Pg Soraya (p1-70)

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NA ARQUITETURA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE ARTES DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO PROJETO DE GRADUAÇÃO II

SORAYA MATTOS PRETTI

ESPAÇO E TEMPO NA ARQUITETURA & HQ

VITÓRIA 2008

NA ARQUITETURA

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SORAYA MATTOS PRETTI

ESPAÇO E TEMPO NA ARQUITETURA & HQ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Arquiteto e Urbanista. Orientador: Profº Drº Tarcísio Bahia de Andrade. Co-orientadora: Profª Drª Clara Luiza Miranda.

VITÓRIA 2008

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SORAYA MATTOS PRETTI

ESPAÇO E TEMPO NA ARQUITETURA & HQ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Arquiteto e Urbanista. Aprovada em

de Agosto de 2008.

COMISSÃO EXAMINADORA ____________________________________________ Profº Drº Tarcísio Bahia de Andrade Universidade Federal do Espírito Santo Orientador

_______________________________________________ Profª Drª Clara Luiza Miranda. Universidade Federal do Espírito Santo Co-orientadora

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Convidado externo

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Agradeço a todos aqueles que me auxiliaram nesse trabalho, em especial a minha família, meu namorado, meus orientadores, aos pesquisadores e quadrinistas que de alguma forma contribuíram e, em especial, a minha amiga Luciana, que esteve comigo da primeira a última linha desta pesquisa.

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RESUMO O trabalho, através de uma pesquisa bibliográfica qualitativa e quantitativa, procura explorar a questão do tempo e espaço na arquitetura e na história em quadrinhos, mostrando como esses dois elementos são vitais a essas artes, possuindo um tratamento próximo em ambas. Com essa constatação a pesquisa passa ao estudo de como o tempo, o espaço e a arquitetura interferem na composição quadrinística e parte para uma análise mais prática. Essa análise é dada através de comparações entre a cidade contemporânea “real” e a da história em quadrinhos, mostrando assim como arquitetura e quadrinhos se interceptam a partir do ponto comum: tempo-espaço. Palavras-chave: Arquitetura. Espaço. História em quadrinhos. Tempo.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1- Hq Krazy Kat ....................................................................... Figura 2- Cidade européia em 1788 ..................................................... Figura 3- Palácio Real de Madrid ........................................................ Figura 4- Hq infantil cômica Cascão... Sem limites ........................... Figura 5- Mangá de aventura Berserker ............................................ Figura 6- Histoire d'O, hq européia erótica ....................................... Figura 7- Nyx hq sobre mutantes, norte-americana .......................... Figura 8- Capa da graphic novel O Edifício ........................................ Figura 9- Tirinha de Hagar: o Horrível ............................................... Figura 10- Tirinha da Mafalda ............................................................. Figura 11- Cartilha da Turma da Mônica ............................................ Figura 12- Croqui de Brasília .............................................................. Figura 13- Vista de Brasília da Antena de TV .................................... Figura 14- Capa da revista Archigram número 4 ............................... Figura 15- Um dos projetos conceituais do Archigram “A cidade que anda” ............................................................................................... Figura 16- Perspectiva do Mausoléu de Newton, de Boullée .......... Figura 17- Corte do Mausoléu de Newton ......................................... Figura 18- Cárcere desenhado por Piranesi ...................................... Figura 19- Projeto de Gaudí para hotel em Nova Iorque, nunca construído ............................................................................................. Figura 20- Pintura rupestre na parede da caverna de Lascaux ...... Figura 21- Hieróglifos egípcios nas paredes e pilares .................... Figura 22- Coluna de Trajano ............................................................. Figura 23- Série de tapeçaria medieval “A Senhora e o Unicorórnio” .......................................................................................... Figura 24- Vitrais da Catedral de Colônia ........................................ Figura 25- Página do jornal Daily Mirror destinada às tirinhas ... Figura 26- Tirinha The yellow kid ........................................................ Figura 27- Monsieur Vieux Bois ........................................................... Figura 28- Trecho da história de Monsieur Cryptograme ................ Figura 29- Monsieur Jabot de Rodolphe Topffer .............................. Figura 30- Trecho de Max und Mortiz (no Brasil Juca e Chico) ...... Figura 31- A Família Fenouillard, de Christophe .............................. Figura 32- Hq Peanuts ......................................................................... Figura 33- Mafalda, hq produzida apenas por Quino ........................

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Figura 34- Anita, hq autoral de Crepax ............................................. Figura 35- Tintin, criação autoral de Hergé ..................................... Figura 36- Superhomem ........................................................................ Figura 37- X men .................................................................................... Figura 38- Roteiro de Eisner para uma história de Spirit ............... Figura 39- Layout de uma página da série Umbrella Academy .......... Figura 40- Processo de arte finalização de uma hq ......................... Figura 41- Página da revista Umbrella Academy arte finalizada .... Figura 42- A mesma página da figura 25, mas após ter sido colorizada .............................................................................................. Figura 43- Página da figura 26 com seus devidos balões ................ Figura 44- Eisner demonstra aqui como desenvolver um quadro, sem perder o foco principal ................................................................. Figura 45- Graus de simplificação da imagem e a abrangência de identificação que proporcionam ........................................................... Figura 46- Cenários da hq Reino do amanhã ...................................... Figura 47- Super-heróis Reino do amanhã, pintados por Alex Ross no estilo hiper-realista ........................................................................ Figura 48- Alguns exemplos de ícones ............................................... Figura 49- A personagem Tintin em uma cidade do oriente médio .... Figura 50- Os espaços destacados em laranja correspondem às sarjetas ................................................................................................. Figura 51- Tirinha original, representando um diálogo ................... Figura 52- Aumento do quadro central representando maior passagem temporal entre o primeiro e último quadro ...................... Figura 53- Aumento de tamanho das sarjetas influenciando na percepção do tempo .............................................................................. Figura 54- Alongamento do tempo entre pergunta e resposta, graças à repetição de quadro entre elas .......................................... Figura 55- Duração de tempo semelhante em quadros e sarjetas de mesmo tamanho ................................................................................. Figura 56- Mesmo sem ver, somos capazes de concluir o que acontece entre os dois últimos quadrinhos ...................................... Figura 57- Aqui é a sarjeta que permite que o leitor faça a ligação entre as duas cenas ................................................................ Figura 58- Exemplo de como se dá a passagem de tempo nas hq ..... Figura 59- Processo de leitura de hq ocidental ...............................

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Figura 60- Onomatopéias representando aplausos e o canto de galo ......................................................................................................... Figura 61- Os balões indicam as falas das personagens ................. Figura 62- Legendas descrevendo uma situação ............................... Figura 63- Telefone tocando ............................................................... Figura 64- Explosão ............................................................................. Figura 65- Diálogo ................................................................................ Figura 66- Timing entre fala e ação .................................................... Figura 67- Exemplo de um balão de grito ........................................... Figura 68- Balões de pensamento ....................................................... Figura 69- Balões de fala diferenciados, representando raças diferentes .............................................................................................. Figura 70- Balões de fala robótico .................................................... Figura 71- Exemplos da expressividade de diferentes traçados ..... Figura 72- Requadro grosso representando a seqüência inicial, e o de traço fino a ação final ................................................................ Figura 73- Vistas de Marcos Acayaba para o edifício da H. Stern .. Figura 74- Quadrinhos de tempo presente (retilíneos) ao lado de quadrinhos de flashback (ondulados) ................................................ Figura 75- Os traçados dos círculos, indicando a rotação das adagas, são denominados linhas de ação ........................................... Figura 76- Aqui a linha de ação serve para mostrar a trajetória das garras de Wolverine ...................................................................... Figura 77- Foto estroboscópia, captando os movimentos da bola . Figura 78- As hachuras passam a sensação de profundidade, auxiliando no entendimento da cena ................................................... Figura 79- Convenção de nível em arquitetura ................................. Figura 80- Convenção de norte em arquitetura ................................ Figura 81- Exemplos de diferentes pontos de vista usados nas hq Figura 82- Desenhos e textos associados para melhor compreensão do projeto ...................................................................... Figura 83- Villa Savoye ........................................................................ Figura 84- Terraço jardim da Villa Savoye ........................................ Figura 85- Corte da Villa Savoye ....................................................... Figura 86- Planta baixa do térreo da Villa Savoye .......................... Figura 87- Indica diferentes pontos de visão que se pode ter da reitoria da UFES ...................................................................................

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Figura 88- Reitoria UFES vista a partir de um ângulo frontal .................................................................................................................. Figura 89- Reitoria UFES vista a partir de uma diagonal ................ Figura 90- Reitoria UFES visualizada de um ângulo mais lateral .................................................................................................................. Figura 91- Reitoria UFES vista a partir de uma visual diagonal-fundo ...................................................................................................... Figura 92- Hotel da Cápsula Espacial Nagakin, em Tokyo ............... Figura 93- Pranchas de projetos ....................................................... Figura 94- Projeto residencial, com as paredes marcadas por linhas pretas ......................................................................................... Figura 95- Grande quadro central, indicando a importância dessa cena ......................................................................................................... Figura 96- Planos compondo a imagem de um quadro ....................... Figura 97- Cada quadrinho é um plano ............................................... Figura 98- A página nas hq também é um plano ................................. Figura 99- Perseguição pela cidade .................................................... Figura 100- Gauleses Chegando a Atenas ......................................... Figura 101- Cidades e campos nazistas .............................................. Figura 102- Mapa de Gotham City ....................................................... Figura 103- Superman em Metropolis ................................................. Figura 104- Gotham City ...................................................................... Figura 105- Edifício Baxter ................................................................. Figura 106- Ilha de Themyscira ........................................................... Figura 107- Namor e o mundo submarino ........................................... Figura 108- Capa de Flash Gordon ..................................................... Figura 109- Castelo do Rei Arthut .................................................... Figura 110- Cidade submarina em Aquaman ........................................ Figura 111- Arquitetura em Homem Aranha ....................................... Figura 112- Superman e Lois com Metropolis ao fundo ................... Figura 113- Visão frontal brusca ....................................................... Figura 114- Tóquio como pano de fundo para o vôo de Vampira e Solaris ................................................................................................... Figura 115- Elevadores em Tintin ....................................................... Figura 116- Percurso matinal do Demolidor ..................................... Figura 117- Estação de trem ............................................................... Figura 118- Cais .................................................................................... Figura 119- Estação de metrô .............................................................

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Figura 120- Carro (ao fundo) chegando ao cais ............................... Figura 121- Aeroporto ......................................................................... Figura 122- Metrô em Demo ................................................................. Figura 123- Pátio rodeado por escadarias e colunas ...................... Figura 124- A suntuosa decoração de Slumberland, marcada pelo uso de revestimentos de pedra ............................................................ Figura 125- Praça com fonte rodeada por jardins .......................... Figura 126- Avenida colossal do bairro dos operários .................. Figura 127- Festival Hall .................................................................... Figura 128- Palácio do Rei Morfeu ..................................................... Figura 129- Porta de Slumberland ..................................................... Figura 130- Petit Palais e sua imponente porta ............................... Figura 131- Vila de Asterix .................................................................. Figura 132- Veneza e seus canais ....................................................... Figura 133- Mundo criado para uma convenção em Sandman .......... Figura 134- Visão futurística de Tóquio ............................................ Figura 135- Uso de cenas panorâmicas .............................................. Figura 136- Cidade árabe ..................................................................... Figura 137- Cidade de São Paulo em hq marcada pelo Copan ......... Figura 138- Copan marcando a paisagem paulista ............................ Figura 139- Teatro romano .................................................................. Figura 140- Teatro romano remanescente em Antalya, Turquia ...... Figura 141- Um dos possíveis futuros para a humanidade: arquitetura altamente tecnológica .................................................... Figura 142- Outro futuro imaginado para a humanidade: guerras e degradação ......................................................................................... Figura 143- Grimamundo, um planeta longínquo ............................... Figura 144- A cidade de Ulwin, em um outro universo ...................... Figura 145- Representação de Paris nos quadrinhos à noite ......... Figura 146- Imagem da Paris real à noite .......................................... Figura 147- Washington DC nos quadrinhos, destaque para o Jefferson Monument e para o Washington Monument, mais ao fundo ...................................................................................................... Figura 148- Foto de Washington com os monumentos reais presentes ............................................................................................... Figura 149- Cidade contemporânea imaginária criada para uma hq ............................................................................................................ Figura 150- Metrópoles, a cidade do Superhomem ...........................

