Manual De Doença Falciformica

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Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doenças Falciformes

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Agência Nacional de Vigilância Sanitária

Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doenças Falciformes

Brasília - 2002

Direitos reservados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária SEPN 515, Edifício Ômega, Bloco B, Brasília (DF), CEP 707770-502 Internet: www.anvisa.gov.br E-mail:[email protected] É permitida a reprodução desde que citada a fonte. Copyright 2002. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) 1º Edição 2002 Agência Nacional de Vigilância Sanitária Design Gráfico e Ilustrações: Gerência de Comunicação Multimídia Divulgação: Unidade de Divulgação

Impresso no Brasil

Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doença Falciformes. - Brasília : ANVISA, 2001. 142p. ISBN 85-88233-04-5

WH155

1. Anemia Falciforme. 2. Doença Falciforme. 3. Doenças Sanguíneas e Linfáticas. I. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

APRESENTAÇÃO É com muita satisfação que estamos disponibilizando este Manual aos profissionais da saúde que atuam, principalmente, nas áreas de Pediatria, Clínica Médica e Hematologia. Este trabalho é fruto da enorme colaboração do Grupo de Hemoglobinopatias, que vem assessorando a Gerência-Geral de Sangue, outros Tecidos e Órgãos - GGSTO na implementação da Política de Assistência aos Portadores de Hemoglobinopatias, liderado pela Dra. Terezinha Saad da UNICAMP. Esperamos que esta publicação possa ajudar aos profissionais na atenção dispensada aos pacientes, transmitindo as informações necessárias de forma objetiva e clara, visando as melhoria da assistência médica, especificamente dos portadores da Anemia Falciforme.

Dra. Beatriz Mac-Dowell Soares Gerente Geral de Sangue, outros Tecidos e Órgãos GGSTO/ANVISA/MS

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SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES GERAIS ...................................................................................... 07 Marco Antonio Zago FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS FALCIFORMES ............................................... 13 Sandra F. M. Gualandro DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS DOENÇAS FALCIFORMES EM NEONATOS E APÓS SEXTO MÊS DE VIDA ............................................................ 19 Claudia R. Bonini Domingos HETEROZIGOSE PARA HEMOGLOBINA S .............................................................. 27 Fernando Lopes Alberto e Fernando Ferreira Costa ACONSELHAMENTO GENÉTICO ............................................................................ 33 Antonio Sérgio Ramalho MEDIDAS GERAIS PARA TRATAMENTO DAS DOENÇAS FALCIFORMES ........ 41 Sara T. O. Saad ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM .......................................................................... 51 Emilia Campos de Carvalho SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA ................................................................................ 61 febre............................................................................................................................... 63 crises dolorosas.............................................................................................................. 64 sequestro esplênico........................................................................................................ 68 acidente vascular cerebral.............................................................................................. 69 priapismo........................................................................................................................ 71

Maria Stella Figueiredo CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ................................................................. 77 Jorge Carneiro e Yoná Murad ALTERAÇÕES RENAIS NAS DOENÇAS FALCIFORMES ....................................... 83 Sara T. O. Saad LESÕES OSTEOARTICULARES NA DOENÇA FALCIFORME ................................ 89 Sandra F. M. Gualandro ALTERAÇÕES OCULARES NA DOENÇA FALCIFORME ........................................ 97 Maria Tereza B. C. Bonanoni ÚLCERAS DE MEMBROS INFERIORES ................................................................. 105 Fernando Lopes Alberto e Fernando Ferreira Costa ALTERAÇÕES CARDIACAS .................................................................................. 113 Marcus Vinícius Simões COMPLICAÇÕES PULMONARES .......................................................................... 121 Sara T. O. Saad CIRURGIA E ANESTESIA ....................................................................................... 127 Valter R. Arruda GRAVIDEZ E CONTRACEPÇÃO ............................................................................. 135 Sandra F. M. Gualandro

Capítulo I

Considerações gerais

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Capítulo I

CONSIDERAÇÕES GERAIS A anemia falciforme é a doença hereditária monogênica mais comum do Brasil. A causa da doença é uma mutação de ponto (GAG->GTG) no gene da globina beta da hemoglobina, originando uma hemoglobina anormal, denominada hemoglobina S (HbS), ao invés da hemoglobina normal denominada hemoglobina A (HbA). Esta mutação leva à substituição de um ácido glutâmico por uma valina na posição 6 da cadeia beta, com consequente modificação físicoquímica na molécula da hemoglobina. Em determinadas situações, estas moléculas podem sofrer polimerização, com falcização das hemácias, ocasionando encurtamento da vida média dos glóbulos vermelhos, fenômenos de vasooclusão e episódios de dor e lesão de órgãos. Em geral, os pais são portadores assintomáticos de um único gene afetado (heterozigotos), produzindo HbA e HbS (AS), transmitindo cada um deles o gene alterado para a criança, que assim recebe o gene anormal em dose dupla (homozigoto SS). A denominação “anemia falciforme” é reservada para a forma da doença que ocorre nesses homozigotos SS. Além disso, o gene da HbS pode combinarse com outras anormalidades hereditárias das hemoglobinas, como hemoglobina C (HbC), hemoglobina D (HbD), beta-talassemia, entre outros, gerando combinações que também são sintomáticas, denominadas, respectivamente, hemoglobinopatia SC, hemoblobinopatia SD, S/beta-talassemia. No conjunto, todas essas formas sintomáticas do gene da HbS, em homozigose ou em combinação, são conhecidas como doenças falciformes. Apesar das particularidades que as distinguem e de graus variados de gravidade, todas estas doenças têm um espectro epidemiológico e de manifestações clínicas e hematológicas superponíveis. A doença originou-se na África e foi trazida às Américas pela imigração forçada dos escravos. No Brasil, distribui-se heterogeneamente, sendo mais freqüente onde a proporção de antepassados negros da população é maior (nordeste). Além da África e Américas, é hoje encontrada em toda a Europa e em grandes regiões da Ásia. No Brasil, a doença é predominante entre negros e pardos, também ocorrendo entre brancos. No sudeste do Brasil, a prevalência média de heterozigotos (portadores) é de 2%, valor que sobe a cerca de 6-10% entre negros. Estimativas, com base na prevalência, permitem estimar a existência

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de mais de 2 milhões de portadores do gene da HbS, no Brasil, mais de 8.000 afetados com a forma homozigótica (HbSS). Estima-se o nascimento de 7001.000 novos casos anuais de doenças falciformes no país. Portanto, as doenças falciformes são um problema de saúde pública no Brasil. Uma das características dessas doenças é a sua variabilidade clínica: enquanto alguns pacientes têm um quadro de grande gravidade e estão sujeitos a inúmeras complicações e freqüentes hospitalizações, outros apresentam uma evolução mais benigna, em alguns casos quase assintomática. Tanto fatores hereditários como adquiridos contribuem para esta variabilidade clínica. Entre os fatores adquiridos mais importantes está o nível sócio-econômico, com as conseqüentes variações nas qualidades de alimentação, de prevenção de infecções e de assistência médica. Três características geneticamente determinadas têm importância na gravidade da evolução clínica: os níveis de hemoglobina fetal (HbF), a concomitância de alfa-talassemia e os haplótipos associados ao gene da HbS. Os níveis de HbF estão inversamente associados com a gravidade da doença. Há cinco diferentes haplótipos associados ao gene da HbS, cada um recebendo o nome da região ou grupo étnico em que é mais prevalente: Senegal, Benin, Banto, Camarões e Árabe-Indiano. A doença falciforme associada aos haplótipos Senegal e Árabe-Indiano é muito mais benigna do que aquela associada aos demais haplótipos, enquanto há indícios de que a doença associada ao haplótipo Banto pode ser mais grave do que a forma associada ao haplótipo Benin. Como cada haplótipo é predominante em uma região da África ou da Ásia, a proporção de pacientes com os diversos haplótipos diverge nas diferentes regiões da América, segundo a origem étnica das populações negras: enquanto na América do Norte e no Caribe predomina o haplótipo Benin, seguido pelo Senegal e Banto em proporções semelhantes, no Brasil, predomina o haplótipo Banto seguido pelo Benin, sendo quase ausente o haplótipo Senegal. Uma das conseqüências deste fato é que a gravidade e a evolução clínica da doença falciforme, no Brasil, podem ser diversas daquelas observadas em outros países. De modo geral, além da anemia crônica, as diferentes formas de doenças falciformes caracterizam-se por numerosas complicações que podem afetar quase todos os orgãos e sistemas, com expressiva morbidade, redução da capacidade de trabalho e da expectativa de vida. Além das manifestações de anemia crônica, o quadro é dominado por episódios de dores osteoarticulares, dores abdominais, infecções e enfartes pulmonares, retardo do crescimento e maturação sexual, acidente vascular cerebral e comprometimento crônico de múltiplos orgãos, sistemas ou aparelhos.

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Devido ao encurtamento da vida média das hemácias, pacientes com doenças falciformes apresentam hemólise crônica que se manifesta por palidez, icterícia, elevação dos níveis de bilirrubina indireta, do urobilinogênio urinário e do número de reticulócitos. A contínua e elevada excreção de bilirrubinas resulta, frequentemente, em formação de cálculos de vesícula contendo bilirrubinato. Entretanto, diferente das outras anemias hemolíticas, pacientes com doenças falciformes não costumam apresentar esplenomegalia porque, repetidos episódios de vasooclusão determinam fibrose e atrofia do baço. A destruição do baço é a principal responsável pela suscetibilidade aumentada a infecções graves (septicemias). Sendo estas infecções a 1ª causa de morte em crianças menores de 5 anos. Como este estado de asplenia funcional pode ser documentado desde os três meses de idade, o diagnóstico precoce tem, pois, um papel central na abordagem dessas doenças, uma vez que podem ser tratadas adequadamente e as complicações evitadas ou reduzidas. Por se tratar de doenças crônicas e hereditárias, causam grande impacto sobre toda a família, que deve ser o foco da atenção médica. A abordagem adequada depende da colaboração de equipes multiprofissionais treinadas em centros de referência, da participação da família com a comunidade. Portanto, um programa voltado para as doenças falciformes deve incluir um forte componente de educação da comunidade e dos profissionais de saúde. Quando diagnosticadas precocemente e tratadas adequadamente com os meios disponíveis, no momento, e com a participação da família, a morbidade e mortalidade podem ser reduzidas expressivamente. O aconselhamento genético em um contexto de educação pode contribuir para reduzir sua incidência. Todas as ações do aconselhamento genético das doenças falciformes deverão considerar os referenciais da bioética na abordagem de uma doença genética.

Capítulo II

Fisiopatologia das doenças falciformes

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Capítulo II

FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS FALCIFORMES A anemia falciforme, doença genética que levou ao conceito de “doença molecular” (14), é caracterizada por anemia hemolítica crônica e fenômenos vasoclusivos que levam a crises dolorosas agudas e à lesão tecidual e orgânica crônica e progressiva. É causada pela substituição de adenina por timina (GAG->GTG), codificando valina ao invés de ácido glutâmico, na posição 6 da cadeia da Eglobina, com produção de hemoglobina S (HbS). Esta pequena modificação estrutural é responsável por profundas alterações nas propriedades físico-químicas da molécula da hemoglobina no estado desoxigenado. Estas alterações culminam com um evento conhecido como falcização, que é a mudança da forma normal da hemácia para a forma de foice, resultando em alterações da reologia dos glóbulos vermelhos e da membrana eritrocitária. O processo primário deste evento é a polimerização ou gelificação da desoxiHbS. Sob desoxigenação, devido à presença da valina na posição 6, estabelecem-se contatos intermoleculares que seriam impossíveis na hemoglobina normal. Estes contatos dão origem a um pequeno agregado de hemoglobina polimerizada. A polimerização progride, com adição de moléculas sucessivas de HbS à medida que a porcentagem de saturação de oxigênio da hemoglobina diminui. Os agregados maiores se alinham em fibras paralelas, formando um gel de cristais líquidos chamados tactóides (1,2). A falcização dos eritrócitos ocorre pela polimerização reversível da HbS dentro da célula, sob condições de desoxigenação. Sob completa desoxigenação formam-se células em forma de foice, clássicas da anemia falciforme. Sob desoxigenação parcial podem existir pequenas quantidades de polímeros sem anormalidades morfológicas visíveis. A quantidade de polímeros aumenta progressivamente com a desoxigenação, até que as células vermelhas assumem a forma de foice (7). Este fenômeno é reversível com a oxigenação, desde que a membrana da célula não esteja definitivamente alterada. Quando isto ocorre formam-se os eritrócitos irreversivelmente falcizados, que permanecem deformados independentemente do estado da HbS intracelular (5). As propriedades reológicas das células falciformes são determinadas pela

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extensão da polimerização da HbS (9,12). Os polímeros, por serem viscosos, diminuem a deformabilidade dos eritrócitos, diminuindo o seu trânsito através da microcirculação. Vários fatores influenciam o grau de polimerização da desoxiHbS nas células vermelhas: a porcentagem de HbS intracelular, o grau de desidratação celular, a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM), o tempo de trânsito dos glóbulos vermelhos na microcirculação, a composição das hemoglobinas dentro das células (% de HbS e % de Hb não-S), o pH, entre outros (1,2,13). Em geral, quanto maior a quantidade de HbS, mais grave é a doença. Os pacientes homozigóticos para HbS têm quadro clínico, em geral, mais grave do que os pacientes com hemoglobinopatia SC, SD, SOarab, etc. A associação com persistência hereditária de hemoglobina fetal confere melhor prognóstico à doença. A desidratação celular aumenta a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM), facilitando a falcização, por aumentar a possibilidade de contato entre as moléculas de HbS. A associação entre HbS e talassemia, que tende a reduzir a CHCM, pode associar-se a quadros clínicos menos graves, em alguns casos. O espaço de tempo durante o qual a HbS permanece desoxigenada também é importante. A polimerização aumenta com qualquer aumento do tempo de trânsito dos eritrócitos através da microcirculação(1,2,13). Assim, existe maior tendência à falcização nos locais do organismo onde a circulação, através dos sinusóides, é lenta, como acontece por exemplo no baço. A presença de outras hemoglobinas dentro da célula influencia a falcização porque exerce um efeito de diluição, diminuindo a oportunidade de contato entre as moléculas de desoxiHbS. A influência sobre a polimerização da HbS varia com o tipo de hemoglobina não-S que está presente dentro da célula (13). A hemoglobina que menos participa do polímero é a hemoglobina fetal. Quanto maior é a porcentagem de hemoglobina fetal, menor é a polimerização da HbS. Clinicamente, níveis elevados de hemoglobina fetal associam-se à menor gravidade da doença. A acidose, por sua vez, diminui a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, aumentando a polimerização, através do aumento da quantidade de desoxiHbS dentro da célula. Além do distúrbio na deformabilidade celular, que altera as propriedades de fluxo das células vermelhas na microcirculação, a polimerização da HbS causa também alterações na membrana celular. Após repetidos episódios de

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falcização e desfalcização, as células falciformes tendem a perder K+ e água, tornando-se desidratadas. Isto resulta em aumento da concentração da hemoglobina corpuscular média (CHCM) com provável aumento na polimerização. A membrana da célula vermelha torna-se alterada, assumindo uma conformação rígida e anormal, constituindo as células irreversívelmente falcizadas (5). Como resultado da polimerização da HbS, do aumento da CHCM e das alterações de membrana, os eritrócitos são sequestrados e prematuramente destruídos pelo sistema monocítico fagocitário. A destruição aumentada de eritrócitos, levando à anemia hemolítica crônica, é uma manifestação clínica importante das doenças falciformes. A ausência de anemia ao nascimento e seu início, acompanhando a queda de hemoglobina fetal pós-natal e a síntese de HbS, indicam que a falcização é necessária para a indução das anormalidades celulares responsáveis pela destruição dos glóbulos vermelhos. A acentuada variação nos graus de anemia entre os pacientes e, às vezes no mesmo paciente ao longo do tempo, sugere que múltiplos mecanismos estão envolvidos na remoção das hemácias da circulação. A redução dos valores da hemoglobina e do hematócrito, associada ao aumento do número de reticulócitos e à diminuição da vida média dos eritrócitos, são alterações presentes nas anemias hemolíticas e estão presentes nas doenças falciformes. Outras alterações laboratoriais indicativas de hemólise aumentada também ocorrem: aumento de bilirrubina indireta, aumento de desidrogenase lática e diminuição da haptoglobina. A hemólise ocorre por destruição extravascular e intravascular dos eritrócitos. A contribuição precisa de cada mecanismo ainda não está bem estabelecida. O mecanismo dominante é a hemólise extravascular, que decorre do reconhecimento e fagocitose das células vermelhas que sofreram falcização e/ou lesão oxidação-induzida da membrana celular. A hemólise intravascular, estimada em um terço da hemólise total, provavelmente decorre da lise dos eritrócitos falciformes complemento-induzida e da fragmentação celular (3,6). A falcização tem um papel fundamental na indução das anormalidades celulares responsáveis tanto pela hemólise intravascular quanto pela extravascular. Existe forte correlação entre a porcentagem de células irreversivelmente falcizadas, que constituem uma subpopulação de células densas, desidratadas e a taxa de hemólise (11). As evidências de que a população de células densas exibe níveis aumentados de imunoglobulinas ligadas à superfície, levando ao seu reconhecimento pelos monócitos e macrófagos e de que estas células são mais sensíveis à lise pelo complemento e fragmentação mecânica, dá suporte à hipótese

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de que esta subpopulação de glóbulos vermelhos exerce um papel chave na hemólise da anemia falciforme (3,4,15) . Estes são os eventos que constituem a base para o encurtamento da vida média dos eritrócitos, com conseqüente anemia hemolítica, e para a oclusão da microcirculação com isquemia e eventual infarto tecidual, que resulta em lesão orgânica crônica e em crises dolorosas agudas, manifestações mais típicas das doenças falciformes.

Referências Bibliográficas 1- EATON WA, HOFRICHTER J. Hemoglobin S gelation and sickle cell disease. Blood, v. 70, p. 1245-1266, 1987. 2- EATON WA, HOFRICHTER J. Sickle cell hemoglobin polimerization. Advances in Protein Chemistry, v. 40, p. 263-269, 1990. 3- GALILI U, CLARK MR, SHOEHT SB. Excessive binding of natural anti-alpha galactosyl immunoglobulin G to sickle cell erythrocytes may contribute to extravascular destruction. J Clin Invest, v.77, p. 27-33,1986. 4- GREEN GA. Autologous IgM, IgA and complement binding to sickle erythrocytes in vivo. Evidence for existence of dense sickle cells subsets. Blood, v. 82, p. 985-992, 1993. 5- HEBBEL RP. Beyond hemoglobin polimerization the red blood cell membrane and sickle disease pathophysiology. Blood, v.77, p. 214237, 1991. 6- HEBBEL RP, MILLER WJ. Phagocytosis of sickle erythrocytes: immunologic and oxidative determinants of hemolytic anemia. Blood , v. 64, p. 733-739, 1984. 7- HORIUCHI K, BALLAS SK, ASAKURA T. The effect of deoxygenation rate on the formation of irreversibly sickled cells. Blood, v. 71, p. 46-51, 1988. 8- INGRAM VM. A specific chemical difference between the globins of normal human and sickle-cell hemoglobin. Nature, v. 178, p. 792-794, 1956. 9- MACKIE LH, HOCHMUTH RM. The influence of oxygen tension, temperature and hemoglobin concentration on the rheologic properties of sickle erythrocytes. Blood, v. 76, p. 1246-1261, 1990. 10- MAROTTA CA, WILSON JT, FORGET BG, WEISSMAN SM. Human b-globin messenger RNA. J Biol Chem, v. 252, p. 50405051. 11. MCCURDY PR, SHERMAN AS. Irreversibly sickled cells and red cell survival in sickle cell anemia: a study with both DF32P and 51Cr. Amer J Med, v. 64, p. 253-260, 1978. 12- MOHANDAS N, EVANS E. Rheological and adherence properties of sickle cells. Potencial contribution to hematologic manifestations of the disease. Ann NY Acad Sci, v. 565, p. 327-337, 1989. 13- NOGUCHI CT. Polymerization in erythrocytes containing S and non-S hemoglobins. Biophys J, v. 45, p. 1154-1158, 1984. 14- PAULING L, ITANO HA, SINGER SL, WELLS IC. Sickle-cell anemia, a molecular disease. Science, v. 110, p. 543-548, 1949. 15- TEST ST, KLEMAN K, LUBIN B. Characterization of the complement sensitivity of density-fractionated sickle cells. Blood v. 78(suppl1), p. 202a, 1991.

Capítulo III

Diagnóstico laboratorial das doenças falciformes em neonato e após sexto mês de vida

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Capítulo III

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS DOENÇAS FALCIFORMES EM NEONATOS E APÓS SEXTO MÊS DE VIDA Doença Falciforme é um termo genérico usado para determinar um grupo de alterações genéticas caracterizadas pelo predomínio da hemoglobina S (Hb S). Essas alterações incluem a anemia Falciforme (Hb SS), as duplas heterozigoses, ou seja, as associações de Hb S com outras variantes de hemoglobinas, tais como, Hb D, Hb C, e as interações com talassemias (Hb S/ E° talassemia, Hb S/E+ talassemia, Hb S/D talassemia). As síndromes falciformes incluem ainda o traço falciforme (HbAS) e a anemia falciforme associada à persistência hereditária de hemoglobina fetal (HbS/PHHF) Os principais aspectos do diagnóstico diferencial das síndromes falciformes encontram-se descritos na tabela1. TABELA 1 - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS SÍNDROMES FALCIFORMES SÍNDROMES FALCIFORMES

HEMOGLOBINAS PRESENTES

%HbA2

VCM

HEMÓLISE E CRISES DE FALCIZAÇÃO

Hb SS

S, F, A2

Normal

Normal

Presente

HbSߺ tal

S, F, A2

Aumentada

Diminuído

Presente

HbSß+ tal

S, F, A2, A(10-30%)

Aumentada

Diminuído

Presente

Hb S//ß

S, F, A2

Normal ou Diminuída

Diminuído

Presente

Hb SS/, tal

S, F, A2

Normal

Normal ou Diminuído

Presente

Hb SC

S, F, C, A2

Normal

Normal

Presente

Hb SD

S, F, D, A2

Normal

Normal

Presente

Hb S/ PHHF

S, F, A2

Normal

Normal

Ausente

Hb AS

A (maior que 60%), S, F, A2

Normal

Normal

Ausente

A detecção efetiva das diversas formas de Doenças Falciformes requer diagnóstico preciso, baseado principalmente em técnicas eletroforéticas, hemograma e dosagens da hemoglobina Fetal. Nos casos de associação da Hb S

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com variantes de hemoglobinas, como por exemplo a Hb C, a associação de técnicas eletroforéticas alcalina e ácida é decisiva para o correto diagnóstico. Entretanto, há casos em que o padrão eletroforético da anemia falciforme é similar ao de associações entre Hb S/ E tal., Hb S/ GE tal. e Hb S/ PHHF (Persistência Hereditária de Hemoglobina Fetal). Nessas situações as análises laboratoriais devem ser muito precisas. Quantificações de hemoglobina A2 e Fetal podem ajudar a distinguir estas alterações. Em geral a Hb A2 está aumentada, acima de 3,5% nos casos de associações com E° tal. e diminuída em pacientes com Hb S/GE. Os valores dos índices hematimétricos são fundamentais na conclusão dos resultados. Nos casos de suspeita de associação com PHHF, a pesquisa de distribuição intraeritrocitária de Hb Fetal nos pais deverá ser realizada. A associação de doenças falciformes com alfa-talassemia é muito comum, podendo atingir cerca de 20% da população. O diagnóstico só é possível por técnicas de genética molecular como reação em cadeia pela polimerase (PCR) e southern blotting. O VCM e HCM podem estar reduzidos. Programas preventivos para hemoglobinopatias, principalmente para Doenças Falciformes, devem levar em consideração a população analisada, a melhor forma de coleta das amostras e da resposta ao programa, visando reduzir a mortalidade dos doentes com Doenças Falciformes. Além disso, o correto aconselhamento genético e educacional, e o acompanhamento dos casos diagnosticados, poderão auxiliar sobremaneira a diminuição da morbidade e mortalidade. Para tanto é fundamental o auxílio dos órgãos oficiais de saúde, treinamento de pessoal capacitado para diagnóstico e aconselhamento genético/ educacional dos portadores e casais de risco. Para o diagnóstico neonatal utiliza-se geralmente o sangue de cordão umbilical, e nesta fase devemos nos lembrar dos componentes hemoglobínicos do neonato, onde predominam as produções de cadeias D e J, e ao nascimento encontramos as seguintes hemoglobinas em uma criança com hemoglobinas normais: Hb Fetal (D2J2) 90 a 100%; Hb A (D2E2) 0 a 10% e Hb A2 (D2G2) 0 a 1%. Após o nascimento e até aproximadamente 6 meses de vida haverá a inversão na produção das cadeias J e E, podendo ser observados, após este período, os valores definitivos do indivíduo adulto: Hb A (D2E2) 96-98%; Hb A 2 (D2G2) 2,5 a 3,4%; Hb F (D 2J 2) 0-2%. Em estudos com neonatos, principalmente para as alterações de hemoglobina que envolvam a cadeia beta, como é o caso das falcemias, só encontraremos traços das hemoglobinas anormais e os traçados eletroforéticos característicos após o sexto mês de vida. Para os programas preventivos de Doenças Falciformes, utilizam-se as eletroforeses alcalina e ácida. Os testes de solubilidade para a triagem de Doenças

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Falciformes são desaconselhados, tendo em vista que através deles não podemos distinguir indivíduos AS, SS ou SC, além disso, em neonatos estes testes costumam apresentar-se negativos devido à pequena concentração da Hb S. Entretanto, podem ser utilizados como testes de confirmação da Hb S após eletroforese alcalina. Os resultados falsos positivos ou falso negativos obtidos em análises de sangue de neonatos se devem geralmente a problemas de coleta, baixa resolução do processo eletroforético e erro técnico na interpretação. A técnica de Focalização Isoelétrica fornece subsídios para diagnóstico mais seguro podendo facilmente ser adaptada a triagens populacionais. Neste método as hemoglobinas são separadas de acordo com seu ponto isoelético (P.I.) em um gradiente de pH estável estabelecido por meio de uma mistura de anfólitos com valores de pH estreitamente distribuídos sobre uma faixa de variação específica. Durante o processo de Focalização as hemoglobinas migram até a posição onde ocorra a identificação de seu P.I. com o gel, e assim a hemoglobina poderá ser visualizada como uma banda muito nítida. Como cada hemoglobina possui seu P.I. específico, as identificações de variantes menos comuns como D, E, G e outras ficam bastante facilitadas. As frações de Hb S ou outras variantes em neonatos, são facilmente visualizadas por este método. A interpretação baseia-se em mapa de migração das frações como o que pode ser observado na figura 1. Figura 1. Representação esquemática do traçado eletroforético das principais hemoglobinas encontradas em nossa população por focalização isoelétrica H

pI 6,98

A F

pI 7,20

pI 7,42

D S E A2 C

É importante lembrar que os neonatos diagnosticados como possíveis portadores de Doenças Falciformes deverão ser reavaliados laboratorialmente após o sexto mês de vida, e o estudo familiar dos possíveis casos deverão ser

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realizados. Nas associações de Hb S com talassemias a quantificação de hemoglobinas A2 e Fetal são fundamentais para elucidar o diagnóstico laboratorial, cujas variações quantitativas podemos observar na tabela 1. Para o diagnóstico de Doenças Falciformes, sugerimos a seguinte metodologia: - Eletroforese alcalina em acetato de celulose - Eletroforese ácida em agar ou agarose - Teste de solubilidade - Dosagem de Hemoglobina Fetal - Dosagem de Hemoglobina A2 - Hemograma completo Focalização isoelétrica pode ser utilizada para testes de triagem. As figura 2 e 3 representam os traçados eletroforéticos das alterações mais freqüentes em nossa população e que poderiam ser identificados em neonatos e após o sexto mês de vida, por eletroforese alcalina, respectivamente. Figura 2. Representação esquemática do padrão eletroforético Em pH alcalino de neonatos

A F S A2 + AA

RN AA

RN AS

RN SS

RN S/ßo tal

RN S/ß+ tal

RN AC

RN S/C

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Figura 3. Representação esquemática da eletroforese de hemoglobinas em pH alcalino. Padrão do indivíduo adulto.

