A criminologia é um conjunto de conhecimentos que estudam os fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade do delinqüente e sua conduta delituosa e a maneira de ressocializálo. BIOLOGIA criminal Pode-se dividir a criminologia em dois grandes ramos: o da biologia criminal e o da sociologia criminal. Estuda-se na Biologia Criminal o crime como fenômeno individual, ocupando-se essa ciência das condições naturais do homem criminoso no seu aspecto físico, fisiológico e psicológico. Inclui ela os estudos da antropologia, psicologia e endocrinologia criminais. A Antropologia Criminal, criada por César Lombroso, preocupa-se com os diferentes aspectos do homem n que concerne à sua constituição física, aos fatores endógenos e à atuação do delinqüente no ambiente físico e social. A Psicologia Criminal trata do diagnóstico e prognóstico criminais. Ocupa-se com o estudo das condições psicológicas do homem na formação do ato criminoso, do dolo e da culpa, da periculosidade e até do problema objetivo da aplicação da pena e da medida de segurança. A Endocrinologia Criminal é a ciência que estuda as glândulas endócrinas e a sua influência na conduta do homem. SOCIOLOGIA CRIMINAL Tomando-se o crime como um fato da vida em sociedade, a sociologia criminal estuda-o como expressão de certas condições do grupo social. Bem jurídico, no direito penal, refere-se ao direito fundamental que serve de base material para a tipificação de tipos penais. Exemplos: direito à vida, à liberdade, à honra, à propriedade, etc. É com base nos bens jurídicos que os crimes são elencados no Código Penal: crimes contra a vida, contra a honra, contra o patrimônio, etc. BEM JURÍDICO E DIREITO PENAL O ideal dos iluministas, de uma ordem jurídica de poucas, claras e simples leis, e a prescrição do artigo 8º da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto de 1789, de que as penas devem ser tão-somente as estrita e evidentemente necessárias, não vingaram no RechtsStaats. Não havia decorrido trinta anos de implantação do Estado iluminista e já se falava na necessidade de disciplinar a atividade criminalizadora do legislador. Em um trabalho datado de 1819, Carl Joseph Anton Mittermaier enfatizava ser um dos erros fundamentais da legislação penal de seu tempo à excessiva extensão dessa legislação, e que a criação de um número avultado de crimes era uma das formas em que se manifestava a decadência não só do Direito Criminal, mas da totalidade da ordem jurídica1. A necessidade de conter os excessos criminalizadores dá origem ao entendimento de que o Direito Penal tem por objeto não a tutela de direitos subjetivos2, mas a de bens jurídicos. E o pioneiro de tal enfoque, Johann Michael Franz Birnbaum, em trabalho aparecido em 1834 3, preconizou que a tutela penal devia ter por objeto bens jurídicos, e tão-somente bens jurídicos materiais, a eles se limitando. Todavia, no correr do século XIX, irá se sustentar que a proteção do Direito Penal se estende além dos bens de natureza corpórea, incluindo-se na sua área, também, bens imateriais. E, no correr do século XX, os chamados penalistas alemães neokantianos, principalmente Richard Honig, irão confundir o bem jurídico com o fim da norma incriminadora, e desse modo frustrar os propósitos de fazer do bem jurídico um instrumento de disciplina e de contenção da atividade criminalizadora4. No segundo após guerra desse século, manifesta-se, por diversas razões, uma acentuada tendência no sentido da reformulação da legislação penal. E como consectário ressurge o interesse em torno da temática do bem jurídico. Procura-se superar a perspectiva neokantiana, buscando um conteúdo definido para o bem jurídico. Surgem então os enfoques funcionais e sistêmicos. Hans Welzel, em estudo datado de 1939, diz que na realidade, só há bens jurídicos na medida em que eles atuam na
vida social, e sua ação está receptivamente na mesma. Vida, saúde, propriedade, etc., são relevantes para o Direito Penal, mas enquanto consistem em um "ser em função", ou seja, enquanto exercem efeitos sobre a coesão social, e dela recebem efeitos5. Hans Joachim Rudolphi, em conhecida monografia, vai além de Hans Welzel, afirmando que o bem jurídico não é um ser em função, mas a própria função social em si. Para Rudolphi, o substrato jurídico da propriedade, por exemplo, está na função da coisa em sua correspondência jurídica com o proprietário, que abre a este a possibilidade de determinado domínio. Daí serem os bens jurídicos para o mencionado mestre tedesco unidades funcionais constitutivas de nossa vida social6. Gunther Jakobs, por sua vez, escreve que o bem jurídico consiste no uso e desfrute de uma situação valorada positivamente. Exemplo: o bem jurídico sobre o que recai a propriedade não é a coisa sobre o que recai a propriedade, mas a relação de possibilidade de uma utilização entre proprietário e coisa. Os bens jurídicos, para o penalista alemão referido, são objeto em sua relação com as pessoas, unidades funcionais valiosas, potenciais ou participativas, isto é, condições de possibilidade de participar da interação social7. Outro e diferente enfoque é o de Knut Amelung. Partindo da concepção sistêmica, cujos formuladores mais notórios são o sociólogo Parson e o jusfilósofo Luhman, a