Sgt

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Por Jamari França em 01/06/2007

Os 40 anos do Sargento Pimenta

Quarenta anos de Sgt Pepper’s pelos Beatles, a trilha sonora do verão do amor em 1967, a pedra fundamental da psicodelia. A BBC vai irradiar um especial com bandas atuais, de Oásis a Razorlight, tocando as músicas do álbum; a revista Mojo regravou o disco por bandas independentes, mil matérias vão sair falando do assunto. Optei por contar em detalhes a história do disco a partir de livros, vídeos e discos oficiais e piratas. Termino na sexta, quando vou para Brasília cobrir o festival Porão do Rock que acontece sexta e sábado. Vou começar pelo começo. Ao concluir o LP ''Revolver'', que apresentou ao mundo um novo Beatles, John Paul George e Ringo tiveram que voltar a ser os velhos Beatles. O empresário Brian Epstein marcara apresentações ao vivo que eram obrigados a honrar. Eles não aguentavam mais tocar para platéias histéricas pouco interessadas no que mais lhes interessava, a música, uma idolatria curtida por eles no começo da carreira, mas dura de aturar num período de intensa criatividade musical e de 1

sedução por fazer sempre melhor do que a concorrência.

E a má vontade deles se traduziu numa viagem em duas etapas cheias de episódios desagradáveis. Em Tóquio o clima estava tenso porque eles tinham sido programados para o Budokan Hall, um santuário das artes marciais, daí protestos, ameaças à vida deles. Um forte esquema de vigilância deixou-os ilhados no hotel. De lá para as Filipinas onde passaram o maior sufoco. Eles não compareceram a uma recepção organizada por Imelda Marcos, mulher do ditador Ferdinando Marcos, onde teriam que aturar a tietagem dos filhos das famílias influentes do arquipélago asiático. Daí tomaram uma dura da polícia, sofreram pressões até deixarem a capital, Manila, de volta para Londres. Na chegada em casa, George Harrison disse que eles ficariam umas duas semanas para se recuperar e viajariam de novo para serem "espancados na América".

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O que realmente aconteceu por conta da seguinte declaração de John Lennon ao jornal "Evening Standard" publicada em 4 de março de 1966: "O cristianismo vai acabar. Irá se dissolver e encolher. Somos mais populares do que Jesus Cristo." No contexto da entrevista era uma crítica ao materialismo contemporâneo, ao fato de uma banda de rock ser mais popular do que Jesus Cristo. Fora de contexto, mobilizou as hordas conservadoras da América a queimar discos, revistas, posters e fotos (eles tinham que comprar para queimar, um bom negócio para os envolvidos, incluindo os Beatles e sua gravadora), além de manifestações nas ruas e em todos os lugares onde iam tocar, o que ocasionou uma perda de arrecadação na venda de ingressos. Depois do último show no Candlestick Park em San Francisco em 29 de agosto, George Harrison disse que não queria mais ficar na banda, desencadeando uma crise interna resolvida com um acordo para nunca mais se apresentarem ao vivo.

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Eles só voltariam aos estúdios da EMI, no número três da Estrada da Abadia (Abbey Road), em 24 de novembro para começar a gravar um novo disco. Paul McCartney leu num jornal que o cadillac de Elvis Presley e outros objetos do cantor americano saíam em exposição itinerante pela América. Na época, Elvis estava dedicado integralmente ao cinema, ele só voltaria a fazer shows em 1968, daí seus objetos eram uma forma de compensação para os fãs. Paul McCartney teve a idéia. Já que não iam mais se apresentar, podiam mandar um disco representá-los na estrada. Ele pensou numa formação chamada "A Banda dos Corações Solitários do Sargento Pimenta", “Sergeant (e não ''Sargent'' como se costuma grafar) Pepper''s Lonely Hearts Club Band”. A banda se apresentaria no começo do disco e o encerraria, com faixas intermediárias que amarrariam o que viria ser chamado de ''álbum conceitual'', com canções autobiográficas que remetessem à vida deles na Liverpool natal. As duas primeiras músicas eram exatamente isso. “Strawberry Fields Forever”, de Lennon, se referia ao orfanato Strawberry Fields, do Exército da Salvação, que ficava perto da casa de John no bairro de Woolton, onde ele e amigos como Pete Shotton e Ivan Waugh brincavam e passavam para cortar caminho.