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Figura 151- Variedade estilística e tipológica nessa imagem de Nova Iorque ........................................................................................... Figura 152- Encontro da Av. Park com a Rua 34 em Nova Iorque, mostrando sua composição arquitetônica variada ............................ Figura 153- Variedade tipológica e estilística na Nova Iorque real ......................................................................................................... Figura 154- Visão da Av. Park para Rua 34 ....................................... Figura 155- Pequenas fazendas .......................................................... Figura 156- As fazendas se transformam em casas ......................... Figura 157- As casas antigas são substituídas por novas ............. Figura 158- As casas vão se transformando em prédios ................. Figura 159- Os prédios passam a dominar a paisagem ...................... Figura 160- Os prédios entram em decadência .................................. Figura 161- Os prédios vão sendo demolidos .................................... Figura 162- Os prédios são completamente eliminados ................... Figura 163- No local deixado pelos prédios cria-se, mais uma vez, uma nova vizinhança .............................................................................. Figura 164- Os trailers em estacionamentos numa hq ..................... Figura 165- Trailers em estacionamento numa cidade contemporânea real .............................................................................. Figura 166- Arquitetura efêmera de população marginal em hq ..... Figura 167- Barracos presentes em cidade contemporânea ............ Figura 168- Palco removível ................................................................ Figura 169- Estrutura itinerante para concerto ............................. Figura 170- Times Square dos quadrinhos ........................................ Figura 171- Times Square real ............................................................ Figura 172- Las Vegas e seus letreiros ............................................. Figura 173- Las Vegas real ................................................................. Figura 174- Painéis luminosos preenchem a cena de Hong Kong .... Figura 175- Hong Kong tem a paisagem dominada por letreiros ..... Figura 176- Fluxo de pedestres em Elektra ...................................... Figura 177- Pedestres em Nova Iorque .............................................. Figura 178- Veículos em rua de Nova Iorque ..................................... Figura 179- O trânsito em Nova Iorque ............................................. Figura 180- Prédio com telão em Hong Kong .................................... Figura 181- Hong Kong possui telões em suas ruas ........................ Figura 182- Fiações em cidade dos quadrinhos ................................. Figura 183- Postes e fiações na cidade de Vitória ...........................

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Figura 184- Antenas de transmissão na Boston dos quadrinhos .. Figura 185- São Paulo com antenas definindo sua skyline ............. Figura 186- Sobreposição de fluxos em mangá ................................. Figura 187- Ruas, calçadas, passarelas e fios ................................. Figura 188- Apartamento de Sara Pezzin, Nova Iorque ................... Figura 189- Edifícios residenciais em Nova Iorque ........................... Figura 190- Residência unifamiliar em hq ........................................... Figura 191- Exemplo de casa comum ................................................... Figura 192- Residência do grupo Gen13, em San Diego ................... Figura 193- Casa da Cascata .............................................................. Figura 194- Ocupação da parte de baixo de viaduto como moradia ................................................................................................... Figura 195- Construções embaixo de viaduto, que serve como abrigo ..................................................................................................... Figura 196- Favela em hq ..................................................................... Figura 197- Habitações feitas com materiais improvisados ............. Figura 198- Favela, repleta de barracos auto construídos ........... Figura 199- Barraco feito com blocos, mas sem a devida infraestrutura ............................................................................................... Figura 200- Teatro Rialto imaginado para hq Witchblade ............... Figura 201- Um dos teatros Rialto nos EUA .................................... Figura 202- Os shoppings abrigam variadas atividades ................... Figura 203- Um dos Shoppings presentes em Salvador ................... Figura 204- Um dos grandes edifícios comerciais de Seattle ......... Figura 205- Seattle é marcada pela presença dos grandes edifícios comerciais ............................................................................... Figura 206- Quarteto Fantástico sobrevoa os arranha-céus comerciais de Manhattan ...................................................................... Figura 207- Foto aérea de Manhattan, com destaque para seus altos edifícios comerciais .................................................................... Figura 208- Edifícios comerciais em Tokyo ......................................... Figura 209- Tokyo em hq, marcada por seus edifícios comerciais ... Figura 210- Os arranha-céus permitem o uso da visão aérea nos quadros .................................................................................................. Figura 211- Aqui os arranha-céus são o foco da visão dos espectadores presentes na rua .......................................................... Figura 212- Telhado de arranha-céu servindo como campo de batalha, que acaba acertando a desprevenida platéia da rua .........

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Figura 213- Espaço desativado existente em cidade de hq .............. Figura 214- Uma forma de terrain vague ........................................... Figura 215- Área industrial abandonada ........................................... Figura 216- Espaço industrial desocupado ....................................... Figura 217- Linhas de trens inativas ................................................. Figura 218- Zonas de trem desativadas, marcadas por pixações .... Figura 219- Porto com galpões e docas desativados ...................... Figura 220- Porto abandonado ........................................................... Figura 221- Edificação deteriorada abandonada .............................. Figura 222- Edificação abandonadas devido as suas condições de conservação ........................................................................................... Figura 223- Zona de difícil acesso ..................................................... Figura 224- Espaço com acesso escondido e estreito, o que contribui para seu abandono ............................................................... Figura 225- Beco sem saída ................................................................. Figura 226- Beco sem saída de cidade real ........................................ Figura 227- Terreno baldio, local propício a invasão e ao posterior desenvolvimento de favelas ............................................... Figura 228- Terreno baldio, servindo como depósito de lixo .......... Figura 229- Grande estacionamento como fundo da cena ............... Figura 230- Centro de Baltimore, com extensa área reservada para estacionamento ............................................................................. Figura 231- Perseguição ambientada num beco sem saída ................ Figura 232- Tiroteio entre policiais e traficantes passado em uma edificação deteriorada abandonada .................................................... Figura 233- Vista aérea da cidade de Roma ....................................... Figura 234- Foto de Roma .................................................................... Figura 235- Veneza marcada por suas pontes ................................... Figura 236- Arquitetura típica da cidade de Veneza ......................... Figura 237- Veneza, reconhecida pela Catedral de São Marcos .... Figura 238- Catedral de São Marcos em Veneza ............................... Figura 239- Big Ben em Londres ......................................................... Figura 240- Paisagem de Londres com o Big Bem .............................. Figura 241- Paris com seu traçado urbano captado a partir da Torre Eiffel ............................................................................................ Figura 242- Malha urbana de Paris apreendida da Torre Eiffel ..... Figura 243- Silhueta de Nova Iorque: marcada pela estátua da liberdade e pelas extintas torres do World Trade Center .............

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Figura 244- Foto de Nova Iorque: onde vemos os mesmos elementos da figura 243 ...................................................................... Figura 245- Copacabana, Rio de Janeiro ............................................ Figura 246- Praias cariocas com o Pão de Açúcar aos fundos ....... Figura 247- Catedral de São Basílio numa hq ambientada em Moscou ................................................................................................... Figura 248- Foto da Catedral de São Basílio ................................... Figura 249- Delhi identificada através do Quatab Minar ................ Figura 250- O verdadeiro Quatab Minar ............................................ Figura 251- Outro elemento característico de Delhi, o Forte Vermelho ................................................................................................ Figura 252- Forte Vermelho em Delhi ................................................. Figura 253- Cidade fictícia de Tapioca ................................................ Figura 254- Brasília .............................................................................

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................

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2 CONCEITUANDO... ....................................................................

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3 O QUE É HISTÓRIA EM QUADRINHOS ........................................ 3.1 HISTÓRIA .................................................................................. 3.2 COMO É FEITA ........................................................................... 3.3 COMO FUNCIONA .....................................................................

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4 TEMPO E ESPAÇO ....................................................................... 41 4.1 NA ARQUITETURA .................................................................... 42 4.2 NA HISTÓRIA EM QUADRINHOS ............................................. 50 5 HISTÓRIA EM QUADRINHOS E OS ESTILOS ARQUITETÔNICOS ......................................................................................................... 54 5.1 A CIDADE CONTEMPORÂNEA NA HISTÓRIA EM QUADRINHOS ....................................................................................................... 70 5.1.1 A Forma de Câmbio: Mutações ............................................ 76 5.1.2 A Forma do Movimento: Fluxos .......................................... 82 5.1.3 A Forma da Residência: Habitações ................................... 86 5.1.4 A Forma de Intercâmbio: Contenidors ............................... 89 5.1.5 A Forma da Ausência: Terrain Vague ................................. 92 6 CONCLUSÕES ......................................................................... 100 7 REFERÊNCIAS ......................................................................... 102 APÊNDICES .................................................................................. 106 APÊNDICE A – Questionários ..................................................... 107

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1 INTRODUÇÃO

Fonte: Clube da Mafalda, acesso em 28 abr. 2008

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No mundo contemporâneo, dominado pela multiplicidade de informações, a mídia¹ tem um importante papel, o de divulgar as informações através dos diferentes meios de comunicação. Nesse contexto, destacam-se os meios de comunicação em massa, que proporcionam formas de alcançar o indivíduo através da produção e distribuição de informações ou entretenimento em larga escala, e é aí que se e n ca i xa m a s h i s t ó r i a s e m quadrinhos² (Figura 1). Figura 1: Hq Krazy kat Fonte: A Katnip Kantata in the Key of K (1991). Como meio de comunicação de massas, observa-se que a história em quadrinhos é capaz de refletir gerações em sua íntegra, desde suas relações sociais, expectativas, visões de passado e futuro, anseios, etc, até sua arquitetura (Figura 2). A arquitetura, também é capaz, por si só, através das configurações e manipulação do espaço, de rememorar as mais variadas épocas e refletir as características de cada sociedade (Figura 3).

Assim, já percebemos aqui o primeiro e principal ponto de contato entre essas duas formas de arte³: a maneira que ambas tratam a questão do espaço e do tempo. ¹Designa, de forma genérica, todos os veículos que são utilizados para a divulgação de conteúdos de publicidade e propaganda. O termo mídia também é utilizado no mesmo sentido de imprensa, grande imprensa, jornalismo, meio de comunicação, veículo (GUAZINA, 2004). ²No trabalho vamos adotar a forma “hq” para se referir as histórias em quadrinhos. ³Foi o italiano Ricciotto Canudo que elencou as manifestações artísticas, em 1911, através de uma lista indicativa com a relação da arte e de seu canal de manifestação. Inicialmente eram sete, hoje a lista abrange até a nona arte. Segue abaixo a lista de Riccioto com os devidos acréscimos: 1ª arte: Música (som) 2ª arte: Pintura (cor) 3ª arte: Escultura (volume) 4ª arte: Arquitetura (espaço e tempo) 5ª arte: Literatura (palavra) 6ª arte: Coreografia (movimento) 7ª arte: Cinema (integra os elementos das artes anteriores) 8ª arte: Fotografia 9ª arte: Arte seqüencial (quadrinhos)

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As figuras 2 e 3 mostram imagens que nos conduzem a outra época, ao período em que o neoclassicismo imperava, mostrando assim como quadrinhos e arquitetura possuem o potencial de refletir sociedades diversas.

