Rumo A 2010

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Rumo a 2010 – Uma proposta para a economia brasileira 1. Introdução Em 15 de Setembro 2008 uma era acabou. As economias emergentes até aquele momento pareciam estar podendo superar a crise econômica que tomou os paises desenvolvidos. Mas a quebra do banco Lehman Brothers gerou uma “parada súbita” nos fluxos de câmbio e crédito para o Brasil, acelerando o processo de desarticulação do modelo econômico seguido pelo governo Lula. A instalação da crise no Brasil gera duas questões conjugadas. Primeiro, como reagir a crise? Segundo, qual o modelo de desenvolvimento possível em mundo pós-bolha? Acreditamos que é útil dizer que a primeira questão é conjuntural, enquanto a segunda é estrutural. Nessas paginas vamos expor um conjunto de idéias que, ao nosso ver, oferecem um diagnóstico preciso tanto da crise atual, em sua dimensão global, como do modelo econômico seguido durante o governo Lula e que hoje se desarticula. Desse diagnóstico acreditamos surgirão as possíveis respostas tanto para as questões conjunturais como estruturais que enfrenta a economia brasileira. Não há, infelizmente, uma “grande proposta” nessas paginas, como foi a URV no caso do Plano Real. Há, porem, uma idéia central. Acreditamos que essa crise oferece uma oportunidade única para resolver um dos grandes problemas seculares da economia brasileira: a absurdamente alta taxa de juro real. Como constataremos, essa idéia de que há uma oportunidade na crise, é o centro lógico de tudo que vamos discutir. Todas as nossa propostas tem essa questão como pano de fundo. Nosso roteiro: Primeiro, vamos fazer um diagnóstico sobre a crise internacional. Apesar de todas as incertezas sobre o rumo da economia global, podemos com um certo grau de certeza determinar porque chegamos aqui, o que vai ter que ser feito internacionalmente para sair da crise e como isso deve afetar o Brasil nos próximos anos. Depois vamos oferecer um diagnóstico sobre a economia brasileira na era Lula e em função disso como se tem reagido a crise internacional. Com base nisso vamos descrever porque acreditamos que essa crise na verdade oferece uma oportunidade única para ajustar, de forma consistente e sustentável, a questão dos juros no Brasil sem quebrar contratos ou compromissos do Estado brasileiro. Discutiremos aqui, também, a questão política e como articular essa questão com a eleição de 2010. Acreditamos que a situação atual de fato tem alguns determinantes em comum com a situação

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que antecedeu o lançamento do Plano Real e, como iremos fundamentar, nossa proposta guarda paralelos estritos com o Plano Real. Finalmente vamos discutir o que, ao nosso ver, tem que ser feito para a execução dessa proposta do ponto de vista das políticas monetária, cambial e fiscal. 2. A Crise Internacional Crises com essa dimensão, fato histórico inédito que será exaustivamente analisado por muitas gerações, não têm um conjunto de causas único ou de fácil determinação. Pensamos que têm muito em comum com o que acontece na maioria dos acidentes aéreos: uma série de pequenos erros que levam à catástrofe. Mas entre muito dos fatores que contribuíram para essa crise, há um que queremos apontar porque sua solução será necessária para a superação final da situação atual. Acreditamos que o nexo da crise atual é a relação entre um conjunto de paises desenvolvidos com alta propensão a consumir (o maior sendo os Estados Unidos, mas incluindo a Inglaterra, a Espanha entre outros) e um outro conjunto de paises com alta propensão para produzir e exportar (todos paises asiáticos, liderados pela China). A simetria entre esses paises é quase perfeita. Os países consumidores têm mercados de credito e capitais altamente desenvolvidos. Os paises produtores, não. Os países consumidores têm baixíssimas taxas de poupança; os produtores altíssimas. Entre esses se estabeleceu um circuito de produto, tecnologia e divisas que define a globalização financeira pelo qual o mundo passou nesses ultimo anos. Os paises desenvolvidos fornecem seu know how tecnológico e de distribuição, montando e utilizando nos paises produtores vasta redes de produção. Os paises produtores, com seus mercados financeiros pouco desenvolvidos e com forte propensão para poupar1, aplicam a receita de suas exportações nos mercados financeiros dos próprios paises consumidores, financiando o consumo deles. E assim foi por muitos anos. Sabemos que a acumulação de déficits de conta corrente, como os de países consumidores, implica em algum momento na reversão do déficit comercial para fazer frente ao passivo acumulado, que, na contrapartida, são ativos financeiros dos paises produtores. Tal reversão pode ocorrer via uma combinação de queda do consumo (e também das importações) com desvalorização cambial. 1

Propensão apontada por muitos analistas devido a certas qualidades da cultura asiática; os fortes abalos políticos (guerras, revoluções) por quais muitos desses paises passaram, gerando um certo conservadorismo; e a falta, especialmente na China, de um sistema de bem estar social. O contraste com paises da América latina deve ser feito.

