O scotch Embora muitos países produzam whisky de qualidade, nenhuma região desfruta do prestígio conferido ao destilado feito na Escócia (Scotland). Há séculos, o scotch whisky - denominação restrita e exclusiva das garrafas procedentes daquele país atrai admiradores em todo o mundo. Trata-se de uma bebida única, com identidade, sabor e textura próprios, fortemente vinculados à história, à cultura e à geografia de sua terra natal - exatamente por isso, é impossível a reprodução de um scotch, com o mesmo padrão, fora de seu habitat. Embora seja chamado de “destilado”, o whisky é um aperitivo obtido pela destilação de uma bebida fermentada e, posteriormente, submetido a rigoroso envelhecimento em barris de carvalho. Sua matéria-prima é a cevada, mas também pode ser produzido a partir de outros cereais (o milho, por exemplo). A maturação em tonéis, além de ser importante para a redução e graduação do teor de álcool, é fundamental para conferir cor e sabor à bebida. A técnica de produção escocesa não é sigilo de Estado, ainda que cada destilaria e fabricante mantenha em segredo alguns itens de suas receitas. Mas, se a tecnologia é largamente difundida no mundo, porque o scotch permanece imbatível na apreciação do público? Uma explicação plausível está na singularidade geográfica da Escócia. Em sua hidrografia, por exemplo. O país conta com mais de 100 mil fontes límpidas para suprir as necessidades de suas destilarias; em seu curso natural, rios e canais incorporam minerais importantes à elaboração da bebida. A região também possui um solo adequado ao cultivo de cevada. Por fim, a secagem dos grãos utilizados nas destilarias é favorecida pelo excesso de jazidas de “peat” (turfa, uma espécie de carvão vegetal). O calor desprendido do “peat” neste processo altera o sabor do cereal, tornando-o defumado (smoked). Esta é a principal particularidade do scotch. Outra influência natural importante é o clima frio, quase ártico, essencial ao bom envelhecimento da bebida. Maturação O esmero na escolha do barril é outra característica das destilarias escocesas - o tonel deve ser impermeável e resistente para assegurar uma maturação segura do destilado. Uma decisão criteriosa, já que a madeira tem graves implicações na cor do whisky (ou seja, interferirá em sua apresentação visual). A predileção dos fabricantes é pelos tonéis de carvalho americano, utilizados para acondicionar o bourbon, ou espanhol, empregado na produção de xerez. Este último, embora mais caro, permite a obtenção de um destilado de melhor qualidade. A legislação escocesa exige uma maturação mínima de três anos, antes da comercialização da bebida - o chamado whisky standard. Quanto mais envelhecido, mais valorizado o aperitivo - torna-se um destilado mais macio e encorpado. Durante o acondicionamento, a perda de produto é considerável: cerca de 3,5 garrafas evaporam anualmente dos barris. É a chamada “cota dos anjos”, ironizam os escoceses, numa brincadeira que também se refere a atmosfera levemente ébria e revigorante de sua pátria. Durante a estocagem, o teor alcóolico do “spirit”, como é designada a bebida em seu estado bruto, se reduz de 70% para a faixa dos 40% a 45%, padrão comercial.
Existem diferentes tipos de scotch whisky, os mais famosos são o blended, que é obtido pela mistura de maltes de diversas destilarias, acrescidos de outros ingredientes que lhe darão sabor e textura. e o single malt, feito exclusivamente de cevada, numa só destilaria, sem acréscimo de nenhum outro destilado. No Brasil, o blended praticamente centraliza o mercado consumidor. Além do alto custo dos insumos, a produção de scotch ainda preserva traços artesanais e segue rigoroso controle de qualidade. Tais aspectos justificam o preço elevado da bebida, seu status e prestígio nos círculos abastados. Outra singularidade é a unicidade de cada “safra” - embora seja utilizada a mesma matéria-prima, o produto final será sempre diferenciado, incorporando também as características da madeira que lhe abriga durante a maturação. O envelhecimento da bebida, por fim, se completa após o engarrafamento.
