Sociologia da Educação
2014
Editorial Comitê Editorial Magda Maria Ventura Gomes da Silva Lucia Ferreira Sasse Marina Caprio Autora do Original Heloisa Maria dos Santos Toledo
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Sociologia da Educação Capítulo 1: Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva....................................... 7 Objetivos da sua aprendizagem......................................... 7 Você se lembra?....................................................................... 7 1.1 O que vem a ser sociologia?.................................................. 9 1.2 A historicidade das ciências humanas....................................... 11 1.3 Émile Durkheim............................................................................ 13 1.4 Para conhecer um pouco mais: Durkheim e a Educação.................. 22 1.5 Max Weber............................................................................................ 23 1.6 A tipologia da ação social......................................................................... 26 1.7 Tipologia da dominação.............................................................................. 29 1.8 Modernidade e Racionalização...................................................................... 30 Atividades................................................................................................................ 31 Reflexão..................................................................................................................... 32 Leituras recomendadas................................................................................................ 33 Referências................................................................................................................... 33 No próximo capítulo...................................................................................................... 33 Capítulo 2: Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético.................................... 35 Objetivos da sua aprendizagem....................................................................................... 35 Você se lembra?............................................................................................................... 35 2.1 Introdução................................................................................................................ 36 2.2 Contextualização.................................................................................................... 36 2.3 A compreensão de sociedade para Marx............................................................... 40 2.4 Marx e a definição de ideologia.......................................................................... 44 2.5 Sintetizando....................................................................................................... 48 Atividades............................................................................................................. 48 Reflexão............................................................................................................ 49 Leitura recomendada..................................................................................... 49 Referências bibliográficas......................................................................... 49 No próximo capítulo.............................................................................. 50 Capítulo 3: Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo........................................ 51 Objetivos da sua aprendizagem................................................ 51 Você se lembra?................................................................... 51
3.1 Introdução................................................................................................................. 52 3.2 Antonio Gramsci ...................................................................................................... 53 3.3 As abordagens progressistas no contexto brasileiro.................................................. 58 Atividades........................................................................................................................ 63 Reflexão .......................................................................................................................... 64 Leituras recomendadas ................................................................................................... 64 Referências . .................................................................................................................... 65 No próximo capítulo........................................................................................................ 66 Capítulo 4: As Contribuições de Pierre Bourdieu...................................................... 67 Objetivos da sua aprendizagem....................................................................................... 67 Você se lembra?............................................................................................................... 67 4.1 Introdução................................................................................................................. 68 4.2 Habitus...................................................................................................................... 69 4.3 Campo....................................................................................................................... 71 4.4 As formas de distinção social . ................................................................................. 73 Atividades........................................................................................................................ 77 Reflexão........................................................................................................................... 78 Leitura recomendada........................................................................................................ 78 Referências . .................................................................................................................... 78 No próximo capítulo........................................................................................................ 79 Capítulo 5: A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova............................. 81 Objetivos da sua aprendizagem....................................................................................... 81 Você se lembra?............................................................................................................... 81 5.1 Introdução................................................................................................................. 82 5.2 Contexto.................................................................................................................... 84 5.3 Fernando de Azevedo (1984-1974)........................................................................... 88 5.4 Anísio Teixeira (1900-1971)..................................................................................... 90 Atividades........................................................................................................................ 93 Reflexão .......................................................................................................................... 93 Leituras recomendadas ................................................................................................... 94 Referências . .................................................................................................................... 94
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Prezados(as) alunos(as) A intenção desta disciplina é iluminar uma variedade de temas que são objetos de reflexão das Ciências Humanas Clássicas e Contemporâneas, especialmente no que concerne às relações entre economia, política, cultura e sociedade. Por serem temas que enfeixam e incitam uma multiplicidade interpretativa, é indispensável buscar subsídios teóricos capazes de fornecerem elementos que possibilitem balizar nossas discussões, o que será empreendido por meio da consideração dos processos de construção histórica e social que fomentaram o surgimento das sociedades moderna e contemporânea, processos estes que, por sua vez, atuam como chave interpretativa profícua para a compreensão do mundo atual. O objetivo da disciplina é oferecer ao aluno um instrumental teórico básico em ciências humanas juntamente com a reflexão sobre os problemas sociais e culturais emergentes em uma sociedade fundada no meio técnico-científico-informacional, aprofundando o conhecimento sobre os processos sociais que articulamos em nosso cotidiano, problematizando criticamente a sociedade em que vivemos e investigando sua relação com a produção material e ideológica que sustenta as relações sociais e culturais. Bons estudos!
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Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva
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Neste primeiro capítulo da disciplina de Sociologia da Educação, iremos estudar as origens da Sociologia, bem como compreender o nascimento das chamadas sociedades complexas e do capitalismo. Veremos, ainda, como algumas das principais correntes teóricas do pensamento clássico por meio da teoria positivista de Émile Durkheim e da sociologia compreensiva de Max Weber analisaram a sociedade e os indivíduos e suas inter-relações, entre elas, a educação.
Objetivos da sua aprendizagem
Conhecer o contexto histórico do surgimento da sociologia. Compreender as particularidades das interpretações das ciências humanas. Estudar a abordagem positivista de Durkheim e os fatos sociais. Estudar a abordagem compreensiva de Max Weber e a tipologia da ação social.
Você se lembra?
Nas suas aulas de História e nas várias leituras que já realizou, você tomou conhecimento acerca do fato de que o século XIX apontou para a consolidação do sistema capitalista na Europa, e que este momento histórico forneceu muitos elementos para o surgimento da sociologia como uma nova ciência. Isso ocorreu porque, nesse contexto, apresentou-se um quadro de transformações, marcado por mudanças políticas e econômicas, a emergência da burguesia, o enfraquecimento do poder da Igreja, o fortalecimento do Estado Moderno, a eclosão da razão em oposição à fé, o desenvolvimento tecnológico, a industrialização, a urbanização acelerada, a intensificação da exploração do trabalho em busca de maior
produtividade, o trabalho assalariado e uma maior e intensa divisão do trabalho. Essas são as principais características do quadro geral sobre o qual os pensadores do século XIX se debruçaram, na tentativa de explicar essa nova realidade social que, aparentemente, denota o próprio caos. Assim, nasceu nesse contexto a sociologia, como ciência da sociedade, também denominada “ciência da crise”.
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1
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1.1 O que vem a ser sociologia?
Penso que todos já ouviram falar dessa ciência em algum momento, direta ou indiretamente. E até nos deparamos com questionamentos cotidianos sobre nossa realidade que muitas vezes não entendemos... Relações entre sociedade, economia e cultura, por exemplo. Será que existe alguma relação entre desigualdade social e capitalismo? E por que isso ocorre? Tais questionamentos podem ser investigados e elucidados quando conhecemos um pouco de sociologia. A sociologia, portanto, vai ajudá-lo a conhecer a realidade social e entender como esta atua sobre as crianças, os jovens e os adultos. A disciplina Sociologia também permitirá Conexão: que você compreenda o papel das principais Para saber mais, acesse o link: instituições que compõem a sociedade, a http://www.brasilescola.com/ relevância das políticas sociais e outros elesociologia/formacao-da-sociologia. mentos sobre os quais é preciso refletir, bem htm como analisar, para a construção de uma visão social que entenda, critique e proponha iniciativas para melhorar a vida de todos nós. Para isso, é preciso saber como essa ciência se originou e se consolidou. A sociologia é uma ciência, portanto seu surgimento, sua consolidação como ciência e suas especificidades e métodos próprios de investigação se deram diferenciando-a dos saberes do senso comum, aqueles proferidos por todos nós quando analisamos nossos comportamentos e experiências interpessoais. Entendemos aqui o senso comum, ou conhecimento espontâneo, como o conhecimento que se acumula no nosso cotidiano (cheio de certezas e explicações imediatas), e que é transmitido de geração a geração através de nossos hábitos, costumes e tradições. Dessa maneira, acabamos reproduzindo ideias que não são nossas, mas que assimilamos e tomamos como verdadeiras, por isso temos sempre uma opinião a respeito de assuntos que muitas vezes nem conhecemos. O homem sempre se preocupou em compreender a si e ao universo, mas foi somente no século XVIII, com uma série de eventos que ocorreram na Europa, transformando profundamente as estruturas da sociedade, suprimindo os pilares do velho regime feudal, incluindo o movimento intelectual do Iluminismo (na França), que a “ciência” pôde se impor como uma maneira de se pensar o mundo isenta dos pressupostos determinantes da 9
Sociologia das sociedades complexas - Unidade 1
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religião e da tradição. Nesse período, ocorreu também uma profunda valorização do homem voltada para a crença na razão humana e nos seus poderes. Mais tarde, já no século XIX (1801-1900), com a Revolução Francesa, o pensamento sistemático sobre o mundo social foi acelerado, assim como a necessidade dos homens de compreender os inúmeros problemas sociais decorrentes do processo de industrialização. Sendo assim, podemos dizer que a sociologia surge sob condições de mudança que derivam principalmente do declínio do feudalismo, do fortalecimento do comércio e do surgimento de novos papéis sociais/especialização. Enfim, juntamente com a consolidação do sistema capitalista de produção, surgia uma nova mentalidade, em que a razão e o saber se voltavam para o mundo terreno. As ciências existentes não apresentavam explicações convincentes ou até mesmo o instrumental necessário para a compreensão de todas essas mudanças, surge então a necessidade de uma nova ciência (utilizando o mesmo referencial das ciências naturais) para tentar fazer isso. Tal como afirma Turner (2003, p. 14), o objetivo da sociologia é tornar essas compreensões cotidianas mais sistemáticas e precisas, pois estas percepções vão além de nossas experiências pessoais. A sociologia busca compreender todos os símbolos culturais que os seres humanos usam e criam para interagir e para organizar a sociedade. “É o estudo dos fenômenos sociais, da interação e da organização social.” De forma diferente do que outras disciplinas fazem, ao estudar os aspectos sociais da vida do homem, a Sociologia estuda o fato social em sua totalidade. Ou seja, a visão sistêmica do pesquisador deve lhe dar condições de perceber que cada ação social não está isolada na sociedade, faz parte de um todo interligado, interferindo e sofrendo interferências. Para o sociólogo, o fato social é estudado não porque é econômico, jurídico, político, educacional ou religioso, mas porque é “social” e inclue tudo isso independentemente da especificidade de cada um. O pressuposto básico de uma análise sociológica é: a vida dos seres humanos é composta de várias dimensões que se desenvolvem juntamente com o processo de interação social. São justamente essas interações sociais o objeto central de estudo da Sociologia. (DIAS, 2005). O nome sociologia foi proposto por Auguste Comte, em substituição ao termo física social, acreditando ser possível submeter a ciência da sociedade aos mesmos pressupostos metodológicos advindos das ciências
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1
naturais. Ele acreditava também que descobrir as leis da organização social humana poderia significar a reconstrução de uma sociedade mais humana. Seu pensamento enfatizava a sociedade europeia como exemplo de evolução, defendendo a proposta da ordem e do progresso em oposição aos conflitos sociais presentes neste contexto (influência do Positivismo). De seu surgimento até os dias atuais, muitos teóricos e pesquisadores deram suas contribuições ao campo de estudos da sociologia. Veremos, ao longo deste curso, três principais autores: Durkheim, Marx e Weber. A sociologia é hoje uma área ampla, diversificada, que analisa todas as nuances da cultura, da estrutura social, do comportamento, da interação e da mudança social.
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1.2 A historicidade das ciências humanas
Se no contexto de seu surgimento a sociologia buscou como referencial e modelo de investigação o que era praticado pelas ciências naturais, a diferenciação entre ambas se tornou um dos grandes problemas enfrentados pelos pesquisadores ao longo da sua consolidação como campo científico e investigativo. De um modo geral, podemos dizer que as ciências humanas se diferenciam das ciências naturais pelo fato de o homem ser, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de investigação. Quando estudamos a sociedade, o comportamento social e as várias formas de interação social, somos, ao mesmo tempo, os investigadores da realidade social e os membros que compõem esta mesma realidade. Além disso, as ciências humanas possuem critérios específicos e determinantes, diferentes dos que são utilizados nas ciências naturais e exatas. O primeiro é o da historicidade! O que isso significa? Significa que o ser humano é histórico: que a noção de tempo (e as mudanças que dele resultam) é fundamental para compreendermos sua trajetória e é sua evolução secular que permite ao homem entender o homem. Dito isso, concluímos: a temporalidade e a concretude são características fundamentais das ciências humanas. Exemplo – Quanto mais a ciência se matematiza, mais ela se torna abstrata, exata e precisa, e mais possui um caráter atemporal, universal. Quanto mais histórica, mais ela se torna imprecisa e ampla e mais possui um caráter individual, concreto, temporal. Enquanto as ciências exatas apresentam uma noção praticamente nula de tempo, trabalhando com base
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em estruturas (esquemas de longa duração), as ciências humanas e sociais trabalham com base em eventos, com uma noção de tempo de curta duração (circunstâncias, processos, contextos). Ou seja, as realidades históricas possuem essa característica intrínseca de estar sempre mudando, podendo ser influenciadas pelas mãos do homem. Outro exemplo: quando estudamos as regras da matemática, da química ou da física, não importa se estamos no Brasil da década de 1980 ou na Austrália dos dias de hoje, elas serão sempre as mesmas, ou com poucas modificações. Sendo assim, haverá sempre certa dose de subjetividade presente no desenvolvimento das ciências humanas, porém, tal como afirma Florestan Fernandes, as ciências sociais não podem ser confundidas com o senso comum, pois baseiam-se em um conhecimento racional crítico e reflexivo acerca dos valores que garantem a manutenção do status quo (estado de coisas vigente), estabelecendo um papel de conscientização e desmistificação da realidade que é justamente o oposto daquele exercido pelo senso comum, que leva ao conformismo. Podemos perceber o que está por trás das aparências e assim compreender melhor a realidade que nos cerca e intervir de modo mais consciente, reflexivo e crítico. É essa a grande função das ciências humanas e sociais que você está vendo neste semestre: sociologia, filosofia, história, psicologia. É importante lembrar que, tal como afirma Berger (1982), a sociologia não é uma ação, e sim uma tentativa de compreensão da realidade social. Veremos a seguir uma atividade de reflexão que visa reforçar o conteúdo discutido nesta aula: leia os dois trechos a seguir e elabore uma possível resposta às questões propostas:
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A Revolução Industrial teve consequências dramáticas para todos os grupos de trabalhadores. Os operários nas fábricas, os camponeses na terra, todos tinham de se ajustar a um modo de vida inteiramente novo (...) os trabalhadores achavam difícil adaptarem-se à disciplina imposta pela fábrica (...) nenhum dos acontecimentos do século XIX ocorreu de forma tão impositiva como a instauração da sociedade do trabalho. (MARX, O capital).
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Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1
É nesse novo contexto social que a sociologia surge, como uma ciência reguladora que deveria organizar e explicar o caos resultante da instauração de um novo sistema de organização social: o capitalismo! O espírito científico é, antes de mais nada, uma atitude ou disposição subjetiva do pesquisador em busca de soluções sérias, com métodos adequados, para o problema que enfrenta. Essa atitude não é inata na pessoa; ao contrário disso, é conquistada ao longo da vida, com regras e método. Ela pode e deve ser aprendida. A objetividade é a condição básica da ciência. O que vale não é o que uma pessoa pensa ou imagina, mas o que a ciência é capaz de comprovar (CERVO, 2001, p. 17).
1.3 Émile Durkheim
Durkheim (1858-1917) viveu como os demais pensadores de sua época, num mundo de marcantes mudanças e transformações em que a sociedade capitalista nascente vinha destruir velhas instituições e velhos valores feudais. Nesse contexto, Durkheim expressava sua preocupação em estabelecer uma nova ordem social. Com tal perspectiva, Durkheim limitava-se a compreender o capitalismo de sua época, sem buscar criticá-lo ou transformá-lo. Esse fato dá à sua sociologia a característica da não criticidade, que acabava defendendo a manutenção de uma ordem social capitalista.
