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Expansão metropolitana e urbanização por segundas residências na área peri-metropolitana do Rio de Janeiro: o caso de Petrópolis/RJ Rainer Randolph – Prof. Titular no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro Aramis Cortes de Araújo Jr. – Geógrafo, Mestrando do Curso de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo: O presente ensaio procura investigar uma forma específica de urbanização no município serrano de Petrópolis/RJ que está ligada à implantação de empreendimentos imobiliários para o turismo basicamente de fim de semana. Pergunta-se se essa é expressão de uma lógica diferente daquela que se manifesta na urbanização dentro da metrópole do Rio de Janeiro. Para isto, apresentam-se e discutem-se determinados aspectos dos processos de ocupação e uso residencial do solo, da natureza e da dinâmica da urbanização em bairros e distritos próximos à Rodovia Washington Luiz (BR 040) que estão marcados pela segunda residência das classes médias e altas cariocas em tempos mais recentes (desde a década de 1940). A investigação entra em aspectos bastante específicos da realidade petropolitana para evitar que a discussão fique limitada a afirmações abstratas, generalistas e, um tanto, estereotipicadas dos processos em curso. Até onde as encontradas características da urbanização podem questionar as formas tradicionais precisa ficar em aberto por ora; entretanto, pelas hipóteses discutidas a respeito das finalidades da segunda residência, não se pode excluir de todo essa possibilidade para um futuro ainda incerto. Abstract: The present rehearsal intends to investigate a specific form of urbanization in mountainous districts of the municipality of Petrópolis/RJ which is basically linked to the implantation of real estate enterprises for tourism on weekends. The question if those processes are an expression of a different logic from that we observe on behalf of similar urbanization processes inside the metropolis of Rio de Janeiro cannot be answerd yet. For now we present and discuss certain aspects of the occupation processes and residential use of the soil, of the nature and the dynamics of the urbanization in neighborhoods and close districts to the main highway Washington Luiz (BR 040) that are marked, in more recent years, by second residences of Rio de Janeiro´s middle and higher classes. Our investigation approaches quite specific aspects of the reality of the Petropolis municipality to avoid that the discussion remains limited to abstract and generic statements, and to stereotipyzed visions of the processes in course. Since, if the observed characteristics of the urbanization can question the traditional forms needs to be in open for now; however, regarding our hypotheses discussed with reference to the second residence, this possibilitity cannot be denied for a still uncertain future. 1. Expansão e abandono da metrópole? Questões acerca do fenômeno da segunda residência. Nossas pesquisas dos últimos cinco anos tiveram seu início numa simples observação empírica do entorno da metrópole do Rio de Janeiro (AMORIM, CAMPOS, 2006; RANDOLPH, 2005; RANDOLPH, 2007; RANDOLPH, ARAÚJO, 2007; RANDOLPH, GOMES, 2007a; 2007b; 2007c; RANDOLPH, LOPES, 2007). Pois, nota-se que em parte dentro, mas em boa parte fora da região metropolitana daquela cidade proliferam diferentes formas de ocupações urbanas para fins de segunda residência. Como fenômeno, em princípio, bastante antigo – pois já no século XIX a corte imperial costumava-se deslocar para a serra perto do Rio de Janeiro – assume feições diferentes nas últimas décadas do século XX e início do século XXI. Surgiu, assim, a pergunta se essa forma de “urbanização turística” (vide MASCARENHAS 2004), de um turismo basicamente de fim de semana, produzida por e para uma parte abastada da população carioca é expressão de uma lógica diferente daquela que determina a urbanização no interior da metrópole? Ou em outras palavras: essas formas de ocupação residencial na franja
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metropolitana ou área peri-metropolitana significam ou um rompimento com formas anteriores de urbanização ou meramente uma expansão da metrópole para além das fronteiras da sua região metropolitana? Será, então, que essa urbanização peri-metropolitana em áreas semirurais na base de loteamentos e condomínios para uma classe abastada representa apenas a extensão das formas conhecidas de metropolização? Ou que, no caso em pauta, uma suposta urbanização turística indicaria o surgimento de uma forma diferente de urbanização que pode até colocar em cheque a própria metrópole? Ou seja, que as práticas “turísticas” – lazer, descanso, entretenimento etc. - dos moradores permanentes e flutuantes dessas áreas podem dar origem a uma nova forma urbana, diferente daquela da metrópole ou da sua região metropolitana? E qual seria a contribuição e responsabilidades das classes médias e altas ao advento dessa forma? (RANDOLPH, 2008) A procura por respostas a esses questionamentos exige, antes de tudo, uma clareza conceitual maior a respeito dos fenômenos que são estudados. Em relação à segunda residência torna-se necessário, portanto, realizar uma reflexão mais aprofundada. Apesar de ainda não ser muito trabalhada, nas palavras de Assis (2003, p. 111), a preocupação com a problemática da segunda residência já existe há um certo tempo como se pode verificar na bibliografia. Este autor cita o
estudo pioneiro de Odette Seabra (1979) acerca dos efeitos sócio-espaciais das segundas residências (preços do terreno e formas de ocupação) no litoral de SantosSP; a análise de Mauren Roque (1990) sobre a desigualdade social que o fenômeno da segunda residência encerra como manifestação das diferenças nas oportunidades de trabalho e de lazer na Estância Balneária do Guarujá-SP; e o trabalho de Olga Tulik (1995) que avalia a dimensão e a distribuição das segundas residências no Estado de São Paulo, ressaltando as áreas emissoras e receptoras mais expressivas.
