UM ESTUDO SOBRE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO Sonia Maria Ribeiro de Souza*
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Sob a égide da Lei 5692/71, que incentivava a formação básica profissionalizante, iniciei minhas atividades docentes em 1972, como substituta de minha professora de filosofia do curso clássico, na ocasião em licença médica. Quando aceitei a substituição, cursava o penúltimo ano da faculdade de Filosofia. No ano seguinte, a referida professora aposentou-se e eu fui convidada a assumir o seu lugar, já que a Delegacia de Ensino Secundário e Normal autorizou-me a lecionar naquele ano, mesmo sem ser formada. Eram os últimos anos de presença “oficial” da filosofia no curso colegial... Pouco tempo depois, a escola abriu o curso de magistério e para eu lecionar as “ias” da educação (filosofia e história da educação, psicologia e sociologia da educação), a supervisora sugeriu que eu fizesse uma complementação pedagógica, uma vez que, como bacharel e licenciada em Filosofia, meu Registro de Professor no MEC, só me permitia ministrar “ias” (filosofia, sociologia e psicologia). Curiosamente, as freiras que tomavam conta do colégio onde eu lecionava eram fãs incondicionais do ensino da filosofia, banido do currículo com a nova Lei1, solicitaram que eu ministrasse conteúdos Mestranda em Educação na Universidade Católica de Santos - UNISANTOS / Santos(SP) e na Universidade Paulista –UNIP / São Paulo (SP) End.: Rua Ministro Gastão Mesquita, 663 Bairro: Perdizes-SãoPaulo-Capital Cep:05012-010 / Fone : (11) 3862-3559 *
O processo de extinção da filosofia dos currículos dos cursos secundários, que teve início com a redução gradativa do número de horasaula semanais, pós Reforma Gustavo Capanema em 1942, se acentuou a partir do momento em que perdeu seu caráter de obrigatória e passou a ser disciplina complementar (LDB 4024, 20/12/1961), depois optativa (Resolução nº36, 30/12/68), culminou com a reforma de ensino introduzida 1
filosóficos semanalmente na carga horária destinada à Psicologia da Educação: pouco convencional, porém muito proveitoso para as alunas2 que se beneficiaram dessas aulas, segundo testemunho das mesmas sempre que me cruzava com elas anos depois! A decisão de conciliar a formação filosófica com a pedagógica para atender às exigências legais definiu meu ingresso em um Programa de Mestrado em Educação, que me oportunizasse essa aliança. Para tanto, escolhi
a FEUSP, que tinha como uma das áreas de
concentração, História e Filosofia da Educação. Como conseqüência natural da conclusão do mestrado em 1982, iniciei meu doutorado em 1985, optando pela área de concentração, Didática. Na ocasião, o cenário profissional em consonância com as atividades acadêmicas propiciou a escolha do tema de minha tese sobre o ensino da filosofia. Nunca deixei de ministrar filosofia, graças às boas intenções das religiosas que sempre acreditaram no papel formador da disciplina, mas
a Lei nº 7044/82 que tornou opcional o ensino
profissionalizante, possibilitou a reintrodução da referida disciplina no currículo do então 2º grau,
e eu pude, “a céu aberto”, ser
novamente professora “oficial” de filosofia. Nada melhor para objeto de estudo de um pesquisador um tema que lhe é familiar. A filosofia e seu ensino sempre estiveram presentes em minha vida como o ar que respirava... Incentivada pelo meu orientador, planejei e executei uma pesquisa de campo junto a alunos e professores de filosofia de 2º grau, atuantes na cidade de São Paulo,
com
os
objetivos
de
descrever
e
avaliar
a
realidade
educacional do ensino de filosofia no nível secundário, com vistas à elaboração de sugestões que otimizassem sua função disciplinar. pela Lei 5692/71, que estabeleceu a “profissionalização compulsória” como finalidade precípua do então 2º grau e acabou por desintegrar o que ainda restava das classes de filosofia (Cf. SOUZA, 1992, p.82-86). 2 O referido colégio foi fundado e era administrado por Congregação de religiosas e durante muito tempo só admitia meninas como alunas.
