Procesos Media Ti Cos Y Protestantismo Rico Brasi,ricardo Z. Fie Gen Baum

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Processos Midiáticos e Protestantismo Histórico Brasileiro Discursos e práticas de comunicação midiática entre regulações e resistências Ms. Ricardo Z. FIEGENBAUM, doutorando PPG Ciências da Comunicação – Unisinos - Rio Grande do Sul

Resumo

Esse artigo parte da análise dos discursos oficiais de determinadas igrejas protestantes históricas brasileiras sobre comunicação em articulação com as práticas comunicacionais midiáticas que ocorrem no interior dessas instituições. Refere-se a um conjunto de reflexões teórico-metodológicas sobre como essas igrejas se relacionam com o campo da comunicação, construindo discursivamente um saber sobre a comunicação e como esse saber repercute em suas práticas midiáticas, observando aí modalidades de resistência do midiático e do religioso aos processos de acoplamentos mútuos. Trata de qualificar as categorias de dispositivos comunicacionais de valor, de visibilidade e de vínculo como categorias para entender o tipo de midiatização que as igrejas protestantes históricas brasileiras experimentam. Palavras-chave: escritura; imagem, interação; dispositivos comunicacionais; midiatização Para pensar e propor uma política de comunicação, para e pela Igreja, é necessário considerar processos, sistemas, estruturas e meios de comunicação empregados pela Igreja ou possíveis a ela. (Do Plano de Nacional de Missão 2007-2012 da Igreja Metodista) *** A comunicação da IPB começou com o fundador da igreja, rev. Ashbel Green Simonton. Em 1884, ele lançou o primeiro jornal evangélico do Brasil, Imprensa Evangélica. (Do site da Igreja Presbiteriana do Brasil) *** De acordo o Art. 75 do seu Regimento, na Área de Comunicação, com o objetivo de exercer um ministério cristão formador e evangelizador, através dos diferentes veículos de comunicação social, a IELB procura... (Do regimento da Igreja Evangélica Luterana do Brasil) *** A Política de Comunicação na IECLB está expressa no Art 3º da sua constituição: “A IECLB tem por fim e missão propagar o Evangelho de Jesus Cristo e estimular a vida evangélica em família e sociedade, bem como participar do testemunho do Evangelho em todo o mundo.” (Do documento da Política de Comunicação da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) ***

1. Introdução A julgar por sua história e por seus discursos, comunicação jamais foi problema para as igrejas protestantes. Antes, processos comunicacionais constituíram (e constituem, ainda) o alfa e o ômega de sua existência, são sua essência. A comunicação é

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tão naturalmente presente nas igrejas protestantes, que durante os séculos de sua vida, desde a Reforma de Martim Lutero, parece que jamais foi problematizada. Jamais... até meados do século passado, quando os chamados “meios de comunicação de massa” começaram a estabelecer novos paradigmas de comunicação para a sociedade, com reflexos diretos sobre as igrejas e, em particular, as minoritárias igrejas protestantes históricas brasileiras. Nascia ali, em decorrência de práticas de comunicação pelo rádio e pela televisão de instituições concorrentes – as chamadas igrejas eletrônicas – uma “teologia da comunicação protestante”, ou, antes, uma hermenêutica bíblica da comunicação, que buscava responder sistematicamente, com discursos balizadores, aos processos de evangelização mediados por meios massivos, apontando para um imperativo prático comunicacional nem sempre realizável. Assim, se na Reforma do Século XVI, o Protestantismo alcançou rápida difusão valendo-se da literatura reproduzida em larga escala por meio da prensa de tipos móveis, reconfigurando o mundo político e religioso e contribuindo para o estabelecimento das bases de uma sociedade pós-medieval, mostrando-se, assim, “sintonizado” com a nova tecnologia, hoje parece lidar com mais dificuldades com os processos midiáticos, muito mais complexos e dinâmicos que operam diferenças significativas na comunicação da sociedade e, conseqüentemente, das igrejas. Para dar conta dessa complexidade social, as igrejas protestantes históricas, em coerência com sua tradição escrita, formulam discursos sobre comunicação, buscando regular e controlar os processos comunicacionais nos quais estão implicadas. Neste artigo, busco explicitar algumas operações de comunicação que determinadas igrejas protestantes históricas1 realizam no sentido de fazer frente aos processos de midiatização da sociedade, ou seja, busco formular um conjunto de categorias de análise que permitam explicitar os modos como essas igrejas pensam a comunicação e a realizam por meio de acoplamentos sistêmicos de dispositivos de comunicação e dispositivos midiáticos, observando aí lugares de co-operação e de resistências. 1

