PEQUENA ADULTA Pegar trem de manhã é um inferno. É aquele aperto, você vai em pé, espremido... Alberto riu. Sentado em seu lugar, pernas esticadas, olhou para o relógio: meio-dia. Esse horário é mesmo uma bênção. A composição já saíra da estação. Ia sacolejando, rápida sobre os trilhos, em direção ao subúrbio. Alberto fora cedo ao centro da cidade, para uma entrevista de emprego. Essa era a sua rotina, desde que deixou a livraria. Ajeitando seus óculos inseparáveis, abriu a mochila e procurou algo para comer. Só havia tomado o café da manhã. Achou um saco de bolachas. Odiava-as. Mas a fome apertara, fazer o quê? Fazendo uma careta, o rapaz engoliu as bolachas e, depois, desabotoou um botão da camisa. Quem anda de trem sabe o calor que faz ali dentro. - Moço... Uma vozinha infantil. Alberto olhou. Uma criança mirrada, cabelos desalinhados, vestido branco, estendia-lhe um papel. Ele aceitou. Leu. Coçou o queixo. Não gostava disso. - Quantos anos você tem? Ela não respondeu. Dirigiu-se à pessoa do lado, que fingiu que não a viu. Falou com todos os passageiros, e apenas uns poucos aceitaram o papelzinho. Depois, sumiu em outro vagão. Alberto levantou-se, sem medo de perder o lugar, e espiou. Crianças era o seu ponto fraco. Sentia uma pena enorme dessas que via nas conduções, obrigadas pelos pais a trabalhar, quando deviam estar na escola. Uma covardia. “Próxima estação...” O trem parou e abriu as portas. Entre as pessoas que entraram, três religiosos. Alberto franziu a testa. Ficaram bem à sua frente. Eram negros e usavam ternos pretos, apesar do calor. Tinham um livro grosso na mão – calculou que fosse a Bíblia. - Estamos aqui reunidos... Nada contra. Apreciava, até, escutar o que os pregadores diziam. O que o desagradava eram os comentários maldosos que alguns faziam, com respeito a outras crenças. Cada um acredita no que quer. - Bala é dez centavos!!! A voz do ambulante se sobrepôs às dos religiosos. Alberto achou graça: quem falava mais alto? - Bala é dez, bala é dez!!! O vendedor passou, esbarrando aqui e ali, sem nem pedir licença. Olhava aflito para os passageiros, quase implorando que comprassem o saquinho de balas. A composição parou mais uma vez. - Roberta! A moça alta, tiara nos cabelos, adentrou. Alberto já a esperava – tinham combinado por telefone. Antes que chegasse até ele, porém, uma mãozinha tocou a roupa dela: - Moça... Roberta olhou: uma garotinha de vestido branco. - Você de novo? – exclamou Alberto. A menina, dessa vez, não estava sozinha: tinha dois rapazinhos com ela. Magros, um de camisa, outro de camiseta. Olhos fundos, expressão triste, pareciam morrer de fome.
- O que foi? A criança lhe estendeu um papel – aquele mesmo que o namorado pegara. “AJUDA TENHO TREIS IRMAO MINHA MÃE TÁ DOENTE” Roberta olhou para Alberto. - Querem comer alguma coisa? Os três baixaram os olhos. Estavam claramente envergonhados. Alberto levantou. - Vamos saltar na próxima... a gente paga um lanche pra vocês. Os ambulantes pararam. Os religiosos calaram-se. De repente, o trem silenciou. Todo mundo se virou para ver a cena. Um dos garotos, o de camisa, falou num fio de voz: - A gente não podemo. - Por quê? – indagou Roberta. - Se a gente voltá pra casa sem dinhero, a mãe bate em nóis. Alberto respirou fundo. - Toma. Ofereceu-lhes as bolachas que tinha sobrado. As crianças relutaram. - Não gostam? Eu também não... A garotinha riu, aquele sorriso de criança, inocente: - Eu gosto sim! - Então pega. Os irmãos avançaram nos biscoitos, como se nunca tivessem comido na vida. Num instante, o pacote esvaziou. - Foi mal, moço. O vagão irrompeu em aplausos.