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O problema é que para ambos os países no centro desse nexo mundial, os EUA e a China, não foi interessante deixar esse mecanismo econômico funcionar. Apesar desse processo anteceder o governo Bush, a resposta ao estouro da bolha da internet e os efeitos do ataque de 11/9 foi perseguir uma política de forte expansão fiscal, via aumento de gastos e de corte de impostos, somada a forte expansão monetária, com o então chefe do Fed, Alan Greenspan, baixando a taxa de juros para 1% ao ano. Essa política gerou, como prevê a teoria econômica, crescentes pressões sobre o balanço de pagamentos e a desvalorização do dólar americano. Mas a China, como a maioria dos paises asiáticos, perseguiu uma política cambial para impedir a apreciação de sua moeda contra o dólar, o que implicou na compra massiça de ativos financeiros americanos. Tal oferta de crédito encontrou demanda no mercado imobiliário americano2. Assim nasceu a bolha imobiliária. Essa bolha teve duas peculiaridades. Primeiro, os títulos lançados, por estarem lastreados por imóveis, ofereciam a ilusão de serem de baixo risco, por terem por trás um ”ativo real”, em um mercado que nunca viu quedas nominais de preço no período pós-guerra, razões citadas por muitos dentro do mercado e do governo para argumentar que não havia nenhum problema apesar da escalada meteórica dos preços. Segundo, a alta no preço dos imóveis ofereceu um ganho ilusório de riqueza, que possibilitou ao consumidor médio americano, que não viu nenhuma alta nos sua renda real durante os anos Bush, usar sua casa como colateral para aumentar o endividamento pessoal. E esse endividamento crescente também não era visto com preocupação, porque “lastreado” em um ativo, o imóvel, cujo valor estava crescendo. É assim que uma bolha inicialmente imobiliária se transformou em uma bolha de crédito. Tal processo aconteceu, em menor grau, em vários outros paises consumidores, assumindo um caráter global. Por que os governos deixaram esse processo insustentável continuar ate sua eventual exaustão e final catastrófico? A razão é simples e política: suas respectivas populações lucraram com o processo. Nos paises consumidores, a ilusão de riqueza permitiu níveis de consumo bem maiores do que seria possível tendo em vista a renda real. Nos paises produtores, a forte expansão da produção e exportações permitiu milhares de camponeses, subempregados ou desempregados acharem trabalho nos centros urbanos. Qual governo,

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O fato das empresas “quase-publicas” Fannie Mae e Freddie Mac serem emissoras de grande parte dos créditos imobiliários e de gozarem, até a crise, de ratings AAA possibilitou que grande fluxo soberano asiático fosse direcionado diretamente ao financiamento imobiliário e indiretamente, para a compra de títulos do tesouro americano.

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realisticamente, iria negar esses benefícios por conta de riscos que, antes da eclosão da crise, eram mera possibilidade? E o papel do Brasil? Um misto de pais consumidor e produtor, o Brasil se destaca como produtor de bens primários, as commodities, fornecedor privilegiado dos paises produtores, tendo também pequeno papel, por exemplo via as montadoras, no fornecimento de bens de consumo duráveis. Não é por acaso, como vamos discutir mais detalhadamente abaixo, que a economia brasileira encontra seu eixo de expansão justamente no inicio da forte alta de preços e na demanda ampliada da suas exportações. Agora podemos especificar o momento presente nesse ciclo da crise. Com o final da bolha de crédito, trilhões de dólares de ativos hoje valem uma fração do seu valor nominal. O momento atual pode ser caracterizado como o lento e doloroso processo de distribuir essas perdas entre quatro tipos de agentes econômicos: credores, devedores, intermediários e contribuintes. Nesse processo de atribuição das perdas os intermediários do processo, instituições financeiras, tem um lugar especial que amplifica os efeitos recessivos do estouro da bolha3. Diferentemente do estouro de uma bolha no mercado acionário, onde as perdas são diretamente atribuídas aos investidores, no caso dos mercados de credito há, a despeito da ampla securitização de ativos, intermediação dos ativos. As carteiras de grandes bancos nos países consumidores são basicamente constituídas de um misto de crédito direto a consumidores, empresas e, com a bolha imobiliária, crédito imobiliário. Como o patrimônio líquido de um banco é simplesmente a diferença entre o valor de seus ativos menos seus passivos, o fato que seus ativos agora valerem uma fração do seu valor nominal coloca os bancos em risco de solvência imediata. Os primeiros “perdedores” são os acionistas dos bancos, com o valor de mercado de muitos bancos caindo 80%, 90% desde do inicio da crise. A “próxima vitima” no processo é normalmente o contribuinte, com os Estados injetando capital nas instituições para mantê-las vivas. Como vimos no caso da Lehman Brothers, deixar os bancos quebrar e transferir as perdas para os credores finais gera efeitos sistêmicos extremamente nocivos. Mas, infelizmente, a extensão do problema é hoje tão grande que as injeções de recursos públicos acabam garantindo a sobrevivência do que já esta sendo chamado de “bancos-zumbi”. Esses bancos não “quebram”, isto é, pagam suas dividas, mas com baixíssimos níveis de capitalização e fortes incertezas sobre os níveis de perdas da sua carteira de credito, desaceleram a concessão de novos créditos. Tal comportamento, conquanto talvez “racional” do ponto de vista das instituições, gera no agregado da economia um forte efeito 3

Isto é, o efeito riqueza da bolha do lado dos donos de ativos e, do outro lado, os rendimentos dos financiadores da bolha.