Os critérios que utilizei para a definição das igrejas pesquisadas foram os seguintes: a) tempo de atividade no Brasil (mais de cem anos); b) número de membros (mais de 300 mil); c) presença em pelo menos três das cinco regiões do país; d) existência de uma organização nacional com sede e direção central; e) confessionalidade fundamentada nos princípios teológicos da Reforma (por exemplo, a autoridade da Bíblia e a salvação pela fé); e f) no caso de uma denominação ter sofrido processos de cisão no Brasil, a escolha recai sobre o tronco original. Assim, ao todo, são quatro as igrejas protestantes que se enquadram nesses critérios: Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Igreja Metodista (IM) e Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) . Os critérios “a”, “b” e “c” visam estabelecer a historicidade, a representatividade populacional e a representatividade geográfica dessas igrejas no país; o item “d” refere-se à qualidade das igrejas de terem uma voz oficial, que chancela os discursos reguladores e zela pela unidade eclesiástica; o item “e” contribui para a definição da identidade protestante histórica; o item “f” serve para valorizar o aspecto original das igrejas em sua continuidade histórica.

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Para dar consistência a essa análise, parto da explicitação de três dimensões da comunicação das igrejas, materializadas em três categorias de dispositivos comunicacionais, ou seja, dispositivos comunicacionais de valor, de visibilidade e de vínculo, que no processo de midiatização eclesial operam em acoplamentos sistêmicos aos dispositivos midiáticos trabalhados por Ferreira (2006) a partir de também três dimensões: a sócio-antropológica, a semio-lingüística e a técnico-tecnológica. Portanto, a questão mais ampla que motiva este artigo envolve os discursos oficiais de determinadas igrejas protestantes históricas brasileiras sobre comunicação em articulação com as práticas comunicacionais midiáticas que ocorrem no interior dessas instituições. Refere-se a um conjunto de reflexões teórico-metodológicas sobre como essas igrejas se relacionam com o campo da comunicação, construindo discursivamente um saber sobre a comunicação e como esse saber repercute em suas práticas midiáticas, observando aí modalidades de resistência do midiático e do religioso aos processos de acoplamentos mútuos. Entre os objetivos específicos desse artigo está o esforço de qualificar as categorias aqui propostas para os dispositivos comunicacionais das igrejas, visando, assim, a estabelecer as bases metodológicas para a compreensão da midiatização protestante brasileira. Assim, na primeira parte, pretendo situar este processo de midiatização no contexto mais amplo da midiatização do religioso, justificando, a partir disso, as três categorias de valor, de visibilidade e de vínculo. Na segunda parte, procuro explicitar tais categorias como dispositivos comunicacionais das igrejas. Por fim, aponto para algumas implicações dessa abordagem na relação com os processos midiáticos observados na relação entre igreja e mídia.

2. Mídia e religião: razões para uma tensa afinidade Na tentativa de compreender uma pequena parte das complexas relações sociais contemporâneas mediadas pela mídia, têm crescido, nos últimos anos, estudos sobre os processos midiáticos que envolvem a mídia e a religião2. Ao abordarem a problemática sobre diversos ângulos, ora na perspectiva econômica, ora sob o aspecto político, ora enfatizando as estratégias, ora analisando seus discursos, ora, ainda, buscando compreender o impacto que causam sobre as igrejas tradicionais ou sobre 2

Tais pesquisas, situadas historicamente, estão centradas em pelo menos três tipos de abordagens: foco sobre os meios ou nas tecnologias midiáticas, tendo a comunicação como transmissão; foco sobre os sujeitos da comunicação, enfatizando a comunicação como processo dialógico; e, mais recentemente, sobre os processos midiáticos, abordando o tema da interface entre mídia e religião como uma problemática de midiatização da sociedade, como trabalham, por exemplo, Fausto Neto, Gomes, Hartmann, Sierra, Gasparetto, Bonelli, Behs entre outros)

