09/03/2005 - Status dos Tratados Internacionais Bom dia, Examinaremos, hoje, uma questão objeto de infindáveis controvérsias no Direito brasileiro: a incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento interno. Sabe-se que para um tratado internacional ter força obrigatória em relação a nós, brasileiros, é necessário o cumprimento de três fases distintas: celebração do tratado, pelo Presidente da República, em nome da República Federativa do Brasil (CF, art. 84, VIII); aprovação definitiva pelo Congresso Nacional, por decreto legislativo (CF, art. 49, I); promulgação pelo Presidente da República, por decreto (CF, art. 84, IV). Cumpridas essas três fases – celebração, aprovação definitiva e promulgação -, estará o tratado internacional incorporado ao ordenamento interno brasileiro, como norma pronta e apta a produzir os seus efeitos em relação a nós, brasileiros. Porém, é nesse momento que nasce a controvérsia sobre a incorporação do tratado internacional entre nós, controvérsia essa que pode ser sintetizada nas seguintes indagações: com que força o tratado internacional é incorporado ao Direito brasileiro? Com primazia sobre as leis ordinárias, ou em paridade com essas? Com status de norma constitucional, ou com força meramente ordinária? Poderá o tratado internacional ser ulteriormente revogado por lei ordinária, ou somente poderá ser afastado por meio de denúncia perante os outros Estados Soberanos pactuantes? Passemos ao exame dessa questão, com vistas, exclusivamente, à resolução de questões de concursos públicos. 1) TEORIAS DUALISTA E MONISTA A problemática quanto à incorporação de uma norma internacional ao ordenamento interno é freqüentemente estudada a partir do pensamento de duas correntes doutrinárias, a saber: a teoria dualista, de Triepel e Anzilotti e a teoria monista, desenvolvida por Kelsen. A teoria dualista sustenta que os objetivos do direito internacional e do direito interno de cada Estado são diferentes; são sistemas jurídicos diversos e, como tais, não existiria nenhum conflito entre eles. Assim, a solução para dar eficácia a um tratado internacional no âmbito do direito interno de determinado Estado seria a elaboração, por esse Estado, de uma lei interna com essa específica finalidade.
Portanto, pela teoria dualista, a ordem jurídica internacional não penetra na ordem jurídica interna; as disposições internacionais só vigorarão dentro do País após serem aprovadas por lei nacional. Assim, os eventuais conflitos serão resolvidos segundo os critérios de resolução de conflitos internos, pois, em verdade, cuida-se da resolução de conflitos entre leis aprovadas internamente no País. A teoria monista, defendida por Kelsen, sustenta que existe uma só ordem jurídica – englobando o Direito interno e o Direito internacional - para cada Estado. Essa teoria monista, por sua vez, divide-se em duas correntes doutrinárias: a que defende, sempre, a primazia do direito internacional sobre o direito interno (monismo radical) e a corrente que os equipara, dependendo a prevalência de uma norma sobre a outra da ordem cronológica de sua criação (monismo moderado). 2) POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Até o ano de 1977, o Supremo Tribunal Federal sustentava a primazia das normas internacionais sobre a lei ordinária interna com elas conflitante. Entretanto, em junho de 1977, o STF firmou novo entendimento, segundo o qual o tratado internacional ingressa no ordenamento pátrio com força de lei ordinária federal, e que, diante de um conflito entre tratado internacional e a lei posterior, esta, sendo a última expressão da vontade do legislador brasileiro, deverá prevalecer (RE 80.004). Essa nova orientação foi reafirmada na vigência da Constituição Federal de 1988, deixando assente o Supremo Tribunal Federal que os tratados internacionais incorporam-se ao ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária federal, e, por isso, poderão ser ulteriormente afastados pela legislação ordinária federal interna (ADIN 1480, de 1998, Rel. Ministro Celso de Mello). Podemos sintetizar o atual entendimento do Supremo Tribunal nos seguintes enunciados: (a) os tratados internacionais incorporam-se ao ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária federal; (b) eventuais conflitos entre os dispositivos dos tratados internacionais e as leis ordinárias internas serão resolvidos pelo critério cronológico (lex posterior derogat priori: lei posterior revoga lei anterior) ou, se for o caso, pelo critério da especialidade (lex
posterior generalis non derogat legi priori speciali: lei geral não revoga lei especial); (c) disposições de tratados internacionais poderão ser revogadas pela ulterior legislação ordinária interna (lei ordinária, lei complementar, lei delegada, medida provisória); (d) os tratados internacionais não poderão dispor sobre matérias constitucionalmente reservadas à lei complementar. Essa orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo as palavras do Ministro Celso de Mello, implica a adoção pelo Estado brasileiro da Teoria Dualista Moderada, nos termos seguintes (Informativo STF nº 109, de 4 de maio de 1998): "Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro - que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) - satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de item procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto constitucional (visão dualista moderada)". Essa referência do Ministro Celso de Mello, identificando a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal como “Teoria Dualista Moderada”, tem sido severamente criticada pela doutrina, para a qual esse novo entendimento do Pretório Excelso corresponde, em verdade, à adoção da “Teoria Monista Moderada” (porém, para o fim de concurso público, entendemos que deverá ser seguida pelo candidato a classificação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, “Teoria Dualista Moderada”). 3) TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, incluiu o § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, versando sobre tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, nos termos seguintes: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Criou-se, assim, a possibilidade da incorporação de tratados e convenções internacionais ao ordenamento pátrio com status de norma constitucional, desde que sejam obedecidos dois requisitos: (a) os tratados e convenções internacionais versarem sobre direitos humanos; (b) tais normas internacionais serem aprovadas, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. Caso sejam cumpridos esses dois requisitos constitucionais, os tratados e convenções internacionais serão equivalentes às emendas constitucionais, vale dizer, terão status de norma constitucional entre nós. Significa dizer que os termos presentes nessas normas internacionais deverão ser obedecidos por toda a legislação infraconstitucional superveniente, sob pena de inconstitucionalidade. Caso a legislação infraconstitucional superveniente (lei complementar, lei ordinária etc.) desrespeite os direitos humanos assegurados na norma internacional, deverá ser reconhecida a sua inconstitucionalidade (não mais frente à Constituição Federal, mas sim em face da norma internacional aprovada nos termos do art. 5º, § 3º, da CF). Ademais, essas normas internacionais somente poderão ser modificadas por futuras emendas à Constituição (ou, se for o caso, por intermédio de novos tratados ou convenções internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil, também aprovados nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal). Algumas dúvidas poderão ser suscitadas a respeito desse novo dispositivo constitucional – art. 5º, § 3º, da CF - incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Dentre elas destacamos as seguintes: (a) os tratados e convenções internacionais antigos sobre direitos humanos, que hoje têm força de lei ordinária federal, poderão receber esse especial status de emenda constitucional, mediante aprovação nos termos do art. 5º, § 3º, da CF (aprovação, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros)? Em caso positivo, quais seriam os legitimados para ter a iniciativa, perante o Congresso Nacional, nesse sentido? Seriam os legitimados à apresentação de uma proposta de emenda à Constituição (CF, art. 60, I ao III)? (b) na celebração de um novo tratado internacional sobre direitos humanos pela República Federativa do Brasil, quem decidirá se na sua incorporação ao ordenamento interno seguirá ele o trâmite ordinário de aprovação, com status de lei ordinária federal (aprovação pelo Congresso Nacional, por decreto legislativo), ou se deverá ser apreciado nos temos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal (aprovação, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros), para ser incorporado com status de emenda constitucional?
(c) uma vez incorporado ao ordenamento interno com status de emenda constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, qual será a espécie legislativa do Congresso Nacional que formalizará a aprovação desse tratado internacional? A norma resultante será, propriamente, uma emenda constitucional? Será ela incorporada ao texto da Constituição, ou será um “texto anexo” à Constituição, com força de norma constitucional? (d) quem promulgará o tratado internacional sobre direitos humanos, equivalente à emenda constitucional, aprovado nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal? Será o Presidente da República (como atualmente acontece com os demais tratados internacionais), ou o Legislativo (como atualmente acontece com as emendas constitucionais)? Não temos respostas para essas dúvidas, pois o legislador constituinte derivado nada dispôs sobre essas questões; devemos, por ora, aguardar alguma atuação do legislador ordinário nesse sentido. Enquanto isso, certamente, essas dúvidas não serão cobradas em concursos públicos. 4) CONCLUSÃO A partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, passamos a ter o seguinte, em relação ao status dos tratados e convenções internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil: (a) em regra, os tratados e convenções internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil, ainda quando versarem sobre direitos humanos, têm força de lei ordinária federal, podendo ser revogados pela legislação ordinária superveniente (adoção, pelo STF, da Teoria Dualista Moderada); (b) apenas numa situação os tratados e convenções internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil terão status de emenda constitucional: se versarem sobre direitos humanos e forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal. Um forte abraço, Vicente Paulo