Fábula Da Captação Do Elemento Desvairado

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Fábula da captação do elemento desvairado

Conteúdo Fábula da captação do elemento desvairado.......................................1 I – SITUAÇÃO..................................................................................1 II – O ARCO DE ÍRIS.........................................................................3 III – TEORIA DA SOMA.....................................................................4 IV – DOS DIREITOS POLÍTICOS DAS AVES.......................................6 V – IMPORTÂNCIA POLÍTICA DO FARO.............................................8 VI – A FUNÇÃO SOCIAL DA IGREJA..................................................9

I – SITUAÇÃO No iniicio estava tudo junto no mesmo Ser que se movia e era fixo por muito se mover. Agora já não. O diabolos, o demo-demónio, como dia (cortar, separar) e como Bolw (jogar[-se], lançar[-se]) lança-se a separar o que está junto e os infiéis perfilha e desencarreira. Troca pela calúnia a acusação, desacredita para afastar. De entre os fiéis, porém, se faz a coorte dominical. Veremos agora como tal coorte satisfaz a missão que o Deus lhe reservou e comjuga de tal modo a vida que sai em busca do que se desagarrou e o comverte, amorável, aos novelos e desvelos do domínio. Escolhida em partilha, a ovelha desvairada suppõe Destino ou Sorte e se auto-comdemna, fugindo às doces garras do Amor. Mas quem a escolheu em partilha, quem partilhou e espartilhou para depois escolher e nos faz fugir desses caminhos percorridos pelo sândalo que somos nós? Esse que se avança a separar o que está unido. Esse que se queima quando arde. Anjo de asas de cera e olhar feroz. Lacraio de sonoras tenazes. Após a separação, desgarradas as ovelhas, são vertidas em demónios pela escolha em partidos e sua função é a de mais apartar para de novo particiar entre si outras escolhas, subjugá-las ao que se lhes pretende apresentar, satanicamente, como Destino e Luta – caídas em sorte. Cabe então pedir forças ao Senhor, que o mesmo é dizer: ao mais velho, e seguir por esses caminhos de fora em busca da ovelha tresmalhada.

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II – O ARCO DE ÍRIS árkós: guia, chefe. árkw : ser o primeiro, ir à cabeça, guiar. árkê : começo, reino, reinado (da natureza?).

Hirt Ablaut (Der indogermaniche Ablaut vornehmlich in seinem Verhaltnis zur Betonung, 1900, Strassbourg, p.162) relaciona esta família com v.norr. bragr ("o superior") e, nesse caso, com ags. braegn, braegen ("cérebro"). No entanto, a hipótese foi já contestada por mais de um autor, apesar de o cérebro estar colocado a um nível superior ao resto do corpo. Outra hipótese interessante, e que não desmente esta, é a que aponta à possibilidade de o significado primordial ser "elevar-se acima de alguém, dominar". Não podemos, pois, por agora, comparar a árké ao primcipium latino, nem o árkós, grego, ao primceps, latino. Porque, no caso grego, o principiar (ser o primeiro e dominar) não está radicalmente separado do "elevar-se acima de alguém", do ser, a par de primeiro, superior, de portanto receber acrescentamento. A confirmar-se esta hipótese, o grego seria mais ainda relligioso que o latim, uma vez que, não só o «guia, chefe» tinha de estar ou ser próximo, primordial, ou simplesmente perto dos primórdios, mas também, ao estar aí, se eleva, juntando-se aqui, directamente e na mesma raiz, o que no latim só se faz pelo estudo da proximidade semântica de princípio e de origem. Além disso, a hipótese colocada no parágrafo anterior é a de "elevarse acima de alguém", supondo, pois, elevação do humano acima do homem (este alguém significa o homem); elevar-se acima de alguém e não o acima impessoal dos latinos, que só dizem "elevar-se acima de", sem especificamente falarem na pessoa, no ser humano, que implica ter pessoa. De onde com muita razão o Rei se dizer Mono Arka, pois eleva as pessoas reunindo-se à origem delas, e o filho do Rei ser apenas e ainda o Prímcipe, palavra que mesmo hoje associamos a alguém mais jovem, que por principiar se começa a elevar mas de quem não sabemos ainda com que sentido o faz.

