de Estudos, dentro dos pressupostos acima citados. O que possibilitou que algumas escolas optassem em incluir a filosofia como disciplina dos anos finais (5ª a 8ª série) do Ensino Fundamental e desde então4 o município possui professores habilitados e concursados. Os professores de Filosofia do município de Esteio desenvolvem diversos trabalhos, cada um trilha sua caminhada na construção do conhecimento com seus alunos a partir de suas experiências, características da comunidade escolar, Projeto Político Pedagógico da escola, etc. e essas experiências são socializadas nas formações continuadas. Formações continuadas são momentos organizados pela Secretaria Municipal de Educação, dentro do horário de trabalho
dos
socialização
professores,
de
suas
para
práticas,
atualização, realização
de
com
palestrantes,
encaminhamentos
específicos para cada disciplina, enfim, momentos de trocas, avaliações e aprendizagens. Desde então trabalho como assessora pedagógica na Secretaria Municipal de Educação e Esportes de Esteio. 4 Desde o ano 2000. 3
A formação continuada torna-se fundamental para professores de disciplinas como a Filosofia que não têm “conteúdos fechados”, o que possibilita aos mesmos trabalhar o que, e como considerarem mais adequado, contudo esse “mar de possibilidades” pode nos levar a um relativismo e prejudicar os alunos. O encontro de formação de professores de uma mesma disciplina possibilita que os mesmos compartilhem práticas, estudem e troquem opiniões sobre uma mesma temática, dividam suas angústias e desafios relativos aos alunos e, sobretudo que criem alternativas e possibilidades. Nas formações continuadas do ano passado,5 os professores de Filosofia de Esteio organizaram o I Fórum de Filosofia do município e iniciaram discussão sobre as construções de referenciais teóricos norteadores para o ensino de filosofia no Ensino Fundamental. Desta forma a formação continuada de professores torna-se uma aliada imprescindível dos professores de filosofia, pois nelas é possível socializar dificuldades e construir possibilidades sobre a realidade que estão trabalhando, uma vez que durante a formação acadêmica pouco se fala de aprendizagem, ‘ensinagem’ e alunos. Dentre minhas experiências como professora de filosofia escolhi a primeira, para relatar brevemente, não saberia dizer se foi a mais significativa, mas utilizando a linguagem de meus alunos, certamente foi a mais “punk”. O principal desafio que encontrei no início do trabalho de filosofar com crianças, além do fato da escola não ter um plano de estudos dessa disciplina, foi ser a primeira professora de filosofia desta escola e conseqüentemente
ter
a
tarefa
de
apresentar
essa
disciplina
à
comunidade escolar e explicar o que era Filosofia. Como fazer isso com crianças de 10 anos? Fiz algumas tentativas de conceituação, contudo, como nessa faixa etária a abstração ainda está em construção, 5
2006
combinamos de construir esse conceito coletivamente ao longo de nossos encontros. No início trabalhei basicamente com a questão do admirar-se com as coisas, com o "ouvir" e, "ver" o de outra forma que o habitual com o pensar diferente sobre as coisas que pensamos em nosso cotidiano, com o "ver" com outros olhos, para isso trabalhamos com músicas de diversos estilos, diferentes textos e linguagens, diversas formas de se expressar, se posicionar, escutar, respeitar opiniões diferentes sem a pretensão de chegar a um
consenso,
trabalhamos
sucintamente
Aristóteles e a questão da metáfora, liberdade, mídia, direitos dos consumidores, entre outros trabalhos. Pois em meio a tanta excitação, ansiedade,
insegurança
e
porque
não
imaturidade
profissional,
sustentei-me nas leituras de Marilena Chauí que no momento me nortearam, cito: A Filosofia se interessa por aquele instante em que a realidade natural (o mundo das coisas) e a histórica (o mundo dos homens) tornam-se estranhas, espantosas, incompreensíveis e enigmáticas, quando o senso comum já não sabe o que pensar e dizer e as ciências e as artes ainda não sabem o que pensar e dizer” ( CHAUÌ, 1995, p. 17).
