Faculdade de Artes Dulcina de Moraes – FADM Curso: Educação Artística Habilitação: Artes Plásticas Turma: “A” - Matutino Aluna: Terezinha Dias Peixoto Disciplina: Pintura acrílica Professora: Cecília Mori MORAES, Eliane Robert. O corpo impossível, São Paulo: Editora Iluminuras, 2002. (Cap II – A mesa de dissecação – p. 39 a 54)
A mesa de dissecação Eliane Robert Moraes é graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1984) com mestrado (1990) e doutorado (1996) em Filosofia pela Universidade de São Paulo.É professora do Mestrado em "Moda Cultura e Arte" do Centro Universitário Senac e professora titular da Faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. De acordo com a autora, a imagem de um homem decapitado como síntese de uma época foi proposta em 1939. Antes, contudo, foi necessário certo tempo de amadurecimento dessa nova mentalidade o que ocorreu nas décadas finais do século XIX. A mesa de dissecação é o objeto que retrata o espanto da época. Essa imagem, adotada pelo movimento surrealista, foi empregada pela primeira vez por Isidore Ducasse,1 escritor uruguaio-francês, cujo pseudônimo era Lautréamont. Ducasse, segundo Moraes, tornou conhecida a frase, plagiada de um escritor do século XVIII: “a poesia deve ser feita por todos, não por um”, a qual passou a ser continuamente repetida pelos surrealistas. Os jovens artistas de então (1869) encontraram em Ducasse uma resposta para seus dilemas. A frase de seu personagem Maldoror: “Belo como...o encontro fortuito de uma máquina de costura e um guarda-chuva sobre uma mesa de dissecação” ,2 penetrou fundo no âmago daquela geração. Novas possibilidades no campo poético. Os surrealistas adotaram a frase, por sua capacidade de síntese e por suas múltiplas possibilidades de interpretação. “Belo como ...”. Este modelo, ou código, abriu caminho para 1
DUCASSE, Isidore, ou DUCASSE, Isidoro (Montevidéu, Uruguai, 4 de Abril de 1846 – Paris, França, 24 de Novembro de 1870) é mais conhecido pelo pseudônimo literário de Conde de Lautréamont. O seu poema em sessenta estrofes, Les Chants de Maldoror – (“Os Cantos de Maldoror”, em português) é considerado uma obra seminal no campo da literatura fantástica, ainda que hoje escape a qualquer classificação. Crê-se que o seu pseudônimo tenha sido inspirado no nome de um romance de Eugène Sue, “Latréaumont”. (Extraído, em 24/03/2008, do site: http://www.arikah.net/enciclopedia-portuguese/Isidore_Ducasse). 2
LAUTRÉAMONT. Les chants de Maldoror. Paris: Robert Laffont, 1980, p. 743; apud Moraes, 40).
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as primeiras manifestações do Surrealismo,3 vindo a desembocar no conceito de imagem surrealista. Estava consagrada a comparação pela analogia. Não se buscava somente definir as correlações ao comparar os muitos aspectos do universo, mas sim de inventá-los. “A imagem é pura criação do espírito. Ela não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos distantes. Quanto mais as relações entre as duas realidades aproximadas forem distantes e exatas, mais a imagem será forte”.4 A noção de exatidão confrontava-se com o critério da arbitrariedade. A intenção era a criação de imagens que causassem impacto no espectador, fosse esse impacto de exatidão ou de alucinação. As coisas acontecem como se a criação poética, artística, pudesse surpreender não somente o leitor, o espectador, mas seu próprio criador. Nessa linha, os surrealistas procuravam um denominador comum entre o insignificante e o significativo, para destacar os elos de dependência que ligavam as duas séries: uma, casual, de caráter exclusivamente fortuito, e outra, causal, derivada de determinações objetivas. A ação surrealista passou a adotar a idéia de encontro fortuito, originando a noção de acaso objetivo. “É como espectador que o autor assiste, indiferente ou entusiasmado, ao nascimento da sua obra e observa as fases do seu desenvolvimento”,5 processo chamado de alquimia visual. Esse processo obteve melhor detalhamento a partir do aparecimento da frotagem,6 em 1925. Desde Lautréamont, as ilusões da realidade vinham sendo postas em dúvida. A inimaginável associação entre uma máquina de costura e um guarda-chuva denotava uma atitude destinada a questionar a existência de apenas um objetivo de uso para cada um desses objetos. 3