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1.3.1 Émile Durkheim: o sociólogo da moral e a tradição francesa Os sociólogos tentam responder a inúmeras perguntas sobre a ação dos indivíduos em sociedade, suas formas de comportamento e interação, relações de interdependência, conflito, cooperação, ou seja, procuram compreender as estruturas sociais, os papéis sociais e os movimentos sociais. Como qualquer outra ciência, a sociologia apresenta diferentes vertentes, tendências e interpretações. Mas podemos afirmar que ela está subdividida em três conjuntos de vertentes: ––Aquelas que apresentam proximidade com as ciências físicas e naturais (como o caso de Durkheim, que veremos agora). 13
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––Aquelas que se aproximam da história e privilegiam um enfoque mais qualitativo (como Marx). ––Aquelas em que predomina o circunstancial, o cotidiano (como Michel de Certeau). Neste momento, descreveremos algumas das características presentes no pensamento deste importante autor: Émile Durkheim. Ele viveu, como os demais pensadores de sua época, num mundo de marcantes mudanças e transformações, em que a sociedade capitalista nascente vinha destruir velhas instituições e velhos valores feudais. Nesse contexto, Durkheim expressava sua preocupação em estabelecer uma nova ordem social. Nosso objetivo principal é identificar qual a importância de Durkheim para a consolidação da sociologia como ciência. Para isso, façamos as seguintes considerações: Neste período, século XIX, O pensador que fortemente influenciado pelo fundou a sociologia como Positivismo, defensor do ciência foi Auguste Comte (17981857). Ainda sob a herança francesa do conservadorismo e da coIluminismo, desenvolveu em uma de suas esão social, e pela crença obras (Curso de Filosofia Positiva) os na ciência como verdade, pressu-postos de uma disciplina dedicada ao o problema central para a estudo científico da sociedade, chamada então de Física Social. Sua principal contribuição foi Sociologia (termo modidefender a criação e a aceitação de uma ficado de Física Social) ciência nova e legítima como área de era compreender como a estudo. sociedade deve ser mantida diante da complexidade? Ou seja, mediante as inúmeras mudanças decorrentes do processo de diferenciação e especialização da industrialização, como assegurar a união entre os indivíduos? Segundo ele, isso seria possível devido à importância das ideias comuns como força unificadora. No caso de Durkheim (1858-1917), é importante salientar o momento histórico que marca o surgimento e a consolidação de sua teoria; o período após a Revolução Industrial é caracterizado pela desordem, pela anarquia política e moral, e pela substituição no sistema de valores da sociedade, a urbanização e as alterações no sistema de poder. A sociologia surge no bojo dessas profundas transformações em âmbito político, social, econômico e cultural para explicar as contradições
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Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1
geradas a partir da consolidação do sistema capitalista e de suas crises sociais. Deveria, portanto, tornar-se uma ciência que estruturaria a forma de organização obtida com o capitalismo. A “consciência coletiva” seria, portanto, o cimento social capaz de regularizar os pensamentos e as ações dos indivíduos mediante as mudanças sofridas pelas sociedades. Ou seja, os sistemas de símbolos culturais (valores, crenças, dogmas, ideologias) são a principal base para a integração da sociedade e eles são constantemente modificados pelo seu desenvolvimento. Seguindo esta linha de questionamentos, um dos seguidores da tradição Francesa, Émile Durkheim (1858-1917), foi o responsável pela definição de vários conceitos fundamentais para a institucionalização da disciplina Sociologia, inclusive delimitando seu objeto de estudo e determinando uma metodologia que pudesse ser aplicada a fim de garantir a legitimidade do conhecimento por ela produzido. Durkheim adotou uma postura teórica funcionalista, ou seja, as explicações para os acontecimentos sociais devem ser buscadas na satisfação de alguma necessidade/função social. O indivíduo é importante enquanto cumpre uma função e a exerce para o bom funcionamento da sociedade, assim como as demais instituições sociais (organicismo). Dentre as principais contribuições de Durkheim para o desenvolvimento e a consolidação da sociologia, destacam-se: a definição de conceitos como consciência coletiva, fato social, solidariedade orgânica e mecânica, além das regras do método sociológico (aproximando as ciências humanas e naturais). A preocupação de Durkheim era delimitar o objeto de estudo da sociologia e definir um método, uma forma sistematizada de agir metodologicamente por meio de regras de observação fundamentadas na racionalidade, na objetividade – a fotografia da realidade que visava vincular os fenômenos sociais a leis invariáveis, tal como ocorria com os fenômenos naturais. Nesse sentido, o conhecimento científico partia do senso comum, mas sofria um processo de depuração e eliminação dos juízos de valor do pesquisador e de suas influências subjetivas. Foi fundamental para a construção de sua metodologia a proliferação e o amadurecimento dos ideais Iluministas de racionalidade e objetividade, principalmente a crença em que a sociedade capitalista industrial personificaria o progresso e o desenvolvimento da humanidade, além de ter se desligado das questões do espírito e da revelação. 15
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As tendências evolucionistas estão presentes em seu pensamento, pois, acreditando ser a sociedade capitalista o estágio mais avançado do desenvolvimento, bastava apenas reordená-la. Com tal perspectiva, Durkheim limitou-se a compreender o capitalismo de sua época, sem buscar criticá-lo ou transformá-lo. Esse fato dá à sua sociologia a característica de não criticidade, sob a pretensão de “neutralidade científica”, defendendo a manutenção de uma ordem social capitalista. O importante para Durkheim era a instauração da harmonia, a organização do sistema a partir do equilíbrio e do bom funcionamento social. Para isso, utilizava as ideias organicistas ou sistêmicas (percebe a sociedade como um corpo biológico que necessita ser conhecido para que se possa apresentar a cura para as doenças) e a comparação biologizante para pensar a sociedade como um organismo e as instituições como órgãos. A investigação da realidade deveria ser feita a partir de instrumentos objetivos inócuos e suas descobertas deveriam ser mensuradas, testadas e até mesmo experimentadas, desenvolvendo técnicas de depuração, experimentação e controle, no sentido de alcançar a mesma objetividade das ciências exatas. Ao definir fato social, Durkheim (1973) deliberou sobre a criação do objeto genuíno de estudo da sociologia: tudo aquilo que existe fora das consciências individuais é coercitivo, definidor de suas ações e punitivo. “Consiste em maneiras de agir, sentir, pensar que são impostas ao indivíduo”. Assim, o método de análise das Ciências Sociais, por meio do estudo sistemático de um ato social simples, pode ser explicado para além do comportamento estritamente pessoal, como pode ser visto em seu estudo sociológico sobre o suicídio, por exemplo. Trata-se de um modo de pensar que relaciona, portanto, o particular com o geral, considerando o processo histórico em que ocorreu determinado fato, ou, segundo W. Mills (1981), a “imaginação sociológica” exige que os fenômenos sociais sejam analisados em suas múltiplas interações. Para o autor, a sociedade e os grupos sociais exercem uma coerção sobre os indivíduos, fazendo-os assumir papéis relacionados a um fenômeno em particular. Em suma, pode-se dizer que o indivíduo se explica na e pela sociedade. “A sociedade é mais do que a soma de seus membros individuais”. (DIAS, 2005, p. 10)
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No que se refere à religião, Durkheim escreveu em 1912 seu livro As formas elementares da vida religiosa. Nesse trabalho, o autor preocupa-se em desvendar a essência da religião, ou seja, o substrato das manifestações culturais da vida religiosa e seus fundamentos presentes em todas as sociedades, o que é compreendido como um fenômeno universal. Para o autor, a religião é o espelho da sociedade, pois todas as formas de religiosidade expressam características sociais. Seu ponto de chegada é a conclusão de que as sociedades passam por um caminho evolutivo, por isso as formas religiosas das sociedades contemporâneas diante de sua complexidade são de mais difícil acesso e entendimento. Suas aspirações generalizantes o levam a considerar o estudo sistemático de uma sociedade específica uma forma de compreender a essência de qualquer manifestação religiosa. Essa concepção somente é possível no interior de uma teoria que se pretende positiva e que eleva o fato social à categoria de coisa, permitindo ao pesquisador chegar à sua essência. A sociedade, na teoria sugerida por Durkheim, é formada não só pela simples junção de indivíduos de toda a espécie, mas por algo bastante profundo e complexo que ocorre devido a uma interação entre esses indivíduos e ao inter-relacionamento que eles podem ser capazes de estabelecer. O modelo social é, então, uma complexa modelação ou, ainda, uma construção permanente.
1.3.2 Fatos sociais
O principal fundamento teórico da sociologia de Durkheim é o conceito de fatos sociais, por meio do qual o autor empreende um estudo acerca das representações coletivas. Durkheim afirma que os fatos sociais são “coisas”, no sentido de estarem em oposição às ideias, já que se referem a todo objeto do conhecimento que a inteligência não consegue formular/apreender pela simples análise mental. Refere-se a tudo aquilo que, para o espírito compreender, necessita sair de si mesmo – por meio da observação e da experiência empírica. Não são coisas materiais, mas constituem coisas, no sentido de serem exteriores ao indivíduo. Tratar os fatos sociais como “coisas” é o método investigativo de Durkheim, que envolve a investigação objetiva.
Durkheim, Émile. Les formes élémentaires de la vie religieuse. Paris: Presses Universitaries de France, 1968. 17
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É especialmente por essa contribuição que Durkheim pode ser tomado como sistematizador da sociologia, imprimindo a esta um caráter científico. Define a sociologia como o estudo do que é socialmente instituído, e, assim, a sociologia durkheimiana pode ser entendida como uma “ciência das instituições”, voltada para sua gênese e seu funcionamento. Fatos sociais são Não podemos descobrir coisas que não podem ser as causas de sua existência apreendidas pela introspecção; a apenas nos interrogando a consciência que temos deles não nos seu respeito ou refletindo revela sua natureza interna nem sua gênese. Para termos sobre os fatos sociais uma visão sobre elas. É necessário clara e distinta, é necessário compreendê-los penetrar no mundo sode forma objetiva – a partir de sua existência cial, investigar suas leis, exterior, como “coisa”. entendendo a concepção que o grupo formula sobre as instituições, e as bases sociais de sua construção. Portanto, os fatos sociais instituídos são os costumes, as leis, as normas, as instituições, as crenças religiosas etc, que não são criados pelo indivíduo, e este, ao nascer, já os encontra prontos. Por isso, os fatos sociais são coercitivos e exteriores ao indivíduo, existindo fora dele.
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Fatos sociais compreendem maneiras de fazer ou pensar capazes de exercer influência coercitiva sobre as consciências particulares. Trata-se de um conceito bastante abrangente, pois envolve tudo o que se produz na sociedade, significando aquilo que interessa e afeta de algum modo o grupo social.
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Os fatos sociais são considerados por Durkheim o objeto por excelência da sociologia, já que se configuram como a base social da vida. Não é porque a sociedade é composta de indivíduos que a vida social se baseia na consciência individual. Da mesma forma que elementos combinados entre si desencadeiam fenômenos novos e esses fenômenos novos estão contidos não em cada um dos elementos, mas no todo proveniente da união, também a vida social está presente no todo, e não nas partes. Em outros termos, a sociedade é uma totalidade que engloba os indivíduos mas os supera, fazendo com que a sede da vida social seja a sociedade, e não as partes que a compõem.
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É na sociedade que se enOs fatos sociais não contram sentimentos, normas correspondem ao somatório e valores que possuem uma das consciências individuais, já que a força moral que não está sociedade é mais do que a soma dos indivíduos, ela é uma síntese, produto do todo, e presente nos indivíduos não das partes. isolados. Essa força moral inaugura uma nova realidade: a consciência da sociedade, ou consciência coletiva. A consciência coletiva é exterior aos indivíduos, mas se impõe a eles quer de maneira espontânea, influenciando-os nas ações cotidianas, quer de maneira mais coesa, por meio de tradições, normas e padrões de comportamento mais cristalizados, que coagem os indivíduos. Trata-se de valores internalizados por meio do processo de socialização, capaz de transformar o indivíduo num ser social, membro da sociedade e a ela integrado. As regras morais aparecem como coisas agradáveis e desejadas, fazendo com que a sociedade se manifeste como protetora de seus membros, que assim a percebem. É estabelecido um processo de “habitualização” que define formas de comportamento e controle social.
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A sociedade aparece como um ser superior, com vida própria, anterior, que independe dos indivíduos e possui sobre eles uma autoridade moral.
Ao ressaltar que na vida em sociedade existe uma consciência coletiva que garante a ordem social, define-se uma base de valores e normas sociais comuns a todos os membros da sociedade, que são submetidos às mesmas regras sociais, as quais definem como o indivíduo deve pensar e agir socialmente.
1.3.3 Consciência coletiva e representações sociais
Para Durkheim, a vida social, não estando centrada nos indivíduos isoladamente, não pode ser explicada por fatores puramente psicológicos (estados individuais de consciência), já que está atrelada às representações coletivas, ou seja: a forma como o grupo enxerga a si mesmo e aos outros nas relações sociais. 19
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Para entender como a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia, é preciso considerar a natureza da sociedade, e não a dos indivíduos. As representações coletivas englobam mitos, crenças, religião, moral, enfim, o pensamento coletivo que deve ser estudado em si mesmo, para si mesmo, com a especificidade que representa, sem misturar-se com a psicologia, de modo a centrar-se no âmbito da realidade sociológica. Trata-se de uma força social, uma criação da sociedade, portanto resultante da sociedade: criação dos próprios homens que passa a ter um poder superior a estes homens, exercendo uma força coercitiva sobre eles. “É o conjunto que pensa, sente, quer, embora não possa querer, sentir ou agir senão por intermédio das consciências particulares” (DURKEIM, 1977, p. 30). Deste modo, podemos entender que existe uma coerção social que exerce pressão moral sobre as consciências individuais. Ou seja, o meio social se manifesta como um meio moral, capaz de fazer com que uma pressão seja exercida pela consciência de um grupo sobre a consciência de seus membros. Assim, os fatos sociais surgem da mistura de ações de vários indivíduos (grupos sociais), constituindo um produto que nasce fora de cada um deles. São, portanto, fruto de uma pluralidade de consciências, instituindo formas de pensar e agir que não dependem de cada indivíduo, impondo-se a eles próprios. Nas palavras de Durkheim:
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(...) não sou obrigado a falar o mesmo idioma que meus companheiros de pátria, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outra maneira. Minha tentativa fracassaria lamentavelmente se procurasse escapar desta sociedade. Se sou industrial, nada me proíbe de trabalhar utilizando processos técnicos do século passado; mas, se o fizer, terei a ruína como resultado inevitável. Mesmo quando posso realmente libertar-me destas regras e violá-las com sucesso, vejo-me obrigado a lutar contra elas. (DURKHEIM, apud MARTINS, 1994, p. 17)
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Vale observar que Durkheim desconsiderou o papel ativo dos indivíduos, enfocando a ação da sociedade, da coletividade, que com sua força social se sobrepõe à vontade individual
Introdução à Sociologia da Educação: O Positivismo e a Sociologia Compreensiva – Capítulo 1
1.3.4 Solidariedade social
Durkheim entende a solidariedade como a forma consensual de relações entre indivíduo e sociedade. Portanto, solidariedade significa reciprocidade, interdependência entre partes envolvidas numa relação social.
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A teoria de Durkheim mostra que este autor defendia uma visão otimista da nascente sociedade industrial e, para descrever esta nova sociedade, lança mão do conceito de solidariedade. Durkheim estabelece uma distinção entre solidariedade mecânica e solidariedade orgânica, afirmando que a primeira diz respeito às sociedades mais simples (tribais, feudal), em que a divisão do trabalho é pouco desenvolvida. Nesse tipo de sociedade, as pessoas se unem por meio da crença, dos laços religiosos, das tradições etc. Na segunda, por sua vez, os laços de interdependência são decorrentes das diferentes funções e especializações que cada indivíduo, em sua categoria (econômica, profissional, religiosa, familiar etc.), desempenha na relação com os demais. Quando a sociedade se encontra em estado de solidariedade, os órgãos solidários estão em contato entre si, percebendo a necessidade da interdependência. As trocas se fazem sem dificuldade, levando à regularização da sociedade, ao equilíbrio social. Dessa forma, a divisão do trabalho deve produzir a solidariedade entre os indivíduos e segmentos. Se não o faz, é porque as relações dos órgãos sociais não estão regulamentadas – estão em estado de anomia. Quando uma sociedade não se encontra em estado de solidariedade, tende a encontrarse em estado de anomia social.
