Resposta a um artigo no qual se critica o uso de secretários e citações de fontes por parte de Ellen G. White no livro Desejado de todas as nações. Por Pr. Demóstenes Neves da Silva
Esse livro publicado em dezenas de idiomas e com mais de 800 páginas é uma abordagem excepcional sobre a vida de Jesus. No entanto, o fato de sua autora ser considerada como inspirada por Deus pela Igreja Adventista do Sétimo Dia têm suscitado muitos questionamentos quanto ao processo de produção desta e outras obras de Ellen G. White. Já foram produzidos muitos materiais respondendo satisfatoriamente às perguntas que se seguem e alguns deles são indicados ao final desta resposta. O material que nos foi enviado constitui-se de uma série de questionamentos que estão sintetizados na pergunta abaixo: •
PERGUNTA - O fato de Ellen G. White ter usado secretários faria desses secretários os verdadeiros autores de suas obras? Pode um autor considerado inspirado citar e usar fontes de autores religiosos e seculares ou mesmo de outros também inspirados? Por que o uso de outras fontes por parte de Ellen White não obedece aos critérios modernos das leis de direitos autorais? Houve inspiração verbal (palavra por palavra) no material inspirado ou é a idéia que é inspirada, podendo ser expressa de formas diferentes?
RESPOSTAS - A crítica feita pelo texto ao Desejado de todas as nações (DTN) trata de uma questão básica que tem sido razão de conflito para algumas pessoas: a produção dos escritos inspirados. O motivo da inquietação deve-se ao fato de não entenderem adequadamente a questão da produção e reprodução de escritos inspirados, o que envolve questões lingüísticas e outras ligadas ao conceito de Inspiração e Revelação. Desde o início do movimento adventista as primeiras visões de Ellen White foram alvo de aceitação e rejeição por parte de pessoas que tinham idéias diferentes da questão.
No seio da IASD o assunto amadureceu gradativamente como, aliás, ocorreu com as demais doutrinas. Muitas discussões já foram feitas sobre a inspiração profética de Ellen White. Algumas parciais e outras mais aprofundadas. É preciso que, para que sejamos honestos, nos reportemos aos materiais sobre Ellen White, nos quais a pesquisa já se encontra em fase de conclusão. Tomar textos parciais ou artigos (como o caso desse artigo sobre o DTN) como a palavra final sobre a questão, é estar muito ansioso para chegar a conclusões que podem não ser verdadeiras. Além do mais, o fato de a igreja publicar em revistas, livros e outros meios de divulgação os estudos e pontos de vista de pesquisadores da igreja sobre Ellen White, demonstra (ao contrário da insinuação de ocultamento de informações que esse material sobre o DTN faz) que a igreja agiu com transparência nesta questão. O fato de uma discussão ou outra, ou de um artigo ou outro sobre este ou qualquer tema doutrinário não vir a público para divulgação geral, decorre de fatores diversos e que não seria honesto especular com base em declarações isoladas. Materiais podem não ter sido publicado devido a serem inconclusivos, controvertidos ou por serem pontos de vistas particulares, por exemplo. De qualquer forma os materiais conclusivos estão publicados trazendo a questão na sua fase de discussão final. O importante é que ao longo da sua história a igreja tem divulgado as discussões e conclusões de estudos doutrinários e, após votação na assembléia da Associação Geral, divulgado a decisão oficial da igreja. A doutrina da igreja não é a opinião isolada deste ou daquele pesquisador ou teólogo. Também não é a postura independente de líderes ou membros da igreja. A doutrina em si não é também a sua fase intermediária antes de seu amadurecimento. A doutrina é a forma elaborada da crença fundamentada nas Escrituras Sagradas. Desse modo, o artigo sobre o DTN, serve como exemplo e contém (e mesmo assim sob a ênfase particular e direcionamento tendencioso do autor) apenas alguns dentre muitos outros trabalhos de investigação e opiniões que compuseram todo o processo histórico de amadurecimento da doutrina do dom profético manifestado no ministério de Ellen G. White, segundo o ensino da IASD.