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seus processos de midiatização, estes estudos constroem um mosaico complexo sobre as novas religiosidades midiatizadas. O fenômeno da midiatização da religião, portanto, analisado a partir de seus processos, permite diferentes abordagens. No livro Evangélicos e Mídia no Brasil, Alexandre Brasil Fonseca (2003) considera que, no que se refere às igrejas evangélicas brasileiras3, a presença midiática tem três motivos principais: a legitimação social e política, além de posicionamento em relação a temas que envolvem questões morais e de propagação da mentalidade evangélica; a defesa institucional, que implica na divulgação de uma imagem positiva da igreja, mas também, numa postura ofensiva contra outras denominações; o préevangelismo, que consiste de apresentar as propostas da igreja numa forma de fácil aceitação aos mais distintos públicos (Fonseca, 2003: 273-4). Tais motivos parecem suficientes para justificar os processos de midiatização das novas religiosidades midiáticas, mais adequadas teológica e discursivamente aos protocolos midiáticos utilizados nas novas tecnologias de comunicação. No entanto, eles parecem ser insuficientes para justificar os processos de midiatização das igrejas históricas, cujas estruturas e dogmáticas se conformam melhor com os processos midiáticos da modernidade, e explicam apenas parcialmente as razões da midiatização dos grupos católicos, carismáticos ou tradicionais. Maria da Penha Rocha Faccio observa que o perfil da presença da religião na mídia guarda diferenças, por exemplo, de igrejas altamente midiatizadas para outras em processo de midiatização. Num estudo comparativo entre a Rede Record, do bispo Edir Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus, e a Rede Vida, dos católicos, Faccio observou que a primeira é feita para telespectadores, com uma linguagem de televisão e estratégias contemporâneas de mídia, enquanto a Rede Vida ainda é feita para fiéis com uma linguagem arcaica e perfil amador (Faccio, 1998: 97). Isso leva a concluir que não é suficiente às igrejas o uso dos meios, mas faz-se necessário deixar-se contaminar pelo modus operandi do campo midiático. Quanto mais tradicional é a religião, tanto mais difícil parece ser essa “contaminação”. É por esta razão que Pedro Gomes, referindo-se aos processos históricos da comunicação da Igreja Católica, apontou como sendo o grande desafio da Pastoral da Comunicação (e eu diria que também dos setores de comunicação das igrejas protestantes históricas) “superar a visão instrumentalista dos meios e trabalhar na perspectiva de discutir os processos comunicacionais e do estabelecimento de políticas democráticas de comunicação na Igreja e na sociedade” (Gomes, 2005: 26). Em sentido mais amplo, isso deve levar à 3

Ele não se refere às igrejas protestantes históricas.

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reflexão também sobre o próprio modo como as igrejas históricas se modificam e atuam na sociedade contemporânea midiatizada. A partir disso, e tendo em vista as diferentes estratégias utilizadas pelas novas religiosidades e pelas igrejas históricas na sua relação com o campo midiático, a complexidade dos processos de midiatização do campo religioso e a tentativa de encontrar razões comuns ao conjunto de igrejas para que façam uso de dispositivos comunicacionais, entendo que elas buscam na mídia realizar três objetivos principais: 1. obter visibilidade na esfera pública; 2. difundir valores; e 3. estabelecer (e manter) vínculos com seus públicos. A presença das igrejas na mídia, portanto, implica em realizar ações que se relacionam a valores, visibilidade e vínculos. Cada uma destas razões leva a jogar com estratégias midiáticas específicas, mas que se afetam mutuamente no conjunto. Para as mesmas razões, contudo, são utilizadas estratégias midiáticas diferentes de acordo com a lógica que orienta a midiatização das igrejas: ou seja, na economia do contato prevalecem estratégias que valorizam a contagiabilidade. Na economia do contrato, estratégias que implicam em contratualidade4 (Fausto, 2004). Cabe, ainda, observar que além de estratégias midiáticas, as igrejas buscam inserir-se em outros campos sociais, consolidando ações políticas, sociais, econômicas, educacionais, para citar algumas. Mas é a presença da religião na mídia que dá sentido e organiza estas ações. Portanto, a própria midiatização funciona como uma estratégia de legitimação e reconhecimento destas inserções nos demais campos sociais. Tais estratégias encontram lugar em três conjuntos de dispositivos comunicacionais das igrejas, a saber, um conjunto de dispositivos de valor, um de visibilidade e um de vínculos. Nos itens seguintes procuro qualificar essas categorias, o que vai permitir analisar de forma mais sistematizada a relação entre protestantismo e mídia e, mais especificamente, entre discursos sobre comunicação e práticas midiáticas das igrejas.