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contracionista, que aumenta o nível de perdas dos créditos na carteira dos próprios bancos. Qual seria a solução definitiva? Só existe duas, mas ambas são politicamente difíceis, razão pelo qual todos os governos envolvidos primeiro tentam medidas paliativas (como baixar juros ou ampliar liquidez nos mercados interbancários). A primeira seria a simples nacionalização do sistema, o que distribuiria as perdas imediatamente entre contribuintes e os acionistas das instituições, mas pelo menos a partir desse ponto os bancos voltariam a conceder novos créditos. Mas a nacionalização não é uma panacéia. Um problema da nacionalização é que os passivos desses bancos, que representam trilhões de dólares e libras, teriam que ser absorvidas pelo erário, piorando os índices de solvência do Estado, o que pode, como estamos vendo no caso inglês, gerar forte queda no valor da moeda, queda nos preços da divida publica, e risco de ver o rating soberano rebaixado. Os recentes problemas da Inglaterra são frutos desse processo. A segunda opção seria comprar dos bancos os ativos “podres”. Nesse caso, a questão crucial seria “a qual preço?”. Se for a preços de mercado atual, os banco quebrariam. Se for acima dos preços atuais, os bancos estão salvos, mas o contribuinte ficaria com as perdas. Onde estamos agora nesse processo de atribuição de perdas? No caso americano a crise começou em agosto de 2007. De lá até agora, os americanos já tomaram todas as medidas paliativas possíveis (a taxa de juros está beirando zero e o Fed está financiando os mercados interbancários e vai financiar outros mercados). Do lado da questão de solvência, algumas empresas foram de fato, mas não de jure, nacionalizadas (AIG, Fredie Mac, Fannie Mae). Mas a injeção de capital nos banco comercias tem sido rapidamente consumida pelas perdas nas carteiras de crédito, o que tem levado parte do sistema ao estado “zumbi”. O governo Obama agora enfrenta a questão do que fazer. Agora deve estar claro a razão porque esse tipo de crise demora tanto para ser resolvida e porque são de longa duração. Devemos tratar com extremo ceticismo a expectativa de alguma recuperação global ainda em 2009 ou até em 2010. Para tal, primeiro teremos que ver uma solução definitiva para a questão da solvência do sistema financeiro: Quem afinal vai pagar a conta? Depois, tais medidas têm que ser executadas de fato, algo demorado dado às complexidades financeiras envolvidas. Somente depois disso é que os bancos devem retomar a concessão de crédito, em si um processo lento dado os riscos criados pela própria desaceleração econômica. Devemos lembrar também que, quanto mais tempo a solução definitiva for postergada, pior a situação da economia real e maiores as perdas nas carteiras dos bancos. Mas a recomposição do sistema bancário mundial, apesar de certamente ser condição necessária para debelar a crise, não será condição suficiente. Isso

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porque, como já analisamos, a crise financeira é resultado de um equilíbrio insustentável entre os paises consumidores e produtores. É tarefa fundamental, e aqui temos na verdade a agenda da diplomacia financeira que o Brasil deveria estar perseguindo, reestruturar a relação comercial e financeira entre países consumidores e produtores. Para tal, países produtores vão ter que “apreender” a consumir mais; vão ter que “aprofundar” seus mercados financeiros para aumentar a concessão de crédito e vão ter que ampliar a sua rede de bem estar social para diminuir os incentivos a altíssima taxa de poupança doméstica. Do outro lado, paises consumidores vão ter que apreender novamente a poupar e exportar. Mas, como deve ser óbvio, tal mudança será de difícil execução e gestação. De fato não há, nem nos EUA nem na China, paises centrais nesse nexo, a percepção política de que isso tem que ser feito, com cada país ainda mais preocupado em culpar o outro pela crise e querendo tentar, o mais rápido possível, voltar a confortável e politicamente popular situação anterior. 3. A Economia Brasileira na era Lula Agora analisemos o comportamento da economia brasileira durante este período de bolha de crédito mundial. Assim poderemos, junto com o entendimento da natureza da crise atual, formular as perspectivas para a economia brasileira nos próximos anos. Não é por acaso que, depois de longos anos com uma performance medíocre para seu padrão histórico, a economia brasileira começou a crescer de forma consistente junto com a bolha de crédito internacional. Essa bolha acelerou o crescimento mundial e tornou os paises produtores em forte importadores de matérias primas, o que aumentou tanto o preço como a quantia demandada. Tal afirmação é normalmente negada, especialmente por aqueles que apóiam o atual governo e vêem nele um “novo padrão de desenvolvimento”, pelo fato de que o setor exportador como um todo e o de bens primários especificamente, é parte relativamente pequena da economia brasileira. Devemos determinar como o choque positivo vindo do exterior, que inicialmente afeta realmente uma pequena parte da economia, alavanca o crescimento dela como um todo, visto que a crise atual esta operando, ao inverso, pelos mesmos canais de transmissão. Vamos descrever, de forma esquemática, como o choque original se propaga. Primeiro, temos o efeito-renda que a alta demanda pelas nossas exportações viabilizou nos setores a ela ligados. Esses setores têm custos por unidade produzida relativamente fixos, gerando forte elasticidade da renda quando a demanda aumenta.

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Esse efeito, porém, gera um multiplicador que opera por dois canais. Primeiro, obviamente, os setores exportadores aumentam seu consumo e investimento. Mas igualmente importante é o efeito positivo que ocorre na arrecadação do setor público. Boa parte da capacidade do governo Lula em bancar o expressivo aumento de gastos correntes e transferências de renda via bolsa-família e a política de aumento do salário mínimo veio desse canal. Outro efeito importante é a valorização do patrimônio das empresas (efetivamente uma valorização “a valor presente” da renda futura) que, via o mecanismo conhecido como “acelerador financeiro”, possibilita as empresas aumentar sua captação de capital e níveis de investimento e endividamento. Basicamente o aumento do patrimônio líquido (em termos de valor de mercado e não apenas contabilmente) das empresas melhora a percepção de crédito e a de rentabilidade de novos projetos no setor, possibilitando forte aumento nos investimentos. Outro efeito, agora sistêmico, seria a queda no risco pais, o que diminui a percepção de risco da economia como um todo. Com forte acúmulo de reservas e, no caso brasileiro, uma estratégia de trocar endividamento externo por interno, o Estado Brasileiro eventualmente se tornou credor em moeda forte, Essa queda de risco afeta toda a economia, já que qualquer cálculo de risco para o setor privado começa, via composição de taxas, com o nível do risco pais. Finalmente, e aqui de forma única, houve substancial contribuição estatal no inicio do governo Lula, para a expansão do mercado de crédito. Devemos ver uma operação de crédito ao consumidor como uma substituição de um consumo futuro por um consumo presente. Tal operação só será feita se há uma percepção que haverá renda no futuro, algo que foi estimulado nesses anos por todos os fatores que descrevemos acima. Foi na expansão do mercado de crédito, onde o Brasil começou a ter um comportamento típico de um país consumidor, que ficou visível a grande fragilidade do modelo econômico do governo Lula. De fato, antes da crise abortar esse processo, já estávamos vendo no Brasil o uso de instrumentos de crédito e derivativos de credito que foram parte central da crise nos paises desenvolvidos. Por exemplo, os tipos de derivativos de cambio que causaram perdas bilionárias para as empresas brasileiras eram atreladas na maioria dos casos a operações de credito. Esses cinco canais de propagação e ampliação do choque externo positivo que aconteceu concomitante ao inicio do governo Lula explicam o motivo da boa performance da economia brasileira nesses ultimo anos. De fato, olhando os dados podemos ver como cada mecanismo teve seu momento de maior impacto. No inicio do governo (2003-2005), os efeito-renda e seu multiplicador tiveram maior impacto, sendo o período marcado por crescentes saldos

