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A questão da pena de morte
Documento da Anistia Internacional Seção Brasileira
A lógica da pena de morte
A defesa da pena de morte baseia-se na convicção de que as execuções correspondem a necessidades importantes da sociedade, que não poderiam ser satisfeitas de outra forma. O argumento utilizado é de que a pena capital é necessária, pelo menos provisoriamente, para o bem da sociedade. Ocorre que, em primeiro lugar, que jamais se pode justificar a violação de direitos humanos fundamentais. Não se pode justificar a tortura alegando-se que em algumas situações ela poderia ser útil. O Direito Internacional estabelece claramente que uma pena cruel, desumana ou degradante é sempre proibida, inclusive em situações excepcionais que ponham em perigo a vida de uma nação. Em segundo lugar, apesar da experiência derivada de séculos de vigência da pena de morte e de numerosos estudos científicos acerca da relação entre este castigo e as taxas de criminalidade, até hoje inexistem provas convincentes de que ela proteja eficazmente a sociedade da delinqüência ou satisfaça as exigências de justiça. Normalmente, a pena de morte é apresentada como medida eficiente e apropriada para impedir e castigar o crime, mas numerosos estudos, realizados em diversos países e com metodologias diferentes, não puderam demonstrar que a pena capital dissuada mais fortemente do que outros métodos punitivos. Os países que já aboliram a pena de morte ou não a aplicam na prática possuem diferentes culturas, tradições e sistemas sócio-políticos; têm níveis diferenciados de desenvolvimento econômico e muitos deles enfrentam graves problemas sociais. Apesar disso, não se tem conhecimento de que qualquer um deles tenha sofrido prejuízos de ordem social ou política que pudessem estar claramente relacionados com a abolição da pena de morte, sendo raríssimo que uma sociedade restaure tal castigo após tê-lo abolido. Aqueles que acreditam que a pena de morte é uma poderosa medida preventiva estão atribuindo um poder excessivo à essa ameaça legal, à capacidade de tal castigo controlar comportamentos anti-sociais e à racionalidade do criminoso. Esquecem-se que a perspectiva de prazer ou ganho imediato ultrapassa largamente todos os riscos remotos, incluindo o da morte. Um marginal em confronto com a polícia, por exemplo, enfrenta um risco de morte imediata muito maior do que o risco de uma execução legal. Algumas estatísticas demonstram a ineficácia da aplicação da pena capital na prevenção dos crimes: - Canadá: O índice de homicídios por 100.000 habitantes caiu de 3,09 em 1975, um ano antes da abolição da pena de morte para o crime de assassinato, para 2,41 em 1980. Em 1993,17 anos depois da abolição da pena capital, o índice era de 2,19 por 100.000 habitantes, cerca de 27% inferior ao de 1975. -E.U A.: Estatísticas do FBI revelaram que, entre 1976 e 1986, a taxa agregada de homicídios era de 10,6 para cada 100.000 habitantes nos estados que executavam criminosos; de 6,6 para cada 100.000 habitantes nos estados que previam a pena de morte mas não a aplicavam na prática, e de apenas 5,3 para cada 100.000 habitantes nos estados em que a pena capital não estava prevista em lei. Pesquisas de 1983 demonstraram que, nos estados que adotaram a pena de morte, as taxas de homicídio eram maiores que nos estados abolicionistas. A Flórida teve, de 1976 a 1978, uma das mais baixas taxas de homicídios da sua história. Em 1979, com a reintrodução da pena, essas taxas aumentaram brutalmente, havendo uma elevação de 28% em 1980; em 1984, os índices ainda eram superiores aos do período em que não ocorreram execuções. Na Geórgia ocorreu o mesmo, pois no ano que se seguiu à retomada das execuções, houve um aumento de 20% nos homicídios (no mesmo ano, a taxa nacional elevou-se apenas 5%). Em 1990, oito das 20 maiores cidades do país quebraram seus recordes de criminalidade, entre elas Washington, Dallas e Nova Iorque. O Texas, apesar de ser o campeão de execuções, é o estado norte-americano onde acontece o maior número de homicídios. Nos últimos 30 anos, dezenas de pesquisadores analisaram tais estatísticas para tentar descobrir se
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a pena de morte reduz a criminalidade. Revisando esses estudos, a Suprema Corte norte-americana não pode concluir que a pena capital previna o crime violento. Isso em um país onde tal punição é aplicada há cerca de 150 anos. Inglaterra:Deputados britânicos que em 1990 rejeitaram uma moção que visava restabelecer a pena de morte, ressaltaram que as evidências estatísticas sobre o efeito dissuasório da pena capital no combate ao crime eram extremamente contraditórias. Segundo eles, de acordo com o anuário demográfico das Nações Unidas, a Inglaterra tinha uma das mais baixas taxas de homicídio do mundo, correspondente a 0,7 para cada cem mil habitantes. Tal taxa era alta nos E.U.A. (8,5/100.000) e muito baixa no Japão (0,8/100.000), embora ambos os países castigassem o homicídio com a morte. Um exame sério dos argumentos apresentados em favor da pena de morte revela que ela é inaceitável, desnecessária e até mesmo perigosa, na medida em que um delinqüente pode optar por eliminar também as testemunhas do seu crime para que ele não seja descoberto. Em suma, todos os dados estatísticos disponíveis indicam que, onde a taxa de homicídios está se elevando, a abolição da pena de morte não acentua o aumento. Onde está diminuindo, a abolição não interrompe este descenso. Onde a taxa é estável, a ausência da pena capital não a eleva. Estes fatos falam por si só. As alegações para manter ou implantar a pena de morte também baseiam-se em argumentos fundados num pretenso ‘bom senso’ e em “impressões” pessoais sobre seu poder preventivo. Em alguns