Respostaob

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(17/03/2009) O Mistério da Resposta Keynesiana: Comentário sobre “A Miséria da Critica Ortodoxa” de Oreiro e Basilio Por Tony Volpon1 Foi com rapidez e contundência que Jose Luis Oreiro e Flávio Basílio (doravante “O&B” ) responderam a meu comentário. Mas não somente ao meu comentário, porque este de fato apresenta uma “oportunidade impar de fazer uma critica sistemática da 'ortodoxia' brasileira...e sua total incapacidade de apresentar criticas consistentes e honestas ao Keynesianismo no Brasil.”2. Somos também acusados de tecer “um comentário intelectualmente desnonesto”3 e de “desonestidade intelectual” (MO pg. 2), uma acusação repetida várias vezes ao longo do texto. A qualidade da resposta de O&B ao nosso comentário, com seus excessos retóricos, coloca em discussão um mistério: por que tanta violência? Para desvendar esse enigma, teremos que nos deslocar e transcender o campo da economia e tentar entender quais as funções ideológicas e políticas desse tipo de resposta dentro de debate atual. Isso sem prejudicar as questões técnicas aqui envolvidas. Parte da estratégia retórica de O&B é não enfrentar de fato as criticas feitas a seu artigo original, mas buscar juntar pedaços de coisas escritas em diferentes pontos do tempo, tirá-los fora de contexto e assim, supostamente, “provar” incoerência intelectual, atacando o autor das criticas, e não as criticas em si. Há toda uma discussão desse tipo feita por O&B (ver MO pg. 2 e 3), juntando uma análise contida na minha critica original – que discutia a probabilidade de uma crise de credito e de balança de pagamentos no Brasil, em um cenário sem a crise financeira internacional – com parte de comentário feito sobe uma artigo de Basílio discutindo a questão de políticas anti-cíclicas na crise4. Então 1

Economista-chefe, CM Capital Markets. ([email protected]) Ver “Miséria da Critica Ortodoxa” disponível no blog http://alternativabrasil.typepad.com/, pagina 1. Doravante “MO”. 3 O&B parecem confundir coisas um tanto elementares e não citar frases por inteiro. No meu trabalho eu escrevo “Apesar de correta a constatação, faltou aqui, na nossa opinião, uma melhor avaliação do processo que levou, a partir do choque positivo com a maior alta na demanda e nos preços das matérias primas nos últimos 40 anos (algo que começou de fato no final de 2001), a uma dinâmica de alta nos investimentos.”(grifo nosso). Me parece obvio que minha afirmação era sobre o trabalho que eu estava comentando (“aqui”), e não sobre o total do extenso corpus acadêmico de Oreiro e seus muitos colaboradores. A parte grifada não é citada em MO. Depois, na pagina 2, B&O escrevem “Se a sua (i.e. Volpon) critica fosse apenas algo como 'neste artigo vocês exploraram pouco o diagnostico da crise que vocês mesmos desenvolveram em outras oportunidades', seria uma critica útil e construtiva. Não foi o caso. É uma pena”. Que mistério... 4 Outro mistério é porque O&B me acusam de ter “entendido a gravidade da crise” quando a citação claramente diz que era o governo, e não eu, que esperava um crescimento de 4% ao ano 2

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devemos acreditar que uma análise feita sobre o que deveria acontecer com o Brasil se não tivesse ocorrido a crise demonstra incoerência por não “bater’ com um comentário feito sobre a situação da economia brasileira na crise. Um mistério! Mas há na resposta de O&B uma afirmação tão surpreendente que merece grande atenção. Sobre o bem conhecido fato de que o Ministério da Fazenda e outras instâncias do Executivo, loteado hoje por colegas ideológicos de O&B, manteve uma verdadeira avaliação “panglosiana” dos efeitos da crise sobre a economia brasileira, O&B escrevem: Aqui Volpon esquece algo fundamental na política: a diferença entre o discurso oficial dos governos e a sua pratica. Seria uma atitude totalmente irresponsável par parte do Ministro da Fazenda ou do Presidente da República injetar doses adicionais de pessimismo da economia5, Isto é, o governo nesse caso tem o dever de mentir. A ideia não é nova: Platão iniciou a tradição da “mentira nobre” em A República, e ideias iguais foram defendidas por pensadores tão dispares como Lenin e Leo Strauss. O que, porém, qualquer estudante da política concordaria, é que tal atitude é profundamente antidemocrática. Seria isso uma consequência não muito importante (ou talvez muito analisada) do pensamento dessa escola, ou de fato algo que demonstra um ponto essencial sobre o posicionamento político e ideológico destes? Vamos, no final desse trabalho, voltar a essa questão. Do ponto de vista econômico, devemos já aqui questionar a idéia que o governo tem o dever de mentir para, supostamente, “sustentar” o nível de expectativas. Aqui, cabem vários comentários. Primeiro, existe uma enorme diferença entre admitir a seriedade da crise e, ao mesmo tempo, projetar a confiança de que ela será superada. O exemplo do manejo dessa questão feito pelo governo Obama deve ser contraposto ao que o governo Lula fez – começando com a “marolinha”, passando pela previsão (que depois virou “meta”) de crescimento de 4% para 2009. O contraste não podia ser maior.