sociedade é entendida como sistema global de interações. Nessa, o Direito é um dos subsistemas, cuja tarefa fundamental é garantir a existência do sistema como um todo. E o Direito Penal é o instrumento mais importante no subsistema jurídico, pois através da pena assegura a conservação do sistema contra fatos de alta nocividade social. Partindo de uma concepção que vê a sociedade como um sistema de interações, onde o Direito Penal integrando o subsistema jurídico é o instrumento para debelar fatos gravemente nocivos, que põem em perigo a funcionalidade do sistema e a sua própria existência e conservação. Daí ser o delito, para Knut Amelung, um fenômeno que obstaculiza o funcionamento do sistema social. E, nesse quadro, os bens jurídicos seriam as funções necessárias para a conservação do sistema social8. Outro e interessante repensamento da teoria do bem jurídico deve-se a Winfred Hassemer. Parte esse mestre tedesco do fato de que certos comportamentos em uma determinada sociedade são considerados intoleráveis, de molde a merecer a repressão penal. Esta, pois, está vinculada a valorações que a sociedade faz dos objetos que os referidos comportamentos lesam ou põem em perigo. Essas valorações, por sua vez, são produtos de três fatores: a freqüência desses comportamentos, a intensidade da necessidade da preservação do objeto merecedor da tutela e a intensidade da ameaça contra esse. Esses fatores, no entanto, apresentam-se diversamente, com nuanças próprias em cada contexto social e em cada momento histórico. Para a individualização do bem jurídico não é fundamental a posição objetiva do bem, mas a sua valoração subjetiva, com as variantes dos contextos sociais nos quais ele aparece9. 2 CRIMINALIZAÇÃO E BENS CONSTITUCIONAIS. TEORIAS DE CARÁTER GERAL. TEORIAS DE CONSTITUCIONALIDADE ESTRITA Todos esses enfoques, seja os que encaram o bem jurídico enquanto preexistente à própria ordem jurídica, como os que acentuam a sua natureza funcional ou sistêmica, primam pela carência de concretitude, posto que não definem conteúdos, ou seja, não dizem, por exemplo: quais as unidades sociais de função ou quais das disfunções afetam a conservação do sistema, e o quantum de nocividade social das mesmas. Em verdade, como acentuou Ferrando Mantovani, o bem jurídico tem sido reduzido à categoria formal que os diferentes Estados usam para tutelar os bens que entendem, na ótica ideológica de cada um, mais relevantes e necessários de preservação. Não exerce, por essa razão, a função limitadora da criminalização para tornar-se tudo o que o legislador pretende tutelar10. Para superar esse quadro e buscar o embasamento que permita uma determinação dos bens jurídicos merecedores da tutela penal, limitando inclusive essa ação tutelar, surgiu nestes últimos decênios o que se pode definir como um processo de constitucionalização dos bens jurídicos penais. É nas constituições que o Direito Penal deve encontrar os bens que lhe cabe proteger com suas sanções. E o penalista assim deve orientar-se, uma vez que nas constituições já estão feitas as valorações
criadoras dos bens jurídicos, cabendo ao penalista, em função da relevância social desses bens, têlos obrigatoriamente presentes, inclusive a eles se limitando, no processo de formação da tipologia criminal. Esse endereço é hoje dominante, notoriamente na doutrina jurídico-penal alemã e italiana. Espelha bem essa situação a definição dada por Franco Bricola ao delito: um fato lesivo de um valor constitucional, cuja significação se reflete sobre a medida da pena11. Essa constitucionalização do bem jurídico tem-se apresentado com diversas nuanças, que se podem agrupar em duas correntes12. Uma, de caráter geral, vinculando a criação do tipo penal aos princípios fundamentais presentes na organização do Estado, como previstos nas constituições. Expressa bem essa orientação a posição de Rudolphi, quando ensina que a busca dos bens jurídicos há de partir de uma precisa determinação da sociedade estatal como se desenvolve no marco da Constituição, assim como também de uma profunda análise da vida social, dentro da Constituição, que deve proteger-se de danos e perturbações. Destarte, segundo o penalista alemão, a tarefa do Direito Penal, desde o ponto de vista da decisão valorativa contida na Constituição, consiste em proteger as funções sociais, e os mecanismos eficazes necessários para manter a sociedade em face dos danos e perturbações que a podem ameaçar13. Como conseqüência, conclui o mestre de Bonn, todos os comportamentos que não perturbam as funções, e, pois, não exercem um efeito nocivo sobre os organismos sociais, ficam fora das proibições jurídico penais. Outras, ditas teorias constitucionais estritas, entendem que o legislador penal encontra nas constituições prescrições específicas e explícitas nas quais estão presentes os bens jurídicos a serem recebidos na ordem jurídico penal. É a linha adotada notadamente na doutrina italiana, e que tem como seus autorizados representantes Franco Bricola, Francesco Angioni, Enzo Musco e Francesco Palazzo14. 