Tanto a arquitetura, quanto os quadrinhos possuem uma grande necessidade da abordagem e uso da questão do tempo e espaço para serem desenvolvidas. O quadrinista Will Eisner já salientava a importância que esses dois elementos tinham para os quadrinhos, bem como para o homem:

Figura 2: Cidade européia em 1788 Fonte: Marie Tempête (1992).

Figura 3: Palácio Real de Madrid Fonte: Patrimonio Nacional, acessado em 01 jun. de 2008.

O fenômeno da duração e da sua vivência – comumente designado como tempo (time) – é uma dimensão essencial da arte seqüencial. No universo da consciência humana, o tempo se combina com o espaço e o som numa composição de interdependência, na qual as concepções, ações, movimentos e deslocamentos possuem um significado e são medidos através da percepção que temos da relação entre eles. (EISNER, 1989, p.25)

Em arquitetura essa relação não é diferente, pois toda a arquitetura é feita para o homem, e como este não é um ser estático, a variação de tempo/espaço interfere diretamente em sua criação e compreensão.

Procuramos no trabalho, através dessa relação, explorar os pontos de contato existentes entre as duas artes e, para isso, fizemos uma extensa pesquisa bibliográfica, que se deu em duas frentes. A primeira se destinou a explorar livros e artigos que abordassem a questão do tempo e do espaço na arquitetura. Na segunda frente procurou-se material teórico que trabalhasse essas questões nas hq, bem como quadrinhos que representassem bem os conceitos de tempo-espaço.

É interessante falar aqui que o trabalho se utilizou de um jogo de

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Figura 4: Hq infantil cômica Cascão... Sem limites Fonte: Portal Turma da Monica, acessado em 01 jun. 2008. Figura 5: Mangá de aventura Berserker Fonte: Berseker nº01 (1991).

Figura 7: Nyx hq sobre mutantes, norte-americana Fonte: Nyx nº01 (2003)..

escalas na sua elaboração, indo da escala macro até a micro. Quando falamos em escala macro estamos nos referindo a quantidade de material analisada, cerca de 600 revistas em quadrinhos, onde a escolha procurou ser a mais diversa possível, trabalhando de histórias Figura 6: Histoire d'O, hq européia erótica adultas a infantis, o gênero cômico, Fonte: Históire d'O (1975). de aventura, romance, entre outros, hq americanas, brasileiras, européias, japonesas (Figuras 4, 5, 6 e 7)... Enfim, a variedade foi algo buscado, a fim de comprovar se a questão do espaço/tempo recebe um tratamento próximo em todas as hq, caracterizando assim esse trabalho como uma pesquisa quantitativa. A escala micro, ou seja, a pesquisa qualitativa, foi empregada ao

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elegermos alguns trechos e cenas de hq para serem analisados de maneira mais minuciosa e relacionados mais profundamente com o tema. Como também na medida em que formulamos conceitos para a análise e exploração das questões propostas. Durante a pesquisa produziu-se também um questionário, destinado aos roteiristas e desenhistas de quadrinhos, que teve o intuito de analisar a questão da arquitetura e do tempo/espaço nos quadrinhos a partir da ótica de quem produz as hq, constituindo-se também em um elemento de análise qualitativa. Esse questionário contribuiu para a melhor definição e direcionamento da pesquisa e pode ser encontrado na seção Anexo.

De forma a cumprir com os objetivos supracitados estabelecidos e procurando a melhor organização da pesquisa, essa foi dividida nos seguintes capítulos:

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Conceituando – aqui a proposta é definir os conceitos de arquitetura e de hq adotados nesse trabalho, conceitos esses que privilegiam as relações de tempo/espaço e permitem o relacionamento entre as duas artes;

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O que é História em quadrinho? – esse capítulo procura inteirar aquele leitor que desconhece o universo quadrinístico sobre a história, produção, composição e elementos da história em quadrinhos;

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Tempo e espaço – é onde abordamos as formas com que quadrinhos e arquitetura lidam com a questão do tempo e do espaço e assinalamos os seus pontos em comuns;

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História em quadrinho e os estilos arquitetônicos – nesse segmento passamos a uma análise mais visual de como o tempo e espaço marcam uma arquitetura e como isso aparece nos quadrinhos. É um capítulo mais prático, onde a ênfase da

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pesquisa é dada às cidades contemporâneas e no qual se procura fazer comparações entre cidades reais com as apresentadas nos quadrinhos.

Com isso trabalhamos a relação do tempo e espaço, buscando mais do que identificar as questões comuns entre arquitetura e quadrinhos, mas descobrir se essas semelhanças permitem às hq servirem como um bom referencial arquitetônico às futuras gerações.

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2 conceituando...

Fonte: Clube da Mafalda, acesso em 28 abr. 2008

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Para começarmos a trabalhar a relação entre histórias em quadrinhos e arquitetura, é n e c e ss á r i o p r i m e i ra m e n t e definir o que seria uma história em quadrinhos. O conceito de história em quadrinhos é amplo e diversificado por possuir variadas formas de linguagem e i n t e r p r e ta ç ã o à s ua constituição. Em uma hq, imagem e narrativa se unem formando u m m e i o d e c o m u n i ca ç ã o singular, que traz diversas perspectivas de compreensão, dependendo do público que as Figura 8: Capa da graphic novel O Edifício Fonte: O Edifício (1989). l ê e m . P o r i s s o , fa z - s e necessário fundamentarmos e discutirmos os vários conceitos de histórias em quadrinhos, de forma que se possa ter uma ampla visão do que realmente é uma hq e de quais são suas possibilidades enquanto instrumento de comunicação e entretenimento. Começaremos com a definição do dicionário Aurélio (1993, p.288), que diz que história em quadrinhos é uma “seqüência dinâmica de desenhos (quadrinhos), em geral com legendas, que contam uma história”. Considerar a definição do Aurélio como absoluta seria algo simplista demais, uma vez que a história Figura 9: Tirinha de Hagar: o Horrível Fonte: Uêba: Piadas Ingênuas!, em quadrinhos é um meio de acesso em 28 abr. 2008. comunicação de massa, Vemos aqui um pouco da variedade das hq que vão presente em todo o globo, desde as graphic novels, como a da Figura 8, até as tiras diárias, como a mostrada na Figura 9. com um número de definições e formas de apresentação extremamente variadas (Figura 8 e 9).

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Segundo Francis Lacassin “[hq] É a arte da narrativa em imagem, acessível a pessoas que não sabem ler“ (LACASSIN apud ANSELMO, 1975, p.32). Nota-se que essa visão de Lacassin mostra a abrangência de público que a hq permite, que ultrapassa o conteúdo textual dos balões, transcendendo para a imagem, o desenho (Figura 10). É um erro comum achar que o conteúdo da hq se resume ao plano da linguagem dos balões e legendas, pois os quadrinhos também se utilizam das imagens e de toda a simbologia que essas carregam, para transmitir idéias. Existem também as definições mais materialistas, que caracterizam a história em quadrinhos através dos seus elementos, como Coupèrie e outros (1970) afirmam que 'desde 1980 cristalizaram-se os elementos essenciais da história em quadrinhos: a narração em seqüência de imagens, a continuidade dos personagens de uma seqüência a outra e o diálogo incluso na imagem' (COUPÉRIE apud ANSELMO, 1975, p.32).

Figura 10: Tirinha da Mafalda Fonte: The star is me blogspot, acesso em 28 abr. 2008.

A tirinha mostrada na Figura 10 é capaz de ser compreendida por pessoas que não sabem ler, devido a inexistência de falas ou legendas.

Podemos analisar também as definições de educadores, como Georges Friedman que, em L'École Parallèle (FRIEDMAN apud ANSELMO, 1975, p.21), caracteriza a história em quadrinhos como uma escola paralela, pois essas são capazes de informar e instruir as pessoas através de um sistema informal, diferente daquele adotado nas práticas escolares, pois trabalha com o lazer. Dessa forma, a hq também se torna instrumento não só de comunicação e lazer – uso comum dos quadrinhos - mas de informação e didática, como é o caso de muitas cartilhas informativas, como as cartilhas da Turma da Mônica (Figura 11), que são feitas baseando-se nessa capacidade de instrução de uma maneira menos rígida que os quadrinhos possuem.

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Figura 11: Cartilha da Turma da Mônica Fonte: Turma da Mônica 8 maneiras de melhorar o mundo (2005).

Encontramos também definições mais generalistas dos quadrinhos, que se preocupam em englobar todas as formas de quadrinhos, sejam elas nas revistas, tiras diárias, páginas dominicais, com ou sem legendas e etc., como a definição do pesquisador Scott McCloud (2005, p.09), que trabalha com o conceito de que hq são “Imagens pictórias e outras justapostas em seqüência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no espectador”. Outro conceito relevante de história em quadrinhos que podemos analisar se encontra na definição de Laonte Klawa e Haron Cohen, que diz que Os quadrinhos são um conjunto e uma seqüência. O que faz do bloco de imagens uma série é o fato de que cada quadro ganha sentido depois de visto o anterior; a ação contínua estabelece a ligação entre as diferentes figuras. Existem cortes de tempo e espaço mas estão ligados a uma rede de ações lógicas e coerentes (KLAWA e COHEN apud ANSELMO, 1975, p.33).

Nessa outra definição, percebemos que os pesquisadores dão maior relevância ao sequenciamento, que é exatamente o corte de tempo e espaço das ações que a hq possibilita e exige para ser compreendida, que é responsável por caracterizá-la como arte seqüencial. Dentre todas essas definições, não podemos afirmar que uma ou outra é mais correta. Entretanto, a partir deste estudo, utilizaremos a definição de que história em quadrinhos é a arte que

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simula o espaço para que nele ocorra uma ação, ou série de ações narrativas [seqüenciadas]. Como conseqüência dessa definição, surge de imediato uma pergunta: se essa é a definição de quadrinhos, qual seria então a definição de arquitetura? Do mesmo modo que os quadrinhos, formar uma definição precisa de arquitetura é uma tarefa árdua. Entretanto podemos analisar algumas definições célebres, para que possamos, assim, responder ao nosso questionamento.

Figura 12: Croqui de Brasília

Começaremos com Lúcio Costa (1995, p.78), que diz "Pode-se então definir arquitetura como construção concebida com a intenção de ordenar e organizar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica e de um determinado programa", Figura 13: Vista de Brasília da Antena de TV mostrando-nos assim que acredita que a arquitetura além de ser organizadora As figuras 12 e 13 mostram Brasília, cidade construída com a finalidade de abrigar a capital dos espaços não se dissocia dos meios do país, exemplo de uma arquitetura feita em uma época específica, para atender a um programa que ela dispõe, do tempo em que ela foi previamente estipulado. feita nem do programa a que deve atender (Figura 12 e 13). A partir dessa frase notamos que para Lúcio Costa arquitetura é necessariamente a construção edificada, mas afirmar que arquitetura se limita ao que foi construído significa excluir diversos trabalhos, como os do Archigram (Figura 14 e 15), que tem caráter conceitual, como os de Boullée (Figura 16 e 17), de Piranesi (Figura 18), ou projetos ainda projetos como o Hotel de Nova Iorque de Gaudí, que vemos na Figura 19, que nunca chegaram à fase de execução, e que não deixam de ser arquitetura, ou pelo menos desdobraram-se com os mesmos efeitos de sentido que edifícios construídos.

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Figura 14: Capa da revista Archigram número 4 Fonte: Design Museum, acesso em 28 abr. 2008.

Figura 15: Um dos projetos conceituais do Archigram “A cidade que anda” Fonte: Archigram, acesso em28 abr. 2008.

Figura 16: Perspectiva do Mausoléu de Newton, de Boullée Fonte: Bibliothèque Nationale de France, acesso em 11 jul. 2008.

Figura 18: Cárcere desenhado por Piranesi. Fonte: The National Academies, acesso em 01 jun. 2008.