em 2009. A verdade, e isso é publico via as analises que publiquei no final do ano e no meu blog, era que eu esperava um crescimento de 1% na época para 2009, numero que subsequentemente revisei para 0%. De fato, se é para ficar se autocitando, publiquei artigo no site do PPS no dia 5 de setembro (porém antes da quebra do Lehman Brothers), argumentando que a crise já tinha chegado ao Brasil (ver http://portal.pps.org.br/portal/showData/101986). Aparentemente há também um “problema conceitual” (ver MO pg. 3) em eu usar conceitos keynesianos na minha explicação sobre a performance da economia brasileira, como se eu estivesse criticando a economia keynesiana (e porem me furtando do direito de usar seus conceitos), e não o trabalho de alguns keynesianos, duas coisas bastante diferentes. 5 MO pg. 5, meu grifo.

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Segundo, tentar esquecer a função política desse discurso por trás do insight de Keynes sobre “animal spirits” é de uma enorme ingenuidade (ou não é? Vamos discutir isso mais adiante...). Já comentei isso no meu blog6. Terceiro, de um ponto de vista estritamente econômico, um governo que mente de forma proposital perde rapidamente sua credibilidade junto ao mercado. A idéia que um governo pode adotar como política (“policy”) a mentira proposital é algo escola econômica alguma reconhece. A ideia que o governo pode mentir de forma consistente e que isso vai “colar” já foi desmentido pelo menos dês dos anos 70, e gostaria ver onde Keynes já um dia defendeu algo do tipo. Essa perda de credibilidade pode, de maneira igualmente rápida, destruir a habilidade do Estado (que eu reconheço como fundamental para o funcionamento do mercado) de prover uma formatação institucional adequada, por meio da política para a geração de expectativas coerentes com certos resultados (equilíbrios), com maior bem estar.7 E, finalmente, devemos questionar a aplicação do conceito de “animal spirits” para essa situação. Como O&B devem muito bem saber, esse conceito foi utilizado por Keynes para discutir a fixação de estimativas do retorno sobre investimentos no longo prazo, onde impera a incerteza, e não o risco probabilístico. Enquanto essa tese de Keynes é, ao meu ver, bastante correta, não é claro que ela se transfere imediatamente para a amplitude do business cycle, onde a habilidade de prever retornos aumenta bastante em relação ao longo prazo. Isso deve ser mantido em mente na próxima discussão sobre os “lags” da política monetária. Parece que minha discussão sobre os “lags” da política monetária é “mais desonesta” (MO pg.5) que tudo (para O&B parece que existe “escalas” de desonestidade..seria interessante se eles escrevessem um paper sobre isso para algum jornal acadêmico da turma...). Que o BC errou na sua atuação no mercado de câmbio no inicio da crise é algo sobre o qual eu concordo com O&B (por sinal, posição minha publica na época), mas que em nada muda minha critica. É um tanto engraçado ver os autodenominados portadores da verdade keynesiana não entenderem como, em uma condição de quebra de expectativas em função de um choque exógeno inesperado, a habilidade de qualquer banco central afetar o nível presente (lembramos, no artigo original de O&B a discussão foi sobre o nível da atividade nos últimos meses) da atividade econômica é próxima de zero; e que bastaria simplesmente aumentar a oferta de dinheiro, e que isto seria suficiente para “reduzir as incertezas dos bancos, o que estimularia os mesmos a manter o nível de empréstimos para o setor privado” (MO pg.5). O&B parecem, nesse momento, estar muito mais próximos

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Ver, entre outros, http://alternativabrasil.typepad.com/alternativa_brasil/2009/02/faz-muitbarulho-reze-para-o-obama-acertar.html 7 A principal tese do meu livro, “A Globalizacao e a Politica: de FHC a Lula”, Editora Revan, 2003.