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As estratégias das novas religiosidades e das igrejas históricas são divergentes entre si, basicamente, quanto à lógica com que operam: por contato para as primeiras, com ênfase na forma, e por contrato para as segundas, com assento sobre o conteúdo. As novas religiosidades midiatizadas operam segundo a lógica do “contato” ou “contágio”, isto é, uma “economia do contato que enseja a seus praticantes não apenas muita coisa para escutar, mas ‘algo’ a mais para olhar, tocar e sentir” (Fausto Neto, 2004: 60). As igrejas históricas por seu lado, operam segundo uma lógica do “contrato” , ou seja, por uma economia centrada em suportes racionais, éticos e que visam ao engajamento a determinados valores e dogmas.

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3. Dispositivos comunicacionais: base de uma construção metodológica A noção de acoplamentos sistêmicos e de operações auto e heterreferenciais têm sido usada por Ferreira (2006) para elaborar o conceito de dispositivo no campo da comunicação. O uso do termo é corrente na comunicação em geral amalgamado ao termo tecnologia e muitas vezes como sinônimo de meios de comunicação, ou seja, os meios de comunicação são, por assim dizer, os dispositivos tecnológicos que realizam o processo de mediação que o campo dos mídias opera em relação aos demais campos sociais. Em Eliseo Verón (1987), por exemplo, a produção e a recepção de mensagens são atravessadas por dispositivos técnico-tecnológicos que condicionam tanto a produção como as práticas de recepção e integram a noção de circulação de discursos. No entanto, o conceito de dispositivo – tecnológico ou não – não corresponde necessariamente a um meio de comunicação ou mídia nem tampouco se restringe ao midiático, já que seu lugar epistemológico é outro (Foucault, Guattari, Deleuze, entre outros). Apesar disso, segundo Ferreira (2002d) e com base em Peraya (1999b), o modo como o conceito de dispositivo tem sido empregado absorve e concretiza o termo mídia. Ou seja, “o termo designa uma série de realidades muito diferentes, às vezes contraditórias: a linguagem, o tipo de mensagem, o sistema técnico de difusão e de recepção, etc” (Peraya, 1999b). Embora o termo dispositivo tenha na literatura da comunicação diversas acepções5, “o valor do conceito de dispositivo é compreender a produção do sentido não só a partir do suporte tecnologia ou linguagem, mas de um conjunto de relações práticas, discursivas e tecnológicas” (Ferreira, 2002: 3). Isso significa dizer que dispositivo no campo da comunicação é, basicamente, a articulação de pelo menos três dimensões (Ferreira, 2006): a sócio-antropológica; a semio-lingüística; e a técnica-tecnológica. Cada uma dessas dimensões produz grandes linhagens de condicionamentos acentuados nas diferenciações epistemológicas no campo da comunicação e constitui-se na matriz sobre a qual opera na medida em que se fecha 5

Jacques Aumont (1995) caracteriza o dispositivo como meios e técnicas, que têm modos de circulação e reprodução, estão acessíveis em determinados lugares e apresentam certos suportes que servem para difundi-los. No jornalismo, os dispositivos são lugares materiais e/ou imateriais nos quais se inscrevem (necessariamente) os textos (linguagem icônica, sonora, gestual etc...). O dispositivo tem uma forma que é sua especificidade, em particular, um modo de estruturação do espaço e do tempo. O dispositivo é também uma ‘matriz’ que impõe suas formas aos textos (Mouillaud, 1997). “Quando tratamos do midium de um gênero de discurso, não basta levar em conta seu suporte material no sentido estrito (oral, escrito, manuscrito, televisivo etc.)... é necessário partir de um dispositivo comunicacional que integre logo de saída o midium. O modo de transporte e de recepção do enunciado condiciona a própria constituição do texto, modela o gênero de discurso” (Maingueneau, 2001: 72 apud Ferreira, 2002).