casos, chega-se às raias do absurdo. Um legislador inglês, por exemplo declarou: “Estou absolutamente convencido de que o medo da morte violenta é um desencorajador eficaz e nenhuma estatística ou argumento me provará que não é”. Essa insistência acaba por trair os verdadeiros mecanismos psicológicos subjacentes ás reivindicações pró-pena de morte, quais sejam, sentimentos de raiva e de vingança - emoções que alimentam a violência e conduzem ao crime violento e ao terrorismo. Segundo Erich Fromm, a vingança é um tipo de violência incluído na categoria das reativas. Como o mal já foi feito, a violência teria a função irracional de desfazer o que na realidade existe. Segundo o psicanalista, para quem se julga impotente e para restaurar a auto-estima, a saída é geralmente esse tipo de reação. O sentimento de vingança é característico das classes mais atrasadas, pobres econômica e culturalmente, que também desenvolvem sentimentos racistas e nacionalistas. No estado de Nova Iorque (EUA), nos anos de 1907 a 1963, no mês subseqüente a uma execução, ocorriam em média dois homicídios adicionais, demonstrando que as execuções legais transmitem à sociedade a inequívoca mensagem de que a vida deixa de ser sagrada quando se considera útil tomá-la, e de que a violência é legitima quando considerada justificada, por razões pragmáticas, por aqueles que detêm o poder legal de matar. É evidente que aquele que mata deve receber uma punição severa, de modo a exprimir a condenação social pelo assassinato. Porém, seria o uso da pena capital a forma mais correta de afirmar o valor da vida? É difícil imaginar como tal castigo, oficializado, possa promover o respeito pelo ser humano.
A dissuasão O argumento utilizado com mais freqüência em favor da pena de morte é o da dissuasão. Ou seja, é necessário matar o criminoso para dissuadir outras pessoas de cometerem o mesmo tipo de delito. À primeira vista, parece um argumento aceitável. O que poderia deter com maior eficácia aqueles que têm a intenção de matar ou de cometer outros crimes graves, senão a ameaça do mais terrível dos castigos - a morte? Ocorre que as provas empíricas não apóiam esse raciocínio. Mais: sua lógica se baseia em suposições discutíveis. Não é correto pensar-se que todos - ou a maioria - aqueles que comentem delitos tão sérios como o assassinato o fazem depois de calcular racionalmente suas conseqüências. Na maior parte das vezes os assassinatos são perpetrados em momentos em que sentimentos ou emoções, levados a um alto grau de intensidade, sobrepõem-se à lucidez e à razão. Também podem ser praticados sob a influência do álcool ou de drogas, ou em situações de pânico, como quando o ladrão é surpreendido roubando. Algumas pessoas que cometem delitos violentos sofrem de fortes instabilidades emocionais ou são doentes mentais. Em nenhum desses casos pode-se aguardar que o medo da pena de morte sirva de dissuasão. Por outro lado, os assassinos, em uma grande proporção, estão tão tensos no instante do crime que ficam insensíveis às conseqüências que ele lhes acarretará. Outros, por sua vez, conseguem convencer-se de que poderão escapar da condenação. Este último ponto destaca outra debilidade da argumentação da dissuasão, visto que os delinqüentes que planejam cometer crimes graves podem decidir seguir adiante apesar do risco, pensando que jamais serão descobertos. A chave da dissuasão, nesses casos, é aumentar a probabilidade de que os criminosos sejam descobertos, detidos e condenados. A pena de morte pode inclusive ser contraproducente, ao distrair a atenção das autoridades e da opinião pública acerca dos esforços que se fazem necessários para melhorar as condições da luta contra a delinqüência. O argumento da dissuasão não está corroborado por fatos. Se a pena de morte realmente dissuadisse os criminosos em potencial com maior eficiência que outras penas, seria de se esperar um aumento das taxas de criminalidade nos países que abolem a pena de morte e uma diminuição da mesma taxa nos países em que a pena capital é adotada. No entanto, sucessivos estudos e pesquisas realizados em todo o mundo, por organizações oficiais e particulares, não puderam estabelecer, até hoje, nenhuma relação dessa natureza entre a pena de morte e os índices de delinqüência. Estudos científicos realizados em torno da pena de morte jamais demonstraram que essa punição dissuade mais do que outros castigos. O último estudo acerca da relação entre a pena capital e os índices de homicídios, elaborado pela ONU em 1988, concluiu que não se pode chegar a uma demonstração científica de que as execuções tenham uma maior poder dissuasório do que a prisão perpétua. A incapacitação
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Segundo o argumento da incapacitação, um preso deve morrer (e portanto ficar “incapacitado’) a fim de que a sociedade assegure-se de que ele nunca mais voltará a delinqüir. Uma vez morta, obviamente uma pessoa fica incapacitada para sempre. Inobstante, não se pode condenar alguém á morte baseada unicamente no inegável fato de que os mortos não agem. Uma política desse tipo está fundamentada na errônea suposição de que o Estado pode determinar, com absoluta precisão, quais são os presos que reincidirão ou não (se não fosse assim, o Estado deveria estar ciente de que se arriscaria a incluir entre os executados um número considerável de presos que não reincidiriam). O argumento da incapacitação através da morte igualmente supõe que é impossível encontrar qualquer outro meio eficaz de impedir a reincidência. Nenhuma dessas hipóteses está respaldada pelos fatos. É possível prevenir-se a reincidência internando-se os réus em prisões ou outras instituições semelhantes. Este método já é empregado no caso de indivíduos de conduta anti-social compulsiva ou loucos