3 AS PROIBIÇÕES CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO A limitação da busca dos bens jurídicos passíveis de criminalização no âmbito dos bens constitucionais tem suscitado algumas objeções. Tem-se argüido que podem aparecer, após a edição dos textos constitucionais, novos bens que, pela sua relevância, estão a exigir a proteção penal. É realmente uma situação ocorrente. Na Itália e na Alemanha, cujas constituições datam de 1947 e 1948, não foi prevista, nas referidas constituições, uma série de bens que ganharam importância como decorrência, entre outras causas, do trepidante progresso tecnológico da segunda metade do século. Bens como o meio ambiente, a privacidade pessoal, mercê de uma desordenada industrialização e da invenção e aperfeiçoamento de aparelhos eletrônicos, foram e vêm sendo alvo de agressões a exigir a tutela penal. E tais bens não estão presentes nas constituições italiana e alemã. Em face da procedência das objeções, tem-se sustentado que, embora possam emergir da realidade social bens não valorados nas constituições, e supervenientes à data do início de vigência das mesmas, e que estão a exigir a proteção penal, esta há de fazer-se sem conflito com os princípios constitucionais. É de sustentar-se também que a criminalização desses bens não previstos nas constituições não só não podem entrar em conflito com essas, como nelas encontram para a criminalização limitações insuperáveis. E isso porque nos textos constitucionais a criminalização encontra proibições expressas, bem como vedações implícitas. Nesse sentido é a lição de Emílio Dolcini e Giorgio Marinucci. Como acentuam esses mestres de Milão, a criminalização encontra fronteiras insuperáveis nos princípios fundamentais da Constituição que a mesma enumera ora na base de disposições de âmbito geral, bem como em normas relativas a específicos setores e áreas15. As constituições, portanto, não apenas são o repositório principal dos bens passíveis de criminalização, mas também contêm princípios relevantíssimos que modelam a vida da comunidade e que, para usar a linguagem dos constitucionalistas, constituem cláusulas pétreas, embasadoras do sistema constitucional, insuscetíveis de serem revistas. E a presença dessas cláusulas e dos direitos
que elas consagram e delas derivam marcam limites que o legislador ordinário, principalmente em matéria penal, não pode transpor. A criminalização há de fazer-se tendo por fonte principal os bens constitucionais, ou seja, aqueles que, passados pela filtragem valorativa do legislador constitucional, são postos como base e estrutura jurídica da comunidade. E, embora o legislador criminal possa tutelar com suas sanções bens não previstos constitucionalmente, só o pode fazer desde que não violente os princípios básicos das constituições. Destarte, é nas constituições que a criminalização há de encontrar preponderantemente os bens que lhe cabe tutelar. Mas, ainda quando protege com suas sanções bens não-constitucionais, não o pode fazer em conflito com os princípios constitucionais, neles encontrando definitiva fronteira. As constituições, portanto, são para as criminalizações sua base e seu limite. 4 SELEÇÃO DOS BENS CONSTITUCIONAIS VISANDO À CRIMINALIZAÇÃO. O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA Como já foi acentuado, o legislador penal não encontra nos textos constitucionais um elenco definido e organizado dos bens que lhe cabe tutelar. Incumbe-lhe a tarefa de seleção, dentre os bens constitucionais, daqueles que deve proteger com suas sanções. É seu mister, nessa tarefa, definir os critérios que devem orientá-lo. De um lado, necessária se fez uma valoração da relevância do bem, ou seja, sua significação e importância. De outro lado, há de ter presentes as variadas formas com que podem ocorrer as lesões a tais bens, selecionando as mais graves. E, dentre essas, as em que necessária se faz a intervenção penal por insuficientes as outras sanções que a ordem jurídica dispõe para uma adequada tutela. O critério básico, portanto, desse processo de escolha, há de guiar-se pelo princípio da ultima ratio que, partindo da relevância do bem e da gravidade da lesão ao mesmo, faz com que se torne necessária a intervenção penal. Convém enfatizar que inquestionavelmente estão a merecer a tutela penal os bens ditos primários, indispensáveis à própria existência da sociedade, tais como a vida, a integridade corporal, a segurança e similares. E ainda outros cuja inviolabilidade as constituições democráticas consagram, por constituírem as bases da estrutura jurídica urdida pelo perfil ideológico que fundamenta tais constituições. É o caso de bens como a liberdade, a propriedade e semelhantes. É de ressaltar-se que a tutela de tais bens é feita na legislação penal de forma direta, mas também de forma indireta e mesmo preventiva. Essa última se impõe por meio da punição de fatos que constituem uma atividade prefacial – a agressão ao bem jurídico relevante – e que se não forem contidos tornam inócua a tutela do bem jurídico, pois se inexistentes essas criminalizações de tutela prévia, resultaria inviável a proteção efetiva dos bens jurídicos relevantes. A proteção penal, pois, faz-se pela criminalização protetora do bem jurídico constitucional, tutelando-o não só diretamente, mas, às vezes, por necessário, penalizando condutas preparatórias que se não enfrentadas tornariam inócua a proteção do bem jurídico fim. Nesse caso a proteção penal se