Figura 17: Corte do Mausoléu de Newton Fonte: Bibliothèque Nationale de France, acesso em 11 jul. 2008.

Carlos Lemos, por sua vez, conceitua que "arquitetura seria toda e qualquer forma de intervenção no meio ambiente criando novos espaços, quase sempre com determinada intenção plástica, para atender as necessidades imediatas ou a e x p e c tat i va s p r o g ra m a da s , e caracterizadas por aquilo que chamamos de partido" (LEMOS apud RABELLO, acesso em 27 nov. 2007), afirmação essa que salienta o objetivo da arquitetura, que é criar um espaço com intenção e

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Já Frank Lloyd Wright declara o seguinte: “eu sei que arquitetura é vida; ou pelo menos é a própria vida tomando forma e portanto é o verdadeiro registro da vida como foi vivida no mundo ontem, como é vivida hoje e como sempre será vivida.” (WRIGHT apud PFEIFFER e NORDLAND, 1988, p.07, tradução nossa). Percebemos aqui que a Figura 19: Projeto de Gaudí para hotel em Nova Iorque, nunca construído Fonte: Vitruvius (2002), acesso em 09 maio 2008.

intenção de Wright é salientar que arquitetura é um espaço com vida, principalmente porque abriga o homem e suas ações, e que também serve como um marco característico de cada época. Mais uma vez, passamos pela impossibilidade de eleger uma definição como a correta, mas formularemos uma que convém a esta pesquisa. Portanto definiremos arquitetura como sendo a arte que dá forma ao espaço para que nele ocorra uma ação(ões), previamente estabelecidas por meio de um programa. Percebemos assim que há apenas poucas diferenças entre as duas definições, isso porque enquanto a hq procura simular um espaço, um cenário que seja palco das mais variadas ações, a arquitetura se preocupa em criar um espaço, de maneira concreta para que ações reais transcorram ali, levando em consideração no seu processo criativo as demandas que os diferentes tipos de espaço possuem. Tendo em vista a grande proximidade entre as duas formas de arte, vale analisarmos se elas são capazes de se influenciarem e até que ponto vão as suas semelhanças.

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3 O QUE É HISTÓRIA EM QUADRINHOS

Fonte: A turma da Mafalda (1999)

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Já vimos alguns conceitos dessa mídia que é a história em quadrinhos, também conhecida como nona arte, ou ainda como arte seqüencial. Mas precisamos de mais informações para compreender o que realmente é uma hq, para que entendamos por que ela é o segundo gênero literário mais consumido pelos homens e o terceiro mais 4 consumido pelas mulheres e também porque possui uma legião de admiradores tão ilustres quanto Picasso, Alain Resnais, Jean Luc Godard, Frederico Fellini, Edgar Morin, Marshall McLuhan, 5 Umberto Eco, Francis Lacassin . Seu poder de sedução seria fruto do uso da imagem gráfica, elemento que esteve presente na história da humanidade desde os primórdios (VERGUEIRO, 2006)? Ou seriam outras as razões?

Vale então analisarmos como a evolução dos quadrinhos se deu ao longo de seus 180 anos de história (SRBEK, 2007), bem como é feita sua produção e como seus elementos funcionam, para que assim possamos expandir nosso conceito de hq, esclarecendo de maneira adequada o que realmente é uma hq e compreendendo o porquê desse seu apelo universal, que lhe confere tantos fãs.

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Estudo desenvolvido pela Câmara Brasileiro do Livro (REVISTA VEJA apud VERGUEIRO e BARI, 2002). 5 ANSELMO, Zilda Augusta. Histórias em quadrinhos. Petrópolis: Editora Vozes, 1975.

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3.1 HISTÓRIA Faremos aqui um breve apanhado sobre a história dos quadrinhos. Iniciaremos colocando que o verdadeiro início dos quadrinhos não é um consenso, sendo freqüentemente datado de forma variada pelos pesquisadores. Alguns consideram que as figuras pré-históricas, como as da caverna de Lascaux (Figura 20), já eram, de certa forma, uma espécie de história em quadrinhos, uma vez que contavam os feitos dos homens daquela época, outros pesquisadores acreditam que a hq começa com os hieróglifos egípcios (Figura 21), Figura 23: Série de tapeçaria medieval “A Senhora e o Unicórnio” Fonte: Art History Heindorffhus, acesso em 16 mar. 2008.

Figura 20: Pintura rupestre na parede da caverna de Lascaux Fonte: Cyberechos, acesso em 16 mar. 2008.

Figura 21: Hieróglifos egípcios nas paredes e pilares Fonte: Enciclopédia Leme, acesso em 16 mar. 2008.

Figura 22: Coluna de Trajano Fonte: Kundor, acesso em 16 mar. 2008.

outros falam que com os monumentos romanos e de civilizações posteriores entalhados, como a coluna de Trajano que aparece na Figura 22, ou com as tapeçarias medievais (Figura 23), ou ainda com os vitrais das igrejas (Figura 24), e etc... O importante é ressaltar que esse tipo de narrativa foi aos poucos se tornando

Figura 24: Vitrais da Catedral de Colonia Fonte: Wikipedia, acesso em 16 mar. 2008.

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comum. O fato de sempre narrar uma história através de uma sucessão de imagens, vai contribuir para divulgação do que hoje entendemos como linguagem da história em quadrinhos. Vale também destacar que essa forma de comunicação (hq), apresenta, desde sua origem, uma relação intrínseca com o universo arquitetônico, pois a arquitetura fez um papel de veículo difusor da sua linguagem, já que essas imagens seqüenciais estavam apresentadas, nas paredes, nos vitrais, etc. 6

Passando aos quadrinhos ditos modernos , sabemos que, em seus primórdios, tiveram como principal veículo comunicativo o jornal, em forma de tirinhas – inicialmente seqüência de três quadros - de caráter cômico (Figura 25). Muitos disputam a paternidade das histórias em quadrinhos modernas: os EUA com Outcault e sua produção The Yellow Kid, que pode ser vista na figura 26, a Suiça com Rodolphe Topffer e sua produção Monsieur Vieux Bois, Monsieur Cryptograme e Monsieur Jabot (Figuras 27, 28 e 29), a Alemanha com Wilhem Busch, criador de Max und Moritz, mostrado na Figura 30, e a Inglaterra com Christophe (pseudônimo de Georges Colomb), que produz a família Fénoillard (Figura 31). De acordo com McCloud (2005, p.17) o que temos possibilidade de sustentar é que de muitas maneiras, o pai dos quadrinhos modernos é Rodolphe Topffer, cujas histórias com imagens satíricas, iniciadas em meados do século XIX, empregavam caricaturas e requadros – além de apresentar a primeira combinação interdependente de palavras e figuras na Europa (McCloud, 2005, p.17).

Quanto à história dos quadrinhos, o que podemos afirmar é que a mudança radical da imprensa, através da criação do jornal impresso, tem um peso determinante na sua consolidação, o que foi possível de ser observado através da história Yellow Kid, de Outcalt (as tiragens do jornal que exibiam Yellow Kid tiveram um aumento considerável devido a sua publicação). Yellow Kid foi um primeiro sucesso empresarial, amplamente divulgado pelos jornais na época, o que acaba levando-o a ser erroneamente intitulado

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Os quadrinhos modernos surgem juntamente com a imprensa e são, generalizando, aqueles em que imagens seqüenciais aparecem dispostas em quadros, associadas de maneira interdependente a textos, que podem estar tanto em forma de legenda, quanto de balões de fala.

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como a primeira história em quadrinhos7.

Figura 25: Página do jornal Daily Mirror destinada às tirinhas Fonte: Lew Stringer, acesso em 16 mar. 2008.

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Para maiores informações a respeito da história dos quadrinhos, ou de Yellow Kid, consultar: MOYA, Álvaro de. História das histórias em quadrinhos. Porto Alegre: L & PM Editores, 1986.

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Figura 27: Monsieur Vieux Bois Fonte: Moya (1986). Figura 26: Tirinha The yellow kid Fonte: Westbrook, acesso em 16 mar. 2008.

Figura 28: Trecho da história de Monsieur Cryptograme Fonte: BD Gest', acesso em 16 mar. 2008.

Figura 29: Monsieur Jabot de Rodolphe Topffer Fonte: Wivel, acesso em 16 mar. 2008.

Figura 31: A Família Fenouillard, de Christophe Fonte: CoinBD, acesso em 16 mar. 2008.

Figura 30: Trecho de Max und Mortiz (no Brasil Juca e Chico) Fonte: Moya (1986).

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3.2 COMO É FEITA

Figura 32: Hq Peanuts Fonte: Snoopy, acesso em 23 abr. 2008.

Como todos os meios de comunicação em massa, a produção da hq foi evoluindo e se modificando ao longo do tempo, apropriando-se de novas tecnologias e formas de expressão. Nos tempos das tiras cômicas de jornal, primórdios da produção de quadrinhos, a produção ficava restrita ao desenhista, que usualmente também era o roteirista, e se via extremamente controlado pelo jornal ou revista em que publicava, muitas vezes sofrendo censuras ou mudanças em sua produção sem que para isso fosse consultado, como o caso da famosa tira Peanuts de Charles Schulz (Figura 32). O inventor de Charlie Brown e Snoopy teve o nome da hq mudado por seu editor, e só ficou sabendo disso quando viu a publicação. Com as inovações tecnológicas e as conseqüentes especializações que elas promovem, surgiu um número expressivo de variedades profissionais: autores e roteiristas, desenhistas, arte-finalistas, letristas, coloristas, entre outros. Essa diversificação das profissões do universo de produção da hq possibilitou a criação de duas vertentes nas histórias em quadrinhos, a hq autoral, que é produzida do início ao fim pela mesma pessoa, como é o caso de Mafalda (Figura 33), produzida pelo argentino Quino. Esse modelo é bastante usado na Europa, onde possui representantes de peso, como o italiano Guido Crepax (Figura 34) e o belga Hergé (Figura 35).

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A segunda vertente é a da hq em linha de montagem, que conta com uma grande equipe por trás de sua produção, como é o caso das histórias dos super-heróis Superhomem (Figura 36), X-men (Figura 37), entre outros, que é o modelo comumente usado nos Estados Unidos. Figura 33: Mafalda, hq

Independente dessa produzida apenas por Quino Fonte: NYkette, acesso em 28 abr. 2008. diferenciação, em geral, a produção de uma história em quadrinhos segue uma mesma seqüência de produção, em primeiro lugar é criada uma história de forma narrativa, que se transforma em um roteiro com as devidas indicações de cenas, diálogos e personagens, como o mostrado na Figura 38. A etapa seguinte à concepção dos quadrinhos é iniciada decidindo-se o número de quadros, a composição de cada um (analisa-se cada elemento: as personagens, os balões, as faces, os cenários, os letreiros, etc), é criado um layout básico e são feitos os desenhos (Figura 39). Os desenhos são feitos, em sua maioria, a lápis, para que Figura 36: Superhomem Fonte: Kuase, acesso em 20 mar. 2008.

Figura 34: Anita, hq autoral de Crepax Fonte: Anita (1972).

Figura 35: Tintin, criação autoral de Hergé Fonte: Tintin: Objectif Lune (1955).

Figura 37: X men Fonte: Astonishing X men nº 7 (2006).

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Figura 39: Layout de uma página da série Umbrella Academy Fonte: Bá e Moon, acesso em 12 jan. 2008.

Figura 38: Roteiro de Eisner para uma história de Spirit Fonte: Eisner (1989)

posteriormente recebam a arte final, que é em geral feita através da aplicação de tinta nanquim (Figura 40). Podemos ver um desenho arte finalizado na imagem 41. Após esse processo, no caso de desenhos que são coloridos, esses passam pela etapa de colorização, em que o artista aplicará, de acordo com sua técnica e material (que variam), a cor (Figura 42). Seguido a esses processos, os balões e letreiros são inseridos nos espaços que haviam sido pensados para eles, como pode ser visto na Figura 43.