1. Natureza e objetivos da pesquisa Utilizei Michel Jean-Marie Thiollent (1984) como referencial teórico de minha investigação. Segundo esse autor, as pesquisas sociais e educacionais, de forma geral, podem ser de três tipos, conforme os objetivos que as norteiam: pesquisa descritiva, pesquisa avaliativa e pesquisa (re) construtiva. A descrição, segundo Thiollent, implica fazer um discurso sobre um assunto dado e, como todo discurso, ele nem sempre é neutro, pois incorpora o modo de ver de quem faz o discurso. Conceituar, categorizar e classificar são verbos que expressam as finalidades da pesquisa descritiva. Os resultados obtidos por meio dela podem servir para elucidar questões relativas a um determinado assunto ou para fazer denúncias ou outro tipo de contribuição ao entendimento do problema pesquisado. A avaliação, diferentemente da descrição, trata de observar ou de comparar fatos (situação ou desempenho) com uma norma, um critério ou, ainda, com um ideal previamente definido e que, normalmente, apresenta um "quê" de arbitrariedade. A (re) construção implica ação e, nesse sentido, a pesquisa que se enquadra neste tipo produz idéias que antecipam o real ou que delineiam um ideal. A pesquisa que realizei pode ser classificada, segundo os tipos categorizados por Thiollent, como predominantemente descritiva, pois teve como objetivo específico caracterizar a prática do ensino de filosofia, nas escolas de 2º grau, públicas e privadas, na cidade de São Paulo, descrevendo-a por meio de fatores como: formação acadêmica do professor responsável pela disciplina; natureza e extensão do conteúdo programático da disciplina; metodologia didática aplicada em sala de aula; recursos instrutivos utilizados;
bibliografia recomendada; receptividade dos alunos ao conteúdo e metodologia adotados; percepção dos alunos quanto à contribuição da disciplina à sua formação intelectual e pessoal. O caráter descritivo da pesquisa foi definido pela necessidade de se obter informações que fornecessem, de um modo mais qualitativo que quantitativo, um recenseamento da situação da disciplina filosofia após todos os esforços empreendidos para sua volta aos currículos de 2º grau, na ocasião. O problema que norteou a elaboração dessa pesquisa pode ser condensado na seguinte pergunta: Que papel o ensino de filosofia está desempenhando atualmente nos cursos secundários de formação geral ou de preparação ao ensino superior? Uma forma de conhecer este papel era conhecer como os agentes envolvidos no processo de ensino e aprendizagem (professores e alunos do então 2º grau) se colocavam frente à prática da disciplina, tanto do ponto de vista cognitivo, isto é, qual a aprendizagem visada e que conteúdos estavam sendo usados para a sua consecução, quanto do ponto
de
vista
afetivo-pragmático,
ou seja, como
professores e alunos valoravam esse tipo de experiência e como eles percebiam a sua utilidade para a vida pessoal. Assim, a descrição buscada pela pesquisa foi centrada em torno de duas questões básicas, que definiram a diretriz exploratória da investigação: •
Que conteúdos, estratégias e técnicas didáticas estão sendo utilizados
nas
aulas
de
filosofia
de
2º
grau,
nas
escolas
particulares e nas de rede pública? •
Esses
conteúdos
envolvidos,
e
estratégias,
satisfazem
às
estabelecidas para a disciplina?
no
entender
necessidades
de
dos
agentes
aprendizagem
Embora predominantemente descritiva e exploratória, por buscar uma familiarização e uma nova compreensão do fenômeno ensino de filosofia após sua volta ao 2º grau, a partir de 1982, foi possível identificar na pesquisa realizada, objetivos secundários, de tipo avaliativo e reconstrutivo: •
avaliar
o
tratamento
didático
dispensado
ao
ministério
da
disciplina, em função de uma postura definida como ideal e adequada à natureza questionadora e reflexiva da filosofia; •
obter subsídios para uma posterior reconstrução do ensino de filosofia, que otimizasse suas possibilidades de instrumento de formação crítica e reflexiva.