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como sistema, ou seja, forma na intercessão um sistema autorreferencial. Quando uma díade autorreferencial se articula com outra diferente dela mesma em intercessão sincrônica e diacrônica estamos diante de complexidades que revelam os processos midiáticos como “acoplamentos estruturais que permitem a realização heterorreferencial do midiático” (Ferreira, 2006: 141). Assim, os dispositivos midiáticos atuam como organizadores da produção e consumo de sentidos na sociedade, ao mesmo tempo em que se constituem como dinamizadores dos processos midiáticos. Organização e dinamização são, portanto, dois lados do dispositivo midiático, o que implica dizer que configuram os modos de interação no espaço e no tempo. Mas, entender o que os dispositivos fazem e como fazem nos permite apreender apenas uma parte da complexidade dos processos midiáticos. Outra implica em observar como os dispositivos midiáticos, em sentido estrito, se interpenetram, se interacionam, se condicionam e se modificam mutuamente e a si próprios, operando, conseqüentemente, transformações também nos modos de produção e consumo de sentidos. No caso de minha pesquisa, implica em observar as diferenças no modo como as igrejas se encontram no midiático e realizam as estratégias de visibilidade, de difusão de valores e de estabelecimento de vínculos, constituindo para si mesmas e no interior de suas estruturas os seus próprios dispositivos de mídia. Tomados na perspectiva de acoplamentos sistêmicos de três dimensões, os dispositivos comunicacionais – midiáticos ou não – constituem-se como lugar observável dos processos comunicativos e midiáticos do campo religioso em intersecção com o campo midiático. Nesse sentido, é possível afirmar que o dispositivo é uma materialidade tecnológica, simbólica e social, ou seja, tem uma consistência técnicotecnológica visível, que é inseparável de sua essência simbólica (de lugar de circulação de sentidos), portanto, discursiva, e que serve para produzir comunicação auto e heterorreferenciando-se continuamente. A partir daí, e para compreender os processos midiáticos nos quais as igrejas protestantes estão implicadas, valho-me do conceito de dispositivo nessa perspectiva triádica para identificar, nas instituições aqui pesquisadas os três tipos de dispositivos de comunicação já mencionados que, em processos de intersecção sistêmica com o campo dos mídias, nos permite ver os modos como se dá a midiatização protestante, em acoplamentos e resistências mútuas, passando por operações de dizer e de fazer a comunicação no midiático-religioso.

3.1 Dispositivos de valor Para o protestantismo, as Sagradas Escrituras são a autoridade máxima em

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questões de fé. Essa valorização da escritura perpassa toda a teologia protestante e é observável, por exemplo, na fundamentação das suas políticas de comunicação, referenciando-as aos textos bíblicos. A Bíblia, então, constitui-se em um dispositivo de valor das igrejas protestantes. Mas, também o são os seus regulamentos, seus dogmas, os cânones basilares e, inclusive, as suas políticas expressas em documentos normativos. Em outras palavras, dispositivos comunicacionais de valor estão relacionados a processos de escrituração das crenças, escrituração que substitui “a sistematicidade objetiva das mitologias pela coerência intencional das teologias, e até por filosofias” (Bourdieu, 2007: 38) em operações de ajustes das tradições mítico-rituais às normas éticas e à visão de mundo dos seus destinatários feitas pelos especialistas do campo religioso (sacerdotes). No caso da tradição cristã, esse processo de fixação de crenças se origina de duas tradições escritas, a judaica e a grega. O fato de a segunda suplantar a primeira como escritura hegemônica das primeiras comunidades cristãs – exemplo das cartas apostólicas e os textos narrativos dos evangelhos – estabelece os paradigmas do pensamento dogmático da nova religião, pois, como observa Havelock, a escritura alfabética dos gregos, criada a partir do século IX a.C, constitui-se numa “peça de tecnologia explosiva, revolucionária pelos seus efeitos na cultura humana” (Havelock, 1996: 14), na medida em que permitia não apenas descrever eventos – característica da fala iletrada – mas enunciar proposições – característica da fala pósletrada –, ou seja, produzir reflexão. Nessa perspectiva, “o conteúdo do que se comunica é regido pela tecnologia utilizada, mas também assevera que essa mesma tecnologia pode ter uma função causal na determinação do modo como pensamos” (Havelock, 1996: 17). Isso significa dizer que está implícito nas escrituras um conjunto de valores que constitui certa visão de mundo. Mas deve-se acrescentar ainda que não é apenas a produção de conteúdo que é afetada pelo dispositivo, mas também a sua circulação e recepção, construindo relações de sentido. Os dispositivos comunicacionais de valor das igrejas protestantes, portanto, são produto e produtores de uma teologia comunicacional, e mais, da própria igreja, como observa Bourdieu interpretando Max Weber: “Existe igreja, (...) quando existe um corpo de profissionais (sacerdotes) distintos do ‘mundo’ e burocraticamente organizados no que concerne à carreira, à remuneração, aos deveres profissionais e ao modo de vida extraprofissional; quando os dogmas e os cultos são racionalizados, consignados em livros sagrados, comentados e inculcados através de um ensinamento sistemático e não apenas sob a forma de uma preparação técnica; enfim, quando todas essas tarefas se cumprem numa comunidade institucionalizada” (Bourdieu,

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2007: 97). Assim, os dispositivos comunicacionais de valor são sócio-antropológicos mas em co-operações sistêmicas com a tecnologia e a linguagem.