violentos, pois os princípios humanitários proclamados nas legislações nacionais e no Direito Internacional proíbem a execução de enfermos mentais. Assim, se os Estados descobriram que o encarceramento é um meio eficiente para incapacitar doentes mentais com tendências homicidas, por que não é possível utilizar esse mesmo método para incapacitar os réus qualificados como normais? Os que defendem o argumento da incapacitação acenam com casos de apenados perigosos postos em liberdade condicional que voltaram a delinqüir. Acontece que a resposta a esta questão não é a execução dos presos, mas sim um aprimoramento dos procedimentos judiciais que antecedem a soltura dos prisioneiros sob o regime de liberdade vigiada. Há meios bastante eficazes para se proteger a sociedade, como o cumprimento obrigatório de longas penas de prisão antes da concessão de liberdade condicional. O apoio à pena capital cai substancialmente quando a opinião pública toma conhecimento desta alternativa. O internato, que aparta os delinqüentes da sociedade, tem uma grande vantagem sobre a pena de morte como meio de incapacitaçâo: eventuais erros judiciis, possíveis em qualquer sistema, podem ser corrigidos, pelo menos em parte. A pena de morte, ao contrário, não só tira a vida de delinqüentes que poderiam ser reabilitados, como também de pessoas inocentes condenadas injustamente. Apenas na Inglaterra, na última década, ocorreram pelo menos três casos graves de erro judiciário: os “Três de Bridgewater’ (condenados como supostos autores do assassinato de um menino, foram libertados em 1997), os “Seis de Birmigham’ (condenados como supostos autores da morte de 21 pessoas em um atentado a bomba, foram soltos em 1991) e os “Quatro de Guildford’ (condenados como supostos autores de um ataque terrorista a outro bar, onde morreram 5 pessoas, foram liberados em 1989). Como tais erros seriam reparados caso os réus tivessem sido condenados à morte?
A retribuição Diferentemente dos argumentos da dissuasão e da incapacitação, o do castigo merecido (retribuição) sustenta que alguns criminosos devem morrer não para impedir a delinqüência, mas como uma exigência de justiça. A execução é considerada o pagamento pelo mal cometido; ao matar o delinqüente, a sociedade demonstra sua repulsa pelo crime perpetrado. A crença de que alguns criminosos merecem morrer decorre da profunda aversão que os cidadãos comuns sentem pelos crimes atrozes, crimes tão ofensivos que a morte parece ser a única resposta justa. Este é um raciocínio emocionalmente poderoso, mas também um argumento que, se considerado válido, abalaria os alicerces sobre os quais se estrutura o edifício dos direitos humanos. Se uma pessoa que comete um ato terrível “merece” a crueldade da morte, por que não poderiam outras, por razões similares, “merecerem” ser torturadas, presas sem julgamento ou simplesmente abatidas a tiros? A essência dos direitos humanos fundamentais é que eles são inalienáveis e deles não se pode privar o mais “inferior” dos indivíduos. Os direitos humanos são aplicáveis tanto às piores quanto ás melhores pessoas e, precisamente por isso, protegem a todos. O argumento da retribuição se reduz, com freqüência, a não mais que um desejo de vingança, mascarado por um princípio de justiça. O desejo de vingança pode ser compreendido, mas deve-se resistir a ele. Se os ordenamentos penais não determinam que se queime a casa de um incendiário, que se viole um estuprador ou que se torture um torturador, não é porque tolerem tais delitos, mas porque as sociedades entendem que elas devem construir-se sobre um conjunto de valores diferentes daqueles que condenam. Uma execução não pode servir como manifestação de censura a um assassinato, pois ela mesma consiste em matar. Tal ato, por parte do Estado, reflete idêntica disposição do criminoso de empregar a violência física contra sua vitima. Estritamente relacionado com a idéia de que algumas pessoas “merecem” morrer, encontra-se a concepção de que o Estado é capaz de determinar com absoluta precisão quem são essas pessoas; a experiência revela, no entanto, que nenhum sistema de justiça é capaz - nem se poderia conceber que fosse - de decidir de maneira justa, coerente e infalível quem deve viver e quem deve morrer. Todos os sistemas judiciais são vulneráveis à discriminação e ao erro. A capacidade técnica da policia, a maior ou menor severidade dos juízes e jurados, a habilidade dos advogados, interpretações diferentes da lei e a opinião pública predominante são fatores que influem decisivamente em inquéritos e processos, desde a detenção do criminoso até o exercício da prerrogativa de graça, pela qual os governantes podem comutar a pena de morte em prisão perpétua. Mesmo os que defendem ardentemente a morte como castigo merecido, seguidamente exigem que a pena seja utilizada com moderação, temendo que, caso contrário, embote a sensibilidade moral da população e perca seu efeito aterrorizante. Entendimento dessa natureza sugere um caráter de sacrifício no uso da pena capital, posto que sendo impossível levar até as suas últimas conseqüências a lógica da retribuição, se executa - na realidade se sacrifica - um número simbólico de presos para satisfazer a exigência popular. Observando-se, na prática, a aplicação da pena de morte, nota-se que o que constantemente define quem vai ser executado e
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quem vai ser perdoado não é somente a natureza do crime, mas principalmente os antecedentes étnicos, a raça, a classe social, o poder econômico ou as opiniões políticas e religiosas do processado. A pena de morte é aplicada no mais das vezes de forma desproporcional contra os pobres, os desvalidos, os marginalizados ou contra aquelas pessoas que os governos repressivos consideram oportuno eliminar.