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comercias positivos e, algo incomum para o Brasil, saldo positivo na conta corrente. Depois disso, com o crescente acúmulo de reservas, verificam-se fortes quedas no risco pais, expansão do mercado de crédito e do acelerador financeiro. Nesse momento as importações começam a crescer mais do que a exportação devido ao crescimento da capacidade de consumo doméstica; nosso saldo em conta corrente volta a ser deficitário, e, via o acelerador financeiro, os investimentos, e não as exportações, se tornam o componente mais dinâmico do PIB. Devemos agora perceber como o governo Lula foi de fato um agente relativamente passivo nesse processo. Tanto a política fiscal, como a monetária foram determinadas, e não determinantes. Os cinco mecanismos que descrevemos acima foram fatores que condicionaram positivamente a demanda agregada. É verdade que o acelerador financeiro também canaliza maiores recursos para a ampliação da oferta agregada via maiores investimentos. Mas independente da crescente utilização de poupança externa, a soma de crescimento do consumo e dos investimentos gerou desequilibrio entre a demanda e oferta agregadas, como evidenciado pelos crescentes déficits em conta corrente e a alta nos núcleos de inflação, verificadas em 2007 e boa parte de 2008. Contra esses cinco fatores de expansão da demanda agregada, tivemos na política monetária do Banco Central o único fator de contracionista, parte da razão pelo qual o Brasil continuou a ter taxa de juros elevadas apesar da queda contínua do risco país durante esse período. Com esse entendimento do que se passou nesses ultimo anos podemos melhor entender como o Brasil esta reagindo à crise internacional, e especificamente o que deve ser feito em termos conjunturais para amenizar os efeitos da crise. Da mesma maneira que o choque positivo externo foi ampliado e propagado pelos cinco mecanismos, o choque negativo da quebra do Lehman Brothers esta fluindo pelos mesmos canais. Infelizmente nesse caso a simetria não é exata: enquanto os efeitos benéficos do choque positivo que começou em 2002 demorarão anos para se realizarem, os efeitos negativos do choque atual se propagam muito mais rapidamente e sem seqüência. O efeito de renda agora retira receita das empresas exportadoras. Isso diminui o consumo e exportação desse setor, gerando um efeito multiplicador negativo pela economia. As fortes quedas na bolsa geram um efeito acelerador financeiro ao inverso, já que restringem o que as empresas podem colocar como colateral para levantar fundos. A crise levou investidores globais a zerar investimento de maior risco, o que elevou o risco país. E a “parada abrubta” levou a uma forte queda nas operações de crédito em toda a economia.

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Em termos de uma resposta ótima da política econômica, assim como a política monetária, via juros reais altos, foi o único fator contracionista, em um momento onde os cinco mecanismos estão funcionando ao inverso, é na forte queda da taxa de juros que devemos responder de forma conjuntural a crise atual. E a política fiscal? A ampliação da oferta de crédito via entidade financeiras publicas? Certamente cada um tem a contribuir, mas há limites estritos sobre o que cada um pode fazer de positivo. Primeiro, no caso brasileiro, a política fiscal foi prócíclica todo esse tempo, o que deixa pouco espaço para uma forte expansão na margem. Apesar de uma certa criatividade contábil, como vimos com o tal “fundo soberano”, não parece haver espaço para uma política fiscal que, por exemplo, torne o superávit primário negativo. Se em algum momento o governo Lula se decidir por esse caminho, verifique-se que dada a falta de oferta de global de crédito, até paises com funding currencies como a Inglaterra estão enfrentando problemas em financiar a forte expansão fiscal, imagine-se então o Brasil com sua moeda não conversível. A ampliação de credito via instituições publicas pode e deve suprir o brutal aumento do conservadorismo do setor financeiro privado, mas aqui também há limites estritos. A base de capital dessas instituições é limitada, restringindo o que pode ser feito de forma prudente para expandir a concessão de crédito. Da mesma forma a falta de oferta global de crédito, que impediria a expansão de gastos fiscais, igualmente afetaria a habilidade dos bancos estatais para concretizar o funding. Além do mais a extrema atenção dada pela imprensa e, no caso brasileiro, pelo governo, à questão da oferta de crédito, perde de vista que o problema principal é a queda na demanda por crédito dado o funcionamento ao inverso dos mecanismos de propagação. Simplesmente há, no cenário atual, um número muito menor de projetos de investimento com boas chances de serem rentáveis. Mas, como vamos ver abaixo, é exatamente na coordenação entre as políticas fiscal e monetária, dando mais espaço a ultima, que vemos a possibilidade estratégica que a crise oferece. 4. A Questão Estrutural da Economia Brasileira Frente a uma crise que, na nossa avaliação, pode demorar anos para ser resolvida e, no sentido mais amplo do setor externo, fornecer um impulso positivo para o crescimento, a questão que se coloca é: como a economia brasileira vai crescer a taxas robustas? Estaríamos condenados a mais um período de crescimento medíocre?