A

+

F

S

A 2/C AA

AS

SS

S/ßo tal

S/ß+ tal

AC

SC

-

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Capítulo IV

Heterozigose para hemoglobinas (traço falciforme)

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Capítulo IV

HETEROZIGOSE PARA HEMOGLOBINAS (Traço falciforme) A heterozigose para hemoglobina S define uma situação relativamente comum, mas clinicamente benigna em que o indivíduo apresenta na eletroforese de hemoglobina (EFHb) as hemoglobinas A e S (indivíduo AS, heterozigoto). Sua prevalência varia enormemente nas diferentes regiões do globo e atinge valores máximos nos países da África equatorial, Arábia, Índia, Turquia, Grécia e Itália. Nos EUA, assim como no Brasil, análises de grande número de indivíduos da população negra revelaram prevalências variáveis de 6,7% a 10,1%. O nível de Hb S também é variável nas diferentes populações e usualmente está abaixo de 45% (e sempre abaixo de 50%), com valores ainda menores quando há concomitância de alfa talassemia, condição genética também comum nas diferentes populações oriundas da África. Os níveis de Hb F estão geralmente dentro da faixa da normalidade. Considerando-se a relação entre concentração de Hb S, polimerização das moléculas de Hb e o comprometimento clínico nas síndromes falciformes mais graves, seria razoável admitir uma correlação entre o nível de Hb S e complicações no indivíduo AS. Entretanto a imensa maioria dessas pessoas não apresenta conseqüências clínicas adversas, não existindo dados disponíveis para o estabelecimento de relação causal para determinada complicação rara que possa ocorrer. Em linhas gerais, a associação de determinada situação clínica com traço falciforme requer que a frequência dessa complicação seja significativamente maior no fenótipo AS em relação ao AA, ou ainda que num grupo de casos com uma complicação específica, a freqüência de heterozigose para Hb S seja significativamente maior do que ocorre na população geral. Ainda assim pode não haver um papel causal daquele fenótipo na gênese da complicação. Do ponto de vista hematológico, as contagens globais e a morfologia do eritrócito são normais. Também a sobrevida da hemácia é normal. Portanto os indivíduos não apresentam anemia ou hemólise (4,6).

Anormalidades associados à heterozigose para hemoglobinopatia S Alguns estudos populacionais e pelo menos um grande estudo controlado não revelaram mortalidade aumentada, nem causas específicas de mortalidade

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devidas a heterozigose AS. No entanto, esse aspecto é polêmico e a literatura contém numerosos relatos de casos de doenças, condições anormais ou riscos associados ao fenótipo AS, sem muitas vezes ficar clara uma associação causal, devendo as condições clínicas coexistentes serem analisadas com cautela. Além disso, pouco se sabe para cada uma das condições descritas abaixo, qual o papel de medidas tidas como preventivas. a) Infarto esplênico associado à hipóxia em elevadas altitudes. Existem alguns relatos na literatura de indivíduos com fenótipo AS que desenvolveram essa complicação associada à altitude acima de 3 200 m ou em aeronaves com cabines despressurizadas. Com a introdução da pressurização das cabines não mais foram relatados casos semelhantes. O exercício físico em grandes altitudes também parece contribuir para essa complicação (4,5,6,). b) Morte súbita Em estudo retrospectivo envolvendo 2 milhões de recrutas americanos foi observado um risco 28 vezes maior de morte súbita nos indivíduos AS quando comparados aos negros AA. O risco relativo foi maior nos períodos de treinamento e aumentou com a idade do recruta. As causas de morte não foram únicas e incluíram com maior freqüência acidente vascular cerebral (AVC), hipertemia, ou rabdomiólise associada ao exercício, com necrose tubular renal aguda (3,6). É pertinente lembrar que embora estatisticamente aumentado, esse risco não é elevado se comparado ao número total de recrutas AS submetidos as risco. Além disso apenas raríssimos casos semelhantes foram descritos em populações de indivíduos AS não pertencentes a quadros militares. c) Complicações renais Alterações na capacidade de concentração urinária são descritas em grande parcela dos indivíduos AS, embora outros aspectos da função renal como secreção de ácidos e potássio sejam normais (2,4,6). Hematúria microscópica é outra complicação rara (o que torna mandatória investigação de outras causas mais comuns de hematúria), porém descrita nesse grupo de indivíduos. Sua etiologia é obscura e o quadro é geralmente auto-limitado, embora mais raramente possa apresentar-se de forma grave. Bacteriúria assintomática é significativamente mais frequente em mulheres AS tanto durante a gravidez (nesse caso traduzindose em maior frequência de pielonefrites) quanto no período não gravídico. Aparentemente o mesmo não acontece no sexo masculino. d) Outras complicações Existem alguns indícios de que indivíduos AS poderiam estar submetidos

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a um maior risco de desenvolvimento de glaucoma após hemorragia de câmara anterior secundária a trauma (4,6) . Também um número significativamente maior de embolia pulmonar foi encontrado em estudo destinado a comparar a morbidade e mortalidade em homens AS negros com AA. Alterações ósseas e articulares foram descritas em indivíduos hetererozigotos para hemoglobina S, porém com a ressalva de que outras etiologias possíveis existiam em alguns doentes. Além disso, estudos controlados não conseguiram demonstrar uma maior incidência de eventos nessa população (4,6). e) Anestesia e cirurgia Aparentemente não há maior incidência de complicações nos indivíduos AS submetidos à anestesia e cirurgia (1,4,6). Entretanto, como em qualquer outro indivíduo, durante estes procedimentos deve-se evitar hipóxia, acidose e desidratação. A heterozigose para hemoglobina S tem elevada prevalência em várias populações humanas, porém com comportamento clínico extremamente benigno traduzido em poucas complicações identificáveis e ausência de alterações hematológicas. Portanto, o seguimento clínico desses indivíduos deve ser realizado de maneira idêntica à da população AA, uma vez que frequentemente estarão expostos aos mesmos problemas médicos.

Referências Bibliográficas 1-ATLAS SA. Sickle cell trait and surgical complications. A matched-pair patient analysis. Jama, v. 229, p. 1078-1080, 1974 2-GUPTA AK, KIRCHNER KA, NICHOLSON R. Effects of alta-thalassemia and sickle polymerization tendency on the urine concentrating defect of individuals with sickle cell trait. J Clin Invest, v. 88, p. 1963-1968, 1991 3-KARK JA, POSEY DM, SCHU, ACHER HR, RUEHLE CJ. Sickle cell trait as a risk factor for sudden death in ´physical training. N Engl J Med, v. 317, p. 781-788, 1987 4-SEARJEANT GR. Sickle cell disease.Oxford, Oxford University Press., p. 415-424, 1992. 5-SEARS DA. The morbidity of sickle cell trait. A review of the literature. Am J Med, v.64, p. 1021-1036, 1978 6- SEARS DA. Sickle cell trait in Sickle cell disease: basic principles and clinical practice. In: EMBURY SH, HEBBEL RP, MOHANDAS N, STEINBERG MH ed. New York, Ravem Press, p. 381-394, 1994

Capítulo V

Aconselhamento genético

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Capítulo V

ACONSELHAMENTO GENÉTICO Introdução As pessoas que apresentam risco de gerar filhos com síndromes falciformes têm o direito de serem informadas, através do aconselhamento genético, a respeito dos aspectos hereditários e demais conotações clínicas dessas doenças. O aconselhamento genético não é, portanto, um procedimento opcional ou de responsabilidade exclusiva do geneticista, mas um componente importante da conduta médica, sendo a sua omissão considerada uma falha grave. Por outro lado, o aconselhamento genético apresenta importantes implicações psicológicas, sociais e jurídicas, acarretando um alto grau de responsabilidade às instituições que o oferecem. Assim sendo, é imprescindível que ele seja fornecido por profissionais habilitados e com grande experiência, dentro dos mais rigorosos padrões éticos. Tendo em vista o caráter prático do presente manual, serão apresentados a seguir os principais itens relacionados ao aconselhamento genético, que merecem ser discutidos com os profissionais médicos e paramédicos envolvidos com a orientação de portadores de doenças falciformes e seus familiares.

Objetivo O objetivo básico do aconselhamento genético é o de permitir a indivíduos ou famílias a tomada de decisões conscientes e equilibradas a respeito da procriação (7). Trata-se, portanto, de um objetivo primordialmente assistencial, que pode ter ou não conseqüências preventivas ou eugênicas. Os indivíduos são conscientizados do problema, sem serem privados do seu direito de decisão reprodutiva. Para que isso possa ocorrer, é fundamental que o profissional que atue em aconselhamento genético assuma uma postura não diretiva e não coerciva e discuta com os clientes vários aspectos além do risco genético em si, tais como o tratamento disponível e a sua eficiência, o grau de sofrimento físico, mental e social imposto pela doença, o prognóstico, a importância do diagnóstico precoce, etc. Suponha-se, a título de exemplo, um casal de heterozigotos que recebeu o aconselhamento genético e que, após algum tempo, retornou ao serviço, trazendo uma outra criança recém-nascida, para exame laboratorial. Pode-se dizer, nesse caso, que o aconselhamento genético atingiu o seu objetivo, pois o

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casal estava consciente do risco de ter um filho com doença falciforme, bem como da importância do diagnóstico precoce e do início do tratamento antes dos seis meses de idade.

Diagnóstico preciso O aconselhamento genético não pode estar baseado em hipóteses diagnósticas. No caso das doenças falciformes, é preciso estabelecer previamente se o paciente é um homozigoto SS, ou um heterozigoto SC ou SE - talassêmico, por exemplo. O exame laboratorial de ambos os genitores sempre é conveniente, sobretudo nos casos de SE° talassemia. A hemoglobina S deve ser sempre confirmada e diferenciada de outras hemoglobinas anômalas mais raras, que apresentam a mesma migração eletroforética em pH alcalino. Os pacientes SS que receberam transfusão sangüínea recente não devem ser confundidos, ao exame eletroforético, com portadores heterozigotos do traço falciforme.

Quando fornecer o aconselhamento genético Ele deve ser dado, de preferência, sempre que solicitado. No entanto, como parte da responsabilidade médica, ele pode ser oferecido sempre que houver a possibilidade do cliente tomar uma decisão consciente e equilibrada a respeito da procriação, a partir das informações fornecidas (9). Assim sendo, não faz sentido fornecê-lo a pacientes que já passaram da idade reprodutiva ou que fizeram laqueadura de trompas ou vasectomia, a crianças, a portadores de condições clínicas que afetam a sua capacidade reprodutiva, na vigência de conflitos emocionais sérios ou distúrbios mentais, bem como a pacientes que não estão interessados em recebê-lo.

Habilidade de comunicação Vários aspectos da transferência de informações devem ser levados em consideração no aconselhamento genético, incluindo-se a receptividade, tanto emocional quanto intelectual, dos indivíduos orientados (4). Uma técnica que fornece bons resultados em pacientes com baixo nível de instrução é a do jogo de cartões, marcados com as letras A e S. Os cartões com a letra S podem ser menores (para conceituar recessividade) e de cor diferente (para conceituar anormalidade). Explica-se para os aconselhandos que cada genitor possui um conjunto de dois fatores (exemplo: pai AS e mãe AS) e, no momento de gerar a criança, cada um fornece ao acaso um dos seus fatores à mesma. Trabalhando com os cartões, são expostos aos clientes as combinações possíveis (AA, AS, AS e SS). Dessa forma, conceitos abstratos, de difícil explicação, como transmissão de genes, dominância e recessividade, probabilidade, etc,

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são trabalhados como elementos concretos e visualizáveis, em um processo lúdico extremamente simples, que traduz a verdade dos fatos. Para testar o aprendizado dos clientes (assimilação de conceitos), eles podem ser convidados a resolver algumas situações hipotéticas, trabalhando eles mesmos com os cartões (por exemplo: como poderão ser os filhos de casais AS x AA, AS x SS, AA x SS, SS x SS, etc.). Outra providência útil é a de fornecer aos clientes, após o aconselhamento, uma cartilha de reforço das informações, na qual as doenças falciformes são descritas em linguagem simples, com muitas ilustrações didáticas.

Aspectos psicológicos e sociais Embora o médico geralmente mostre bastante interesse e empatia nas consultas de aconselhamento genético, ele raramente conhece o seu aconselhando na profundidade necessária para identificar alguns dados sociais e psicológicos desse cliente que podem distorcer, ou mesmo invalidar, o seu trabalho de aconselhamento. Além disso, o próprio processo de aconselhamento genético pode provocar reações emocionais e distúrbios psicossociais, que merecem ser reconhecidos e tratados. Por isso, o programa ideal de aconselhamento genético deve contar, sempre que possível, com a participação de profissionais paramédicos, sobretudo psicólogos e assistentes sociais.

Aspectos éticos e legais O aconselhamento genético, como todos os outros procedimentos de genética humana, baseia-se em cinco princípios éticos básicos: autonomia, privacidade, justiça, igualdade e qualidade (3). O princípio da autonomia estabelece que os testes genéticos devem ser estritamente voluntários, levando ao aconselhamento apropriado e a decisões absolutamente pessoais. O princípio da privacidade determina que os resultados dos testes genéticos de um indivíduo não podem ser comunicados a nenhuma pessoa sem o seu consentimento expresso, com exceção de seus responsáveis legais. O princípio da justiça garante proteção aos direitos de populações vulneráveis, tais como crianças, pessoas com retardamento mental ou problemas psiquiátricos ou culturais especiais. O princípio da igualdade rege o acesso igual aos testes, independentemente de origem geográfica, raça e classe socioeconômica. Finalmente, o princípio da qualidade assegura que todos os testes oferecidos devem ter especificidade e sensibilidade adequadas, sendo realizados em laboratórios capacitados e com monitoração profissional e ética. As instituições que oferecem o aconselhamento genético devem garantir o sigilo dos diagnósticos e arquivar a documentação dos seus clientes em local privado e seguro.

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Diagnóstico pré-natal A análise direta do DNA pelas técnicas modernas de genética molecular permite atualmente o diagnóstico rápido e eficiente do gene da hemoglobina S no embrião, no início da gravidez. No entanto, apesar de legalizada em vários países, a interrupção da gestação de portadores de doenças falciformes ainda é um assunto polêmico, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a talassemia maior, cujo abortamento é, em geral, aceito com menos controvérsias nesses países (6). No Brasil, o abortamento de portadores de hemoglobinopatias hereditárias não é contemplado com a isenção penal. Assim sendo, a discussão desse assunto em nosso meio ainda é prematura, já que o diagnóstico pré-natal não oferece, em termos de diagnóstico precoce, qualquer vantagem sobre o diagnóstico neonatal das doenças falciformes.

Triagem populacional Os programas comunitários de hemoglobinopatias hereditárias têm sido incentivados pela Organização Mundial da Saúde, possibilitando o diagnóstico de doentes, a identificação de casais de risco, constituídos por dois heterozigotos, bem como o reconhecimento e a orientação genética de heterozigotos. Quando bem controlados e realizados dentro das normas éticas, tais programas geralmente oferecem bons resultados. Assim, por exemplo, alguns programas-modelo desse tipo foram testados no Brasil, com a participação voluntária dos indivíduos, após ampla divulgação do problema na comunidade (1, 8, 11). Da mesma forma, a triagem de recém-nascidos, acompanhada do aconselhamento genético dos pais dos doentes, também oferece benefícios indiscutíveis. Já a triagem de heterozigotos para fins de orientação genética requer cuidados éticos especiais, por envolver o risco de rotulação, discriminação, estigmatização, invasão de privacidade e perda de auto-estima desses indivíduos (5). Teoricamente, o ideal seria fornecer a orientação genética a jovens com a maturidade suficiente para assimilá-la, mas que ainda não tivessem estabelecido vínculos reprodutivos. No entanto, alguns estudos de avaliação dos efeitos da orientação genética têm demonstrado que, na prática, ela tem pouca influência na escolha do futuro cônjuge (10). O programa nacional de triagem da anemia falciforme implantado nos EUA na década de 70 e, posteriormente, extinto teve efeitos indesejáveis e logo se tornou foco de disputas políticas e raciais. As principais falhas desse programa foram a obrigatoriedade da triagem genética, a confusão entre o traço falciforme e a anemia falciforme, a falta de infra-estrutura para o fornecimento de aconselhamento genético adequado e a ausência de sigilo médico (8). Por isso,

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nunca é demais salientar as recomendações éticas que devem ser observadas nos programas populacionais de hemoglobinopatias, dentre as quais merecem destaque a participação voluntária dos indivíduos, a orientação genética individualizada, a garantia de absoluto sigilo médico e a ausência de conotação financeira, política, racial ou eugênica dos programas (2).

Referências Bibliográficas 1- COMPRI M B, POLIMENO NC, STELLA MB, RAMALHO AS. Programa comunitário de hemoglobinopatias hereditárias em população estudantil brasileira. Revista de Saúde Pública, v. 30 (2), p. 187-195, 1996 2- CREMESP - Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Código de Ética Médica, São Paulo, p. 117-124, 1996 3- KNOPPERS BM, CHADWICK R. The human genome project: under an international ethical microscope. Science, v. 265, p. 2035-2036, 1994 4- NORA JJ, FRASER C. Genética Médica, 2ª ed., Rio de Janeiro, Editora Guanabara - Koogan, p. 364-372, 1995 5- PAIVA E SILVA RB, RAMALHO AS. Riscos e benefícios da triagem genética: O traço falciforme como modelo de estudo em uma população brasileira. Cadernos Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 13(2), p. 37 - 45, 1997 6- PAIVA E SILVA RB, RAMALHO AS. Prenatal diagnosis of sickle cell anemia. Perceptions of professionals and patients. Revista Brasileira de Genética, v.16, p. 1049 - 1057, 1993 7- RAMALHO AS. As hemoglobinopatias hereditárias. Um problema de Saúde Pública no Brasil. Ribeirão Preto, Editora da Sociedade Brasileira de Genética, p. 119 - 128, 1986 8- RAMALHO AS, TEIXEIRA RC, COMPRI MB, STELLA MB, POLIMENO NC. Implantação de programas de hemoglobinopatias hereditárias no Brasil: análise crítica a partir de projetos-piloto coordenados pela UNICAMP. Revista da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, v. 5 (2), p. 15 - 19, 1995 9- RAMALHO AS, BERTUZZO CS, PAIVA E SILVA RB. Aconselhamento Genético. Medical Master: Anais de Atualização Médica, Vol. 2, Tomo III, Campinas, Editora Unieme, p. 209 - 213, 1996 10-SERRA HG, MARTINS CSB, PAIVA E SILVA RB, RAMALHO AS. Evaluation of genetic counseling offered to Brazilian carriers of the beta-thalassemia trait and to their relatives. Revista Brasileira de Genética, v. 18, p. 365 - 370, 1995 11-TEIXEIRA RC, RAMALHO AS. Genetics and Public Health: response of a Brazilian population to an optional hemoglobinopathy program. Revista Brasileira de Genética, v. 17, p. 435 - 438, 1994

Capítulo VI

Medidas gerais para tratamento das doenças falciformes

Capítulo VI

MEDIDAS GERAIS PARA TRATAMENTO DAS DOENÇAS FALCIFORMES Não há tratamento específico das doenças falciformes. Assim, medidas gerais e preventivas no sentido de minorar as conseqüências da anemia crônica, crises de falcização e susceptibilidade às infecções são fundamentais na terapêutica destes pacientes. Estas medidas incluem boa nutrição; profilaxia, diagnóstico e terapêutica precoce de infecções; manutenção de boa hidratação e evitar condições climáticas adversas. Além disso, acompanhamento ambulatorial 2 a 4 vezes ao ano e educação da família e paciente sobre a doença são auxiliares na obtenção de bem-estar social e mental. Assim, o paciente deve identificar o médico e centro de atendimento onde será feito o acompanhamento da doença e visitas a mútiplos centros devem ser desencorajadas. Os avanços na prevenção de infecções e crises de falcização têm proporcionado uma maior sobrevida aos pacientes, de modo que, a longo prazo, a manutenção da boa qualidade de vida é essencial para os indivíduos com doenças falciformes e deve ser objetivo dos profissionais que tratam destes pacientes. É importante também orientar pacientes e mães da necessidade de procurar tratamento médico sempre que ocorrer febre persistente acima de 38,3ºC; dor torácica e dispnéia; dor abdominal, náuseas e vômito; cefaléia persistente, letargia ou alteração de comportamento; aumento súbito do volume do baço; priapismo. Exames de rotina como, urina I, protoparasitológico, R-X de tórax, eletrocardiograma e se possível ecocardiograma, creatinina e clearance, eletrólitos, ultra-som de abdome, proteinúria, provas de função hepática e visita ao oftalmologista com pesquisa de retinopatia devem ser realizados anualmente e repetidos sempre que necessário. Hemograma deve ser realizado pelo menos duas vezes ao ano, pois redução nos níveis basais de hemoglobina podem indicar insuficiência renal crônica ou crise aplástica

Hidratação Desidratação e hemoconcentração precipitam crises vasooclusivas. Por outro lado, indivíduos com doença falciforme são particularmente susceptíveis à desidratação devido à incapacidade de concentrar a urina com conseqüente

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perda excessiva de água. Assim, a manutenção de boa hidratação é importante, principalmente durante episódios febris, calor excessivo, ou situações que cursem com diminuição do apetite. Para indivíduos adultos, recomenda-se a ingestão de pelo menos 2 litros de líquido por dia, na forma de água, chá, sucos ou refrigerantes, quantidade esta que deve ser aumentada prontamente nas situações acima citadas (1,4,7,8).