3.2 Dispositivos de visibilidade O “paradigma de Tomé” – ver para crer – vem se tornando cada vez mais referencial na sociedade contemporânea. Prova ontológica, a imagem se constitui num capital das organizações e instituições. Parecer ser e aparecer para ser são duas faces de um mesmo processo de visibilização, com múltiplos suportes, formas, funções e atributos, que instaura o que, para alguns, é a cultura da imagem, ou seja, uma supervalorização da visão. Mas o visual, como propõe Lucrécia Ferrara (2002, p.101), pode ser pensado segundo duas categorias: a visualidade e a visibilidade. “A visualidade corresponde à constatação visual de uma referência e, mais passiva, limita-se ao registro decorrente de estímulos sensíveis. A visibilidade, ao contrário, é propriamente semiótica, pois é compatível com a cognição perceptiva como alteridade que caracteriza e desafia a densidade sígnica”. Mais especificamente, uso o termo visibilidade para designar um conjunto de dispositivos das igrejas como um princípio de inteligibilidade ou de percepção, referindo-se tanto a um mundo visível e a um plano de imanência, como a um mundo invisível e a um plano transcendente (Masella, 2008: 11). Nesse sentido, o seu significado ultrapassa o mais comum, que é o de visibilidade como publicidade – o de tornar pública uma informação, e o incorpora. Tomados nessa perspectiva, dispositivos de visibilidade, portanto, relacionamse com as formas simbólicas de distinção das igrejas, ou seja, seus paramentos, as vestes clericais, os símbolos identitários, como as logomarcas, a arquitetura de seus espaços de culto, entre outros. Nesse aspecto, para além de deterem um domínio específico da experiência6, as igrejas também possuem uma simbólica própria, pela qual asseguram a sua visibilidade pública (Rodrigues, 2000). Essa simbólica é formal, porque “é regulada por regras, tanto constitutivas como normativas, caracterizadas pelo rigor das suas manifestações e pela exclusividade do seu uso por parte dos membros competentes que formam o seu corpo social” (Rodrigues, 2000). Mas há uma simbólica informal, que consiste no apagamento sistemático de marcas distintivas e visa a assegurar a permeabilidade da sociedade por parte do campo em que vigora. Os

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“A experiência compreende um conjunto de saberes formados de crenças firmes, fundamentadas no hábito... Parto da hipótese de que os saberes da experiência são inalienáveis, uma vez que não podemos prescindir deles, embora não possam ser fundamentados racionalmente por proposições científicas de natureza apodíctica” (RODRIGUES, 2000).

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campos sociais conformados na primeira modernidade tendem a uma simbólica mais formal, como o religioso, o militar, o médico. Os da modernidade tardia, como o campo dos mídias, a uma simbólica informal. Os especialistas do campo tendem a ostentar, no caso dos campos que possuem uma simbólica formal, as marcas simbólicas da sua competência no exercício, tanto da sua competência discursiva, como da sua competência pragmática. No caso dos campos que possuem uma simbólica informal, o corpo social tende a ostentar a ausência dessas marcas. Estas caracterizações relacionam-se, em última análise, com a publicidade de um campo social, ou seja, “o processo de tornar público, resultante da compatibilização entre a legitimidade de um campo com a legitimidade dos diferentes campos sociais” (Rodrigues, 2000). A publicidade opera para que um campo social imponha ao conjunto da sociedade a lógica que constitui a sua especificidade a partir da fragmentação da experiência e defenda a sua legitimidade perante esta sociedade e os demais campos sociais. Os dispositivos de visibilidade, portanto, constituem o segundo conjunto de dispositivos de comunicação das igrejas protestantes e permitem a afirmação da identidade pela diferença em relação ao outro distinto delas mesmas; uma visibilidade materializada por uma simbólica simultaneamente imanente e transcendente, visível e invisível. Exemplo desses dispositivos estão presentes já no primeiro século da era cristã. Imagens como a cruz, o peixe, o cordeiro eram usadas como marcas de identidade, que ao mesmo tempo revelavam e ocultavam os primeiros cristãos, como estratégia de sobrevivência em meio à perseguição do império romano. Tais imagens atravessaram os séculos e ainda hoje servem de identidade para as igrejas, mas sua atualização oculta a sua transcendência histórica e simbólica. Exemplos de dispositivos comunicacionais de visibilidade são as páginas das igrejas na web, as imagens de ritos e as logomarcas.