A pessoa pode, honestamente, aceitar ou rejeitar a inspiração profética de Ellen White e seus escritos simplesmente por não considerar que está suficientemente seguro para isso. No entanto, a meu ver, as dúvidas normalmente apresentadas nascem do preconceito contra um escritor inspirado pelo fato de ser moderno por parte de alguns e da frustração de outros por não encontrar em Ellen White o apoio para suas idéias particulares. O caminho dessas pessoas, normalmente, é tentar desacreditar suas declarações em duas abordagens: ou procurando demonstrar que a igreja os teria modificado ou (como esse expediente não é bem sucedido) desacreditar sua obra inspirada como um todo. Dois aspectos, especialmente, entre outros, deveriam ser considerados por aqueles que questionam a credibilidade dos livros de Ellen White: 1. A elaboração do texto da Bíblia encontra paralelo impressionantemente próximo com a elaboração dos textos de Ellen White. O uso de colaboradores e outras fontes não indica ausência de inspiração divina e nem desautorização do texto. a) Ellen White usou secretários e colaboradores. Mas, o mesmo ocorreu com as Escrituras Sagradas: Pedro (Silvano/Silas I Ped. 5:12) e Paulo (Tércio – Rom. 16:22 e Sóstenes – I Cor. 1:1) usaram secretários e Jeremias também (Baruque – Jer. 36:4-6, 17, 18, 27, 32). (mais detalhes em 101 questões sobre o santuário e Ellen White, 138-142). b) Ellen White usou fontes religiosas e seculares na composição de seus escritos. Ora, os autores tanto do AT como do NT fizeram o mesmo, amplamente. (Ibidem) c) Ellen White usou material religioso e não religioso sem indicar as fontes, pois isso não era requerido na época nas mesmas condições e critérios de hoje. Também os escritores bíblicos citaram e copiaram material religioso e não religioso amplamente sem indicar de quem e nem de onde tiraram o material, simplesmente porque nos seus dias não se usava o critério que se exige atualmente em termos de direitos autorais. Seriam os escritores bíblicos plagiários? Claro que não.
d) Ellen White é acusada de falta de autenticidade profética devido a muitas partes do seu material serem resultado de pesquisa em outras fontes. O que dizer de Lucas que “pesquisou” para o seu evangelho? (Luc. 1:1-4). Seria menos inspirado por isso? E há outros escritores bíblicos que fizeram o mesmo. e) Até mesmo autores não adventistas comungam do pensamento apresentado até aqui. “A Bíblia faz uso de documentos não-bíblicos, como o livro de Jasar (Js 10:13; 2Sm 1:18), o livro de Enoque (Jd 14) e até o poeta Epimênedes (At 17:28). Somos informados de que muitos dos provérbios de Salomão haviam sido editados pelos homens de Ezequias (Pv 25:1). Lucas reconhece o uso de muitas fontes escritas sobre a vida de Jesus, na composição de seu próprio evangelho (Lc 1:1-4).” (Introdução Bíblica – Como a Bíblia chegou até nós, 23). 2. A forma como o texto dos livros e outros materiais de Ellen White foram produzidos, bem como a Bíblia, nada tem a ver com a inspiração verbal (palavra por palavra como um ditado). Cremos que o conceito bíblico e expresso pela própria Ellen White, o qual se encontra em nossa declaração de fé, é o conceito dinâmico (conf. O testemunho de Jesus, 86, 87). Deus inspirou o profeta e não as palavras e fez isso enchendo o profeta de pensamentos. Essa concepção descarta a hipótese ingenuamente defendida por tantos no seu ataque aos escritos de Ellen White devido às variações e atualizações na redação, sem considerar que o importante é o sentido ou idéia do texto (conf. O Testemunho de Jesus, cap. 14). Além