A realidade da pena de morte A violência política Atentados com explosivos, seqüestros, assassinatos de funcionários públicos, sabotagens em aviões e outros atos de violência por razões políticas, com freqüência resultam na morte e na mutilação não só das pessoas-alvo, como também de outras que ocasionalmente se encontram no local do ataque. É compreensível, assim, que esses atos provoquem uma forte reação da sociedade e tenham como resultado a exigência da aplicação da pena de morte aos terroristas. Entretanto, como os responsáveis pela luta contra esses delitos têm repetido várias vezes, as execuções têm tanta possibilidade de diminuir como de aumentar o terrorismo. Como observou um catedrático de criminologia canadense, “os que pensam realmente que o restabelecimento da pena de morte porá fim ou reduzirá o número de atos terroristas são extremamente ingênuos. Os castigos normais, incluindo a pena capital, não impressionam os terroristas ou outros delinqüentes pol!ticos, que agem por motivação ideológica e estão propensos a fazer sacrifícios em prol de sua causa (...) Além disso, as atividades terroristas estão cheias de perigos, e o terrorista corre todo tipo de riscos mortais sem ficar intimidado com a perspectiva da morte imediata. Pode-se conceber, desta forma, que vá ser dissuadido pelo risco escasso e remoto de ser condenado à morte?” As execuções por crimes políticos violentos podem redundar em uma maior publicidade para os atos de terrorismo, atraindo uma grande atenção da opinião pública para as idéias dos terroristas. Essas execuções também podem criar mártires, cuja memória se torne um fator de coesão dos militantes das organizações clandestinas. Para alguns homens e mulheres convencidos da legitimidade dos seus atos, a perspectiva de sofrer a pena de morte pode até servir como incentivo. Longe de pôr fim à violência, as execuções são utilizadas como justificativa para novos atos de violência. Exemplo: as autoridades britânicas que governavam aPalestina enforcaram vários membros da organização sionista “Irgun” durante a década de 40, depois de condenados por atentados a dinamite e por outros atos de violência. Menahem Begin, antigo dirigente do “Irgun” e mais tarde primeiro-ministro de Israel, disse posteriormente que as execuções haviam ‘inflamado” seu grupo, que em represália enforcou vários soldados ingleses. Menahem Begin afirmou que o enforcamento dos seus companheiros resultou na adesão de novos membros àcausa e nos tornou mais eficazes e dedicados (...) Vocês (britânicos) não estavam condenando à morte nossos terroristas; estavam condenando a muitos de sua própria gente, e nós é que decidíamos a quantos.” A opinião pública Uma razão que por vezes é dada para manter ou implantar a pena de morte - citada inclusive por governantes que dizem ser pessoalmente contra a pena capital - é que a opinião pública a exige. Mostram pesquisas que aparentemente comprovam um forte apoio popular à pena de morte para alegar que seria inclusive antidemocrático aboli-la ou deixar de institui-la. A primeira resposta a este argumento é que o respeito pelos direitos humanos nunca deve depender da opinião pública. A tortura não seria admissível mesmo que tivesse apoio na opinião pública. Em segundo lugar, a opinião pública sobre a pena de morte amiúde se baseia numa compreensão incompleta dos elementos a ela pertinentes, e o resultado das enquetes pode variar de acordo com a forma pela qual as perguntas são feitas. Incumbe aos políticos que tratam do tema não somente escutar a opinião pública, mas também assegurar-se de que ela está inteiramente informada. Algumas investigações sugerem que o posicionamento das pessoas em relação à pena de morte pode mudar radicalmente depois de terem um melhor conhecimento dos fatos. Em um estudo realizado entre habitantes de uma cidade universitária norteamericana, comprovou-se que a maioria deles pouco sabia sobre os efeitos da pena de morte, e que o apoio ao castigo diminuiu acentuadamente após as pessoas terem se defrontado com as informações. Pediu-se a alguns dos entrevistados que lessem um ensaio que trazia dados e argumentos sobre os efeitos da pena de morte. Antes de lê-lo, 51% das pessoas disseram que eram a favor da pena capital, enquanto que 29% estavam contra e 20% mostravam-se indecisos. Depois de lerem a obra, o apoio à pena de morte baixou para 38%, a oposição subiu para 42%e os demais 20% permaneceram indecisos. A outros membros do grupo pesquisado, pediu-se que lessem um ensaio sobre assunto não relacionado com a pena capital; constatou-se que nesse agrupamento as opiniões acerca da pena de morte praticamente não mudaram. Algumas pesquisas repetidas ao longo dos anos têm indicado que, apesar da decisão de abolir a pena de morte ser inicialmente contrária à opinião pública, sua revogação é bem aceita com o passar do tempo. Na Alemanha, por exemplo, o apoio da população à pena capital tem diminuído constantemente desde a sua extinção. Em 1950, um ano depois da abolição, 55% das pessoas consultadas disseram que eram a favor e 30% contra a pena de morte. Quando se procedeu a outra enquete, em 1973, somente 30% defenderam o castigo. A percentagem baixou para 26% em 1980, para 24% em 1983 e para 22% em 1986, ano em que 55% dos entrevistados se pronunciaram contra a pena de morte. Em 36 anos, uma completa inversão dos resultados obtidos anteriormente. O custo econômico