3.3 Dispositivos de vínculos A Igreja é a comunhão dos santos, expressa o credo comum às igrejas cristãs. Essa comunhão, afirmada como valor eclesial e teológico, manifesta-se em processos de interação de diferentes características. Nas comunidades do primeiro século da era cristã, a comunhão manifestava-se na forma de vínculos familiares ou de vizinhança, pois a igreja reunia-se em pequenos grupos familiares e comunitários. As casas constituíam, assim, dispositivos de vínculo, mas também as correspondências trocadas entre os líderes cristãos e as comunidades podem ser entendidos como dispositivos co-

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municacionais de vínculo. Os processos interacionais, portanto, se davam por uma presença, marcada pela visita do missionário, pela entrega pessoal de cartas, ou pela vivência da fé em comum em lugares como as casas ou as sinagogas. Os dispositivos comunicacionais de vínculo são, assim, o modo como as igrejas promovem a interação com seu corpo social e com os demais públicos, ou sejam, criam, na linguagem teológica, “comunhão” ou, na linguagem comunicacional, promovem a circulação de bens simbólicos compartilhados entre produção e consumo, criando uma relação de troca simbólica. Nesse sentido, os sistemas de pertencimento operados pelas igrejas – as formas de ingresso (ritos de entrada), os modos de associação (contribuinte/nãocontribuinte, membro ativo/inativo, etc.) os fichários de membros, listas de endereços, os boletins ou informativos, os ofícios e cultos, as relações ecumênicas, os eventos sociais, entre outros – constituem dispositivos de vínculo, ou seja, modos de organizar e dinamizar as formas de interação que, partindo do face a face se multiplicam em complexas redes, operadas por meio de processos midiáticos de interação diferida e difusa (Braga, 2001)

4. Mídia protestantismo histórico: questões para seguir refletindo... Se é verdade que os dispositivos comunicacionais das igrejas protestantes, aqui qualificados como de valor, de visibilidade e de vínculo, contribuem para a realização dos objetivos das igrejas, quais sejam, difundir o evangelho (valor), estabelecer uma imagem pública e promover processos de interação com seus públicos, também é verdade que esses dispositivos sofrem transformações quando operam em cooperação com dispositivos midiáticos. Essa correlação de forças não se dá sem conflitos nem sem deixar marcas do midiático nos dispositivos eclesiásticos, como, por exemplo, as novas hermenêuticas bíblicas, o desaparecimento de certas marcas de visibilidade ou o estabelecimento de vínculos dos públicos com a mídia da igreja e não com a igreja. Os documentos7 sobre comunicação elaborados pelas igrejas – que venho

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Analisei até o momento alguns documentos das igrejas Luterana, de Confissão Luterana e Metodista que correspondem, respectivamente, ao artigo 75 do Regimento Interno, ao Documento da Política de Comunicação e ao item Comunicação do capítulo III – as Bases da Ação Missionária – do Plano Nacional 2002-2006. Quanto às práticas comunicacionais midiáticas das igrejas, detive-me no reconhecimento preliminar, do programa radiofônico A Hora Luterana, de Cristo para Todas as Nações, da Igreja Luterana; do programa radiofônico Um Olhar para o Vale, da Igreja de Confissão Luterana, e do jornal mensal Expositor Cristão, edição de abril de 2007da Igreja Metodista.