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III – TEORIA DA SOMA Augeo : acrescentar. Augur, -is: acrescentamento accordado pelos deuses a uma empresa.

Toda a gente sabe o que deseja significar com augúrio, por exemplo na locução "bons augúrios", ou "mau agoiro". Continuo o nosso método, que é o de pesar as palavras a través do estudo da metaforização etimológica que se suporta nos dois termos dessa relação metafórica (o signifficado etimollógico e o actual), sustentando sempre o primeiro a existência do segundo, iluminandolhe o perfil numa assistência clarificante e vivificadora, e descobrindo o segundo extensões desconhecidas antes que tornam maior e mais nítido o alcance das metáforas etimológicas. Cabe-nos agora apresentar a síntese para a qual nos orienta a palavra augúrio. Mas a síntese é maior do que a apresentação das partes... O augúrio, visto como presságio, auspício, só pode ser dado em consequência do acrescentamento provido pelo divino, em boa ou má hora, de bom ou mau sinnal. Isto suppõe desde logo uma coisa e ela é a de que o divino pode criar, a qualquer momento, como o auctor que é, acrescentando no e ao Universo algo ou algo a – ou em – alguém. O que suggere por detrás desse crescimento qualquer Ser que nos transcende e a sua inttenção, uma verdade transcendente e intencional, que, pois, dá sentido ao acontecido: “no tocante àquela santa doutrina que, pouco antes, com tão grande fervor haviam aceitado”1. Se considerarmos que o augúrio pode ser bom ou mau, mais ainda aumenta a suposição nossa de que o Ser divino é capaz de intenção e a maniffesta aos homens, mais exactamente para o entender dos homens em direcção a Deus. Sumamente inpportante se torna então considerarmos agora que essa intenção assume um sentido. Por exemplo: o acrescentar ao inimigo na guerra as suas forças nos levará a pensar porque nos vai mal o combate e, pela descoberta do sentido da intenção divina, pela intuição das direcções do 1Relação do reino do Congo e das terras circunvizinhas, por Darte Lopez & Filippo Pigafetta, trad. de Rosa Capeans, Lisboa, AGU, 1951, p. 96.

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acrescentamento, logo se entenderá o que fazer e far-se-á de imediato. Ora o monarcha, como atrás vimos, pode ser concebido como o primeiro e o que se eleva sobre os outros, de onde se explica o dominá-los. Desta força que o anima extraordinariamente se diz que lhe foi acrescentada como sinal augurante – e por isso fica sobre os outros homens. Este augúrio pode ser bom ou mau e possui um estatuto primordial na leitura da interVenção divina e, pois, do sentido do nosso quotidiano. De qualquer modo, lendo-o como sinal divino, este acrescentamento parece ser, de raiz, superior. Daí o que há de relativo e de absoluto no Monarcha e na Mono Arquia, mais relativo que absoluto no caso do primcipado e do primus caps.

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IV – DOS DIREITOS POLÍTICOS DAS AVES Auspex, -icis: 1. que examina o voo das aves; 2. falando nos deuses, designa aquele que fornece os auspícios sob os quais se decide acerca de uma empresa. Auspicium, -i: 1. facto de tomar os auspícios; 2. auspício, sinal fornecido pela observação do voo das aves.