2. Metodologia utilizada na pesquisa A pesquisa foi desenvolvida em dois níveis: a) junto a alunos de 2º grau de escolas públicas e particulares, cujos currículos indicavam a presença de disciplina filosofia em alguma de suas séries; b) junto aos professores que ministravam as aulas de Filosofia nos colégios onde os alunos haviam sido entrevistados. Nesse trabalho vou apresentar somente os resultados obtidos junto aos alunos. O instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário, estruturado basicamente por meio de questões abertas. O conjunto de questões dirigidas aos alunos foi organizado em torno de cinco temas fundamentais relativos à prática do ensino de filosofia: a) circunstâncias de contato do aluno com a matéria Filosofia - A questão relativa a este tema tinha por objetivo saber se o contato do aluno com a Filosofia se restringia ou não à respectiva disciplina
constante do seu currículo ou, se por interesse próprio, ele já havia tido um contato anterior com a matéria; b) contribuição da disciplina à formação do aluno - A Lei 7.044/82 que resgatou o caráter da formação geral do ensino de 2º grau e teve como um dos objetivos fundamentais preparar o aluno para o exercício consciente da cidadania, possibilitou a reintrodução da filosofia na grade curricular do ensino secundário, com a finalidade dela ser um importante instrumento na consecução daquele objetivo. Assim sendo, o segundo grupo de questões foi elaborado para verificar, em última análise, se a Filosofia tem cumprido o papel que lhe coube pela referida Lei, isto é, saber se a Filosofia tem sido considerada importante para a vida do aluno e se ela tem lhe trazido algum tipo de contribuição; c) conteúdo programático da disciplina - A finalidade das questões feitas em torno do conteúdo ensinado foi identificar não apenas os temas contidos no programa, mas o tipo de aprendizagem que eles objetivavam e que, de fato, estava sendo efetivado. Procurou-se também evidenciar se, do ponto de vista da percepção dos alunos, havia alguma relação entre o conteúdo ensinado e seus interesses pessoais; d) estratégias metodológicas de ensino - As questões agrupadas em torno deste tema foram elaboradas com o intuito de avaliar, em última
análise,
se
o
instrumental
metodológico
utilizado
pelo
professor em sala de aula era adequado tanto ao desenvolvimento crítico do aluno, objetivado pelo ensino de nível secundário, quanto às circunstâncias de maturidade intelectual próprias da série em questão. Assim, foram elaboradas perguntas para identificar a adoção de textos filosóficos como recurso metodológico; a adoção de algum livro didático e as facilidades ou dificuldades apresentadas pelos alunos nos atos de leitura, interpretação e redação de textos pertinentes à matéria;
e) atitude manifesta do aluno em relação à disciplina - A última questão do questionário foi elaborada em forma de múltipla escolha para que o aluno fizesse uma avaliação de sua experiência com o ensino
de
filosofia,
segundo
critérios
cognitivos,
afetivos
ou
pragmáticos presentes nas alternativas previamente construídas. Os questionários foram aplicados durante o decorrer de 1988, junto a 7 escolas da rede pública e 3 particulares. Foram entrevistados, no total, 415 alunos, distribuídos da seguinte forma: 182 alunos da 3ª série do 2º grau da rede pública; 25 alunos da 2ª série do 2º grau da rede pública; 55 alunos da 2ª série do 2º grau da rede particular; 88 alunos da 1ª série do 2º grau da rede pública e 65 alunos da 1ª série do 2º grau da rede particular. A
escolha
por
esta
amostra
não-probabilística
da
população
pesquisada foi feita em função dos seguintes critérios: •
presença da disciplina nos currículos escolares;
•
facilidade de acesso para contatar alunos e professores nas escolas, franqueado pela direção das mesmas;
•
localização centralizada das escolas na região metropolitana da cidade de São Paulo.
Quanto à execução da aplicação dos questionários, pode-se dizer que houve boa receptividade, tanto por parte dos alunos quanto dos seus respectivos
professores.
Os
alunos
demonstraram
interesse
e
curiosidade pelo tipo de trabalho que estava sendo feito, procurando obter informações sobre a finalidade e utilidade da pesquisa. Embora com receio de identificar-se, os alunos, em sua maioria, acabaram por fazê-lo, cooperando de forma positiva para o preenchimento integral do questionário.