Assis (2003) vê que, para além de definições técnicas por órgãos de estatística (por exemplo do IBGE no Brasil), a
segunda residência é um conceito amplo e complexo que, pela profusão de termos restritivos - casa de praia, de veraneio, de campo, de temporada, de férias etc. ainda carece da falta de um consenso terminológico. Apoiada numa restrita bibliografia estrangeira exclusiva sobre segunda residência, Tulik (1995) se lança no desafio de, a partir do conhecimento das características observadas em outros países, analisar os aspectos conceituais dessa modalidade de alojamento turístico em função da realidade brasileira, especificamente a paulista, seu objeto de estudo. (ASSIS, 2003, p. 111/112)
Em sua definição da segunda residência como “... um alojamento turístico particular, utilizado temporariamente, nos momentos de lazer, por pessoas que têm seu domicílio permanente num outro lugar”, Tulik (1995, p. 21) identifica três características básicas: A primeira e segunda características não são de maior importância para o atual estudo; referem-se à segunda residência como propriedade privada e à temporalidade de sua utilização. Já a terceira característica – a finalidade das construções de segundas residências – merece ser objeto de uma reflexão mais aprofundada. Para Assis (2003, p. 113), a
... busca da recreação e do gozo do tempo livre é, sem dúvida, a principal finalidade das construções das segundas residências. ..., cada vez mais se fazia necessário que o homem urbano saísse das áreas centrais superpovoadas em direção às periferias metropolitanas na busca do reencontro com a natureza. Esta era uma forma de aliviar os estresses cotidianos e renovar suas energias. A cidade, que outrora fora o centro de atração das habitações e do homem do campo em busca do trabalho na indústria, agora - apesar de ainda concentrar diversas funções -, “expulsa” seus moradores por não lhes oferecer condições necessárias para uso do tempo livre em contato com a natureza.
Na opinião desse autor e de outros por ele citados – vide, por exemplo, Gomes (1998) e Sastre et al. (1992) – há uma necessidade do homem em buscar a “natureza” ou o “natural” já desde os tempos de outrora. Aponta que essa busca se dirige a uma “natureza” artificialmente criada nos resorts, parques temáticos ou empreendimentos semelhantes. A segunda residência seria, então, a expressão máxima nessa encruzilhada entre o natural e o urbano. “A segunda residência converte o ´fim de semana´ num fato sócio-cultural característico da sociedade contemporânea” (ASSIS, 2003, p.114). Ou, nas palavras de Sastre e seus co-autores:
“o fim de semana representa um espaço de liberdade onde se vislumbra que o
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tempo livre é uma privilegiada oportunidade na qual o homem pode encontrar-se consigo mesmo, ao mesmo tempo em que permite se restabelecer das situações adversas do meio social e do trabalho” (SASTRE et al., 1992, p. 225, apud ASSIS, 2003, p. 114).