Da soma de auis (ave) e de caps (captar) se terá chegado ao auspício. Enquanto que, no augúrio, tínhamos como dado um acrescentamento, algo presente e terrenamente notável (notável na terra), temos neste caso o voo das aves. Sendo voo, não se fixa um objecto mas o seu percurso e, sendo das aves, esse percurso é mais distante e celestial. Daqui, e mais que daqui, várias coisas se concluem: 1. que o celestial é distante e, levando em conta a proximidade radical entre dia e deus e as tradições que, como a latina, diziam ser as aves sinais do Céu, ou seja, do Divino, que o divino está distante – mas assinala e clareia. Esse clarão, que assiste a Deus e ao Dia, se avista muito cristãmente com a fé: “ora, o eterno Deus, que conhece a fé com que procedia este voto do bom Rei, quis consolá-lo com visão celestial, que foi uma luz clara e admirável, no aparecimento da qual se lançou de joelhos, chorando e erguendo os olhos e as mãos ao Céu, sem proferir palavra, sufocado pelas lágrimas e pelos soluços, todo arrebatado em espírito”2. A sua luz é tal que cega, mas de uma cegueira divina também na sua origem: “e os mais, que eram presentes, fizeram o mesmo, e perderam o lume dos olhos um bom pedaço de tempo, ficando fora de si pelo miraculoso esplendor”3. 2. Que a distância referida é ultrapassável pelo estudo do percurso divino a partir do desgarro humano (inspirado embora) que apanha em percepção o sinal, o aceno. O voo pode ser traduzido: “se algum pássaro [...] canta no modo que eles fazem profissão de entender, e lhes anuncie desgraça ou que 2Id., p. 97. 3Id., ib..

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não vão mais além, retrocedem; o que outrora observaram os primeiros romanos, e outros pagãos ainda”4. 3. Levando em conta o facto de só os sacerdotes estudarem os auspícios, se deduz que nem todos os homens o podem fazer. Logo, os que o podem fazer têm algo que os outros não têm, achando-se, pois, em si, um acrescentamento peculiar a estas funções: de onde serem os colhedores de auspícios um augúrio. 4. que o auspício sai fora do espaço/tempo terreno e se aproxima do divino e, logo, que o auspex está junto à transcendência: sabe como se anda no Céu, “não já com a humana possibilidade”5. O esforço humano é referido a uma inspiração, naturalmente santa porque, não só ele é motivado por um percurso celestial, é garantido por um augúrio – o que faz do auspex um homem diferente. Ora, o facto de o monarcha recorrer ao auspex confere-lhe um lugar de relevo na monarquia, com justa razão, pois só o auspex pode servir essa consciente ligação ao divino que lhe permite trazer deste as suas orientações para as humanas – de onde ser natural que o adjectivo "auspicioso" designe, em verdade actual, "de bons auspícios", ao passo que o augúrio pode ser bom ou mau. Desta forma, o monarcha reconhece a autoridade suprema do Sumo Monarcha, e, perguntando-lhe das suas acções, dá ao auspex uma posição de independência face às humanas monarquias, reconhecendo-o entre estas e a divina, por saber ele, auspex, que mora no voo das aves o passo dos reis.

4Id., p. 52. 5Id., p. 95.

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V – IMPORTÂNCIA POLÍTICA DO FARO Já do presságio se dirá que mais terrenamente ocupa a coorte de ElRey. Sendo um pré-farejar, e de aí garantindo ao pressago um especial faro para a caça do que virá, pelos sentidos está ele bem preso ao mundo e no mundo fareja a caça do Rey. Como o augúrio ele é instrumento para o espaçotempo humano. Porém, enquanto o augúrio é sentido acrescentamento, ele apela à visão e à razão (ver o acrescentamento exige operar racional, comparação e peso), ao passo que o faro, político ou de caça, é mais rasteiro, mais pisteiro, e só funciona por intuição, intuindo embora o que virá mas não se vê. Deste faro do praessago lhe vem uma habilidade que no áugure se não vislumbra – e esta habilidade farejadora é toda a sua sabedoria. Diferente destes, o auspicium tem sempre por referência o Céu, esse Céu maior que é o eterno além do homem. Aqui radica o facto de agoiro (contrariamente ao que veio a significar o augurium latino), a par de presságio, ser indicativo português para mau agoiro e mau presságio, enquanto que auspício vem por auspicioso a ser o bom agoiro e presságio, pois um vem do Céu, que é cristãmente bom por natureza, enquanto os outros são da Terra, do terreno onde bem e mal desenrolam a sempre derradeira batalha. Porém, submetido o monarcha ao Divino Monarcha pelo auspex, bem se pode usar do praessago, seu cão de caça, político por excelência – mas político pressentindo realmente a caça fugitiva, cuja pista persegue para reincluir na divina trama, no novelo do mundo que Deus vai desenrolando e enrolando sobre si próprio. Esse o lugar exacto para o político, o lugar do pressentimento – enquanto que o áugure se mantém o poeta do infinito que em nós acrescenta, o escriba do Deus na Terra insistindo, ou seja, o notário da divina criação constante do Homem e do Mundo.