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Por vezes, tenta-se justificar a pena de morte com a alegação de que é mais barato matar alguns presos do que mantê-los na prisão. Tal argumentação, além de torpe, por pretender avaliar a vida em moedas (não se pode perder de vista a grosseria e a falta de ética em fundamentar sobre bases financeiras a eliminação de vidas humanas), é falsa. Estudos realizados no Canadá e nos Estados Unidos mostram que nesses países a imposição da pena de morte é mais cara para o Estado do que a reclusão perpétua do preso. Um levantamento realizado no estado de Nova Iorque comprovou que, em média, um processo que possa redundar na aplicação da pena capital, somente na sua primeira fase custa aos contribuintes aproximadamente um milhão e oitocentos mil dólares - mais do que o dobro da quantia que se supõe necessária para manter uma pessoa presa por toda a vida. Inúmeros profissionais ligados á área jurídica, em todo o mundo, também se opõem à pena de morte porque acreditam que a enorme concentração de recursos humanos e financeiros, em uma quantidade de casos relativamente pequena, desvia tais recursos valiosos de outros setores do Judiciário. No Brasil, quem tiver um mínimo compromisso com a verdade, admitirá que nossas prisões, longe de parecerem hotéis’, como propalam alguns, são verdadeiros infernos, centros de ensinamento de delinqüência, às voltas com graves problemas de superlotação, de assistência médica e psicológica, de alimentação, de reeducação, todos raríssimas vezes enfrentados pelos governos. Uma possível alternativa para minorá-los, seria proporcionar trabalho decente aos detentos nas próprias penitenciárias, a fim de que eles pudessem se auto-sustentar..
A pena de morte na prática A pena de morte não é uma questão abstrata A decisão de aplicá-la significa que homens e mulheres serão selecionados para morrer. É a realidade da sua aplicação, e não meras teorias, o que destaca a necessidade de aboli-la. A pena capital, como já se viu, não proporciona nenhuma proteção, nenhum beneficio à sociedade. Quando tal castigo excepcional, extremamente cruel e irrevogável, é empregado por sistemas falíveis, sujeitos a erros humanos, tem-se como resultado não o aprimoramento da justiça, mas sim sua perversão, como veremos a seguir. A discriminação Seria surpreendente que a imposição de um castigo tão terrível e definitivo não recaísse principalmente sobre as camadas menos favorecidas de uma sociedade: os pobres e os membros das minorias raciais, políticas, religiosas ou étnias. Em todo o mundo, a pena de morte é aplicada de maneira desproporcional contra os despossuídos de toda sorte, que comprovadamente não teriam que se defrontar com ela caso fizessem parte das camadas mais favorecidas. Isso acontece porque são incapazes de se defender eficazmente em um processo penal (por falta de conhecimentos, de amizades influentes ou de dinheiro) ou porque o sistema judicial reflete de alguma forma os preconceitos e as intolerâncias que a sociedade ou seus governantes têm contra eles. Também existem provas contundentes de que os criminosos têm mais possibilidades de serem condenados à morte se suas vítimas integram as classes mais abastadas da sociedade. Tomando como exemplo os Estados Unidos, país pródigo em estatísticas e execuções, constata-se o seguinte quadro discriminatório: - De 1976 a 1991, das mais de 150 pessoas executadas, somente uma era um branco condenado pelo assassinato de um negro. É que se a vítima é branca e o réu é negro, a chance do acusado ser condenado à morte é quatro vezes mais alta do que quando acontece o contrário. - Das mais de 16.000 pessoas executadas, apenas 30 eram brancos condenados pelo assassinato de negros. Por outro lado, embora constituíssem apenas 12% da população do país em 1991,48% dos condenados à morte eram negros. - Pesquisa realizada no estado da Geórgia demonstrou que quando a vitima é branca e o réu é negro, chega a 22% a possibilidade do acusado ser condenado à morte; todavia, quando a vítima é negra e o réu é branco, essa probabilidade é zero. No mesmo estado descobriu-se, durante a década de setenta, que os assassinos de pessoas brancas foram executados numa proporção onze vezes maior do que os assassinos de pessoas negras. - Um estudo realizado no estado do Texas revelou que em cada grupo de 4 pessoas defendidas por advogados indicados pelo Estado (réus sem condições de pagar advogados), em processos onde a pena capital poderia ser aplicada, 3 eram condenadas à morte; por outro lado, em cada grupo de 3 pessoas defendidas por advogados particulares, somente 1 era condenada à morte. - Na década de 70, cerca de 65% dos condenados que aguardavam execução eram trabalhadores não qualificados, sendo que 60% deles estavam desempregados no momento em que cometeram os crimes. - Nos E.U.A., como em qualquer outro pais, o réu, para escapar da cadeira elétrica, da forca ou do pelotão de fuzilamento, deve ter dinheiro para patrocinar uma boa defesa ou possuir ligações amistosas com a classe ou raça dominante. Não por outras razões, um governador do estado de Ohio comentou: "Durante a minha experiência como governante, descobri que as pessoas presas no “corredor da morte” tinham uma coisa em comum - não tinham dinheiro”. E um juiz da Suprema Corte norteamericana completou: “Pode-se procurar, em vão, nos anais da nossa justiça, a execução de qualquer membro das camadas ricas da sociedade.” Todos os estudos mostram que as crimes, especialmente os violentos, são resultados das condições sócio-econômicas e da evolução dos valores morais de uma sociedade em dado momento, independentemente da existência ou não da pena capital. Por