3. Resultados obtidos Os resultados obtidos na pesquisa junto aos alunos podem ser sintetizados nas seguintes conclusões: •
a inclusão da disciplina filosofia em uma ou outra série do 2º grau é uma opção de cada estabelecimento de ensino, embora, de modo geral, tanto nas escolas da rede pública estadual quanto nas da rede particular, ela seja ministrada em duas horas-aula semanais, concentradas na 2ª série. O número de horas-aula semanais (2) reservadas ao ensino de filosofia, bem como o fato dela não ser ministrada consecutivamente nas três séries do 2º grau, revelam a existência de pouco tempo disponível para uma aprendizagem efetiva, abrangente e intensa da mesma. No entanto, mesmo o tempo sendo limitado e insuficiente para o adequado ensino da filosofia, é melhor sua presença ser marcada desta forma do que sua total ausência dos currículos de 2º grau;
•
a maioria dos informantes estava tendo contato com a disciplina filosofia pela primeira vez e este primeiro e breve contato (em virtude
da
pouca
disponibilidade
de
tempo)
foi
surpreendentemente positivo: a maioria dos alunos entrevistados afirmaram ser importante aprender filosofia, na medida em que ela os ajuda a aprender a pensar e pensar melhor por meio do desenvolvimento de suas habilidades de pensamento, preparandoos para pensar nas outras disciplinas, bem como habilitando-os a entender melhor os outros e a si próprios. Também a maioria dos informantes afirmou ter ela trazido contribuições positivas, pelas mesmas razões atribuídas à sua importância. Registrou-se um fato curioso que deve ser mencionado: mesmo aqueles alunos que
não
conseguiram
identificar
ou
perceber
as
possíveis
contribuições trazidas pela referida disciplina, não deixaram de
julgá-la
importante.
Os
alunos,
em
sua
maioria,
não
só
reconheceram a importância e contribuição da Filosofia, mas também se mostraram positivamente favoráveis em relação à manutenção da mesma no currículo do 2º grau. Observou-se mais um fato curioso: enquanto que a importância e a contribuição se fundamentam e se justificam, em primeiro lugar, pela aquisição de conhecimentos facultada pela aprendizagem da filosofia e, em segundo lugar, pela possibilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos para uma aprendizagem mais eficiente de outras disciplinas, bem como para uma compreensão mais acurada de si mesmo e dos outros (razões de ordem cognitiva e pragmática), a não dispensa da disciplina se fundamenta, essencialmente, no conjunto de emoções e sentimentos de prazer, satisfação e agrado que o ensino da mesma lhes proporciona, além da utilidade destes conhecimentos para a compreensão do mundo, de si mesmos e das pessoas que os cercam (razões de ordem afetiva, pragmática e cognitiva); •
a listagem dos assuntos estudados em sala de aula indicou que eles se concentram em torno de alguns temas: o homem e a cultura (ideologia, trabalho e alienação, cultura, linguagem, mito e definição de Filosofia); introdução à filosofia das ciências (conhecimento filosófico e conhecimento científico); história da filosofia
antiga
(filósofos
pré-socráticos
e
socráticos)
e
introdução à metodologia do trabalho científico (métodos para leitura e análise de textos). Esta mesma listagem de assuntos pareceu revelar que a organização do conteúdo programático da disciplina, na maioria das vezes, é feita em função do livro didático adotado pelo professor, prevalecendo à abordagem histórica mesclada com tentativas de relacionar o passado com o presente. Não foi possível identificar qualquer critério mais claro e definido para organização do conteúdo e escolha de formas de abordagem.
Assim mesmo, os alunos se mostraram interessados em aprender assuntos que lhes revelaram a evolução e o progresso da humanidade, diferentes formas de ver e interpretar a origem do mundo, teorias de diversos filósofos antigos, na medida em que os mesmos lhes permitem compreender melhor o mundo em que vivem, bem como ajudá-los a criticar e opinar de forma mais segura. O desinteresse manifesto por esses assuntos, deveu-se ao fato deles serem chatos, cansativos e monótonos e referente a uma situação passada, não vivida e experimentada pelos alunos, sem muita ligação com o momento presente; •
ficou
evidenciado
um
interesse
predominante
pela
aprendizagem de assuntos relacionados com a situação concreta, experienciada e vivida pelo aluno, quando se examinou a listagem de interesse por outros assuntos que não aqueles já estudados. Desta forma, foi possível perceber que assuntos como religiões e seitas, política, problemas da sociedade e da juventude no mundo de hoje, teoria e doutrina de filósofos célebres e contemporâneos, temas filosóficos aplicados à vivência dos jovens nos dias atuais, lhes parecem muito atraentes incitando-os a buscar uma compreensão e apreensão dos mesmos. Esses dados confirmam uma postura anterior à realização dessa pesquisa,