A anomia descreve a ideia de um desregramento fundamental das relações entre o indivíduo e a sociedade, marcadas por relações de antagonismo, por exemplo: egoísmo ou individualismo exacerbado, comportamentos pautados no livre-arbítrio, e não em normas de comportamento e conduta socialmente arbitradas, expressão de ações individuais não mais reguladas por normas claras e coercitivas, mas pela vontade de indivíduos isolados ou subgrupos sociais. 21
Sociologia da Educação
Em caso de anomia, as relações entre os órgãos sociais passam a ser raras, não se repetindo o bastante para se regularizarem, levando a uma ausência de inter-relações sociais. Daí a importância que Durkheim atribui à divisão social do trabalho, que faz com que os indivíduos/trabalhadores possam se sentir colaboradores entre si. O trabalho aparece, desse modo, em Durkheim, como fonte de solidariedade e cooperação, capaz de garantir a harmonia social.
1.4 Para conhecer um pouco mais: Durkheim e a Educação
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Ao mesmo tempo que as instituições se impõem a nós, aderimos a elas; elas comandam e nós as queremos; elas nos constrangem e nós encontramos vantagens em seu funcionamento e no próprio constrangimento (...) talvez não existam práticas coletivas que deixem de exercer sobre nós esta ação dupla, a qual, além do mais, não é contraditória senão na aparência (DURKHEIM, 1982).
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Admitindo o capitalismo como uma sociedade harmônica e ordenada, Durkheim salientava a necessidade de a sociologia apontar soluções para os problemas sociais que pudessem causar a desordem, levando a sociedade a um possível estado de anomia (estado de ausência de normas). Caberia à sociologia, então, restaurar a normalidade, por meio de técnicas de controle social e manutenção da ordem vigente. A educação é, neste sentido, uma instituição social que se relaciona com todas as demais práticas da vida social e é também um dos elementos fundamentais para assegurar à sociedade a manutenção das regras impostas, a adequação e a formatação dos indivíduos a um padrão socialmente imposto e previamente definido, refreando as paixões humanas frente a um poder moral que os indivíduos respeitem. Os fins da educação variam de acordo com os estados sociais e estão relacionados com as necessidades de um determinado tempo e lugar. “É a coletividade que impõem os fins da ação educativa” (TURA, 2002, p. 51). As práticas pedagógicas são determinadas por uma estrutura social e, por isso, seu desenvolvimento evolutivo ocorre de acordo com as necessidades do organismo social. Sendo assim, qualquer sistema educativo é um produto histórico vinculado às necessidades reguladoras de cada período e impõem aos indivíduos padrões e regras coerentes em relação ao conjunto de atividades e instituições da sociedade.
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Qualquer mudança que ocorra no campo da educação ocorre de maneira articulada a outras manifestações estruturais da sociedade. Destacando o papel do professor neste processo: O professor é um transmissor de saberes (...) valorizados e essenciais à continuidade societária. É um agente da formação integral dos alunos e, por isso, tendo o domínio das disposições pessoais para corresponder às exigências de seu tempo, podendo criar condições para as mudanças sociais que se fizerem necessárias. Esta é a importante função social do mestre, de contribuição essencial para a formação de futuros cidadãos (TURA, 2002, p. 51).
A educação tinha, para Durkheim, um papel de destaque. Ele acreditava ter essa instituição funções sociais muito importantes na construção dos valores da cidadania e do nacionalismo, do apego à coletividade, da sensibilidade para os problemas sociais e para combater o individualismo na formação de uma consciência coletiva representativa das necessidades sociais.
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1.5 Max Weber
Weber (1864-1920) manifestou em sua teoria sociológica a intenção de torná-la verdadeiramente científica. Para tanto, defendia o ideal da neutralidade científica, afirmando que o cientista não deveria apresentar suas preferências políticas ou ideológicas, para que se pudesse separar a atividade sociológica da atividade política e dos julgamentos de valores. Acerca do papel político do cientista e do professor, aponta para a necessidade de uma neutralidade axiológica, de modo que o cientista não permita que os valores estejam presentes na análise que se faz da realidade social (ainda que estejam presentes na escolha do objeto de pesquisa), e que o professor procure evitar toda tomada de posição avaliativa, limitando-se unicamente aos problemas de sua especialidade. Weber não nos dá uma conceituação esquemática do que entende por sociedade, e o que torna possível a organização social. Não há nesse autor uma teoria geral da sociedade, isso porque Weber é um historicista, preocupado com o estudo de situações concretas, com suas singularidades.
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1.5.5 Racionalização e burocracia
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Weber afirma que o traço característico do mundo em que A racionalização do mundo não significa seu vivemos é a racionalização, progresso moral, já que a raciovisto que a sociedade monalização tem a ver com a organização derna tende à organização social exterior, especialmente por meio da e à dessacralização da burocracia, e não com a vida íntima e racional do homem. vida, ou o que Weber chama de “desencantamento do mundo”. Os progressos da ciência e da técnica fazem com que os homens deixem de acreditar nos poderes mágicos, havendo uma perda do sentido sagrado da vida. O real torna-se cansativo e utilitário, marcado por um vazio que os homens buscam preencher com agitação e artifícios diversos. Face ao ceticismo tedioso, os homens tentam “mobiliar sua alma com uma confusão de religiosidade, estetismo, moralismo e cientificismo”. Contudo, aponta que a racionalização e a intelectualização não solapam com o irracional, pois este tem origem em nossa vida afetiva, fazendo-nos permanecer presos às paixões e necessidades. Max Weber aponta que o processo de racionalização envolve seis elementos: 1. Desencanto e intelectualização do mundo. 2. Surgimento de um etos de realização secular impessoal. 3. Crescente importância do conhecimento técnico especializado. 4. Objetivação e despersonalização do direito, da economia e da organização política do Estado, recrudescimento da regularidade e da calculabilidade nesses domínios. 5. Progressivo desenvolvimento dos meios tecnicamente racionais de controle sobre o homem e a natureza. 6. Tendência ao deslocamento da orientação tradicional para a ação puramente racional e instrumental.
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Atentemos para o fato de A racionalização que a categoria burocracia baseia-se no elogio da razão assume significativa imporabsoluta, capaz de engendrar um mundo sem significado, sem liberdade, tância na obra de Weber. dominado por poderosas burocracias e pela Segundo este autor, esta “jaula de ferro” da economia capitalista. é uma das categorias centrais da ciência social moderna. Refere-se àquela administração em que o poder de decisão está numa função, e não no indivíduo que a desempenha. Segundo Weber, a organização burocrática afasta-se da sociedade (tanto da classe dominante quanto das massas). Organiza-se num sistema institucional particular, em que se desenvolve um procedimento formal, um etos e uma ideologia, tornando-se uma espécie de “subcultura”. A organização burocrática mostrou-se, para Weber, mais eficiente, rápida e competente que outras formas de administração, o que explica a expansão da administração burocrática em todos os campos da vida social.
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1.5.6 O conceito de ação social
Não há, segundo Weber, na vida social, a presença de regularidades idênticas às da natureza. Em outros termos, o autor defende que a sociologia possui um campo de investigação próprio e, da mesma forma, deve ter critérios próprios para a investigação. É nesse sentido que o fundamental componente para a organização da sociedade humana, na teoria weberiana, é a ação social. Ação social é um conceito, que se refere à ação de um indivíduo orientada pela ação de outros, os quais se tornam interdependentes, fazendo com que toda ação tenha um sentido. A ação social é sempre a ação de um indivíduo que se orienta pelas ações de outros, sendo que o caráter social da ação decorre da interdependência dos indivíduos. Um ator social age sempre em função de um motivo e da consciência de agir em relação a outros atores. 25
Sociologia da Educação
Weber ressalta a função da subjetividade no desenvolvimento da ação social, uma vez que esta é definida pelo significado dado pelos sujeitos. Deste modo, sendo o principal conceito tratado por Weber, a ação social é considerada objeto de compreensão da sociologia, encarregada de interpretar o sentido da ação. A sociologia weberiana é justamente conhecida Isso coloca o cerne da sociolocomo sociologia compreensiva, gia compreensiva de Weber como porque se propõe a fazer uma leitura sendo o indivíduo, uma vez que compreensiva do tecido social, interpretando o sentido das ações sociais, bem como a forma o coletivo não constitui, para como a sociedade está organizada. esse autor, uma realidade em si. A sociologia estuda a relação de significados entre os indivíduos. O sentido da ação é dado/apreendido pela consciência que se tem dela, e essa é individual.
1.6 A tipologia da ação social
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Como temos visto, portanto, o meio social deve ser explicado a partir das relações entre os indivíduos por meios das ações empreendidas uns com outros, que acabam por construir determinada ordem social. É importante definir o significado de ação social, pois ela não se confunde com ação individual. Ação social é toda aquela que o indivíduo faz orientando-se pela ação dos outros. Essa ação é sempre possuidora de um sentido. Imagine, por exemplo, duas pessoas caminhando em sentidos opostos, uma em direção a outra. Se elas, simplesmente, se esbarrarem, isto não configura ação social. Mas, se uma tentar desviar da outra, aí, nesse caso, temos configurado a ação social, pois a ação do desvio já indica ao interlocutor a intenção de evitar o choque. Com o desvio, uma das pessoas espera que a outra compreenda o sentido e responda ao gesto. A ação social, portanto, é aquela que é possuidora de sentido.
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Todo agir em sociedade é, naturalmente, a expressão de uma constelação de interesses dos participantes que se dirige à orientação do agir, quer se trate do agir alheio ou do agir próprio, de acordo com os seus próprios regulamentos e de acordo com nenhum ou-
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tro regulamento e, por causa disso, percebe-se sempre a presença das mais diversas constelações de interesses dos participantes (WEBER, 1995, p. 332).
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Mas é preciso estabelecer mais uma diferença. Estamos falando da diferença entre ação social e relação social. Basicamente, a distinção entre elas se dá no que diz respeito ao compartilhamento de sentidos. A ação social orienta-se para o sentido do outro, mas não implica em reciprocidade. Pode ser que este outro não tenha a dimensão da intenção de determinada ação. Ainda assim, a exercemos esperando que o outro compreenda seu sentido. Já na relação social, o sentido é compartilhado, orientado por dois ou mais agentes para o mesmo fim.
De maneira geral, Weber diz que é possível classificar todas as ações sociais em quatro tipos. Chamamos essa perspectiva de tipologia da ação social, são elas: 1. Ação racional com relação a um objetivo É a ação exercida racionalmente buscando atingir um fim. O ator social, ou agente, concebe claramente quais são seus objetivos e mobiliza os meios para atingi-lo, calculando suas consequências. É o caso, por exemplo, do engenheiro que constrói a ponte, do professor que prepara a aula, do maratonista que se prepara fisicamente para uma prova, ou, ainda, do campo político. 2. Ação racional com relação a um valor Nesse caso, também é a razão que move a ação do ator. Entretanto, ele escolhe os meios racionais não para atingir um objetivo, mas sim, para permanecer leal aos seus valores. Aqui, ação é orientada por valores éticos, religiosos ou morais e não empreender a ação implica em desonra. Por exemplo, o capitão que opta em afundar com seu navio. O sentido aqui é permanecer fiel à sua ideia de honra. 27
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3. Ação afetiva É aquela orientada pelo humor ou pelo estado emocional do agente. Aqui, não há relação com objetivos ou valores. O indivíduo age determinado pela reação emocional. Por exemplo, um soco dado durante uma partida de futebol. 4. Ação tradicional É ação exercida pelos costumes, tradição, hábitos crenças que são transformados quase em uma segunda natureza. Estão enraizados nos indivíduos. Não é necessário conceber um objetivo ou valor; a ação é orientada conforme a tradição. Por exemplo: obedecer aos pais.
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A classificação dessas ações é importante, pois a sociologia weberiana está preocupada em compreender os sentidos que o ator atribui à sua conduta. A compreensão dos sentidos leva à percepção de suas estruturas. Na sociedade moderna, coexistem essas quatro formas de ação social. Mas Weber destaca o predomínio da ação racional com relação ao um objetivo, como consequência do próprio sistema capitalista. A lógica capitalista, desde sua origem, é guiada essencialmente por essa ação. Pense bem: o capitalista age, racionalmente, para atingir uma finalidade; nesse caso, o lucro. Assim, todos os meios são empregados buscando chegar a este objetivo. São feitos cálculos, probabilidades, são tomadas determinadas atitudes prevendo as melhores formas de se atingir o maior lucro possível. Para Weber, entretanto, o predomínio dessa ação já não pertence exclusivamente à esfera econômica, mas tomou conta da vida social de maneira geral: dos sistemas políticos à gestão do Estado, chegando até à esfera da vida privada. O tipo dominante de ação social na sociedade moderna é, portanto, o racional com relação a um objetivo.
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Uma mesma ação, segundo a perspectiva weberiana, pode ser guiada por dois tipos ao mesmo tempo. Veja o caso do cientista, por exemplo. Sua ação é racional com relação a um objetivo: ele se propõe a pesquisar determinado objeto, entender seu funcionamento, suas causas e consequências, buscando chegar a um conhecimento universalmente válido. Mas, ao mesmo tempo, a ação do cientista se guia pela busca da verdade, que é um valor. Assim, a ação cientifica é, portanto, uma combinação entre ação racional com relação a um fim e ação racional com relação a um valor.
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1.7 Tipologia da dominação Entre as contribuições de Weber, está também a interpretação sobre os modelos de dominação que existem na sociedade moderna. O interesse aqui está na compreensão entre as relações de poder e dominação. Para ele a dominação é condição intrínseca da sociedade; não há e nem haverá nenhuma sociedade sem algum grau de dominação. O autor se pergunta o que leva um indivíduo ou um grupo a se sujeitar à dominação de outro? Para ele, o princípio aqui é o do reconhecimento de que, ao obedecer determinada regra ou imposição, o indivíduo pensa estar seguindo conforme sua própria vontade. Weber destaca três tipos de dominação: 1. Dominação legal É o tipo característico das sociedades modernas, consequência do processo de racionalização. Esse tipo de dominação é que predomina nos Estados, nas organizações administrativas, nas leis e nos estatutos. Ela se fundamenta na crença de legalidade de uma determinada ordem. O poder, nesse caso, é assegurado pela noção de legalidade. 2. Dominação tradicional É aquela onde a autoridade é reconhecida pela fidelidade, respeito, tradição. O princípio da dominação aqui não é regido pela lei, mas pela moral. A autoridade patriarcal é o tipo mais puro dessa dominação, conforme Weber. 3. Dominação carismática Aqui o afeto é um importante elemento do reconhecimento da autoridade. O líder carismático é tido como portador de qualidades pessoais que estariam acima dos demais. A obediência se dá por devoção a essas qualidades. Segundo Weber, esse modelo de dominação é o mesmo que encontramos nos regimes autoritários e demagogos. Ao mesmo tempo, o exercício dessa autoridade é bastante instável, pois não há nada que assegure a devoção por parte dos dominados ao dominador.
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Sociologia da Educação
Weber aponta que cada um desses tipos de dominação está relacionado a um status de legitimação. O poder legal ou racional é legitimado pela noção de competência; o poder tradicional pela noção de privilégio; e, por fim, o poder carismático pela noção de devoção.
Conexão: Assista ao filme A onda, dirigido por Dennis Gansel. No filme é mostrado como o experimento de uma classe, proposto por um professor, se transformou num movimento fascista. Assista ao filme e procure identificar qual modelo de dominação é exercido ali.
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1.8 Modernidade e Racionalização
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Você deve ter percebido que até aqui apontamos alguns dos principais conceitos e metodologias usadas por Weber na sua interpretação da realidade. É importante ressaltarmos que o autor, assim como Durkheim e Marx, também tem como referencial um modelo específico de sociedade que, nesse caso, é a sociedade moderna e capitalista. Esse é o tipo de organização social que o autor interpretou sob o enfoque da sociologia. Você se lembra o que caracterizava a sociedade capitalista para Durkheim e Marx? Em ambos aparecia noção da divisão do trabalho, mas com conclusões distintas. Em Durkheim, a divisão do trabalho aparece como vínculo de solidariedade na sociedade capitalista, tipo que ele chama de solidariedade orgânica. Já em Marx, a divisão do trabalho revela a contradição e, sobretudo, os processos de exploração que marcam esse modelo de sociedade. A divisão do trabalho também foi analisada, em alguma medida, por Weber, mas com outra abordagem. Para o autor não são nem vínculos modernos de solidariedade nem a exploração os eixos centrais que caracterizam a moderna ordem social. A sociedade moderna é caracterizada, antes de tudo, pela ideia de racionalização. Esse tema permeou toda a obra weberiana que buscou compreender como o advento do capitalismo trouxe como consequência para a vida humana a intensificação da racionalização em todas as esferas da estrutura social. A racionalidade é, portanto, o modo de vida da sociedade moderna, aquilo que a diferencia das demais sociedades em outras épocas históricas. Racionalidade, para a teoria weberiana, é entendida como o processo “intrínseco do desenvolvimento do capitalismo, estabeleceria um sistema
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de dependência entre os indivíduos que os levaria à mecanização das relações em todos os setores da atividade humana” (FERREIRA, 2009, p. 68). Segundo Weber, a racionalização faz com que todas as nossas ações sejam pensadas tendo as noções de meios e fins como premissas. Assim, a ação humana, mesmo a mais cotidiana, passa a ser executada visando metas. Um componente essencial da racionalização da ação é a substituição da submissão interna a costume habitual pela adaptação planejada a determinadas situações de interesses (WEBER, 1991, p. 18).