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exemplo, nos E.U.A., nos anos da Depressão, os homicídios aumentaram apesar das freqüentes execuções. Um estudo realizado na Califórnia, em 1981, parecia à primeira vista contradizer essa afirmação, mostrando um aumento dos assassinatos em 237% após a suspensão da pena de morte; na verdade, ocorreu aumento ainda maior (899%) de crimes não puníveis com a morte, indicando que a elevação nada tinha a ver com as execuções, dependendo de fatores mais complexos (a criminalidade é mais acentuada nas áreas de crescimento urbano rápido, associado à pobreza; notou-se também uma correlação entre o aumento do número de homicídios e a disseminação de armas de fogo). Ainda nos Estados Unidos, aonde acontecem mais de 20.000 homicídios por ano, cerca de 4.000 pessoas são condenadas, 250 das quais á morte. Quase metade dessas sentenças acaba sendo comutada nos processos de apelação, mas o público imagina que o pequeno número de presas encarcerados no “corredor da morte” é o responsável pela totalidade dos crimes hediondos cometidos no pais. Contudo, o fato é que os crimes hediondos punidos com a morte muitas vezes não podem ser distinguidos daqueles cometidos por centenas de outros criminosos, cujas vidas foram poupadas. Em alguns casos, duas pessoas envolvidas de forma idêntica em um mesmo assassinato recebem punições diversas: uma é enviada à prisão e outra à cadeira elétrica.
Os riscos Mesmo que os efeitos da discriminação racial e da desigualdade econômica pudessem ser eliminados, permaneceriam outras causas que possibilitariam erros em qualquer sistema judicial concebido e administrado por seres humanos, naturalmente falíveis. As decisões arbitrárias que privam indivíduos de sua liberdade são inaceitáveis e devem ser corrigidas, mas a decisão arbitrária que tira a vida de uma pessoa é simplesmente intolerável e não tem remédio. A deliberação sobre quem vai viver ou morrer pode estar viciada por fatores não diretamente relacionados com culpabilidade ou inocência, como pressões econômicas e da comunidade, interpretações diferentes da lei ou opiniões parciais de juizes e jurados. A descoberta de um erro técnico cometido pela policia ou pelas autoridades judiciárias pode dar lugar à anulação de uma sentença; a incompetência de um advogado ou uma prova importante não obtida a tempo pode conduzir a uma execução. A falibilidade humana torna impossível que a pena de morte seja aplicada de maneira imparcial e coerente. Uma investigação realizada nos Estados Unidos, em 1987, apresentou provas de que 350 pessoas condenadas à morte entre 1900 e 1985 eram inocenteS. Na maior parte dos casos, o surgimento de novas provas teve como resultado a absolvição, o indulto ou a retirada das acusações. Alguns presos escaparam da morte por minutos, mas 23 deles foram executados. Um relatório do Congresso dos EUA, elaborado pelo sub-comitê da Câmara sobre Direitos Civis e Constitucionais, publicado em outubro de 1993, trazia os nomes de 48 homens condenados à morte que, desde 1972, haviam saído em liberdade dos “corredores da morte” norte-americanOS, após sua inocência ter sido demonstrada. O relatório detalhou numerosas deficiências inerentes ao sistema de justiça penal e concluiu que: ‘A julgar pela experiência anterior, um número importante de condenados à morte são inocentes, existindo um grande risco de que alguns deles sejam executados”. Quando os recursos judiciais são esgotados, a pena capital ainda pode ser comutada em pena de prisão mediante o exercício do “direito de graça”. Derivado de uma antiga prerrogativa atribuída aos reis e imperadores, que tinham poder de vida e de morte sobre seus súbitos, o “direito de graça” é utilizado apenas pela autoridade máxima do país, e, embora se constitua em mais um obstáculo à pena de morte, não raras vezes é usado de modo arbitrário: a sorte de um prisioneiro é determinada pela vontade de uma só pessoa, sujeita às influências de um partido político, de amizades ou de outros fatores que nada têm a ver com as circunstâncias jurídicas que originaram a condenação à morte. A existência de um princípio básico de justiça penal, que diz que ninguém pode ser condenado a uma pena mais grave do que aquela prevista no momento em que o crime ocorreu, conquanto consista num grande avanço do Direito põe em relevo o risco que corre uma sociedade ao adotar a pena capital. Ademais, com a constante mudança dos costumes, um delito hoje castigado com a morte pode amanhã já não o ser. Desta forma, alguém que na atualidade pague com a vida por um certo tipo de delito, fica impossibilitado de, no futuro, favorecer-se com uma eventual lei nova, mais branda, que não puna o mesmo crime com a pena capital. A inaplicabilidade da pena de morte aos adolescente, anciãos, doentes mentais, mulheres grávidas ou que acabem de dará luz, constante em quase todas as legislações penais, embora também consista em um enorme progresso