antecipa, criminalizando situações que põem em perigo o bem jurídico. Francesco Palazzo colaciona como critérios que devem orientar o legislador na criminalização dos bens jurídicos constitucionais a fragmentariedade e a proporcionalidade. Tais critérios em verdade deduzem-se do princípio da ultima ratio. Limitando a criminalização somente à proteção de bens relevantíssimos, os ilícitos penais não abrangem a totalidade da área da ilicitude, constituindo apenas fragmentos da mesma. E sendo a reação penal a ultima ratio, ela não pode ultrapassar na qualidade e na quantidade da sanção ao dano ou perigo causado pelo crime. Há de ser proporcional, ou seja, estrita e evidentemente necessária. Ou, em outros termos: o Direito Penal é fragmentário e proporcional porque somente se justifica a sua tutela quando se verifica a sua estrita necessidade16. 5 A POSTURA POLÍTICO-JURÍDICA DO PENALISTA CONTEMPORÂNEO. O SENTIDO DA OPÇÃO CONSTITUCIONAL NA ESCOLHA DOS BENS JURÍDICOS PENAIS
Essa preocupação de disciplina da criminalização, bem como da descriminalização, por parte dos penalistas de nossos dias, deu margem a que se falasse na existência de um "idílio" entre a dogmática e a política criminal17. A rigor, essa invasão dos penalistas no domínio do jure condendo é um imperativo decorrente da crise da ordem jurídica. O universo normativo vigente, particularmente o penal, está a exigir um excepcional esforço para se ajustar às necessidades emergentes do trepidante progresso científico e tecnológico que marca o dia-a-dia do mundo contemporâneo. E esse imperativo fez com que o jurista, especialmente o penalista, deixasse de ser apenas um intérprete da lei e passasse a dar sua contribuição para a renovação da ordem legal. Para usarmos a linguagem de Manoel Rivacoba y Rivacoba, a análise dogmática encontra-se em repouso, e o criminalista assume cada vez mais uma postura políticojurídica. O jurista, notoriamente o penalista, está deixando de ser, como enfatiza Paolo Grossi 18, um personagem passivo, mero analista do Direito positivo existente, simples intermediário entre a lei já elaborada e esses usuários. Está preferencialmente empenhado a desempenhar uma missão criadora, ou seja, a de colaborar na feitura de um renovado sistema penal. Está, para usarmos uma bela frase de Miguel Reale, fazendo com que as instituições do jus contendum prevaleçam sobre as tranqüilas ponderações do jus conditum19. E extraordinariamente auspicioso é que se busque realizar essa renovação, com o embasamento nas constituições. E isso porque um Direito Penal respaldado nos textos constitucionais será certamente um Direito Penal imune a uma regressão às kalendas pré-beccarianas. O buscar nas constituições os bens a tutelar e a sujeição da criminalização aos limites impostos pelas constituições têm um sentido bem profundo. Constituem uma garantia de que é possível, e far-se-á um Direito Penal respeitoso da dignidade humana. 1 Direito penal e sociedade; 2 O Direito Penal como subsistema jurídico; 3 As funções do Direito Penal; 3.1 O controle social; 3.2 Funções político-normativas. 1 DIREITO PENAL E SOCIEDADE A vida em sociedade é uma marca da civilização. O existir humano no mundo desenvolveu-se ao longo da história através de mecanismos de convivência social, organizada sob diversos símbolos e códigos. A vida em sociedade mais e mais foi se mostrando encadeada em torno de símbolos e de códigos de convivência (religiosos, de etnia, geográfico-culturais etc), e isso de uma maneira tal que se pode falar na existência de um sistema de vida em sociedade – de um sistema social. O Direito contemporâneo compõe o sistema social, e dentro dele é um subsistema - faz parte das relações sociais (sistema social), mas possui uma matriz própria (símbolos e códigos próprios), ou seja, a normatividade (subsistema social). A teoria e a prática jurídicas são definidas e organizadas em torno do paradigma da normatividade – ou seja, o objeto básico do Direito são as normas jurídicas. É a partir da normatividade que o Direito interage com outras ‘áreas’ do sistema social. Social e politicamente pensado, é inegável o papel de controle social exercido pelo Direito (também, em específico, pelo Direito Penal). Na história da humanidade, o Direito funcionou e funciona sempre, em alguma medida, como um modo de relativizar as tensões sociais que nascem ou poderiam nascer dos conflitos interindividuais ou intergrupais, apresentando-se a solução jurídica como um mecanismo pretensamente racional e evoluído para a solução dos conflitos. Nesse sentido, o papel exercido pelo Direito Penal seria singular (mais simbólico do que material): trataria ele daquelas situações em que as pessoas extrapolam os limites do razoável, agindo no exercício de sua liberdade com tal demasia que os danos a direitos de terceiros teriam uma magnitude maior. Por decorrência disso, a resposta jurídica não poderia ser de mediação de interesses, mas sim de punição dos ‘desvios’. É interessante perceber que esse papel simbólico tem ficado enfraquecido nas últimas décadas (embora continue tendo relevância), em que se desnuda a inflação legislativa penal (exagero de figuras previstas como crimes) e a inoperância do sistema penal para responder às condutas criminosas.