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de uma simples visão monetarista do mundo do que da visão bem mais complexa de Keynes. Tal visão confunde bastante os mecanismos casuais em jogo. A queda no nível de crédito não apenas causa a queda no nível de atividade, mas é de fato causada pela expectativa de um nível de atividade futura menor, o que aumenta o risco sistêmico e que endogenamente diminui a oferta de credito e aumenta seus custo. Isso, aliado às incertezas sobre a saúde das empresas em função de suas apostas financeiras, gerou forte corrida à liquidez, espelhando a dinâmica vista fora do Brasil em relação aos créditos imobiliários. Nesse caso, a ação do BC (e vemos isso ao redor do mundo, não é nada especial no caso brasileiro) tem eficácia bastante reduzida, e só pode afetar a economia com bastante demora, razão pela qual os níveis de juros ao redor do mundo estão colapsando ao seu limite nominal com pouco efeito sobre o nível de atividade. Atribuir “poderes especiais” ao nosso BC, nesse quadro global de ineficácia monetária, é realmente um mistério. Até se o nosso BC tivesse a onisciência que O&B parecem dizer possuir, não há nada que poderia ter sido feito para aliviar os efeitos da crise sobre a atividade nesses últimos meses. O&B também acreditou que na seguinte parte da minha critica eu argumento pela suspensão do PAC: Eu defenderia que quem poderia ter ajudado mais, nesse caso, seriam os colegas keynesianos de OBS no Ministério da Fazenda, que poderiam ter abandonado a obsessão (eleitoreira?) pelo PAC e lançado mão de cortes mais pesados de impostos e contribuições8 Não sei exatamente como “abandonado a obsessão (eleitoreira?) pelo PAC” se transformaria no cancelamento do mesmo. Um outro mistério. Mas O&B continuam o argumento, citando que “a teoria econômica e as evidencias empíricas” mostram que aumentos de gastos, e não corte de impostos, seriam adequados pela tendência dos consumidores de poupar os últimos, e que o corte de impostos sobre produtos específicos só funciona se for temporário. Ora, não acho errado afirmar que políticas anticíclicas devem ser de fato temporárias! Por isso que são chamadas de anticíclicas. A crise trás, por vários mecanismos, um colapso da demanda do setor privado. Nesse caso, há uma função legitima por parte do Estado de suprir, de forma temporária rapida, essa queda de demanda. O mais rápido que isso aconteça, melhor, porque evita a queda do crescimento e a desarticulação que isso causa. O PAC, como já é bastante conhecido, é um programa com largos problemas de implementação efetiva. O&B talvez confundem o anuncio de medidas de investimento com a execução da mesmas. Lógico que talvez o que se procura não é uma política 8

Meu trabalho, pagina 5.

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anticíclica temporária, mas sim uma aumento permanente do nível de gestão dos investimentos pelo Estado. Voltamos a discutir isso adiante. Fora isso devemos notar que não há todo esse consenso que O&B defendem sobre a relativa eficácia de aumentar gastos contra cortar impostos. Qualquer pessoa que acompanha o debate nos EUA sabe disso – e isso em um pais com uma propensão marginal a consumir muito menor que um pais mais pobre, como o Brasil. De fato, os colegas de O&B no IPEA argumentam que a vantagem de programas como a Bolsa Família é exatamente a propensão do consumidor brasileiro a poupar quase nada. E, ao nosso ver, como argumentamos na nossa critica, a rapidez de medidas como o corte de impostos é extremamente importante para enfrentar os efeitos imediatos da crise, quando isso de fato se demonstra necessário. Vamos a questão do regime monetário. Sou acusado de uma “desonestidade ímpar” (MO pg.7, de novo a “escala” de desonestidade!) por dizer que eles propõem “uma mudança de regime”,9 quando propõem, na verdade, uma “flexibilização”. Bom, não acredito que o debate substantivo ganha muito com uma discussão semântica sobre esses termos. “Flexibilizar” ou “mudar”, as criticas feitas seguem. Mais uma vez, temos uma citação de outro trabalho de Oreiro e mais um outro colega, dessa vez de cunho empírico. Porém, o ponto principal da minha critica original prossegue. Se, no regime ”flexível” de Oreiro & Cia., o BC tem a flexibilidade de fixar uma Selic menor no caso de choques de oferta (ver MO pg. 8), e pressupondo uma Selic igual a do regime atual nos outros estados, então “a taxa Selic seria sempre menor em todos, ou quase todos, os estados da natureza.”10 Não há nada de sofisticado nessa conclusão. Os perigos e problemas de fazer isso apontados na minha critica prosseguem11. Finalmente, sobre o regime fiscal, há um ponto que eu achei positivo na minha critica original. Observando o trabalho original de Oreiro, Basílio e Souza, há toda uma discussão sobre como uma queda de quatro pontos na Selic poderia gerar “aumento significativo de 'poupança publica' sem sacrifico das políticas sociais adotadas pelo governo Lula.” (página 21). Ora, por salientar na minha critica os problemas que essa vinculação poderia gerar, do ponto de vista político, sou acusado por O&B de ser “altamente desonesto” (MO pg. 8). Que mistério...