disso, ao se traduzir ou compilar os escritos de Ellen White, por razões circunstanciais, próprias da imperfeição humana, é natural que ocorram seleções de parágrafos e porções que destoem do contexto ou erros de tradução e reprodução. O mesmo ocorre com a Bíblia (o que tem sido corrigido com revisões) sem que isso implique em deliberada intenção de modificar a mensagem. A prova disso é que os erros são isolados, aleatórios e ocorrem sem eleição definida desta ou daquela doutrina ou tema abordado. Portanto, falhas naturais na transmissão do texto. A própria Bíblia é pródiga em falhas na transmissão do texto: erros de copistas, deslocamento de palavras e frases e, pior do que em Ellen White, interpolação e omissões significativas (embora sem afetar o cerne da mensagem de salvação). E o que dizer das
inúmeras versões e traduções com redações diferentes para o mesmo versículo? Deveríamos desacreditar e difamar a autenticidade da Bíblia dizendo que foi adulterada e não é mais digna de crédito devido a tais ocorrências? O bom senso indica que a Bíblia é digna de confiança apesar de os casos de omissão e interpolações serem numerosos, sendo necessário uma verdadeira ciência dedicada a ajuntar-lhe as peças como um quebra cabeça e comprovar a sua credibilidade (tarefa da Crítica Textual). Esse fenômeno ocorre com qualquer literatura que seja copiada, traduzida ou passe por atualização. Esse assunto, no que se refere à Bíblia, é explicado de forma prática por vários autores na disciplina de Introdução á Bíblia. Por exemplo: Introdução bíblica – como a Bíblia chegou até nós, de autoria de Norman Geisler e William Nix, capítulo 14 e, especialmente, no 15. O DTN tem a marca da originalidade que supera as fontes de onde provieram empréstimos, como cada livro da Bíblia, que é superior às fontes externas de onde tomou empréstimos. Deus toma o já existente e lhe dá o cunho de Sua originalidade divina. Quem ler o DTN logo perceberá que é uma obra que possui personalidade própria devido ao seu vigor, beleza e apelo espiritual que faz ao coração do leitor. O mesmo se pode dizer de outras obras de Ellen White. Portanto, usar eventuais falhas de redação, tradução e reprodução, como mencionamos, para desacreditar os escritos de Ellen White (e o mesmo se aplica ao empréstimo de material de outras fontes) é incorrer na rejeição de todo e qualquer escrito inspirado e isso inclui a própria Bíblia. Sei que você parece decepcionado com alguma coisa que o levou a ter uma atitude de rejeição em relação à igreja e, em seguida, suas doutrinas, mas não permita que mágoas e rancores fruto dos erros humanos afetem sua fé. Estou plenamente certo que as doutrinas da igreja são bíblicas e corretas. Nós é que fraquejamos devido a nossa imperfeição. Estou orando por você e sua família.
Bibliografia sobre o assunto DOUGLASS, Herbert E. A mensageira do Senhor. Tatuí, SP, CPB, 2001. 372-465. (toda seção VI). GEISLER, Norman e William Nix. Introdução bíblica-como a Bíblia chegou até nós. SP, Vida, 1997. OLSON Robert W. 101 questões sobre o santuário e sobre E. White. 2ª. Ed. Instituto de Pesquisas Ellen G. White. Instituto Adventista de Ensino, 1988. 46-147. REBOK, Denton E. Crede em seu profetas. Tatuí, SP, CPB, 1998. WHITE, Ellen G. Mensagens Escolhidas. Vol. I. Santo André, SP, CPB, 1985. 1576. (toda seção I) WHITE, Ellen G. Notas e manuscritos de E. G. White. Centro de Pesquisas E. G. White, IAE, SP, s/d. (Início dos capítulos: págs. 1, 9, 22, 29, 46, 55, , 108, 119, 127, 134, 139, 142) WILCOX, Francis M. O testemunho de Jesus. Santo André, SP, CPB, 1964.