Essa percepção do Direito Penal enquanto fenômeno social não deve, entretanto, ser limitada a visuá-lo como mero instrumento de controle da sociedade. Ele paralela e paradoxalmente funciona como garantia de direitos que são cada vez mais estendidos (mesmo que plano meramente formal, normativo) a todos os indivíduos. Desse modo, o Direito é palco de contradições dialéticas de funções (controle e garantia), contradições essas que devem ser solucionadas na conjunção de sua análise externa (filosofia política do Direito) - priorizando o ideal de um Estado Democrático Social de Direito(2) - com sua análise interna, priorizando a supremacia dos direitos humanos. 2 O DIREITO PENAL COMO SUBSISTEMA JURÍDICO Internamente pensado, em relação às suas áreas específicas (penal, civil, tributário etc) o Direito é um sistema próprio, um sistema jurídico com vários subsistemas, pelos quais a proteção aos direitos humanos transita e exerce (ao menos potencialmente) um condicionamento de conteúdo. Isso porque tais subsistemas jurídicos estão interligados através de princípios jurídicos gerais (por vezes comuns a todas as áreas, como o princípio da igualdade de tratamento, por exemplo), e por uma referência jurídico-normativa necessária, superior às regulações jurídicas de cada área: a Constituição Federal (na qual parte dos princípios jurídicos gerais está incluída). O Direito Penal, nesse contexto, nada mais é do que um subsistema jurídico com regras, princípios, conceitos próprios. Porém, como faz parte de um todo, nunca estará desconectado dos demais subsistemas jurídicos. Veja-se, por exemplo, as relações entre Direito Penal e Direito Civil quanto aos danos causados pelo fato considerado crime: a decisão na esfera penal, condenando o indivíduo, faz coisa julgada na esfera cível, assegurando o direito à indenização. Tem-se o Direito Penal, portanto, como um subsistema jurídico próprio, mas interligado aos demais. O próprio conceito de Direito Penal não pode ser, por decorrência, desconectado do conceito de Direito, sendo, isto sim, derivado dele. É, portanto, um conceito derivado, pois deve se basear no objeto geral do direito, na matriz normativa que é comum a todo o Direito. Para que se possa, então, conceituar o Direito Penal é necessário que se resgate o conceito de Direito. Nesse intuito, destaca-se que, enquanto objeto epistemológico(3) de estudo, o Direito é um conjunto de normas jurídicas. Entretanto, será apenas isso? Não, pois há a presença constante de aspectos valorativos e finalísticos, abertos a procedimentos interpretativos gerais ou contingenciais. Ademais, no que respeita às normas contidas em leis, a redação deve ser localizada historicamente, de modo a facilitar a contextualização interpretativa com o momento da aplicação jurídica. Portanto, deve-se agregar ao aspecto meramente normativo outro aspecto que registre a marca sistemática valorativa e finalística do Direito. Nisto é decisivo o papel dos princípios jurídicos, pois indicam as diretrizes para a interpretação e aplicação dos conteúdos jurídicos (além de serem diretrizes para a própria criação de novas normas). Partindo dessa concepção, agregando-se os princípios à definição antes enunciada, define-se o Direito como o conjunto de princípios e regras jurídicos que regulam a vida em sociedade. Entende-se que tanto os princípios quanto as regras (de conduta, procedimento, forma e competência) são normas. Assim, o gênero normas é dividido nas espécies princípios e regras. Não se deve ignorar, no entanto, o fato de que as abordagens convencionais do Direito Penal ordinariamente em vez de falar em regras fala em normas, não percebendo que com isso implicitamente com isso estar-se-ia negando (ou ao menos enfraquecendo a idéia) que os princípios também são normas (a isso se voltará no terceiro capítulo dessa unidade, em abordagem específica). Por outro lado, O conceito de Direito aqui enunciado não procura firmar uma definição exaustiva do Direito, mas sim uma definição instrumental. Explique-se: o conceito enunciado não pretende ser completo e definitivo. Procura-se apenas apreender o que pode haver de minimamente comum a qualquer área do Direito – é aí que emerge o papel das normas e princípios jurídicos. Em síntese, a definição de Direito deve buscar congregar o aspecto normativo-formal do Direito (conjunto de regras) com o seu aspecto valorativo-material (e princípios). E, independente da função ideológica a que se dê primazia, a definição há de ser aplicável.