Profilaxia contra infecções 1) Penicilina Profilática Penicilina profilática previne 80% das septicemias por S. pneumoniae (Pneumococo) em crianças com anemia falciforme até 3 anos de idade (2). O impacto da profilaxia é enorme e deve ser iniciado aos 3 meses de idade para todas as crianças com doenças falciformes (SS, SC, SE). A terapêutica deve continuar até 5 anos de idade. Pode-se utilizar a forma oral (Penicilina V) ou parenteral (Penicilina benzatina), na seguinte posologia: a) Penicilina V • 125mg VO (2 vezes ao dia) para crianças até 3 anos de idade ou 15kg • 250mg VO (2 vezes ao dia) para crianças de 3 a 6anos de idade ou com 15 a 25kg • 500mg VO (2 vezes ao dia) para crianças com mais de 25 kg b) Penicilina benzatina - administrar IM a cada 21 dias • 300 000U para crianças até 10kg • 600 000U para crianças de 10 a 25kg • 1 200 000U para indivíduos com mais de 25kg. Em casos de alergia à penicilina, administrar 20mg/kg de eritromicina etilsuccinato via oral, 2 vezes ao dia. 2) Imunização A imunização deve ser realizada como em qualquer outra criança, contra agentes virais e bacterianos. Entretanto, particular ênfase deve ser dada à vacinação contra Pneumococo, Haemophilus influenzae e Hepatite B . Desde que septicemia por Pneumococo e H. influenzae tipo B são freqüentes na doença falciforme, a imunização deve ser precoce. Entretanto, a vacina contra Pneumococo atualmente no mercado não é imunogênica antes de dois anos de idade. Já a vacina contra hepatite B pode ser realizada ao nascimento. Assim, para estes agentes, recomenda-se o seguinte esquema de vacinação:

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a) Hepatite B Deve ser administrada em 3 doses de 1 ml (20µg/dose), ao nascimento, 1 mês e 6 meses de vida. Os reforços podem ser feitos a cada 5 anos após término do esquema ou quando os títulos estiverem abaixo do nível de proteção. A vacinação pode ser iniciada em qualquer idade, nos intervalos acima citados. Em adultos, administrar apenas nos indivíduos com anticorpos negativos para o vírus da hepatite B. b) Haemophilus A idade mínima para administração é de 2 meses. - até 6 meses de idade: devem ser administradas 3 doses em intervalos de 2 meses. - 7 meses a 1ano de idade: administrar 2 doses com intervalos de 2 meses. Em ambos os casos, o reforço deve ser administrado com 1ano e 3 meses de idade -a partir de 1 ano até 18 anos de idade: administrar em dose única. c) Pneumococos A idade mínima para administração é de 2 anos com reforço a cada 5 anos. Não realizar reforços em intervalos menores do que 5 anos pois os efeitos adversos da vacina podem ser exacerbados.

Nutrição Assim como outros pacientes com hemólise crônica, indivíduos com doenças falciformes estão particularmente sujeitos à superposição de anemia megaloblástica, principalmente quando a dieta é pobre em folato, durante a gestação ou em períodos de crescimento rápido. Além disso, a carência de folato pode estar relacionada a um maior risco de trombose e mal-formação de tubo neural no primeiro bimestre da gestação. Assim, para prevenção da deficiência de ácido fólico, recomenda-se a suplementação com 1a 2 mg de folato ao dia (1,4,5,7,8). Embora a deficiência de zinco possa ocorrer nesta doença, a suplementação com zinco é assunto controvertido, mas pode auxiliar no tratamento das úlceras de perna. A suplementação regular com ferro deve ser evitada, exceto na presença de perda de sangue ou deficiência deste metal (7).

Educação e Higiene Frio é um fator desencadeante de crises de falcização. Portanto, utilizar

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roupas apropriadas, principalmente em dias de chuva e à noite, são recomendações importantes que devem ser reforçadas, junto com as demais medidas, nos atendimentos ambulatoriais. A utilização de meias de algodão e sapatos protege os tornozelos de possíveis traumas que podem cursar com úlceras de perna de difícil cicatrização. É importante ressaltar que mesmo lesões mínimas, como picadas de insetos, podem causar úlcera de perna (7). Medidas de higiene e cuidado com a cavidade oral são fundamentais na prevenção de complicações como recorrência de úlceras de perna e infecções que podem precipitar crises vasooclusivas (6). Crianças e adultos devem ser encorajados a exercer todas as atividades normais e freqüentar escola e trabalho, participando de atividades físicas que não levem à exaustão, dentro da capacidade individual. Os professores devem estar cientes do problema e permitir a ingestão freqüente de líquidos e apoio psicológico pode ser necessário em muitos casos (7,8).

Transfusão Terapia transfusional deve ser evitada no tratamento rotineiro de pacientes com doenças falciformes e está contra-indicada na anemia assintomática, crises dolorosas não complicadas, infecções que não comprometam a sobrevida ou instalação de necroses assépticas, porque está demonstrada a ausência de eficácia (9,10). Dentre os efeitos adversos das transfusões podemos citar a hiperviscosidade, sobrecarga de volume, reações hemolíticas, reações febris nãohemolíticas, reações alérgicas, reações hemolíticas retardadas, sobrecarga de ferro, hepatite B e C, HIV ou infecção por outros agentes. Como qualquer outro paciente, indivíduos com anemia falciforme podem requerer transfusão para repor o volume sangüíneo por hemorragia ou seqüestro esplênico ou aumentar a capacidade de carrear oxigênio, como nas exacerbações da anemia. Em condições crônicas com anemia compensada como nas hemoglobinopatias, níveis de hemoglobina de 5g/dl são bem tolerados e podese indicar transfusão apenas quando há falência cardíaca, dispnéia e disfunção do sistema nervoso central. As transfusões devem ser realizadas com hemácias fenotipadas (para se evitar aloimunização), e depletadas de leucócitos, na forma de hemácias ou filtradas. Especificamente para as doenças falciformes, as indicações de transfusão incluem ainda a melhora nas propriedades reológicas do sangue, diminuindo a proporção de hemácias com HbS. Vários estudos demonstram que quando a proporção de células contendo HbS excede 30 a 40%, a resistência ao fluxo

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aumenta abruptamente. Por outro lado, o aumento do hematócrito leva ao aumento da viscosidade sangüínea. Assim, transfusões simples podem promover o aumento da viscosidade e oclusão vascular, impedindo o aumento da liberação do oxigênio para os tecidos. Portanto, em várias situações pode ser necessária exsanguíneo transfusão automatizada ou manual. 1) Indicações Específicas de Transfusão a) Acidente Vascular Cerebral Complicações neurológicas ocorrem em até 25% dos pacientes com anemia falciforme. A recorrência deste evento é freqüente e acontece em cerca de 50% deste pacientes, geralmente nos primeiros 3 anos após o AVC. Entretanto, transfusões crônicas reduzem em até 90% a recorrência destes episódios trombóticos. Estudos angiográficos demostram que há recuperação e melhora do fluxo vascular nos pacientes que desenvolvem AVC e são submetidos a exsanguíneo transfusão. Na vigência do AVC, o paciente deve ser internado e iniciada exsanguíneo transfusão a fim de manter o paciente isovolêmico, nível de hemoglobina em torno de 10g/dl e HbS menor do que 30%. Na fase aguda, recomenda-se troca de 75 a 100 ml de sangue/kg de peso. Deste modo, hemácias estocadas por menos que 5 dias podem ser reconstituída em salina ou plasma para hematócrito de 28 a 30%. Os níveis de Hb S, hematócrito, cálcio, fósforo, sódio, potássio e magnésio devem ser monitorados após a transfusão. Após a fase aguda, pode-se iniciar programa de transfusão crônica para manutenção da HbS abaixo de 30%, evitando-se hiperviscosidade ou transfusões acima do necessário. Uma possibilidade é a realização de transfusões simples a cada 3 ou 4 semanas. Após 5 anos de terapia transfusional, pacientes com persistente obstrução ou estenose, detectada por angiografia ou ressonância magnética, devem continuar em programa de transfusão. Pacientes que apresentam franca melhora ou completa correção da vasculopatia, documentada por arteriografia, podem ter o programa interrompido. Aqueles pacientes que durante o programa não apresentaram deterioração clínica ou laboratorial podem ter o programa modificado a fim de manter a HbS em torno de 50%. b) Síndrome Torácica Aguda Exsanguíneo transfusão ou transfusões simples podem ser utilizadas na síndrome torácica aguda, resultando em dramática melhora do quadro. c) Anemia Anemia não é indicação de transfusão porque ocorre adaptação com aumento do 2,3 difosfoglicerato, melhor afinidade da hemoglobina pelo

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oxigênio, melhor liberação do oxigênio para os tecidos e aumento do rendimento cardíaco. Assim, a maioria dos pacientes com anemia falciforme toleram bem a anemia. Pacientes mais velhos, com doença cardíaca ou insuficiência respiratória, necessitam às vezes de níveis de hemoglobina superiores a 8g/dl. Formalmente não há indicação de transfusão em pacientes assintomáticos com níveis de Hb maiores que 5g/dl. d) Crises Aplásticas Estas crises são comuns, transitórias e muitas vezes não requerem transfusão. Há indicação de transfusão apenas quando há comprometimento da função cardíaca ou níveis de Hb inferiores a 4g/dl com reticulocitopenia. Neste caso deve-se proceder à infusão de 1ml de hemácias/kg/h acompanhado de diuréticos para prevenir falência cardíaca. Pode-se utilizar também exsanguíneo transfusão a fim de evitar perturbações no volume sangüíneo em pacientes clinicamente instáveis. e) Crises de Seqüestro Esplênico Neste caso pode-se utilizar sangue total ou hemácias reconstituídas com salina ou plasma. Muitos pacientes requerem esplenectomia para prevenir crises recorrentes. f) Priapismo Outra indicação de exsanguíneo transfusão parcial ou transfusão simples são episódios de priapismo. Se a estase é parcial, as transfusões melhoram o fluxo e previnem a obstrução; g) Septicemia Transfusões podem ser indicadas para pacientes em condições instáveis ou choque, durante episódios de septicemia, com o objetivo de elevar a Hb para níveis superiores a 10g/dl e HbS<30%. h) Gestação O uso de transfusões no último trimestre da gestação, com o objetivo de obter níveis de Hb em torno de 10g/dl e HbS<30% é controvertido. Importante estudo recentemente publicado sugere que transfusões profiláticas são desnecessárias na anemia falciforme. Entretanto, estão indicadas em gestações de alto risco, história prévia de mortalidade perinatal, toxemia, septicemia, anemia grave, síndrome torácica aguda. i) Cirurgia Não há estudos controlados neste tópico, entretanto, parece prudente transfundir pacientes com anemia falciforme antes de cirurgias ou anestesia,

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no sentido de manter a HbS próximo de 30% e níveis de Hb em torno de 10g/ dl. Em crianças pode-se iniciar as transfusões 6 semanas antes da cirurgia repetindo-as com intervalos de 2 semanas. Não há dados referentes a cirurgia em indivíduos com Hemoglobinopatia SC ou outras doenças falciformes não anêmicas, mas deve-se evitar hiperviscosidade e uso de transfusões simples. 2) Outras Indicações de Transfusão Raramente, quando o tratamento local das úlceras de perna não obtêm sucesso, programa de transfusão simples pode ser indicado por período limitado de até 6 meses. Do mesmo modo, em condições extremas de dor intratável, com episódios crônicos e repetidos, o paciente pode ser submetido a programa de transfusão, também limitado a 6 meses. Cabe ressaltar que, habitualmente, as transfusões são inefetivas e não devem ser recomendadas no tratamento das crises dolorosas. Cirurgias oculares, obstrução de vasos da retina, falência hepática, choque séptico, acidose metabólica e realização de angiografia cerebral são algumas outras indicações de exsanguíneo transfusão. Em adultos, principalmente aqueles pesando cerca de 60 kg, pode-se utilizar o seguinte esquema para exsanguíneo transfusão manual: • realizar flebotomia de 500ml de sangue total • infundir 300 ml de salina • realizar nova flebotomia de 500ml • infundir 4 a 5 unidades de hemácias • quantificar níveis de Hb e HbS Todos estes procedimentos devem ser cuidadosamente monitorizados e modificados durante o processo para pacientes com peso substancialmente inferior a 60kg ou Hct>25%.

Terapia Não-convencional Até o momento, duas formas de terapia podem ser utilizadas alternativamente ao tratamento convencional das doenças falciformes, como o transplante de medula óssea e a administração oral de hidroxiuréia, um agente indutor da síntese de hemoglobina fetal. A experiência com o uso de hidroxiuréia nestes casos é muito maior do que com o transplante de medula óssea. Ambos podem ser indicados em grupos selecionados de pacientes. Os resultados com a hidroxiuréia são muito animadores tanto em adultos quanto em crianças. As dose iniciais podem ser de 10mg/kg de peso alcançando até 30mg/kg. Sendo a hidroxiuréia um agente que induz depressão da medula óssea, atenção especial deve ser tomada em relação ao número de granulócitos,

plaquetas e reticulócitos que não devem ser inferiores a 2 x 109/L, 100 x 109/ L e 50 x 109/L respectivamente. Outros agentes como butirato e derivados, ou outros ácidos orgânicos de cadeias curtas como ácido valpróico também induzem ao aumento da HbF e encontram-se em estudo para eventual uso nestes pacientes. A associação de grandes doses de eritropoetina, hidroxiuréia e ferro também parece aumentar substancialmente os níveis de HbF.

Referências Bibliográficas 1- DOVER GJ, VICHINSKY EP, SERJEANT GR, ECKMAN JR. Update in the treatment of sickle cell anemia: issues in supportive care and new strategies. Education Program of the American Society of Hematology, p. 21-32, 1996 2- GASTON MH, VERTER JI. Prophylaxis with oral penicillin in children with sickle cell anemia: a randomized trial. New England Jornal Medicine, v. 314, p. 1593-1598, 1986 3- KING KE, NESS PM. Treating anemia. Hematology/ Oncology Clinics of North America, v. 10, p. 1305-1320, 1996 4- KOSHY M, DORN L. Continuing care for adult patients with sickle cell disease. Hematology/ Oncology Clinics of North America, v. 10, p.1265-1273, 1996 5- PLATT OS. The Sickle Syndromes in Blood. In: HANDIN RI, LUX SE, STOSSEL TP. J.B. Principles and Practice of Haematology. Philadelphia, Lippincott, p. 1645-1700, 1995 6- RADA RE, BRONNY AT, HASIAKOS PS. Sickle cell crisis precipitated by periodontal infection: report of two cases. JADA, v. 114, p. 799-801, 1987 7- SERJEANT GR. Sickle Cell Disease. Oxford University Press, p. 429-453, 1992 8- SMITH JA, WETHERS DL. Health Care Maintenance in Sickle Cell Disease: Basic Principles and Clinical Practice. In: EMBURY SH, HEBBEL RP, MOHANDAS N, STEINBERG MH. New York, Raven Press, p. 739-744, 1994 9- VICHINSKY E. Transfusion Therapy in Sickle Cell Disease: Basic Principles and Clinical Practice. EMBURY SH, HEBBEL RP, MOHANDAS N, STEINBERG MH. New York, Raven Press, p. 781-798, 1994 10-VICHINSKY EP, HAPERKERN CM, NEUMARY L, EARLES AN, BLACK D, KOSHY M, PEGELOW C, ABBOUD M, OHENE-FREMPONG K, IYER RV and The Preoperative Transfusion in Sickle Cell disease Study Group. A comparison of conservative and aggressive transfusion regimens in the perioperative management of sickle cell disease. New England Journal Medicine, v. 333, p. 206-213, 1995

Capítulo VII

Assistência de enfermagem

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Capítulo VII

ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM Introdução O fato da doença falciforme ser hereditária, crônica e cursar com episódios de crises de falcização direciona a programação da assistência de enfermagem a estes doentes sob dois prismas: idade e complicações da doença. O serviço de enfermagem deve programar assistência a estas crianças, considerando as características inerentes aos seus futuros períodos evolutivos (adolescência e maturescência), assim como a seus familiares, em especial na identificação de portadores de carater/doença falciforme (12). Ao longo da vida destes pacientes, diversos fatores podem causar altos níveis de estresse, como trabalho, exercício intenso, anorexia, gravidez, aumento da osmolaridade, baixos níveis de pH, exposição a baixas tensões de oxigênio (incluindo vôos em cabines não pressurizadas ou visitas a montanhas (2, 13), ou ainda infecção, estresse emocional (12), quedas de temperaturas corporais ou ambientais e anestesia (8). Estes fatores estressantes podem propiciar crises de falcização. Basicamente os transtornos relacionam-se à consequente redução de oxigênio e alteração da perfusão celular. Usualmente as células reassumem estrutura normal quando a condição precipitante é removida e a oxigenação apropriada ocorre. Ao longo do tempo, danos irreversíveis às celulas ocorrem (8). Quanto à evolução da doença, cabe destacar que pacientes com anemia falciforme podem viver anos sem a necessidade de hospitalização e a assistência ambulatorial pode favorecer a prevenção de intercorrências e melhor qualidade de vida, reduzindo complicações e facilitando a recuperação. Por outro lado podem ocorrer manifestações clínicas mais severas em órgãos vulneráveis, como cérebro, fígado, coração, pulmão, pele, medula óssea ou baço, que impõem a hospitalização ou até mesmo intervenções cirúrgicas. Portanto, a assistência de enfermagem deve ser orientada para a prevenção de crise falciforme, sua identificação precoce, intervenções em situações severas e reabilitação de alterações, considerando as peculiaridades do paciente frente ao seu ciclo evolutivo.

Assistência à criança Quando a assistência é iniciada já nos primeiros meses de vida, o programa preventivo proposto, geralmente ambulatorial, inclui: retornos periódicos para

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a monitorização do crescimento e desenvolvimento; introdução de familiares em programas educativos sobre fisiopatologia, consequências e limitações decorrentes da doença, alternativas terapêuticas, padrão de hidratação e alimentação desejável e expectativas de crescimento e desenvolvimento; estratégias de convivência familiar reduzindo superproteção e estimulando independência da criança (5). Na identificação precoce de possíveis alterações, a assistência deve incluir a coleta de informações da família sobre o padrão alimentar e de hidratação, surgimento de episódios hemolíticos, crises dolorosas, tumefação das mãos e dos pés, distensão e dor abdominais (2), sinais de hipóxia, infecção, uso indevido de analgésicos. As medidas assistenciais incluem forçar a ingestão generosa de líquidos; redução de atividades físicas excessivas; identificação pelos familiares de sinais flogísticos, infecciosos, desidratação, dor , crise de falcização e sequestro esplênico; conhecimento dos procedimentos iniciais frente a estas manifestações, recursos de saúde disponíveis e alternativas de contato com equipe de saúde. Em relação ao sequestro esplênico, deve-se alertar a família sobre a possibilidade de sua ocorrência, por se tratar de intercorrência grave. Nestas circunstâncias ocorre súbito desenvolvimento de fraqueza, palidez labial e mucosas, dispnéia, pulso célere, lipotímia e aumento exagerado do baço. O ensino a familiares da palpação do baço e da percussão da área abdominal pode facilitar a identificação precoce deste quadro (5). A orientação deve enfatizar a necessidade de remoção imediata da criança para instituição de saúde para corrigir a hipovolemia ou avaliar a reversão da crise esplênica. Quando ocorre a hospitalização, deve-se considerar as reações comportamentais frente ao processo de doença crônica, as questões culturais da criança e familiares, a separação do ambiente escolar e as alterações emocionais frente a situação de crise. Durante a crise falciforme a dor é o sintoma mais comum (4). O pessoal de enfermagem parece ser insensível às necessidades do paciente com anemia falciforme e o cuidado recebido pelo paciente durante a crise dolorosa são inadequados (3). Cabe destacar a complexidade de identificação e valoração do quadro de dor, em especial pelas diferenças culturais na expressão de dor (14), pela educação restrita sobre hemoglobinopatias recebidas por enfermeiros (6) e pela própria subjetividade da dor e influência de fatores psicológicos (1). O repouso no leito, controle da administração de analgésicos, auxílio nas atividades diárias, controle rigoroso da administração de fluidos e aplicação de calor para o alívio da dor são recomendados. Sugere-se o não emprego de aplicação de frio (7).

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Assistência ao adolescente Na adolescência, de forma geral em doenças crônicas, é difícil contar com a adesão do paciente ao regime terapêutico. Em nível ambulatorial, a assistência de enfermagem nesta etapa tem como objetivos desenvolver o auto-cuidado, com identificação precoce de evidências de alterações clínicas e preservar a adequada auto-estima. Tem-se ainda o propósito de adaptar o paciente às diferenças de crescimento e desenvolvimento que possam ocorrer em especial o retardo no crescimento e no desenvolvimento sexual. A perda de independência pode conduzir à desobediência de métodos de prevenção de crise (7). Os adolescentes devem saber seus limites nos esportes, proteção da integridade da pele ao redor do tornozelo, necessidades de evitar drogas, álcool (que favorece a desidratação), fumo, e possibilidades de perdas no desempenho acadêmico frente às exigências do tratamento. Um esquema anticoncepcional deve ser aconselhado (5). Quando a hospitalização é necessária deve-se considerar as mudanças de humor constantes neste período da vida bem como o grau de colaboração, geralmente flutuante. A enfermagem necessita buscar conhecer os mecanismos de enfrentamento utilizados pelos pacientes nesta fase, suas fantasias frente a possíveis perdas e o confronto com a finitude. Deve-se destacar a necessidade comum de uma relação de confiança com os agentes de cuidados. Uma das áreas de conflito potencial é a do controle da dor. Atitudes e falta de conhecimento do provedor do cuidado na busca de alívio da dor ameaçam a relação de confiança e o paciente pode sofrer uma alienação da equipe ou intensificá-la. Compete à enfermeira identificar e enfrentar precocemente estes aspectos (7). Os transtornos clínicos que requerem hospitalização nesta idade são semelhantes ao do paciente adulto.