Figura 40: Processo de arte finalização de uma hq Fonte: Veiga, acesso em 12 fev. 2008.

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Feitos os originais, esses são examinados e trabalhados, caso haja a necessidade de algum retoque. A partir daqui a forma de trabalho vai variar de acordo com a t é c n i ca d e r e p r o d u ç ã o usada, pois a forma de reprodução dita o que vai ser n e c e s s á r i o fa z e r pa ra imprimir os exemplares da revista. Para finalizar, as revistas são distribuídas, sendo que as revistas estrangeiras ainda necessitam ser traduzidas, existindo casos nos quais as histórias exportadas devem ser adaptadas.

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Figura 41: Página da revista Umbrella Academy arte finalizada Fonte: Bá e Moon, acesso em 12 jan. 2008.

Figura 42: A mesma página da figura 25, mas após ter sido colorizada Fonte: Bá e Moon, acesso em 12 jan. 2008.

Apesar da série de etapas envolvidas na produção das hq, devemos dar atenção especial para o processo de concepção. Essa é uma etapa de suma importância, nas palavras de Will Eisner: Essencialment e, a criação do quadrinho começa com a seleção dos elementos necessários à n a r ra ç ã o , a escolha da perspectiva a partir da qual se permitirá que o leitor os v e j a e a definição da porção de cada símbolo ou elemento a ser incluído. Assim Figura 43: Página da figura 26 com seus devidos balões Fonte: Bá e Moon, acesso em 12 jan. 2008.

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a execução de cada quadrinho implica o desenho, a composição, além do seu alcance narrativo. Boa parte disso se faz com a emoção ou intuição incorporadas no “estilo” do artista (EISNER, 1989, p.41).

De maneira semelhante à arquitetura, os quadrinhos necessitam de uma grande atenção em relação à composição dos quadros, deve-se sempre ter em mente a intenção do quadro (Figura 44), para que o quadrinista não se deixe levar pelo impacto visual em detrimento da compreensão. Vemos hoje em dia na arquitetura exatamente a situação inversa, provocada por arquitetos que, dispostos a criarem verdadeiros monumentos, de grande apelo visual,

Figura 44: Eisner demonstra aqui como desenvolver um quadro, sem perder o foco principal Fonte: Eisner (1989).

Assim, simplificando, podemos fazer uma analogia entre o projeto ou a composição, de um quadrinho e o projetar de uma edificação, isso porque na hq também é necessário ter sempre em mente que ações aquele quadrinho vai comportar. Vamos tomar como exemplo a composição de uma casa, para ser comparada à composição de um quadrinho: em ambas temos que saber a sua intenção, no caso da casa é ser uma unidade habitacional, no caso dos quadrinhos é um determinado trecho da narrativa a ser expresso. Com a intenção definida, outros fatores devem ser levados em consideração, como as ações que tanto a casa quanto o quadrinho vão comportar, bem como os espaços que essas ações demandam, determinando, ambientes e ambientações específicos. Nos quadrinhos a análise é semelhante, é preciso ter em mente qual é a ação narrada naquele quadro, se é uma fuga, ou uma cena de luta, por exemplo, para que possa compô-lo de maneira adequada. Depois dessas etapas, em ambos os casos, é preciso fazer um layout prévio para examinar a

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funcionalidade ou eloqüência daquela composição, a qual só podemos comprovar a eficiência ao chegar em seu destino final, o leitor ou o morador. Notamos então que hq e arquitetura seguem caminhos paralelos, não só nas suas definições, como também em sua produção, onde a concepção dos quadros ou dos projetos é uma fase decisiva - pois é preciso ter sempre em mente as atividades que serão vividas nos espaços que estão sendo projetados -, independente do número de pessoas envolvidas na sua produção. Vale lembrar que outro fator de aproximação entre as duas artes é que, a produção criativa de boa parte dos profissionais de ambas as áreas ainda tem que obedecer às tendências e leis do mercado para conseguirem produzir.

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3.3 COMO FUNCIONA “[hq] É uma forma rápida e sintética de apreensão das coisas, do mesmo modo que a televisão” (PIGNATARI, 1970, p.163). Por esse motivo ela apresenta uma linguagem própria (símbolos, onomatopéias, códigos especiais e elementos pictóricos), que deve ser analisada para que possa ser devidamente compreendida. O quadrinista Will Eisner (1989, p.07) já afirmava que “As histórias em quadrinhos comunicam numa 'linguagem' que se vale da experiência visual comum ao criador e a o p ú b l i c o ” , r e s s a lta n d o a particularidade dessa linguagem. Os quadrinhos, em sua maioria, trabalham com uma simplificação da imagem real, simplificação essa Figura 45: Graus de simplificação da imagem que torna possível e a abrangência de identificação uma universalidade que proporcionam Fonte: McCloud (2005). da imagem (Figura 45), apesar de existirem algumas experiências que utilizam técnicas de foto realidade, como a série Kingdom Come (em português, Reino do Amanhã), mostrada nas Figuras 46 e 47. Q u a n d o s e trabalha com a simplificação das personagens, utiliza-se então a idéia de ícone

Figura 46: Cenários da hq Reino do amanhã Fonte: Comic Vine, acesso em 12 jan. 2008.

Figura 47: Super-heróis Reino do amanhã, pintados por Alex Ross no estilo hiper-realista Fonte: Comic Vine, acesso em 12 jan. 2008.

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(Figura 48), onde a intenção, ou idéia passa a se concentrar em detalhes específicos e significantes. Dessa maneira é possível fazer com que um contingente maior de leitores se identifique com aquela personagem, característica essa essencial para que uma hq obtenha sucesso. Esse fato também é salientado por Eisner: A compreensão de uma imagem requer um conjunto de experiência. Portanto, para que sua mensagem seja compreendida, o artista seqüencial deverá ter uma c o m p r e e n s ã o d a experiência de vida do leitor. É preciso que se desenvolva uma interação, porque o artista está evocando imagens armazenadas nas mentes de ambas as partes. O sucesso ou fracasso desse método de comunicação depende da facilidade com que o leitor reconhece o significado e o i m pa c t o e m o c i o n a l da i m a g e m . P o r ta n t o , a c o m p e t ê n c i a d a r e p r e s e n ta ç ã o e a universalidade da forma escolhida são cruciais. O estilo e a adequação da técnica são acessórios da imagem e do que ela está tentando dizer (EISNER, 1989, p.13 e 14).

Figura 48: Alguns exemplos de ícones Fonte: McCloud (2005). A figura 48 mostra uma série de figuras, que são ícones usados nas hq. Vale falar que as palavras são ícones abstratos que também são empregados na narrativa quadrinística.

Em contrapartida, em grande parte dos quadrinhos, os cenários acabam se tornando os referenciais da história, e por tal motivo, geralmente não sofrem com um alto grau de abstração, caso contrário provocariam uma grande perda da legibilidade. A ambientação tende então a ser trabalhada de forma mais realista que as personagens, como acontece com a historinha de Tintin, que podemos ver na Figura 49. Através desses personagens e cenários, a proposta da história em quadrinhos é de criar uma narrativa rítmica, empregando o uso de imagens e textos, de maneira a desenvolver uma seqüência dinâmica.

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Figura 49: A personagem Tintin em uma cidade do oriente médio Fonte: Tintin et les cigares du Pharaon (1959). Ve m o s n a i m a g e m 4 9 q u e a personagem Tintin possui um desenho simplificado, possibilitando que um maior contingente de leitores se identifique com ela, enquanto o tratamento dado aos cenários da hq possui maior realismo, o que facilita a compreensão da história, pois identificamos onde ela se passa. Figura 50: Os espaços destacados em laranja correspondem às sarjetas Fonte: adaptado de The Spirit nº42 (1991).

A dúvida seria: como proporcionar essa sensação de dinamismo em um meio de comunicação estático? É aí que entram as sarjetas. Sarjeta é a denominação dada aos espaços entre os quadros nas histórias em quadrinhos (Figura 50). São esses espaços que permitem ao leitor usar a imaginação para ligar os diferentes quadros, que são responsáveis por fragmentar tempo e espaço, e conceber uma conclusão que seja capaz de “conectar esses momentos e concluir mentalmente uma imagem contínua e unificada” (MCCLOUD, 2005, p.67). Os quadros e as sarjetas são os responsáveis por nos passar, na hq, as noções de tempo e espaço. Isso acontece através do enquadramento, que limita o espaço e as ações dentro de cada quadro, e ao fazer isso proporciona também uma delimitação do tempo das ações contidas em seu interior. Essa noção de temporalidade que os quadros e a sarjetas criam também é salientada por Eisner (1989, p.40) quando diz

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O ato de colocar uma ação em quadrinhos separa as cenas e atos como uma pontuação. Uma vez estabelecido e disposto na seqüência, o quadrinho torna-se o critério por meio do qual se julga a ilusão de tempo (Eisner, 1989, p.40).

Mas o enquadramento também pode ser auxiliado por outras estruturas para garantir que a passagem do tempo seja bem compreendida, como é o caso do som expresso através dos balões; e do número, tamanho e formato dos quadrinhos. Analisando os quadros notamos que essas noções de tempo e espaço variam tanto em função do tamanho do quadro (já que um quadro maior indica uma duração de tempo e/ou um espaço mais longo, como podemos perceber ao comparar a Figura 51 com a 52), quanto em função do tamanho da sarjeta (um espaçamento maior entre quadros pode sugerir uma passagem de tempo mais demorada, como na Figura 53), ou quanto em função da repetição de uma cena (uma cena repetida várias vezes tende a estender uma ação, o que podemos ver na Figura 54), assim como quadrinhos e sarjetas do mesmo tamanho e formato apresentam uma mesma duração de tempo (Figura 55). Dessa forma “[...] ler uma estória [sic] em quadrinhos é ler a articulação entre seus planos” (ANSELMO, 1975, p.14). Afora isso, muitos autores se utilizam da seqüência dos quadros, assim como o que é ou não mostrado neles para criar uma impressão e

Figura 51: Tirinha original, representando um diálogo Fonte: McCloud (2005).

Figura 53: Aumento de tamanho das sarjetas influenciando na percepção do tempo Fonte: McCloud (2005).

Figura 54: Alongamento do tempo entre pergunta e resposta, graças à repetição de quadro entre elas Fonte: McCloud (2005).

Figura 52: Aumento do quadro central representando maior passagem temporal entre o primeiro e último quadro Fonte: McCloud (2005).

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estimular uma concl usão (Figura 56 e 57), portanto estes espaços são repletos de significados, pois são eles que permitem que a imaginação do leitor funcione, conectando e criando a narrativa. E é esse relacionamento que existe entre os quadros, que estrutura a hq e que deve ser dinâmico, pois segundo Moacy Cirne (1977) é isso que permite criar o movimento e ação formais nos quadrinhos. Através do recurso quadro/sarjeta é possível a coexistência entre passado, presente e futuro na hq, estando todos estes períodos a p e n a s a u m q ua d r o d e distância (Figura 58), podendo ser captado por nossa visão periférica. Dessa forma podemos entender cada quadrinho como a unidade de tempo fundamental nas hq, já que à medida que o leitor avança na leitura de um quadro para outro, ele também avança no tempo da história que é contada (Tavernier, 2003). Vale ressaltar, ainda assim, que o quadro em que o leitor se concentra sempre representa o presente, já que é uma imagem c o n g e l a d a d e u m tempo/ação/movimento, e que a seqüência de tempo (nos

Figura 55: Duração de tempo semelhante em quadros e sarjetas de mesmo tamanho Fonte: Fábulas nº16 (2005).