Percebi que a cada trabalho que realizávamos, a questão problema "O que é filosofia?", ficava insignificante, pois estávamos filosofando, assim as coisas foram acontecendo até que eles mesmos conceituaram o que era filosofia. Durante este primeiro ano, meu trabalho com essas turmas fluía como se estivéssemos trabalhando com a matemática, ou seja, uma disciplina “normal”,
onde
alguns
apresentaram
maior
facilidade
e
conseqüentemente se destacaram, e outros demoraram um pouco mais para se apropriar do trabalho. Com o passar do tempo percebi que a ansiedade e necessidade em conceituar a Filosofia eram minhas, pois a
cada encontro com os alunos mais rica e madura foram nossas discussões. Assim o trabalho foi se delineando a partir de temáticas da realidade e reflexões acerca do pensamento dos filósofos sobre tais temas,
construindo
coletivamente
um
outro
pensar
e
novas
possibilidades para cada problema analisado. Para elucidar, eis um breve relato de um trabalho realizado neste primeiro ano6. Tendo em vista que nesta época a temática recorrente era a questão da violência, devido ao atentado de 11 de setembro e o início da guerra entre Estados Unidos da América e Iraque, uma das temáticas que trabalhamos neste ano foi à questão da violência e a forma de relacionamento entre as pessoas. Este trabalho iniciou-se com uma conversa sobre os acontecimentos que estavam ocorrendo no mundo envolvendo violência. Discutimos os fatos citados por eles, as situações elencadas que ocorrem com freqüência e demonstram violência, o que é considerado normal, se existem outras maneiras de resolver os problemas, sem violência, etc. Em seguida pedi que escrevessem o que era violência para eles e por quais motivos ela era gerada. Conversamos sobre as hipóteses levantadas e suas respectivas causas. Lemos um texto sobre violência em sala de aula. Levantei a questão de que geralmente quando falamos de violência nos referimos aos fatos que sabemos pela mídia, ou que aconteceram no bairro, com um conhecido, um vizinho, etc, e não nos damos conta de que também somos vítimas da violência e que muitas vezes a praticamos. Listamos coletivamente situações de violência que ocorrem na escola, suas causas e conseqüências, compondo um quadro diagnóstico sobre a violência na escola.
Esse trabalho foi realizado em 5 semanas, em 2 períodos de aula em cada semana. 6
Analisamos o “quadro” sobre violência e pensamos alternativas para tais questões. Propus que analisassem figuras e dissessem o que elas estavam retratando. Mostrei três figuras, duas de agressões e uma de carinho. Quando mostrava a figura questionava, do que se tratava, se a pessoa estava feliz, quem era o agressor e quem era agredido, se a situação poderia ser invertida, quais os possíveis motivos, se havia alguma situação que justificava tal atitude, se somos capazes de tais atitudes, o que nos levaria a agir assim, etc. Sempre que respondiam, eu apresentava uma hipótese que contradizia suas respostas levando-os a repesá-las. Após a discussão sobre as figuras comentei que havia um filósofo que tinha pensado sobre o “agir” das pessoas, que era Immanuel Kant. Falei um pouco sobre Immanuel Kant e expliquei o imperativo categórico, de uma maneira simplificada. Conversamos bastante sobre essa “idéia” de Kant e sobre o que pensavam dela. Para concluir esse trabalho fiz algumas perguntas relativas à violência, sobre a maneira de como a humanidade se relaciona, e entre outras, se concordavam com o filósofo Kant no que havíamos conversado sobre suas idéias. Transcrevo aqui algumas respostas: “Sim, Kant era uma pessoa muito geniosa, que pensava pelo mundo e pelas atitudes de cada cidadão.” Jorge - 10 anos “Sim, eu concordo com ele, pois ele fala que devemos pensar bem antes de agir é por isso que eu concordo com ele, se uma pessoa mata a família da outra tu não pode sair matando todo mundo”.Patrícia – 11 anos “Sim, porque se todos pensassem antes em vez de fazer algo que outros não gostem o mundo seria melhor”. Régis – 10 anos Esse foi um breve relato de uma experiência inicial da minha caminhada como professora de Filosofia no Ensino Fundamental, depois dessa