Percebe-se, portanto, a segunda residência como perfeitamente integrada às dinâmicas social (como lugar de lazer e descanso) e econômica (como investimento) das classes médias e altas que vivem nas metrópoles e grandes cidades. Dentro da perspectiva elaborada por esses autores, a “complementaridade” da segunda em relação à primeira residência torna difícil acreditar que uma urbanização fundamentada nessa segunda residência pudesse levar a um rompimento com as formas passadas da urbanização metropolitana (ou industrial). Um potencial de rompimento só parece imaginável, hipoteticamente, se essa ocupação expressasse não uma forma de refúgio das adversidades e do desgaste da vida na metrópole, mas uma das principais contradições do espaço (abstrato) das sociedades contemporâneas em uma forma muito particular (LEFEBVRE, 1991, p. 352). E, é essa potencialidade da segunda residência que acreditamos poder encontrar na argumentação de Lefebvre quando analisa as contradições intrínsecas no espaço abstrato das sociedades contemporâneas neo-capitalistas (vide também RANDOLPH, LOPES, 2007). Nessa discussão Lefebvre aponta diferentes contradições que são intrínsecas a esse espaço. Como primeira contradição chama a atenção para aquela entre quantidade e qualidade (LEFEBVRE, 1991, p. 352): O espaço abstrato é mensurável. Ele não é apenas quantificável como espaço geométrico, mas, como espaço social, ele é sujeito a manipulações quantitativas: estatísticas, programação, projeção – todas são operacionalmente efetivas aqui. A tendência dominante, portanto, é em direção ao desaparecimento do qualitativo, à assimilação abaixo de um tal tratamento brutal ou sedutor (seductive) (tradução nossa).
Mas, no final, o qualitativo resiste com sucesso à absorção pelo quantitativo, da mesma forma como o uso resiste à subordinação ao valor. Chega o momento, na opinião desse autor, quando as pessoas em geral abandonam o espaço do consumo que coincide com a histórica localização da acumulação do capital, com o espaço da produção e com o espaço que é produzido. Este último, continua Lefebvre (1991, p. 352), é o espaço do mercado, o espaço através do qual os fluxos seguem seus passos, o espaço controlado pelo Estado. Por isto, é um espaço rigidamente quantificado. Quando as pessoas saem desse espaço elas se movem em direção ao consumo do espaço (uma forma improdutiva do consumo). Este momento é o momento da partida: o momento das férias das pessoas (LEFEBVRE, 1991, p. 353). É o momento quando as pessoas demandam um espaço qualitativo. As qualidades, como diz o autor, têm nomes que, obviamente, dependem do lugar onde essas pessoas vivem; na Europa seriam sol, neve, mar (sun, snow, sea). Pouca diferença faz se são naturais ou simulados. “O que está desejado é a materialidade e a naturalidade enquanto tais, redescobertas na sua (aparente ou real) imediaticidade”. Portanto, nestes termos de Lefebvre, uma urbanização “turística” de ocupação residencial na periferia expandida das metrópoles poderia ser compreendida como uma das possíveis expressões de uma contradição entre o espaço abstrato (dominante) e um espaço qualitativo (ainda subordinado). Seu usufruto está, hoje ainda, relegado a um tempo específico das pessoas quando estão de férias ou mesmo nos fins de semana; mas que pode dar origem a uma contradição permanente e imediata num futuro próximo quando a segunda residência se transforma em primeira ou na parte de uma dupla residência (RANDOLPH, 2004, 2005). Isto não quer dizer que esse “consumo do espaço” não pode reproduzir determinadas formas que se tornaram hegemônicas hoje no “espaço do consumo” e que são vistas, inclusive, como expressão da mais recente fase da segregação espacial em áreas metropolitanas (CALDEIRA, 2000, p. 211): os condomínios fechados, “urbanizaciones cerradas” em espanhol ou mesmo “enclaves fortificados” como quer a autora que acabamos de citar. Como vimos no item anterior, a residência em condomínios fechados (horizontais) ganhou bastante importância na ocupação das áreas do universo da nossa pesquisa desde a década de 1990. Entretanto, não necessariamente a semelhança dessa forma físico-geográfica comprova que esse tipo de empreendimento na Serra precisa ter o mesmo significado como aquele na metrópole. Seria necessário aprofundar a investigação das características como discutimos em outro lugar (vide RANDOLPH, LOPES, 2007). Não vai ser possível realizar um aprofundamento da investigação nesse sentido aqui e