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Acreditamos que isso deve ser visto como uma questão estrutural independente da questão conjuntural sobre qual tratamos na ultima sessão. Isso porque uma forte flexibilização da política monetária não deve ser, por si só, suficiente para dar a nossa economia o ímpeto necessário. Primeiro, a flexibilização da política monetária vem a amenizar os efeito negativos da crise, e não ser em si mesma um fator para condicionar um crescimento robusto. Segundo, sem mudar o padrão de consumo, investimento e poupança da economia, qualquer expansão mais forte da demanda agregada com o alivio da crise deve rapidamente gerar a mesma combinação de juros altos e câmbio baixo que tem caracterizado a economia brasileira nesse ultimo anos. Como decidir quais os pontos críticos a serem atacados? Acreditamos que a aplicação ao Brasil da metodologia sugerida pelo economista turco Dani Rodrik, hoje em na Universidade de Harvard, batizada de “Diagnostico do crescimento” oferece a melhor metodologia. Para Rodrik, forte critico do Consenso de Washington, a primeira tarefa para formular uma estratégia de desenvolvimento é determinar qual a mais forte restrição ao crescimento do pais em questão. Dado que na pratica governos terem capital político e capacidade gerencial limitados, esses “recursos” devem ser concentrados nessas restrições, e não dissipados na tentativa de executar as amplas receitas de reformas recomendadas pelas instituições multilaterais e o mercado financeiro. Rodrik oferece esquematicamente um método para determinar qual a restrição mais importante em uma economia. O crescimento econômico existe quando há projetos de investimento cujo rendimento esperado é maior do que o custo de executá-los. Por isso o diagnóstico começa por ai: Seria o baixo crescimento resultado dos baixos retornos ao investimento ou dos altos custos dos recursos para investir? No caso brasileiro a resposta a essa distinção é óbvia: nosso baixo crescimento é devido ao alto custo dos recursos, evidenciado pelas mais altas taxas de juros do mundo. De fato, o que deve nos surpreender no caso brasileiro é como, apesar de ter as mais altas taxas de juros, a economia consegue crescer, por mais medíocre que seja esse crescimento na maioria do tempo. As mesmas taxas de juros em qualquer outro lugar rapidamente levariam a economia ao colapso. Já que investidores não vão executar projetos de investimento cujo retorno esperado seja menor que o custo do financiamento, o fato de a economia crescer apesar das altíssimas taxas de juros é evidencia de que o Brasil está

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repleto de projetos e oportunidades em potencial que, em qualquer outro pais, encontrariam recursos e seriam realizados4. Isso é uma excelente noticia. A experiência em outros paises em desenvolvimento mostra que o problema mais difícil de resolver é a falta de projetos e oportunidade rentáveis. Esse, por exemplo, é o caso de muitos paises africanos. Seguindo o esquema de Rodrik, um país que tenha um custo alto o terá por duas razões básicas: falta de poupança ou problemas na intermediação financeira. Nos parece que o Brasil sofre ambos os problemas. Em termos da intermediação financeira, o baixo nível de competição no setor bancário, como a forma de tributação do setor e o nível de depósitos compulsórios, todos contribuam para as altíssimas spreads no crédito bancário. Temos que também ver a função critica do BNDES no sistema financeiro nacional, com seus indiscutíveis benefícios, mas também gerando distorções, como veremos mais adiante. Concluímos que o principal problema estrutural da economia brasileira é a falta de poupança doméstica que contribui para as altíssimas taxas de juros e as baixas taxas de investimento. Essa conclusão também nos ajuda entender porque a economia brasileira cresceu de forma mais acelerada nesses últimos anos. O aumento nas nossas exportações assim como a maior oferta de crédito e investimentos internacionais ao Brasil foram equivalentes ao aumento de poupança disponível (ou alternativamente um aumento na oferta agregada). Por isso o fim desse cenário benevolente vai, se nada mais for feito, levar o Brasil a voltar a ter um crescimento medíocre. O que, então, fazer para aumentar os níveis de poupança e baixar a taxa de juros reais no ambiente doméstico e internacional em que estamos e devemos ter nos próximos anos? Antes de chegar nas nossas propostas, teremos que fazer um “investimento intelectual” para entender três questões: 1. Qual a função da taxa de juros na economia e como funciona a política monetária? 2. Qual o papel das expectativas na política monetária? Com essas repostas e o cenário internacional, vamos chegar, naturalmente, a uma possível agenda para começar a resolver a questão estrutural da economia brasileira.

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Isso mostra que, diferente do que afirma muitos economistas heterodoxos/keynesianos, o Brasil sofre de uma crônica falta de oferta agregada/poupança, e não falta de demanda agregada.