Assistência ao adulto O paciente adulto pode permanecer longos períodos sem manifestações que o conduzam a um serviço de saúde. Sob o ponto de vista físico, a meta da assistência ambulatorial centraliza-se na manutenção de medidas preventivas e estímulo à identificação precoce de intercorrências clínicas e adoção de atitudes terapêuticas iniciais, tais como: a) Dor Em decorrência da transformação da hemácia em forma anormal de foice, tende a ocorrer a estagnação mecânica do sangue nos capilares, contribuindo para a oclusão vascular. Por conseguinte há a hipóxia tissular e de órgãos circundantes que resulta em dor, geralmente descrita como pulsátil (2). Busca-

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se , portanto, a identificação e controle do fator predisponente. Medidas como hidratação oral aumentada para diminuir a viscosidade do sangue e prevenir desidratação e proteção ao frio são preventivas, assim como é recomendável educar o paciente para buscar contato com o serviço de saúde em caso de persistência da dor ou presença de outras alterações. b) Uso de medicamento Informar ao paciente sobre os riscos de uso de medicações sem prescrição médica. Algumas drogas como narcóticos e barbitúricos podem deprimir a respiração e devem ser cuidadosamente avaliados pois podem resultar em hipóxia; drogas que produzem vasoconstricção devem ser evitadas (2). c) Infecção Recomenda-se o emprego de medidas profiláticas como: evitar contatos com portadores de infecções; uso de medicamentos profiláticos se prescrito; estimular exercícios de expansão torácica; estimular dieta rica em proteínas e vitaminas; higiene corporal diária, higiene do ambiente e alimentos. Estimulase o emprego de medidas para a identificação precoce de sinais infecciosos: febre, tosse produtiva, ardor à micção, dores articulares ou óssea (5, 13). d) Anticoncepção Educação familiar sobre anticoncepção e herança genética da anemia falciforme é recomendável (5, 2). Em caso de gravidez, tranquilizar a paciente sobre dúvidas com riscos fetais e intercorrências na gravidez. A herança da doença é uma preocupação usual nestas pacientes; pode-se fornecer as relações probabilísticas de transmissão da doença. e) Programa de transfução periódica Esclarecer sobre benefícios, riscos e indicações do programa de tranfusão periódica e de indicações esporádicas frente à hipóxia significativa ou alteração da perfusão. f) Alterações renais São comuns em adultos. Nos casos de hematúria, a ingestão de líquidos deve permitir fluxo urinário superior a 2 a 3 ml/kg/hora, reduzindo riscos de formação de coágulos. O paciente deve manter-se em repouso. Estimula-se controle periódico de cultura e análise da urina (5). g) Episódios de priaprismo Caracterizam-se por ereções involuntárias persistentes do pênis, podendo causar ou não danos à função sexual, dependendo da duração para a resolução

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do episódio. Geralmente são ereções dolorosas, podendo durar semanas. O tratamento busca o esvaziamento do corpo cavernoso, alívio da dor e evitar impotência. As medidas profiláticas congregam o aumento da ingestão de líquidos e esvaziamento frequente da bexiga. O uso de banhos quentes tem sido adotado com sucesso em episódios leves. Em caso de persistência do quadro recomenda-se esvaziamento da bexiga com uso de catéter de Foley, hidratação endovenosa rigorosa e alívio da dor com analgesia (5). h) Úlceras de perna Iniciam-se com poucas alterações locais, passando a escurecimento da pele, necrose e infecção. Podem ser lesões únicas ou múltiplas, com ampla variação de tempo para cicatrização. Geralmente são acompanhadas de dor, o que limita a aceitação da limpeza local com remoção mecânica das crostas. Empregar cobertura úmida de gase com soro fisiológico facilita a remoção das crostas. O controle de culturas é necessário na presença de evidências de infecções e emprego de antibióticos locais prescritos. Sugere-se descrição minuciosa da evolução da úlcera com mensuração semanal das dimensões da lesão. Em casos de evolução lenta a Bota de Unna pode ser aconselhável.(5). i) Litíase biliar É frequente nestes pacientes adultos (70%). Contudo pode não gerar episódios de dor ou necessitar de procedimentos invasivos. Deve-se recomendar ao paciente dieta com restrição de gordura e hidratação oral aumentada (5). j) Acidente vasculares cerebrais Evidências neurológicas como hemiparesias, alterações de campos visuais, paralisias e crises convulsivas devem ser prontamente reconhecidas (5). k) Infarto pulmonar Devido à obstrução em vasos pulmonares podem causar taquipnéia, sinais de consolidação pulmonar e ocasionalmente atrito pleural. O uso de oxigenoterapia é indicado em hipoxemia, taquicardia e taquipneia, mas controlado por medidas de gases sanguíneos arterial (5). Se a hospitalização se fizer necessária, deve-se conhecer o conjunto de medidas já empregadas ou recebidas pelo paciente. Avaliação minuciosa contendo a história do paciente, observação de aspectos físicos e emocionais, constituição familiar, perfil sócio-econômico, desempenho de papéis sociais, atividade profissional, percepção do paciente à doença, conhecimento sobre o tratamento, valores laboratoriais, cuidados preventivos e identificação precoce de evidências clínicas permite elaborar um perfil da adaptação do paciente

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frente à doença. Ivo (1993) apresenta um exemplo de um guia útil para identificação do perfil adaptativo de pacientes portadores de anemia falciforme. Em caso de crise intensa a dor é o sintoma mais comum; hidratação endovenosa torna-se necessária buscando ampliar o volume de líquido de entrada e corrigir alterações eletrolíticas. Atenção deve ser dada a sinais de insuficiência cardíaca ou desequilíbrio eletrolítico (5, 2). Repouso relativo é recomendado (2), encorajando a deambulação quando tolerada, intercalada com períodos de descanso. Em casos de ulcerações de perna severas não se deve fazer exercícios com os membros inferiores (13). Esquema de analgesia deve ser seguido e a avaliação de sua necessidade ser contínua para redução da dosagem o mais breve possível. Os enfermeiros consideram que frente à dor os pacientes só necessitam de analgésicos (1). Deve-se contudo encorajar medidas complementares de enfrentamento dos episódios de dor, como programas de mudanças de comportamento, relaxamento e estímulo nervoso elétrico transcutâneo (5), toque terapêutico e leituras, estratégias estas empregadas em pacientes com outras causas de dor, mas que podem ser testadas nesta clientela. Complicações oftalmológicas, ortopédicas, colelitíase, priaprismo, decorrentes da anemia falciforme, poderão requerer intervenção cirúrgica. Neste caso a enfermagem deve estar atenta aos fatores que desencadeiam crise falciforme. Durante o ato operatório, além do auxílio à monitorização para prevenir acidose relacionada à troca de gás prejudicada, a enfermagem deve manter o paciente aquecido e prevenir estase circulatória, balanço hídrico rigoroso, posicionamento do paciente prevenindo pontos de pressão ou garroteamento e controle da perfusão tissular através da cor da pele, temperatura, pulsos periféricos, presenças de cãimbras e parestesias. No pós-operatório merecem atenção o cuidado com balanço hídrico, controle de Hb, dor incisional, uso de analgésicos, manutenção da temperatura corporal além da deambulação precoce para reduzir riscos pulmonares (11).

Considerações finais Como o tratamento da crise é ainda insatisfatório, a equipe de saúde tem a responsabilidade de identificar pacientes com a doença, evitando colocálos em situações que predisponham à crise e de reconhecer os sinais e sintomas que sugerem a presença de doença falciforme. Desta forma pode-se detectar casos entre pessoas cuja doença não foi diagnosticada. Por exemplo, queixas de dores ósseas e articulações tumefeitas, contornos típicos do corpo como tronco curto e magro e com extremidades compridas, cifose da parte superior das costas e lordose, aumento do diâmetro antero-posterior do tórax e crânio com

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conformação alongada podem sugerir a doença, para um examinador mais cuidadoso (2). O conhecimento sobre a doença falciforme evita freqüentes perdas de identificação de sinais clínicos de crises e favorece a compreensão dos comportamentos expressos pelos pacientes e das exigências das condutas traçadas por outros profissionais. Estes aspectos aumentam a satisfação no trabalho pelos membros da enfermagem (10).

Referência Bibliográfica 1- ALLEYNE J, THOMAS VJ. The management of sickle cell crisis pain as experienced by patients and their carers. Journal of Advanced Nursing, v. 19, p.725-732, 1994 2- BEYERS M, DUDAS S. Disfunção dos sistema hematopoiético e do sistema linfático. In: BEYERS M, DUDAS S. Enfermagem Médico-Cirúrgica: Tratado de prática clínica. 2ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara, v. 2, cap. 25, p. 486-513, 1984 3- BLACK J, LAWS S. Living with sickle cell disease. London, Sickle Cell Society, 1985. 4- BOJANOWSKI C. Use of protocols for emergency department patients with sickle cell anemia. Journal Emergency Nursing, v. 15, n. 2, p. 83-87, 1989 5- CHARACHE S, LUBIN B, REID C. Management and therapy of sicle cell disease - U.S. Departament of health and human service National Institutes of Health Publication, n.85-2117, sept, 1985. 6- FRANCE-DAWSON M. Sickle cell disease - implications for nuring care. Journal of Advanced Nursing, v. 11, nov, p. 729-737, 1986. 7- HOOD GH, DINCHER JR, et al. Problemas que afetam o sangue. In: HOOD GH, DINCHER JR. Fundamentos e Prática da Enfermagem: Atendimento completo ao paciente. 8ª ed. Porto alegre, Artes Médicas, cap. 17, p. 360-385, 1995 8- IGNATAVICIUS DD, WORKMAN ML, MISHLER, A.M. Intervertions for clients with hematologic problems. In: IGNATAVICIUS DD, WORKMAN ML, MISHLER, A.M. Medical Surgical Nursing: a nursing process approach. 2ª ed. Philadelphia, W.B. Company, v. 1, unid 8, cap. 39, p. 1042-1079, 1995 9- IVO ML. Identificação do perfil adaptativo de pacientes portadores de anemia falciforme à luz do referencial de Roy - Dissertação (Mestrado), Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP, 1993 10- LORENZI EA. The effects of comprehensive guidelines for the care of sickle-cell patient in crisis on the nurses’knowledge base and job satisfation for care given. Journal of Advanced Nursing, v. 18, p. 1923-1930, 1993 11- MARTINELLI AM. Sickle cell disease - etiology, symptoms, patient care. AORN Journal, v. 53, n. 3, p. 716-724, 1991 12- MASON MA. Enfermagem Médico-Cirúrgica. 3ª ed., Rio de Janeiro, Interamericana, cap. 10, 1976 13- MONAHAN FD, DRAKE T, NEIGHBORS M. Nursing care of adults with disorders of the blood and blood - forming organs. In: MONAHAN FD, DRAKE T, NEIGHBORS M.Nursing care of Adults. Philadelphia, W. B. Saunders, cap. 16, p. 627-677, 1994 14- THOMAS VJ, ROSE FD. Ethnic differences in the experience of pain. Social Science and Medicine, v. 32, n. 9, p. 1063-1066, 1991

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Capítulo VIII

Situações de emergência

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SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA Febre A febre, no paciente com anemia falciforme, pode ser manifestação secundária ao episódio de crise dolorosa, provavelmente como resultado da isquemia tecidual e liberação de pirógenos endógenos. Entretanto, em crianças, ela pode ser a única indicação de processo infeccioso, uma das complicações mais freqüentes nesta faixa etária(1,3,9). Está bastante documentado que crianças com anemia falciforme são mais susceptíveis a infecções bacterianas. A função do baço está invariavelmente prejudicada nessas crianças e já no primeiro ano de vida, muitos pacientes perdem a capacidade de retirar partículas do sangue, apresentando a chamada asplenia funcional (ou auto-esplenectomia) (1,2,9). Estes indivíduos estão sujeitos a complicações como septicemia por S. pneumoniae, cuja incidência está bastante aumentada em relação à população normal e que apresenta curso clínico fulminante e freqüentemente fatal. Outros patógenos comumente encontrados são: H.influenzae, E.coli, S.aureus e Salmonela. Os sítios de infecção mais envolvidos são sangue, pulmões, ossos, meninges e trato urinário (1,9). As infecções podem ser minimizadas por programas de imunização combinado com uso de antibiótico profilático. A profilaxia com penicilina é recomendada em crianças com anemia falciforme menores de 5 anos de idade, já que pode prevenir até 80% dos episódios de septicemia. A vacina antipneumocócica tem se mostrado eficaz reduzindo a incidência de infecções por S.pneumoniae em crianças maiores de 2 anos (1,2,9). De modo geral, aumento de temperatura, da velocidade de hemossedimentação, do número de leucócitos e da proporção de neutrófilos em bastão, são sinais de infecção bacteriana grave. Não existe, entretanto, nenhum critério absoluto para a diferenciação entre infecção bacteriana ou não bacteriana em crianças com febre. Deve-se levar em conta, o fato de que as contagens leucocitárias estão normalmente elevadas nestas crianças e o índice de hemossedimentação pode estar diminuído secundariamente à anemia e poiquilocitose. Nas crianças febris menores de 12 anos, podemos seguir o guia de tratamento empírico proposto na Tabela 1 (1). As infecções pneumocócicas são menos freqüentes após a primeira década

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de vida e outros agentes, encontrados na população normal, tornam-se comuns. Nos pacientes adultos, portanto, é importante a avaliação bacteriológica previamente à administração de antibióticos. De maneira geral, também nesta faixa etária, febre persistente e maior que 38,9oC não deve ser encarada como devido à vasooclusão.(11) Tabela 1 - Guia de tratamento empírico para crianças febris menores de 12 anos 1. Investigação laboratorial básica - hemograma completo, análise de urina, radiografia de tórax e culturas de sangue, urina e garganta; 2. Crianças toxemiadas ou com temperaturas maiores de 39,9oC, devem ser internadas e tratadas com antibioticoterapia endovenosa rapidamente, mesmo antes da realização da radiografia ou dos resultados do hemograma; 3. Punção lombar deve ser feita nas crianças em toxemia ou com sinais de meningite; 4. Crianças não toxêmicas ou com temperatura menor de 39,9oC, com infiltrado na radiografia ou contagem leucocitária acima de 30.000/l ou abaixo de 5.000/l devem ser internadas e tratadas parenteralmente; 5. Crianças não toxêmicas ou com temperatura menor de 39,9oC, sem infiltrado na radiografia, com contagem leucocitária normal e pais interessados, podem ser inicialmente tratadas com antibióticos por via oral e observadas por algumas horas, com retorno no dia seguinte para reavaliação e nova radiografia; 6. Os antibióticos devem ser selecionados com base na sua capacidade em eliminar S.pneumoniae e H.influenza e em penetrar no sistema nervoso central. 7. Se a criança permanecer bem e as culturas forem negativas, os antibióticos podem ser suspensos; 8. Septicemia documentada deve ser tratada por via parenteral por pelo menos 7 dias; 9. Meningite bacteriana deve ser tratada, parenteralmente, por pelo menos 10 dias ou por 7 dias após esterilização do fluído cerebrospinal. (modificado de 1)

Crises dolorosas É uma das manifestações mais características da doença falciforme. Consiste de dor em extremidades, região lombar, abdome ou tórax, usualmente associada a febre e urina escura ou vermelha. As crises de dor freqüentemente

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resultam de necrose avascular da medula óssea. O aumento da pressão intramedular secundário à resposta inflamatória do processo necrótico é, provavelmente, a causa da dor. Essa hipótese é corroborada pelo achado de aspirado dos sítios de dor óssea que apresenta necrose e/ou infiltrado neutrofílico purulento. (1,3,4) A incidência e a prevalência variam de acordo com a faixa etária, sexo, genótipo e alterações laboratoriais. Em crianças menores de 5 anos, a dactilite que ocorre nos pequenos ossos das mãos e pés (também chamada “síndrome mão-pé”) é a crise dolorosa mais observada podendo ser, até mesmo, a primeira manifestação da doença. A partir dos 15 e até os 25 anos de idade, observa-se aumento na incidência de crises dolorosas principalmente nos pacientes do sexo masculino. Após 30 anos, a crises ficam menos freqüentes e mais severas, tornando-se raras após os 40 anos. Na mulher grávida e puérpera existe um risco aumentado de crises dolorosas. Indivíduos com hemoglobinas mais elevadas e maior contagem reticulocitária apresentam maior freqüência de crises (4-6). Infecções, alterações climáticas e fatores psicológicos têm sido freqüentemente sugeridos como possíveis fatores desencadeantes. Outros fatores associados são: altitude, acidose, sono e apnéia, stress e desidratação. Na maioria dos casos, entretanto, não é possível a identificação do fator etiológico (1,4,7). As áreas mais freqüentemente envolvidas são joelho, coluna lombo-sacra, cotovelo e fêmur e, em crianças menores de 5 anos, a síndrome mão-pé, como referido. Múltiplos sítios podem ser afetados simultaneamente, sendo que a dor bilateral e simétrica ocorre em 60% dos casos (1,4). A severidade da dor é bastante variada, desde episódios moderados e transitórios (5 a 10 minutos de duração), até episódios generalizados que duram dias ou semanas necessitando de internação hospitalar. O padrão de dor varia de um paciente para outro, alguns com ataques graves repetidos (20%), outros negando qualquer sintomatologia dolorosa (30%) e uma boa parte, cerca de 50%, com uma crise grave por ano ou múltiplas crises moderadas ou outras variações. Os pacientes tendem a continuar mantendo o seu padrão de dor, isto é, aqueles pacientes com crises graves apresentam sempre este padrão (4,7). De maneira geral, o paciente sabe referir a diferença entre uma dor da crise e uma dor devida a outros fatores, podendo a opinião do paciente ser levada em conta. Freqüentemente, os pacientes com episódios de crises dolorosas não apresentam alterações físicas locais e somente uma discreta elevação da temperatura, dos batimentos cardíacos, da pressão arterial e da contagem leucocitária (1,7). Não existe tratamento específico dirigido contra os agentes fisiopatológicos

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dos episódios dolorosos. O tratamento é de suporte. As metas são aliviar a dor e tratar os problemas desencadeantes, principalmente infecção, hipóxia, acidose e desidratação. Os pacientes em dor devem sempre ser avaliados para possível processo infeccioso, a febre não deve ser simplesmente assumida como parte do episódio vasooclusivo. Hipóxia é um problema sério devido à relação entre hemácia desoxigenada e polimerização. Terapia com oxigênio é importante nos pacientes hipoxêmicos mas pode levar, secundariamente, à supressão medular. Mesmo câmara hiperbárica não parece ser benéfica nos episódios de crise de dor. Acidose também é possível fator de falcização, mas o uso empírico de bicarbonato não é indicado. Pacientes desidratados necessitam de cuidadosa reposição dos níveis hidroeletrolíticos. Hiper hidratação pode ser feita com cautela já que estes pacientes lidam de maneira inadequada com infusões rápidas e consequentemente podem desenvolver síndrome pulmonar aguda ou edema pulmonar (1,4,7). O uso cuidadoso, consistente e adequado de analgésicos é a chave para o tratamento das crises de dor. O analgésico de escolha, a via e a dose são parâmetros bastante variáveis. O ideal é a escolha de uma dose fixa, dentro de um esquema suficientemente adequado e clinicamente efetivo para cada paciente e não o sistema de “medicação quando necessário”. Para fazer isso é necessário conhecimento de farmacocinética e dosagem. O manejo dos episódios de dor, de maneira geral, pode seguir o esquema proposto na Tabela 2 e na Tabela 3 temos um resumo dos narcóticos usualmente utilizados (1,9). O uso ilícito de drogas analgésicas nos pacientes com anemia falciforme tem mostrado uma incidência variável entre 0 a 11% em estudo nos Estados Unidos da América. Mesmo considerando-se o maior índice, a incidência de indivíduos “viciados” nesta população é igual à da população geral, apesar dos falcêmicos apresentarem maior exposição a estes medicamentos (3). Embora transfusão, ou mesmo exsanguíneo transfusão, raramente melhore o quadro de dor, pacientes com quadros bastante freqüentes de dor podem se beneficiar da manutenção de transfusões freqüentes por um curto período de tempo (1). Tabela 2 - Manejo da crise vasoclusiva 1. Pacientes com dor devem ser avaliados pela equipe médica imediatamente se apresentar concomitantemente: - Febre ( 38,9oC)

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- Dor abdominal - Dor torácica ou sintomas pulmonares - Letargia - Cefaléia importante - Dor, fraqueza ou perda de função em extremidades - Dor que não melhorou com medidas habituais - Dor em região lombar sugestiva de pielonefrite 2. Pacientes com dor moderada devem ser instruídos a tomar aspirina, aumentar ingestão hídrica com reavaliação em 24 horas. 3. O médico deve estar atento às complicações que podem sugerir uma crise de dor. Sintomas de dor abdominal, por exemplo, devem ser internados para observação e pedido avaliação da equipe cirúrgica. 4. Investigação laboratorial deve incluir: -Hemograma completo e contagem de reticulócitos -Se houver febre: Radiografia de tórax, hemocultura, análise de urina, punção liquórica, se necessário -Se houver sinais de síndrome torácica: radiografia de tórax, hemocultura, cultura de escarro e gasometria -Se osteomielite ou artrite séptica: aspiração direta da área envolvida para cultura e avaliação ortopédica. 5. Tratamento -Reduzir ansiedade e medo - Medicação analgésica (vide Tabela 3) 6. Paciente com dor importante que necessitem morfina parenteral devem ser internados. (modificado de 9)

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Tabela 3- Agentes narcóticos mais freqüentemente utilizados Dose(em mg) equivalente a 10 mg IM de morfina

Pico de efeito (em horas)

Duração do efeito (em horas)

Intervalo de administração (em horas)

10 IM 20-60 VO

0,5-1 1,5-2

3-6 4-7

4 4

hidro-morfina

1,5 IM 7,5 VO

0,5-1 1-2

3-4 3-4

4 4

meperidina

75 IM 300 VO

0,5-1 1-2

3-4 3-6

4 4

metadona

10 IM 20 VO

0,5-1,5

4-6

6

Agentes

morfina

codeína

7,5-30 VO

4

3-4

tramadol

100-400 VO

4

3-4

Obs: todas estas drogas podem se acumular e serem tóxicas para SNC, rins, fígado e pulmões

Seqüestro esplênico Pode ser definido como uma diminuição nos níveis de concentração de hemoglobina em pelo menos 2 g/dl em relação ao nível basal do paciente, com evidências de resposta medular compensatória (reticulocitose persistente ou eritroblastose) e aumento rápido do baço. A partir da utilização desta definição foi observado o diagnóstico de crises menos graves, o que nos leva à conclusão de que elas são, provavelmente, mais freqüentes do que se pensava e, portanto, pode-se classificar o seqüestro esplênico em duas formas clínicas: forma maior e forma menor, vide Tabela 4 (8-10). Ocorre em crianças a partir dos 5 meses de idade e raramente após os 6 anos e é a segunda causa mais freqüente de óbito nestes pacientes, por poder levar a quadro de choque hipovolêmico. Indivíduos com outras síndromes falciformes, cujo baço permanece aumentado na vida adulta, podem também apresentar súbito acúmulo de sangue no baço, independente da faixa etária. Etiologia é desconhecida, porém quadro de infecção viral aparece precedendo alguns episódios (8-11). A manifestação clínica é de um súbito mal estar, palidez, dor abdominal, além de sintomas de anemia e hipovolemia. Ao exame físico, além da palidez, observa-se grande aumento do baço em relação ao tamanho normal para o paciente e sinais de choque hipovolêmico. Morte pode ocorrer subitamente,

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em horas (12). O tratamento, que deve ser imediato, inclui suporte volumétrico e transfusões de glóbulos vermelhos até nível entre 9 e 10 g/dl de hemoglobina. Assim que o choque é revertido e o sangue seqüestrado mobilizado, diminui drasticamente o tamanho do baço e aumentam os níveis de hemoglobina (8,12). Crises de seqüestro esplênico recorrentes ocorrem em 50% dos pacientes que sobrevivem ao primeiro episódio, sendo a mortalidade nestes pacientes de 20%. Não existe nenhum dado hematológico para predizer quem vai ter recorrência ou não. Em alguns centros, os pais ou responsáveis são instruídos a examinar as crianças na tentativa de detectar um aumento de baço e/ou palidez conjuntival e assim realizar um diagnóstico precoce da crise. Em crianças menores de 4 anos, procede-se à terapia transfusional no sentido de evitar novos episódios. Após esta idade está indicada a esplenectomia. (10,13) Tabela 4- Crises de seqüestro esplênico 1.Crise de Seqüestro agudo maior; 1.1 rápido aumento do baço quando comparado à sua linha de base; 1.2 queda na hemoglobina, baixa o suficiente para necessitar de transfusão; 1.2.1 valor absoluto de hemoglobina < 6 g/dl; 1.2.2 queda na hemoglobina maior do que 3 g/dl comparado com o valor basal; 1.2.3 elevada contagem reticulocitária; 2. Crise de Seqüestro agudo menor; 2.1 aumento do baço em relação ao tamanho basal; 2.2 queda na hemoglobina, mas com valor absoluto maior que 6 g/dl; (modificado de 11)

Acidente Vascular Cerebral - AVC Várias complicações do Sistema Nervoso Central têm sido associadas à anemia falciforme, como pode ser visto na Tabela 5, sendo que as principais são o infarto, em 70 a 80% dos casos, e a hemorragia intracraniana. Estudando crianças com anemia falciforme, Powars e cols. observaram uma incidência de 0,70% de AVC/ano nas primeiras duas décadas de vida, e estudo da Jamaica mostrou uma prevalência de 7,8% até a idade de 14 anos (6,14-16). A oclusão, parcial ou completa, ocorre nos grandes vasos cerebrais e parece

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ser devida à estenose progressiva, superposto à formação de trombo no local. Estudos histológicos têm demonstrado que o dano vascular é pelo aumento da espessura da camada segmentar, devido à extensa proliferação de fibroblastos e do músculo liso da íntima, sem a presença de sinais inflamatórios. Secundariamente, em cerca de 30% dos pacientes, pode se desenvolver uma extensa circulação colateral dando uma aparência conhecida como Moyamoya. Estes pacientes seguem o curso clínico usualmente visto em outros indivíduos com Moyamoya por outra etiologia, que é infarto cerebral quando criança e desenvolvimento de AVC hemorrágico mais tarde (5,14,17-19). Os pacientes com AVC normalmente apresentam sinais clínicos evidentes. O sintoma neurológico mais comum é a hemiparesia, seguido por afasia ou disfasia, convulsões e monoparesias. Cefaléia foi achado comum mas, isoladamente, não é fator preditivo de AVC. Raros pacientes podem apresentar, como manifestação inicial, quadro de Acidente Isquêmico Transitório ou até mesmo um coma (19). O diagnóstico de AVC é normalmente feito a partir de dados clínicos, entretanto, os pacientes podem ser avaliados através de tomografia computadorizada ou ressonância magnética. Angiografia deve ser realizada nos casos onde não foi feito o diagnóstico por tomografia e/ou ressonância magnética, sendo que, nestes casos, os pacientes necessitam de terapia transfusional previamente ao exame, com o objetivo de prevenir episódio de falcização e conseqüente piora da manifestação neurológica (15,19). Exsanguíneo transfusão, manual ou automatizada, é a intervenção terapêutica imediata que pode diminuir a progressão da doença e reverter as manifestações clínicas. Na ausência de terapia transfusional, o curso clínico da lesão cerebrovascular é progressivo. O objetivo da terapia transfusional, tanto na fase inicial quanto na fase crônica do tratamento, é diminuir a porcentagem de hemoglobina S para menos de 30% (6,11). Outras medidas de tratamento durante o episódio agudo dependem da manifestação clínica: ventilação assistida, agentes farmacológicos anti-edema cerebral, terapia anticonvulsivante, etc; e, portanto é importante a avaliação e seguimento de um neurologista (11). Recidivas dos episódios de AVC ocorrem em cerca de 67% dos pacientes entre 12 e 24 meses após o primeiro episódio e 80% dos AVC recorrentes ocorrem nos 3 primeiros anos, quando não transfundidos cronicamente. Mesmo os pacientes em esquema transfusional podem apresentar recorrência de 10%. Para prevenir os ataques recorrentes, os pacientes devem ser mantidos em esquema de transfusão crônica, a cada 3 ou 4 semanas, com nível de