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agora. Mas tentaremos mostra no seguinte item, a partir do mapeamento dos loteamentos e condomínios e sua localização em relação às áreas mais urbanizadas dos bairros e distritos por nós pesquisados, que há ao menos indícios de alguma diferença entre os condomínios residenciais fechados nos bairros de Petrópolis e aqueles que se encontram no centro da metrópole do Rio de Janeiro. 2. O “lugar” da segunda residência: o caso do município do Rio de Janeiro No presente trabalho a discussão será voltada para uma área específica onde se expressam os fenômenos acima apontados de uma forma muito nítida e clara. Estamos falando da ocupação de uma parcela específica no município de Petrópolis (RJ) por loteamentos e condomínios ligados à segunda residência de moradores cariocas. A escolha de Petrópolis devese tanto a constatações empíricas do surgimento das formas acima mencionadas de ocupação urbana em determinadas partes desse município quanto, e mais precisamente, a determinadas singularidades históricas dessas ocupações, haja vista o caso protagonizado pela família real e pela corte ao longo do século XIX. Este episódio caracteriza-se como o primeiro caso planejado e estruturado de turismo de segunda residência verificado no estado do Rio de Janeiro e que manteve sua importância para a estruturação urbana do município até hoje tanto ao nível material como simbólico. Trabalhamos com a hipótese que essa realidade do município de Petrópolis inscreve-se num processo muito mais abrangente de novas formas de expansão da metrópole que atinge agora áreas peri-metropolitanas – aquelas localizadas para além da região metropolitana – tanto em torno do Rio de Janeiro como também ao redor de outras metrópoles e grandes cidades brasileiras como São Paulo, Belo Horizonte, Salvador (RANDOLPH, GOMES, 2007b) e outros. No caso do Rio de Janeiro, em particular, pode ser identificado um verdadeiro “arco turístico perimetropolitano” no qual se encontram tanto municípios serranos como litorâneos enquanto lugares de segunda residência da população carioca. No presente ensaio, aprofundaremos aspectos a respeito da estruturação intra-urbana do espaço municipal e, em particular, a evolução da ocupação de determinados bairros e distritos por loteamentos e condomínios residenciais. Isto, porque acreditamos que esse detalhamento é fundamental para reunir elementos específicos que contribuam também para a compreensão dos processos mais abrangentes e em outras escalas. Damos, portanto, uma ênfase particular à apresentação de levantamentos e pesquisas empíricos junto à Prefeitura Municipal de Petrópolis cujos resultados podem contribuir para que a discussão dessa realidade não fique limitada a afirmações abstratas, generalistas e, um tanto, estereotipadas. Quando se observa meramente o aspecto demográfico dos movimentos da população carioca e fluminense na década de 1990 (e aqueles que vieram de fora do estado), parece que o crescimento populacional – como uma primeira e precária aproximação ao processo de urbanização – aponta para um novo padrão territorial da ocupação urbana (RANDOLPH, 2005); há um deslocamento para áreas urbanas periféricas, tanto no interior, como, e mais acentuadamente, na franja da Região Metropolitana. Em relação a essa dimensão (demográfica) das transformações, o caso por nós estudado não é o mais significativo em termos quantitativos. Outros municípios do “arco turístico” – que constitui essa “franja” ou área peri-metropolitana do Rio de Janeiro – poderiam mostrar essas mudanças melhor (vide, por exemplo, Maricá). Mas, como já mencionado antes, enquanto caso quase “paradigmático”, escolhemos Petrópolis para dar início a uma série de investigações nos demais outros municípios do arco turístico do Rio de Janeiro. O município de Petrópolis está situado a aproximadamente 60 km ao norte da cidade do Rio de Janeiro, na Serra do Mar. Hoje em dia, a cidade é dividida em cinco distritos; a distância entre o distrito sede – o núcleo histórico do município - até o mais distante é de quase 40 km num sentido sul-norte, seguindo o curso do principal rio Piabanha, um dos afluentes do rio Paraíba do Sul (vide também AMORIM, CAMPOS, 2006). Atualmente, mais de 50% da população do município de 286.537 no ano de 2000 (dados do Censo Demográfico do IBGE) estão concentrados no distrito sede. Mas, chama a atenção que nas últimas duas décadas as maiores taxas de crescimento populacional ocorrem nos distritos e bairros mais afastados do centro com destaque ao distrito de Itaipava. Num rápido retrospecto (vide também RANDOLPH, 2005) vale lembrar como “a colonização de Petrópolis se deu com as concessões de terras a partir de 1686. Das sucessões hereditárias e vendas a terceiros surgiram as Fazendas do Córrego Seco, Itamarati, Samambaia, Corrêas, Quitandinha, Velasco e Morro Queimado” (PETRÓPOLIS, 2004).
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Já no segundo decênio do século XVIII melhora a acessibilidade a Petrópolis com a abertura de uma ligação entre o Porto da Estrela na Baía da Guanabara com o Sítio de Garcia Rodrigues, atual Paraíba do Sul, que traz consigo uma maior atração de colonos. Portanto, a região onde se localiza Petrópolis era um lugar que servia de passagem entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais e que chamou a atenção de D. Pedro I por volta de 1830, levando-o a adquirir a Fazenda do Córrego Seco, pela quantia de vinte contos de réis, acrescida no ano seguinte da gleba no Alto da Serra. Com a abdicação de D. Pedro I em 1831, essas propriedades ficam arrendadas até 1842. Após a morte de D. Pedro I, foram passadas às mãos de seu filho, D. Pedro II, e graças ao Major Júlio Frederico Koeler, engenheiro do exército de Sua Majestade, e de Paulo Barbosa, mordomo da Casa Imperial, a então fazenda ganhou um arrojado plano urbanístico, que resultou na fundação da cidade em 16 de março de 1843 (PETRÓPOLIS, 2004).