de
que
a
aprendizagem
da
Filosofia,
para
ser
significativa e motivadora, deve ter como ponto de partida os problemas presentes no cotidiano de quem a estuda, mas examinados à luz da postura dos diversos filósofos antigos e contemporâneos frente a eles. Caso contrário, estas aulas podem se transformar em um bate-papo agradável e interessante, porém, fundamentado única e exclusivamente nas opiniões pessoais dos alunos ("achismo"), sendo muito difícil a passagem do senso comum para uma situação caracterizada como reflexão filosófica sobre problemas que inquietam a consciência de quem os percebe
como tais. Notou-se também, uma nítida confusão quanto à especificidade da disciplina filosofia, na medida em que muitos alunos sugeriram como assuntos pertinentes a ela, o estudo da psicologia, sociologia e política e o papel das ciências na sociedade contemporânea. Isso indica, de certa forma, um perfil ainda não definido da matéria Filosofia como disciplina do 2º grau. •
os alunos apontaram o uso sistemático de aulas expositivas, trabalhos em grupo, debates e seminários como estratégias de ensino escolhidas pelos professores para a aprendizagem da filosofia. As aulas expositivas são avaliadas positivamente porque ajudam a compreender melhor o conteúdo ministrado, principalmente, quando durante as exposições o professor faz perguntas aos alunos e exemplifica o que foi explicado. São altamente valorizados os professores que conseguem atrair a atenção dos alunos e motivá-los a participar das aulas por meio de exposições claras, objetivas e bem definidas. No entanto, quando o
professor
monopoliza
a
aula
com
exposições
longas
e
demoradas, o aluno deixa de prestar atenção, perdendo o interesse pelo que está sendo apresentado. Os trabalhos em grupo, embora importantes por permitirem a participação dos alunos em sala de aula, motivando-os a expressar o que pensam, mostram-se inconvenientes na medida em que, muitas vezes, poucos trabalham e muitos não fazem nada. Os debates abrem espaço para que o aluno manifeste seus pontos de vista em relação ao tema abordado, mas, muitas vezes, as aulas se tornam uma "bagunça", sem que os alunos possam chegar a conclusões fundamentadas. Os seminários apresentam-se como momentos de constrangimento e insegurança, pois o aluno-expositor ou os alunos-expositores assuntos
que
são
compelidos
desconhecem
em
a
apresentar
profundidade,
oralmente
obrigando
o
professor a reprisá-los por meio de uma aula expositiva. De certo
modo, esses dados confirmam uma suspeita anterior à realização da pesquisa de que os professores afastados do ensino desta disciplina,
por
quase
duas
décadas,
não
se
encontram
devidamente preparados para ministrá-la de forma adequada. Revelou-se uma certa inépcia no uso dos métodos didáticopedagógicos, quando aplicados ao ensino da filosofia no 2º grau. Os professores, entusiasmados com a possibilidade de retomar suas aulas de filosofia, ampliando, desta forma, seu campo de ação e mercado de trabalho, e motivados pela necessidade de tornar essas aulas agradáveis, interessantes, fáceis e úteis para seus alunos, lançaram-se "aventureiramente" no processo de ensino e aprendizagem da referida disciplina, sem que houvessem se
submetido
a
cursos
de
reciclagem
para
preparação
e
atualização de professores com a finalidade de reestudar e redefinir uma postura atual frente à disciplina. De certo modo, pode-se perceber uma atuação polarizada entre dois aspectos conflitantes:
de
um
lado,
a
tendência
para
retomar
uma
abordagem histórica da Filosofia, nos velhos moldes inspirados numa educação clássica, humanística e retórica, que marcaram o ensino dessa disciplina desde que ela surgiu nos currículos dos cursos secundários brasileiros; de outro lado, necessidade de fazêla atual por meio de ligações, às vezes, pouco claras e definidas, desse conteúdo com questões pertinentes à situação existencial e concreta dos jovens de hoje. Essa ambivalência de posturas frente à disciplina, aliada à falta de domínio para usar de forma correta os métodos didático-pedagógicos, de certo modo, favorecem uma percepção distorcida dos alunos quanto à especificidade da filosofia no ensino de 2º grau: corre-se o risco de apresentá-la como uma aula onde tudo é permitido, onde tudo é debatido, sem rigor de pensamento, desde que os jovens tenham a sensação confortadora de que estão aprendendo a pensar melhor, a
filosofar, num ambiente descontraído e informal; •