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John usou apenas o nome do reformatório, sem se referir às suas finalidades, porque o nome cabia bem dentro da fase psicodélica que o rock atravessava. "Deixe-me levá-los porque vou atravessar campos de morango/ Nada é real," diziam os versos de abertura num tom etéreo reforçado pelo mellotron, um sintetizador primitivo que tinha sons gravados em fita e acionados por teclas, uma geringonça que vivia dando defeito. A abertura foi com flautas, um dos recursos do instrumento, além de outros sopros e cordas, o suficiente para assombrar o Sindicato dos Músicos, que ameaçou ir à justiça com a alegação de que desempregaria os músicos. Não foi e não desempregou: os Beatles usaram dezenas de instrumentistas em “Sgt. Pepper’s”. Os takes foram se sucedendo sem que Lennon ficasse satisfeito. Uma versão quase completa foi deixada de lado e eles começaram tudo de novo. Além dos Beatles foram usados quatro trompetes e três cellos até que John pediu que o produtor George Martin editasse dois takes diferentes num só. Note-se nesta faixa a excepcional performance de Ringo na bateria. George Harrison tocou uma espécie de harpa de mesa indiana chamada svarmandal e o solo de guitarra no final é de Harrison. Martin gostava tanto do final com 5

a bateria vibrante de Ringo em destaque que resolveu fazer um fade out na canção e a seguir um fade in com o final. John aprovou. A segunda música, “Penny Lane”, de Paul McCartney, refere-se à região de Liverpool onde tinha uma estação de ônibus para vários bairros da cidade. Paul e John sempre se encontravam ali pra ir a algum lugar e Paul juntou as lembranças das redondezas, o barbeiro com fotografias de seus clientes, o banqueiro, a vendedora de papoulas, o abrigo no trecho circular da rua, muitos ainda lá, como constataram os brasileiros Britos que estiveram na barbearia quando foram gravar seu DVD na Inglaterra. A letra contém algumas gírias da época como "finger pie" (vagina) e “fire engine” (pênis) nos versos "for a fish and finger pie" e "He likes to keep his fire engine clean". Foram gravados seis pianos por Paul, John e George Martin, Paul gravou o baixo, John guitarra e vocal, George vocal, Ringo bateria e sinos. Paul viu na TV o segundo concerto de Brandenburgo pela Filarmônica de Londres, gostou do solo de trumpete de David Mason e resolveu colocar um na música. Inspirado em Bach passou o que queria de boca para Martin botar em partitura e Mason foi convocado com um trumpete piccolo para fazer o solo. “Strawberry Fields” teve sessões de 24 de novembro a 22 de dezembro e “Penny Lane” de 29 de dezembro a 17 de janeiro de 1967. Nesse período a EMI comunicou que precisava de um single, o último tinha sido em agosto de 66 com “Eleanor Rigby” e “Yellow Submarine”. Assim, “Penny Lane” e “Strawberry Fields Forever” foram lançados como single em 17 de fevereiro de 1967. Como na época, na Inglaterra, não se colocava em LP o que era lançado em single, as duas músicas ficaram de fora de “Sgt Pepper''s”, privando o álbum de duas obras primas. Se estivessem no álbum, talvez não se precisasse de músicas fracas como “Good Morning Good Morning”, que seu autor, John Lennon, chamou mais tarde de "uma boa porcaria". 6

Uma explosão orquestral em A day in the life

Nos anos 60 na Grã-Bretanha, músicas de compactos não entravam nos LPs, um gesto de respeito aos fãs, para não comprarem a mesma coisa duas vezes. Daí, sem as duas primeiras músicas, "Penny Lane" e "Strawberry Fields", os Beatles se viram apenas com "When I’m sixty-four", uma canção de Paul McCartney de antes da fama. Paul resolveu gravá-la porque seu pai, Jim, fez 64 anos em dois de julho. Para homenageá-lo, Paul escolheu um arranjo de vaudeville como das bandas inglesas de antes da guerra. A letra, na primeira pessoa, tem um cara antecipando para a mulher a velhice do casal, indagando se ela ainda vai amá-lo e alimentá-lo quando ele tiver 64 anos. Fala em alugar um chalé na ilha de Wight para o verão, se não for muito caro, onde brincarão com os netos Vera, Chuck e Dave. Um dos versos fala em garrafa de vinho no dia do aniversário e Paul mandou um Château Margaux ‘83 para o produtor George Martin com um cartão que reproduzia o verso "birthday greetings, bottle of wine" em 1991, mas errou nas contas: ele fez 64 um ano antes. Paul tocou piano e um magnífico baixo, Lennon guitarra e Ringo bateria e sinos. Paul fez o vocal principal, John e George os vocais. E três clarinetistas tocaram um arranjo escrito por Martin. A canção ficou pronta em quatro sessões a 6, 8, 20 e 21 de dezembro de 1966. Para dar a impressão 7