O ponto de crítica do autor aqui é que a razão que deveria nos libertar, conforme o ideal iluminista, acaba por nos aprisionar, pois não nos treina para lidar com o imponderável.
Atividades Procure aprofundar seus estudos nas temáticas apresentadas neste capítulo, buscando outros textos e obras de referência. A partir de então, faça as atividades abaixo – elas são auxílio na fixação do conteúdo. 01. Diferencie o conhecimento filosófico do conhecimento científico. 02. D e que modo a ciência pode ser entendida como um senso comum mais refinado?
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03. P or que o estudo das ciências humanas se mostra, de certo modo, como algo mais complicado que o estudo das ciências exatas? 04. O que é e qual a importância do método científico? 05. Sobre o raciocínio indutivo, responda: a) Por que ele é importante para o progresso do conhecimento científico? b) Qual a complicação de seu uso especificamente nas ciências humanas? 06. Para Weber, como é construída a realidade social?
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Sociologia da Educação
07. P or que a abordagem weberiana de sociedade é considerada abordagem compreensiva? 08. Defina o que é ação social? 09. Quais são os tipos de ação social? 10. Qual a diferença entre ação e relação social? 11. Para Weber, quais são as formas de dominação existentes na sociedade?
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Reflexão
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Quando as bases da vida em sociedade se modificaram radicalmente na Europa, emergiu a preocupação com a vida social, expressa por meio de teorias sociológicas que procuravam compreender o quadro de profundas crises e transformações advindas do capitalismo, consolidado no século XIX. Como a religião já não era suficiente para dar as explicações que a nova realidade social, política, cultural e econômica exigia, o pensamento social passou a ganhar proeminência e destaque. No campo das ideias, a pesquisa científica e as descobertas tecnológicas tornavam-se uma meta cultural e social da maior importância. O individualismo emergia como valor essencial da identidade humana, trazendo junto de si a competição no mundo do trabalho. Os principais representantes do conhecimento sociológico desta época foram Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, autores até hoje estudados e conhecidos como os representantes da sociologia clássica. Por meio de diferentes abordagens, esses autores nos permitem interpretar a realidade social, a partir de temáticas que, embora tenham nascido na transição para o mundo moderno, e se consolidaram no século XIX, perpassaram o século XX e continuam se colocando como essenciais no século XXI, contexto em que vivemos os reflexos e as intensificações do que significou e permaneceu existindo como sociedades complexas produzidas pelo advento do capitalismo.
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Leituras recomendadas ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Nesta obra, o autor apresenta uma análise minuciosa da teoria sociológica, por meio das contribuições dos diferentes autores, desde os precursores da sociologia até os autores clássicos abordados neste capítulo. VILLANOVA, Sebastião. Introdução à sociologia. São Paulo: Atlas, 2004. O autor apresenta uma obra em forma de um manual de sociologia, por meio do qual desenvolve as teorias clássicas da sociologia, numa linguagem bastante clara, trazendo as contribuições teóricas para análise da realidade social contemporânea.
Referências ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1980. DURKHEIM, Émile. “Objetividade e identidade na análise da vida social” In: FORACCHI, M. A. e MARTINS, J. S. Sociologia e sociedade, São Paulo: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1977.
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MARTINS, Carlos Benedito. O que é sociologia? São Paulo: Brasiliense, 1994.
No próximo capítulo No próximo capítulo, daremos continuidade às abordagens clássicas da Sociologia, analisando um dos seus principais autores: Karl Marx. Compreenderemos a abordagem metodológica conhecida como Materialismo Histórico Dialético e analisaremos o conceito de ideologia.
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Minhas anotações:
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2
Karl Marx e o Materialismo Histórico Dialético
Cap
ít u
lo
No último capítulo vimos que a teoria de Émile Durkheim se caracteriza pelo princípio da integração, isto é, as formas pelas quais se dá a relação entre indivíduo e sociedade e de que maneira a Sociologia na identificação das falhas sociais e na intervenção de suas correções, buscando, assim, a construção de uma sociedade harmônica e ordenada. Agora, neste capítulo, veremos a perspectiva marxista, contraposta às ideias desenvolvidas pela sociologia positivista de Durkheim. Para Marx, o saber sociológico é constituído pelo princípio da contradição e na da integração. Veremos ainda, a importância das condições materiais de existência – trabalho e economia – para a compreensão da realidade social, método conhecido como materialismo histórico.
Objetivos da sua aprendizagem
• Compreender as principais noções do pensamento marxista. • Compreender o método materialista histórico e dialético. • Compreender a importância da ideia de luta de classe na teoria de Marx. • Compreender o significado de ideologia.
Você se lembra?
Você se lembra de já ter escutado a expressão “luta de classes”? Ou, então, se lembra de alguma análise que falava sobre como o Brasil é um país marcado pela desigualdade entre as classes? Essas são algumas afirmações que se fazem a partir dos conceitos e da teoria da sociedade capitalista desenvolvida por Karl Marx. Veremos nesse capítulo de que maneira essas ideias foram trabalhadas pelo autor, tornando-se umas das principais referências no desenvolvimento da Sociologia e das interpretações sociais.
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2.1 Introdução
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Você certamente já se deparou com algum filme ou imagem que traziam os trabalhadores em uma fábrica, realizando, por meio de alguma máquina, o seu trabalho. Uma cena clássica desse modelo chamado “linha de fábrica” é a do personagem de Charles Chaplin no filme Tempos Modernos. Nele, o personagem desenvolve seu trabalho mecanicamente, num ritmo frenético, quase sem perceber o que e por que faz, até o momento em que seu próprio corpo passa reproduzir o ritmo da máquina. Conexão: Em alguma medida, esse cenário faz aluAssista ao filme Tempos Modernos, de Charles são direta à teoria desenvolvida por Marx que Chaplin, que faz uma crítica, faz uma crítica ao sistema capitalista que se em tom de sátira, ao modelo de trabalho característico consolidava no século XIX. das origens do sistema Ao contrário da teoria positivista de capitalista. Durkheim que buscava, por meio da Sociologia, garantir a harmonia e integração na nova ordem social nascente, o pensamento de Karl Marx vai em direção oposta: busca, por meio do conhecimento, revelar as contradições sociais que estão na base de qualquer sistema e, particularmente, do sistema capitalista oferecendo, assim, os meios para transformar essa realidade. A teoria marxista privilegia como foco de análise os aspectos econômicos e materiais da existência humana, pois apenas a partir da forma como os homens se organizam para produzir a própria subsistência é que são criadas as relações sociais e as formas de pensamento e consciência. Assim, para se conhecer como vive determinada sociedade é preciso conhecer a forma como ela se organiza para produzir ou, em outros termos, seu modo de produção. Essa forma de interpretar a realidade é chamada de materialismo histórico e se consolidou como uma das formas de análise mais importantes na história do desenvolvimento da ciência social. Veremos nesse capítulo como se realiza essa forma de interpretação, especificamente por meio da compreensão de sociedade feita por Karl Marx.
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2.2 Contextualização Karl Marx nasceu na Alemanha em 05 de maio de 1818 e morreu em 14 de março de 1883. Formou-se em Direito e Filosofia e, apesar de
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não ser e nem se considerar sociólogo, é inegável a importância de sua obra na construção dessa ciência, De fato, quando Marx produz sua obra, a Sociologia ainda não passava de a tal ponto que ele é considerado um nome. Como vimos no capítulo anterior, um dos principais intérpretes sua institucionalização se daria apenas mais da realidade social. Tanto para tarde, por meio das obras de Durkheim e das seus seguidores, quanto para os primeiras teorias sistematizadas sobre o método sociológico. críticos, o estudo sobre o surgimento e desenvolvimento dos anos iniciais do capitalismo feitos por Marx é teoria obrigatória para quem deseja compreender esse sistema.
O ponto principal de sua obra consiste na crítica ao sistema capitalista e nas contradições e diferenças sociais que fundamentam esse sistema. Mas é importante destacar que, para Marx, em toda história da civilização humana sempre existiu diferenças sociais entre os homens. As sociedades foram, desde sempre, divididas entre a classe opressora e a classe oprimida. O problema do capitalismo, na visão do autor, é que esse sistema acentua demasiadamente essas diferenças, levando ao extremo suas contradições e, por isso, Marx chega a propor a transformação da realidade, buscando pela possibilidade de uma realidade mais igualitária entre os indivíduos. A preocupação de Marx, portanto, era compreender a sociedade capitalista, explicar a dinâmica dessa sociedade que se transformava in37
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tensivamente, movida por forças econômicas e por uma classe específica – a burguesia. O que essa organização produz? Que tipo de relação se desenvolve nela? E quais são as formas para superá-la? São alguns dos questionamentos levantados por Marx. Assim, como fizemos com Durkheim, é fundamental contextualizar para qual sociedade Marx está olhando quando desenvolve sua análise sobre a sociedade capitalista. Marx viveu no momento em que a Revolução Industrial se consolidava e trazia consigo uma revolução também na forma dos homens se organizarem socialmente. A sociedade foi profundamente transformada. Surgem as primeiras fábricas e as cidades passam a se constituir em torno delas. O modo de vida anterior, baseado no artesanato, no trabalho doméstico, na economia agrícola, perde espaço e importância para a crescente economia industrial. Dias (2010, pp. 22-24) aponta que as tendências gerais dessas transformações trouxeram as seguintes consequências: a) O trabalho humano foi progressivamente substituído por máquinas. A produção, dessa forma, sofre forte impulso, pois as máquinas permitem produzir em maior quantidade e mais rapidamente do que o trabalho artesanal; b) A divisão do trabalho se torna a forma predominante de produção O trabalhador que antes detinha todo o processo de produção do seu trabalho (como o caso do artesão, por exemplo), passa a se especializar em áreas de trabalho cada vez mais específicas, empobrecendo suas qualificações. Essa forma de organização do trabalho também permite o aumento da produtividade. c) Mudanças culturais no trabalho A passagem do trabalho artesanal, do ambiente rural para o trabalho nas fábricas e nas indústrias não se fez de forma pacífica e automática pelos indivíduos. Ao contrário, o trabalho dividido, industrial impunha uma disciplina e novos hábitos que o trabalhador rural ou doméstico desconheciam. Nesse novo contexto, era necessário se sujeitar ao controle externo, à supervisão exercido pelos empresários. Além disso, com a divisão e crescente especialização, há um empobrecimento intelectual do trabalho e os donos das fábricas e indústrias podiam contratar mulheres e crianças por um salário inferior ao que pagavam aos homens. É fundamental destacar aqui que a divisão do trabalho se faz também entre o empresário/ burguesia
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(dono dos meios de produção e das fábricas) e o trabalhador/ operário (que possuía apenas sua força de trabalho). d) Surgimento de novos papéis sociais Com a Revolução Industrial surgem as figuras do empresário capitalista e do operário. O empresário é o dono dos meios de produção (máquinas, fábricas, instrumentos, matérias-primas, etc); enquanto o operário é o portador da força de trabalho, essencial para o desenvolvimento da produção. É da distinção desses dois papéis que Marx caracteriza as duas classes sociais fundamentais na compreensão do capitalismo: burguesia e proletariado.
O cenário que se visualizava nesse processo de consolidação do sistema capitalista trazia uma nova realidade, permeada de novos problemas sociais. Dentre eles, a precarização das condições de vida com a intensa migração das áreas rurais para as áreas urbanas e o surgimento de graves problemas: miséria, doenças, surtos de violência, prostituição, suicídios, epidemias, etc. Além disso, nessa etapa inicial do capitalismo, não havia regras e nenhum direito trabalhista. Era comum, dessa forma, jornadas diárias de até 16 horas de trabalho, inclusive para crianças. Esse cenário, tal como temos visto nessa disciplina, justamente pelas intensas transformações que trazia, constituiu-se no objeto por excelência de estudos para os filósofos, economistas e, também, para os recentes sociólogos da época. A sociedade passa a ser objeto de análise. 39
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2.3 A compreensão de sociedade para Marx
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Marx define a sociedade de uma maneira bastante particular. A sociedade humana, para ele, é constituída não por meio da consciência comum (como defende Durkheim), mas sim, por meio do trabalho comum. Ou, melhor dizendo, pela forma como os indivíduos se organizam para produzir. É a partir da forma como se dá essa organização, que ele chama de modo de produção, que se estabelecem todas as demais relações sociais. Na sociedade capitalista, por exemplo, está na relação entre capitalistas e operários toda a base da estrutura social. O modo de produção é tão decisiModo de produção se vo na formação das relações sociais refere à forma como está orgae, portanto, das sociedades, que nizada a produção num determinado Marx argumenta que é possível período do desenvolvimento da civilização humana. Assim, cada época da história humacompreender toda a história da na possui um modo de produção específico. O civilização humana a partir dos modo de produção compreende as forças produtiseus modos de produção, isto vas (meios técnicos, matérias-primas, infraestrutura, tecnologia, etc) e as relações de produção é, das forças econômicas e de energia, (forma como está organizado o trabalho). trabalho. Toda forma social tem Segundo a perspectiva marxista, em toda a história humana existiram 06 modos de uma forma histórica de trabalho produção: Primitivo, Asiático, Escrae no capitalismo essa forma é o vista, Feudal, Capitalista e Comunista. trabalho assalariado. É dessa relação de compra e venda do trabalho que derivam todas as demais relações. Mas essa realidade material é também contraditória, formada por forças opostas e antagônicas. Vamos imaginar novamente a sociedade capitalista: ao mesmo tempo em que ela gera grande riqueza, gera também miséria e desigualdade. Mas a contradição principal reside, sobretudo, no campo da produção e das relações de produção, novamente, no modo de produção. Todo modo de produção é composto, sempre, por duas classes antagônicas, onde a existência de uma depende necessariamente da outra. Vamos explicar melhor esse ponto.
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2.3.1 Método dialético Tomamos como exemplo a relação entre o escravo e o senhor: é óbvio o papel de cada um deles, não se confunde o escravo com o senhor e vice-versa. Mas, ao mesmo tempo, são papéis antagônicos; não há equí-
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voco entre um papel e outro. No entanto, a compreensão do que é um e outro depende do outro e não de si mesmo. O escravo não é escravo por si mesmo e o senhor não é senhor por si mesmo. O escravo é escravo porque é explorado pelo senhor. Ele produz para o senhor. Mas se o escravo parar de produzir, o senhor deixa de existir como senhor e como ser social. Da mesma maneira, o senhor é senhor do escravo, o domina, vende e compra, mas ele depende do escravo para que se reconheça nele o papel do senhor. Ou seja, o escravo é escravo e senhor; e o senhor é senhor e escravo. E a compreensão de um e de outro só é possível a partir desse antagonismo. Mas, sobretudo, é a contradição entre eles que faz com que a história se movimente. Captar a contradição entre eles, é captar a história de um tipo de sociedade. Assim, não é a permanência que explica as coisas, mas sim o conflito, a contradição. Chamamos isso de dialética. Incorpora e, ao mesmo tempo, nega. Uma sociedade avançada, em tese, incorpora e nega a anterior. Para Marx, o conhecimento sociológico é construído a partir das contradições da realidade social. Essa realidade é também histórica, construída pelos homens. Portanto, a forma de análise da sociedade deve considerar essa historicidade ao mesmo tempo em que considera a importância do homem como produtor da própria história. Aqui, entretanto, é preciso destacar que o homem não constrói sua história apenas como deseja ou, ainda, por acidente ou circunstâncias aleatórias. O homem produz a própria história por meio do trabalho. A história é, portanto, resultado da atividade humana, e são as formas dessa atividade que determinam a consciência e não contrário. O que os homens são depende das condições materiais de sua existência. Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (MARX, 1997, p 21).
