Ping Pong

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Faculdade de Letras da Universidade do Porto Departamento de Ciências e Técnicas do Património

Arte do Século XX (II) Vitor Silva Cravo Sofia Guedes

Faculdade de Letras da Universidade do Porto Departamento de Ciências e Técnicas do Património

análise de uma obra:

de

Arte do Século XX (II) Vitor Silva Cravo Sofia Cláudia das Neves Guedes

2008

“PING-PONG” Mário Bismarck Acrílico, Carvão e Tinta da China s/ Tela 97x160cm 1999

Esta obra insere-se numa série de quadros intitulada Bolas. O pintor procede à fragmentação da superfície da tela dividindo-a em duas partes claramente distintas, sendo que uma delas apenas ocupa na tela 1/5 da superfície total. Na área maior encontra-se uma pintura a acrílico e na menor, um desenho a carvão. É curioso como o autor coloca a técnica do desenho lado a lado com a técnica da pintura pois durante largo período de tempo o desenho foi considerado um auxiliar e um subordinado das artes, raramente apreciado como um produto final. Na superfície maior da tela está representado um grupo de quatro figuras (da esquerda para a direita – duas mulheres e dois homens) que reproduz poses clássicas. Estas figuras envergam também panejamento

e

acessórios clássicos e estão dispostas de forma a descrever uma linha oblíqua ascendente que se inicia com a mulher sentada, passa pela mulher curvada e prolonga-se pelas duas figuras masculinas de pé terminando na figura feminina representada na outra parte do quadro. Pelo tratamento dos volumes é perceptível que o foco de luz está direccionado da esquerda para a direita. O tom ocre domina este espaço da tela, somente as vestes introduzem novas cores: amarelos, branco, azul e vermelho. Quer o branco quer o azul ganham uma força vibrática pelo contraste e complemento que impõem respectivamente. É a mulher de branco quem se encontra no centro da composição. Sobre o ocre do fundo são aplicadas pinceladas livres de cor. O próprio tom ocre não é uniforme e plano, aparece como que manchado. A composição é assimétrica: as figuras estão concentradas à direita da tela deixando o lado esquerdo praticamente vazio. Este desequilíbrio é apaziguado com uma pilastra e com um pequeno círculo amarelo. Quer pelo tratamento da cor quer pelo tratamento esquemático das figuras a imagem transmite-me uma sensação de inacabado. O rosto é tratado mais sumariamente que o corpo ao qual o artista dedica uma maior atenção. Para destacar um ou outro pormenor das figuras e das pilastras o pintor recorre à linha de contorno estabelecendo os limites bidimensionais das figuras, distinguindo-as do restante e dando-lhes forma. A linha é um dos elementos III

principais do desenho e aqui parece acentuar a presença do desenho no quadro. Tal remete-me para o ideal do Renascimento, período artístico em que «il disegno» era considerado a base da pintura e da escultura. Até então nenhum escultor europeu devia ser apto para desenhar e os únicos escultores medievais que desenhavam eram aqueles cujas profissões requeriam o desenho bidimensional, como os ourives e os gravadores. Os escultores quando necessitavam de um desenho encarregavam essa tarefa a outrem. Outra conquista do renascimento foi a criação do espaço na tela. O chão e o tecto foram considerados necessários para estabelecer uma composição. No quadro o pintor obtém a profundidade através da disposição das figuras no espaço e das pilastras, ligeiramente mais recuadas. No dado caso, estas também preenchem um vazio e equilibram a composição.

“DESENHO DE MULHER” – Sandro Boticelli

Contudo o modo como a cor invade o espaço e relega a forma para um plano secundário (o espaço a três dimensões é obtido através da leitura do movimento implícito nas figuras mas não é arquitectonicamente definido, as figuras em certos aspectos assemelham-se a esboços e a presença espontânea de pinceladas de cor) lembra-me os pintores venezianos. O Renascimento desenvolveu-se de maneira diferente em Veneza devido ao seu IV

carácter fortemente comercial. Os venezianos, marcados pelo comércio com o oriente, aspiravam a uma vida de luxo e de riqueza. Enquanto que em Florença os artistas colocavam a ênfase na perspectiva e na composição já os pintores venezianos consideravam a cor como o meio principal de ligar as várias figuras duma imagem. Ora estas tendências conquistadas pelo Renascimento vão ser retomadas ao longo da História da Arte: •

no

século

XVIII

os

pintores

neoclássicos

vão

preocupar-se

essencialmente com a forma e a geometria aplicada à composição e quase em simultâneo os pintores românticos vão optar pela cor em detrimento da forma tornando-a num meio de transmitir emoções; • no século XIX os impressionistas vão seguir na esteira da tradição renascentista e voltam os seus olhos para a natureza. Mas abordam-na de maneira diferente. Interessava-lhes captar o carácter mutável e fugaz dos efeitos da luz na natureza. Para isso abandonaram o atelier e instalaram-se ao ar livre passando a aplicar a cor pura directamente na tela através de rápidas pinceladas. As pinturas tendiam assim para um brilho, até então ímpar na história da arte, e para um aspecto de contornos difusos resultantes da rápida aplicação das tintas e da maior preocupação com o colorido.