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hemoglobina pré-transfusional entre 8 e 9 g/dl e hemoglobina pós-transfusional entre 10 e 11 g/dl. (18,19) Devemos ter sempre em mente os riscos de um programa de transfusão crônica, tais como: reações transfusionais, infecções, aloimunização eritrocitária e sobrecarga de ferro. O tempo ideal para a manutenção da terapia transfusional não está claramente definido, já que não existe um meio de se prever qual paciente apresentará recidiva do quadro, porém ela deve ser mantida por pelo menos 2 anos. O uso de desferroxamina por bomba de infusão SC na dose de 30 a 40 mg/kg, por 10 horas, 5 a 7 vezes por semana, é preconizado para diminuir os níveis de sobrecarga de ferro (18,19). Tabela 5 - Complicações do Sistema Nervoso Central na Anemia Falciforme Infarto cerebral Hemorragia do Sistema Nervoso Central Infecção do Sistema Nervoso Central Convulsões Disfunção vestibular Diminuição da acuidade auditiva Coma de etiologia não determinada Infarto ou compressão da medula espinhal Paralisia do nervo mentoniano (modificado de 6)

Priapismo Priapismo pode ser definido como uma falha na detumescência do pênis acompanhada de dor. A elucidação do fator etiológico do priapismo tem certa urgência, já que a terapia diretamente relacionada à etiologia pode levar à melhora da condição, sendo que, a anemia falciforme é o fator causal em cerca de 25% dos casos de priapismo. Diferentes sistemas de classificação têm sido propostos para descrever o priapismo, como pode ser visto na Tabela 6 (20). A capacidade de ereção do pênis é controlada pela interação de eventos endocrinológicos, hipotalâmicos e cerebrais. No seu estado normal, flácido, o músculo liso das artérias e trabéculas está contraído. Com o estímulo, ocorre o relaxamento desta musculatura fazendo com que o sangue passe a fluir e penetre nos plexos venosos, dilatando-os. Um maior volume de sangue penetra nos

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corpos cavernosos aumentando o seu volume e impedindo a drenagem venosa, tornando estes corpos túrgidos e ocasionando a ereção (20,21). O mecanismo exato do priapismo na anemia falciforme ainda necessita ser elucidado. A falha na detumescência pode ser devida a numerosos fatores: vasooclusão no fluxo de saída do sangue, liberação excessiva de neurotransmissores, prolongado relaxamento do músculo liso ou ainda uma combinação destes episódios. Uma porcentagem significante, mas indefinida, dos pacientes apresenta os episódios de priapismo durante o sono. Como freqüentemente estes episódios se iniciam durante ereção normal no sono REM, acredita-se que eles podem estar associados com desidratação e hipoventilação, condições que causam acidose metabólica. A diminuição no pH circulatório e na tensão de oxigênio leva a um aumento na rigidez do eritrócito e conseqüente falcização, resultando na estagnação do sangue nos sinusóides do corpo cavernoso. Os efeitos dessa eritroestase no endotélio vascular resulta na reação inflamatória e subsequente fibrose do trabéculo esponjoso (20,21). No paciente com anemia falciforme, tipicamente observa-se alta pressão intracavernosa no nível sistólico, com baixo-fluxo no tecido cavernoso no estado isquêmico. O grau de isquemia vai estar relacionado com o número de veias emissárias envolvidas e com a duração da vaso-oclusão. Exame histopatológico tem revelado sérias alterações na infraestrutura peniana relacionadas ao priapismo: -1. Com 12 horas, existe evidência de edema intersticial trabecular; -2. Após 24 horas observa-se destruição do endotélio do sinusóide, exposição da membrana basal e aderência plaquetária; -3. Com 48 horas, ocorre o aparecimento de trombos nos espaços sinusóides, necrose do músculo liso, com adelgaçamento e edema do septo corporal.

Estes eventos podem ser responsáveis pelo alto índice de impotência (>50%) visto mesmo em pacientes tratados (20). Cerca de 7% dos pacientes masculinos com anemia falciforme apresentam quadro de priapismo com conseqüente disfunção. Baseado em estudos recentes, o envolvimento tricorporal (corpo esponjoso e corpos cavernosos) parece ser o aspecto mais característico do priapismo na anemia falciforme. Recorrência de episódios e impotência estão presentes em 50% dos adultos afetados. O envolvimento bicorporal, onde somente os corpos cavernosos estão envolvidos, é visto com maior freqüência em pacientes pré-puberes. O priapismo em idade pré-puberal não apresenta recorrência tão freqüente e não está tão fortemente associado com impotência como nos adultos (22,23).

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O diagnóstico é feito através da história clínica, exame físico, dados laboratoriais e testes radiológicos específicos. Vários sinais e sintomas podem estar associados, tais como: disúria, crises de dor generalizada, febre e sepse. O paciente pode relatar dificuldade para urinar e desconforto ou dor no pênis. A ereção, freqüentemente, não é acompanhada de desejo sexual. Existe uma distribuição bimodal no aparecimento do priapismo com picos entre 5 e 13 anos e 21 e 29 anos. Estudo com pacientes masculinos mostrou que cerca de 64% destes teve pelo menos um episódio de priapismo (20). O exame físico revela ingurgitamento do pênis. Na avaliação laboratorial, a determinação da porcentagem de hemoglobina S é útil na monitorização da terapêutica transfusional; e a medida dos gases sangüíneos penianos é importante para a diferenciação entre priapismo de alto ou baixo fluxo, auxiliando na escolha do tratamento. Quanto maior o grau de hipóxia e acidose, maior a isquemia e pior o prognóstico, consequentemente uma terapia mais agressiva é necessária. Outros métodos diagnósticos incluem: monitorização da pressão intracorporal, Doppler sonografia de fluxo colorida e cintilografia peniana com 99mTc (20,24,25). A terapia inicial, tanto em adultos como em crianças, é a melhora da dor e ansiedade, que podem ser obtidos com infusão contínua EV de morfina ou hidroxizine por VO ou EV. Deve-se iniciar a infusão de fluidos hipotônicos EV rapidamente. Sem a análise do tipo de fluxo, nem sempre é possível diferenciar entre o priapismo severo e o priapismo com fluxo normal (21). O uso de gelo, além de aumentar a dor, parece estar associado a necrose local. Calor local aumenta o fluxo sangüíneo podendo melhorar o retorno venoso, mas só auxilia aqueles pacientes que não tem infarto. Não existem provas que apoiem ou não a utilidade da transfusão de glóbulos vermelhos como terapêutica única. Uma vez que a estase do corpo cavernoso tenha ocorrido e o retorno venoso obstruído, o espasmo do músculo liso já foi induzido pela hipóxia e acidose e não parece que a transfusão de glóbulos vermelhos possa alcançar a área envolvida em tempo útil (21). A escolha dos procedimentos cirúrgicos durante o episódio agudo vai depender, basicamente, do diagnóstico do tipo de priapismo. No priapismo de baixo-fluxo, pode-se utilizar a aspiração e irrigação dos corpos cavernosos ou a criação de fístula que permita o esvaziamento dos corpos cavernosos (“shunt”), procedimento que deve ser feito nas primeiras 24 horas. Em geral, entretanto, os procedimentos de “shunt” são realizados tardiamente, quando o dano aos corpos cavernosos já está presente (21). Após a fibrose dos corpos cavernosos, não ocorrem mais episódios de

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priapismo e ocorre falha de ereção. Neste ponto a intervenção cirúrgica não beneficia o paciente. Indivíduos impotentes podem se beneficiar com a colocação de próteses penianas (21,24). Alguns autores acreditam que pacientes com ataques recorrentes de priapismo (“stuttering priapism”) têm maior risco de desenvolver um episódio maior, com suas conseqüências e estudos têm sido feitos na tentativa de prevenir estes ataques. Serjeant e cols. sugerem que o uso de dietiletilbestrol é capaz de eliminar os ataques recorrentes de priapismo, porém pode levar a quadro de feminilização secundariamente. Recentemente, o uso de análogos do hormônio liberador da gonadotrofina parece ter sido efetivo na prevenção de ataques recorrentes em poucos pacientes. O tratamento com hidroxiuréia e outros agentes anti-falcização devem ser considerados, embora não existam estudos prospectivos para testar estas hipóteses (21,26,27). Tabela 6 - Sistemas de Classificação do Priapismo Classificação Etiológica 1. Primária (idiopática) 2. Secundária 2.1 Hematológica (anemia falciforme) 2.2 Traumática 2.3 Infecciosa 2.4 Neoplásica 2.5 Farmacológica 2.6 Iatrogênica Classificação Hemodinâmica Tipo I - Priapismo de baixo-fluxo, associado com isquemia, veno-oclusão e estase. Bastante associado à anemia falciforme. Tipo II - Priapismo de alto-fluxo, associado com trauma, não isquêmico, arterial Classificação Clínica, de acordo com a história 1. Priapismo Recorrente (“Stuttering”) - múltiplos episódios com menos de 3 horas de duração cada, várias vezes por semana por mais de 4 semanas. 2. Priapismo menor - episódios isolados ou infreqüentes com duração menor do

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que 3 horas e que não necessitam de intervenção clínica. 3. Priapismo maior - episódio prolongado, normalmente durando mais de 12 horas, freqüentemente precedidos por períodos de priapismo recorrente ou menor. Necessitam de hospitalização para tratamento clínico ou cirúrgico. (modificado de 20)

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Capítulo IX

Crescimento e desenvolvimento

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Capítulo IX

CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO Crescimento e desenvolvimento são fenômenos distintos, embora intimamente correlacionados. Crescimento significa aumento físico do corpo enquanto desenvolvimento refere-se ao aumento da capacidade do indivíduo na realização de funções cada vez mais complexas. Crescimento e desenvolvimento constituem a resultante final de um conjunto de fatores que podem ser divididos em extrínsecos ou ambientais (dieta, atividade física, estimulação bio-psicossocial e ambiental) e intrínsecos ou orgânicos (carga genética e sistema neuroendócrino). Assim pode-se concluir que os determinantes desses processos são multifatoriais e na criança falciforme isto não é diferente. É indiscutível o impacto da doença falciforme no crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente. As anormalidades incluem déficits precoces no peso e estatura (significativos já no primeiro ano de vida), atraso na maturação sexual e prejuízo no desempenho escolar. A etiologia destas alterações envolve vários fatores como função endócrina , nutrição , taxa metabólica basal e níveis de hemoglobina fetal. A demanda metabólica, pelo aumento da taxa de eritropoese e do trabalho cardíaco devido à anemia crônica, aumenta as necessidades de proteína, energia e minerais. Além disso, mesmo nos períodos sem crises ou complicações (Steady-state), a hemólise crônica contínua bem como a vasooclusão subclínica resultam em alteração de provas de fase aguda, aumento no metabolismo protéico e balanço nitrogenado negativo. Tudo isso faz com que a taxa metabólica basal do paciente com anemia falciforme seja 20% maior que na população normal. Portanto, mesmo com uma ingestão alimentar adequada quando comparada com controles normais, o paciente falciforme é considerado relativamente subnutrido. Quanto à função endócrina, observa-se um hipogonadismo primário, particularmente no sexo masculino. Em relação ao nível de hemoglobina fetal, verifica-se uma associação direta com o crescimento linear. Deste modo, altos níveis de HbF ao reduzir a taxa de hemólise, diminuem o metabolismo proteíco e o gasto energético, favorecendo melhor crescimento. O nível sócio-econômico exerce um papel multifatorial, interferindo na

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nutrição e na qualidade da assistência médica.

Peso O peso de nascimento das crianças com anemia falciforme é normal.As diferenças antropométricas surgem com o avançar da idade, manifestando-se já no final do primeiro ano de vida. O peso médio das crianças e adultos com anemia falciforme é abaixo do normal, mostrando-se mais alterado quando comparado à altura.

Altura Em relação aos controles normais, as crianças e adolescentes com doença falciforme apresentam menor estatura. Esta diferença é marcante na adolescência já que o estirão de crescimento ocorre aproximadamente dois anos e meio mais tarde. Contudo, a altura final na idade adulta não é prejudicada uma vez que o fechamento epifisário (de acordo com os níveis de HbF) também é mais tardio, permitindo a recuperação.

Desenvolvimento Esquelético A idade óssea é atrasada em relação à cronológica como conseqüência do efeito cumulativo dos infartos ósseos, do baixo peso e da disfunção hormonal secundária à doença.

Desenvolvimento Sexual e Gonadal O início da puberdade é atrasado em ambos os sexos porém, sua progressão é normal. A menarca ocorre aproximadamente dois anos mais tarde em relação ao normal, e este atraso é constitucional. Observa-se uma frequência maior de perdas fetais porém, não foi observada infertilidade nas mulheres. Por outro lado, no sexo masculino há evidências de hipofunção gonadal primária. O volume testicular é diminuído e os níveis de testosterona baixos.

Desenvolvimento Intelectual Embora os métodos de avaliação do desenvolvimento intelectual estejam sujeitos a críticas, vários estudos demonstram prejuízo intelectual e deficiências neuropsiquiátricas sutis nos pacientes com doença falciforme. As possíveis causas seriam fatores associados com a doença crônica (hospitalizações frequentes, faltas escolares, dificuldades sócio-econômicas) e lesões cerebrais sub-clínicas causadas por episódios repetidos de vaso oclusão.

Conclusão Conforme apresentado, fica bem estabelecido que a doença falciforme

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está associada ao atraso no crescimento e desenvolvimento observado nos seus portadores e a magnitude das alterações é função da gravidade do processo hemolítico. Para a maioria dos indivíduos com doença falciforme, os parâmetros de peso e altura estarão dentro de dois desvios padrão em relação ao normal (curvas NCHS) e a maturação sexual completa (sistema de estadiamento de Tanner) bem como a fertilidade deverão ocorrer em torno dos vinte anos de idade. Este padrão de comportamento de crescimento e desenvolvimento também foi observado em pacientes brasileiros com doença falciforme. A velocidade de crescimento é o parâmetro mais importante na avaliação pondero-estatural e, para aqueles indivíduos com diminuição da velocidade de crescimento ou desenvolvimento puberal fora do esperado, está indicada a investigação em termos nutricionais, endocrinológicos e de complicações intrínsecas da própria doença. As consequências psicossociais decorrentes da baixa estatura e do atraso do desenvolvimento puberal também devem ser consideradas, evidenciando a necessidade de uma equipe multidisciplinar no tratamento destes pacientes.

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Capítulo X

Alterações renais nas doenças falciformes

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Capítulo X

ALTERAÇÕES RENAIS NAS DOENÇAS FALCIFORMES Introdução Anemia crônica e crises vasooclusivas freqüentes na medula renal são fatores determinantes das alterações renais observadas nas doenças falciformes. Estas alterações são estruturais e funcionais (14).

Alterações Estruturais As alterações estruturais podem ser glomerulares e medulares. Dentre as alterações glomerulares observa-se, principalmente a dilatação dos glomérulos com hipercelularidade e lobulação dos tufos glomerulares, semelhante ao observado nas glomerulonefrites proliferativas. Duplicação da membrana basal e proliferação mesangial podem ocorrer e aumentam com o progredir da idade. Em pacientes mais velhos pode-se também observar fibrose progressiva, parcial ou completa (7,8,12,14). As alterações medulares são muito frequentes porque a medular renal apresenta condições ideais para falcização como pH e pO2 reduzidos e hipertonicidade. Com frequência há oclusão da vasa recta e lesão dos tubulos renais, com atrofia ou dilatação, presença de cilindros proteicos e deposição de ferro com degeneração do epitélio dos túbulos (5,7,14).

Alterações Funcionais Disfunções hemodinâmicas, hipostenúria, proteinúria, e alteração da síntese dos hormônios renais (eritropoetina, renina e prostaglandina) são frequentemente observadas nas doenças falciformes. As alterações hemodinâmicas se relacionam ao grau de anemia e variam com a idade. Em crianças e adultos jovens observa-se aumento da taxa de filtração glomerular (GFR), dos fluxos sanguíneo e plasmático renais efetivos (ERBF, ERPF) mas a fração de filtração encontra-se reduzida. A anemia, assim como a produção aumentada de prostaglandinas pela medula renal, contribuem para o aumento da GFR e ERPF. Com a idade, há redução progressiva da GFR, ERBF e ERPF e falência renal é causa frequente de óbito em pacientes acima de 40 anos. Proteinúria ocorre em 30 a 50% dos pacientes, nunca abaixo dos 10 anos de idade (7,14). A função dos túbulos proximais e distais também encontra-se

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comprometida na doença falciforme. As alterações nos túbulos proximais se traduzem por maior excreção de urato e sódio, maior reabsorção de fosfatos e de E2-microglobulina e menor reabsorção de zinco. Por outro lado, diminuição da capacidade de acidificar a urina e de excretar potássio têm sido demonstradas em vários estudos, sugerindo comprometimento da função de túbulos distais. Entretanto, a hipercalemia observada nestes pacientes pode ser artefatual, atribuída principalmente à liberação in vitro de potássio pelas hemácias contendo HbS e parcialmente secundária à síntese reduzida de renina e hipoaldosteronismo (4,5,6,7,14). Sucessivos eventos de falcização na medula renal levam a defeito na concentração urinária. Deste modo, a hipostenúria é a primeira manifestação da obliteração da vasa recta.

Manifestações Clínicas Devido à hipostenúria, nictúria, poliúria e enurese são manifestações clínicas comuns das doenças falciformes. Além destas, é também frequente a hematúria, devido a microinfartos na pirâmide renal, às vezes associada à necrose papilar. Costuma ser unilateral, principalmente envolvendo rim esquerdo, e o paciente pode ser assintomático. Dura cerca de 7 dias e tem cura espontânea. A recidiva ocorre em 70% dos casos (7,10,14). Proteinúria é uma das manifestações mais frequentes das doenças falciformes e, quando há albuminúria pode indicar lesão glomerular. Em alguns casos,a proteinúria pode atingir níveis tão altos quanto na síndrome nefrótica mas, a hipercolesterolemia é incomum. O prognóstico destes pacientes é ruim e cerca de 2/3 evoluem para insuficiência renal crônica (1,2,7,8,14). A hipertensão arterial, apesar de ser frequente na raça negra, é incomum em pacientes com anemia falciforme. As infecções do trato urinário parecem ser frequentes nas doenças falciformes e os germes envolvidos são principalmente E.coli e Klebsiella/ Enterobacter sp (14). Infarto renal agudo pode ocorrer durante um episódio de crise vasooclusiva e costuma evoluir com atrofia progressiva do rim comprometido (9). A doença glomerular aguda pode ser observada na doença falciforme e manifesta-se por edema generalizado, albuminúria e níveis normais de complemento. O prognóstico desta doença é bom. A etiopatogenia deste defeito está relacionada à deposição de complexos imunes devido a infecções estreptocócicas ou derivados de antígenos de epitélio de túbulos renais.

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Agregados de células falciformes também podem estar envolvidos na etiopatogenia da doença glomerular aguda pois podem distender os capilares glomerulares e arteríolas aferentes e eferentes (7,14). A insuficiência renal aguda associa-se à desidratação e hipovolemia e a correção destes problemas costuma restaurar a função renal (15). Por outro lado, a insuficiência renal crônica tem prognóstico ruim. O início é insidioso e manifesta-se inicialmente por piora da anemia. Ocorre principalmente na 3a e 4a décadas de vida e progride rapidamente, com deterioração do quadro clínico. Vários fatores estão envolvidos como a esclerose glomerular progressiva, lesão tubular, infartos da medular e cortical renais e infecções.

Exames Complementares O quadro laboratorial das alterações renais se traduzem na urina por: redução da densidade urinária, proteinúria, hematúria, cilindrúria e aumento do clearance de creatinina. O aumento do clearance de creatinina deve-se principalmente ao hiperfluxo renal e maior secreção de creatinina pelos túbulos proximais atingindo, na anemia falciforme, níveis em torno de 160ml/min. Deste modo, o clearance de creatinina não é um bom teste para avaliar a função renal. Porém, com o progredir da doença renal há redução do clearance de creatinina. No sangue observa-se hiponatremia e hiperpotassemia, assim como hipoproteinemia, aumento de uréia e creatinina.

Alterações Radiológicas Urografia excretora: As imagens freqüentemente revelam cistos caliciais, necrose papilar e esclerose cortical. Cabe ressaltar que para utilização de contraste, deve-se diluir previamente a Hb S dos pacientes com transfusões simples ou eritrocitaferese (14). Ultrassom: As imagens costumam ser normais na infância. Nos adultos jovens verificase rins aumentados e em indivíduos com mais de 40 anos os rins podem se apresentar atrofiados (14). Tratamento O tratamento das manifestações renais das doenças falciformes deve incluir a ingestão de líquidos para repor a perda devido à hipostenúria e hidratação parenteral nos casos infartos renais. A hematúria é uma manifestação frequente e pode ser maciça. Recomenda-se nestes casos, além de hidratação

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parenteral com grandes volumes de fluidos, alcalinizaçao da urina, repouso e, se necessário, diuréticos para manter o fluxo urinário alto. As infecções devem ser tratadas com antibióticos específicos e na síndrome nefrótica pode-se utilizar diuréticos. Inibidores da enzima conversora da angiotensina, beta-bloqueadores e bloqueadores do canal de cálcio são indicados para tratamento de hipertensão arterial. O uso de inibidores das enzimas conversoras reduz a albuminúria e talvez previna a progressão da insuficiência renal crônica. Finalmente, diálise peritoneal, hemodiálise e transplante de rim podem ser realizados nos pacientes com insuficiência renal crônica (3,11,16,17).

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Capítulo XI

Lesões osteoarticulares da doença falciforme

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Capítulo XI

LESÕES OSTEOARTICULARES DA DOENÇA FALCIFORME As lesões ósseas e articulares são complicações freqüentes das doenças falciformes. Elas são decorrentes da falcização com isquemia e infarto da medula óssea (MO) e das estruturas ósseas adjacentes.

Crise dolorosa A crise dolorosa é a manifestação clínica mais característica das doenças falciformes. Resulta de falcização com necrose isquêmica nos locais de MO ativa. Na infância, os pequenos ossos das mãos e pés são os mais acometidos. Mais tarde a MO ativa localiza-se nas áreas justa-articulares dos ossos longos, nos ossos chatos como o esterno, as costelas e a pelve, e na coluna vertebral. Esta é também a distribuição das crises dolorosas, que embora sejam freqüentemente interpretadas como articulares envolvem, na maioria das vezes, as áreas justa-articulares dos ossos longos. Incidência, fatores de risco e fatores precipitantes A incidência varia com a idade, o genótipo e os índices hematológicos. A dactilite ocorre quase exclusivamente em crianças abaixo dos 5 anos.As crises dolorosas são menos intensas após os 30 anos e raras acima dos 40 anos. Elas predominam em indivíduos com genótipo SS e SEo talassemia. São mais frequentes em pacientes com níveis mais altos de hemoglobina (Hb) do que nos que apresentam anemia intensa(2,10). Níveis elevados de HbF podem proteger contra crises dolorosas (10), embora nem sempre isto ocorra (2,11). A gravidez e o puerpério representam fatores de risco aumentado para crises dolorosas. Dentre os fatores precipitantes deve-se ressaltar as infecções, a acidose, as grandes altitudes e a exposição ao frio. O mecanismo pelo qual as infecções desencadeiam crises dolorosas é multifatorial: febre, desidratação e acidose. Em grandes altitudes (>2000 m), provavelmente as causas são a hipóxia, a exposição ao frio e os níveis mais altos de Hb. Apesar da exposição ao frio ser referida pelos pacientes como fator desencadeante, não foi demonstrada variação sazonal na incidência de crises dolorosas. Outros fatores como “stress”

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emocional, intoxicação alcoólica, sudorese excessiva e exercício têm sido associados ao desencadeamento de crises dolorosas. Quadro Clínico e Laboratorial A dor é mais freqüente nas regiões justa-articulares dos ossos longos, na região lombar e pélvica. Dor afetando o esterno ou as costelas pode simular dor pleurítica. A dor nas grandes articulações pode ser simétrica ou assimétrica, constante ou de caráter migratório. A intensidade é variável, assim como a duração. Pode ocorrer crise leve, transitória, localizada, ou dores lancinantes, generalizadas, que duram dias ou semanas, sendo necessário, por vezes, a hospitalização do paciente. O hemograma é variável. Existe em geral, leucocitose, mesmo sem infecção, que é atribuida à resposta inflamatória à necrose da MO. Na presença de infecção, a leucocitose é mais marcada e com desvio à esquerda. O infarto da MO pode ser detectado através de cintilografia ou ressonância magnética(9). Tratamento A crise dolorosa é uma situação de risco. O paciente deve ser orientado para procurar atendimento médico imediato. O tratamento consiste em hidratação e analgesia efetiva da dor. A identificação de fatores predisponentes sempre que possível, assim como a pesquisa e o tratamento das infecções associadas, são procedimentos obrigatórios.