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- Qual a função da taxa de juros na economia e como funciona a política monetária? No debate econômico Brasileiro é comum tratar a taxa de juros como sendo a decisão autônoma do Banco Central. Mas enquanto é verdade que o BC pode determinar o valor nominal da taxa de juros de curto prazo, o valor real da taxa de juros, como a estrutura a termo, é resultado endógeno do equilíbrio geral da economia. Nesse equilíbrio geral a taxa de juros serve vários papeis. Porém queremos nos concentrar em uma função especifica que vai nos ajudar mais adiante. Uma maneira de entender a função do dinheiro na economia é vê-lo como um tipo especial de insumo para atividades produtivas. Enquanto geração de caixa varia de empresa para empresa, o sistema produtivo como um todo é tomador de caixa/crédito, já que precisa mobilizar recursos hoje para investir e (talvez) lucrar depois. O tempo necessário para investir implica na necessidade de adquirir recursos financeiros para mobilizar recursos reais ao longo do tempo e a taxa de juros é essencialmente o preço do dinheiro no tempo, a remuneração pela espera e o risco envolvido. Esse canal, que poderíamos denominar de canal wickselliano5, é essencial para a que a política monetária funcione. Uma alta na taxa de juros nominal aumenta o custo desse “insumo” essencial. Já que o retorno do investimento é a diferença, em termos de valor presente, entre a receita e o custo, um aumento no custo torna inúmeros projetos inviáveis, o que diminui o nível de investimento e da demanda agregada6. A razão de pensar na política monetária dessa maneira é de chamar atenção para um paralelo entre essa e a política fiscal/tributária. Qualquer coisa que afeta diretamente os retornos dos investimentos, como o custo de tomar crédito para tornar presente o consumo futuro, funcionaria da mesma forma que a política monetária. - Qual o papel das expectativas na política monetária? Um dos paradoxos da política monetária é como pequenos movimentos nas taxas de juros “básicas” afetam a atividade econômica como um todo. Isso fica mais claro nos paises desenvolvidos, onde as mudanças nas taxas de juros são muita vezes incrementos de 0.25% e estendida por muito tempo. 5

O economista sueco Knut Wicksell defendeu uma teoria do ciclo econômico como sendo resultado de diferenças entre a taxa real de juros e a taxa monetária de juros. Uma taxa monetária menor que a taxa natural levaria a um aumento nos investimentos, mas a risco de um superaquecimento da economia. Sua visão hoje é importante componente da economia monetária moderna, que alguns economistas chegam a chamar de neo-wickselliana. 6 Por diminuir o valor presente de uma soma futura, um aumento na taxa de juros também tem um efeito restritivo.

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A resposta está na função das expectativas, hoje reconhecida como o principal canal pelo qual a política fiscal funciona. Se fosse, via o que denominamos de “canal wickselliano”, a questão de impor diretamente às empresas mudanças em seus custos grandes o suficientes para afetar o nível da demanda agregada, deveríamos constatar mudanças muito maiores no nível de juros. Isso não acontece porque os agentes econômicos entendem que quando um banco central aumenta o juros, ele esta sinalizando a ameaça crível de, se for necessário, fazer exatamente isso: impor seja qual for a aumento de custo necessário para equilibrar a demanda agregada. Se o banco central goza de credibilidade, tal ameaça será o suficiente para fazer os agentes diminuir seus níveis de investimento e consumo, diminuindo assim o nível de demanda agregada. Em tese, um banco central que goza de credibilidade perfeita nunca teria que aumentar a taxa de juros, porque os agentes econômicos nunca iriam adotar comportamentos que desequilibrem a demanda agregada. O papel das expectativas vai muito além da política monetária. Como mostramos no nosso livro “Globalização e política; de FHC a Lula”, a principal razão por trás do sucesso do Plano Real não foi, como é comum argumentar, a utilização da URV no período de transição entre a moeda antiga e a nova. O principal motivo foi que o projeto presidencial de FHC, lançado junto e devido ao Plano, gerou a expectativa que iriam ser implementadas reformas econômicas no futuro governo e que essas iriam dar respaldo à nova moeda. Se, por exemplo, por alguma razão Lula tivesse ganho em 1994, podemos ter quase certeza que este Plano, com sua URV, teriam tido o triste fim dos planos anteriores. Vamos, na nossa proposta abaixo, fazer um estrito paralelo entre o que estamos propondo e o Plano Real, no sentido de atrelar o próprio “plano” de baixar a taxa de juros reais e mudar o padrão de poupança, consumo e investimento do Brasil ao projeto político de 2010, como Plano Real foi, na nossa análise, atrelado ao sucesso do projeto político tucano de 19947. 5. Um Plano para 2010 Está na hora de somar as nossas conclusões:

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Tecnicamente eu defendo que a economia brasileira esta “atolada” em um equilíbrio econômico perverso, mas estável, de juros alto, cambio valorizado, poupança e investimentos baixos e, por conseqüência, crescimento baixo. Mas esse equilíbrio, apesar de estável (no sentido que apesar de sofre choques positivos e negativos, a tendência é voltar a essa situação) não é único. Existe um outro equilíbrio com juros mais baixos, mais investimento e poupança e mais crescimento. Meu argumento é que a crise atual representa um choque tão profundo, que podemos, e vamos, transitar para um nível de juros real bem menor sem afetar negativamente a inflação. A questão política é que tipo de mudanças na política econômica, inclusive nas instituições envolvidas, para lastrear esse novo equilíbrio benéfico, e torná-lo estável.