do Direito, torna injusta a aplicação de tal castigo aos indivíduos não protegidos por essas normas legais, dentro da regra geral que todos são iguais perante a lei. A crueldade A pena de morte supõe que o Estado vai levar a cabo exatamente o mesmo ato que a lei pune mais severamente. Praticamente todos os ordenamentos jurídicos que prevêem a pena capital, a reservam para o homicídio deliberado e premeditado; mas inexiste forma mais premeditada e deliberada de dar morte a um ser humano que mediante uma execução, um verdadeiro assassinato a sangue frio. E, assim como não é possível criar um processo que imponha a pena capital livre de arbitrariedades, discriminações ou erros, tampouco é possível encontrar uma maneira de executar uma pessoa que não seja cruel, desumana e degradante. Uma execução, como a tortura física, implica em uma agressão programada contra o preso, e não em um ato de legitima defesa da sociedade, como querem alguns. A legítima defesa constitui-se sempre em uma reação frente a uma ameaça iminente, enquanto uma execução consiste em matar de forma planejada. A crueldade da pena de morte não se limita ao momento da execução. Seu horror singular, que não pode ser abrandado pela utilização de métodos de matar mais “humanos’, está no fato de que a partir do instante em que se dita a sentença, o condenado se vê obrigado a contemplar a perspectiva de que, em algum determinado momento, irão buscá-lo para tirar-lhe a vida. Estudos
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já realizados acerca do tema mostram que as relações do preso com sua família e amigos começam a se deteriorar acentuadamente ante a expectativa de uma separação permanente, e que a perda de contato como mundo exterior e as condições de isolamento em que se encontram os condenados à morte também produzem sentimentos generalizados de abandono, que conduzem a um estado denominado “morte da personalidade”, caracterizado por uma forte depressão, apatia, perda do sentido da realidade e degeneração da saúde física e mental. A aflição sofrida pela família de uma vítima de assassinato é inimaginável, mas a agonia dos familiares de um preso executado é igualmente terrível. As famílias das vítimas que pedem perdão pela vida dos assassinos merecem respeito, como igual respeito merecem aqueles parentes que, perturbados pela dor e pelo sofrimento, pedem vingança. Porém, a argumentação sobre a pena de morte não deve basear-se em emoções, mas sim na razão. Se não é possível impedir-se que uma pessoa imponha sofrimentos a outra, pode-se e deve-se impedir que o Estado o faça, pois a evolução da Justiça, ao longo dos séculos, foi no sentido de superar a vingança particular. Fazer justiça, como já se disse, não significa repetir um ato que a própria sociedade condena. Modificar a legislação penal, para introduzir penas mais duras para aqueles que praticam os chamados crimes hediondos e dificultar sua libertação condicional, bem como criar formas de amparo às famílias das vitimas, talvez seja uma forma adequada e humana de se enfrentar o problema. A questão brasileira A instituição da pena de morte no Brasil para crimes comuns configuraria bem mais que um problema para os defensores dos direitos humanos. Seria uma autêntica tragédia nacional. Em 1988, o País introduziu dispositivo que faz parte do cerne imutável da sua Constituição, pelo qual a pena capital só é possível em tempos de guerra. O fato dessa disposição conter-se em uma cláusula chamada pétrea implica, como a maioria dos juristas brasileiros corretamente entende, na impossibilidade jurídica, mesmo através de plebiscito, da Carta Magna ser emendada para acolher a pena de morte. Por outro lado, pouco tempo após a promulgação da Lei Maior de 1988, os mesmos legisladores constituintes, na condição de membros do Parlamento, ratificaram o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, pelo qual torna-se muito difícil a reintrodução da pena capital no Direito brasileiro. Essa situação, contudo, não deve implicar no afrouxamento da vigilância por parte daqueles que professam a causa dos direitos humanos.Épreciso estar atento ás propostas que volta e meia surgem para legalizar o assassinato oficial no Brasil. O quarto de século do “milagre brasileiro” criou uma forma de partilha compartimentada e exclusiva do cenário social. Ricos e pobres, tal qual brâmanes e parias, moram em locais distintos, educam-se em escolas diversas, divertem-se separadamente, enfim dividem o ambiente urbano e rural de maneira absolutamente divorciada, como se fossem cidadãos de duas nações, uma desenvolvidíssima e pequena, a outra atrasadíssima e enorme. Este panorama, potencializado pelo gradativo desaparecimento da classe média, é a realidade evidenciável do cotidiano nacional, que faz do Brasil um dos campeões mundiais em violência. Realidade que a profunda crise econômica dos países latino-americanos transformou de triste em trágica. A estagnação econômica gerando o desemprego, que conjuntamente com o êxodo rural, filho de injusta distribuição fundiária, contribui para colocar os salários em patamares irrisórios e aqueles que vivem dele abaixo da linha da miséria. Se isso não fosse suficiente, o colapso dos serviços públicos de educação, saúde, saneamento e financiamento habitacional consegue o auge de agravar o calamitoso quadro. A reação da