de ser um jovem cantando sobre a velhice, a velocidade da fita foi aumentada para que Paul tivesse uma voz mais jovial do que a de seus 25 anos. Este recurso de aceleração foi amplamente usado em "Sgt Pepper’s".

Depois das festas de final de ano, os Beatles voltaram a Abbey Road em 19 de janeiro para começar a canção mais complexa do álbum, "A day in the life". Uma canção de contrastes sonoros com uma letra que mistura leitura de jornal com o uso de drogas numa sucessão psicodélica de climas instrumentais. O refrão dizia "gostaria de ligar você" e os quatro ficaram felizes em fazer uma música que sugerisse o uso de drogas expansoras da mente, como se chamava na época o LSD, o haxixe e a maconha. Lennon leu duas notícias na edição de 17 de janeiro de 1967 do jornal "Daily Mail": "Título: Os buracos nas nossas estradas. O texto: Há 4 mil buracos na estrada em Blackburn, Lancashire ou 1/26 avos de buraco por pessoa, segundo levantamento da prefeitura. Se Blackburn é um caso típico, então há 2 milhões de buracos nas estradas britânicas e 300 mil só em Londres". A segunda era sobre a morte, num desastre de carro de um jovem milionário, Tara Browne, enturmado no meio musical londrino. Ele avançou o sinal com seu carro esporte em South Kensington e se arrebentou contra uma van. Uma terceira citação sobre filmes de guerra completou a parte de John. Para o meio, Paul fez um trecho com referências a drogas nos versos 8

que falam em subir para o segundo andar do ônibus, fumar um e começar a sonhar. John gravou o vocal, tocou guitarra e piano, Paul tocou baixo, piano e fez vocal, George tocou congas e Ringo bateria e maracas. Para separar as partes deixaram um intervalo de 24 compassos que o faz tudo Mal Evans, com os Beatles desde o começo, contou em voz alta, até que um despertador soou, para marcar onde Paul devia entrar, uma brincadeira que ficou na versão final assim como a contagem, enterrada na orquestra. Os Beatles queriam 90 músicos, mas Martin conseguiu que aceitassem 41. Eles deviam tocar lentamente a nota mais baixa de seus instrumentos ir num crescendo até a nota mais alta bem frenética. Como eram músicos clássicos, estranharam e demoraram a entender. Os Beatles resolveram filmar a gravação, daí se fantasiaram e distribuíram chapéus, máscaras e toda sorte de enfeites de festa, chamaram amigos como Mick Jagger e a namorada Marianne Faithful. Duas máquinas de quatro canais sincadas gravaram a orquestra em mono quatro vezes com superposição, o que equivale ao som de 164 instrumentos. E o acorde final foi feito em três pianos por John, Paul, Ringo, Mal e Martin.

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A canção seguinte foi a faixa-título, um rock pesado e lento que apresentava a banda do Sargento Pimenta. Nesta canção o baixo foi gravado em injeção direta na mesa, provavelmente pela primeira vez no mundo. John, sempre novidadeiro, perguntou se não podia fazer o mesmo com a voz dele, Martin respondeu que só se ele fizesse um implante de plug na garganta... "Sgt Pepper’s" tem efeitos de murmurinho e afinação de instrumentos tirados do volume 28 da biblioteca de efeitos da EMI, "Aplausos da platéia e atmosfera, Royal Albert Hall e Queen Elizabeth Hall" e do volume seis, "Aplausos e risos", gravado em 1961 na peça "Beyond the fringe", com Dudley Moore, além de alguns sons da orquestra afinando na gravação de "A day in the life". Na passagem para "With a little help from my friends", os gritos da platéia são do show dos Beatles no Hollywood Bowl em agosto de 1965, lançado em vinil.

