Possessoria Solange

  • December 2019
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO REGIONAL I - SANTANA 5ª VARA CÍVEL Av. Engenheiro Caetano Álvares, 594, 2º andar, salas 241 e 243, Casa Verde - CEP 02546-000, Fone: 113951-2525, São Paulo-SP - E-mail: [email protected]

SENTENÇA Processo nº:

001.08.612277-1 - Possessórias Em Geral(reintegração, Manutenção, Interdito) Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo - Bancoop Solange Costa Alves de Rodrigues

Requerente: Requerido:

Juiz(ª) de Direito Dr.(ª): Enéas Costa Garcia Vistos. 1. COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE SÃO PAULO - BANCOOP, qualificada nos autos, ingressou com ação de reintegração de posse contra SOLANGE COSTA ALVES DE RODRIGUES, alegando, em síntese, que a requerida aderiu à cooperativa autora visando a construção e aquisição de um imóvel, assumindo obrigação de pagamento das parcelas do preço estimado e de arcar com eventuais valores suplementares que fossem necessários no curso do empreendimento. Relata que a requerida deixou de cumprir a obrigação de pagamento das parcelas avençadas, sendo constituída em mora. Sustenta que o inadimplemento é causa de eliminação da cooperativa, o que torna viciada a posse que a requerida exerce sobre o bem da autora. Pretende o acolhimento do pedido para concessão de liminar de reintegração de posse e condenação da ré ao pagamento de indenização, no montante não inferior a 0,1% ao dia, sobre o valor do imóvel, desde a data da eliminação da cooperada até a efetiva desocupação.

2. Antes mesmo da citação a requerida ingressou nos autos e apresentou contestação (fls. 78/101). Alega em defesa: a) que foram quitadas as prestações originalmente previstas no contrato, buscando a autora a cobrança de saldo residual não comprovado; b) que está em curso ação coletiva na qual se discute a inexigibilidade da referida cobrança; c) conexão com a ação coletiva e necessidade de suspensão do processo em razão da

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prejudicialidade; d) litispendência; e) que o real negócio existente entre as partes é de compra e venda de imóvel e não cooperativa; f) que não houve aprovação da Assembléia quanto ao rateio e g) impossibilidade de concessão de liminar.

3. A liminar não foi deferida (fls. 201/202) e veio aos autos a réplica (fls. 205/230). É o relatório. DECIDO.

4. O feito comporta julgamento antecipado, sendo dispensável produção de prova oral, nos termos do art. 330, I do Código de Processo Civil.

5. Não há litispendência. Há ação coletiva cujo objeto é a discussão da admissibilidade da cobrança do resíduo, o que em tese determina a existência de prejudicialidade, a qual poderia levar a reunião dos processos por conexão. Porém, há que se considerar que a reunião de processos não é cogente (RT 493/137, 499/222, 600/194

Theotônio Negrão & José Roberto F. Gouvêa, Código de

Processo Civil e legislação processual em vigor, 37ª ed., p. 228) e os elementos colhidos no caso sub judice já permitem o julgamento desde logo da controvérsia, não sendo conveniente a reunião dos processos. As demais questões deduzidas a título de preliminar ligam-se ao mérito e nesta condição serão analisadas.

6. No mérito, a ação é improcedente. Na inicial a autora relata a existência de ação promovida por associados e sustenta que não estaria cobrando o resíduo, mas apenas o preço originalmente estimado: “salientamos que na presente ação não estamos discutindo qualquer valor referente à apuração final que vem sendo discutida em outra demanda e sim as parcelas relativas ao valor inicialmente pactuado e que não foram quitadas pela Ré” (fls. 9/10). Ocorre que a autora não indica quais seriam estas prestações originais do