maioria do povo a esta cena de discriminação e descaso pelo qual ela é, sem dúvida, a menos responsável, é naturalmente de revolta. Detentora de pouquíssima consciência capaz de transformar sua inconformidade em oposição conseqüente (único traço de afinidade que tem com o lado rico da cidadania), o caminho da marginalidade é aquele naturalmente trilhado. Por conta disto, sucedem-se os furtos, os roubos à mão armada, os estupros, as depredações, os assassinatos. Os guetos não mais contêm as crianças e os adolescentes destes filhos ilegítimos do "milagre”, que se espalham nas cidades como uma autêntica horda bárbara, mais temível ainda pelo fato de serem os seus integrantes, muitas vezes, menores de 15 anos de idade (estatísticas das Nações Unidas comprovam que os índices de homicídio são muito maiores nos países onde a desigualdade social é intensa, e não nos países mais pobres). A elite social brasileira não enfrenta esta situação influenciando uma política que confira reais oportunidades aos seus compatriotas desafortunados. Faz disso, como sempre fez, um caso de policia. E como a polícia não tem hoje condições de reprimir, nos limites da lei, insatisfação deste porte, a lógica da exclusão, que comandou o relacionamento entre patrícios e plebeus, transformou-se na estratégia do extermínio. Multiplicam-se as execuções extrajudiciais. Os esquadrões de assassinos profissionais atuam em todas as regiões do país, sendo o preço dos seus "serviços” de conhecimento público e notório. Os exterminadores de crianças e adolescentes são recrutados no seio das próprias corporações policiais e sua monstruosa atuação é de conhecimento internacional, tanto quanto a sua impunidade. Tudo isso passa com a cumplicidade tácita e, às vezes (por exemplo, em programas de rádio e televisão de grande audiência), expressa da maioria dos nossos privilegiados. Os exterminadores são, hipocritamente, justificados pela incompetência estatal. Os autores dos massacres do Carandiru e da Candelária receberam telegramas de cumprimento oriundos das mais diversas regiões do Pais. Sabemos todos do caráter universalmente discriminatório da pena capital. Não seria nada diferente nestes tristes trópicos. Apenas que aqui, sob a alegação da incompetência e da morosidade do Judiciário, o segmento bem situado da sociedade, patrocinador dos esquadrões de extermínio, tomaria a si as responsabilidades do carrasco. O estado de guerra civil não declarado
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ficaria institucionalizado. Uma história política brasileira bem ilustra o que aqui se quer dizer. No auge da ditadura militar, ministros do generalpresidente Costa e Silva discutiam uma lei que lhe conferiria tremendos poderes. Contra ela postou-se Pedro Aleixo, ilustre advogado que ocupava a vice-presidência. Um áulico do general interpelou o vice-presidente, procurando intimidá-lo, com a capciosa pergunta se o mesmo não confiava na prudência do general. A resposta, lapidar, foi de que não havia nenhuma duvida sobre os escrúpulos presidenciais, mas muitas a propósito das boas intenções do guarda da esquina, quando ambos tivessem o usufruto daquelas prerrogativas que a lei facultava. Uma vez introduzida a pena de morte, os esquadrões de extermínio agiriam sob a proteção de um, por assim dizer, “habeascorpus” legal. A lógica da exclusão teria sua “solução final” consagrada em texto de lei. Os pretos, pobres e meninos de rua receberiam a resposta de sua ousadia. Os avanços liberais de 1988 encontrariam um dique. As onipresentes tendências autoritárias da velha sociedade escravagista sairiam do subterrâneo. Contra a eventual censura, em nome da legalidade, que a multiplicação dos Carandirus e das Candelárias causasse, possivelmente ouviríamos uma paráfrase do título da bela novela de Horace Maecoy: "Mas a própria lei não condena à morte?"
Frases: - É sabido que a atitude do público diante da pena de morte varia conforme a situação de maior ou menor tranqüilidade social - Norberto Bobbio. - Quando vi a cabeça separar-se do tronco do condenado, caindo com sinistro ruído no cesto, compreendi, e não com a razão, mas com todo o meu ser, que nenhuma teoria pode justificar tal ato"- Leon Tolstoi. - A história inteira do progresso humano tem sido uma série de transições através da qual um costume ou uma instituição após outra passa, de presumidamente necessária à existência social, à condição de injustiça universalmente condenada - John Stuart Mill. - Um dos maiores freios aos delitos não é a crueldade da pena, mas sua infalibilidade - Cesare Beccaria. - A pena de morte é um símbolo de terror e, nessa medida, uma confissão de debilidade do Estado. - Mesmo sendo uma pessoa cujo marido e sogra foram assassinados, sou firme e decididamente contra a pena de morte... Um mal não se repara com outro mal, praticado em represália. A justiça nunca progride tirando-se a vida de um ser humano. O assassinato legalizado não contribui para o reforço dos valores morais - Coretta Scott King, viúva de Martin Luther King - EUA. - Pedirei a abolição da pena de morte enquanto não me provarem a infalibilidade dos juízos humanos - Marquês de Lafayette. - Nenhum ser humano é bastante perfeito para ter o direito de matar aquele que considera inteiramente nocivo Gandhi. RETORNAR À:
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