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VI – A FUNÇÃO SOCIAL DA IGREJA Sakro - dho - ts : o que torna sacro, pois que *-dhe- é a mesma raiz de do, das, dare, e de facio (dar e fazer).

Sancio (tornar sagrado) e sakro assentam na mesma raiz, que o latim e o hitita utilizaram simultaneamente na linguagem jurídica e na linguagem religiosa, e que significava tanto lei quanto rito. Assim, a justiça da lei é inseparável da religião e do rito e a lei deve efectiva e cristãmente reunir, como o rito afectivamente. Assentada pelo auspex a concordância da divina e da humana monarquias, do auspicium se passa ao augurium, e do crescimento da energia – que, mais uma vez e poética e misteriosamente, confirma a concordância monarchica – deve o Rei solicitar os cães de caça, seu faro político, em busca da pista que leve à que há de ser finalmente, e graças ao acrescentamento, a filha do Rey. Mas, tendo-se ela afastado assim da monarchia divina, e mostrando ensejo Deus de Realmente a recuperar e integrar em sua ordem, deve ela, após a caça, ser entregue pelo monarcha ao sakrodhots para que este, oficiante e juiz, a relligue por rito e lei ao sancto nome do mais velho de todos. De aqui, a extrema importância social e transcendente do sacerdote, que com justeza ocupará lugar de relevo na corte serena que à caça se segue. E de aqui a definição do poder sacerdotal e judicial. O Rey, pois, volta, pela promoção deste baptismo, a integrar-se na divina intenção, justificando a sua posição pela certeza destas entregas e recolhas.

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VII – ONTOLOGIA DA NOBREZA Geno (engendrar), gnatus (nascido) e gnosco (aprender a conhecer) estão unidos por cordão umbilical à mesma raiz que supporta esses 3 significados de gerar, nascer e começar a conhecer. No geno (gigno) se reffere o engendrar antecedente ao nascer, o engendrar na ordem do mais velho que é o Senhor, o de que resultará o gnatus, o nascido. E, por isso, de genus também se traduz "causar, produzir", tanto quanto mais tarde veio a designar o ‘nascer em gente’. O que adjectiva mais perfeitamente a acção (geno) e o resultado dela (gnatus) é o gnobre, a par do gnosco, pois nos informa sobre o que de mais importante aí acontece: o começar a conhecer. Nascer, ser engendrado, implica o começar a conhecer o mundo, que é o novelo para onde se vem. E esse é o Fado. Recebida a presa no seio do Senhor e em sua coorte reintegrada, com nome próprio, mais proximamente pelo sacerdote, há que fazê-la começar a conhecer após o renascimento pelo rito e por lei. Aqui, o gnobre se aproxima do prognóstico e, por ele (prognóstico grego), do médico. O que aprendeu a conhecer ensigna a nova presa para que ela aprenda a conhecer também, sabendo nela os sinnaes da recuperação da doença: faz-lhe o prognóstico. E a presa vai assim participando da nobreza da coorte do Senhor, o mais velho, já relligada aprendendo a conhecer o divino mundo, a ordem absoluta dos archanos – e aprende a servi-lO após o sacerdote. Neste sentido são também os ilungas6, que triunfam pelo exercício da razão. De onde se dar com justeza muitas vezes ao nobre o título de Duque7, porque o deverá ser das presas relligadas, enquanto o de Conde8 caberia melhor ao pressago, enviado político do Rey farejando a pista da ovelha tresmalhada. Neste sentido igualmente se poderá dizer dos filhos das presas relligadas que são filhos de algo, como dos filhos de toda a coorte. Mas muito especialmente se há de dizer isso dos que têm sabor do acrescentamento, pois toda a coorte que serve o Senhor depende e está suspensa de tal acrescentamento para enfrentar o demónio da 6Nobres e sábios ao mesmo tempo, experientes (portanto idosos), entre os zulus. 7De dux, ducis, condutor, etimologicamente primo de dicere, dizer. 8Da mesma palavra que deu comitê, por exemplo em comitê central.