Partindo-se daí, como o Direito Penal constitui-se como um subsistema jurídico, seu conceito deve ser derivado do conceito geral do Direito, agregando-se-lhe o que há de específico. Por conseguinte, como objeto de estudo e como concepção político-jurídica, ele deve ser definido a partir dos princípios e regras jurídicos, e de como estes regulam a vida social. Conceitua-se o Direito Penal, então, como o conjunto de princípios e regras jurídicos que definem as condutas criminais, as penas a elas correspondentes e as condições para que tais penas sejam aplicáveis. 3 AS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL 3.1 O controle social Pode-se indicar que a regulação da vida em sociedade, pano de fundo de qualquer definição do Direito e de suas áreas específicas, de acordo com a postura ideológica adotada teria como funções principais possíveis: a) possibilitar a dominação de uma classe por outra - as regras e os princípios jurídicos serviriam apenas como instrumentos de dominação de uma classe sobre outra (visão marxista ortodoxa). Esta é uma visão que não deixa de ter razão quanto à circunstância de que o Direito é instrumento de dominação de classe. Reduzir, entretanto, a função do Direito a isso é dizer que a sociedade só pode ser livre sem o Direito e, portanto, anárquica, o que, realisticamente, levaria à sobrepujança de uns em relação a outros pela força. b) promover a paz social - ao regular a vida em sociedade as regras e princípios jurídicos levariam à harmonia social (liberalismo). Trata-se de um discurso ideal, fantasioso, imaginando que todos os interesses da sociedade têm o mesmo sentido, esquecendo que a sociedade é dividida em classes e que o interesse de uma classe dominante não é o da classe dominada. c) possibilitar a dominação estatal sobre a sociedade e, como contraponto, à limitação estatal pela sociedade - o Direito é, sim, dominação estatal da sociedade (modo do Estado controlar e coordenar a sociedade), mas no outro lado da balança está a limitação do Estado pela sociedade (face e contraface). Por um lado, há interesses conflitantes na sociedade, que é eminentemente política, e o Direito serve para que o Estado controle e coordene a sociedade. Por outro lado, para que a sociedade não fique jogada à possibilidade do arbítrio estatal, o Direito serviria para definir a limitação do poder do Estado sobre a sociedade. É uma posição afinada ao garantismo jurídico constitucionalista, por isso adotada aqui. Destaque-se que a posição dos princípios é fundamental dentro de tal idéia. Eles abrem espaço para que se possa tentar construir uma racionalidade prática do Direito Penal voltada para o homem como centro das ações sociais. Com inspiração em Luigi Ferrajoli(4), trata-se de entender que a forma de se evitar que o Direito Penal seja apenas um instrumento de controle social (ou ao menos um instrumento de controle social dos mais fortes sobre os mais débeis) está em se garantir que a dignidade de todos e de cada um seja normativamente consagrada como indispensável para qualquer atuação jurídico-penal. Isso implica que cada um e todos que atuam no Direito Penal repensem seu papel: em vez de favores pessoais, a dignidade da conduta; em vez de estoques de presos, prisões racionalizadas (inclusive quantitativamente) e adoção maior de penas alternativas; em vez de uso das penas alternativas como válvula de escape, a implementação de mecanismos eficazes de implementação, cumprimento e fiscalização de tais penas; em vez do fácil discurso demagógico do punitivismo, uma opção racionalizadora do sistema penal, resguardando-o para questões que relevantemente atinjam direitos humanos fundamentais. É importante, nesse sentido, que se diferenciem claramente as respostas do Direito Penal aos crimes de baixo e médio potencial ofensivo e aos crimes de alto potencial ofensivo. Tal distinção hoje não é clara, o que leva à sensação social de que nem mesmo normativamente há respostas adequadas aos crimes.
Um tal repensar não afastaria o papel de controle social exercido (o que, aliás, nem é exatamente desejável), mas ajudaria a torná-lo racionalmente balizado por parâmetros centrados num caráter democrático e humanitário. 3.2 Funções político-normativas Entende-se, por força da inquestionável vinculação jurídica aos direitos humanos - especialmente àqueles que são consagrados como direitos fundamentais(5) - que se há de buscar tornar efetivas as possibilidades normativas e políticas de que o Direito Penal possa auxiliar a sociedade a repensar os seus modos de construir a idéia de cidadania para cada um de nós. Trata-se de fazer do Direito, ao menos potencialmente, um instrumento útil para a qualificação da vida humana em sociedade. Preconiza-se, assim, uma abordagem garantista do Direito Penal. Uma abordagem articulada em torno da preservação e efetivação dos direitos humanos, em torno da centralidade do ser humano no mundo, garantindo-o contra o arbítrio e a coisificação. Externamente, a abordagem garantista está focada na legitimação do Direito frente à centralidade do ser humano no mundo, a partir de parâmetros de política criminal minimalista. Internamente, trata-se de desenvolver e consolidar a interpretação crítica da dogmática penal, igualmente focada nos direitos humanos. Dessa forma, baseando-se em parâmetros garantistas, deve-se possibilitar a reflexão crítica no estudo dogmático do Direito Penal – em uma abordagem interna(6). Nesse quadro, o instrumental teórico e prático do jurista penal pode indicar alguns caminhos de lógica e argumentação jurídica voltadas para um Direito Penal centrado no ser humano, baseado em valores éticos de humanidade