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analisando e que aqui apenas refiro sem citá-los – apresentam tendência a valorizar a dimensão sócio-antropológica da comunicação. Comunicar é da própria natureza da Igreja e refere-se, sobretudo a processos dialogais, onde a transmissão da mensagem evangélica é o que constitui a natureza comunicacional da igreja. Nesse sentido, não há diferenciação entre comunicação e mídia. A mídia é apenas mais um modo de se comunicar. É esta dimensão, construída a partir do campo religioso, que procura sobredeterminar as demais dimensões semio-lingüística e tecno-tecnológica. Ela é tanto mais forte quanto mais o conceito de comunicação das igrejas ignore o midiático. Ao mesmo tempo, quanto mais o midiático invade o campo religioso, mais aquela concepção tende a sofrer os acoplamentos, em maior grau da dimensão técnicatecnológica e, em menor, da semiolingüística. Aliás, os sentidos e os discursos midiáticos são acolhidos apenas como mensagens e parece que se mantém ainda para as igrejas a idéia de que a mídia apenas transmite mensagens, ou seja, que os meios são instrumentos. A análise das práticas/obras mostra que elas se articulam fortemente com os valores das igrejas, o que confirma a relação instrumental da igreja com os meios. Nesse sentido, as obras correspondem aos discursos. Mas é possível observar marcas de uma lógica da mídia que escapa ao controle eclesiástico, as quais precisam ser melhor qualificadas, como por exemplo, a temporalidade, que realiza mudanças nos modos de discursividade das igrejas. Resulta dessa observação que, aparentemente, quanto mais o discurso regulador é fechado num tipo de comunicação de sentido interacionista dialógico ou mesmo informacional, mais as obras midiáticas são abertas ao extra-eclesial. Por outro lado, quanto mais o discurso das igrejas procure abranger os vários aspectos da comunicação social, mais intra-eclesial são as obras midiáticas. Essa suspeita deve ser investigada com profundidade em outras obras, no decorrer da minha pesquisa. O que transparece, contudo, é que as obras são condicionadas pelos valores eclesiais, sem o quê não seriam obras midiáticas das igrejas. Mas também que os dispositivos midiáticos tendem a ser tomados como extensão dos dispositivos comunicacionais de valor, de visibilidade e de vínculos acima qualificados. Caracterizam-se, portanto, como processos de acoplamentos sistêmicos mútuos e dinâmicos. A análise permite suspeitar que tais dispositivos constituem, cada qual, sistemas de operações e de percepção a partir do habitus condicionado pelas condições de existência de cada igreja, condições estas que são discursivas, mas também sociais e tecnológicas. Estes dispositivos sofrem acoplamentos diversos e oferecem resis-

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tência aos dispositivos de mídia que as igrejas instituem para alcançar os seus objetivos, quais sejam, os de propagar os seus valores, estabelecer vínculos e obter visibilidade na esfera pública. A midiatização, portanto, ocorre quando os processos midiáticos, através de dispositivos midiáticos, operam diferenças nos demais dispositivos das igrejas, por meio de operações auto e heterorreferenciais mútuas. Os dispositivos, nessa perspectiva, embora não prescindam de sua materialidade, são mais do que ela, porque se produzem por meio de acoplamentos sistêmicos; são produto e produtor da linguagem, da sociedade e da tecnologia. Esse processo reconfigura também as próprias igrejas, modificando as relações de poder dos agentes internos (sacerdotes e leigos) e alterando as interações entre as instituições religiosas concorrentes e o campo dos mídias. A observação dos discursos das igrejas sobre comunicação, portanto, revela as marcas dos dispositivos eclesiais de valor, visibilidade e vínculo. Nas obras, vê-se os processos de “contaminação” desses sistemas de percepção pelas operações de valor, de visibilidade e de vínculo realizadas pelos dispositivos midiáticos do campo religioso. As obras midiáticas são percebidas como produtos da mídia, ainda que os agentes do campo religioso, por meio dos dispositivos eclesiásticos, procurem regular essas práticas. Resulta assim que, na circulação das informações no sistema – na comunicação – as condições de existência das igrejas se modificam, produzindo alterações no habitus religioso. O habitus modificado produz, por sua vez, práticas e obras distintas, bem como altera a percepção delas. Nesse processo espiralado, o próprio campo religioso e as igrejas em particular são outra coisa que aquilo que seriam sem a interferência dos processos midiáticos. É nesses processos de autopoiesis, a partir de questões que fazem sentido, que a midiatização vai penetrando as instituições religiosas, ainda que elas tomem esses processos com reticências e resistências. Desde o primeiro século, a Igreja tratou de ser comunicação, valendo-se para isso de dispositivos como as cartas dos apóstolos, as imagens como a cruz e os pequenos encontros em casas de famílias. As escrituras, a simbólica e a comunhão são três dimensões da comunicação da igreja. Essas três dimensões referem-se ao que tenho abordado como dispositivos comunicacionais de valor, de visibilidade e de vínculo. Nesse artigo tentei explicitar essas categorias e colocando-as em relação com dispositivos midiáticos, me levam agora a perguntar, com Hoover (1997), que religião é essa que emerge da mídia. Mas também, no caso do protestantismo histórico brasi-

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leiro, acrescentaria: o que ainda permanece protestante em face da midiatização?

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