Ainda no século XIX houve uma série de obras que facilitavam o acesso à “cidade imperial”; destacam-se a construção da primeira estrada de ferro brasileira, inaugurada pelo Barão de Mauá em 1854, ligando o Porto de Mauá à Raiz da Serra, e a Estrada União e Indústria que foi a primeira estrada de rodagem brasileira, inaugurada em 1861 que, por sua vez, liga Petrópolis a Juiz de Fora, MG (vide PETRÓPOLIS, 2004). Mais recentemente, desde os anos 1980, houve uma melhoria significativa do acesso ao município por conta da duplicação da Rodovia Washington Luiz até Minas Gerais (Juiz de Fora) e a inauguração, nos anos 90, das Linhas Vermelha (Zona Sul) e Amarela (Zona Oeste) no próprio Rio de Janeiro. Com isto a já tradicional ocupação por residências de veraneio da “aristocracia carioca” em áreas próximas à antiga BR 040 (em parte Estrada União Indústria), que data desde a década de 1940, acelerou-se significativamente naqueles distritos periféricos do município cujo acesso do Rio de Janeiro passa ao largo do centro histórico de Petrópolis. Foram escolhidas, então, essas áreas que margeiam a hoje duplicada auto-estrada Washington Luis como universo das nossas investigações empíricas. No croqui abaixo, são apontados os bairros e distritos que foram objetos de levantamentos e investigações: seguindo a BR 040 em direção a Juiz de Fora, o estudo estendeu-se desde a Fazenda Inglesa, Araras e Vale Florido, Bonsucesso e Itaipava até Pedro do Rio.
Com a permissão da Prefeitura do município, obtivemos acesso ao registro de requerimentos para a implantação de loteamentos e condomínios na Secretaria de Obras – posteriormente o registro foi transferido para a Secretaria de Planejamento - que contêm as respectivas fichas desde meados da década de 1940. Inicialmente, há apenas requerimentos para loteamentos; só a partir de 1978 encontram-se solicitações de condomínios. Os levantamentos foram realizados entre 2003 e 2005. Em relação aos bairros e distritos acima mencionados, foi levantado um total de 155 cadastros de loteamentos e condomínios relativos ao período de 1945 a 2000. Esses dados não se
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referem à ocupação propriamente dita, mas indicam o momento inicial de um mais ou menos longo processo que começa com o ato legal do requerimento da autorização pelo poder público para a implantação de um loteamento ou condomínio. Já o tempo entre a data da entrada até a aprovação do requerimento varia muito e pode chegar a anos. Há de considerar ainda o tempo entre o lançamento do empreendimento, a venda dos lotes e a construção definitiva das casas. Mas, por falta de dados mais precisos referente à ocupação propriamente dita, estamos utilizando as informações sobre o requerimento que exigirá uma série de cuidados por ocasião da interpretação da realidade que não precisam ser explicitados aqui. Através desses levantamentos foram encontrados requerimentos para loteamentos e condomínios com uma área total – entre 1946 e 2000 – de 40,62 km² aproximadamente. Sua distribuição entre os diferentes períodos está assinalada na seguinte Tabela 1 (página seguinte). É interessante notar que a relação entre áreas solicitadas para loteamento e áreas para a implantação de condomínios sofre uma grande mudança nas décadas de 1980 e 1990, período em que surge essa última forma de área de residência. Tomando a participação dos loteamentos na área total requerida em um determinado período encontram-se percentagens que constam na Tabela 2. TABELA 1 – Ocupação por período Período 1946/1950 1951/1955 1956/1960 1961/1965 1966/1970 1971/1975 1976/1980 1981 / 1985 1986 / 1990 1991 / 1995 1996 / 2000
Total em m² 9.788.388,69 7.753.394,16 1.540.390,80 3.669.426,70 797.805,65 940.005,50 3.118.615,70 1.616.401,50 3.612.016,96 2.621.650,49 5.165.446,74
TABELA 2: Relação entre loteamentos e condomínios Período 1981 a 1985 1986 a 1990 1991 a 1995 1996 a 2000
Percentagem de área para loteamento 41,45% 48,14% 10,80% 1,30%
