A formação do Brasil na perspectiva de Victor Nunes Leal
Victor Nunes Leal nasceu em 1914, na cidade de Carangolas no Estado de Minas Gerais. Filho de um pequeno fazendeiro que em determinada fase de sua vida entrou em dificuldades financeiras, sendo, portanto, convidado por um amigo jurista, para terminar seus estudos no Rio de Janeiro, o que viabilizou posteriormente os estudos de seu filho Victor, juntamente com uma oportunidade de trabalho no âmbito jurista. Formado na antiga Universidade do Brasil, Victor tornou-se um advogado militante, e posteriormente, ministro do Supremo Tribunal Federal, onde desenvolveu um trabalho influente e altamente reconhecido ate os dias atuais pelos juristas. Muito reconhecido na área de Sociologia Política e propriamente em Ciência política, concorreu à cátedra com a tese que se tornaria um dos clássicos em Ciência Política Brasileira “Coronelismo, enxada e voto.”. Nesta obra, Victor demonstra seu conhecimento sobre o municipalismo, pois no recorte histórico em analise, as pessoas não viviam na União, nem nos Estados, mas nos municípios – exceto no Distrito Federal que possuía uma realidade sui generis. Essa analise explicita de uma forma nunca antes feita o fenômenos do coronelismo, do mandonismo, e das distorções que isso ocasionava no nosso sistema jurídico-político. Contribuindo para o aperfeiçoamento da legislação brasileira no que diz respeito à justiça eleitoral, para um atenuamento dos abusos que traziam corrompimentos ao sistema eleitoral. No primeiro capitulo do livro “Coronelismo, enxada e voto”, Nunes Leal inicia delimitando o conceito de “coronelismo” que uma analise superficial pode incorrer no erro de defini-lo apenas como uma permanência da centralidade do poder privado na esfera pública num regime democrático representativo. Antes, o fenômeno coronelismo vai além dessa conceitualização, sendo uma forma especifica da manifestação do poder privado que se recusa a perder sua centralidade do antigo regime. Mas para entender o coronelismo, Nunes Leal explicita a necessidade de compreendermos a estrutura agrária brasileira, onde o coronelismo se
manifesta como um acordo, ou compromisso entre duas partes: a esfera privada e a esfera pública. Mas não é qualquer esfera privada, mas especificadamente, o coronel, aquele que detém muitas terras. Percebemos assim, o predomínio dos chefes locais, que em virtude de sua decadência na influencia sociopolítica, busca meios de se manter no poder. Esse compromisso só se torna possível, mediante a não possibilidade do governo em abrir mão do eleitorado rural, onde, como consequência dessas “troca de favores” pode-se observar fenômenos como: mandonismo, voto de cabresto, alterações irregulares das eleições, em suma, meios pelos quais os coronéis tentam se manter no poder. Em seguida o autor se adentra em como esse poder do coronel é exercido, e como sua centralidade abarca as instituições sociais, e lhe confere uma posição social de destaque. Qualquer que seja a liderança - o chefe municipal - quem de fato detém o poder, segundo Nunes Leal, é o coronel que comanda porções consideráveis de “votos de cabresto”. É uma situação de dupla causa que produz um determinado efeito: o coronel possuiu força eleitoral, o que lhe confere influência social, que também decorre de sua situação econômica. Essa influência social, ou prestígio, lhe confere a incorporação de algumas importantes instituições sociais, como funções de jurisdição, de policiamento, entre outras. Entretanto, vale mencionar que os dependentes desses coronéis viviam em condições difíceis e os únicos no meio rural que poderiam obter ajuda (empréstimos de banco) eram os proprietários de terra. Sendo assim, eram os coronéis que “ajudavam” proporcionando armazéns onde poderiam fazer comprar “fiado” para pagar com a colheita, ou às vezes pedindo dinheiro emprestado.
A distribuição das propriedades, ou mais especificadamente, a concentração de terras é um fator importante quando se quer analisar a fonte de influência social dos coronéis. Nunes Leal apresenta um recenseamento realizado em 1940 para fundamentar suas analises, além de expor um aumento das pequenas propriedades no Brasil que não implica numa diminuição da concentração da propriedade rural, considerando as desigualdades regionais. Seguidamente, ainda baseado no quadro apresentado sobre as desigualdades nas propriedades rurais; analisa os aspectos centrais das composições de classe na sociedade rural. Onde nos é exposto as seguintes categorias: empregadores, empregados, autônomos, membros da família, de posição ignorada. Resumidamente, Nunes Leal constata uma certa deficiência dos critérios adotados nesse recenseamento, mas que são úteis e eficazes para constatar pouca diferença na pobre condição material de subsistência do proletário rural, do parceiro, e do pequeno proprietário. Tornando-os dependente do coronel, que por sua vez, se utiliza de sua posição de “provedor” para angariar os votos de cabresto. O coronel além de um papel mais abrangente no que tange a liderança municipal exerce uma influência - igualmente orientada a determinados fins – na esfera privada de determinados atores, trazendo uns para a esfera pública, e ao mesmo tempo tirando outros. Nunes Leal denomina essa característica como um “paternalismo” que desemboca no filhotismo "pão para os amigos” e no mandonismo “pau para os inimigos”. Os períodos que antecedem o processo eleitoral são marcados por uma ebulição das forças que antes estavam inânimes, ou pouco ativos. Troca de favores, apoio ou não apoio estadual e dos coronéis á facção que está no poder. É importante ressaltar, que o coronel não exercia um “poder absoluto” na prática, antes o que ocorria, era um sistema de reciprocidade entre os chefes municipais e os coronéis. Nunes Leal, explicita uma certa dependência que
coronel possuía para com o Estado, visto que, sua influência social decorria da estrutura agrária, que por sua vez decorria dos empréstimos do poder público. Seguidamente, o autor discute a questão da autonomia municipal no Brasil, frente ao fenômeno do coronelismo. O que ele constata é na realidade uma falta de autonomia considerável tanto na presente analise como em tempos passados no Brasil. Ele cita alguns processos que pelos quais ocorre um atrofiamento dos municípios, que são: falta de orçamento público, excesso de obrigações, poucos atribuições autônomas, restrição a eletividade administrativa, e o intervencionismo policial em questões nas demandas locais. O autor também ressalta um erro muito comum aos que se propõem estudar o coronelismo, que se trata de atribuir ao coronel uma hegemonia social do município. É preciso entender que essa hegemonia existe somente em relação aos dependentes da propriedade do coronel, levando em consideração que um município divide-se em distritos, e alguns desses distritos escapam a influência do coronel. Nas considerações finais, Nunes Leal sintetiza alguns pontos já apresentados com o intuito de nos fornecer alguns pontos centrais do coronelismo, que são: um fenômeno que atua num cenário reduzido (governos locais), rarefação do poder público (que não é uma sobrevivência do período colonial), e um sistema político que é domesticado por um pacto entre o poder privado cada vez mais decaído, e o poder público revigorado.