Figura 56: Mesmo sem ver, somos capazes de concluir o que acontece entre os dois últimos quadrinhos Fonte: The Spirit nº12 (1989).

Figura 57: Aqui é a sarjeta que permite que o leitor faça a ligação entre as duas cenas Fonte: The Spirit nº42 (1991). Na figura 57 é a sarjeta que nos leva a concluir a seqüência da ação: que o sujeito de chapéu no primeiro plano do primeiro quadrinho surrou os outros dois no espaço de tempo marcado pela sarjeta

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quadrinhos ocidentais) sempre se dá da esquerda para a direita, de cima para baixo (Figura 59).

Figura 58: Exemplo de como se dá a passagem de tempo nas hq Fonte: adaptado de Marvel knights Wolverine nº17 (2006).

Observando a Figura 58 e considerando que a visão do leitor esteja focada no quadrinho identificado como zero, podemos assumir que o passado imediato será o quadrinho –1, seguido pelo –2 e assim sucessivamente. Da mesma maneira o futuro será sempre o quadrinho imediatamente a frente ao que o olhar foca, ou seja, o 1, depois o 2, etc.

Pa l av ra s e i m a g e n s s e articulam na história em quadrinhos de maneira a auxiliar a narrativa, as pa l a v r a s p o d e m e s ta r inseridas como onomatopéias, onde “imita o som natural da coisa significada” (Aurélio, 1993, p.392), que podemos ver na Figura 60; como balões, que representam as falas das personagens (Figura 61); ou como legendas, que servem para as mais variadas funções, podendo explicar fatos, descrever situações, como na imagem 62, ou indicar lugares, horas, entre outros; e todos esses elementos são parte crucial para o entendimento da história. As onomatopéias e o balão são elementos característicos dos quadrinhos. Por ser um meio essencialmente visual, é através desses dois elementos que se consegue explorar a sonoridade de uma história, pois servem r e s p e c t i va m e n t e pa ra representar as falas e ruídos presentes. Esses dois elementos, mais do que

Figura 59: Processo de leitura de hq ocidental Fonte: Eisner (1989).

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Figura 62: Legendas descrevendo uma situação Fonte: MAUS II (1991).

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Nas Figuras 63 e 64 a grafia diferenciada das o n o m at o p é i a s s e rv e pa ra compor as cenas, bem como para representar, na primeira figura, através das letras turvas, um som agudo, enquanto na segunda a grafia mais larga e v o l u m o s a expressa um barulho grave e alto, como uma b a t i d a o u explosão.

Figura 63: Telefone tocando Fonte: Tintin le Sceptre d'Ottokar (1947).

Figura 64: Explosão Fonte: Tintin le Sceptre d'Ottokar (1947). Através da seqüência de leitura conseguimos elaborar o diálogo presente na Figura 65, identificando a ordem das falas, e estipulando um tempo para que cada uma delas seja “falada”.

Como todo diálogo possui uma duração, ao observarmos a Figura 66 podemos concluir que ao fim do diálogo a personagem que está se levantando já estará em pé.

Figura 65: Diálogo Fonte: Os Livros da Magia versão 2 nº19 (1995).

Figura 66: Timing entre fala e ação. Fonte: Gen 13 versão 4 nº10 (2007).

ou os ruídos, se constituem de elementos plásticos de crucial importância na composição dos quadros, atingindo as mais variadas e expressivas formas (Figura 63 e 64). Os balões também servem para passar a sensação de tempo, isso porque ao possuírem uma seqüência determinada para serem lidos, de forma que se possa saber quem falou primeiro, são capazes de passar a sensação de duração das falas. Podemos comprovar isso observando o quadrinho da Figura 65.

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As representações de sons, juntamente com o movimento, também são responsáveis por mostrar a duração de um quadro, na medida em que demanda um timing para que as ações ou falas sejam executadas pelas personagens da cena, caracterizando assim uma temporalidade para que cada ação seja realizada (Figura 66). Vale destacar ainda que o traço na hq, seja das personagens, dos balões, ou do próprio quadrinho, tem a função de transmitir uma sensação ao leitor. Dessa forma, um balão ouriçado serve para representar uma fala gritada, um outro balão em formato de nuvem representa um pensamento, entre outros (Figuras 67, 68, 69 e 70),

Figura 68: Balões de pensamento Fonte: Boneca de Marfim nº3 (1999). Figura 67: Exemplo de um balão de grito Fonte: Marvel Knights Motoqueiro Fantasma nº2 (2001).

Figura 69: Balões de fala diferenciados, representando raças diferentes Fonte: The Nikopol Trilogy (1980). Figura 70: Balões de fala robótico Fonte: Mulher Maravilha nº224 (2006).

Figura 71: Exemplos da expressividade de diferentes traçados Fonte: McCloud (2005).

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com as personagens e cenários observamos o mesmo processo, como é possível ver na Figura 71. É importante dizer que o contorno do quadrinho, ou requadro, também pode ser usado para evocar sensações temporais, quadrinhos de traço grosso sugerem a ação primeira, principalmente se sobrepostos a quadrinhos de Figura 72: Requadro grosso representando a seqüência inicial, e o de traço fino a ação final traço mais fino (Figura 72). Fonte: Eisner (1989). E s s a c a ra c t e r í s t i c a d e traçado, de quanto mais importante é a ação ou quanto mais próximo o elemento ao leitor mais forte é traço, também se aplica aos componentes cenográficos dos quadrinhos, bem como às personagens, da mesma maneira que aplicaríamos diferentes espessuras de linha em uma vista arquitetônica (Figura 73). Deve ser notado também, que convencionou-se, que quadrinhos de traçado ondulado geralmente sugerem ações passadas (flashback), enquanto quadrinhos

Figura 73: Vistas de Marcos Acayaba para o edifício da H. Stern Fonte: Marcos Acayaba, acesso em 14 set. 2006.

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retilíneos são mais usados em situações do presente, o que podemos comprovar analisando as cenas da Figura 74. Existe ainda um tipo de t ra ç o e s p e c i a l , q u e podemos ver na Figura 75, denominado linha de ação. Esse é um elemento gráfico adaptado da fotografia, que é amplamente empregado nos quadrinhos para r e p r e s e n t a r Figura 74: Quadrinhos de tempo presente (retilíneos) ao lado de quadrinhos de flashback (ondulados) m o v i m e n t a ç ã o Fonte: Pastel de Vento, acesso em 28 abr. 2008. acontecendo, ou uma trajetória (Figura 76), como aconteceria em uma fotografia estroboscópia, como a mostrada na Figura 77. Pode-se separar ainda mais um elemento de destaque nas composições de hq: as hachuras. A forma como elas são empregadas Figura 75: Os traçados dos círculos, indicando a rotação das adagas, são denominados linhas de ação Fonte: Marvel Knights Wolverine nº21 (2004)

Figura 76: Aqui a linha de ação serve para mostrar a trajetória das garras de Wolverine Fonte: Marvel Knights Wolverine nº21 (2004)

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proporciona a sensação de volume e peso, contribuindo assim para a c o n s t r u ç ã o da e s pa c i a l i da d e quadrinística, o que podemos comprovar através da Figura 78. Vimos que, da mesma forma que acontece com a arquitetura (Figura 79 e 80), a hq possui elementos e convenções próprios da sua linguagem. É possível assim, através do que foi apresentado, traçar um panorama de como uma história em quadrinhos funciona, mostrando como cada um destes elementos e convenções são essenciais para a sua composição, já que “são as propriedades de unificação do desenho que deixam a gente consciente da página como um todo, e não seus componentes individuais, os quadros” (MCCLOUD, 2005, p.91) e essa compreensão do todo que é necessária para o devido entendimento da narrativa. Podemos, então, mais uma vez relacionar a arte dos quadrinhos com a arquitetura, uma vez que esta também se utiliza de imagens e textos, para transmitir ao seu consumidor uma idéia. O que acontece é que enquanto nos quadrinhos texto e imagens encontramse integrados em quase todos os momentos da narrativa, atuando conjuntamente com os requadros, direcionam a visão do leitor a perspectivas e pontos de vistas que proporcionem a melhor compreensão da narrativa pelos leitores (Figura 81); na arquitetura fazemos algo semelhante

Figura 77: Foto estroboscópia, captando os movimentos da bola Fonte: Clube Quark, acesso em 01 mai. 2008.

Figura 78: As hachuras passam a sensação de profundidade, auxiliando no entendimento da cena Fonte: O Edifício (1987).

Figura 79: Convenção de nível em arquitetura Figura 80: Convenção de norte em arquitetura

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Figura 81: Exemplos de diferentes pontos de vista usados nas hq Fonte: Eisner (1989)

com o uso de memorial descritivo, memorial justificativo, plantas baixas, cortes, fachadas com indicação de materiais, perspectivas, etc, que tem o intuito de esclarecer o projeto a quem lê (Figura 82). Dessa forma, percebe-se que tanto a hq como a arquitetura possibilitam e exigem, como Pascal (apud ANSELMO, 1975) já havia dito, que o leitor LEIA imagens e palavras, ao invés de VER imagens e palavras.

Figura 82: Desenhos e textos associados para melhor compreensão do projeto

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TEMPO E ESPAÇO

Fonte: O mundo da Mafalda (1999)

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Segundo o dicionário Aurélio, espaço (1993, p.223) é “1. Distância entre dois pontos, ou área ou o volume entre limites determinados. 2. Lugar mais ou menos bem delimitado, cuja área pode conter alguma coisa [...]. 5. Período ou intervalo de tempo”, enquanto tempo (1993, p.530) é definido como “1. A sucessão dos anos, dias, horas, etc., que envolve a noção de presente, passado e futuro. 2. Momento ou ocasião apropriada para que uma coisa se realize”. Observando essas definições percebemos que tempo e espaço são elementos intrinsecamente relacionados desde o seu significado. Isso é comprovado na medida que a própria definição de um desses termos necessita do outro para ser compreendida. Já vimos, no capítulo anterior, como uma hq funciona e interage e também como cada um de seus elementos são capazes de se relacionar com a questão do tempo-espaço, de forma a nos transmitir essa relação ao longo da história. Ramirez nos fala que “em todo relato se faz presente certa temporalidade, a suficiente para que algo aconteça em relação a um antes e um depois” (RAMIREZ, 1991, p.210, tradução nossa). A hq é claramente um relato e podemos considerar a arquitetura como um relato edificado da história e da ação da humanidade e, como tal, é de suma importância analisar como a questão do espaço-tempo se desenvolve e se relaciona com a arquitetura. Mas indo além, veremos neste capítulo como aquilo que entendemos como tempo e espaço arquitetônico aparecem na narrativa quadrinística e também se torna responsável por definir o espaçotempo de cada quadro, fazendo com que hq e arquitetura se relacionem.

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4.1 NA ARQUITETURA “O objeto de nossas criações, é a arte do espaço, a essência da arquitetura” (BERLAGE apud VEN, 1981, p.11, tradução nossa). Siegfried Giedion em seu livro: “Espaço, Tempo e Arquitetura” (2004), ressalta que uma das grandes características da arquitetura - e que se relaciona diretamente com a hq - é a questão do tempo e espaço, e grifa que qualquer modalidade de planejamento nessa área exige o conhecimento do passado e o pressentimento do futuro, exatamente a visão seriada que a hq é capaz de passar aos seus leitores. Como o conceito de espaço é algo que foi evoluindo ao longo do tempo, encontramos categorizações bem diversas, que diferem de acordo com a época abordada. Dentro dessa evolução do conceito de espaço na arquitetura Cornelis Van de Ven admite que: Em primeiro lugar, o espaço foi considerado como a encarnação da atividade humana no interior de uma concha/escudo arquitetônico, representando a extensão em três dimensões do corpo humano em sua existência funcional. Em segundo lugar, a idéia do espaço era a nova formulação, dentro da tentativa por definir a Beleza, encontrada na estética moderna (VEN, 1981, p.14, tradução nossa).

