Poesia e Espiritualidades: Duas vias no encontro entre o homem, Deus e a linguagem Há alguns anos, num encontro sobre Liturgia promovido pelo Instituto de Estudos em Religião (ISER/RJ), fui convidado para dar uma oficina sobre Poesia. Naquela ocasião, falei sobre a descoberta que tinha feito a respeito de duas maneiras pelas quais os poetas se aproximavam de Deus.Lembrando os monges e sua oração contemplativa, chamei de sensibilidade apofática e catafática essas formas de falar o encontro com o sagrado. A via apofática era, para os monges, uma maneira de chegar a Deus se afastando do mundo, dos símbolos, das coisas, das pessoas, em solidão e contrição. Era preciso encontrar Deus reconhecendo tudo o que Ele não era. O incognoscível, o indizível, o inefável, o Outro. Este poema representa bem a maneira apofática: “O que Deus é ninguém sabe. Nem luz nem espírito, Nem bem-aventurança, nem unidade, nem o que chamamos Deidade, Nem sabedoria, nem inteligência, nem amor, nem querer, nem bondade Nem coisa, nem tampouco não-coisa, nem essência, nem sentimento, É o que nem eu, nem tu, nem ninguém Podemos provar enquanto não passarmos a ser o que Ele é.” Ângelus Silesius/O Peregrino Querubínico (1675)1 Os monges franciscanos também se aproximavam de Deus louvando tudo o que existe, vendo um pedaço de divino em cada coisa. A via catafática era uma sensibilidade cósmica, extrovertida, comungante: “Assim vai rumo a ti a corrente das coisas. E como as taças mais altas dos chafarizes Transbordam sempre, como se madeixas De soltos cabelos, para as mais baixas: Tudo assim cai em ti, em tua várzea, Quando as coisas e as idéias transbordam.” Rilke/Livro das Horas (1899)2 A idéia de nomear duas sensibilidades estéticas diferentes para a poesia que se aproxima do sagrado me veio de um estudo realizado pelo poeta, crítico, professor da UFRS, doutor em filosofia, Armindo Trevisan. Neste estudo, chamado ‘Notas sobre o Cântico do Sol’3, Armindo dizia entrever duas sensibilidades numa mesma fé cristã – a sensibilidade católica e a sensibilidade protestante. Preferi nomear as sensibilidades de maneira neutra, fazendo um esforço de comunhão. Inclusive porque, nos poetas modernos e contemporâneos cristãos ou não, as maneiras apofática e catafática se misturam, por vezes, num mesmo poema. Assim é com os modernos Murilo Mendes, Jorge de Lima, Cecília Meireles. Ou com os próprios poemas de Armindo, de Carlos Nejar, Adélia Prado, para falar dos brasileiros vivos e produzindo. Quem ainda acredita em Deus – e talvez mais ainda quem não acredita - precisa conhecer estes novos salmos e cânticos, que expressam a busca/encontro de Deus neste tempo que se chama hoje.
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Ângelus Silesius O Peregrino Querubínico pg 139 Loyola SP 1996 Rainer Maria Rilke O Livro de Horas pg 107 Civilização Brasileira RJ 1993 3 Armindo Trevisan A Sombra Luminosa Ensaios de Estética Cristã pg 25-35 Vozes Petrópolis 1994 2