e consagrando a defesa de direitos humanos fundamentais. Além disso, deve-se discutir as mais adequadas formas para que a intervenção jurídica sobre os problemas decorrentes da criminalidade. Esta é entendida como o conjunto de fatos sociais que violam a lei penal, incluindo-se tanto aqueles que são levados às raias policiais e penais quanto aqueles que ficam à margem da intervenção estatal. Ressalte-se, entretanto, que o Direito Penal tem um papel muito limitado em termos sociais para o combate à criminalidade. A capacidade intimidatória da esfera penal (prevenção geral), que é simbólica, tem muito pouca efetividade no meio social. E, ainda assim, está mais localizada na convicção de diante do cometimento de crimes haveria punição (superando-se a sensação ou expectativa de impunidade) do que na gravidade abstrata das penas (a quantidade ou dureza das penas previstas em lei). Devido a isso, importa que a esfera penal seja tratada como um meio residual para tratar os problemas sociais, em que se deve limitar a intervenção do Estado sobre a vida privada aos parâmetros mínimos necessários, buscando-se, no entanto, torná-la mais efetiva e eficiente(6) nesse sentido. As funções do Direito Penal, assim, podem ser sintetizadas como, por um lado, o controle social, através de mecanismos simbólicos de prevenção. Por outro lado, paralela e paradoxalmente, a garantia do indivíduo frente ao Estado e suas pretensões de intervir sobre a liberdade individual. É no contraponto entre essas duas faces da esfera penal que se pode destacar que o Direito Penal contemporâneo caminha para ser uma esfera jurídica centrada no enaltecimento do ser humano como referência e razão principal das relações sociais. O controle social mais rígido, sem dúvida, é o realizado pelo Direito Penal. O Direito Penal, ao contrário dos demais ramos do Direito, para cumprir o seu papel, lança mão da sanção penal que, dependendo do respectivo país e principalmente do seu modelo sócio-político (Estado autoritário, Estado Social e Democrático de Direito...), pode ir de uma simples restrição de direito a uma pena capital. Isso por si só já evidencia que o Estado, por meio do Direito Penal, interfere ora com menos, ora com mais intensidade, nos direitos fundamentais do cidadão. Contudo, tal interferência deve ser pautada em função de um outro valor importantíssimo que é a paz e a tranqüilidade individual e social. É um verdadeiro conflito de interesses envolvendo o Estado e o cidadão. O Estado interferindo no que deve e até no que não deve, e o cidadão idem, isto é, fazendo o que deve
e o que não deve. Logo, o controle penal, em face, sobretudo, do bem comum, é incontornável, desde que com o menor custo social possível. O Direito Penal, destarte, exerce uma importantíssima função como instrumento de controle. Para alguns (Jakobs), tem a função direta de reforço da expectativa do cumprimento do ordenamento jurídico (reforço da autoridade da norma) e, indiretamente, de proteção subsidiária de bens jurídicos essenciais. Para outros (Roxin, Luiz Flávio Gomes...), sua função precípua consiste na proteção subsidiária de bens jurídicos relevantes. Compartilhamos daqueles que entendem que o Direito Penal exerce um papel relevantíssimo para o convívio social. Não conseguimos imaginar uma sociedade sem esse instrumento de controle. Não um Direito Penal "salvador da pátria", como remédio para todos os males! Mas sim, um Direito Penal mínimo, racional-teleológico, necessário, de ultima ratio, fragmentário e subsidiário. Ao contrário do que muita gente pensa e até mesmo, pessoas com formação jurídica, o Direito Penal, por melhor que seja a sua base teórico-filosófica, é apenas uma das formas de controle. Cada ramo do Direito, dentro da sua competência, faz seu controle, assim como a religião, a moral... faz o seu. O Direito Penal está para o controle social, como o antibiótico está para o controle de infecções, o uso tanto de um como do outro, só em casos extremos, somente quando o problema for insolúvel por outro meio. O motivo é simples, ambos têm suas funções plausíveis, porém, os dois deixam seqüelas. Aquele em relação aos direitos fundamentais e este em relação à saúde. Ou, como se diz no linguajar comum: são instrumentos com dois gumes, ou como diriam outros de dois "legumes". Daí a razão da subsidiariedade, da ultima ratio desses meios. O problema maior para o Direito Penal e que aflige sua credibilidade está no fato de se lhe atribuir funções além do que lhe compete. O problema está na sua sobrecarga. O papel do Direito Penal, numa visão político-criminal, mais especificamente num enfoque teleológico-funcional e principalmente por força do princípio da dignidade da pessoa humana, restringe-se à proteção subsidiária de bens jurídicos essenciais, como por exemplo, o bem vida, saúde, integridade física, honra, liberdade sexual, patrimônio público e privado, dentre outros. Cumprindo razoavelmente essa função, o sistema já pode dar-se por satisfeito. Exigir-se além disso, é sufocar um ramo do direito que bem ou mal, vem cumprindo sua tarefa. Qualquer investida, por esse meio, fora desses parâmetros, é metodologicamente inadequada e até mesmo inconstitucional. Criar novas leis penais e, sobretudo com altas penas supondo que vai proteger, de forma absoluta, bens jurídicos, não passa de "propaganda enganosa" ou de "estelionato jurídico". É o que caracteriza as de leis penais simbólicas. Pensar assim é acreditar que a lei por si só, nos traz a segurança desejada; é acreditar irrestritamente na metodologia lógico-formal kelseniana. Publicou-se a lei no diário oficial, pronto, resolvem-se todos os problemas da vida. Quanto