“O RAPTO DA EUROPA” – Ticiano Vecellio

Ou seja, a influência do Renascimento florentino e veneziano fez-se sentir ao longo dos séculos e as questões que dizem respeito à forma, à cor e à hegemonia duma sobre a outra conduziram a uma evolução na História da

V

Arte que, no período Moderno, passou pela completa destruição da forma e pela ausência do colorido.

VILLA DOS MISTÉRIOS – Pompeia

Ao olhar para a pintura de Bismarck à vista desarmada sem ter em conta o seu contexto poder-me-ia dizer em Herculano ou Pompeia, cidades que ficaram enterradas nas cinzas do Vesúvio em 79 ac, em frente de um fresco romano deteriorado pelo passar do tempo. A semelhança com o segundo estilo da pintura de Pompeia é óbvia: a moldura é horizontal e estão presentes elementos arquitectónicos pintados que enquadram uma cena quotidiana de influência grega clássica. As poses dramáticas das figuras remetem para a pintura dos lekythoi, jarros para azeite que eram usados como oferendas funerárias, em cujo revestimento branco o pintor podia desenhar com poucos traços uma figura a três dimensões. As cores utilizadas são as mesmas que predominam na pintura pompeiana: o vermelho, o amarelo, o azul, o preto e o branco. Mas eis que surge uma pincelada aleatória de verde e outra de violeta e uma vermelha e um pequeno círculo amarelo e...desengano-me, pois estes elementos são estranhos à arte clássica. Interrogo-me também sobre o que faria um fresco romano junto a uma figura feminina em tons de cinzento? A obra tem que ser vista como um todo e o pequeno círculo amarelo vai encontrar o seu correspondente no seguimento de uma linha obliqua ascendente que é colmatada na outra parte do quadro à direita. Ao mundo clássico é adicionado o moderno.

VI

“BAILARINAS DE AZUL” – Edgar Degas

Na jovem rapariga destaca-se o realismo da sua representação resultante de uma maior acuidade no modelar dos volumes. Ela aparece em plano cortado, num ângulo de visão que remete para a fotografia e para o cinema. Imediatamente recordo-me de Edgar Degas. Este pintor impressionista admirava o trabalho de Jean-Auguste Dominique Ingres e considerava-se um «pintor de linha». A descoberta da arte oriental através duma exposição de estampas japonesas em Paris inspirou-lhe a adopção da composição descentrada nas suas obras. Porém, Degas não se debruçou sobre a natureza, interessava-lhe mais o homem em si, o captar a sua essência como num instantâneo de fotografia recorrendo aos grandes planos e a múltiplos ângulos de visão. Este seu interesse é-nos revelado quando em 1872, um ano após o fim da guerra Franco-Prussiana (1870-1871), abandona a França por Nova Orleães e numa carta dirigida a Froelich afirma: «L’instantané, c’est la photographie et rien de plus». É neste sentido que me reporto a Degas ao observar o plano escolhido por Bismarck: um grande plano que não me permite destrinçar onde ela está sentada, nem ver muito mais do que certos pormenores e partes da sua anatomia e fisionomia.

VII

“PINTURA PARAÍSO #15” – Mário Bismarck

O não ver os olhos da jovem, embora o círculo amarelo puxe o meu olhar para o seu busto, leva-me a estabelecer a ligação com o papel do elemento feminino no cinema. Este segue a tendência de transpor para a tela as diferentes interpretações sexuais elaboradas pela sociedade em relação ao homem e à mulher. O cinema assenta no controlo das imagens e tem como principal objectivo proporcionar espectáculo. E para isso cria um enredo no qual joga com o papel feminino e masculino. O facto desta parte do quadro de Bismarck ser a carvão, que naturalmente é negro, direcciona-me para os filmes americanos a preto e branco dos anos 50 em que a mulher apresentada na tela funciona como objecto erótico para os personagens dentro do ecrã e como objecto erótico para o espectador no auditório. Ou seja a mulher é colocada na tela para captar o olhar do observador. Se seguirmos essa linha de explicação podemos entender que os olhos da figura feminina de Bismarck estão cortados pelo enquadramento para evidenciar a forte conotação sexual do papel da mulher no cinema enquanto elemento que atrai os olhares mas que não os retribui. É evidente a empatia que o pintor sente pela arte cinematográfica. Facilmente num dos sem título (2000) da série Bolas reconhece-se a actriz Catherine Deneuve mas é com a Pintura Paraíso que grandes nomes do cinema americano são citados nos seus quadros: Marlon Brando e Eva Marie Saint; Humphrey Bogart e Lauren Bacall; Ava Gardner e Robert Mitchum. Já em 1984 um filme de Wim Wenders, Paris/Texas, tinha servido de pretexto para a captação da sensualidade da jovem Natassja Kinski num desenho a pastel, carvão e aguada.