O trabalho é a atividade que, segundo Marx, distingue a espécie humana das demais. O trabalho possui a característica de produzir não apenas o que homens necessitam, mas, sim, produzir acima do que é necessário para a própria sobrevivência, gerar riqueza. Ao final, as próprias relações saem alteradas.
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O homem não produz apenas objetos; ao mesmo tempo em que ele produz objetos, ele produz relações sociais e produz ideias que justificam essas relações. Dizendo de outra maneira, para que os homens possam produzir, em condições determinadas, os objetos de que necessitam, precisam estabelecer relações sociais uns com os outros e, ao mesmo tempo, precisam ter uma justificativa e interpretação para essas relações (FORACCHI; MARTINS, 2008, p. 3-4).
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2.3.2 O materialismo histórico
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Uma das passagens mais conhecidas da obra de Marx é, também, aquela que revela o centro do seu pensamento. E este consiste em tomar o modo de produção hegemônico como categoria que permite a compreensão das relações sociais e da consciência dos indivíduos. Assim, diz o autor, “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. (MARX; K. ENGELS, 1998, pp. 19-20). Em outros termos, o autor afirma que só é possível determinar como pensa uma sociedade a partir da forma como ela organiza o seu modo de produção. Para Marx, diferentemente de Durkheim, não é possível conhecer a relação entre os indivíduos e o meio social sem levar em consideração a forma como esses indivíduos se organizam para produzir e, por consequência, a forma como eles distribuem o que é produzido. Essa ideia pode ser melhor compreendida a partir da relação entre os conceitos de infraestrutura e superestrutura, base da estrutura social. Vamos ver a que se refere cada um deles. Marx chama de infraestrutura tudo aquilo que faz parte da base material da sociedade, isto é, a organização econômica do modo de produção e as relações de produção. Isso, basicamente, envolve a economia, os meios de produção (tecnologias, matéria-prima, equipamentos, força de trabalho), as forças produtivas (recursos que são extraídos da natureza) e as relações de produção (forma como está organizado o trabalho). Sobre essa base econômica é que ergue-se a superestrutura: normas, valores, ideias, leis, moral, ética, religião, arte, enfim, o conjunto político e ideológico da sociedade. A sociedade é formada pelo movimento constante entre essas duas esferas, em constante interação dialética, sendo que a infraestrutura determina a forma da superestrutura. Em outras palavras, a consciência de uma sociedade é reflexo da sua base material. Este ponto será retomado mais a
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frente quando falarmos de ideologia. Dessa maneira, o pensamento é consequência das condições materiais. Modo de produção
Infraestrutura
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Forças produtivas Relações de produção Economia Organização do trabalho
Define
Superestrutura Política Ideologia Normas, valores, regras Moral Ética Religião Leis
O princípio da teoria materialista consiste, então, em tomar a base material da sociedade como o ponto inicial de entendimento de uma determinada organização social e de todas as relações sociais que nela existem. O caráter econômico se sobrepõe ao social. Assim, à medida que as relações econômicas se transformam, também se transformam os modos de consciência e as relações que fundamentam a sociedade. E como se dá essa mudança? O que motiva as transformações sociais? A resposta marxista para essa questão está no conceito de luta de classes. Para Marx, a luta de classes é o motor da história: “A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classe” (MARX; ENGELS, s/d, p. 22). Você se lembra que dissemos acima que a realidade é contraditória, formada por forças antagônicas? Pois bem, a perspectiva marxista afirma que toda estrutura social, em qualquer época histórica, é formada por duas classes: opressoras e oprimidas. Entre elas, se realiza uma luta constante, ora velada, ora aberta, que acaba por transformar a estrutura social, criando um novo modo de produção onde serão criadas novas classes e assim sucessivamente. No sistema capitalista, modo de produção hegemônico da sociedade moderna, há duas classes sociais: a burguesia (donos dos meios de produção) e a classe trabalhadora ou proletariado (donos da força de trabalho). Como sabemos, a perspectiva marxista aponta que essa relação é uma relação de exploração que apenas terá fim, segundo 43
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Marx, com a transição do capitalismo para o comunismo quando, então, a sociedade já não mais seria organizada com base nas classes sociais. Essa transição seria possível quando os trabalhadores tomassem o controle dos meios de produção, determinando o fim do trabalho assalariado. Para compreender a forma de exploração na sociedade capitalista é fundamental a noção de mais-valia, um dos conceitos criados por Marx. Mais-valia é o excedente não pago ao trabalhador. É o que entendemos, em alguma medida, como lucro. O resultado do trabalho é vendido por um valor maior do foi gasto na sua produção (incluindo a matéria-prima e o salário pago pela força de trabalho empregada). O ponto aqui é que esse excedente não é repassado ao trabalhador. Para Marx, isso caracteriza a exploração, uma vez que esse valor a mais que foi gerado pela força de trabalho é tomado pelo empresário capitalista.
Temos até aqui, portanto, que a sociedade moderna ou capitalista organiza-se a partir de um modo de produção que explora a força de trabalho, gerando a diferença e desigualdade entre as classes. Essa relação de exploração traz para a discussão a questão da dominação, ou, melhor dizendo, da forma de dominação na sociedade capitalista. Compreendemos essa relação, na perspectiva marxista, a partir do conceito de ideologia.
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2.4 Marx e a definição de ideologia
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A formulação do conceito de O princípio da teoria de Marx era entender ideologia é uma das passagens a criação histórica da sociedade mais importantes da obra de capitalista e das complexas relações que então se consolidaram. O autor está Karl Marx. Essa teoria foi deolhando, assim, para a sociedade marcada pela senvolvida por ele e Engels revolução industrial, nos séculos XVIII e XIX e na obra A Ideologia Alemã, pela urbanização. Ele analisa a forma como essa sociedade organiza o modo de produção e como com a intenção de demonsesse modo influencia, por sua vez, a formação trar como as representações de novas relações sociais; de novos modos que os homens fazem da vida de dominação e de produção e transmissão de ideias. é diferente da vida como ela de fato é. Este pressuposto é bastante importante para entendermos os significados e o processo de construção da ideologia no pensamento marxista.
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A concepção de Marx sobre o conceito de ideologia tornou-se referência nas ciências humanas, sendo retomada como ponto de debate tanto por seus críticos quanto por seus seguidores. Encontramos no entendimento marxista sobre ideologia, pelo menos, dois princípios essenciais: 1. Princípio da inversão, ou, em outros termos, a inversão da realidade. 2. O entendimento de que a ideologia, nas sociedades modernas, representa novas formas de poder e dominação exercidas pelas classes dominantes. Essas perspectivas já apontam para forma como a construção da definição de ideologia se fez no pensamento marxista. Isto é, nessa concepção a ideologia está atrelada ao sistema capitalista, mais precisamente, ela se configura como um mecanismo criado para camuflar as contradições sociais criadas por esse sistema, “disfarçando” o real. Por isso, o autor diz que ela “inverte o real”, pois não nos diz de que forma são criadas as ideias, os valores e as normas que determinam a maneira como construímos e enxergamos a realidade social. Essa concepção que atrela a ideologia à dominação é conhecida como a concepção crítica de ideologia e tem em Marx o seu mais importante representante. Aqui já podemos então ter uma dimensão do significado de ideologia para Marx: trata-se do conjunto de ideias dominantes, criadas para garantir a dominação. Mas são ideias criadas por quem? E para garantir qual dominação? Para respondermos essas questões, é preciso retomar alguns pontos que vimos agora há pouco quando abordamos o materialismo histórico dialético. Você se lembra? O método materialista histórico dialético é o princípio do pensamento marxista e importante corrente metodológica da Sociologia. Em resumo, é uma forma de análise da sociedade que tem como premissa o fato de que só podemos conhecer uma organização social a partir da sua materialidade que, aqui, Conexão: significa a forma como essa sociedade se orgaAssista ao vídeo “Clássicos da Sociologia – Karl Marx”, niza para produzir, ou, o modo de produção. onde são discutidas algumas das Essas forças materiais são a infraesprincipais ideias do autor, entre elas, trutura da sociedade, ou seja, as bases nas a perspectiva materialista da história. Disponível em http://www.youtube. quais a sociedade se assenta e se desenvolve. com/watch?v=2DmlHFtTplA Mudando o modo de produção, muda necessariamente a organização e as relações sociais en45
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tre os indivíduos. A preocupação de Marx, entre outras, é entender como essa vida material se articula com a consciência dos indivíduos. Como vimos, na perspectiva do materialismo histórico, são as condições materiais que determinam as ideias, o pensamento, as normas, as religiões, a arte, enfim, a superestrutura. Em consequência desse fato, a moral, a religião, a metafísica e todo o resto da ideologia, assim como as formas de consciência que lhe correspondem, perdem logo toda aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; são, ao contrário, os homens que, desenvolvendo sua produção material e suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, seus pensamentos e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência (MARX; K. ENGELS, 1998, p. 19-20).
Temos, portanto, que o modo de produção é a base na qual se assenta a estrutura social e onde serão travadas as relações sociais.
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Segundo Marx, as condições materiais vigentes na sociedade é que determinam nosso pensamento e nossa consciência. Ele dizia que não eram os pressupostos espirituais que levavam a modificações materiais, mas exatamente o oposto: as condições materiais é que determinariam, em última estância, as espirituais [...]. sua posição materialista pressupõem que a existência precede a consciência (FERREIRA, 2009, p. 54).
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Como sabemos, o modo predominante em nossa época, é o capitalista que se caracteriza, sobretudo, pela exploração da força de trabalho de uma classe (proletariado) por outra (burguesia). Assim, conforme Marx, as relações sociais na sociedade capitalista definem a sociedade de classes. A relação entre essas classes, por sua vez, é uma relação de exploração que só é possível ser mantida graças à ideologia que oculta, justamente, as contradições geradas nesse sistema. Os pensamentos da classe dominante são, também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que é o poder material dominante numa determinada sociedade é
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também o poder espiritual dominante. A classe que dispõem dos meios da produção material dispõem também dos meios da produção intelectual [...] os pensamentos dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes; eles são essas relações materiais dominantes consideradas sob formas de ideias [...] em outras palavras, são as ideias de sua dominação (MARX; K. ENGELS, 1998, p. 48).
A ideologia, na perspectiva marxista é, portanto, sempre a ideologia da classe dominante, produzida e transmitida por essa própria classe. A ideologia ajuda a ocultar, como uma espécie de véu, os conflitos e contradições da realidade social. O sistema é assim constantemente reproduzido, mantendo os interesses das classes dominantes, ocultando as relações de exploração. Por exemplo: “os valores de liberdade e igualdade presentes no nível do mercado são ideológicos, pelo fato de ocultarem a falta de liberdade e desigualdade no nível da produção” (SCOTT, 2010, p. 105). Ou, então, a ideia frequentemente difundida de que a desigualdade social não é resultado da exploração, mas, sim da falta de empenho pessoal. Ou, ainda, é como trabalhar para comprar o carro que nos deixará mais rápidos, mais poderosos; ou ainda, comprar as roupas de determinada marca, pois nos deixarão mais elegantes ou jovens; ou consumir determinados produtos que nos darão algum status. As ideias trazidas por esse consumo nos fazem pensar que estamos consumindo esses valores, mas ocultam o fato de que, ao consumirmos, estamos na verdade, enriquecendo as empresas produtoras deles. A teoria marxista sobre ideologia buscava assim, revelar essa falsa consciência acerca das relações sociais estabelecidas e do ocultamento das contradições sociais. Situando os principais pontos da definição de ideologia por Marx, temos, portanto, que: 1. As ideias não tem vida própria. Assim como todas as representações, a ideologia é produto das relações sociais que os homens vivem. 2. A ideologia possui, portanto, uma base concreta, real: relações sociais, mas que são invertidas. 3. Ideologia, na concepção marxista, é sempre a da classe dominante. 47
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4. Se o real fosse visível, a dominação da classe dominante teria fim, pois a exploração de uma classe sobre a outra seria revelada. 5. A ideologia inverte o real, tornando natural aquilo que foi socialmente produzido. As relações sociais, inclusive as de exploração, são naturalizadas e deixam, portanto, de serem criticadas.
2.5 Sintetizando Vimos nesse capítulo algumas ideias do pensamento marxista que revelam a complexidade da sua obra e teoria. É possível sintetizá-las nas ideias abaixo: 1. A compreensão da relação entre o indivíduo e a sociedade é indissociável das condições materiais nas quais essa relação se apoia; 2. Compreender a realidade, assim, implica em compreender como os homens se organizam para produzir; 3. Toda realidade é contraditória e a compreensão dessa realidade implica, necessariamente, na análise dessa contradição. 4. A contradição, segundo a teoria marxista, nasce no modo de produção. É ele quem irá gerar os antagonismos da realidade. 5. Na perspectiva marxista é preciso, portanto, compreender como os homens organizam sua produção para então entender como se forma a consciência e o pensamento. 6. A sociedade capitalista se caracteriza pela exploração da força de trabalho; 7. Essa exploração, assim como todos os antagonismos gerados por ela, são camuflados pela ideologia. 8. Ideologia, na perspectiva marxista, é o conjunto de ideias dominantes que servem para camuflar a realidade, encobrindo suas contradições.
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Atividades
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01. Defina o método materialista histórico. 02. E xplique as noções e infraestrutura e superestrutura. Como se dá a relação entre essas duas noções.
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03. E xplique o sentido da frase: “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. 04. O que é ideologia? 05. Qual o sentido, na perspectiva marxista, de “inversão do real”? 06. Na teoria marxista, qual a relação entre ideologia e classe?
Reflexão Independente de concordarmos ou não com as perspectivas marxistas, suas reflexões sobre o sistema capitalista são fundamentais para compreendermos como se formam as relações sociais nessa sociedade. A novidade trazida pela teoria marxista é a interpretação de todas as relações e, sobretudo, da formação da consciência individual a partir das condições econômicas e produtivas nas quais a sociedade está assentada. As formas de pensar, a consciência e o próprio sistema de ideias dominantes são tomados como reflexo da vida material dos homens. Essa relação, aponta Marx, indica a complexidade das formas de exploração e diferenciação na sociedade capitalista, ao mesmo tempo, em que indica as condições de superação dessa realidade.
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Leitura recomendada Karl Marx Friedrich Engels. A ideologia alemã. Nessa obra, encontramos a construção da noção de materialismo histórico. Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ ideologia-alema-oe/ Marta M. Assumpção Rodrigues. Suicídio e sociedade: um estudo comparativo de Durkheim e Marx. Nesse artigo, a autora faz uma abordagem do suicídio tomando as perspectivas de Durkheim e Marx, o que nos permite comparar as interpretações dos dois autores. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1415-47142009000400006&lng=pt&nrm=iso 49
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Referências bibliográficas CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1980. DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson, 2010. MARX; K. ENGELS. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MARX, Karl. O 18 brumário e cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 21 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Escriba, s/d, p. 22. SCOTT, John. Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
No próximo capítulo
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No próximo capítulo veremos a influência das abordagens clássicas da Sociologia, como o funcionalismo e o marxismo, na contemporaneidade, especialmente na Sociologia da Educação e nas relações entre educação, cidadania e emancipação. Analisaremos as teorias do filósofo italiano Antonio Gramsci e dos filósofos e educadores brasileiros Pedro Demo e Paulo Freire. Nos vemos lá!
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Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo
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Neste capítulo, estudaremos algumas perspectivas que pensam a educação e sua influência nos processos de cidadania. Veremos essa análise a partir das concepções de importantes pensadores da contemporaneidade que trataram do papel da educação na formação da autonomia do indivíduo: o italiano Antonio Gramsci e os brasileiros Paulo Freire e Pedro Demo.
Objetivos da sua aprendizagem
Compreender a perspectiva de Gramsci. Estudar os conceitos de ideologia e hegemonia. Conhecer as perspectivas teóricas que abordam a educação como possibilidade de transformação social. Compreender a relação entre educação e autonomia em Paulo Freire. Estudar a perspectiva de Pedro Demo: “Educar para a pesquisa”.
Você se lembra?