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Primeiro, concluímos que a crise externa pelo qual o mundo passa deve ter longa duração. Tanto o processo de “pagar” as perdas do setor financeiro, como as mudanças no padrão de relação econômica entre as economias chave, deve demorar muito tempo. Segundo, vimos que na “era Lula”, a política econômica foi basicamente passiva frente aos choque positivo advindo da bolha de credito global e vimos por quais mecanismos esse choque se propagou e foi amplificado pela economia e como esses mesmos mecanismos estão funcionado “ao contrario” na crise atual. Vimos também que o maior entrave ao crescimento do caso brasileiro é uma falta estrutural de poupança que tem nas altas taxas de juros seu maior sintoma. Examinamos também a função da taxa de juros, da política monetária, e das expectativas na economia. Em relação ao futuro imediato podemos concluir que não devemos esperar que, como aconteceu nesses ultimo anos, que o fator “dinâmico” do nosso crescimento seja a demanda externa ou a provisão de poupança externa. Isso coloca o seguinte desafio: seria possível substituir o impulso externo por fatores internos? Acreditamos que a resposta seja sim. Na nossa análise da economia na era Lula, vimos que o choque externo teve dois tipos de efeitos benéficos sobre a economia brasileira. Primeiro, um efeito de maior demanda, que subsequentemente gera os efeitos positivos do multiplicador de renda. Segundo, pela maior oferta de poupança externa. Da onde poderia vir maior demanda? Isso é a parte fácil. O Brasil tem, pelo seu padrão concentrado de renda, demanda reprimida de sobra em largas camadas da população. O problema é como movimentar a poupança interna para poder atender essa demanda. De fato essa mesma demanda reprimida é uma das razões pelos baixíssimos níveis de poupança domestica. Para resolver essa aparente insuperável dificuldade, deveríamos perceber que a crise atual oferece uma oportunidade ideal para atacar um dos principais entraves da economia brasileira: a alta taxa de juros. Por que? A taxa de juros real no Brasil é, como argumentamos acima, o resultado do equilíbrio geral da economia. Este equilíbrio é determinado por fatores estruturais e conjunturais. Os fatores estruturais, entre eles destacamos o nosso padrão de consumo, poupança e investimento, determinam que a taxa de juros “média” seja muito alta em termos reais. Mas agora, por conta da crise, os fatores conjunturais, nesse caso o choque negativo e sua propagação pelos

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mecanismos que examinamos acima, determina uma abrupta queda na taxa de juros. Portanto, a taxa de juros de equilíbrio hoje, no ambiente de crise, deveria ser muito menor que a taxa de juros com qual a economia brasileira normalmente convive. Isto é, a crise atual oferece uma oportunidade de baixar fortemente a taxa de juros, tanto em termos nominais como em termos reais sem afetar negativamente a inflação. Mas e isso seria a obvia objeção a qualquer tentativa de tentar baixar a taxa de juros radicalmente, o que vai acontecer quando os efeitos da crise se dissiparem e a demanda agregada reaquecer? A taxa de juros simplesmente não aumentaria? Sim, a não ser que fosse criado um mecanismo crível de controle de demanda para tomar o lugar da política monetária. Nossa sugestão: uma política fiscal fortemente anticíclico, mas com certas características específicas. Nesse viés, sugerimos: 1. Um amplo acordo legal para, durante um período de dois anos, dar ao governo federal os seguintes poderes discricionários: • Reduzir, sem necessidade de aprovação prévia, o nível dos gastos vinculados ao Orçamento; • Mudar, sem observar o principio de anuidade, qualquer alíquota de tributo; • Permitir a criação de tributos setoriais. Setores que apresentassem níveis exagerados de expansão ou pressionassem o nível de preços poderiam sofrer uma taxação adicional; 2. A apresentação e aprovação de um texto legal que determinasse, mesmo que temporariamente pelos mesmos dois anos anteriores, que, apartir de uma projeção dada, todo o ganho de receita nominal advindo da queda de juros ou aumento de arrecadação fosse dirigido integralmente para o abatimento a divida publica federal; Essas duas propostas gerariam, à favor do governo federal, a “ameaça crível” que mencionamos anteriormente, assinalando que, se houvesse um desequilíbrio de demanda, háveria ferramentas disponíveis para, via corte de despesas/aumento de receita, aplicar um juste na economia cujo efeito seria equivalente ao aumento das taxas de juros pelo Banco Central, criando um novo e temporário instrumento de política econômica, dentro dos marcos do regime democrático, porque pactuado. Aqui queremos assinalar que, como no caso da política monetária, a idéia é dar ao governo um inédito grau de liberdade e poder discricionário de tal

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forma que, via o canal das expectativas, tais mecanismos não necessitem ser utilizados de forma aprofundada, mas que sinalizem a intenção. Se executado de forma crível, isto é, se houver, via o projeto político de 2010, a crença que tais medidas serão de fato aplicadas, se houver o devido respaldo político, as medidas efetivas provavelmente não terão que ser acionadas. A seqüência lógica dessa proposta então é: 1. Aproveitar a crise atual para fortemente abaixar a taxa de juros (o que implica evitar tentativa de forte expansão fiscal anticíclica); 2. Aprovar essas medidas (ou, como em 1994, lançar um projeto político sustentável que tenha nessas medidas uma de suas base). Com essa “ameaça crível” a economia vai começar a funcionar com um nível de juros real “médio”, de equilíbrio, muito menor do que a atual. As medidas fiscais seriam um mecanismo de transição do atual equilíbrio “maléfico” com altas taxas de juros para um novo equilíbrio “benéfico” com juros menor. No Plano Real, a combinação da URV e das expectativas sobre a provável política econômica do futuro governo FHC serviram para a mesma função. Embora uma política fiscal fortemente anticíclica seja na nossa proposta um mecanismo chave para ajudar a economia passar do atual equilíbrio para um novo, a verdade é que ainda assim teremos que gerar mais poupança doméstica para poder, agora no novo nível de juros, atender a demanda por todos os novos projetos de investimento que, neste momento, passarão a ser viáveis. Essa é a razão da extensão do raciocínio. Uma forte queda no nível de juros real deve, por conta da queda da “conta juros”, gerar recursos excedentes. Garantindo que tais recursos não serão gastos pela expansão do Estado além do que foi projetado, serão liberados recursos para o crescimento dos investimentos privados através dos mecanismos clássicos da economia. Alertamos que no conceito de “projetado” acima mencionado inclui-se um orçamento de investimentos públicos crescentes, que, de fato, deve ser a contrapartida pública ao aumento do investimento do setor privado. Nesse mesmo sentido, acreditamos que outras medidas complementares devem ser adotadas, todas elas dando força ao ajuste da poupança doméstica, garantindo os mecanismos institucionais para efetuar a transição desejada e criando mecanismos anticíclicos: 1. O Banco Central manteria a política de metas de inflação. Mas a essa serão adicionadas duas tarefas pelas quais o colegiado da instituição deveria responder ao Congresso e ao Executivo:

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Minimizar, via regulamentação dos fluxos de capitais e intervenções de mercado, a volatilidade da taxa de câmbio; • Executar uma política de regulação “anticíclica”, por exemplo, aumentando o nível de capital exigido às instituições bancárias em função do crescimento de suas carteiras de crédito; 2. Atribuir ao CMN, composto pelos Ministros da Fazenda, do Banco Central e do Planejamento, a função de, semestralmente, gerar um relatório publico a ser apresentado ao Congresso Nacional sobre as perspectivas da economia, tendo como meta, maximizar o crescimento econômico dada a meta de inflação em vigor. Essa instância será responsável pela coordenação das políticas fiscal, monetária e cambial visando assegurar que o crescimento seja, também, meta da política econômica; 3. Reformular as alíquotas dos tributos para, dentro de parâmetros de retorno considerado sustentáveis, não taxar retornos sobre investimentos produtivos (renda variável e fundos de infra-estrutura). Mas, acima desses níveis, a alíquota aplicada dever subir fortemente; 4. Tornar o IRPF progressivo, aumentado o numero de alíquotas; 5. Criar a possibilidade para a repatriação de fundos não declarados por brasileiros no exterior, desde que esses sejam aplicados em investimentos produtivos (renda variável e fundos de infra-estrutura); 6. Taxar, de forma progressiva, a transferência de patrimônio entre gerações; 7. Aumentar a isenção fiscal para aplicações em previdência privada; 8. Reformular as alíquotas para contribuições ao FGTS, FAT etc para torná-las progressivas, aumentando o nível de poupança compulsória; 9. Reformular a fixação da TJLP para este ser aplicada de forma anticíclica; 10. Criar, para incentivar o hábito de poupança entre pessoas de baixa renda, a “Conta Educação”. Para toda criança até uma certa idade, o governo depositaria em uma poupança de banco federal uma quantia de dinheiro que pode ser usada por essa criança, no futuro, para custear sua educação. A partir daí, toda a quantia depositada nessa conta pela família teria uma contrapartida depositada pelo governo, observando um limite anual e total, que poderia variar com o nível de renda da família. A quantia poderia ser sacada quando o beneficiário entrar em faculdade ou escola técnica reconhecida pelo governo. A Conta Educação pode também ter o efeito benéfico de aumentar na percepção popular a importância da educação, como prover fundos para tal e aumentar os investimentos privados no setor. A “Conta Educação” poderia ser a parte dessa proposta com intuito mais social, servindo de óbvio contraponto às “bolsas” atuais. A mais óbvia diferença é que, nesse caso, a família vai ser chamada a dar sua contribuição, rompendo os limites do mero assistencialismo.

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6. Conclusões A situação pelo qual o Brasil está passando talvez venha a ser a pior em muitas décadas. Por um breve período histórico, durante o até aqui sortudo governo Lula, o Brasil viveu dias de gloria e euforia. Mas esses dias acabaram. E, se nada for feito, voltaremos à mediocridade dos anos pré-bolha. A saída desse dilema é perceber que a crise carrega em si uma oportunidade. Podemos aproveitar o forte impulso cíclico negativo externo para baixar o nível de juros real da economia a níveis inéditos. Tal movimento deve, dada a forte demanda reprimida, por si só já coloca o Brasil em um ciclo de crescimento dependente em fatores internos, domésticos. Tal movimento tem seus precedentes históricos: nos anos 30, em reação a crise internacional o Governo Vargas. O governo Lula parece ter uma idéia similar. Mas para este governo, dado o calendário eleitoral, isso deve ser pela irresponsável expansão da política fiscal mais elementar e o perigoso uso, porque feito sem consistência, de bancos e empresas estatais. O que propomos aqui é um elenco de medidas que colocam o setor privado nacional, e não o governo, como motor do crescimento. Procuramos apresentar mecanismos para assegurar a sustentabilidade de um novo equilíbrio da taxa de juros em um ambiente de crescimento maior, impulsionado pela demanda interna. Prepusemos políticas fiscais e tributárias de caráter anticiclico. Alíquotas de imposto progressivas não só são mais justos, mas servem uma função anticíclica, também. Aumentamos o nível de poupança pública, advindo basicamente pela queda da “conta juros” e não de corte de gastos, liberando recursos para o setor privado crescer. Criamos, com a Conta Educação um mecanismo para educar a população nos benefícios tanto de poupar, como da importância da educação, e fizemos com isso um contraponto a agora tão popular “bolsa” do atual governo. Geramos um nível, hoje inexistente, de coordenação das políticas macroeconômicas, para poder colocar o crescimento, e não somente a inflação, como meta de Estado. O Brasil sofre de inúmeros problemas sociais. O que os últimos anos demonstraram, é que não há melhor solução a esses problemas que o crescimento econômico. Acreditamos que hoje existe uma alternativa entre a dependência do Brasil de uma situação externa benigna e o crescimento medíocre. Tony Volpon 26 de janeiro de 2009

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