VIII

Constata-se uma oposição em relação à outra parte da tela quer no foco de luz que é mais agreste (incide de cima para baixo, da direita para a esquerda em clara oposição à direcção da luz do seu par), quer igualmente na posição das próprias figuras. Esta situação pode ser relacionada com o significado psicológico dos dois lados da tela: as figuras que se movimentam em direcção ao lado esquerdo da tela parecem dirigir-se a um lugar imbuído de mistério enquanto que uma figura feminina voltada para a direita parece sexualmente desligada. A forma como o pintor combinou cada um dos lados da tela reforçou a sua posição antagónica parecendo que cada uma das partes do quadro está com as costas voltadas para a outra. Numa predomina a cor e na outra o grisaille. Será que com isto o autor pretende desmistificar o facto do mundo moderno construir-se com base no mundo antigo?

“Mix Poussin” – Mário Bismarck

Já tinha afirmado anteriormente que a história da arte, ao longo dos séculos, vai retomando os movimentos artísticos anteriores e, sujeitando-os a novas interpretações, cria um padrão de evolução cíclico cujos períodos de duração temporal vão diminuindo. Foi a partir do século XIX, quando o papel da arte enquanto reprodução duma determinada realidade foi questionada pelo aparecimento da fotografia, que os artistas começaram a procurar conceitos originais para aplicar às artes e iniciaram um processo de renovação

e

experimentação constante que vai caracterizar o período moderno e contemporâneo. Durante este processo a arte ocidental cortou os laços com a cultura do passado e procurou o novo e o exótico começando a sofrer influências da arte oriental e africana. Mas esta influência não durou muito IX

tempo, logo durante as primeiras três décadas do século XX os modernos viraram de novo o seu olhar para o mundo clássico. Diferentes períodos artísticos do passado iam assim sendo recuperados alternadamente pelos artistas na elaboração de um discurso estético novo. Entretanto a cultura de massa foi ganhando força e a Arte para responder às novas exigências começou a cruzar-se com os meios de comunicação que tinham conquistado o grande público: a música e o filme. Os artistas contemporâneos começaram a utilizar estratégias diferentes para se distinguirem dos seus antecessores modernos.

“O Pintor e os Modelos # 2” – Mário Bismarck

Passando em revista o trabalho de Mário Bismarck a partir de 1986 verifica-se uma acumulação na superfície dos quadros de vários e diferentes elementos. Consoante a temática tratada o pintor sobrepõe imagens icónicas de determinados períodos artísticos daí que se possa encontrar ao longo da sua obra referências às ordens arquitectónicas (colunas jónicas e coríntias), à arte

clássica (métopa do Parténon, Nike e Higia) e helenística (Vitória de

Samotrácia),

ao período do Renascimento ( Ticiano), ao Maneirismo

(Corregio), ao período Barroco ( Nicolas Poussin e Peter Paul Rubens), ao Neoclassicismo

(Jacques-Louis

David,

Jean

Dominique

Ingres),

ao

Romantismo (Eugène Delacroix), ao Realismo (Gustave Courbet), ao Impressionismo (Edgar Degas), ao Expressionismo (Van Gogh) e a Picasso X

nas suas diferentes fases greco-romana (A Mãe e o filho), cubista (Guernica) e dadaísta ( cabeça de Touro).

“O Rasto da Europa 1” – Mário Bismarck

Mário Bismarck parece adoptar como estratégia a construção de um discurso estético próprio recorrendo a fragmentos e citações da história da arte. Interessante é a forma como ele conjuga fragmentos de períodos históricos diferentes na mesma tela transmitindo a ideia de que a Arte é em si um paradoxo pois volta-se para o passado à procura de soluções para se recriar infinitamente.

XI

BIBLIOGRAFIA: GOMBRICH, E. H. – The story of art. 16ª ed. London: Phaidon Press Limited, 1995. ISBN 07148-3355-x

JANSON, H. W. – História da Arte. 6ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998. ISBN 972-31-0498-9

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WALLIS, Brian – Art after modernism : rethinking representation. Ed. Brian Wallis; foreword by Marcia Tucker. New York: The New Museum of Contemporary Art, 1999. ISBN 0-87923-632-9

RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGER, Manfred; FRICKE, Christiane; HONNEF, Klaus – Arte do Século XX. Pintura. Vol. I. Taschen, 2005. ISBN 3-8228-4228-I

GONZALEZ, J. M. e outros – História do Impressionismo. Galeria de Arte «El Greco». ISBN 8485432-71-1 UPJOHN, Everard M.; WINGERT, Paul S.; MAHLER, Jane Gaston − História Mundial da Arte. O Renascimento. Vol. III. Enciclopédia de Bolso Bertrand. 9ª ed. Venda Nova: Bertrand Editora, 1997 UPJOHN, Everard M.; WINGERT, Paul S.; MAHLER, Jane Gaston − História Mundial da Arte. Artes Primitivas e Arte Moderna. Vol. VI. Enciclopédia de Bolso Bertrand. 7ª ed. Venda Nova: Bertrand Editora, 1987

XII

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