Essa afirmação mostra que o conceito de espaço para a arquitetura passou da questão puramente física, em que era definido a partir dos três eixos cartesianos constituindo um espaço postulado, abstrato; para um outro sentido, para um espaço produzido, que fosse capaz de abarcar a questão da estética dentro da criação arquitetônica. Somente através da evolução das ciências e da arquitetura, foi possível superar o pensamento renascentista, que determinava a e x i s t ê n c i a d e a p e n a s t r ê s d i m e n s õ e s e s pa c i a i s . Contemporaneamente, consideramos a existência de uma quarta dimensão, o tempo (GIEDION, 2004). Essa nova dimensão vai caracterizar o conceito do “contínuo espaço-tempo”, que se desenvolveu com Einstein no início do século

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XX e afetou toda a posterior geração de artistas, cientistas e intelectuais que desenvolveram suas teorias a partir do pensamento do físico. Giedion afirma que anteriormente a essa época, o tempo havia sido considerado sob dois aspectos: seja realisticamente, como algo que continua e existe independentemente da existência de um observador, de outros objetos, ou ainda de qualquer relação com outros fenômenos; seja subjetivamente, como algo que não tem existência desvinculada do observador e está presente somente na experiência dos sentidos (GIEDION, 2004, p.472).

A nova concepção de tempo-espaço torna-se paradigmática e afirma que o espaço e o tempo isolados se desfazem, e que apenas a “união de ambos preservará sua existência” (MINKOWSKI apud GIEDION, 2004, p.472). A partir dessa nova definição a arquitetura passou a ter que lidar com novos problemas resultantes desse princípio, em especial com a questão do movimento. Assim sendo a arquitetura passa a se preocupar em criar espaços nos quais as ações humanas possam se desenvolver ao longo do tempo. Sendo assim, no campo arquitetônico, a grande inovação resultante desse conceito foi a consideração do tempo na percepção estética do espaço arquitetônico, no que se refere a duração da experiência estética do objeto arquitetônico, e esta duração é conseqüência do movimento cultural do observador, que adota sucessivamente diferentes pontos de observação ao redor e através do objeto contemplado (VEN, 1981, p.72, tradução nossa).

Ou seja, o espaço passou a ser considerado multifacetado e dinâmico. Nas palavras de Giedion:

como

algo

A essência do espaço, tal qual é hoje concebida, está no seu caráter multifacetado, ou ainda na infinita potencialidade de relações que contém. Uma descrição exaustiva de uma determinada área, a partir de um único ponto de vista, tornase, dessa forma, impossível; sua configuração se modifica de acordo com o ponto a partir do qual é observado. A fim de apreender a verdadeira natureza do espaço, o observador deve se projetar através dele (GIEDION, 2004, p.465).

A partir daqui as obras arquitetônicas passam a buscar diferentes percepções, as quais só podem ser apreendidas através do uso de

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diferentes pontos de vista. Um grande exemplo da arquitetura resultante desses conceitos é a Villa Savoye (Figuras 83 a 86), que não pode ser compreendida se baseada na visão de apenas um ponto de vista. O bs e rva n d o a e v o l u ç ã o d o s conceitos de espaço, a constituição dele em si, sofre ainda, alterações de acordo com as crenças e pensamentos de cada época. De maneira resumida, podemos considerar que o e s p a ç o Figura 84: Terraço jardim da Villa Savoye arquitetônico Fonte: Boston College, acesso em 12 jul. 2008 passou por três f a s e s d e constituição d i s t i n ta s . A primeira fase se constituiu pela i n t e g ra ç ã o d e volumes. A segunda etapa é ca ra c teri z a da pela elevação do Figura 85: Corte da Villa Savoye Fonte: Giedion (2004). espaço interno ao objetivo mais elevado da arquitetura. E como terceira etapa, consideramos uma mescla das duas anteriores, onde novos elementos foram introduzidos, como a incorporação do movimento como um elemento i n d i ss o c i á v e l da a r q u i t e t u ra (GIEDION, 2004). Figura 86: Planta baixa do térreo da Villa Savoye Fonte: Giedion (2004).

Figura 83: Villa Savoye Fonte: Boston College, acesso em 12 jul. 2008.

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Laszlo Moholy-Nagy, professor da Bauhaus , desenvolveu uma tese capaz de sintetizar os diversos conceitos de espaço existentes. Ela é considerada por Van de Ven como o ponto culminante do conceito de arquitetura como “ciência do espaço”. Moholy-Nagy afirma que “a qualidade material é apenas um instrumento para a criação do espaço e, por isso, a criação do espaço transcende em muito a condição dos materiais de construção” (MOHOLY-NAGY apud VEN, 1981, p.298), isso só vem afirmar que o grande intuito da arquitetura é a criação de espaços, independente daquilo que é usado para a sua construção. Com a questão do tempo e do movimento fixada de forma definitiva na arquitetura, os arquitetos passam, então, a tentativas diversas para tentarem incorporar esses elementos em suas obras. Uma das maneiras encontradas pelos arquitetos foi, segundo Erich Mendelsohn (apud VEN, 1981, p.221), coordenar o movimento das pessoas ao redor e através da obra arquitetônica. Esse conceito foi largamente aplicado na arquitetura, o que pode ser corroborado por uma afirmação de Le Corbusier de que “arquitetura é circulação” (LE CORBUSIER apud VEN, 1981, p.246). Outra forma encontrada para demonstrar essas questões, pode ser vista através da busca constante dos arquitetos em relacionar os ambientes que eles criam a outros, procurando sempre a relação de continuidade entre espaços internos e externos. Definiu-se então que para construção de uma arquitetura de qualidade, é necessário que exista continuidade visual, e que, apesar dessa dever acontecer dentro da própria obra arquitetônica entre seus diferentes espaços, deve também ir além, pois é importante que a obra se relacione com o entorno. Em termos de projeto podemos alcançar isso através da adoção de algumas medidas, como o uso de níveis diferentes e da transparência alcançada pela utilização de extensas áreas de vidro, de maneira a permitir o maior contato visual entre o espaço externo e o interno, 8

A Bauhaus foi uma escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda, fundada em Weimar, Alemanha, em 1919, por Walter Gropius. Iniciada com a utópica definição de “'A construção do futuro' era combinar todas as artes em uma unidade ideal” (BAUHAUS-ARCHIV MUSEUM OS DESIGN, 2008), A Bauhaus ocupa o seu próprio lugar na história da arte do século XX. Para maiores informações sobre a Bauhaus consultar Bauhaus – novarquitetura (São Paulo: Editora Perspectiva), de Walter Gropius.

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Figura 87: Indica diferentes pontos de visão que se pode ter da reitoria da UFES. Fonte: adaptado de Google Earth, acesso em 05 out. 2006.

A figura 87 marca exatamente os ângulos da onde fora tiradas as fotos correspondentes as figuras 88 a 91, assim temos: Amarelo – figura 84 Laranja – figura 85 Vermelho – figura 86 Magenta – figura 87 Figura 88: Reitoria UFES vista a partir de um ângulo frontal

Figura 89: Reitoria UFES vista a partir de uma diagonal

tanto o construído, q u a n t o o n at u ra l , criando assim um espaço integrado com o entorno que, por sua vez, passa a fazer parte do projeto e se torna um item necessário para a sua compreensão. Esse sistema de continuidade busca, na verdade, fazer com que o observador necessite de diferentes pontos de o bs e rva ç ã o pa ra a compreensão da obra, alcançando, dessa forma, o movimento da d o at rav é s da mobilidade (Figuras 87 a 91).

Diante do exposto, podemos afirmar que um fat o r d e g ra n d e importância na c o m p o s i ç ã o arquitetônica para que a continuidade seja a t i n g i d a , é a proporcionalidade espacial, que podemos Figura 90: Reitoria UFES Figura 91: Reitoria UFES visualizada de um ângulo vista a partir de uma visual c o n s i d e ra r c o m o a mais lateral diagonal-fundo correta relação entre o meio ambiente e as funções que aquele espaço virá a desempenhar. Os espaços arquitetônicos passam então a buscar essa proporcionalidade externamente, em relação ao meio em que se insere, e internamente, o que podemos exemplificar se tomarmos como exemplo a construção de um teatro, onde devemos considerar

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que uma sala de espetáculos possui uma dimensão maior que os demais ambientes de um teatro, pois é ali que a ação principal daquele espaço arquitetônico acontecerá, criando um espaço interno que muitas vezes se faz refletir no externo. Vale a pena ressaltar que apesar desses critérios de proporcionalidade e continuidade, o espaço não é definido apenas através deles. Segundo Zenon Lotufo (1956) o espaço é definido pelo arquiteto não somente em função de medidas exatas, ou medidas baseadas nas proporções do corpo humano, mas também pela sensibilidade do arquiteto, que poderá atingir seu objetivo através de um espaço–plástico, concretizado com a cor, os volumes, os contrastes, a vida, enfim. Pa s s a n d o a g o r a a o s e l e m e n t o s constituintes da representação da relação espaço-tempo, Giedion (2004) afirma que o plano é um destes elementos e é formado através da ampliação dos ângulos e das linhas. Em uma Hotel da figura 92 é basicamente a n á l i s e m a i s m i n u c i o sa , composto por planos verticais e podemos identificar o plano horizontais, que constituem os cubos que dão a como sendo o objeto de volumetria ao edifício trabalho fundamental dos Figura 92: arquitetos, assim podemos Hotel da Cápsula Espacial identificá-lo nas composições Nagakin, em Tokyo Fonte: Drexler de diversos elementos, como (1982) paredes e lajes (Figura 92), bem como as pranchas onde desenvolvemos os projetos (Figura 93). Van de Ven (1981), por sua v e z , a c r e d i ta q u e n a representação da relação espaço-tempo, existe um elemento essencial na Figura 93: Pranchas de projetos

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arquitetura, que poderia ser entendido com um espaço transicional entre o interior e o exterior, que, em desenho é caracterizado pela linha, representando a parede, que juntamente com os seus vazios, conformados por suas portas e janelas, é o que separa esses espaços internos e externos (Figura 94). É esse espaço de ligação que cria o nexo entre essas duas regiões distintas. Concluímos assim a análise do que hoje entendemos como espaçotempo na arquitetura, como ele é composto e quais as suas implicâncias e importância em termos de concepção arquitetônica.

Figura 94: Projeto residencial, com as paredes marcadas por linhas pretas

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4.2 NA HISTÓRIA EM QUADRINHOS Analisando a questão do tempo-espaço na arquitetura, o que ela significa, suas evoluções e as mudanças que esse conceito implicou, somos capazes de traçar um série de paralelismo com o tempoespaço dos quadrinhos. Quando a evolução dos conceitos de tempo-espaço na arquitetura demandou a incorporação do movimento, passamos a ter um indiscutível ponto de contato entre hq e arquitetura. Isso porque ao representar as situações e ações se desenvolvendo ao longo do tempo e do espaço estamos, na verdade, procurando incorporar o movimento na narrativa quadrinística. Podemos discorrer também a respeito do caráter multifacetado que tanto os quadrinhos, quanto a arquitetura possuem. Na hq esse aspecto se deve ao fato de que cada quadro constitui uma cena que podemos analisar separadamente, mas sabemos que para a compreensão total da história faz-se necessário que o leitorobservador adote sucessivos pontos de observação – leia-se diferentes quadros – que são o resultado da mudança dinâmica das ações e do espaço no tempo. Com isso observamos que “um quadrinho não se mantém sozinho por muito tempo, pois a narração necessita sempre de uma progressão” (TAVERNIER, 2003, p.05, tradução nossa), ou seja, é preciso uma continuidade espacial para que os quadrinhos sejam bem compreendidos. Nas histórias em quadrinhos essa continuidade é alcançada a partir da disposição dos quadros em seqüência e do uso da sarjeta. A sarjeta funciona da mesma forma que os espaços transicionais arquitetônicos, possibilitando o nexo entre dois espaços distintos, além de que, no desenho da hq, esses espaços também são delimitados por linhas, nesse caso a dos requadros. A continuidade nas hq demanda uma proporcionalidade espacial.