a maior parte dos alunos confirmou o uso de textos como recurso metodológico. No entanto, foi possível verificar que, salvo em poucas salas de aula, a leitura e análise de textos são efetivadas sem o uso de um roteiro prévio, e, pior ainda, com o desconhecimento por parte dos alunos de técnicas elementares de leitura de textos. Tal fato permite afirmar que os professores além da pouca disponibilidade de tempo para ensinar o aluno a filosofar, têm que abdicar de parte desse tempo em favor do preparo do aluno para otimizar a leitura de textos filosóficos, o que talvez devesse ser objeto de estudo de outras disciplinas, tais como, língua portuguesa, ou introdução à metodologia do trabalho científico, a ser incluída nos currículos de 2º grau. Cabe fazer uma observação muito importante: o exame da listagem de textos utilizados pelos alunos demonstrou que a maior parte dos mesmos foi extraída de livros didáticos e nem sempre podem ser caracterizados como textos filosóficos, no sentido literal desta expressão, isto é, textos extraídos das obras dos filósofos. Na maioria das vezes, são textos que se prestam para uma análise filosófica e não produtos do processo de reflexão filosófica de um pensador à luz dos quais é possível dar início ao processo de próprio filosofar;
•
dificuldades para entendimento de textos lidos e analisados, bem como para expressão oral e escrita daquilo que foi apreendido, estão presentes no ensino de qualquer disciplina do 2º grau. No entanto, elas se tornam mais perceptíveis e freqüentes nas aulas de filosofia, já que os alunos têm dificuldade de entender a linguagem dos textos, muitas vezes expressa em vocábulos difíceis
e
estranhos
ao
cotidiano
do
aluno,
e,
em alguns
momentos, grafada em latim e/ou grego, bem como dificuldade
para interpretar textos complexos que exijam concentração, capacidade de abstração e reflexão. Os alunos, acostumados com a recepção de informações breves e previamente digeridos pela mídia, talvez se sintam pouco confortáveis quando têm diante de si um texto que lhes exige o uso de suas habilidades de pensamento de forma mais prolongada, sistemática e intensa. Não se encontram preparados, nem sequer foram educados para manter a atenção dirigida em um único assunto por mais de três minutos consecutivos. A habilidade retórica e discursiva, presente enfaticamente nos alunos de filosofia ao longo do tempo em que a disciplina foi ministrada nos cursos secundários brasileiros, foi se perdendo aos poucos, evidenciada sua ausência, quando o aluno hoje deve escrever ou falar sobre o que aprendeu nas aulas de filosofia. Influenciados mais uma vez pela mídia e acostumados a se comunicarem por meio do emprego de meia dúzia de palavras ou expressões retiradas da gíria própria dos adolescentes, os alunos têm algumas dificuldades para falar ou escrever sobre aquilo que não foi compreendido e assimilado, por se tratarem, segundo eles, de assuntos complexos, abstratos, extensos e desvinculados do cotidiano. Estas dificuldades também resultam da falta de participação e atenção nas aulas, ausência de comportamentos habituais de estudo e pesquisa e uma afetividade negativa apontada em direção destes mesmos comportamentos. De
certo
modo,
esses
resultados
parecem
confirmar
o
sucateamento cada vez mais evidente do ensino secundário brasileiro; •
o uso de livro didático também foi demonstrado pela maior parte dos alunos entrevistados, embora restrito a poucas publicações recentes, destinadas exclusivamente ao ensino de filosofia no 2º grau. É interessante notar que o uso de livros didáticos, bem como de textos filosóficos é mais freqüente entre
os alunos que estudam em colégios particulares, talvez em função de maior poder aquisitivo desses alunos para comprar livros e cópias de textos. O maior contato com este material didático também favorece a facilidade evidenciada para interpretar textos e para se expressar de forma oral e escrita, o que talvez implique uma postura diferenciada destes alunos em relação ao processo de ensino e aprendizagem de filosofia no 2º grau; •
apesar de um certo "amadorismo" implícito na condução das aulas de filosofia, revelado de forma tênue pela análise dos dados dessa pesquisa, não impediu uma atitude manifesta extremamente positiva e favorável em relação a estas aulas: a maioria absoluta dos alunos afirmou que elas são úteis e agradáveis, confirmando a evidência de que é importante aprender filosofia, de que a disciplina lhes traz algum tipo de contribuição e, portanto, não deve ser dispensada do currículo do 2º grau. Justifica-se, desta
forma,
todos
os
esforços
daqueles
que
empreenderam movimentos com a finalidade de trazer a filosofia de volta para o ensino secundário, bem como daqueles que se empenham até hoje para mantê-la viva e atuante junto aos alunos. Considerações finais Realizei essa pesquisa em 1988. Coincidentemente, foi o último ano em que ministrei aulas de filosofia para alunos do ensino médio. No entanto, não deixei de acompanhar o debate e os esforços para reintroduzir a filosofia como disciplina obrigatória no currículo da escola média.