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contrato que não foram pagas. De outro lado, no documento juntado pela autora (fls. 51/52) há indicação do pagamento integral das parcelas do contrato, inclusive com indicação do pagamento de 100% do valor sob a rubrica “Valor pago CA” (fls. 52). E na réplica a autora defende a cobrança do resíduo final, o que somente vem confirmar que este é o objeto da lide, diversamente do alegado na inicial. Esta imprecisão da inicial afirmando que estaria a requerida em débito quanto aos valores originais do contrato já é suficiente para a improcedência do pedido. Ad argumentandum, adotando a premissa de que a cobrança envolve o valor residual, o pedido também não poderia ser acolhido. Não se discute a legitimidade da cobrança de eventuais resíduos oriundos da construção dos imóveis no sistema de cooperativa. A cobrança de resíduos é admitida pela Lei nº 5.764/71, que rege as cooperativas. Assim, o art. 21, IV da Lei nº 5.764/71 determina que os Estatutos das Cooperativas devem indicar: “a forma de devolução das sobras registradas aos associados, ou do rateio das perdas apuradas por insuficiência de contribuição para cobertura das despesas da sociedade.” Normas específicas sobre rateio encontram-se nos art. 80 e 89 da Lei nº 5.764/71. Em que pese a existência desta obrigação, no caso sub judice a autora não observou os requisitos legais para esta cobrança. A cobrança deste rateio de despesas adicionais na construção deve ser objeto de aprovação pela Assembléia dos cooperados. Neste sentido o art. 44 da Lei nº 5.764/71: “Art. 44. A Assembléia Geral Ordinária, que se realizará anualmente nos 3 (três) primeiros meses após o término do exercício social, deliberará sobre os seguintes assuntos que deverão constar da ordem do dia: I - prestação de contas dos órgãos de administração acompanhada de parecer do Conselho Fiscal, compreendendo:

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a) relatório da gestão; b) balanço; c) demonstrativo das sobras apuradas ou das perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para cobertura das despesas da sociedade e o parecer do Conselho Fiscal. II - destinação das sobras apuradas ou rateio das perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para cobertura das despesas da sociedade, deduzindo-se, no primeiro caso as parcelas para os Fundos Obrigatórios; No mesmo sentido dispõe o Estatuto da Cooperativa autora, cujo art. 39, II reproduz a Lei nº 5.764/71, determinando que compete à Assembléia Geral Ordinária deliberar sobre as sobras ou rateio das perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para cobertura de despesas da sociedade. O art. 79, §2º do Estatuto prevê a necessidade de aprovação em assembléia do rateio: “As perdas verificadas, que não tenham cobertura no Fundo de Reserva, serão rateadas entre os associados após a aprovação do Balanço pela Assembléia Geral Ordinária na proporção das operações que houver realizado com a Cooperativa.” Por fim, o “termo de adesão”, na cláusula 16ª também faz menção à assembléia para definição da apuração final das obrigações dos cooperados. Assim, ainda que a cooperativa esteja legalmente autorizada a cobrar eventuais resíduos, tal cobrança somente é possível com observância dos requisitos formais que constam da Lei nº 5.764/71 e dos Estatutos da Cooperativa, especialmente a necessidade de aprovação de contas e deliberação da Assembléia. Estes requisitos não foram observados no caso sub judice. Não há demonstração da aprovação de contas, da apuração do resíduo e da aprovação da Assembléia quanto à forma de rateio. Assim, inviável a cobrança e a demissão da requerida da associação. Logo, improcedente a ação possessória. Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em caso envolvendo a mesma cooperativa:

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“A autora celebrou com os réus "Termo de Adesão e Compromisso de Participação", consistente na aquisição de unidade habitacional, mediante sistema de autofinanciamento, a preço de custo. Pois bem Construído o empreendimento pelo sistema coorperativo, foi a obra entregue, com saldo a finalizar. E, no caso, ao que tudo indica, nada mais fez a cooperativa do que efetuar o rateio dos custos entre os proprietários das unidades habitacionais, conforme claramente prevê a cláusula 16ª do contrato firmado entre as partes (fls. 115). Lembre-se que, como os imóveis foram construídos a preço de custo, cada cooperado, ao final da obra, deve ter contribuído com a quantia necessária à construção da unidade residencial que lhe foi atribuída. Ocorre, porém, que para sua exigibilidade se faz necessário que os valores sejam apurados pela cooperativa e aprovados em assembléia, de modo a prevalecer a vontade da maioria. Atente-se que, na hipótese, a autora não comprovou a extensão dos custos. Aliás, e como bem observou o juízo, '...atribuiu de forma unilateral valores que seriam de responsabilidade dos adquirentes-cooperados, mas em momento algum trouxe aos autos qualquer relação com o custo das obras, materiais utilizados, mão-de-obra empregada e respectivos comprovantes de desembolso dos valores', (fl. 327/328). E não se pode olvidar que tal demonstração se mostrava indispensável à exigência do saldo residual, além da autorização da assembléia autorizando o rateio das despesas, pois, respeitada a autonomia da vontade assemblear, representativa da maioria, somente assim poderia a autora exigir dos réus o cumprimento da obrigação ali estabelecida. (...) ” (TJSP 6ª Câm. - Ap. nº 602.217-4/4-00 - Rel. Vito Guglielmi j. 11/12/2008).

No mesmo sentido: “Cooperativa habitacional - Contrato de compromisso de compra e venda - Declaratória de inexigibilidade de débito - Omissão na realização das assembléias pertinentes e obrigatórias - Cobrança de saldo residual sem respaldo legal - Cálculo produzido unilateralmente sem a necessária prestação de contas documentada - Consumidor em desvantagem excessiva - Obrigatoriedade da outorga de escritura definitiva Recurso improvido.” (TJSP 8ª Câm. - Ap. nº 582.881.4/000 - Rel. Joaquim Garcia j. 5/11/2008). “Declaratória - Cobrança indevida de resíduo - Agravo retido prejudicado - O Termo de Adesão, na sua cláusula 16ª e do Estatuto, artigos 22 e 39, são claros ao dispor que é possível o rateio de despesas, mas desde que concluída a obra, além do cumprimento de todas as obrigações pelos cooperados e autorização de Assembléia Geral - Prova dos autos que demonstra que a obra não foi concluída e que não houve

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Assembléia Geral autorizando o rateio de despesas - Prejudicado o agravo retido, nega-se provimento à apelação.” (TJSP 3ª Câm - Ap. nº 527.602.450-0 - Rel. Artur Cesar Beretta da Silveira j. 04/12/2007). “Cooperativa que cobra, seguidamente, resíduos dos compradores - O fato de a cooperativa habitacional invocar o regime da Lei 5764/71, para proteger seus interesses, não significa que o cooperado esteja desamparado, pois as normas gerais do contrato, os dispositivos que tutelam o consumidor e a lei de incorporação imobiliária, atuam como referências de que, nos negócios onerosos, os saldos residuais somente são exigíveis quando devidamente demonstrados, calculados e provados Inocorrência - Não provimento.” (TJSP 4ª Câm - Ap. nº 478.060.4/0 Rel. Enio Santarelli Zuliani j. 06/03/2008).

Prejudicadas as demais alegações, considerando que não preenchidos os requisitos formais para cobrança do valor residual. No que concerne ao reconhecimento de litigância de má-fé, considerando a discrepância que existe entre a inicial (fls. 10) e a posterior defesa da autora (fls. 219/224), ora negando, ora afirmando que a cobrança envolve o resíduo, entendo caracterizada a violação dos deveres processuais, nos termos do art. 17, II do Código de Processo Civil

7. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido. Com fundamento no art. 17, II c.c. art. 18 do Código de Processo Civil, reconheço a litigância de má-fé, condenando a autora ao pagamento de multa de 1% do valor da causa e indenização, arbitrada em 10% do valor da causa (art. 18, §2º do CPC). Condeno a autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% do valor da causa. Nos termos do art. 475-J do CPC, fica a autora advertida de que o não cumprimento da condenação no prazo de 15 dias, contado da sua exigibilidade, implicará a incidência de multa no percentual de 10% do valor do débito.

P. R. I

São Paulo, 26 de fevereiro de 2009.

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