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Influenciado pela guitarra de Jimi Hendrix que ouvira num show dois dias antes, Paul McCartney pesou a mão na guitarra e George fez o mesmo, com a bateria de Ringo gravada com uma nova microfonagem que causou sensação na época, pelo punch do resultado. Como se tratava de uma banda não estritamente de rock, a do Sargento Pimenta, houve interlúdio de sopros por quatro trompas. Gravada em quatro sessões, em um e dois de fevereiro e três e seis de março. George Harrison escapa de roubada. Sgt Peppers avança

Enquanto gravavam Sgt Pepper’s, os Beatles não se descuidavam da vida social intensa. No dia 19 de fevereiro de 1967, George e a mulher Pattie Boyd escaparam de uma roubada. Foram a uma festinha da casa de Keith Richards, dos Rolling Stones e saíram pouco antes da polícia chegar e prender Keith, Mick Jagger, Marianne Faithful, cantora e namorada de Jagger, e outros. Na época houve um boato de que a polícia esperou George sair para não prender um músico condecorado pela rainha. Entre os shows vistos naqueles meses, destacam-se o de Jimi Hendrix e The Who no Saville Theatre, em 29 de janeiro. Paul mandou embora o casal de caseiros, sr. e sra. Kelly, porque 11

escreveram uma matéria sobre ele para uma revista australiana. A namorada de Paul, Jane Asher, foi para a América em turnê com a tradicional companhia Old Vic e Paul rejeitou convite para fazer música para versos de Shakespeare da peça “As you like it”, do mesmo Old Vic.

No dia 27 de janeiro, os Beatles renovaram contrato com a EMI por mais nove anos. Apesar disso, ainda eram obrigados a arrombar a geladeira da cozinha dos estúdios para pegar leite para o chá altas horas da noite. A cozinha fechava às seis da tarde e não tinha colher de chá nem para os maiores vendedores de discos do planeta: a geladeira era trancada com cadeado. A próxima canção gravada de “Sgt Pepper’s” foi “Good morning good morning”, de Lennon, sobre o tédio da vida cotidiana. O título veio de um comercial dos flocos de milho Kellog’s, algo como “Good morning with Kellog’s” e também contém uma alusão à série de TV “Meet the wife” no 12

verso “é hora do chá e de “Meet the wife”, um sentido duplo, já que o título significa “encontrar a mulher”. Fala da falta de vontade de ir trabalhar, aí vai dar uma volta na cidade entre pessoas sonolentas e com tudo fechado. John resolveu usar barulhos de animais e pirou que tinham que ser colocados como se um estivesse sendo devorado pelo bicho seguinte. A seqüência tem gatos miando, cachorros latindo, cavalos relinchando, carneiros balindo, leões rugindo, elefantes resfolegando, uma raposa perseguida por cães de caça com galope de cavalos, uma vaca mugindo e uma galinha cacarejando. Os efeitos, mais uma vez, do arquivo da EMI: o volume 57 “Caça à raposa” e o volume 35 “Animais e abelhas”. O naipe de sopros Sounds Inc. forneceu três saxes, dois trombones e uma trompa, distorcidos e comprimidos por ordem de John, o solo de guitarra é de Paul, que também tocou baixo, John canta e toca guitarra, George faz vocal e toca guitarra e Ringo bateria e pandeiro. Gravada em cinco sessões em fevereiro e março. Quando fazia alguns reparos na casa de sua fazenda em Mull of Kyntire, na Escócia, Paul teve a idéia para “Fixing a hole” (“Estou tapando um buraco por onde a chuva entra e faz a minha mente indagar até onde vai”, são os primeiros versos). Uma faixa simples em que Paul fez o vocal com dobra e tocou baixo, George fez vocal e o poderoso solo com dobra, Lennon apenas vocal e Ringo bateria e maracas. Há dúvidas sobre quem tocou cravo, possivelmente o produtor George Martin. “Being for the benefit of Mr. Kite” contribui de maneira original para a diversidade do álbum, Inspirada num poster que anunciava um espetáculo circense para a noite de 14 de fevereiro de 1843, uma terça-feira, em termos que John Lennon ‘chupou’ sem remorsos, pendurando o pôster na parede do estúdio, e adaptando o texto ao piano. Para a parte musical ele pediu a Martin uma ambientação de circo que cheirasse a serragem. Martin correu atrás de um órgão a vapor igual ao que se ouvia em carrosséis de parque de diversões. E não achou. Pegou gravações e montou tapes de efeitos, usou órgão, harmonium (órgão que se precisa bombear o ar com os pés), um 13

glockenspiel (espécie de xilofone com placas de metal) e gaitas. Lennon cantou com dobra e tocou órgão, Paul tocou baixo e guitarra, Harrison, Mal Evans (roadie) e Neil Aspinall (assistente da banda), gaitas, Ringo, gaita, pandeiro e bateria.