O Catálogo Indicações Geográficas Brasileiras, que apresenta os 58 produtos e serviços típicos de territórios brasileiros, foi lançado hoje (10), em Belo Horizonte, pelo Sebrae. Entre os produtos destacam-se vinho, artesanato, café, mármore, queijo, rendas, calçados, panelas de barro, cacau e aguardente. Atualmente, esse reconhecimento acontece por meio de um registro concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) à região geográfica que se tornou conhecida ou apresenta vínculos relativos à qualidade e características com um produto ou serviço. A publicação foi divulgada no III evento internacional de Indicações Geográficas e Marcas Coletivas, que reúne cerca de 300 pessoas de todo o país entre os dias 9 e 11, na capital mineira. Para a presidente em exercício do Sebrae, Heloisa Menezes, o catálogo é uma ferramenta de geração de negócios dos produtos essencialmente brasileiros. “Temos trabalhado para ajudar no processo de reconhecimento mas nossa meta é trabalhar para dar visibilidade aos territórios e vender as IGs obtidas”, afirmou. Além de estimular a produção local, o registro de Indicação Geográfica tem o potencial de promover e fomentar o turismo da região. Segundo a analista de informações do Sebrae, Hulda Giesbrecht, o registro é considerado um ativo da região e pode impactar no faturamento dos
produtores em média de 20% a 30%. “Esse impacto varia muito de produto para produto. Mas não restringe ao aumento dos lucros, mas na garantia de uma demanda de produção, no desenvolvimento local como o turismo e a gastronomia”, explicou.
Regiões O vinho é um dos produtos do Catálogo - Instituto da Vinha e do Vinho (IVV)
O ramo de bebidas alcoólicas está entre as referências de Indicações Geográficas brasileiras. A Região de Salinas, no Norte de Minas Gerais, assumiu protagonismo local com a produção de Cachaça. Atualmente, uma garrafa de aguardente produzida artesanalmente e exportada para diversos países pode custar mais de R$ 400. No Paraná, a Região dos Campos Gerais, tem se destacado com a Colônia Witmarsum, produtora de queijos, nata, manteiga e comercialização de leite in natura. Para o presidente da Cooperativa Witmarsum, Artur Sawatzky, o registro abre oportunidades de negócios aos produtores locais. “O que nós produzimos não existe em outro lugar, são características que só nós temos e isso agrega mais valor ao nosso produto”, destacou. O processo de registro do IG levou três anos para ser concluído e é a primeira certificação de origem do estado do Paraná Também no sul do país, com o Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, produtores locais têm se organizado para superar um dos principais desafios relativos às Indicações Geográficas: a falta de legislação e fiscalização no país. Atualmente, não há um órgão regulador no país que acompanhe e monitore os registros e as marcas coletivas. Cooperativas e associações locais precisam se unir para garantir que as características que garantem os registros sejam mantidas e, por consequência, mantenham a qualidade dos produtos e serviços.
“A legislação atual tem pouquíssimos artigos e regula de maneira superficial o que é indicação geográfica e ela delega para o Instituto Nacional da Propriedade Intelectual regulamentar o registro da IG, por meio da Instrução Normativa 25/2013. No entanto, só a IN e o que consta na lei não são suficientes para resolver uma série de problemas que a gente tem, como alterações de regulamentos de uso, que na Europa é proibida, mas temos essa possibilidade aqui”, explicou a representante do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Kelly Bruch. Segundo Kelly Bruch, ainda há pouca divulgação dos registros dentro das próprias áreas de Indicação Geográfica. “É necessário ainda divulgar as indicações geográficas internamente, porque muitas vezes, as vinícolas sabem [registro], mas nem todos os funcionários. A região até tem a identificação disso, mas restaurantes e hotéis, que poderiam se apropriar disso, não conhecem”, ressaltou.
Experiências pelo mundo O ministro-conselheiro da Embaixada da França no Brasil, Gilles Pecassou, destacou que o país tem mais de 700 produtos registrados com indicação de origem e conta com uma agência de governo para fortalecer a área, o Instituto Nacional de Origem e Qualidade (do francês, Institut National de L'origine et de la Qualité). Segundo Pecassou, as políticas públicas da França têm como principais características o fortalecimento das comunidades, a proteção do meio ambiente e o aperfeiçoamento dos produtos. A marroquina Fatima Ahmeri contou a experiência com a Indicação Geográfica do óleo de Argan. O óleo é considerado um produto raro e é usado principalmente para hidratar os cabelos, mas também pode ser usado na cozinha e teve um impacto social com produção local. “Além disso, a árvore [Argan, de onde se extrai a semente para produzir o
óleo] começa onde termina o deserto e serviu como uma barreira contra a desertificação”, contou Ahmrei. Para realizar extração do óleo manualmente em um processo demorado e caro, as mulheres da região foram recrutadas para a atividade. No entanto, uma barreira cultural impedia que mulheres trabalhassem fora de casa e muitas delas não sabiam ler, o que as impedia de entender as regras para retirada do produto. “Oferecemos um suporte didático, com fotos para que elas pudessem compreender as normas a serem respeitadas e, assim, responder às exigências do mercado internacional.”, explicou. Para que produção ganhasse volume, as mulheres foram alfabetizadas. No entanto, precisaram superar outro obstáculo: mulheres casadas eram proibidas de trabalhar. “Para driblar esse problema, nós começamos com as divorciadas e as viúvas. Não era aceito na época que começamos, mas conseguimos superar. Hoje, todas as mulheres da região querem trabalhar nas cooperativas. Atualmente, mais de 2 mil mulheres fazem parte das cooperativas”, contou. O Argan foi a primeira indicação geográfica do Marrocos.