Mantive-me atualizada participando de encontros e eventos da área, quer como ouvinte, quer como palestrante, como autora de livro didático3 para o ensino da referida disciplina. A participação em bancas examinadoras de dissertações e teses sobre o ensino de filosofia e a leitura das publicações sobre o tema têm sido fontes preciosas de informação e formação. O registro e divulgação de um recenseamento sobre o ensino de filosofia na escola média realizado há quase duas décadas é importante para iluminar a compreensão do presente e a construção do futuro: “voltar os olhos para um passado tortuoso, examinar um presente
incerto
e
indefinido
e
buscar
um
futuro
promissor”
(SOUZA,1992) foi o que me levou a escrever esse trabalho. Tenho conhecimento do passado como docente e pesquisadora, o mapeamento do presente como estudiosa,
penso colaborar na
construção do futuro com alguns questionamentos a partir do que acabei de expor. Em 2005, a Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo (USP) criou um Grupo de Trabalho (GT) para discutir o processo de seleção de alunos (Vestibular) e temas afins. Para conhecer melhor os anseios e expectativas dos alunos oriundos do ensino médio, foi elaborado um questionário com 35 questões objetivas, encaminhado para aproximadamente 3 mil escolas públicas e 1800 escolas particulares do Estado de São Paulo para ser respondido pelos diretores ou funcionários da equipe pedagógica por eles designados. As respostas foram enviadas por meio eletrônico para o Núcleo de Apoio aos Estudos da Graduação (NAEG), responsável pela criação de senhas
individuais
por
escola,
recebimento
das
respostas
e
processamento dos dados.
SOUZA, Sonia Maria Ribeiro de. Um outro olhar: filosofia. São Paulo:FTD, 1995. 3
Algumas universidades públicas bem como algumas particulares adotam a Filosofia no vestibular. Relatos positivos dessa experiência deram início, no âmbito do GT,
ao processo de discussão sobre
eventual possibilidade de inclusão de questões de Filosofia no vestibular da USP. Nesse sentido, foram elaboradas questões para mapear a situação do ensino de Filosofia no curso médio. O envolvimento com o tema me fez aceitar o convite para elaborar as questões sobre a docência dessa disciplina no ensino médio no referido questionário destinado a colher dados sobre processo seletivo da Universidade de São Paulo (USP) e inclusão da Filosofia no vestibular. Seguem as questões tal como foram enviadas às escolas e os gráficos com respostas a essas questões.
Questão 28 : Na sua escola, a disciplina Filosofia é ministrada:
Fonte das tabelas:
300 250 200 150 100 50 0
NAEG
250 Públicas
146
130 54
98 103 38
Na 1. série
37 27
Na 2.série
Na 3. série
Não está sendo ministrada
Questão 29 - Assinale a área da Filosofia mais ensinada em sua escola 299 156 27 16 Política
31
Particulares
Teoria do Conhecimento
12 7
História da Filosofia
44
Públicas
94
Lógica
146
Ética
350 300 250 200 150 100 50 0
Questão 30 - Indique o assunto mais abordado nas aulas de Filosofia 400
354
350 300 250 200
134
150 100
81
Públicas
es V alor
V erd ade
13 4
45
Traba lho
26
de Co nhec imen to
S ex u ali da de
Tipos
P ode r
41 74 44
Comu nic aç ão
Liber dade
Meio s de
ofos Fil ós
Cultu ra
82 34 50 2220 13 3 0
99
Particulares
Nas três séries
Particulares
Os gráficos expressam valores em números absolutos e não em porcentagem. Passo a usar algumas siglas, tais como, PU=escolas públicas, PA=escolas particulares. De modo geral, a Filosofia é ministrada nas três séries do ensino médio (250PU/99PA), prioritariamente, das duas primeiras séries (1ª 130PU/54PA; 2ª 146PU/38PA). Poucas escolas ensinam Filosofia na 3ª
série
(37PU/27PA).