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Meu trabalho pagina 5 Meu trabalho pagina 5. 11 Já que o O&B gostam de se autocitar, sugiro que ele produz uma artigo ou paper onde ele argumentou para a necessidade de aumentar o Selic, em algum ponto do passado. Isso ajudaria muito em aumentar a credibilidade de sua proposta. 10

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Conclusões Finais Debates econômicos, especialmente entre economistas de diferentes escolas, sempre são coisas bastante difíceis, razão pela qual, infelizmente, as escolas tendem a se fechar em si, algo que, no final das contas, é bastante ruim para a disciplina. Mas quando um renomado membro de uma escola reage com tanta violência a um comentário que ele mesmo se constrange em qualificar como “bem educado”, tecendo acusações pessoais em quase todas as páginas, temos a tarefa de perguntar, por quê? Não vou aqui, feito O&B, proclamar algum tipo de “talento” em penetrar o estado de consciência do outro, pressuposto necessário para ficar acusando alguém de “desonestidade intelectual”. Não sei o que realmente passa pela cabeça deles, e se eles estão ou não tentado ser “honestos”. Mas, do ponto de vista do político e ideologico, a partir das propostas apresentadas e da reação desse paper, podemos dizer algo. Apesar de se autoproclamarem “keynesianos”, qualquer um que conhece a historia da disciplina sabe que na verdade o grupo a qual O&B se associam é melhor denominado de “escola pós-keynesiana”, oriundo da tradição de Cambridge, que teve em Joan Robinson talvez seu maior representante. Essa escola, diferente de Keynes (grande liberal inglês), se aproxima do marxismo em vários pontos. Parte desse “world view” defende a inerente instabilidade dos mercados, estilo Das Kapital volume 3. Para essa escola, somente a forte intervenção do Estado, especialmente na questão dos investimentos, pode dar ao sistema alguma estabilidade. Podemos entender, então, a aproximação política entre esse grupo e o governo atual, especialmente no que concerne à resposta à crise. Não se trata, como fica evidente na nossa analise, de aplicar politicas anti-cíclicas, que devem ser temporárias. Trata-se de aumentar, de forma significativa e permanente, a ingerência do Estado no processo econômico. A crise atual, nessa visão, mostra a falha dos mercados no processo de alocação de investimentos. No seu lugar vem o Estado, povoado por uma tecnoburocracia “esclarecida”. Fora os banqueiros, ai vem os PhDs da escola keynesiana! Fica evidente o porquê da necessidade de “tomar” o BC para completar esse projeto de poder, o porquê das seguidas criticas a essa instituição, o fetiche de bater no BC que aqui se explica.

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Temos, nessa visão, uma certa mutação da visão pos-keynesiana. Poucos hoje admitem ser marxista-leninistas, mas acredito que estamos vendo a formação de um keynesianismo-leninismo. Para o kenesianos-leninista, o Estado, via a burocracia iluminada, deve liderar o processo de investimento. Não precisamos de medidas anticíclicas, precisamos de um aumento permanente do nível de investimentos via o Estado. Devemos ter também uma crescente concentração na mão do Estado do setor financeiro e bancário, fortalecendo o controle do Estado na economia pela capilaridade dos grandes bancos no setor real da economia. Devemos ver também o incentivo de maiores empresas em todos os setores, levando a oligopólios, mas, ao mesmo tempo, facilitando a influencia do Estado sobre esse grandes grupos, onde grande negociações e fusões podem ser feitos nos gabinetes de Brasília. Para o keynesiano-leninista, o Estado tem o direito, podemos dizer o dever, de mentir. A burocracia iluminada não tem o dever de dizer a verdade a população. Mas afinal, é para o próprio bem deles... Para o keynesiano-leninsta, todos que não concordam são inimigos da causa, desonestos e maus, merecendo a mais violenta das reações e implacável de lutas. Talvez com isso resolvemos muitos mistérios.

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