COM O REGISTRO DO NOME GEOGRÁFICO “CACAU DE LINHARES”, APENAS OS PRODUTORES ESTABELECIDOS NA REGIÃO DELIMITADA E QUE CUMPREM AS NORMAS COLETIVAS TERÃO DIREITO AO USO DA IG
PARA COMERCIALIZAÇÃO DO PRODUTO O cacau produzido em Linhares, município localizado ao norte do Espírito Santo, foi o primeiro do País a receber Indicação Geográfica (IG). Para a Associação dos Cacauicultores de Linhares (Acal), o registro é o reconhecimento da reputação e do valor do cacau produzido com cuidados especiais, da colheita à secagem das amêndoas. Produzido sob normas de qualidade, o cacau da região possui identidade diferenciada, devido às condições da região, com remanescentes de Mata Atlântica, que proporcionam o sombreamento das lavouras, fundamental para o cacaueiro, uma cultura nativa da Amazônia. Procedência
Registro IG 200909 INPI Indicação de Procedência 2012 Área Geográfica Delimitada: 760.638 km2 Abrangência: município de Linhares/ES Altitude média de 612m Selo de qualidade Os 1,2 mil produtores de Linhares, responsáveis por 90% da produção capixaba da fruta, passam a ter o direito de vincular o nome da localidade ao produto. O registro é concedido para a região e não para o produto diretamente. A Acal também deverá fornecer selo de qualidade aos agricultores que seguirem as recomendações específicas de cultivo e sustentabilidade ambiental. Além de agregar valor ao produto no mercado interno, o cacau, fruto que dá origem ao chocolate, produzido em terras linharenses, passa a ter um diferencial competitivo no comércio internacional. Presidente da Acal, Maurício Buffon acredita que as indústrias passarão a comprar preferencialmente de quem possui o selo. No entanto, ele avalia que o setor produtivo ainda não absorveu as possíveis mudanças com
a certificação. “Neste momento, o produtor precisa voltar a produzir; depois avaliará a utilização do selo”, diz Buffon. Reconhecimento internacional O cacau de Linhares recebeu o prêmio de excelência na etapa nacional do International Cocoa Awards 2012 e foi selecionado para o Salon Du Chocolat 2012, realizado em Paris, em novembro de 2012. Representando a região, o produtor Emir de Macedo Gomes Filho diz que, em 1999, deu início à renovação da lavoura da Fazenda São Luiz, utilizando novos materiais genéticos. Para garantir a qualidade do produto, foram adotadas outras práticas, como a colheita seletiva dos frutos maduros, a quebra e o transporte da fruta para o cocho no mesmo dia, além da fermentação e secagem corretas. O cacauicultor, que hoje possui mais de 60 mil pés de cacau renovados, com maior resistência à “vassoura- de-bruxa” (doença que quase inviabilizou o cultivo da fruta) e mais produtivos, espera chegar a 100 mil plantas. “Vamos atingir essa meta alcançando a produção equivalente do passado, quando tínhamos 180 mil pés produzindo”, diz Gomes Filho. Importância regional Com cerca de 150 mil habitantes, o município de Linhares (ES), é o maior produtor de cacau do Estado, respondendo por 90% da produção capixaba. Plantada em solo aluvial às margens do rio Doce, esta cultura foi uma das principais responsáveis pelo crescimento econômico e político da região, tendo gerado muita riqueza e poder. Com o incentivo governamental da época, as lavouras se expandiram e se tornaram referência econômica, social e política para Linhares. Em 2001, a vassoura-de-bruxa quase dizimou as lavouras, causando enormes prejuízos aos cacauicultores, que viram a produção de cerca de 14 mil toneladas cair para aproximadamente 4 mil.
Segundo o presidente da Acal, a receita com a atividade, que gerava cinco mil empregos, foi reduzida de R$ 60 milhões em 2001, para parcos R$ 19 milhões e desempregou três mil trabalhadores. Entretanto, o trabalho do setor produtivo e o empenho das entidades envolvidas com a cultura, estão tornando a recuperação da cacauicultura mais rápida do que prevista. A Indicação Geográfica surge, assim, como importante instrumento de resgate da cultura da região, valorizando o cacau e aumentando a renda dos produtores. Os proprietários que recebem este registro, concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), precisam ter em seus produtos, ou nas áreas de produção, a qualidade e as características que os tornam exclusivos.