Curiosamente,
o
número
de
escolas
particulares nas quais a disciplina “Não está sendo ministrada” (103PA)
é superior ao total de escolas em que ela está presente
(soma das três séries=119 PA). São
três
as
pesquisadas:
áreas Ética
da
Filosofia
mais
(299PU/146PA),
ensinadas História
nas da
escolas Filosofia
(156PU/44PA) e Teoria do Conhecimento(94PU/31). Embora em número reduzido, a Lógica se faz presente em 12 escolas públicas e em 07 particulares. “Valores” foi o assunto mais abordado nas aulas de Filosofia. A resposta foi assinalada por 354 escolas públicas
e por 34
particulares. Na seqüência, “Filósofos” (82PU/34PA) e “Teoria do Conhecimento” (81PU/26PA) foram os assuntos indicados. “Cultura” aparece como o quarto tema eleito pelas escolas, num total de 22 escolas
públicas
e
20
particulares.
“Verdade”
(13PU/04PA)
e
“Liberdade” (13PU/03PA) aparecem em quinto lugar, quase que em números
idênticos.
(04PU/04PA),
e
“Trabalho”
Meios
de
(04PU/05PA),
Comunicação
“Sexualidade”
(04PU/01PA)
foram
igualmente os assuntos menos sinalizados pelas escolas. Há correspondência e coerência de respostas, se comparar os dados das questões 29 e 30: as áreas mais ensinadas foram Ética, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento e os assuntos mais abordados, Valores, Filósofos e Tipos de Conhecimento. Curiosamente, os dados obtidos em 2006 não são tão diversos daqueles angariados na pesquisa empírica realizada em 1988, como
requisito para obtenção do doutorado (SOUZA, 1992, p. 117-175). As aulas de filosofia eram ministradas, predominantemente, na 2ª série, tanto nas escolas públicas como nas particulares. A História da Filosofia, especialmente a Filosofia Antiga, e Teoria do Conhecimento, ênfase nos temas conhecimento científico e conhecimento filosófico, foram as áreas do conhecimento mais ensinadas e os assuntos mais abordados nas aulas. A filosofia tornou-se disciplina obrigatória no ensino médio. Há professores preparados e vocacionados em número suficiente para atender a esses jovens? Será que os jovens de hoje reconhecem a importância e a contribuição da filosofia em sua formação e endossam sua presença e/ou manutenção na grade curricular tal qual aqueles que entrevistei no passado? Frente ao apelo irresistível das mídias e das novas tecnologias da informação, as aulas de filosofia serão percebidas como “úteis e agradáveis” e importantes para o conhecimento e compreensão do mundo, de si mesmo e das demais pessoas com as quais convivem, bem como uma disciplina capaz de auxiliar o processo de aprendizagem das demais disciplinas do currículo, como atestaram os jovens pesquisados? Os alunos de hoje estão mais preparados para superar as dificuldades de entendimento dos textos filosóficos e mais habilitados para a expressão oral e escrita do que foi apreendido, do que aqueles que foram sujeitos de minha pesquisa? Tais perguntas podem ser condensadas em uma questão mais ampla a ser investigada sobre o próprio “sentido educacional da filosofia” (KOHAN, 2002, p.8-9): Qual o sentido educacional da filosofia como disciplina obrigatória do ensino médio? Fica o registro de um passado e o convite para um diagnóstico acurado do presente com vistas a um prognóstico promissor do ensino da filosofia no curso médio.
Referências bibliográficas KOHAN, Walter. Apresentação. In: ________ (org.). Ensino de filosofia - perspectivas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. NAEG: banco de dados. Disponível em:
. Acesso em 01 jul.2006. SOUZA, Sonia Maria Ribeiro de. Por que filosofia? Uma abordagem histórico-didática do ensino da Filosofia no 2º Grau. 1992, 225 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. THIOLLENT, Michel Jean-Marie. Aspectos qualitativos da metodologia de pesquisa com objetivos de descrição, avaliação e reconstrução. Cadernos de Pesquisa . São Paulo: Fundação Carlos Chagas, v.9, n.49, p. 45-50, maio. 1984.