Alterações Osteoarticulares Dactilite (Síndrome mão-pé) A dactilite é freqüentemente a primeira manifestação da doença e resulta da necrose isquêmica da MO com dor, secundária ao aumento da pressão intramedular devido ao processo inflamatório subseqüente. Quadro clínico Na infância os pequenos ossos das mãos e pés são afetados e o quadro clínico resultante chamado de síndrome mão-pé, consiste em edema doloroso que pode acometer um segmento de um dedo até as quatro extremidades. Predomina entre 6 meses e 2 anos, tornando-se progressivamente menos freqüente após os 5 anos, quando a MO ativa desaparece dos pequenos ossos periféricos (15).O quadro é de início súbito e dura 1 a 2 semanas. Pode ser precipitado pelos fatores desencadeantes da crise dolorosa, visto tratar-se de crise vaso-oclusiva. O diagnóstico é clínico, já que as alterações radiológicas aparecem após a resolução do quadro.

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Alterações radiológicas A radiografia da região acometida mostra edema de partes moles durante a crise aguda. Após 2 semanas podem aparecer alterações radiológicas com adelgaçamento cortical. Pode haver destruição de metacarpos, metatarsos e falanges e, ocasionalmente desaparecimento do osso envolvido, levando a dedos de diferentes comprimentos (3). Tratamento O tratamento é o mesmo da crise dolorosa. Em geral a recuperação é completa após 2 semanas.

Necrose isquêmica da cabeça do fêmur A necrose isquêmica da cabeça do fêmur é outra forma de necrose da medula óssea, com implicações particulares devido ao local crítico da lesão. A cabeça do fêmur pode apresentar várias alterações com ou sem ruptura da superfície articular, dependendo da idade em que o infarto ocorre. Embora possa ser observada desde a infância, é mais frequente no final da adolescência e em adultos jovens. Quadro Clínico A lesão pode ser assintomática ou causar dor no quadril, que piora com a movimentação. O suporte contínuo de peso sobre a cabeça femural amolecida resulta em colapso e lesão da superfície articular. A evolução clínica depende da idade em que o infarto ocorre. Antes dos 18 anos resulta em achatamento da cabeça femural com remodelamento do acetábulo e manutenção da função articular. O envolvimento da cabeça femural madura é segmentar, com colapso da porção medial resultando em dor persistente e em deformidade. Nos estados mais avançados há reabsorção da cabeça femural, sinais de osteoartrose e total destruição óssea com fibrose e anquilose (14). Alterações Radiológicas Existem 2 padrões de alteração, de acordo com a maturidade da cabeça femural por ocasião da necrose. Em crianças há amolecimento da epífise, que com o suporte contínuo de peso, toma a forma de cogumelo. O acetábulo se amolda a esta nova forma. A superfície e o espaço articular estão preservados e a articulação conserva a função, não havendo sintomas na vida adulta. Nos pacientes mais velhos a necrose é segmentar, afetando mais frequentemente a região ântero-superior (8). O suporte contínuo de peso pode levar à depressão do segmento isquêmico amolecido, com redução do espaço articular e dor à mobilização. A ruptura da superfície articular e o colapso da cabeça femural

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produzem vários sinais radiológicos que incluem zonas densas, lesões líticas e sequestro de fragmentos. Diagnóstico Nas lesões bem estabelecidas o diagnóstico é fácil, mas a detecção precoce é fundamental para deter o processo e minimizar as alterações irreversíveis. O método mais sensível para o diagnóstico precoce parece ser a ressonância magnética (6), que demonstra lesões quando a radiografia simples é normal. Tratamento Depende do estado da doença. O tratamento efetivo baseia-se no diagnóstico precoce, antes da instalação da lesão articular. Nestes estados, evitar o suporte de peso pode permitir a cicatrização com preservação da forma da cabeça femural. Nos estados mais avançados, quando existe dor e limitação de movimentos, o tratamento é sintomático. Nos casos de sintomas persistentes e intensos, o tratamento é a colocação de prótese de quadril. As complicações são comuns, embora os resultados a curto prazo sejam bons (4).

Outras alterações osteoarticulares A circulação sinusoidal da MO é muito propícia à falcização, podendo ser acometidos outros ossos além dos já citados. Os locais mais afetados são o terço superior da tíbia, o terço superior e inferior do rádio ou da ulna e o terço inferior do úmero. Geralmente existe hipersensibilidade local, edema e, nos locais superficiais, uma elevação palpável do periósteo. As lesões são geralmente únicas, mas podem ser múltiplas e ocasionalmente afetam o osso todo, como no caso do úmero e da clavícula (14). Outra alteração óssea característica ocorre na coluna vertebral, particularmente durante a segunda década de vida. Oclusões recorrentes nas artérias principais levam a alterações isquêmicas da porção central da placa de crescimento dos corpos vertebrais. As margens das vértebras, que são supridas por vasos metafisários perfurantes, continuam a crescer normalmente. Este crescimento irregular causa uma depressão central, simétrica, produzindo a deformidade referida como “boca de peixe”(12). As articulações são afetadas geralmente pela necrose do osso adjacente. Nestes casos pode ocorrer derrame articular, dor, febre e leucocitose, sendo difícil o diagnóstico diferencial com artrites infecciosas (13). Esporadicamente pode ocorrer doença articular secundária a gota e artrites sépticas. A expansão da medula óssea de longa duração pode levar a alterações esqueléticas visualizadas principalmente em radiografias do crânio que mostram

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espessamento da diploe. Às vezes, esta alteração pode ser intensa a ponto de ter o aspecto de “cabelos eriçados” ou imagem em pente.

Osteomielite A osteomielite nas doenças falciformes é mais freqüentemente causada por salmonella. Tem distribuição semelhante à da necrose isquêmica e provavelmente representa a colonização do osso morto após bacteremia por Salmonella. Infecções ósseas por Staphilococcus e Pneumococcus, indistinguíveis das infecções por salmonella, também ocorrem com freqüência aumentada (14). O diagnóstico diferencial entre necrose isquêmica e osteomielite é difícil nos estadios iniciais. Baseia-se na presença de maior edema, de alterações radiológicas mais intensas, de distúrbios sistêmicos mais acentuados e no isolamento de microrganismos em hemoculturas ou em material de drenagem óssea direta. Técnicas combinadas de cintilografia podem fornecer diagnóstico mais precoce (1,7). A freqüência de osteomielite por salmonella na população com doença falciforme provavelmente reflete a freqüência de portadores de salmonella na população geral. Espera-se, portanto, que a melhoria nos padrões de saúde leve à diminuição da incidência de osteomielite por Salmonella. O tratamento é feito através de antibioticoterapia prolongada e apropriada ao agente infeccioso. Às vezes drenagem cirúrgica ou sequestrectomia são necessárias. O prognóstico é bom, mas a doença pode recorrer após meses ou anos (5).

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Alterações oculares na doença falciforme

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Capítulo XII

ALTERAÇÕES OCULARES NA DOENÇA FALCIFORME As manifestações oculares neste grupo de doenças são consequentes ao fenômeno vasoclusivo que ocorre por todo o organismo. Em nenhum órgão os efeitos desta patologia de base são tão claramente observados como no olho. As alterações retinianas são as mais importantes para a morbidade ocular e foram reconhecidas pela primeira vez por COOK em 1930 (1). Nos anos que se seguiram, vários achados retinianos foram descritos como: microaneurismas de retina, hemorragia vítrea e retiniana e tortuosidade venosa. HENRY & CHAPMAN (2), em 1954, reconheceram a existência da “retinitis proliferans” indicando, pela primeira vez, a formação neovascular na retina. Foi somente GOLDBERG (3) em 1971, que apresentou uma classificação das alterações proliferativas da retina com bases fisiopatológicas. Os neovasos complicam-se com hemorragia vítrea ou descolamento de retina e levam à perda da visão. As várias camadas do globo ocular, bem como seus anexos, podem estar comprometidos individual ou associadamente.

Pele e Órbita A doença orbitária relacionada à falcização não é uma manifestação clínica comum, ocorre em pacientes pediátricos (4). O quadro clínico é de uma crise de falcização sistêmica, acompanhada de cefaléia e dor ocular. Passados um ou dois dias do início dos sintomas, há edema palpebral e proptose, mais comumente unilateral. Pelas alterações tomográficas, este quadro tem sido interpretado como infarto de medula óssea envolvendo os ossos da óbita. A dor e a proptose começam a regredir em poucos dias após a introdução da terapia sistêmica para a crise.

Conjuntiva Desde a década de quarenta foi reconhecida a estagnação do sangue em vasos da conjuntiva na doença falciforme. Em 1961, PATON (5) caracterizou estas alterações vasculares como sendo segmentos capilares múltiplos, em forma de vírgula ou espiral, separados da rede vascular da conjuntiva. Este sinal tem valor diagnóstico, especialmente para os pacientes SS (6), e é reversível pela administração de oxigênio ou de sangue contendo Hb A.

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Úvea Ocasionalmente, pode ocorrer atrofia de íris por oclusão dos vasos do estroma. Os dois pacientes que tivemos oportunidade de examinar com esta afecção apresentavam genótipo SC e tinham mais de quarenta anos. A camada avascular da íris, ou seja o epitélio pigmentar, não é afetada e esta intercorrência não provoca distúrbios visuais. A neovascularização da íris pode ocorrer porém é rara e secundária a um quadro importante de retinopatia proliferativa.

Canais de Drenagem Nos pacientes com o alelo para a HbS, incluindo os portadores assintomáticos, pode ocorrer uma obstrução à drenagem do humor aquoso. O consequente aumento da pressão intraocular (PIO) leva ao glaucoma com suas consequências desastrosas para a visão. A cegueira por dano glaucomatoso é um problema importante do trauma em pacientes falciforme que podem ter a PIO aumentada mesmo com traumas insignificantes. Em 1978 GOLDBERG (7) descreveu três pacientes AS e um SC com hifema traumático (sangue na câmara anterior) e glaucoma secundário. O humor aquoso destes pacientes continha uma quantidade maior de drepanócitos que o sangue venoso. Concluiuse que as condições específicas do humor aquoso, parado e sequestrado no ambiente ocluso dos hifemas, exacerbariam a transformação das hemácias em falciformes. O mecanismo do glaucoma nestes pacientes inclui: trauma contuso dos canais de drenagem, acúmulo de debris de eritrócitos e macrófagos, depósito de ferro, bloqueio pupilar por coágulo e, especialmente bloqueio trabecular pelos drepanócitos. Pequenas elevações da PIO interferem mais com a perfusão da artéria central da retina e vasos do nervo óptico nestes pacientes que naqueles sem esta hemoglobinopatia. Foi descrito atrofia óptica após dois dias de PIO moderadamente elevada (8) e tem ocorrido oclusão da artéria central da retina nesta situação. A abordagem nestes casos deve ser imediata e cirúrgica ou seja, a lavagem do hifema. Métodos convencionais de tratamento clínico do glaucoma são ineficientes.

Fundo de Olho A papila pode estar alterada de duas formas. A presença de pequenos segmentos vasculares em sua superfície, semelhantes aos encontrados na conjuntiva, têm valor diagnóstico mas não representam perigo para a visão. A formação neovascular pode ocorrer na papila mas, esta localização é incomum e, quando ocorre, é consequente a uma isquemia periférica mais grave e associada a neovasos retinianos extensos. Acredita-se que seja necessária uma moléstia intercorrente, como o diabetes mellitus e a hipertensão arterial sistêmica, para

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que ocorra neovascularização de papila. A presença de estrias angióides foi descrita em associação com a anemia falciforme em 1957 (9). Sua ocorrência tem nítida correlação com a idade. Sendo praticamente inexistente na infância, pode chegar a uma incidência de 22% após os 40 anos de idade (10). Quanto à fisiopatologia, sabe-se que a deposição de cálcio na membrana de Bruch da retina torna-a mais quebradiça. O simples movimento de esfregar os olhos provoca rupturas nesta membrana levando à formação das estrias. A retina é o local onde aparecem as lesões mais características deste grupo de doenças. O resumo dos eventos está esquematizado na figura 1. Todas as alterações a serem descritas ocorrem na periferia da retina onde o calibre vascular é menor. Os vasos da retina dicotomizam-se à medida em que, saindo do nervo óptico, dirigem-se para a periferia da retina (sua parte mais anterior no globo ocular). A circulação é do tipo terminal, ou seja, não há anastomoses. Os vasos periféricos são mais finos e portanto mais suceptíveis à oclusão por um êmbolo de eritrócitos falcizados. Esta zona da retina não pode ser observada em sua totalidade com aparelhos diagnósticos comuns como o oftalmoscópio direto. Nos pacientes com doença falciforme impõe-se o exame detalhado da retina com o oftalmoscópio indireto feito por um oftalmologista e, mais especificamente, por um retinólogo. Todas as alterações periféricas da retina são mais freqüentes nos pacientes com genótipo SC (11). Podem ocorrer em crianças (12) mas são mais freqüentes na idade adulta. Quando uma arteríola de tamanho intermediário é ocluída subitamente por um “plug” de drepanócitos, pode ocorrer uma hemorragia presumivelmente por necrose isquêmica da parede do vaso. Esta hemorragia é do tamanho de meio a um milímetro e meio e aparece à oftalmoscopia como uma mancha vermelha, bem definida e de formato oval ou redondo. Inicialmente vermelha, assume a cor alaranjada em alguns dias, de onde é derivado seu nome na língua inglesa: “salmon patch”. Com o passar do tempo, a hemorragia torna-se amarelada e depois branca desaparecendo em seguida sem deixar marca ou deixando um brilho localizado, o que reflete uma retina mais fina, parcialmente atrófica. Se a hemorragia for intraretiniana, ela pode dar orígem a uma cavidade de “schisis” ou seja, a separação entre as camadas da retina, onde ficarão aprisionados macrófagos contendo cristais de hemossiderina e vindos da degradação do sangue. Se a hemorragia intraretiniana estiver situada em uma camada mais profunda, haverá a formação de uma lesão hiperpigmentada, semelhante a uma cicatriz de corioretinite, o “black sunburst”. As alterações proliferativas, mais importantes para a morbidade ocular, apresentam em sua seqüência de eventos um início comum às alterações

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não proliferativas já descritas, ou seja, a oclusão de uma arteríola (fig.1). Os vasos ocluídos por rolhas de hemácias falcizadas podem ser recanalizados se as condições homeostáticas locais e sistêmicas o permitirem. Para que o processo de retinopatia proliferativa se instale, deverá haver uma oclusão definitiva do vaso com hipóxia retiniana consequente. A cronologia do que ocorre na retina pode ser documentada através de exames angiográficos da retina, a angiofluoresceinografia. Uma substância fluorescente, a fluoresceína sódica, é usada em infusão endovenosa e fotografada através de filtros pela pupila (fig 2). Observarmos que nesta figura não aparece o nervo óptico e a mácula. Isto ocorre porque estamos estudando sempre a periferia do fundo de olho, onde ocorrem as lesões na doença falciforme, e não o polo posterior. Descrevemos, a seguir, a fisiopatologia proposta por GOLDBERG (3) para a retinopatia proliferativa falciforme. A oclusão das arteríolas na periferia da retina, especialmente na região temporal, acaba por delimitar uma zona avascular anterior e uma zona vascularizada posterior (Fig 2a). Na junção entre a retina vascular e avascular começam a brotar os neovasos como em uma “tentativa de revascularizar a área não perfundida”, estimulados por um fator angiogênico produzido pela retina isquêmica (figs. 2a-c). Estes neovasos são chamados de “sea fan” devido à sua semelhança com o invertebrado marinho Gorgonia flabelum. Nas fases seguintes há aumento e coalescência das lesões (figs. c,d). Os neovasos aparecem “ borrados “ enquanto os vasos normais da retina apresentam o contorno nítido. Isto se deve ao fato de que as paredes dos neovasos, ao contrário das dos vasos da retina, são incompetentes à fluoresceína bem como a muitas moléculas sanguíneas. A fluoresceína passa para a cavidade vítrea e torna a imagem dos neovasos imprecisa (fig. 3b). Devido à constante transudação para o vítreo, este torna-se organizado, traciona os neovasos e provoca uma hemorragia vítrea. Esta, inicialmente localizada ao redor dos neovasos (fig 3 a,b), pode atingir o eixo visual e causar sintomas de “moscas volantes”e de diminuição ou perda da visão. A repetição destes fenômenos hemorrágicos causa agravamento da tração que pode provocar o descolamento de retina. O tratamento cirúrgico da hemorragia vítrea e do descolamento de retina é muito problemático nestes pacientes. Deve-se tratar os neovasos com laser assim que detectados (13). O tratamento com laser é praticamente isento de complicações e mesmo neovasos com pouca extensão circunferencial na retina podem provocar hemorragia vítrea (14). Conclui-se que o acompanhamento periódico e constante pelo oftalmologista e a íntima colaboração entre as especialidades é de capital importância para a melhora da qualidade de vida destes pacientes.

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Figura 1. Mecanismo de formação das alterações retinianas na doença falciforme.

FALCIZAÇÃO INTRAVASCULAR OBSTRUÇÃO ARTERIOLAR ISQUEMIA RETINIANA ANASTOMOSES ARTERIOVENOSA N E O VASCULARIZAÇÃO (“SEA FAN”)

HEMORRAGIA PRÉ-RET

INTRA-RET

SCHISIS

SUB-RET

“BLACK SUNBURST”

HEMORRAGIA VÍTREA

CORPOS IRIDESCENTES

DESCOLAMENTO DE RETINA PRÉ-RET=Preretiniana, INTRA-RET=Intraretiniana, SUB-RET=Subretiniana

Figura 2. Neovasos na periferia da retina à angiofluoresceinografia. a) Oclusão vascular (seta) e remodelamento capilar (*) entre a retina vascularizada (v) e avascular (av). b) “sea fan” típico em forma de leque (seta). c) “sea fan(s)” múltiplos entre a retina v e av (setas). d) extensa vascularização equatorial dada pela coalescência de “sea fan(s)”.

a

b

c

d

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Figura 3. Lesão neo vascular na retina com hemorragia localizada. a) fotografia colorida mostrando uma leão branca. b) Angiograma mostrando uma lesão fortemente vascularizada (*), com sangue ao redor (seta).

a

b

Referências Bibliográficas 1- COOK WC. A case of sickle cell anemia with associated subarachnoid hemorrhage. J. Med.,v. 11, p.541, 1930 2- HENRY MD, CHAPMAN AZ. Vitreous hemorrhage and retinopathy associated with sickle-cell disease. Am. J. Ophthalmol. v. 38, p. 204-209, 1954 3- GOLDBERG MF. Natural history of untreated proliferative sickle retinopathy. Arch Ophthalmol. v. 85, p. 428-437, 1971 4- BLANK JP, GILL FM. Orbital infarction in sickle cell disease. Pediatrics, v. 67, p. 879-881, 1981 5- PATON D. The conjuntival sign of sickle cell disease. Arch Ophthalmol. v. 66, p. 90-94, 1961 6- NAGPAL KC, ASDOURIAN GK, GOLDBAUM MH, RAICHAND M, GOLDBERG MF. The conjuntival sickling sign, hemoglobin S, and irreversibly sickled erythrocytes. Arch. Ophthalmol, v. 95, p. 808-11, 1977 7- GOLDBERG MF. The diagnosis and treatment of sickled erythrocytes in human hyphemas. Trans. Am. Ophthalmol. Soc., v. 76, p. 481-501, 1978 8- CROUCH ER Jr, FRENKEL M. Aminocaproic acid in the treatment of traumatic hyphemas. Am. J. Opthalmol. v. 81, p. 355360, 1976 9- GOODMAN G, von SALLMANN L, HOLLAND MG. Ocular manifestations in sickle cell disease. Arch. Ophthalmol., v. 58, p. 657-82, 1957 10- CONDON PI, SERJEANT GR. Ocular findings in elderly cases of homozygous sickle cell disease in Jamaica. Br. J. Ophthalmol., v. 60, p. 361-364, 1976 11- BONANOMI MTBC, CUNHA SL, ARAUJO JT. Fundoscopic alterations in SS and SC hemoglobinopathies. Study of a brasilian population. Ophthalmologica v.197(1), p. 26-33, 1988 12- GONÇALVES JCM, BRAGA JAP, NIONE AS, SIMOCELI RA, YAMAMOTO M. Retinopatia falciforme em crianças. Arq. Bras. Oftal., v. 53(4), p. 158-61, 1990 13- FARBER MD, JAMPOL LM, FOX P, MORIARTY BJ, ACHESON RW, RABB MF, SERJEANT GR, A randomized clinical trial of scatter photocoagulation of proliferative sickle cell retinopathy. Arch. Ophthalmol., v. 109, p. 363-367, 1991 14- BONANOMI MTBC, CUNHA SL. Neovascularização da retina em hemoglobinopatia SC e hemorragia vítrea. Arq. Bras. Oftal., v. 60(1), p. 24-33, 1997

Capítulo XIII

Úlcera de membros inferiores

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Capítulo XIII

ÚLCERAS DE MEMBROS INFERIORES Úlceras de membros inferiores estão entre as mais evidentes manifestações cutâneas da anemia falciforme em virtude de sua elevada frequência, cronicidade e resistência à terapia disponível, com elevadas taxas de recorrência. Essas lesões podem afetar socialmente o indivíduo acometido, comprometem sua capacidade produtiva e respondem por significativa parcela da procura aos serviços de saúde. Clinicamente há grande variabilidade no tamanho das lesões que podem ainda ser extremamente dolorosas. Quase sempre se desenvolvem nos tornozelos, acima dos maléolos lateral e medial; mais raramente surgem na região prétibial e dorso do pé. O início pode ser espontâneo, ou subseqüente a trauma, por vezes leve como a picada de um inseto. Edema subjacente à lesão é um antecedente comum. Tipicamente, as úlceras formam uma depressão central, cercada por uma margem com suave elevação das bordas e edema ao redor. Pode haver exsudação, formação de crostas e tecido de granulação na base. Algumas úlceras são profundas com envolvimento dos tecidos subcutâneos, por vezes acompanhadas de reação periostal que pode ser visível ao exame radiológico. Úlceras mais crônicas podem apresentar margens nodulares e irregulares. Variações em sua aparência são influenciadas pela cronicidade, presença de infecção secundária e terapia prévia (2,5).

Evolução e Complicações Bactérias são freqüentemente isoladas da base de úlceras de pacientes com doença falciforme e embora possam representar a colonização de tecidos isquêmicos desvitalizados, evidências clínicas sugerem que a infecção pode contribuir para a manutenção e agravamento das úlceras. Exames microbiológicos revelam a presença de infecção única ou múltipla, com igual frequência. Staphylococcus aureus, Pseudomonas e Streptococcus são os germes mais frequentemente encontrados, embora não raramente são descritos casos de infecção por anaeróbios (Bacteroides), encontrados mais frequentemente em situações de múltipla infecção, geralmente acompanhadas de odor fétido. Surpreendentemente, infecção sistêmica é uma complicação rara dessas úlceras crônicas. Extensão da infecção ao osso adjacente é uma preocupação constante e de difícil exclusão sem a biópsia na presença de dor, celulite e reação periostal. Raramente foi descrito o desenvolvimento de tétano e em um estudo

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demonstrou-se a presença de Corynebacterium diphtheriae em 10% dos pacientes falciformes portadores de úlceras (2,4). Outras complicações de úlceras de membros inferiores em pacientes falciformes incluem o desenvolvimento de fibrose subcutânea crônica com maior comprometimento da trama vascular, deformidade articular, periostite crônica, artrite localizada e mais raramente, osteomielite. A presença de úlceras em membros inferiores não parece estar associada a maiores complicações sistêmicas. Ausência de cicatrização ocorre em até 60% dos casos, frequentemente com evolução arrastada por meses e até anos e geralmente associada a lesões maiores. A taxa de recorrência é variável nos diversos estudos, de 25 a 97%, dependendo do tamanho da úlceras e, possivelmente, dos cuidados locais administrados. A recorrência geralmente ocorre cerca de 6 a 8 meses após a cicatrização inicial. A fisiopatologia dessas úlceras envolve etiologia multifatorial, mas a hipóxia tissular pode ser entendida como o fator principal e conseqüência, por sua vez, da deficiente deformabilidade das hemácias, de alterações no endotélio vascular, alteração na viscosidade sanguínea, ativação da coagulação, alteração no tono vascular e até mesmo a presença de imunocomplexos circulantes (1,3).