Você se lembra da teoria marxista: Materialismo Histórico Dialético, que vimos no capítulo anterior? Nessa perspectiva, Marx sustenta que as desigualdades de classes e relação entre opressores e oprimidos são explicadas a partir da infraestrutura, isto é, do modo material de produção. A influência marxista é significativa nas abordagens dos autores que veremos neste capítulo. Mas, aqui, as possibilidades de transformação social são pensadas a partir da infraestrutura, especialmente da relação entre educação e política.
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3.1 Introdução
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A educação e a escola são objetos de estudos das ciências humanas desde as suas origens. Grandes pensadores já se ocuparam da análise dessa instituição, como Aristóteles, na Grécia Antiga, e a defesa da instrução para a virtude, passando por Santo Agostinho e Tomás de Aquino, na Idade Medieval, chegando à Idade Moderna, com Comênio e a sistematização da Pedagogia e da didática ou, ainda, as teorias positivistas de Auguste Comte e Émile Durkheim. Ainda que todos esses autores, e muitos outros que aqui não foram citados, tenham pensado a educação e os sistemas de ensino sob um enfoque crítico e também como um direito de todas as pessoas, foi apenas no século XX que os debates em torno da escola passaram a questionar a neutralidade ou independência dessa instituição do meio social ou, ainda, das tensões e contradições que compõem esse meio. Nesse sentido, abordagens contemporâneas sobre a escola e os sistemas de ensino questionam, justamente, o papel dessa instituição na reprodução e manutenção da ordem social, como forma de inclusão ou exclusão, como reprodutora das contradições do sistema capitalista e das ideologias dominantes. São, assim, abordagens que olham para a educação e sua relação com a política e com o contexto social mais amplo, inserindo-a no conjunto das estruturas sociais e, portanto, influenciadas pelas tensões sociais. Ao mesmo tempo, essas abordagens apontam para a educação e o sistema escolar como os caminhos possíveis para a autonomia do indivíduo, para a aprendizagem do exercício da cidadania e, também, para o desenvolvimento do olhar crítico sobre a própria posição social e a realidade, enfim, para as possibilidades de transformação social. Dessa forma, as práticas educacionais e pedagógicas são analisadas na sua relação com a sociedade capitalista, especialmente sob influência do pensamento marxista, assim como o papel do educador e sua relação com o educando. Ganha destaque a noção de cidadania e da construção da autonomia do ato de aprender e conhecer. Sob essas perspectivas é que analisaremos, nesse capítulo, as contribuições para a educação e o papel da escola na formação política e cidadã de três importantes filósofos e educadores da era contemporânea: o pensador italiano Antonio Gramsci e os brasileiros Paulo Freire e Pedro Demo. Veremos alguns dos principais conceitos e formulações desses autores na concepção de uma educação transformadora. Vamos conhecer melhor essas abordagens?
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3
3.2 Antonio Gramsci Antonio Gramsci (1891-1937) é considerado um dos principais autores de influência marxista do século XX. Sua obra não trata especificamente da abordagem pedagógica ou mesmo dos processos escolares, mas, por ter pensado a sociedade capitalista em sua totalidade, especialmente, a partir do plano superestrutural, é possível considerar a importância dos seus conceitos e análises desenvolvidos para pensarmos a possibilidade de uma educação de fato transformadora. Crítico da sociedade capitalista e da sociedade de classes, Gramsci defendeu a formação de uma cultura contra hegemônica capaz de levar a uma ação política, liderada por intelectuais e que tivesse na escola e na educação suas principais aliadas.
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WIKIPEDIA
Gramsci nasceu em Sardenha, na Itália, em 22 de janeiro de 1891. Bom aluno, foi vencedor de um prêmio que o levou a estudar literatura na Universidade de Turim. Nesse período, a Itália passava por um momento de consolidação do capitalismo, num intenso processo de industrialização e o início de formação de grandes corporações. Ao mesmo tempo, com o aumento do recrutamento de trabalhadores em todo o país para trabalharem nas fábricas e nas indústrias, há um fortalecimento dos sindicatos e aumento dos conflitos trabalhistas. O pensamento e os movimentos de esquerda começam a ganhar força com o surgimento dos partidos de esquerda, entre eles o Partido Socialista Italiano do qual Gramsci foi filiado e um dos principais líderes desde a sua fundação. Sua atuação política o 53
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levou à Rússia no mesmo momento em que na Itália o regime fascista de Mussolini se consolidava. De volta ao seu país de origem e disposto a reunir os partidos e movimentos de esquerda numa tentativa de conter o Fascismo, Gramsci elegeu-se deputado em 1924. Em 1926, Gramsci foi preso e condenado a vinte anos de prisão. Sua saúde, desde sua prisão, ficou profundamente abalada e, em 1934, ele recebeu direito à liberdade condicional, falecendo logo em seguida, aos 46 anos. A prisão representa um momento importante na produção da obra de Gramsci. Autor de textos sobre literatura e teoria política publicados em jornais de esquerda italianos e em outros países, foi, entretanto, na prisão que ele escreveu duas das suas principais obras: Cartas do cárcere, com mensagens destinadas a parentes e amigos, e Cadernos do cárcere, obra de 2.848 páginas, publicada apenas após a morte do escritor. São, sobretudo, essas obras que trazem as reflexões de Gramsci acerca da ação política, das contradições Conexão: do sistema capitalista, do papel dos intelectuais Assista ao filme Antonio Gramsci – Os dias de cárcere, na organização da cultura, da história da Itália e que trata dos anos em que o papel do nacionalismo, bem como da concepGramsci esteve preso, vítima da perseguição do regime Fascista ção marxista de Estado, a noção de hegemonia de Mussolini. cultural, a importância da sociedade civil e, ainda, ideias sobre a teoria crítica e educacional e o papel dos intelectuais.
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3.2.1 Gramsci: o conceito de hegemonia e sua relação com a escola
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Gramsci defendia que todas as pessoas podem ser intelectuais, na medida em que todas possuem um intelecto e são racionais. Entretanto, ele aponta a diferença entre a possibilidade do ser intelectual e a função do intelectual na sociedade. Este último, o que exerce a função de intelectual, é que possibilitaria a organização de ações que levassem à transformação de práticas sociais, especialmente das classes oprimidas. Por essa razão, Gramsci aponta a necessidade de uma educação que possibilite o surgimento desses intelectuais que partilhem dos mesmos sentimentos, aspirações e necessidades das massas trabalhadoras. Esse modelo educacional influenciou a formação da Pedagogia Crítica, na qual os estudantes seriam levados a pensar criticamente a própria situação educacional, reconhecendo seus limites, problemas e experiências individuais e relacionan-
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3
do esses ao contexto social mais geral, de tal maneira que isso possibilitasse o olhar crítico e transformador da realidade. No Brasil, Paulo Freire é um dos educadores que teorizaram e praticaram essa perspectiva, como veremos mais à frente. Retornando à Gramsci, as ideias descritas acima se relacionam diretamente à noção de filosofia da práxis dePráxis senvolvida pelo autor, de origem marxista, é, portanto, uma que remete à ideia de transformação atividade teórico-prática, na material da realidade. Ou seja, a práqual a teoria possibilita as mudanças nas práticas sociais, ao passo xis é o fundamento da teoria que nos que novas práticas sociais possibilitam a leva aos instrumentos que possibimudança na teoria. A práxis é, assim, uma litariam a ação visando à transforatividade de transformação da realidade que permite a construção de novas ideias, saberes, mação das estruturas sociais. Essa desejos, experiências, vontades que, por sua noção é essencial para compreenvez, determinam a criação de novas práticas sociais. Em Marx, a práxis revolucionária dermos a educação, para esse autor, seria aquela que levaria ao fim da mas, antes, é preciso apontar ainda exploração do trabalho. outros conceitos que nos auxiliam nessa compreensão.
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Souza Neto (2009) aponta que, para compreendermos o sentido dessa ação transformadora em Gramsci, é preciso entendermos o significado de ideologia mencionado por esse autor. A ideologia é aqui entendida como uma concepção de mundo, da realidade, que se manifesta implicitamente em todas as manifestações da vida individual e coletiva, seja na arte, na economia, seja nos valores, no direito etc. e, também, nos processos educacionais. Se cada classe tem uma ideologia, isto é, uma visão do mundo, o fato é que a classe dominante detém o poder de criar e difundir também a ideologia dominante. Cada classe social tem sua ideologia: visão de mundo, valores, ética, projetos de vida individual e coletiva. A ideologia da classe que tem o domínio e a direção da sociedade é a ideologia dominante: cimento que une a estrutura da sociedade capitalista. Esta ideologia é elaborada pelos intelectuais orgânicos desta classe que detém este poder. No atual bloco histórico, a burguesia detém a hegemonia do sistema e é necessário que as classes subalternas, pela filosofia da práxis elaborada, de modo especial, por seus intelectuais orgânicos, construam a crítica da ideologia dominante com a finalidade de superá-la (SOUZA NETO, 2009). 55
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Pela noção de ideologia é que ganha sentido um dos conceitos centrais em Gramsci: o conceito de hegemonia. Este diz respeito exatamente ao domínio e direção de uma classe social, a dominante, sobre as demais, num determinado período histórico. Esse domínio pode ser obtido de duas formas: uma delas é a coerção, ou seja, o uso da força. A força é garantida, sobretudo, pelas instituições políticas e jurídicas, especialmente, pelas leis e pelo aparato policial-militar, sob comando do Estado, a quem cabe o monopólio da força e da violência legítima. O domínio pelo consenso, por sua vez, se realiza, justamente, pela esfera ideológica, pela esfera da cultura, isto é, pelo conjunto de valores morais, ideias e padrões de comportamento, definidos pela classe dominante, e que se impõe a todos ou, pelo menos, à maioria da sociedade e que passa a definir as bases das relações sociais. Hegemonia aqui é definida, sobretudo, na esfera cultural. A transformação da realidade por meio da consolidação da ação contra-hegemônica seria, portanto, definida na esfera da cultura. Nesse sentido é que, em Gramsci, toda relação hegemônica é também uma relação pedagógica na medida em que envolve a aprendizagem dos padrões e regras de comportamento que promovem “tanto uma atitude passiva diante da dominação quanto ou, então, o seu contrário: a consciên-cia crítica e a luta político-ideológica” (SOUZA NETO, 2009), uma vez que as classes oprimidas, para se libertarem da opressão, necessitam elaborar a própria ideologia. Nesse ponto, já podemos compreender como Gramsci contextualiza o papel da escola. Para ele, a instituição escolar funciona como um espaço de duplo papel no que diz respeito à hegemonia. Por um lado, como parte de um meio social definido a partir da hegemonia dominante, a escola funciona como reprodutora dessa ideologia, possibilitando a manutenção da ordem social vigente. Por outro lado, a escola também pode possibilitar processos de transformação ou superação da ordem social, auxiliando os alunos a desvendarem os mecanismos e a ideologia de dominação permitindo, assim, o olhar crítico sobre si e sobre a realidade e, ainda, a construção de um pensamento contra-hegemônico. Conforme aponta Fortunato (2009):
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Isto implica delinear as características da escola, do trabalho humano, em desvendar os mecanismos de sua produção, reprodução e superação em evidenciar, entre eles, os que constituem a base sobre a qual irá ser construída a identidade da classe trabalhadora e sua capacidade de se tornar classe dirigente.
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3
Nesse sentido, fica claro que, em Gramsci, um dos papéis centrais que a escola pode assumir é exatamente o de proporcionar aos alunos as ferramentas necessárias para que eles possam desenvolver o autoconhecimento e a compreensão da realidade histórica e das relações sociais das quais faz parte, identificando, dessa forma, os códigos de dominação e sujeição que pautam as relações sociais na sociedade capitalista.
3.2.2 Escola e cidadania A educação e a escola assumem, na visão de Gramsci, uma posição estratégica na luta pela transformação da realidade, uma vez que, em sua perspectiva, qualquer possibilidade de transformação da estrutura social passa, primeiramente, por uma mudança de mentalidade, por uma mudança cultural.
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A escola é o instrumento para elaborar os dirigentes de diversos níveis. A complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida pela quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a área escolar [...] tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização [...] (GRAMSCI, 1968, p. 38).
A própria construção da cidadania, dessa forma, encontraria na instituição escolar o espaço por excelência para sua realização. Nesse sentido, a escola deveria, segundo Gramsci, ser orientada para a formação cultural e humanista das massas, possibilitando a formação de uma consciência coletiva que desenvolvesse a inteligência e a consciência. A formação educacional seria voltada, portanto, à liberdade. A filosofia da práxis, como vimos anteriormente, dar-se-ía, portanto, no ambiente escolar. A conquista da cidadania, dessa forma, seria orientada pela possibilidade de identificação da ideologia dominante e das formas de superação desta. A teoria de Gramsci teve influência significativa na formulação da pedagogia crítica e na formação intelectual de importantes educadores brasileiros, como veremos a seguir.
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3.3 As abordagens progressistas no contexto brasileiro É considerável a produção de pesquisas acadêmicas e mesmo de ações práticas em salas de aula relacionadas à análise da educação e do sistema escolar no Brasil, especialmente na década de 1980. Parte dessa discussão passa a ser pautada pela análise da eduEntre cação formal e não formal e suas relações os autores brasileiros que interpretaram a com a sociedade capitalista, numa rerelação entre educação e o sistema flexão iniciada em décadas anteriores capitalista, destacam-se Paulo Freire, – entre elas, o período da Ditadura Florestan Fernandes, Marilena Chaui, MauMilitar –, mas que ganha volume nas rício Tragtenberg, Moacir Gadotti, Dermeval Saviani, Luiz Antonio Cunha, Carlos Roberto duas últimas décadas do século XX. Jamil Cury, José Carlos Libâneo, Bárbara Freitag, Mirian Jorge Warde, Maria Helena Souza Patto, Maria de Lourdes Chagas Deiró Nosella, Ester Buffa e Paolo Nosella.
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O papel da escola, das práticas pedagógicas, das funções do corpo administrativo e pedagógico (como professores, coordenadores, supervisores), os currículos, enfim, o sistema educacional formal entendido de maneira mais ampla, passa a ser analisado tendo como contexto histórico e social o processo de democratização do país, após mais de 20 anos de Ditadura Militar, e a política do desenvolvimentismo que inseria o Brasil na condição de país desenvolvido quanto ao capitalismo internacional. Mesmo antes, durante a Ditadura Militar, foram produzidas importantes obras e interpretações progressistas como, por exemplo, a Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, entre outras obras. Santos Neto (2009) afirma que, ainda assim, apesar de toda a contribuição que o período vivenciou de uma produção intelectual progressista e contra-hegemônica, pouco mudou no que diz respeito às práticas e políticas voltadas à educação formal, especialmente por conta de um cenário marcado pelo predomínio de políticas econômicas neoliberais. Entre as consequências, aponta o autor:
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[...] os conceitos de política e cidadania se dissolvem nos discursos do neoliberalismo assumido nas políticas educacionais e nas práticas formativas, aligeiradas e tecnicistas, de grande parte das instituições formadoras, mais preocupadas com as necessidades do mercado do que com uma formação, como sugeria Milton Santos, para “uma vida plena e a formação para o trabalho” (1999, p. 8). Seu grande temor era a escola deixar “de ser lugar de formação de
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3
verdadeiros cidadãos” e tornar-se “um celeiro de deficientes cívicos” (idem). Chegamos ao ponto de ter presente hoje por parte de muitos, por influência de países do capitalismo central, a compreensão de que é cidadão quem tem o poder de consumir! (SANTOS NETO, 2009).
Nesse contexto, como pensar a construção da cidadania pela educação escolar? Como a escola e as práticas pedagógicas podem contribuir para uma formação autônoma do indivíduo? Como a escola e a educação podem se constituir como agentes possibilitadores da emancipação dos indivíduos e de transformação social? Pensando especificamente no contexto brasileiro, essas questões foram analisadas por diversos pensadores e intelectuais preocupados com a relação indivíduo/ educação / sociedade. Aqui, vamos analisar as teorias, condireando duas importantes referências nessa discussão: Paulo Freire e Pedro Demo.