Observa-se uma vertiginosa queda relativa de requerimentos de loteamentos na década de 1990. Essa situação pode ter mudado a partir do novo século por causa da reformulação da lei de uso do solo do município em fins da década de 1990. Finalmente, numa primeira aproximação, para caracterizar a distribuição das áreas requeridas entre os diferentes bairros e distritos nos diferentes períodos acima introduzidos, apresentamos aqui o GRÁFICO 1 na página seguinte. O gráfico apresenta a “ocupação” cumulativa (registro) em cada um dos bairros e distritos entre a os períodos de 1946 a 1950 (corresponde à coluna 1 no eixo x) e de 1996 a 2000 (corresponde à coluna 11) em passos de cinco em cinco anos. Percebe-se o comportamento diferenciado entre, por exemplo, Araras que já parte no primeiro período de um patamar elevado – ou seja, onde já quase 60% da área total requerida no final do período tinham sido solicitados entre 1946 e 1950 – e Itaipava onde havia a requisição de nem 10% do total neste mesmo período. Por outro lado, em Pedro do Rio e Bonsucesso não se identificou requerimentos com áreas maiores até a metade da década de 1980 (coluna 8) quando apenas para 40 % das áreas requeridas totais foi solicitada a implantação de loteamentos e condomínios. Só a partir da segunda metade (coluna 9) da década de 1980 em Pedro do Rio e mais recentemente ainda, na segunda
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metade da década de 1990 em Bonsucesso (através do grande empreendimento “Quinta do Lago”) houve uma aceleração da “ocupação”. Esses dados, informações e primeiras analises constituem uma primeira referência para nossa reflexão sobre o significado da segunda residência para a atual (e possível) urbanização de áreas peri-metropolitanas. É claro que particularmente nem todos os loteamentos por nos encontrados tinham como destino uma ocupação por empreendimentos imobiliários de segunda residência (vide particularmente aqueles mais antigos como Madame Machado). Certamente, quando houve, mais recentemente, a solicitação de aprovação de condomínios devia ter tido como principal finalidade a implantação da segunda residência. Como observamos acima, foi exatamente em tempos mais recentes que essa segunda forma começou a prevalecer em termos da área requerida.
Fonte: RANDOLPH, ARAÚJO, 2007
Finalmente, dados específicos sobre o incremento de segundas residências podem ser obtidos através de uma comparação entre os censos do IBGE de diferentes anos a respeito da categoria “domicílios de uso ocasional” que designa aqueles domicílios que serviam ocasionalmente de moradia (casa ou apartamento), normalmente usados para descanso de fim-desemana, férias ou outros fins. É surpreendente encontrar apenas um insignificante aumento desse tipo de domicílio particularmente na década de 1990 – de 8.427 em 1991 a 8.560 em 2000; ou seja um aumento de 2% – no município de Petrópolis inteiro em comparação ao incremento significativo dos
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requerimentos de condomínios dez anos antes na década de 1980. Não cabe aqui questionar os resultados dos censos; mas fica a dúvida em que medida esses dados sobre os domicílios de uso ocasional são capazes de representar o fenômeno da segunda residência. Tomando como fundo esse quadro geral, desenvolvemos no item seguinte algumas considerações e reflexões sobre a segunda residência, suas características e finalidades.
3. A distribuição espacial da ocupação dos bairros limítrofes por loteamentos e condomínios Antes de apresentar a localização propriamente dita dos requerimentos de loteamentos e condomínios nos bairros e distritos acima apontados, é interessante observar, brevemente, alguns dados a respeito do aumento da população do município de Petrópolis na década de 1990 e de sua distribuição entre seus cinco distritos. Acreditamos que esses dados indicam o caráter peculiar da implantação de condomínios e loteamentos nessa década na medida em que apontam para um padrão nada comum do padrão de crescimento populacional no município. Como se pode ver na Tabela 3 abaixo, o crescimento da população nos distrito do centro (sede) e na sua vizinhança imediata (Cascatinha) está abaixo do crescimento dos três distritos mais distantes no período de 1991 a 2000. O segundo distrito de Cascatinha abrange também áreas mais distantes do centro como, por exemplo, o bairro de Araras; não podemos aqui considerar essas diferenciações. Entre os demais distritos, destaca-se Itaipava com um aumento populacional com mais de 4% ao ano no período em pauta. Mas, o que merece nossa especial atenção é a diferenciação do crescimento entre aquela população que se localiza e reside dentro do perímetro urbano e aquela população que tem seu lugar de residência em área rural. TABELA 3 Distritos
Município de Petrópolis
Pop.