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divisão e os seus mitos, desde o Acaso às garras do Destino ressequidas, e os filhos d'algo são, acima de tudo, filhos do acrescentamento que os salvou, sinal com que o Auctor assina a sua obra no verso do universo.

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VIII – DA POSIÇÃO EM QUE O REI DEVE RECEBER E COMBATER Deus não se deffine. Mas dele falam tanto os homens que por vezes parece não poderem deixar de o fazer. É preciso, perante uma tal insistência, clarificar mais uma vez as palavras. O português, rellacionado com a sua matriz latina e a família dela, permite fazer uma hábil destrinça entre o Ser e o Estar. O verbo “estar” está intimamente relacionado com a vitalidade da vida (o "agere uitum") na sua raiz latina, pela referência à posição do corpo humano em actividade. No entanto muitas vezes resvala na língua portuguesa para o passivo de estado, como se vê na expressão "deixa-se estar". Ou ao passivo sofrimento, vívido no entanto: “por não poder acudir às necessidades em que os povos do Congo estavam”, apesar de correrem “o perigo extremo de irem parar às trevas do inferno”. “Estado”, aliás, “em que se debatiam”9, mas do qual não se erguiam sem assistência nem doutrina. Só junto a si mesmo, no espaço-tempo que o seu eu ocupa, o homem se reconhece o estar matricial e lhe acrescenta a preocupação com uma finalidade, um sentido para o estar aqui e para o estar agora: “estando sempre firme no propósito de dar remédio à Cristandade”10. Por onde se pode ver alguma presença cristã, relligiosa, e o sentido prático dela advindo ao português ‘estar aqui e agora’, que sempre lhe acrescenta o para alguma coisa. Mas porquê esta recusa de estar apenas ou a sua transformação irónica em laxismo (‘deixa-se estar’)? Ela é talvez uma fidelidade cristã (porque intencional e, portanto, advinda de um Deus pessoal) ao "agere uitum", porque quem está, age, e quem age e se agita faz sempre algo para cumprir algo: fá-lo com direcção e sentido e esse sentido é a própria, como única, justificação do agir – e, portanto, do estar. Por outro lado pode ver-se esta recusa de um estar passivo como concordante com as próprias palavras, reveladora, mais uma vez, de uma intuição etimológica muito peculiar. E é que o estar passivo se pode aproximar do estar contemplativo e compassivo. Ora, contemplar é actividade e passividade ao mesmo tempo, ou seja, é uma actividade mais profunda, mais subtil, que gera energia consciente. Tal contemplação não é própria do estar, que indica a 9Id., p. 121. 10Id., p. 119.

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posição de actividade do homem (estar é estar de pé), mas sim própria do Ser, até porque o humano contemplar não é, simultaneamente, ver e agir, como é o divino. Mas o Ser português é ser latino e estar sentado (sedere): Deus contemplando a criação que dessa contemplação resulta. Neste Ser que é sentado, pois que junta o essere ao sedere, e que gera energia, construiu o português perfeita metáfora de Deus. E se o homem está de pé, se o homem se ergueu (de essa origemcontemplativa), não é para Ser mas para estar, agir e cumprir. O Ser, pois, é sentado e é sábio (de onde ser o verbo das definições). Mas, sendo tal, ele está para além do vital e com ele a inteira sabedoria – pelo que os origina. Qual a parte que nos cabe como homens no, ou do, saber? Primeiro que tudo cabe-nos o saber para. Deste, a procura, composição e consecução da Finalidade, numa obediência finistérrica. Finalidade composta e redita em voz íntima e gesto público. E é por se manter a humana imagem da divina MonArchia que o Rei está sentado quando recebe em seu trono, sendo por isso também que Ele e os Filhos d'Algo combatem sempre sentados. É isso ainda que distingue os reis que se fazem fotografar sentados dos reis que se fazem fotografar em pé, com uma lança na mão.

Londres, inverno, 1911.

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