Prevalência e Incidência A incidência de úlceras de membros inferiores varia enormemente nos diferentes estudos e em um grande estudo cooperativo americano o acometimento geral foi de 25% em média; em um estudo jamaicano a taxa de desenvolvimento de úlceras foi de 75% para o grupo de pacientes acima de 30 anos e de 65% para aqueles com idade entre 15 a 19 anos. As razões para essa aparente variabilidade incluem falhas de notificação, variação fenotípica e ambiental e fatores sócio-econômicos (5).

Fatores de Risco De modo geral podem ser agrupados em quatro categorias de influência: a. Grande influência Incluem a história passada (ou a presença ativa) de úlcera; o genótipo, pois pacientes com anemia falciforme apresentam mais episódios do que pacientes com SE talassemia e hemoglobinopatia SC; idade maior do que 20 anos está associada a uma maior incidência e muito raramente são descritos casos de úlcera de membros inferiores em indivíduos com menos de 10 anos de idade. b. Influência moderada A presença de 4 genes alfa normais está associada com mais eventos

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mórbidos do que 2 ou 3 genes presentes; nível de hemoglobina menor do que 6 g/dl, nível de hemoglobina fetal menor do que 5% e sexo masculino também apresentam mais episódios ulcerosos (esse último item na proporção de 3:1). c. Influência provável. Haplótipos e distribuição geográfica. d. Influência possível. Haplótipo do HLA.

TRATAMENTO

Prevenção Medidas educativas devem ser tomadas no sentido de prevenir úlceras de perna em todos os pacientes. Assim, a prevenção de traumas através da utilização de sapatos e meias de algodão, usar repelentes para prevenir picadas de insetos, e hidratantes para evitar exfoliação e escarificação da pele, não utilizar as veias dos pés como acesso venoso e pronto tratamento de pequenos traumas, são medidas úteis que devem ser lembradas em todas as consultas, principalmente para aqueles pacientes com história prévia de úlceras. Quando há presença de edema ou úlceras prévias, deve-se prescrever meias elásticas de média compressão que se extendam acima dos joelhos. Além disso, deve-se manter as pernas elevadas sempre que possível e restringir o sal durante o verão.

Tratamento das úlceras estabelecidas A abordagem terapêutica utilizada para as úlceras de membros inferiores na anemia falciforme é semelhante à de pacientes com úlceras de outras etiologias. O sucesso no tratamento depende de perseverança e paciência do médico e do enfermo. Antecipa-se o tempo de cicatrização em algumas semanas para úlceras acima de 3-4 cm de diâmetro. Medidas locais são o principal ponto da terapêutica e consistem em desbridamento suave, tratamento do edema e controle de infecção. De modo geral, as úlceras pequenas e não infectadas devem ser limpas com água e sabão neutro, após o qual pode ser feito desbridamento e curativo. Deve-se também aplicar vaselina na pele sã ao redor da úlcera, massageando para evitar o ressecamento e progressão da lesão. Em úlceras de longa duração ou com secreção deve-se utilizar antibiótico tópico após a limpeza da úlcera com água e sabão neutro. O desbridamento só deve ser realizado em úlceras limpas, e não infectadas.

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a. Desbridamento Uma maneira simples e bastante eficaz de obter-se a remoção de tecidos desvitalizados. Consiste na aplicação de compressas de gaze embebida apenas em salina estéril, deixando-as sobre a úlcera até a secagem completa; após esse período a cobertura é retirada, trazendo consigo grande parte de crostas e tecidos necróticos aderentes. Esse método deve ser repetido duas a três vezes no dia. Ácido acético a 1% pode também ser utilizado de maneira semelhante, entretanto com excessiva capacidade secativa para algumas úlceras. A eficácia desse desbridamento pode ficar comprometida se o paciente apresentar dor forte na região ulcerada no momento de retirar a gaze seca, nesse caso havendo a necessidade de administração de analgésicos orais como Codeína (Tylex) e/ou Ibuprofen (Motrim), ou venosos como dipirona/prometazina (Lisador) e até morfina ou seus derivados. Soluções hipertônicas como cloreto de sódio cristalino podem ser úteis em casos com grande exsudação. Deve-se informar o paciente de que inicialmente haverá aumento da área ulcerada como conseqüência de remoção dos tecidos necróticos. Pode-se também utilizar papaína ou pasta de mamão fresco liquidificada e colocada sobre a úlcera por cerca de 10 horas. A remoção da pasta é feita com água corrente e depois faz-se o curativo. Este procedimento pode ser repetido caso ainda reste fibrina. b. Controle do edema. O edema pode ser geralmente controlado pelo uso de compressão elástica enquanto o controle da úlcera é realizado pelas técnicas de desbridamento. Após o desbridamento, botas de gel impregnadas com óxido de zinco, (conhecidas como botas de Unna), são úteis para prevenção do edema e melhorar a cicatrização. O repouso e elevação do membro acometido é igualmente importante, sendo comuns as observações de acentuada melhora durante a hospitalização com novo recrudescimento das lesões quando o paciente recebe alta hospitalar antes da completa cicatrização. c. Controle da infecção É comum a existência de celulite ou linfadenite pelos germes anteriormente descritos e que devem ser pesquisados através de análises microbiológicas com a posterior administração sistêmica (quando indicado) e tópica (rotineiramente) de antibióticos. Pomadas de neomicina+bacitracina, garamicina ou sulfadiazina de prata (1%) são utilizadas com bons resultados no combate aos germes que mais frequentemente infectam estas lesões. Sugerimos que sempre sejam realizados cultura e antibiograma das lesões para escolha adequada do antibiótico tópico a ser utilizado. A administração sistêmica

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de antibióticos deve ficar reservada para casos onde haja celulite e linfadenite. d. Terapia com zinco via oral. Provavelmente é adequada a todos os pacientes, na dose de 600 mg/dia em duas ou três tomadas, embora suas bases fisiopatológicas ainda não sejam completamente conhecidas. Pode haver inclusive indicação do zinco por via oral em úlceras de outras etiologias como as de estase venosa. e. Ausência de resposta à terapêutica. Infelizmente a cicatrização nem sempre é conseguida e métodos alternativos para a terapêutica poderão ser empregados. O repouso com elevação do membro afetado é de suma importância e algumas vezes somente a hospitalização, embora com custos aumentados, irá garantir essa medida. Tratamento com oxigênio hiperbárico tem sido raramente descrito como um método de preservar os benefícios cicatrizantes do oxigênio tópico através de uma tenda que envolve a úlcera, sem, no entanto, toxicidade sistêmica. Seu uso em regime ambulatorial deverá ser prolongado e frequente. Também são descritos casos de melhora de lesões crônicas e refratárias à terapêutica habitual com programa ambulatorial de transfusões para elevação da hemoglobina. Nesse caso o paciente receberá transfusões regulares por cerca de 6 meses, até a completa cicatrização da úlcera. Finalmente, enxertos de pele podem ser considerados avaliando-se tamanho da úlcera, cronicidade e sintomatologia. Enxertos simples ou rotação de retalhos de pele são igualmente empregados, mas a alta taxa de recidiva faz dessa abordagem o último recurso. A úlcera deverá estar livre de infecção ativa e a aplicação de ex-sanguíneo transfusão pré-operatória é recomendada.

Referências Bibliográficas 1- DOVER GJ, VICHINSKY EP, SERJEANT GR, ECKMAN JR. Update in the treatment of sickle cell anemia : issues in supportive care and new strategies. Education Program of the American Society of Hematology, p. 21-32, 1996 2- ECKMAN JR. Leg ulcers in sickle cell disease. Hematology/ Oncology Clinics of North America , v. 10, p. 1321-1332, 1996 3- PLATT OS. The Sickle Syndromes in Blood. In: HANDIN RI, LUX SE, STOSSEL TP. J.B. Principles and Practice of Haematology. Lippincott, p. 1645-1700, 1995 4- PHILLIPS G, ECKMAN JR, HEBBEL RP. Leg Ulcers and Myofascial Syndromes. In: EMBURY SH, HEBBEL RP, MOHANDAS N, STEINBERG MH. Sickle Cell Disease: Basic Principles and Clinical Practice. New York, Raven Press, p. 681-688, 1994 5- SERJEANT GR. Sickle Cell Disease 2nd. Oxford University Press, p. 197-206, 1992

Capítulo XIV

Alterações cardíacas

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Capítulo XIV

ALTERAÇÕES CARDÍACAS Introdução As alterações dos sistema cardiovascular estão presentes na quase totalidade dos pacientes portadores de anemia falciforme (1,2). Muitas vezes, as manifestações desse aparelho constituem o aspecto dominante no quadro clínico. Essas alterações decorrem basicamente de: a) reações adaptativas ao estado anêmico crônico; b) lesões do sistema cardiovascular especificamente associadas à doença falciforme. a -Alterações adaptativas à anemia crônica (3,4) Como em outras anemias crônicas, ocorre na anemia falciforme um aumento acentuado do débito cardíaco. O fenômeno primariamente relacionado à gênese desse estado hipercinético (situação de débito cardíaco aumentado) é a hipóxia tissular resultante da capacidade de transporte de oxigênio reduzida, vinculada à queda da quantidade de hemoglobina. A hipóxia tissular é um estímulo potente de vasodilatação arteriolar (mediante liberação de agentes vasodilatadores gerados pelo metabolismo anaeróbico que se estabelece nesses tecidos). A vasodilatação arteriolar promove aumento do fluxo sangüíneo que concorre para reequilibrar a oferta de oxigênio. Essa queda da resistência arterial periférica significa, do ponto de vista hemodinâmico, uma significativa facilitação do desempenho ventricular (queda da impedância ejetiva) que assume comportamento hiperdinâmico (aumento da fração ejetiva) e participa no estabelecimento do alto débito cardíaco. Secundariamente, a vasodilatação do leito arteriolar permite trânsito de maior fluxo sangüíneo para o lado venoso da circulação sistêmica que resulta no aumento do retorno venoso para as cavidades cardíacas. Esse aumento da pré-carga ventricular (aumento do volume de enchimento das cavidades ventriculares) determina aumento da força de contração miocárdica e representa fator adicional na gênese do estado de alto débito. Ademais, o estado anêmico provoca aumento da atividade simpática reflexa (que provoca taquicardia e aumento da força de contração ventricular) e ativação do sistema humoral (promotor da retenção de sal e água que expandem a volemia e ampliam o efeito de aumento da pré-carga), fatores coadjuvantes no estabelecimento do estado hipercinético da circulação sangüínea.

b- Alterações especificamente associadas à anemia falciforme As células falcizadas conferem ao sangue viscosidade relativamente maior do que aquela esperada para o mesmo nível de hematócrito visto em anemias

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de outras etiologias, nas quais a viscosidade reduzida do sangue circulante constitui fator facilitador da ejeção ventricular e de redução do trabalho cardíaco (5,6). Esse aumento relativo da viscosidade na anemia falciforme representa um fator de desgaste cardíaco que necessita sustentar um débito elevado sem a compensação da queda da viscosidade. Ainda que um processo miocardiopático especificamente associado à anemia falciforme não tenha sido documentado do ponto de vista anátomopatológico, observa-se áreas de fibrose causadas por microinfartos isquêmicos que contribuem para o processo degenerativo miocárdico, envolvendo particularmente as regiões supridas por circulação de padrão terminal como as cabeças dos músculos papilares que são sede de infartos e substituição fibrótica. Outras áreas de infarto miocárdico transmural com artérias coronárias subepicárdica normais são raramente detectados na doença e atribuídos a fenômenos vasoclusivos na microcirculação coronária (7).

Manifestações clínicas É comum observar-se no exame físico pulsos amplos e céleres (velocidade de inscrição da onda de pulso aumentada, com ascensão e colapso rápidos), pulsatilidade visível das grandes artérias (como os vasos da base do pescoço), impulsividade precordial com sinais de aumento da área cardíaca (choque da ponta do coração com extensão aumentada). Comumente percebe-se à ausculta aumento da intensidade das bulhas com presença de terceira bulha (ritmo em 3 tempos). Pode-se detectar ainda aumento da intensidade da segunda bulha no foco pulmonar sem que esse achado guarde correlação com hipertensão pulmonar. É bastante freqüente detectar-se sopros sistólicos ejetivos melhor audíveis ao longo da borda esternal esquerda, às vezes rudes e associados a frêmitos (sensação tátil de vibração sobre o precórdio), e mais raramente percebese sopros diastólicos na região do choque da ponta. Ambos os sopros guardam o mesmo significado de expressão da síndrome de hiperdinamia circulatória sem que indiquem a presença de anormalidade estrutural do aparelho valvar. Devido a estes tipos de achados é habitual a necessidade de exames ecocardiográficos para auxílio na diferenciação com doença valvar reumática ou cardiopatias congênitas. O eletrocardiograma é alterado na grande maioria dos pacientes (2). As alterações mais freqüentes são sinais de sobrecarga ventricular esquerda, prolongamento do intervalo PR e alterações difusas e inespecíficas da repolarização ventricular (segmento ST e onda T). Mais raramente podem ser encontrados sinais de sobrecarga ventricular direita. Em geral, parece que o eletrocardiograma guarda pobre correlação com o estado clínico dos pacientes

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e é de ajuda limitada em determinar o estado da função cardíaca e a real presença de hipertrofia ventricular. O exame radiológico do tórax comumente revela sinais de cardiomegalia em quase todos os casos. De modo geral, o aumento das câmaras cardíacas é global e a forma da área cardíaca tende a ser globosa. A artéria pulmonar pode ser proeminente, bem como a trama vascular pulmonar e o aspecto pode causar confusão com cardiopatias congênitas com hiperfluxo pulmonar. Contudo, a trama vascular pulmonar apresenta aspecto de redistribuição (predominando nos ápices) apenas nos casos de insuficiência ventricular esquerda sendo um importante sinal indicativo de descompensação. Ainda que a maioria dos pacientes, principalmente nos primeiros anos de vida, possam ser completamente assintomáticos, aqueles exibindo fenótipo mais grave da doença podem referir dispnéia e fadiga muscular aos esforços, sem que outros achados clínicos possam corroborar a impressão de insuficiência cardíaca. É difícil, do ponto de vista clínico, a diferenciação dessas queixas entre manifestações da anemia crônica ou sintomas de disfunção cardíaca, apesar desses pacientes, com muita freqüência, exibirem cardiomegalia, ritmo em três tempos e sopros de caráter orgânico.

Evolução clínica A princípio, o sistema cardiovascular, lançando mão dos processos adaptativos descritos, pode suportar por longo tempo a sobrecarga de trabalho imposta pela anemia crônica. Estudos necroscópicos e exames ecocardiográficos têm demonstrado aumento progressivo da massa miocárdica e dos diâmetros das cavidades cardíacas que guardam correlação com o tempo de evolução da doença e com a severidade da anemia, sendo mais intensas as anormalidades nos indivíduos adultos com fenótipo mais grave da doença (particularmente após a segunda década de vida) (8,9,10). Séries de observações clínicas têm documentado anormalidades subclínicas da função ventricular esquerda. Basicamente tem-se detectado em pacientes com índices de desempenho ventricular em repouso ainda normal, esgotamento da reserva ventricular esquerda que durante esforço físico exibe queda do desempenho (11). Estudos conduzidos para avaliar com acurácia e especificidade o estado da contratilidade do miocárdio ventricular esquerdo (como propriedade intrínseca da fibra cardíaca, independente das condições de pré-carga) sugerem fortemente que a combinação de pós-carga reduzida e pré-carga aumentada garanta uma situação hemodinâmica de facilitação do esvaziamento ventricular esquerdo que permite a manutenção de uma função cardio-circulatória clinicamente compensada ,apesar de déficit significativo da contratilidade associado ao processo degenerativo das fibras cardíacas (12).

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Concordante com essas observações constata-se que na história natural desses pacientes é incomum encontrar-se a instalação de quadro de insuficiência cardíaca congestiva por progressão natural da doença. A regra é observar-se este tipo de descompensação provocada por fatores desencadeantes que determinam sobrecarga circulatória além das reservas funcionais existentes (13): acentuação da anemia, gravidez, sobrecarga de volume, hipertensão arterial sistêmica, hipertermia, hipóxia, taquicardia, infecção, insuficiência renal. Contudo, com a melhora dos cuidados médicos e redução da mortalidade desses pacientes e consequente aumento do contingente de pacientes alcançando a terceira década de vida, as complicações cardiovasculares têm-se tornado mais freqüentes. Outro fator de lesão cardíaca adicional ao quadro anêmico é a sobrecarga de ferro secundária a múltiplas transfusões. Muitas vezes a progressão da hemosiderose cardíaca é o agente desencadeante de grave insuficiência cardíaca nos pacientes adultos que sofreram numerosas complicações da doença contornadas com transfusões sem uso adequado de agentes quelantes de ferro.

Tratamento Uma vez detectada de modo objetivo, a síndrome de insuficiência cardíaca congestiva deve ser manejada principalmente com controle rigoroso dos fatores determinantes do aumento da sobrecarga circulatória (infecções, hipóxia, hipertensão arterial, sobrecarga hidro-salina) e elevação dos níveis de hemoglobina com transfusão de glóbulos associada ao uso judicioso de diuréticos de alça (furosemide). Naqueles doentes onde disfunção ventricular residual persiste após controle do episódio de descompensação a terapêutica de hiper-transfusão/ quelantes de ferro deve ser instituída por tempo indefinido. Exclusivamente nesse último grupo de pacientes (após corrigidos os níveis de hemoglobina) é provável que digitálicos possam ter um papel benefício em controle do quadro de insuficiência cardíaca.

Referências Bibliográficas 1- LINDSAY J, MESHEL JC, PATTERSON RH. The cardiovascular manifestations of sickle cell disease. Arch Intern Med v. 133, p. 643-651, 1974 2- FALK RH, HOOD WB. The heart in sickle cell anemia. Arch Intern Med, p. 1680-1684, 1982 3- GAFFNEY JW, BIERMAN FZ, DONNELLY CM et al. Cardiovascular adaptations to transfusion/ chelation therapy of homozygote sickle cell anemia. Am J Cardiol, v. 62, p.121-125, 1988 4- DUKE M, ABELMAN WH. The hemodynamic response to chronic anemia. Circulation, v. 32, p. 503-515, 1969 5- HORNE, MK. Sickle Cell anemia as a rheologic disease. Am J Med, p. 288-298, 1981 6- ANDERSON R, CASSELI M, MULLINAX GL, CHAPLIN H. Effect of normal cells on viscosity of sickle cell blood. Arch Intern

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Med, v. 111, p. 68-76, 1963 7-MCCORMICK WF. Massive nonatherosclerotic myocardial infarction in sickle cell anemia. Am J Forensic Med Pathol, v. 9, p. 151, 1988 8- COZITZ W, ESPELAND M, GALLAGHER D, et col. The heart in sickle cell anemia. The cooperative Study of Sickle Cell Disease (CSSCD). Chest, v. 108, p. 1214-1219, 1995 9- BALFOUR IC, COVITZ W, DAVIS H. Cardiac size and functin in children with sickle cell anemia. Am Heart J, v. 108, 345-350, 1984 10-SIMMONS BE, SANTHANAM V, CASTANER A, et col. Sickle cell heart disease. Two-dimensional echo and doppler ultrasonographic findings in the heart of adults patients with sickle cell anemia. Arch Intern Med, v. 148, p. 1526-1528, 1988 11- COVITZ W, EUBIG C, BALFOUR IA, et col. Exercise-induced cardiac dysfunction in sickle cell anemia. A radionuclide study. Am J Cardiol, v. 51, p. 570-575, 1983 12- DENENBERG BS, CRINER G, JONES R, SPANN JF. Cardiac function in sickle cell anemia. Am J Cardiol, v. 51, p. 16741678, 1983 13- GERRY JL, BULKLEY BH, HUTCHINS GM. Clinicopathologic analysis of cardiac dysfunction in 52 patients with sickle cell anemia. Am J Cardiol, v. 42, p. 211-216, 1978 14-VICHINSKY EP, STYLES LA, COLANGELO LH, et col. Acute chest syndrome in sickle cell disease: clinical presentation and course. Blood, v. 89, p. 1787-1792, 1997 15- VICHINSKY E, STYLES L. Pulmonary complications. Sickle cell disease - Hematology/ Oncology clinics of North America, v. 10(6), p. 1275-1287, 1996

Capítulo XV

Complicações pulmonares

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Capítulo XV

COMPLICAÇÕES PULMONARES Os pulmões são órgão alvo para o desenvolvimento de complicações agudas e crônicas na doença falciforme, sendo vários os fatores que contribuem para estas alterações. Por exemplo, os eritrócitos que atingem os vasos pulmonares são desoxigenados e portanto devem conter polímeros de HbS. Além disso, estudos realizados na década de 70 também evidenciaram maior proporção de hemácias falcizadas nas artérias pulmonares do que em outros vasos. De fato, qualquer estado de hipoventilação ou infecção, mesmo não relacionados com a doença falciforme, acarreta, nestes pacientes, maior risco de hipóxia local ou sistêmica que precipitam ou contribuem para a vasooclusão pulmonar através do aumento da polimerização da HbS. A hipóxia também induz aumento da liberação de moléculas de adesão (VCAM1), com consequente adesão das hemácias ao endotélio vascular, e que podem estar envolvidas na patogênese da vasooclusão em pacientes hipóxicos.

Síndrome torácica aguda Fatores de risco O termo síndrome torácia aguda (STA) é usado para descrever o aparecimento de um novo infiltrado pulmonar no R-X de torax, na presença de febre ou sintomas respiratórios, cuja natureza é de difícil diagnóstico clínico, mesmo lançando mão de métodos cintilográficos e radiológicos. O risco de desenvolver STA se correlaciona com o tipo de doença falciforme, assim, a maior incidência ocorre na HbSS (8,8 eventos/100 pacientes/ano) e a menor na Hb SE+tal(1,9 eventos/100 pacientes/ ano). Na anemia falciforme, a incidência de STA correlaciona-se com baixos níveis de HbF e altos níveis de glóbulos brancos e hematócrito na fase estável da doença. Por outro lado, não há correlação com a co-existência de alfa-talassemia. STA é a segunda causa mais comum de hospitalização e de complicação de cirurgia e anestesia em pacientes com doenças falciformes. Ainda que auto-limitada, a STA pode progredir para falência respiratória, com acometimento de extensa área de parênquima pulmonar e atinge taxas de mortalidade de cerca de 4% em adultos. O tratamento transfusional agressivo pode prevenir estas mortes. Patogênese A etiologia e patogênese da STA ainda estão sob investigação. É provável que pneumonia bacteriana não seja uma causa frequente de STA pois a cultura de escarro é positiva em menos que 50% dos casos, com vários microorganismos

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isolados como S.aureus, micoplasma, E.coli, H. influenzae. Hemoculturas positivas foram observadas em apenas 2% dos pacientes , sendo isolados S. pneumoniae, S. aureus, Salmonella e Enterobacter e a coleta de secreção brônquica demonstrou, em poucos casos, flora mista composta de aeróbios e anaeróbios. Deste modo, desde que não há um só patógeno envolvido na síndrome, é difícil a escolha empírica de antibióticos. Pnemonias por vírus, micoplasma e clamídia podem ser causa de STA em crianças. Embolia pulmonar gordurosa parece ser um mecanismo freqüente de STA grave. Alguns episódios de STA resultam de infarto de ossos torácicos que levam à hipoventilação e, eventualmente, atelectasia. A embolia gordurosa devido à necrose extensa de medula óssea está associada à infecção por parvovírus B19. Pacientes com embolia pulmonar podem desenvolver alterações de comportamento ou outros sintomas neurológicos, secundários à hipoxemia grave ou embolia gordurosa sistêmica. Manifestações clínicas As manifestações clínicas mais comuns da STA são dor torácica, febre, tosse e hiperventilação. Crises álgicas, 1 ou 2 semanas antecedendo o episódio, ocorrem em mais de 50% dos casos. Estertores pulmonares e macicez à percussão podem ser encontrados no exame físico e os lobos inferiores estão comprometidos em mais de 80% dos pacientes. Mais raramente pode-se também encontrar comprometimento multilobar e efusão pleural. Os níveis de Hb costumam estar reduzidos em 1g/dl e os leucócitos encontram-se significantemente aumentados em relação aos valores basais. Cerca de 20% dos pacientes apresentam pO2 inferior a 60mmHg. Se o quadro evolui para síndrome de angústia respiratória do adulto, a hipoxemia se agrava e o paciente necessita de transfusões de urgência. A pressão pulmonar pode aumentar agudamente e a redução da pressão pode ser observada após transfusões e inalação com óxido nítrico. Tratamento Os tratamento da STA deve ter os seguintes objetivos: a)prevenção de atelectasias através de ótimo controle da dor com analgésicos e incentivo à espirometria. b)evitar hidratação excessiva limitando a infusão de fluidos com uso de glicose ou dextrose 5% diluída em água ou salina 1/2 ou1/4, numa velocidade de 1,5 vez às necessidades. c)tratamento de possíveis infecções bacterianas com antibióticos EV, pois é difícil excluir pneumonia. Macrolídeos ou quinolonas devem ser utilizados

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para tratamento de patógenos atípicos. d)promover a oxigenação do sangue. A eficácia deste procedimento deve ser monitorada, pelo menos a cada 4 horas, pela gasometria, gradiente de oxigênio alvéolo-arterial e PaO2/FiO2 . Pacientes com hipóxia progressiva devem ser internados em unidades de terapia intensiva. e)diminuir a quantidade de hemácias com HbS através de transfusões simples ou, para pacientes com hematócrito maior que 30%, exsanguíneo transfusão. As transfusões ou exsanguíneo transfusão devem ser iniciadas se pO2<70mmHg ou houver uma queda de 10% nos níveis basais da pO2 do paciente. Prognóstico O prognóstico de STA com pequeno comprometimento pulmonar e leve hipoxemia é bom. Mesmo os casos mais graves, que foram prontamente tratados com transfusões e terapia intensiva, têm um bom prognóstico.