1991
1996
2000
1991-1996
Total 164.816 169.618 181.638 Urbana 164.816 169.618 181.638 Total 56.937 63.419 61.939 2º Cascatinha Urbana 56.937 63.419 61.939 Total 13.088 14.261 18.862 3º Urbana 12.893 13.998 12.436 Itaipava Rural 195 263 6.426 Total 12.572 14.085 14.549 4º Urbana 8.063 9.634 7.824 Pedro do Rio Rural 4.509 4.451 6.725 Total 8.055 8.286 9.549 5º Urbana 6.371 6.700 6.834 Posse Rural 1.684 1.586 2.715 FIBGE: Censos de 1991 e 2000 e Contagem de População de 1996 sede
Petrópolis
0,58 0,58 2,18 2,18 1,73 1,66 6,17 2,30 3,62 -0,26 0,57 1,01 -1,19
1996-2000 1,73 1,73 -0,59 -0,59 7,24 -2,91 122,33 0,81 -5,07 10,87 3,61 0,50 14,38
Nos 3º, 4º e 5º distritos o aumento da população rural supera aquele da população urbana; ou ainda, em Itaipava e Pedro do Rio houve uma ligeira redução da população urbana e taxas expressivas de crescimento da população rural. No caso de Itaipava, o altíssimo valor de crescimento deve-se, em parte, ao reduzido número de 195 pessoas que, conforme o Censo, moraram na zona rural daquele distrito em 1991. Mas mesmo em termos absolutos, um aumento da população rural em mais de 6.200 pessoas em nove anos é surpreendente (RANDOLPH, 2007). Acreditamos que esse fenômeno não pode ser resultado exclusivo do deslocamento da população dentro do próprio município, entre distrito sede e distritos periféricos como já se identificou em outros municípios fluminenses (vide LIMONAD 1996). Pelas próprias características turísticas do município que estão sendo investigadas no presente trabalho esse crescimento populacional pode ter a ver, entre outras razões, com a própria localização das segundas residências em áreas rurais, a atração de mão-de-obra a esses locais (caseiro etc.) e mesmo a
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transformação dessas segundas em primeiras residências como já argumentamos em outro lugar (RANDOLPH 2005). Essa hipótese fica mais plausível ainda, quando se observa quais os lugares onde esses loteamentos e condomínios estão sendo implementados nos distritos fora da sede do município de Petrópolis.
Na Planta de Situação ao lado identifica-se a divisão entre os cinco distritos do município e as áreas que foram selecionadas para o levantamento das requisições de loteamentos e condomínios nos distritos de Cascatinha (2o. distrito), Itaipava (3o. distrito) e Pedro do Rio (4o. distrito). Indicamos, nessa planta, as áreas aproximadas nas quais se encontram os loteamentos e condomínios encontrados: a Área I dentro do distrito de Pedro do Rio abrange sua sede e os bairros Secretário e Barra Mansa; a Área II abrange o distrito de Itaipava em quase toda sua extensão; e na Área III, que pertence em boa parte ao 2o distrito de Cascatinha selecionamos os bairros de Fazenda Inglesa, Araras, Vale Florido e Bonsucesso. Como mostra essa Planta de Situação, o próprio tecido urbano de Petrópolis concentra-se no distrito sede e em Cascatinha. Nos demais distritos e bairros que fazem parte do universo da nossa pesquisa havia núcleos urbanos nos seus respectivos centros com uma expressão menor. Em tempos mais recentes particularmente Itaipava experimenta um desenvolvimento forte em termos de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços ao longo da sua principal rua de circulação que é a Estrada União Indústria. Apresentamos, nas páginas seguintes, o mapeamento dos loteamentos e condomínios conforme essas três áreas distintos, vindo do mais distante do Rio de Janeiro (Área I) até o mais próximo (Área III).
a) Loteamentos e condomínios na Área I – Pedro do Rio Observa-se nesse caso que todos os loteamentos e condomínios foram implantados em relativa distância ao núcleo urbano da vila de Pedro do Rio que conta com estabelecimentos de primeira necessidade; alguns até famosos para além das suas fronteiras (a “Casa Flora”). Em termos da evolução da ocupação, observa-se que não necessariamente os empreendimentos mais antigos se
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localizaram mais próximos aos núcleos urbanos e vilas.
Fonte: LabORE, 2004
b) Loteamentos e condomínios na Área II - Itaipava Conforme o mapa na página seguinte, o distrito de Itaipava concentra uma grande parte dos loteamentos e condomínios das áreas periféricas do município de Petrópolis. Um outro bairro com características parecidas do 2o distrito, Nogueira, não foi objeto da nossa pesquisa por não se enquadrar nos objetivos por nos perseguidos.