3.3.1 Paulo Freire e a educação para a autonomia Paulo Freire é, sem dúvida, um dos mais importantes pensadores acerca da educação e dos processos pedagógicos voltados para a formação crítica, autônoma e libertadora capaz de promover transformações sociais, tendo sido declarado também, em 2002, Patrono da Educação Brasileira. WIKIPEDIA
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Conexão: Acesse o site www. paulofreire.org e conheça diferentes programas educacionais, influenciados pela teoria pedagógica de Freire. Você também pode acessar o site http://www.paulofreire.ufpb.br/ paulofreire/principal.jsp, que conta com várias obras e artigos online do autor.
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Paulo Freire (1921-1997) nasceu em Recife, filho de uma família de classe média, mas que enfrentou fome e pobreza na infância, consequência da crise econômica de 1929. Se formou em Direito em 1943, pela Universidade de Recife, mas não chegou a exercer a profissão, optando pela prática docente. Já em 1958, em um congresso no Rio de Janeiro, apresentou importante trabalho sobre educação e alfabetização de jovens e adultos no qual explicava uma das suas principais e mais conhecidas perspectivas: a de que a educação e o processo de alfabetização deveriam estar relacionados ao cotidiano e às vivências do próprio aluno. Isso levaria, por consequência, ao desenvolvimento de um olhar crítico pelo aluno acerca de sua realidade. Freire teve também atuação na esfera política, coordenando o Programa Nacional de Alfabetização no governo João Goulart e como secretário municipal da educação em São Paulo. Durante o Regime Militar, seu programa de Alfabetização foi considerado uma ameaça pelo governo e Freire viveu exilado no Chile e na Suíça, retornando apenas em 1979, após a lei da Anistia. Foi no período de exílio que ele escreveu uma das suas principais obras, Pedagogia do oprimido, na qual aborda a relação entre opressores e oprimidos e critica o modelo educacional que, segundo ele, como está estruturado, acaba por reproduzir as condições de desigualdade e marginalização já existentes na sociedade. A grande questão trazida pelo autor nessa obra é como o indivíduo pode livrar-se da opressão pelos caminhos da educação se os educadores e os modelos pedagógicos são também aqueles que o oprimem? Essa questão norteará a produção intelectual de Paulo Freire e a formulação de sua proposta de uma escola e educação voltadas à construção da autonomia do indivíduo e da criticidade da realidade.
3.3.2 A educação para a autonomia
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Um primeiro ponto a ser considerado quando falamos da obra de Freire é que, para o autor, o ser humano é um ser inacabado, ou seja, um ser que está em contínuo processo de aprendizagem e formação durante toda a vida. Assim, o homem não nasce homem, mas torna-se, justamente, pela educação.
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A matriz da esperança é a mesma da educabilidade do ser humano: o inacabamento de seu ser de que se tornou consciente. Seria uma agressiva contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse num permanente processo de esperançosa busca. (FREIRE, 2000, p. 114).
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É condição humana, portanto, a capacidade de movimentar a história. Daí o ponto central em Freire, das possibilidades de transformação da realidade que podem ser originadas a partir da escola e dos processos pedagógicos. Nesse sentido, o autor aponta para a necessidade da escola possibilitar a formação crítica dos alunos, fornecendo as ferramentas necessárias para que eles possam descontruir a realidade, descontruir as ideologias dominantes e reinventarem a própria realidade. A educação aqui é entendida como a educação libertadora, que leva o indivíduo à uma concepção autônoma sobre a própria vida. Um ponto central dessa educação passa pela própria relação entre educadores e educandos, no sentido de que aos professores caberia a difícil, mas não impossível, tarefa de construção de uma educação voltada para a cidadania. “É exatamente porque sei que mudar é difícil, mas é possível que eu me dou ao esforço crítico de trabalhar num projeto de formação de educadores, por exemplo, ou de operários de construção” (FREIRE, 2002, p. 94). O que Freire busca é conscientizar os educadores do seu papel fundamental na problematização da realidade dos educandos, pois, dessa forma, o indivíduo terá a capacidade de questionar a própria realidade e, mais ainda, de compreender-se como um ser social. Temos, assim, que um dos eixos centrais da obra de Freire é a crítica ao processo ao modelo de educação que, em vez de se construir sobre um modelo que possibilite a emancipação e a transformação social, acaba por reproduzir o conformismo social. Por isso sua crítica ao que ele conceitua como “educação bancária”, modelo predominante na educação brasileira, na qual o docente “deposita” seu conhecimento no aluno, visto aqui apenas como um depósito, sendo incapaz de produzir conhecimento. Nesse cenário, o educando aprende a pensar mecanicamente, isto é, reproduzindo o que aprendeu, mas sem conseguir compreender a si mesmo como parte da realidade social. No seu oposto, isto é, num modelo de educação que problematize a realidade, o indivíduo é levado a tomar consciência sobre si, sobre as relações sociais das quais faz parte, tornando-se, assim, sujeito da própria história.
3.3.3 Pedro Demo e a educação cidadã Estamos chegando ao final deste capítulo e, nessa última parte, trataremos da concepção de educação para Pedro Demo. 61
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Pedro Demo (1941) é um dos mais atuantes educadores brasileiros. Formado em Filosofia e com PHD em Sociologia pela Universidade de Saarbrücken, Alemanha, e pós-doutor pela University of California at Los Angeles (UCLA), Demo sustenta que os sujeitos apenas atingem o nível educacional quando são capazes de questionar, de propor. Essa abordagem educacional, defendida pelo autor, tem como premissa o questionamento reconstrutivo, no qual o conhecimento se dá a partir do questionamento e da reformulação de teorias já existentes, possibilitando, assim, a reconstrução do próprio conhecimento. Essa proposta pedagógica é o que Demo defende na perspectiva “Educar pela pesquisa”. Nessa proposta, é necessária a compreensão da pesquisa, tanto pelos alunos quanto pelo docente, como uma prática cotidiana, que envolva teoria e prática. Assim como na perspectiva defendida por Freire, aqui também Demo propõe um modelo educacional que tem no aluno o agente central do processo de aprendizagem, isto é, que considere a participação do aluno no próprio processo, incentivando o questionamento e a construção – reconstrução – do conhecimento. Assim, o modelo “Educar pela pesquisa” sugere um modelo educacional oposto ao modelo existente que pressupõe a cópia e a memorização como suportes pedagógicos. Na perspectiva de Demo, o processo de conhecimento emancipador tem como base a capacidade de interpretação própria, de formulação própria, incentivando e formando a autonomia crítica do indivíduo. Dessa forma, como os autores que temos visto neste capítulo, também Demo irá analisar a educação a partir de suas possibilidades de gerar no aluno as condições para o desenvolvimento de um olhar crítico sobre a realidade e, consequentemente, de transformação dessa realidade. Nesse sentido, assim como temos visto neste capítulo da nossa disciplina, a educação aqui é entendida e analisada na sua relação com a política. Na perspectiva de Demo, a educação ideal, em seu melhor sentido, é aquela capaz de fazer do indivíduo sujeito de sua própria história, consciente da sua relação com a sociedade, do seu contexto. Por essa razão, o desenvolvimento da educação possibilitaria, necessariamente, qualidade política, criando, dessa forma, as condições para a solidificação da cidadania crítica, capaz de proporcionar soluções e alternativas para as práticas sociais. Dessa forma, o autor entende que a educação, a cidadania e a política são esferas intrinsicamente relacionadas e necessárias a um projeto de transformação social. No campo da política, mais especificamente, o autor
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3
aponta a política social como elemento que compõe esse projeto de transformação, uma vez que cabem a essa divisão do campo político as ações que visam atenuar as desigualdades sociais ou, então, os efeitos dessas. É importante ressaltar, ainda, que Demo concebe diferentes formas de manifestação da desigualdade social no que diz respeito à pobreza: pobreza socioeconômica e pobreza de espírito e, para cada uma dela, um tipo de política social específica. Para a primeira forma, a pobreza socioeconômica, seriam destinadas as políticas assistenciais que visam garantir a sobrevivência e as políticas socioeconômicas, como geração de empregos, renda, programas de previdência, profissionalização etc. Já para a segunda forma, que o autor define como pobreza de espírito, seriam destinadas as políticas sociais participativas que, em conjunto com outras formas, formariam as bases necessárias para a cidadania plena. Justamente essa última forma, que busca combater a pobreza de espírito, encontra na educação eficaz sua principal base: “Nesse espaço, emerge a oportunidade inelutável de formação do sujeito social, consciente e organizado, capaz de definir seu destino e de compreender a pobreza como injustiça social” (DEMO, 1994. p.37).
Atividades 01. Explique a definição de filosofia da práxis, segundo a obra de Gramsci.
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02. O que é hegemonia? Como ela se relaciona, na obra de Gramsci, com a educação? 03. Explique a relação entre educação e autonomia na obra de Paulo Freire? 04. Defina o que é questionamento reconstrutivo, segundo Demo. 05. De que maneira, na perspectiva de Demo, a educação contribui para a formação da cidadania? 06. Você concorda com as abordagens vistas neste capítulo? Como a educação pode contribuir para uma prática transformadora? 63
Sociologia da Educação
Reflexão Neste capítulo, vimos algumas perspectivas da Sociologia da Educação que, sob influência do marxismo, buscam interpretar o papel da escola como instituição reprodutora da ordem social e, ao mesmo tempo, o papel central que essa instituição poderia assumir como formadora de cidadãos conscientes de sua realidade, autores-responsáveis pela própria história e pela transformação da realidade. Os autores vistos aqui, Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo, se aproximam quando na proposta de um novo olhar sobre a perspectiva marxista, trazendo para o plano superestrutural a explicação das desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, as formas de superá-las. Nesse sentido, a política e a educação são interpretadas a partir da sua relação intrinsicamente interdependente. A educação aqui, ainda que sob propostas pedagógicas distintas, se apresenta nas abordagens desses pensadores como aquela capaz de proporcionar a formação crítica dos indivíduos, abrindo caminho para a transformação desse indivíduo e, por consequência, do meio social.
Leituras recomendadas FORTUNATO, Sarita Aparecida de Oliveira. Escola, educação e trabalho na concepção de Antonio Gramsci. IX Congresso Nacional de Educação- EDUCERE. III Encontro sul brasileiro de Psicopedagogia. 26 a 29 de outubro, 2009. PUCPR. Disponível em: . Nesse artigo, Fortunato analisa as concepções de Gramsci sobre a educação, focando nos conceitos de hegemonia e na noção de educação para o trabalho elaborados pelo pensador italiano.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
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Nessa obra, encontramos a abordagem de Freire sobre uma nova pedagogia fundamentada na autonomia do aluno e em novas relações entre educando, educador e sociedade.
Educação e Cidadania: as Abordagens de Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo – Capítulo 3
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 1997. Nessa obra, Pedro Demo descreve sua abordagem sobre a educação, refletindo sobre a noção do questionamento reconstrutivo para a formação de uma educação autônoma.
Referências Demo, Pedro. Política social, educação e cidadania. Campinas, SP.: Papirus, 1994. ______. Educar pela pesquisa. Campinas/SP: Autores Associados, 1997. GRAMSCI, Antonio. Os dirigentes e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. FORTUNATO, Sarita Aparecida de Oliveira. Escola, educação e trabalho na concepção de Antonio Gramsci. IX Congresso Nacional de Educação- EDUCERE. III Encontro sul brasileiro de Psicopedagogia. De 26 a 29 de outubro, 2009. PUCPR. Disponível em: . Acesso em 14 jun. 2014.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. ______. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:Editora Unesp, 2000. SANTOS NETO, Elydio dos. Paulo Freire e Gramsci: Contribuições para pensar educação, política e cidadania no contexto neoliberal. Revista Múltiplas Leituras, v.2, n.2, p. 25-39, jul. /dez. 2009.
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Sociologia da Educação
No próximo capítulo
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No próximo capítulo, estudaremos as contribuições de Pierre Bourdieu, um dos principais pensadores contemporâneos que trataram das inter-relações entre indivíduo e sociedade analisando, especialmente, os processos de socialização, dos quais a escola é um dos agentes mais importantes.
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As Contribuições de Pierre Bourdieu
Cap
ít u
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Neste capítulo, estudaremos um dos principais pensadores contemporâneos: Pierre Bourdieu. Como vimos nos capítulos anteriores, uma das preocupações centrais da Sociologia e das suas ramificações, como a Sociologia da Educação, é compreendermos as formas de organização social, as diversas inter-relações que os indivíduos estabelecem entre si e com as instituições sociais. Bourdieu nos oferece algumas perspectivas para compreendermos essas relações, especialmente, pela análise das formas de socialização modernas, isto é, os processos que nos transformam em seres sociais, dos quais a escola é um dos agentes centrais.
Objetivos da sua aprendizagem
Compreender o significado dos processos de socialização. Identificar o papel da escola na formação social dos indivíduos. Estudar a teoria de Bourdieu. Conhecer os conceitos de habitus, campo, violência simbólica, capital social, capital cultural.
Você se lembra?
Certamente você já se perguntou: Quem sou eu afinal? Geralmente essa pergunta vem acompanha de muitas divagações e, principalmente, reflexões bem pessoais. Mesmo que para alguns as referências de família, amigos, escola, trabalho sejam diferentes, de alguma forma, para definirmos quem somos, recorremos aos grupos aos quais pertencemos!
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4.1 Introdução
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Pierre Bourdieu (1930-2002) é um dos pensadores de maior influência na contemporaneidade, sendo referência em diferentes áreas do conhecimento, como Sociologia, Filosofia, Antropologia, Linguística, Comunicação e Pedagogia. Sua abordagem teórica dialoga diretamente com as principais correntes da sociologia clássica, seja na compreensão do indivíduo como parte do meio social, sendo profundamente influenciado por ele (como em Durkheim e a teoria do fato social); seja buscando compreender como os processos de racionalização influenciam as relações sociais modernas e contemporâneas (assim, como Weber) ou, ainda, refletindo sobre o papel da hegemonia do capital, assim como a perspectiva marxista, mas se diferenciando de Marx ao considerar que não existe apenas o capital econômico, mas, sim, uma variedade de capitais responsáveis pela distinção social, como veremos mais à frente. Parte significativa dos estudos de Bourdieu foi dedicada ao entendimento das formas como somos inseridos nas estruturas sociais, nos transformamos de seres biológicos em seres sociais e contribuímos para sua manutenção do sistema social. A esse processo chamamos socialização e, aqui, a escola assume papel fundamental, uma vez que é uma das principais instituições responsáveis em nos ensinar a viver em sociedade. Parte significativa da obra de Bourdieu é, justamente, voltada à análise do sistema educacional francês, do qual o autor foi bastante crítico. Na perspectiva de Bourdieu, a escola, no lugar de sua função transformadora, funcionava como uma instituição conservadora da ordem social vigente, reforçando as desigualdades sociais e o caráter da divisão de classes, o que levou alguns autores a considerarem que o pensador francês tinha uma visão pessimista da educação e do sistema escolar. Ainda assim, suas teorias foram bastante influentes nas discussões sobre o papel da escola no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1970 e 1980. Na construção do seu pensamento, Bourdieu criou uma série de conceitos que buscam exatamente explicar as relações entre indivíduo e sociedade, a dicotomia entre objetividade e subjetividade, além das formas de dominação e reprodução social existentes. Vamos compreender melhor alguns desses conceitos, começando pela noção de habitus.
Os processos de socialização na sociedade contemporânea: Pierre Bourdieu e Edgar Morin - Unidade 4 As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4
4.2 Habitus Você já se perguntou sobre algumas de suas ações mais simples? Como dormir, ou escovar os dentes, por exemplo? Na linguagem do senso comum chamamos essas ações de “hábito”. Geralmente estão ligadas a coisas que fazemos mecanicamente, sem pensar. E tomar banho? Parece algo tão natural, não é mesmo? É como se o incômodo provocado pela sujeira pedisse que nos banhássemos!
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Pierre Bourdieu é considerado um dos maiores pensadores da contemporaneidade, seus conceitos e teorias ultrapassaram a filosofia e estenderam-se principalmente para a sociologia, antropologia, educação, psicologia etc. É reconhecido internacionalmente, possui uma vasta e complexa obra, seus conceitos são elaborados e de grande profundidade teórica. Muito do vocabulário teórico de Bourdieu faz parte da prática daqueles que trabalham com questões sociais (como habitus, estilo de vida, campo, violência simbólica). Bourdieu foi um pensador do nosso tempo, teorizou e elaborou análises sobre a nossa realidade social: urbana, midiática, informativa, simbólica, distintiva.