Hiper-reatividade das vias áereas superiores A hiper-reatividade das vias áereas superiores pode ser causada por inalação de ar frio ou de outros agentes químicos e físicos. O uso de broncodilatadores por inalação, com ou sem corticóides, está indicado como para qualquer outro paciente. O uso de corticóides sistêmicos pode precipitar crises dolorosas e embolia gordurosa.

Hipertensão pulmonar Hipertensão pulmonar é definida por pressão na artéria pulmonar superior a 25 mmHg. É uma complicação séria que geralmente leva à cor pulmonale e morte. A incidência deste defeito é ainda desconhecida. Fisiopatologia A hipertensão pulmonar nas doenças falciformes deve estar relacionada à falcização de hemácias mas os mecanismos envolvidos ainda são desconhecidos. Alguns possíveis fatores podem ser citados como vasculopatia, redução crônica da saturação de oxigênio, lesão pulmonar por repetidos episódios de STA, episódios recorrentes de tromboembolismo e alto fluxo pulmonar secundário à anemia. A expressão da enzima óxido nítrico sintase, no endotélio das artérias pulmonares destes doentes, assim como a liberação de prostaciclina podem estar diminuídas e a excreção de metabólitos de tromboxane A2, um vasocostrictor e indutor da ativação plaquetária, costuma estar aumentada.

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Manifestações clínicas Deve-se suspeitar de hipertensão pulmonar quando há hiperfonese de B2 no foco pulmonar e/ou aumento de ventrículo direito e/ou redução inexplicada da saturação de O2. Dor torácica, dispnéia e hipoxemia de repouso indicam quadro avançado da doença. O diagnóstico de certeza requer cateterização de câmaras direitas, a menos que o ecocardiograma mostre regurgitação de valva tricúspide. Terapêutica e prognóstico Vasodilatadores e oxigenioterapia podem reduzir a pressão pulmonar. Na forma primária, a infusão de prostaciclina melhora a pressão arterial pulmonar e a sobrevida destes doentes. Pacientes com a forma secundária também podem se beneficiar deste tratamento. Outros vasodilatadores são a nifedipina (cerca de 170mg/dia) ou diltiazem (cerca de 720mg/dia). Em pacientes com pO2<60mmHg e saturação<90% deve ser instituída oxigenioterapia contínua ou noturna. Anticoagulação com warfarin mantendo RNI entre 2 e 3 tem sido usado para tratamento de hipertensão pulmonar primária para diminuir o risco de tromboembolismo, um risco que também pode estar presente nos pacientes com HbS. Programa de transfusão e hidroxiuréia também pode ser recomendado embora não haja dados sobre este tratamento na evolução destes pacientes.

Referências Bibliográficas Este capítulo foi traduzido de Castro O . Pulmonary complications of sickle cell disorders from an Adult Perspective. Education Program Book, American Society of Hematology p39-44, 1999 Golden C, Styles L, Vichinsky E Acute chest syndrome and sickle cell disease. Curr Opin Hematol. 5:89-92, 1998 Platt OS. The acute chest syndrome of sickle cell disease. N Engl J Med./ 342:1904-7, 1998. Vichinsky EP, Neumayr LD, Earles AN, Williams R, Lennette ET, Dean D, Nickerson B, Orringer E, McKie V, Bellevue R, Daeschner C, Manci EA. Causes and outcomes of the acute syndrome in sickle cell disease. National Acute Chest Syndrome Study Group. N Engl J Med. 342:1855-65, 2000 Vichinsky EP, Styles LA, Colangelo LH, Wright EC, Castro O, Nickerson B. Acute chest syndrome in sickle cell disease: clinical presentation and course. Cooperative Study of Sickle Cell Disease. Blood. 89:1787-92,1997

Capítulo XVI

Cirurgia e anestesia

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Capítulo XVI

CIRURGIA E ANESTESIA Cirurgias e anestesias são comumentes realizadas em pacientes com doenças falciformes. No entanto, é necessária uma integração entre as distintas especialidades para um preparo adequado do paciente e reconhecimento precoce das complicações peri-operatórias. Estas complicações são responsáveis por 7% dos casos de morte em pacientes com doença falciforme (5). Os fatores pre-operatórios relacionados que predispõem a complicações neste período incluem (1): -Hipóxia: hipoventilação, depressão respiratória por fármacos -Hipoperfusão: diminuição do débito cardíaco, presença de miocardiopatia, hipovolemia e “bypass” cardiopulmonar -Estase: imobilidade, posicionamento, uso de torniquetes, redistribuição de fluxo sanguíneo, anestesia local -Acidose: hipoventilação, depressão respiratória, dor, hipotermia, exposição ao frio e bypass cardiopulmonar

Preparo do paciente para a cirurgia O preparo dos pacientes com doenças falciformes inclui o uso de medidas gerais, transfusão e cuidados anestésicos (3). a)Medidas gerais É necessario que o paciente seja hospitalizado pelo menos 8-12 horas antes da cirurgia para hidratação adequada e reavaliação das funções hepática e renal. Há necessidade de controle da temperatura corporal durante o transporte do paciente assim como durante todo o procedimento cirúrgico. Deve ser evitado o uso de drogas hipotensivas. b)Transfusão O objetivo básico do esquema transfusional é a manutenção dos níveis de hemoglobina de 8 a 10g/dl e da concentração da HbS inferior a 50%. Este é um esquema efetivo e seguro quando comparado com esquemas transfusionais anteriormente descritos que objetivavam níveis de HbS inferiores a 30% (5). Os esquemas transfusionais propostos são: transfusão crônica simples,

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exsanguíneo transfusão manual ou automatizada (eritrocitaférese). c)Transfusão crônica simples: É um procedimento simples, facilmente aplicado, no entanto está associado ao risco de hiperviscosidade sanguínea (hematócrito > 35%) e deve ser iniciado semanas antes do procedimento ser realizado. d)Exsanguíneo transfusão manual: E um procedimento eficaz e permite a redução da HbS sem aumento significativo do hematócrito e pode ser realizada em quatro etapas, para um adulto de 70Kg e Ht inicial de 25%: 1.flebotomia de 500 ml de sangue total 2.infusão de 300 ml de solução de salina 3.nova flebotomia de 500 ml 4.infusão de 4-5 unidades de concentrado de hemácias Após o procedimento, quantificar os níveis de HbS e HbA. A vantagem deste procedimento é a relativa simplicidade e fácil aplicabilidade. e)Exsanguíneo transfusão automatizada (eritrocitaferese): Nos centros em que há disponibilidade de separadores celulares automáticos, o preparo cirurgico pode ser realizado por tal método.

Preparo para Cirurgia de Emergência Nestes casos a transfusão de concentrado de hemácias é benéfica e eficaz permitindo uma redução das células anormais sem aumento da viscosidade sanguínea. No entanto, se houver necessidade de reposição sanguínea de forma rápida a exsanguíneo transfusão é o esquema indicado.

Anestesia A avaliação pré-anestésica é fundamental para os pacientes com doenças falciformes. O uso de medidas profiláticas pode controlar os principais fatores predisponentes a complicações do período cirúrgico (vide introdução): -Controle do pH, oxigenação tecidual, evitar hipotermia e estase circulatória. -Monitorização contínua da saturação do oxigênio, temperatura e CO2 expirado. a)Tipo de anestesia A escolha entre anestesia geral ou local deve ser individual, não há razão para evitar a anestesia geral. Assim como, não há preferência para um tipo específico de droga a ser utilizado no procedimento. b)Uso de torniquetes para cirurgias de extremidades Devido a ausência de dados suficientes - desses procedimentos em

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c)Transfusão crônica simples: É um procedimento simples, facilmente aplicado, no entanto está associado ao risco de hiperviscosidade sanguínea (hematócrito > 35%) e deve ser iniciado semanas antes do procedimento ser realizado. d)Exsanguíneo transfusão manual: E um procedimento eficaz e permite a redução da HbS sem aumento significativo do hematócrito e pode ser realizada em quatro etapas, para um adulto de 70Kg e Ht inicial de 25%: 1.flebotomia de 500 ml de sangue total 2.infusão de 300 ml de solução de salina 3.nova flebotomia de 500 ml 4.infusão de 4-5 unidades de concentrado de hemácias Após o procedimento, quantificar os níveis de HbS e HbA. A vantagem deste procedimento é a relativa simplicidade e fácil aplicabilidade. e)Exsanguíneo transfusão automatizada (eritrocitaferese): Nos centros em que há disponibilidade de separadores celulares automáticos, o preparo cirurgico pode ser realizado por tal método.

Preparo para Cirurgia de Emergência Nestes casos a transfusão de concentrado de hemácias é benéfica e eficaz permitindo uma redução das células anormais sem aumento da viscosidade sanguínea. No entanto, se houver necessidade de reposição sanguínea de forma rápida a exsanguíneo transfusão é o esquema indicado.

Anestesia A avaliação pré-anestésica é fundamental para os pacientes com doenças falciformes. O uso de medidas profiláticas pode controlar os principais fatores predisponentes a complicações do período cirúrgico (vide introdução): -Controle do pH, oxigenação tecidual, evitar hipotermia e estase circulatória. -Monitorização contínua da saturação do oxigênio, temperatura e CO2 expirado. a)Tipo de anestesia A escolha entre anestesia geral ou local deve ser individual, não há razão para evitar a anestesia geral. Assim como, não há preferência para um tipo específico de droga a ser utilizado no procedimento. b)Uso de torniquetes para cirurgias de extremidades Devido a ausência de dados suficientes - desses procedimentos em

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pacientes com doenças falciformes, a utilização de exsanguiíneo transfusão preparatória é indicada. c)Doença Ocular O uso de bloqueio retrobulbar pode ser realizado com segurança em pacientes com doenças falciformes.

Tipos Especiais de Cirurgias (4,6) a)Cirurgias do trato biliar A colecistite crônica calculosa é uma frequente complicação das doenças falciformes em nosso meio e geralmente requer tratamento cirúgico. A colecistectomia é o procedimento cirúrgico mais comum nesse grupo e pode haver complicações em até 39% dos casos, sendo a Síndrome Torácica Aguda a mais comumente observada (19%) com mortalidade de 1% (2). A colecistectomia está indicada em pacientes sintomáticos, no entanto, naqueles casos assintomáticos não há indicação formal da cirurgia. Estudos prospectivos estimam que 30% dos casos de colecistopatia assintomática desenvolverão sintomas em um período de 3 meses. Com o advento da cirurgia laparoscopica, uma técnica segura e eficaz, este procedimento traz a vantagem de redução de 40% do período de hospitalização e permite uma recuperação mais rápida do paciente. O preparo cirúrgico transfusional é realizado como descrito anteriormente. Este procedimento é contra-indicado em caso de: doença hemorrágica, cirurgia abdominal anterior e gravidez avançada. b)Esplenectomia Indicada principalmente nos casos de crise aguda de sequestro esplênico, hiperesplenismo e abscesso esplênico. Os pacientes adultos mais comumente afetados com crise de sequestro esplênico incluem aqueles com hemoglobinopatia SC ou SE talassemia. O tratamento imediato é a transfusão sanguínea seguida de esplenectomia. c)Arteriografia Este método diagnóstico pode ser usado em pacientes com doenças falciformes, no entanto, é necessário o uso de contraste não iônico e evitar a hiperventilação. Na indicação formal de arteriografia o preparo transfusional deve obedecer aqueles usado para cirurgias. d)Acesso Venoso Central Não há contra-indicações ou técnicas especiais para o implante de cateter

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central em pacientes com doenças falciformes, seja para terapia transfusional crônica ou hemodiálise.

Preparo cirúrgico para pacientes com hemoglobinopatia SC Não há evidências de que o esquema tranfusional seja benéfico para pacientes com hemoglobinopatia SC, no entanto, todos os cuidados e medidas gerais devem seguir as mesmas recomendações descritas anteriormente.

Referências Bibliográficas 1- GRIFFIN DR. Sickle cell disease as it relates to anesthesia: report of two cases. Anesth Analg, v. 45, p. 826-828, 1966 2- HABERKEN CM, NEUMAYR LD, ORRINGER EP, EARLES AN, ROBERTSON SM, BLACK D, ABBOUD MR, KOSHY M, IDOWU O, VICHINSKY EP, and the Preoperative Transfusion in Sickle Cell Disease Study Group. Cholecystectomy in Sickle Cell Anemia Patients: Preoperative Outcome of 364 Cases from the National Preoperative Transfusion Study. Blood ;v. 89, p. 1533-1542, 1997 3- SCOTT-CONNER CEH, BRUNSON CD. In: EMBURY SH, HEBBEL RP, MOHANDAS N, STEIBERG MH, Sickle Cell Disease: Basic Principles and Clinical Practice. New York, Raven Press, p. 809-827, 1994 4- SERJEANT GR. Sickle Cell Disease. Surgery and Anaesthesia. Oxford University Press v. 34, p. 455-4583, 1992 5- VICHINSKY EP, HABERKEN CM, NEUMAYR L, EARLES AN, BLACK D, KOSHY M, PEGELOW C, ABBOUD M, OHENE-FREMPONG K, IYER RV, and the Preoperative Transfusion in Sickle Cell Disease Study Group. A comparison of conservative and aggressive transfusion regimens in the perioperative management of sickle cell disease. N Engl J Med, v. 333, p. 206213, 1995 6- WAYNE AS, KEVY SV, NATHAN DG. Transfusion manegement of sickle cell disease. Blood, v. 81, p. 1109-1123, 1993

Capítulo XVII

Gravidez e contracepção

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Capítulo XVII

GRAVIDEZ E CONTRACEPÇÃO Fisiopatologia da Gravidez nas Doenças Falciformes A gravidez é uma situação potencialmente grave para as pacientes com doença falciforme, assim como para o feto e para o recém-nascido. Uma gravidez bem sucedida depende do crescimento do feto num ambiente intra-uterino saudável, seguido por trabalho de parto e parto, quando a vida extra-uterina pode ser mantida. O crescimento fetal ótimo é assegurado pelos substratos maternos liberados para a placenta. A quantidade de substratos que é recebido pelo feto depende do fluxo sanguíneo uterino para a placenta e do tamanho e integridade da membrana placentária. A placenta de pacientes com anemia falciforme é anormal em tamanho, localização, aderência à parede uterina e histologia (5,12). O tamanho pode estar diminuído devido à redução do fluxo sangüíneo causada pela vaso-oclusão. As causas da maior incidência de placenta prévia e de descolamento prematuro de placenta, que ocorre em todos os genótipos de doença falciforme, são pouco claras. As alterações histopatológicas da placenta incluem fibrose das vilosidades, infartos e calcificações (12). A maior incidência de aborto, retardo de crescimento intra-uterino, parto prematuro e mortalidade perinatal pode ser explicada pela própria fisiopatologia da anemia falciforme. A lesão da microvasculatura placentária pelas hemácias falcizadas pode ser uma das causas de maior incidência de aborto (10) e de retardo de crescimento intra-uterino (5,10,13,14). Outros fatores, tais como a ocorrência de placenta prévia, o descolamento prematuro da placenta, a gestação múltipla, o consumo de álcool e drogas, o tabagismo, o estado nutricional materno antes da gravidez e o ganho de peso durante a gravidez também influenciam o crescimento intrauterino (8,13). A idade gestacional média dos fetos nascidos de mães com doenças falciformes é menor do que a dos controles normais, devido a um grande número de nascimentos prematuros (5,10,13,14). O mecanismo exato pelo qual isto ocorre não é bem estabelecido. Vários eventos são associados com maior frequência de trabalho de parto prematuro, tais como anemia, placenta prévia e descolamento prematuro de placenta. A ocorrência de toxemia grave, que é até 5 vezes mais frequente nestas pacientes (5), pode levar à interrupção da gravidez devido ao risco materno e fetal. O nascimento prematuro é associado

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também à gestação múltipla, infecção urinária (4) e corioamnionite (3). O tabagismo e o uso maciço de narcóticos são fatores predisponentes. A mortalidade perinatal tem diminuído ao longo das últimas décadas devido a vários fatores. O mais importante é, sem dúvida, o cuidado adequado da mãe. A avaliação do bem-estar fetal, o acompanhamento do crescimento intra-uterino através de ultrassonografia e a monitorização contínua durante o trabalho de parto, ajudam a identificar o feto em risco. Os bons cuidados do recém-nascido no período neonatal tem sido fundamentais para reduzir a taxa de mortalidade perinatal (1,5,10).O uso racional das transfusões de sangue tem papel importante em todo o processo (5).

Complicações clínicas relacionadas às Doenças Falciformes Durante a gravidez, as crises dolorosas podem se tornar mais frequentes. A anemia pode piorar devido a perdas de sangue, hemodiluição, depressão da MO por infecção ou inflamação, deficiência de folatos ou ferro e crise aplástica (7). As infecções ocorrem em aproximadamente 50% das grávidas com anemia falciforme. Os locais mais acometidos são o trato urinário e o sistema respiratório. Muitos pacientes com bacteriúria assintomática no início da gravidez, tornamse sintomáticas se não tratadas. A incidência de prematuridade e baixo peso entre recém-nascidos de mães com bacteriúria não tratada é maior (4). Esta e outras intercorrências infecciosas devem, portanto ser identificadas e tratadas com antibióticos adequados para prevenir risco materno e fetal. Acometimento renal pré-existente pode ser agravado pela hipertensão e toxemia. Nos casos de insuficiência renal aguda ou crônica pode ser necessário hemodiálise para garantir o desenvolvimento normal do feto. Nas pacientes com hemoglobinopatia SC ou S-Eº talassemia, nas quais a presença de esplenomegalia é comum, pode ocorrer sequestro esplênico, com risco de vida para a mãe e para o feto. Nesses casos o diagnóstico precoce é fundamental, sendo frequentemente necessário o tratamento com transfusões de sangue. O exame físico cuidadoso durante o pré-natal, para documentar o tamanho do baço é importante auxílio no diagnóstico desta complicação (7).

Pré-natal Na primeira consulta deve ser feita uma avaliação global da paciente. Devem ser objeto de especial atenção os antecedentes obstétricos, as complicações como insuficiência renal e hipertensão arterial, a dependência química, o abuso de álcool ou de narcóticos e o tabagismo. Os exames que devem ser feitos nesta primeira consulta incluem

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hemograma completo com contagem de reticulócitos; eletroforese de hemoglobina; exames para detectar lesão renal e acometimento hepático; determinação dos estoques de ferro; sorologia para hepatite A, B e C, HIV, rubéola e sífilis; exame de urina com urocultura e testes para detecção de anticorpos contra eritrócitos. O estoque de unidades de concentrado de hemácias fenotipadas compatíveis com a paciente é recomendado. A ultrasonografia para avaliação da idade gestacional e gravidez múltipla também deve ser realizada na primeira consulta. Após a avaliação global, a paciente deve ser orientada quanto aos fatores específicos que influenciam a gravidez como as necessidades nutricionais e a suplementação com vitaminas. Deve também ser recomendado a manutenção de uma ingestão diária de líquidos para evitar a desidratação. Na presença de cefaléia, edema, escotomas, dor abdominal, cólicas e secreção vaginal mucosa, deve ser procurado atendimento médico imediato, devido à alta freqüência de toxemia e trabalho de parto prematuro. O intervalo entre as consultas é, em geral de 2 semanas até a 26ª semana e, após, semanal. Nestas consultas são monitorizados a pressão arterial, o ganho de peso, a taxa de crescimento uterino (que pode ser confirmado por ultrasom), são avaliados o hemograma completo, a contagem de reticulócitos e o exame de urina. O exame do colo do útero é feito no 2º e 3º trimestres para detectar adelgaçamento e dilatação que podem indicar trabalho de parto prematuro (7).

Trabalho de parto e parto As alterações hemodinâmicas da anemia e o débito cardíaco alto são acentuados durante a contração. A dor pode ser controlada pelo uso liberal de analgésicos. A anestesia epidural é eficaz para encurtar a duração do trabalho de parto. A função cardíaca está freqüentemente comprometida. A reposição de fluidos deve ser feita durante todo o trabalho de parto e o parto, com controle das condições pulmonares e cardíacas. A monitorização fetal deve ser contínua já que a insuficiência placentária é comum. O parto vaginal é o desejável. A indicação de cesariana é obstétrica. Os cuidados pós-parto incluem evitar tromboembolismo através da deambulação precoce, evitar anemia por perda de sangue e manter hidratação adequada (7). O exame neonatal para detecção de hemoglobinopatias deve ser oferecido a todos os recém-nascidos.

Transfusão de sangue Um importante e ainda não bem estabelecido aspecto dos cuidados das pacientes grávidas com doença falciforme é a indicação de transfusões de sangue.

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As complicações das transfusões como aloimunização, precipitação de crises dolorosas e transmissão de infecções, tornam necessário reavaliar o uso de transfusões profiláticas. Um estudo cooperativo, randomizado, foi conduzido para determinar se havia benefício em ex-sanguíneo transfusão profilática durante a gravidez (5).Foram obtidos dados de morbidade e mortalidade de pacientes com anemia falciforme, doença SC e S-Eº talassemia após a 20ª semana de gestação. Um terço das pacientes com anemia falciforme receberam transfusão profilática de concentrado de glóbulos vermelhos. As demais pacientes receberam transfusões por indicações clínicas ou obstétricas. Durante o mesmo período de tempo foram coletados dados de 8981 grávidas normais afro-americanas acompanhadas nas mesmas instituições que participaram do estudo. A comparação das características das pacientes, das complicações e do resultado da gravidez, entre o grupo controle e o grupo de estudo, permitiu também identificar as complicações que são decorrentes das doenças falciformes. Este estudo não mostrou qualquer benefício no uso de transfusões profiláticas na anemia falciforme durante a gravidez (5).Estudos semelhantes feitos na Inglaterra também falharam em demonstrar a eficácia deste procedimento (13,14). Na doença falciforme todos os tecidos e órgãos estão em risco de sofrer lesão isquêmica e as complicações médicas e obstétricas acontecem apesar do uso de transfusões de sangue. As transfusões têm sido indicadas para toxemia, gravidez gemelar, mortalidade perinatal prévia, septicemia, insuficiência renal aguda, bacteremia, anemia grave (redução de 30% dos níveis basais), níveis de hemoglobina abaixo de 5g/dl, síndrome torácica aguda, hipoxemia, cirurgia e angiografia (5,6,9).

Infertilidade Não há diferença entre pacientes e controles quanto ao intervalo entre a primeira exposição sexual e a primeira gravidez. A maior idade das primigestas pode ser explicada pelo início retardado da puberdade e pela primeira exposição sexual ocorrer mais tarde (11).

Contracepção A doença falciforme não é contra-indicação para a gravidez. As pacientes que desejarem utilizar métodos de contracepção devem ser orientadas pelo ginecologista. Tem sido recomendado a utilização de DIU (dispositivo intrauterino), de acetato de medroxiprogesterona (2) ou de contraceptivos orais, conforme a avaliação individual pelo ginecologista. A prevalência de infecções ginecológicas não parece ser aumentada (11).

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