Um incidente de Paul no seu bairro, St. John’s Wood, com a inspetora de estacionamento Meta Davis, que fiscalizava aqueles relógios onde se punha moedas por um tempo X para deixar o carro, inspirou “Lovely Rita”, em que ele fantasia que tenta se dar bem com ela sem sucesso. Uma gravação simples com muito eco com dois violões por John e George, Paul canta, toca piano e baixo e Ringo bateria. O solo de piano é de Martin, gravado em velocidade reduzida e acelerado. Todos tocam pente e papel, uma brincadeira das antigas: põe se uma folha de papel fino sobre um pente, encosta a boca e assopra. “Lucy in the sky with diamonds” foi uma das mais polêmicas faixas do disco, banida da BBC sob alegação de que incentivava o uso de drogas. John jurou até a morte (argh!) que o nome foi do título de um desenho do filho Julian, então com três anos, que, por coincidência, tinha as iniciais LSD. Difícil de acreditar porque a canção é totalmente lisérgica, inspirada no capítulo “Wool and water” do livro “Through the looking glass” (título 14

brasileiro: “Alice no pais do espelho”) do escritor favorito dele, Lewis Carroll. Para dar a atmosfera viajante da letra, a gravação tem voz e guitarra através de caixas leslie, uma caixa rotativa usada em órgãos que dava efeito de flanger, uma tambura indiana tocada por Harrison fica ao fundo com um som hipnótico, um instrumento com caixa de ressonância parecida com a do bandolim, braço longo, cinco ou seis cordas, tocado com arco. Todos os instrumentos com muito eco e a velocidade da fita acelerada. John cantou com dobra e tocou guitarra, Paul vocal, órgão e baixo, George vocal, guitarra e tambura, Ringo bateria e maracas. Feliz aniversário Sgt Peppers: é hoje o dia!

É hoje o dia! Sgt Pepper''s foi lançado dia primeiro de junho na GrãBretanha e dia dois nos Estados Unidos. Uma curiosidade: Na manhã de dois de abril de 1967, os Beatles saíram de Abbey Road com um acetato direto para o apartamento de Mama Cass (Mamas and Papas) na King''s Road onde, às seis da manhã, abriram as janelas, puseram as caixas de som para fora e tocaram o disco a todo volume. As janelas da vizinhança 15

começaram a se abrir para compreender o que estava acontecendo, mas ninguém reclamou. Todos reconheceram quem estava cantando naquela manhã ensolarada de primavera. Houve risos e aplausos. Foram os primeiros a ouvir a obra prima da psicodelia. Num dia de sol no começo de março, depois de um bom tempo nublado, Paul estava passeando com o cachorro em Hampstead quando teve a idéia de que as coisas estavam melhorando. Daí nasceu “Getting better”. Ele fez a música e convidou John para fazer a letra com ele. Sarcástico como sempre, ele criou um subtítulo que não foi aproveitado: “Não podia ficar pior”. E contribuiu com coisas como ser revoltado, tirar más notas na escola, bater na mulher. A levada lembra a de Penny Lane, lá no piano, aqui nas guitarras metronômicas, como chama Ian MacDonald no livro “Revolution in the head: The Beatles records.” Paul cantou com dobra, Lennon guitarra e vocal, Harrison, guitarra, vocal e tambura na seção do meio onde fica este instrumento (vide ‘’Lucy in the sky’’) e as congas de Ringo, que também tocou bateria.