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Isso porque os quadros devem ser dimensionados de acordo com as atividades que comportam, mas essa proporcionalidade não se restringe ao quadrinho, ela abrange a página inteira. Portanto, um quadrinho situado na parte central da página geralmente comporta uma ação de grande importância na história e possui um dimensionamento maior do que os demais (Figura 95). Em uma análise mais profunda vemos que o quadrinista elabora todo o seu trabalho sobre planos, que, como dito anteriormente, é um dos elementos de representação do tempo-espaço. Esses planos vão desde aqueles presentes em cada imagem, compondo-as, aos quadrinhos em si, bem como a página como um todo (Figura 96, 97 e 98). Esta característica do uso de diversos planos como elemento de espaço-tempo nas hq é confirmado por Eisner quando diz:

Figura 95: Grande quadro central, indicando a importância dessa cena Fonte: Eisner (1989).

Figura 96: Planos compondo a imagem de um quadro Fonte: Estranhos no Paraíso v3 nº15 (1998).

Figura 97: Cada quadrinho é um plano Fonte: Estranhos no Paraíso v3 nº15 (1998). Figura 98: A página nas hq também é um plano Fonte: Estranhos no Paraíso v3 nº15 (1998).

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As páginas são a constante na narração da revista de quadrinhos. É preciso ter em mente que, quando o leitor vira uma página, ocorre uma pausa. Isso permite uma mudança de tempo, um deslocamento de cena; é uma oportunidade de controlar o foco do leitor. Trata-se aqui, de uma questão de atenção e retenção. Assim como o quadrinho, portanto, a página tem que ser usada como uma unidade de contenção, embora ela também seja parte do todo composto pela história em si. [...] cada página tem duração, tempo e ritmo de leitura diferentes. Cada uma abrange um tempo e uma ambientação diferente. Cada página é resultado de cuidadosa deliberação (EISNER, 2001, p.63).

Mas o emprego dos planos, das seqüências e das sarjetas não é suficiente para estabelecer um quadro como espaço. Para se constituir um espaço na hq é necessário que o artista crie um espaço-plástico, através do uso de elementos artísticos, tornando aquele quadro apto para que a vida e as ações se desenvolvam nele. Essa característica de desenvolver em um quadro os espaços arquitetônicos para que as situações aconteçam nele é um ponto de encontro visceral entre as duas artes, destacado por diversos artistas, como Edgar Franco: Acho que a principal semelhança [entre hq e arquitetura] é a questão da construção de espaços, tanto arquitetos como quadrinistas lidam com essa questão, no entanto para os quadrinistas o desenho é o resultado final (aliado ao universo criado para a história), já para os arquitetos o desenho é só um meio para atingir um fim.

Alguns chegam a afirmar que hq é arquitetura, como Amiel A HQ é uma arquitetura, em princípio, atendendo suas imposições, está-se diante da arte de realizar o espaço. Isto é verdade tendo em vista a composição dos quadrinhos de uma página. Todos os elementos que fazem a força, a originalidade e a beleza de uma HQ dependem da relação entre um quadrinho e outro (AMIEL apud FRANCO, 2004, p.31).

Se retomarmos o que Moholy-Nagy afirma que “[...] a criação do espaço transcende em muito a condição dos materiais de construção” (apud VEN, 1981, p.298), podemos de certa maneira dizer, já que a materialização no espaço não é necessária para que ele possa existir, que o quadrinista passa a exercer em suas criações a função de arquiteto, ao simular os espaços onde a narrativa se desenvolverá. O discurso do quadrinista Daniel Torres vem confirmar esta constatação:

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Nas minhas HQs acumulo muitas funções, entre elas a de arquiteto, eu tenho grande vantagem sobre os arquitetos, a de poder inventar não só os espaços, mas também as pessoas que ocuparão esses espaço. Além disso, não sou limitado por problemas técnicos e financeiros, posso imaginar tudo pelo fato do universo de uma história em quadrinhos não ter existência fora da imaginação (TORRES apud FRANCO, 2004, p.30).

Concluímos assim, que a arquitetura, assim como a hq é espaçotempo. Isso significa e resulta numa série de implicações nas quais, vale destacar que a arquitetura, assim como os quadrinhos, adota os mesmo conceitos de criação do espaço e ambos impõem uma leitura dinâmica e simultânea às suas produções artísticas.

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Trecho extraído do questionário desenvolvido para a pesquisa, aplicado ao quadrinista e arquiteto Edgar Franco. O conteúdo integral está disposto na seção APÊNDICE A.

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5 HISTÓRIA EM QUADRINHOS E OS ESTILOS ARQUITETÔNICOS

Fonte: O mundo da Mafalda (1999)

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Sabemos que a arquitetura se originou das necessidades humanas, e que após esse impulso inicial ela passa a se peocupar com as questões de estética e gosto, que são os fatores que impõem a sua constante evolução. Podemos falar que a arquitetura nos quadrinhos tem quase o mesmo sentido, já que ela se origina das necessidades das personagens e também se desenvolve com elas e com a história. Comprovamos o exposto no parágrafo acima, se retornarmos a questão de que os espaços arquitetônicos são criados objetivando abrigar e estimular o movimento, o que podemos entender como ação. Dito isso, podemos afirmar, de acordo com Ramoneda (CIUTAT..., 1998), que a cidade dos quadrinhos é uma cidade como as nossas, à medida que depende do fazer e do atuar, construindo assim uma cidade de transformação permanente, pois ela é, na verdade, um espaço que a ação exige em um determinado tempo, para que esta se desenrole, como é possível de se ver na Figura 99, pois sem a existência da cidade não existiria a perseguição nem a luta, logo não existiria ação nessa cena.

Figura 99: Perseguição pela cidade Fonte: A Academia Umbrella: Salvo e seguro (2007).

Figura 100: Gauleses Chegando a Atenas. Fonte: Asterix nos Jogos Olímpicos (2004).

Vemos então, que a história em quadrinhos necessita de um marco espacial e temporal concreto, para que sua narrativa se desenvolva. Os estilos arquitetônicos aliados à história vão contribuir nesse sentido, porque possibilitam que as historinhas sejam inseridas em um espaço temporal determinado, o que pode ser claramente percebido em histórias como as do gaulês Asterix (Figura 100), ou em Maus, que é ambientado em alguns dos países que 10 compunham o Eixo (Figura 101). 10

O Eixo correspondia ao grupo de países que apoiavam o nazismo.

Figura 101: Cidades e campos nazistas Fonte: Maus II (1991).

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Para entendermos o que vêm a ser “estilo arquitetônico” adotaremos aqui o conceito de Walter Gropius, que diz que “um estilo é a repetição sucessiva de uma expressão que foi usada como um denominador comum de todo um período” (GROPIUS apud PATETTA, 1984, p.49). Giedion (2004, p.460) ao afirmar que “as técnicas, as ciências e as artes são sempre realizações de homens de um mesmo período, expostos às mesmas influências específicas”, também estava se referindo a essa questão estilística, pois por mais que se procure disfarçar um determinado produto de uma época, [...] sua verdadeira natureza se manifesta na sua arquitetura, seja através de suas formas originais de expressão ou de suas tentativas de copiar épocas passadas. Nós reconhecemos o caráter de um tempo tão facilmente quanto identificamos a escrita de um amigo, mesmo sob tentativas de disfarce. Como índice irrefutável daquilo que efetivamente aconteceu em determinado período, a arquitetura é indispensável para o estudo de qualquer época (GIEDION, 2004, p.46).

Em outras palavras, podemos dizer, em termos gerais, que cada época possui características arquitetônicas distintas, que por mais variáveis que possam ser dentro de um mesmo espaço de tempo, possuem algo em comum que é capaz de defini-las em um período, ou estilo único. Os estilos arquitetônicos a l i a d o s a o e s pa ç o d o s quadrinhos funcionam como um campo aberto a todos os tipos de experimentação arquitetônica e se constituem elementos de grande importância, pois são os responsáveis por configurar o espaço em que as personagens vivem suas aventuras, espaço esse que (Figura 102)

Figura 102: Mapa de Gotham City Fonte: Comic vine, acesso em 12 jan. 2008.

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[...] se torna uma verdadeira geografia imaginária se moldando a linha das histórias e à medida que acontecem as voltas e reviravoltas das personagens. Os prédios, as cidades, os países nascem e a identidade dos heróis não se limita mais a suas fantasias, mas também aos lugares que eles vivem ou freqüentam (BI, 2007, tradução nossa).

Como resultado da aliança entre estilos arquitetônicos e espaço quadrinístico personagens como as do Super-homem, Batman, Quarteto Fantástico, Mulher Maravilha, entre outros, que são impossíveis de serem dissociados de Metrópolis (Figura 103), Gotham City (Figura 104), Edifício Baxter (Figura 105) e Ilha de Themyscira (Figura 106), respectivamente, comprovando assim o peso que esses espaços arquitetônicos adquirem no decorrer da narrativa. Hoje, podemos afirmar que os quadrinhos produziram um trabalho pioneiro ao criar cenários exclusivos para suas personagens. Mas nem sempre a arquitetura na hq recebeu o destaque e o cuidado merecido. Ramirez (1991) nos diz que é na Idade de Ouro da 11 história em quadrinhos que se começa a dar mais atenção à questão da arquitetura onde as

Figura 103: Superman em Metropolis Fonte: Superman pelo amanhã (2007).

Figura 104: Gotham City Fonte: Comic vine, acesso em 12 jan. 2008.

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Figura 106: Ilha de Themyscira Fonte: Mulher Maravilha nº27 (1989).

Figura 105: Edifício Baxter Fonte: Marvel Knights Wolverine, Nº21 (2004).

A Idade de Ouro dos quadrinhos corresponde ao período de vai de 1938 a 1956, época em que a hq gozou de uma grande popularidade e também é o período em que aparecem os primeiros super-heróis.

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séries se desenvolviam. Algumas das histórias desse período que mudam a forma de tratar a ambientação são: Namor (Figura 107), Flash Gordon (Figura 108) e O Príncipe Valente (Figura 109). Não obstante, Sergi Vich (1997) aponta que é somente em meados dos anos sessenta que a questão da verossimilhança da representação histórica vai ser levada a sério. A situação mudou nessa época, graças ao uso de colaboradores profissionais no campo da arqueologia e história, permitindo a criação de ambientações mais exatas, sem desconsiderar a liberdade artística de cada desenhista. Como representantes desse período temos as histórias de Aquaman (Figura 110), Homem Aranha (Figura 111), Superman (Figura 112) e diversos vários outros heróis. Os quadrinistas perceberam, então, que a arquitetura era um campo repleto de possibilidades, que, quando bem empregada, só tem a acrescentar nas narrativas da hq, seja reforçando emoções, através de uma visão frontal brusca, como a apresentada na figura 113, ou através de um horizonte discreto, que serve de pano de fundo para as ações, como o existente na figura 114.

Figura 109: Castelo do Rei Arthut Fonte: Príncipe Valente nos tempo do rei Arthur (1974).

Figura 110: Cidade submarina em Aquaman Fonte: Adventure Comics nº435 (1974).

Figura 107: Namor e o mundo submarino Fonte: Sub-Mariner nº38 (1944).

Figura 108: Capa de Flash Gordon Fonte: Flash Gordon nº03 (1967).

Figura 111: Arquitetura em Homem Aranha Fonte: Homem Aranha nº27 (1979).

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