Fonte: LabORE, 2004
Desde o princípio da ocupação do distrito por esses empreendimentos residenciais, houve uma relativamente grande dispersão da suas localizações; provavelmente em decorrência de sua finalidade de servir como áreas para a construção de segundas residências. É interessante notar que dos primeiros loteamentos da década de 1940 apenas um foi realizada próximo à via principal de circulação, a Estrada União Indústria. Mesmo assim, em Itaipava o conjunto de loteamentos levou, em determinadas partes, à formação de um tecido urbano mais contínuo como, por exemplo, nas Estradas das Arcas e em direção à Teresópolis.
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c) Loteamentos e condomínios na Área III – Bonsucesso e Araras No primeiro mapa a seguir encontram-se registrados aqueles loteamentos e condomínios cujas requisições datam desde a década de 1940 no bairro de Bonsucesso. Identifica-se aqui, após uma primeira fase de loteamento na década de 1960, aquele grande empreendimento cuja implantação iniciou-se na década de 1990. Novamente, loteamentos e condomínios não estão situados próximos à já existente malha urbana dos pequenos centros comerciais da vila.
Conforme o segundo mapa a respeito de Araras e do Vale Florido, repete-se essa mesma forma de localização que encontramos nas outras áreas: Os loteamentos e condomínios residenciais estão localizados esparsamente ao longo da rua principal dos bairros (no caso do Vale Florido é a própria BR 040) e pouco contribuem à construção de um tecido urbano mais contínuo além daquele das aglomerações populacionais antigas (vilas).
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Fonte: LabORE, 2004
4. Breves conclusões Numa primeira aproximação à identificação de suas características, foi apresentada, no presente trabalho, a configuração territorial de algumas áreas peri-metropolitanas dentro do município de Petrópolis onde se verifica um processo de loteamento já de mais longa data com um aumento vertiginoso, nos últimos vinte a trinta anos, de empreendimentos imobiliários do tipo de enclave fortificado. A pergunta levantada a respeito da natureza e especificidade da urbanização vinculada à implantação de empreendimentos de segunda residência não pode ser respondida definitivamente. Não era nossa intenção de esgotar o assunto sobre condomínios fechados e os processos que levam as classes mais favorecidas à migrarem para áreas de maior conforto no que Souza chamou de “escapismo das elites urbanas” (2000), e sim estimular um debate nesta direção. Encontramos já primeiros elementos importantes que podem indicar um certo tipo de “urbanização turística” que se apropria do “capital natural” das paisagens da serra e propicia uma ocupação em áreas rurais ou semi-rurais, mais ou menos próximas às tradicionais vilas dos distritos periféricos de Petrópolis. Apresentar algumas de suas mais marcantes diferenças já nos parece importante para, depois, poder chegar a uma primeira apreciação da questão inicialmente levantada a respeito da “novidade” ou não dessa forma de urbanização relativamente longe do centro metropolitano. O condomínio fechado – enquanto uma forma de loteamento que resolve problemas de infraestrutura até do seu entorno – tem, assim, certas particularidades em relação àquelas formas encontradas nos centros – ou próximos a eles – das metrópoles brasileiras. Até onde essas diferenças podem resultar em um questionamento das tradicionais formas de urbanização (industrial) precisa ficar aberto por ora; não queremos, entretanto, excluir de todo essa possibilidade para um futuro ainda incerto. Se, aqui, foi apresentada uma aproximação das relações espaciais traçadas pela instalação de condomínios horizontais destinados às classes mais privilegiadas em um município particular da área peri-metropolitana – Petrópolis -, certamente este fenômeno não é exclusivo desse município. Torna-se necessário buscar outros dados e realizar novas investigações em municípios dentro da área peri-metropolitana do Rio de Janeiro como Maricá e Cabo Frio, Mangaratiba, Miguel Perreira e Paty do Alferes, entre outros. Numa breve comparação com o município de Maricá, já se percebe uma ampla diferença nos padrões de ocupação das residências de veraneio. Não entro ainda na questão das pretensões almejadas pelos que migram para este município, mas limito-me a uma observação superficial do espaço. No caso de Maricá, encontra-se uma configuração espacial que não prioriza os condomínios fechados, e sim construção de casas em ruas públicas. Esta forma pode criar condições de interações entre grupos sociais muito maiores do que a anterior observada em Petrópolis (vide Barbosa 2008). Bibliografia AMORIM, V. R. S., CAMPOS, M. K. (2006) Expansão periférica em cidades médias: Novas formas ou reprodução do padrão metropolitano de ocupação do território? O caso de Petrópolis In: Anais do II.
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