houveram outras, com modificações, talvez superações de algumas dificuldades e enfrentamento de novos desafios. Hoje certamente faria muitas coisas diferentes, contudo o que não abro mão é de propor aulas de filosofia a partir da interlocução entre a realidade dos alunos e o saber sistematizado dos clássicos, pois “o filósofo não se afasta de modo algum da realidade cotidiana, mas sim das interpretações e valorações cotidianas do mundo (…)” (LAUAND, 1988 p. 68). Considerações finais Muitos são os caminhos que o ensino da Filosofia pode percorrer, pois a filosofia tem ligação direta com a vida e a existência humana, o que nos abre diversas possibilidades de trabalho com os alunos. Contudo é justamente a infinidade de possibilidades de trabalho que angustia a muitos professores. Nestes momentos de angústia e insegurança, considero importante ouvir o que os alunos estão dizendo da própria vida, como eles pensam e se movem no mundo e a partir dessa escuta propor, através do pensamento dos filósofos, diferentes maneiras de pensar tais questões; vinculando, desta forma, o cotidiano dos alunos as aulas de Filosofia. Esse exercício corporifica a filosofia e possibilita que o “reino das idéias” esteja ao alcance de todos e, conseqüentemente, ter aulas de filosofia passe a fazer sentido para os alunos assim como a atividade filosófica possa ser vivida mais intensamente. A metodologia certa para trabalhar com o ensino de filosofia, seja no Ensino Fundamental ou Médio, é aquela que possibilita que professores e alunos entreguem-se ao filosofar e, a partir desse filosofar, seja possível traçar um caminho com metas e objetivos a serem atingidos, pois para filosofar é preciso arriscar-se e para ensinar e aprender é necessário estar aberto tanto ao acerto quanto ao erro. Acredito que esse caminho deva ser percorrido através do exercício filosofante de
conexão entre a vida real, vivida por nossos alunos e os clássicos, que pensaram questões relativas a toda humanidade. Que o filosofar é inerente ao humano, muitos sabem, mas que esse filosofar pode mudar a nossa maneira de ver e interagir com o mundo, nós filósofos e filósofas precisamos auxiliar outras pessoas a descobrir, pois o mundo que vivemos é conseqüência de nossas atitudes e o exercício filosofante faz-se cada vez mais necessário na sociedade que vivemos atualmente, onde a vida, a verdade, a justiça e o bem, são questões sob as quais refletimos e talvez valoramos em momentos esporádicos, geralmente em situações que nos “choquem”, como a morte do menino João Hélio, mas que infelizmente não estão refletidas em nossas ações cotidianas. Cito: (...) Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos de senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes” (CHAUÌ, 1995).
Longe de mim pensar na Filosofia de maneira utilitarista, ou seja, de que seu ensino é importante, porque nos tornará seres humanos melhores, certamente não há aprendizagem que determine a evolução do ser humano, como uma conseqüência. Somos seres inteligentes, que fazemos escolhas e é justamente por isso que penso ser fundamental que desenvolvamos a capacidade de análise, reflexão e distanciamento das imposições sociais as quais produzimos e
estamos, muitas vezes, imersos. E para o desenvolvimento de tais capacidades, certamente, a Filosofia é importante. Referências bibliográficas BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do Pensamento filosófico. São Paulo: EPU, 1977. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995. GALLO, Silvio (Coord.). Ética e cidadania. Caminhos da filosofia: elementos para o ensino de filosofia. Campinas: Papirus, 1997. KOHAN, Walter O.; WAKSMAN, Vera (Orgs.). Filosofia para crianças, na prática escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. LOPES, Marcos Carvalho. A realidade desafia a reflexão. Revista Discutindo Filosofia, nº 3, São Paulo, p. 64-65, 2006. LAUAND, Luiz J. Filosofia, Educação e Arte. São Paulo, Edições IAMC, 1988. PARENTE, Alessandra Affortunati Martins. Em busca da verdade. Revista Discutindo Filosofia, nº 5, São Paulo, p. 64-65, 2006. SANCHEZ, Liliane. Sobre filosofia para Crianças. Revista Discutindo Filosofia, nº 3, São Paulo, p. 22-27, 2006. SOUZA, Sonia Maria Ribeiro. Um outro olhar: filosofia. São Paulo: FTD, 1995.