mais se amplia a incidência da lei penal e suas penas e quanto mais dela se espera, maior será a decepção e maior será seu descrédito. Numa visão moderna (criminologia e política criminal), exige-se da lei penal que dogmaticamente, além de ser justa, legítima e racional consoante à linha valorativa Constitucional, deve ser bem aplicada, e, quando for o caso, executada adequadamente. Ir além é cobrar algo de quem não deve. E mais, é desprestigia-la. Não podemos e não devemos enganar a sociedade. O momento é propício para o engodo, já que estamos em plena campanha política nos municípios desse Brasil afora. Não podemos descartar a possibilidade de algum candidato a prefeito ou a vereador menos escrupulosos, recorrendo-se ao Direito Penal, surgir como o "salvador da pátria", como se tivesse competência formal e material para tal. Cautela! Diante de inúmeros casos polêmicos envolvendo crimes graves e/ou hediondos que alcançaram e ainda alcançam enorme repercussão social, como terrorismo, homicídio, corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, entre outros, inclusive com discussão sobre a necessidade ou não das prisões cautelares e da manutenção das garantias do cidadão, reputamos importante fazer uma análise sobre as funções que o Direito Penal pode ter para a sociedade. O Direito Penal está inserido no chamado sistema de controle social, sendo uma de suas instituições. O que o diferencia das demais instituições sociais é a formalização do controle
realizado por ele, liberando-o das surpresas, do conjunturalismo e da subjetividade das demais formas de controle. A sociedade faz, a todo instante, julgamentos morais, políticos e sociais ao sabor das notícias, dos valores expressos pela mídia, enfim, do momento e das paixões. Esse tipo de controle não pode ser efetivado pelo Direito Penal. O controle sócio-jurídico-penal é um controle normativo, ou seja, exercido por meio de um conjunto de normas criadas previamente. O princípio da legalidade ou da reserva legal demonstra esse formalismo necessário para a aplicação da lei penal. A partir do Estado moderno, a pena passa a ser considerada monopólio estatal. No Estado liberal clássico, formou-se a expressão "Estado de Direito", posto que se buscava a limitação jurídica do poder punitivo. A pena era uma exigência de justiça, base da retribuição penal, fixada no ordenamento jurídico, sendo, então, um limite para o poder punitivo do Estado. Com a aparição do Estado social, intervencionista, cuja finalidade é influir e modificar a realidade da sociedade, foi acentuada a luta contra a delinqüência, com atenção para a prevenção especial realizada sobre a pessoa do delinqüente. O Estado social, entretanto, trouxe consigo o risco dos sistemas políticos totalitários, os quais existiram historicamente no período entre as guerras mundiais, embora, ainda hoje, no mundo, sejam sentidos os seus efeitos. Surge, dessa forma, a necessidade de um Estado que, sem abandonar a intervenção na realidade social, tenha reforçados seus limites jurídicos em um sentido democrático. O Estado passa a ser visto como um Estado Social e Democrático de Direito. Nessa perspectiva, o Direito Penal passa a assumir as funções de proteção efetiva dos cidadãos e sua missão de prevenção ocorrerá na medida do necessário para aquela proteção, dentro dos limites fixados pelos princípios democráticos. Falamos, então, que a prevenção realizada pelo Direito Penal é uma prevenção limitada, a qual permite combinar a necessidade de proteger a sociedade com as garantias oferecidas pelos princípios limitadores. Afirmamos, portanto, que a norma penal tem dupla função: protetora e motivadora. São funções interdependentes, pois a proteção pressupõe a motivação e, somente dentro dos limites nos quais a motivação pode evitar determinados resultados, pode-se alcançar a proteção das condições elementares de convivência social. A função do Direito Penal não se esgota na fixação da pena e da medida de segurança. O Direito Penal não é integrado apenas por normas que prevêem penas ou medidas de segurança (normas secundárias) mas também pelas normas as quais proíbem o crime aos cidadãos (normas primárias). Ao proibir os delitos, as normas primárias visam motivar o cidadão a não praticá-los. A função de prevenção geral do Direito Penal, assim, não tem concepção meramente intimidatória, mas o aspecto da prevenção geral positiva, a qual concilia a prevenção geral com a prevenção especial, atingindo diretamente a pessoa. A sociedade atual demonstra uma necessidade de símbolos que mostrem que a vida é segura, o sistema funciona e o crime não compensa. Esse peso não pode ser atirado sobre o Direito Penal. A atuação do sistema penal de controle social pressupõe prévia investigação, a qual traga elementos de prova sobre os fatos praticados e os seus autores. Pressupõe um sistema acusatório, no qual a pessoa possa saber a acusação que foi feita e ter a oportunidade de apresentar a sua defesa. E, por fim, um julgamento isento de valores morais, políticos e das paixões despertadas pelos fatos. Esses pressupostos não impedem a efetiva aplicação da pena, mas, ao contrário, garantem a sua aplicação justa e adequada, afastando o arbítrio e a vontade daqueles que detenham o poder momentaneamente.
As demais formas de controle social devem ter os seus espaços respeitados e preservados. O julgamento político, moral ou social pode e deve ser feito livremente, de acordo com as características da sociedade, mas não pode afetar a atuação do Direito Penal. O sistema de controle penal tem seu curso e tempo próprios, e assim deve ser, em um Estado que pretendemos Democrático e de Direito.