“Movimento literário e artístico, lançado em 1924 pelo escritor francês André Breton (1896-1966), que se caracterizava pela expressão espontânea e automática do pensamento (ditada apenas pelo inconsciente) e, deliberadamente incoerente, proclamava a prevalência absoluta do sonho, do inconsciente, do instinto e do desejo e pregava a renovação de todos os valores, inclusive os morais, políticos, científicos e filosóficos.” (HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001). 4
REVERDY, Pierre, Nord-Sud, Mar. 1918, citado por CHÊNIEUX-GESDROS, Jacqueline. O surrealismo, Mario Laranjeira (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 72; apud Moraes, 41). 5
ERNST, Max. Escrituras. Pere Gimferrer e Alfred Sargatal (trads.). Barcelona: Poligrafia, 1982, p. 26; apud Moraes, 45). 6
“A palavra ‘frotagem’ (de frotter, que significa “esfregar”) é de origem francesa e por ser um recurso gráfico bem espontâneo, nos proporciona criar belos e inusitados efeitos plásticos. A técnica foi usada pela a primeira vez pelo pintor, desenhista, escultor e escritor alemão Max Ernest (1891 – 1976), um dos fundadores do movimento “Dada” e posteriormente um dos grandes nomes do Surrealismo. Consiste em colocar uma folha de papel sobre uma superfície áspera e esfregá-la, pressionando-a com um bastão de cera até a textura aparecer”. (Extraído, em 25/03/2008, do site: http://www.ayruman.com.br/v1/oficinas/mostra.php?id=6).
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Ducasse fez da paródia7 a máquina motriz de sua criação. Sua obra é resultado da colagem de outros autores, até mesmo fazendo o uso da transcrição literal. Amparados nessa idéia de criação coletiva, os surrealistas partiram para a execução de diversas técnicas de criação. “De Lautréamont aos autores surrealistas, a paródia tornou-se um exercício de desconfiança diante das imagens imediatas que o mundo oferecia.” (MORAES, 47) Poderia se dizer que o guarda-chuva (homem) e a máquina de costura (mulher) postos sobre a mesa de dissecação (a vida e a morte), em um encontro fortuito, forneceriam uma imagem da enigmática atração que indica o amor. Uma perfeita mostra do acaso objetivo. A representação de corpos humanos sobre a mesa de dissecação, numa atitude indicativa de encontro sexual, poderia, também, ser entendida como a realização de algo em um tempo finito, sendo a mesa, talvez, um indicador de tempo, que estaria definitivamente ligado ao nascimento e morte do corpo. O texto de Moraes encontra-se repleto de citações com muitas transcrições. Qualquer que tenha sido a razão da autora para essa opção, está patente a realização do empréstimo de pequenas passagens de diversos autores no corpo do texto. Em todas as 16 páginas existem trechos de diversos autores. Em que pese o fato de que as citações o enriqueçam e lhe dêem mais credibilidade, penso que, no presente caso, isto o tornou um repositório de estilos diferentes, o que contribuiu para seu enleamento. A despeito da miscelânea de estilos contida no texto, a autora obteve êxito em transmitir a mensagem de Ducasse, que soube muito bem empregar a paródia quando teve a idéia de colocar um guarda-chuva e uma máquina de costura sobre uma mesa de dissecação. Quis questionar o emprego desses objetos somente aos fins para os quais foram criados, deixando livre a imaginação do espectador. O seu “belo como...”, pela sua capacidade de síntese, passou a ser o grande mote do Surrealismo. Brasília-DF, 10 de abril de 2008. ***
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“Obra literária, teatral, musical etc. que imita outra obra, ou os procedimentos de uma corrente artística, escola etc. com objetivo jocoso ou satírico; arremedo.” (HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001).