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“Within you without you” é uma das obras primas de Harrison, o único beatle a participar da faixa. Encharcado de filosofia oriental ele produziu uma letra que questiona as “pessoas que se escondem atrás de um muro de ilusões sem vislumbrar a verdade” e pergunta ao ouvinte: “Você é uma delas?” Diz que o amor pode salvar o mundo e mais: “quando vocês enxergarem além de vocês mesmos, descobrirão que a paz de espírito os aguarda”. Houve críticas por parecer uma cagação de regra numa época em que essas idéias eram pouco difundidas no Ocidente. O instrumental mistura cordas com melodia oriental por um grupo de músicos do Asian Music Center de Londres que tocaram dilrubas (parece com a cítara, tem três cordas principais de ferro ou bronze e 11 cordas secundárias, tocado com arco), svarmandal (tipo de marimba com placas de metal), tabla (dois tambores casados) e tambura (ver Lucy in the sky). Harrison tocou cítara, violão, tambura e voz. Martin fez um arranjo para oito violinos e três cellos. Destaque no solo para o diálogo entre cítara e cello, depois uma pausa e George conta no canal direito para retimar o vocal. No final risos distorcidos do disco de efeitos “Volume 6: aplausos e risos”. "She’s leaving home" de Paul, tem a mesma estrutura de "Eleanor Rigby", do LP anterior, “Revolver”, cordas e vozes. Aqui inspirada em notícia do jornal “Daily Mirror” sobre uma jovem que fugiu de casa por se sentir incompreendida pelos pais. Impaciente para gravar, Paul não quis esperar Martin se livrar de outro compromisso e pediu o arranjo ao produtor e arranjador Mike Leander, que conheceu no estúdio em que a Marianne Faithfull gravou “Yesterday”. Mesmo magoado, Martin concordou em reger os quatro violinos, duas violas, dois cellos e um baixo, além da harpa da introdução, tudo gravado em 17 de março. Três dias depois, Paul colocou a voz, com os contracantos de John, inspirado em frases que sua tia Mimi, que o criou, costumava dizer quando ele era novo: “nós lhe demos tudo que o dinheiro pode comprar”, “nós dedicamos nossa vida a ela,” “sacrificamos tudo por ela”. 17

John e Paul sempre pensavam numa música para Ringo cantar em cada disco, sempre com o apoio vocal deles e de George nas partes em que sua voz vacilava mais. Desta vez escreveram “With a little help from my friends” a partir de base musical de Paul na casa de Lennon, ele ao piano e os dois cantando frases aleatórias até chegarem ao tema de um cara que conta com a ajuda dos amigos para resolver problemas. Dentro da idéia de que o disco seria um show da banda do Sargento Pimenta, Ringo assume a persona de um certo Billy Shears que canta a canção, depois de apresentado no final da canção de abertura. A idéia do show da banda foi abandonada depois, mas esta canção ficou no espírito inicial. Ringo canta, toca pandeiro e bateria. Paul vocal e piano, John vocal e sineta, George guitarra e Martin órgão Hammond. Finalmente, “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band Reprise”, um rockão que ficou da concepção original, de encerrar o show da banda do Sargento Pimenta, apenas um minuto e 18 de guitarras distorcidas de George e John, Paul ao órgão e baixo, Ringo bateria, pandeiro e maracas. Todos cantam.

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A ordem final do disco ficou a seguinte: Lado um: 1. "Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band"; 2. "With a little help from my friends"; 3. "Lucy in the sky with diamonds"; 4. "Getting Better"; 5, "Fixing a hole"; 6. "She’s leaving home"; 7. "Being for the benefit of Mr. Kite". Lado dois: 1. "Within you without you"; 2. "When Im sixty-four"; 3. "Lovely Rita"; 4. "Good morning good morning"; 5. "Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band Reprise"; 6. "A day in the life". O disco acaba com o acorde sombrio final de pianos em “A day in the life”. Daí eles pensaram em botar alguma coisa no último sulco, onde a agulha ficava rodando o tempo todo se o ouvinte não tivesse um toca-discos automático. Em 10 minutos decidiram fazer uma barulhada nonsense. Foram para o estúdio, gravaram vozes e barulhos diversos. Depois cortaram a fita em diversos pedaços, emendaram e gravaram ao contrário. Sem que 19

suspeitassem, dois anos depois ali seria apontada uma pista de que Paul McCartney tinha morrido e os Beatles estavam escondendo a verdade. A frase seria “Paul McCartney is dead” se o disco fosse rodado ao contrário. Mas isso é outra história.

Bibliografia: "The complete Beatles recording sessions" de Mark Lewisohn (Hamlyn Book, 1988); "Revolution in the head: The Beatles records & the sixties" de Ian MacDonald (Fourth State Books, 1994); ''Beatles, a diary'' de Barry Miles (Omnibus Press, 1988); "The complete Beatles chronicle'', de Mark Lewisohn (Hamlyn Books, 1992) e "Beatles anthology", por The Beatles (Chronicle Books, 2000).

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