Mas todas essas ações não são naturais, elas são resultado de um processo de socialização. Internalizamos essas práticas a ponto de “naturalizá-las”, de confundirmos ações sociais com “instinto” ou “determinações biológicas”. Até poucos séculos atrás, acreditava-se, por exemplo, que as camadas de sujeira nos protegiam das doenças! Pensando em como os processos de socialização são apreendidos pelos homens, ou seja, como aquilo que é constituído social e historicamente nos parece algo “natural”, é que Pierre Bourdieu elabora o conceito de habitus. Este conceito permite compreender como interiorizamos e exterioridade social e como exteriorizamos nossas interioridades, como a sociedade se deposita nos indivíduos e se transforma em disposições duráveis que exprimem as necessidades objetivas deles. São como estruturas formadas para pensarmos, sentirmos e agirmos. Seriam, comparativamente, as práticas sociais duradouras, que chamamos de tradição, costumes. A conceituação de Bourdieu faz do habitus um operador prático para que possamos entender o princípio unificador que rege os grupos sociais, e que gera as práticas socialmente reconhecidas, estas que encontram limites nas condições das quais elas são produto. Esses limites não são necessariamente econômicos – apesar de o capital financeiro ser um dos condicionantes. 69
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Não é propriamente um baixo ou alto salário que comanda as práticas objetivamente ajustadas a esses meios, mas o gosto, gosto modesto ou gosto de luxo, que é a transcrição durável delas nas tendências e que encontra nesses meios as condições de sua realização. Isso se torna evidente em todos os casos onde, em seguida a uma mudança de posição social, as condições nas quais o habitus foi produzido não coincidem com as condições nas quais ele funciona e onde podemos, portanto, apreender um efeito autônomo do habitus, e através dele, das condições (passadas) de sua produção. (BOURDIEU, 1983)
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A ideia de habitus, como o social incorporado, uma natureza socialmente construída que é capaz de impulsionar a ação social em estratégias inconscientes, é de extrema importância para entendermos aspectos dos processos de socialização. Por se confundir com a ordem natural, o habitus levanta a questão do que é propriamente natural e aquilo que é artificial (sociocultural), é nessa interrogação que surge a Podemos perceber tensão entre o corpo natural no conceito de habitus sua relação com o materialismo histórico e o corpo transformado – (lembram-se de Karl Marx, do capítulo 2), em pela cosmética, o vestuáque diferentes condições materiais de existência imprimem aos indivíduos, pertencentes aos rio, a máscara, os gestos diferentes grupos sociais, por elas determinados, e as ações. Não para um conjunto de práticas e representações mais ou resolver, mas para esclamenos recorrentes. Contudo, podemos observar que não há uma relação direta, unívoca, entre condições recer é que a noção de específicas e as práticas delas recorrentes. As habitus é útil, já que ele condições materiais de existência não são o único determinante do habitus, segundo é o “social escrito no corBourdieu. po, no indivíduo biológico” (BOURDIEU,1988) e que é esse social registrado no indivíduo que faz com que as ações sociais sejam orquestradas sem a necessidade da batuta de um maestro.
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Essa “dinâmica” do habitus faz com que ele penetre “numa situação, em costumes e em instituições humanas” (1988) dando dimensão à regularidade e reproduzindo regras, não escritas, que atendem às exigências do jogo social e fazem dos indivíduos sujeitos sociais. Resumindo: o conceito de habitus ajuda-nos a compreender como ocorre o processo de socialização.
As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4
4.3 Campo
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Já vimos que todos nós pertencemos a grupos sociais – a mais de um, inclusive – mas já repararam que nos comportamos de maneira muito diferente em cada um deles? Utilizamos maneiras diferentes de falar, agir, até mesmo de demonstrar nossos sentimentos. As relações sociais se adequam ao grupo social, é como se cada grupo tivesse suas próprias regras, sua própria lógica, e, então, temos de “jogar conforme as regras” daquele jogo, no trabalho, na família, entre os amigos da escola, entre os amigos da igreja, com os vizinhos etc. Foi justamente percebendo que os grupos sociais possuem características específicas que Bourdieu elaborou um outro conceito que permite compreendermos os processo de socialização, mais do que isso, possibilita a verificação de que tal processo ocorre de diferentes maneiras em diferentes grupos sociais, o que o teórico chamou de campo. O campo é, para Bourdieu, um espaço social estruturado em que ocorre uma disputa (um jogo) de forças entre dominantes e dominados, em uma relação de desigualdade. Essa luta entre os indivíduos pertencentes a um determinado campo se orienta na intenção de conservar ou de transformar a posição no interior desse mesmo campo, posição que indica a força que cada indivíduo possui.
O conceito de campo põe em prática a ideia de que os grupos sociais funcionam como uma espécie de microcosmo, com leis próprias, sem no
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entanto deixar de pertencer a uma posição no que Bourdieu chama de mundo global. Não é possível compreender um determinado campo se os fatores externos não forem levados em consideração, assim como a relação que esse campo estabelece com outros campos (o campo jornalístico com o campo político, por exemplo). Vale dizer que a luta no interior do campo não é puramente econômica (pelo maior salário), é também pela posição de poder e força dentro desse campo, possui um peso econômico, mas também um peso simbólico e as relações de força são medidas por esses dois fatores. As posições no interior de um determinado campo possuem pesos relativos ao espaço que ocupa o próprio campo na sociedade, se sua posição permite ditar ou não a lei: “um espaço – o que eu chamaria de campo – no interior do qual há uma luta pela imposição da definição do jogo e dos trunfos necessários para dominar nesse jogo” (BOURDIEU, 1990). A ideia de campo permite compreendermos como se dão as relações sociais, ou seja, como o processo de socialização se completa a partir do momento que internalizamos “as regras do jogo”. Autor de uma sofisticada teoria dos campos de produção simbólica, Pierre Bourdieu (1930-2002) buscou mostrar, ao longo de sua trajetória intelectual, que as relações de força entre os atores sociais apresentam-se sempre na forma transfigurada de relações de sentido. A violência simbólica, um dos temas centrais de sua obra, não é tratada como um mero instrumento a serviço da classe dominante, mas como poder que se exerce também através do jogo entre os atores sociais. O campo da produção sociológica de Bourdieu é amplo: arte, ciências, moda, literatura, economia, filosofia etc. Essa intensa produção sociológica o leva a fundar a revista Actes de la Recherche en Sciences Sociais (1975), que atualiza o estilo das publicações científicas pela introdução de fotografias, de encartes e da maquete. Bourdieu elegeu como horizonte de preocupações teóricas a tarefa de desvendar os mecanismos da reprodução social que legitimam as diversas formas de dominação. Para viabilizar o encaminhamento dessa discussão, desenvolve conceitos específicos, tais como campo social e habitus, que serão abordados mais adiante. Bourdieu redimensiona o peso dos fatores econômicos para a explicação dos conflitos entre as classes sociais, trazendo à cena também as questões não materiais, ou seja, simbólicas.
As Contribuições de Pierre Bourdieu – Capítulo 4
A partir da ideia de violência simbólica, o sociólogo enfatiza que a produção simbólica na vida social não é arbitrária, sublinhando seu caráter efetivamente legitimador das forças dominantes, expressando-se por meio delas os gostos de classe e os estilos de vida, e gerando a distinção social. É possível dizer que a problemática teórica dos escritos do sociólogo francês esteja assentada na mediação entre atores sociais e sociedade. Bourdieu propõe o conhecimento praxiológico, gênero de conhecimento que busca a articulação dialética entre ator social e estrutura social, tal como analisaremos a seguir.
4.4 As formas de distinção social Bourdieu busca compreender os elementos que envolvem a distribuição desigual de oportunidades entre os indivíduos e atenta, por exemplo, para o sistema escolar enquanto mecanismo de distinção social e de reprodução da hierarquia social. É o próprio fundamento da sociedade meritocrática que ele critica, já que os indivíduos partem de condições de existência desiguais, sendo o sistema de ensino considerado a ponta de lança dessa ideologia. Para o sociólogo, “mesmo quando repousa na força nua e crua, a das armas ou a do dinheiro, a dominação possui sempre uma dimensão simbólica” (BOURDIEU, 2001, p. 209), uma dimensão que não conseguimos enxergar, mas que é atuante e decisiva.
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4.4.1 Gosto de classe e estilo de vida Bourdieu desenvolve uma análise, em A distinção (1979), voltada para a identificação das correspondências entre práticas culturais e classes sociais, assim como para a compreensão do princípio que legitima a hierarquia aí inscrita. A esse respeito, duas importantes ideias que compõem o pensamento de Bourdieu, através das quais é possível verificar essas correspondências – e que dão título a este item no capítulo – são “gosto de classe” e “estilo de vida”. Essas ideias nos serão importantes na medida em que atuam como peças-chave para a compreensão da violência simbólica que recai sobre todos os indivíduos, ainda que de formas distintas e em diferentes intensidades. 73
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O “gosto” é definido por Bourdieu como sendo a propensão e a aptidão à apropriação (material ou simbólica) de uma determinada categoria de objetos ou práticas classificadas e classificadoras. O conjunto dos gostos compõe determinado estilo de vida. Por exemplo, a visão de mundo de um marceneiro, seu modo de gerir seu orçamento, seu tempo, o uso que faz da linguagem, a escolha de suas indumentárias estão presentes em sua ética e em sua estética de trabalho impecável, que prevê o cuidado, o esmero, o “bem-acabado”, que Conexão: o leva a mensurar a beleza de seus produtos Texto sobre Pierre Bourdieu: pela paciência e cuidado que exigiram quanhttp://www.espacoacademico. do de sua fatura (BOURDIEU, 1994). Esse com.br/010/10bourdieu02.htm conjunto de práticas e comportamentos que configura suas preferências e suas possibilidades de escolha expressa um determinado estilo de vida. O gosto é uma manifestação do estilo de vida. Os gostos obedecem a uma certa tendência: os objetos raros, que constituem um luxo inacessível ou uma fantasia para os ocupantes de uma classe social menos favorecida tornam-se comuns pela massificação, essa dinâmica da sociedade capitalista, que faz com que mercadorias antes tidas como raras e com alto custo se tornem cada vez mais acessíveis, ao passo que presenciamos o surgimento de novos consumos, mais raros e mais distintivos, responsáveis pela atualização do distanciamento entre as classes sociais, reavivando a barreira simbólica (invisível e intransponível) que as separa. Até pouco tempo, a posse de um celular era fator de distinção entre as classes, pois se tratava de uma mercadoria rara e cara. A produção em massa de celulares concorreu para a sua popularização, ao passo que outros produtos se tornaram portadores de novas distinções, como é o caso da TV de plasma, cuja tendência é também se popularizar, dando lugar a um outro artigo, e assim por diante. Os diferentes estilos de vida demarcam oposições entre as classes sociais, que se exprimem através das preferências, seja em matéria de pintura, cinema, teatro, seja com relação à mobília, à vestimenta, ao uso da linguagem etc. O estilo de vida das classes populares encerra sempre o reconhecimento tácito e explícito dos valores dominantes, definindo-se pela privação, pela ausência dos consumos de luxo (quadros, concer-
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tos, cruzeiros, exposições de arte, antiguidades etc), que na verdade são substituídos por versões que denunciam o desapossamento (é o caso, por exemplo, da aquisição da imitação do couro, de produtos já massificados, de réplicas etc). Segundo Bourdieu, a oposição entre champanhe e uísque condensa o que separa a burguesia tradicional da nova burguesia. Da mesma forma, o universo da música, da pintura, da literatura oferece uma dimensão simbólica prolífica no que se refere às possibilidades de distinção social. Os atores se diferenciam de acordo com o consumo de bens que orienta estilos de vida específicos, sendo o conflito social multidimensional, manifestando-se na escolha profissional, nas formas legítimas de apropriação das obras de arte, na maneira de fruir o lazer, e em outras incontáveis sutilezas que passam despercebidas pela imponência com que o conflito de classes materialmente se exprime. Através do uso da noção de violência simbólica, Bourdieu busca desvendar o mecanismo que faz com que os indivíduos vejam como “naturais” as representações ou as ideias sociais dominantes. A violência simbólica é desenvolvida pelas instituições e pelos atores que as animam e sobre as quais se apoia o exercício da autoridade. É conveniente destacar que a teoria da simbolização em Bourdieu apreende o mundo social enquanto locus privilegiado de atribuição de sentido à existência (reconhecimento, consideração) e aponta para uma relação, aí subjacente, entre este sentido e a distribuição desigual de capital simbólico. Segundo suas palavras, “dentre todas as distribuições, uma das mais desiguais e, em todo caso, a mais cruel, é decerto a repartição do capital simbólico, ou seja, da importância social e das razões de viver” (Idem, Ibid., p. 294), sendo o capital simbólico definido como o produto da transfiguração de uma relação de força em relação de sentido. Um dos principais alvos da crítica de Bourdieu, nos seus últimos anos de vida, foi a atuação dos meios de comunicação, que estariam, segundo ele, cada vez mais submetidos a uma lógica comercial inimiga da palavra e dos significados reais da vida. Bourdieu foi um crítico feroz do tipo de cultura produzido pelas mídias contemporâneas.
Os conflitos simbólicos entre as classes sociais se mostram não através das diferenças materiais que as caracterizam (excesso ou falta de poder aquisitivo), mas através do modo como o dinheiro é utilizado, estando enraizados nas desigualdades sociais. 75
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4.4.2 Capital cultural e capital simbólico
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Temos, assim, que, para Bourdieu, as classes sociais e a forma da desigualdade social podem ser explicadas pelo poder aquisitivo, ou seja, pelo capital econômico que um indivíduo ou grupo possui, assim como na definição marxista, mas não apenas por essa forma. Os sujeitos são, portanto, na perspectiva do pensador francês, portadores de outras formas de capital que funcionam como elemento de diferenciação, mas não se relacionam ao poder aquisitivo. Entre essas formas, está o capital cultural, que engloba essencialmente a educação, embora não se resuma a ela. O capital cultural seria, assim, o acúmulo que um indivíduo possui, por exemplo, de conhecimento apreendido, escolaridade, diplomas, leituras de livros, etc., e a posse ou não desse tipo de capital levaria esse indivíduo a ocupar um determinado espaço social, uma determinada posição no campo, diferenciando-o dos que possuem mais ou menos capital cultural que ele, segundo os valores culturais e simbólicos de determinada sociedade. Bourdieu afirma que o capital cultural como um princípio de diferenciação e hierarquia entre os indivíduos é tão importante quanto o capital econômico. O olhar sobre o sistema escolar merece, portanto, atenção especial. Como afirmamos logo no início deste capítulo, nas conclusões de Bourdieu baseadas em sua análise do sistema educacional francês, a escola funciona muito mais como um espaço de reprodução das desigualdades e manutenção da ordem vigente do que como um espaço de transformação social. Isso porque a própria escola e o ambiente escolar operam a partir de um princípio de seleção fundamentado na ordem social, mantendo, portanto, a distinção preexistente na sociedade, separando, por exemplo, indivíduos portadores de maior capital cultural dos demais. Ou, ainda, na própria prática docente que tende a classificar os alunos como brilhantes/ normais/ apagados etc, promovendo pela posse ou não do capital cultural a distinção entre eles. Outra forma de acúmulo de capital definido por Bourdieu é o capital social. Segundo o autor, o capital social pode ser definido como:
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O conjunto dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento mútuos, ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como o conjunto de
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agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros e por eles mesmos), mas também que são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1988, p. 67).
O capital social pode, assim, ser definido como a rede de relações que um determinado indivíduo possui. Mas não apenas isso. Por extensão, o capital social também envolve os acúmulos de capitais cultural, simbólico e econômico do outro indivíduo ou grupo ao qual o indivíduo está vinculado. Assim, ainda que seja específico dentre as categorias de capital, o capital social se relaciona, necessariamente, com as outras formas de capital, sendo, portanto, dependente delas. Na perspectiva de Bourdieu, o capital social é uma forma de estratégia, uma vez que essa rede de relações é definida e construída pelo indivíduo, de maneira consciente ou não, como uma forma de investimento. Dessa maneira, o acúmulo de capital social pode levar a um maior reconhecimento, sentimento de pertencimento, acesso a determinados direitos etc. As definições de capital têm, por fim, relação direta com a noção de distinção e, por consequência, com formas de dominação e mesmo de violência simbólica. Aqui, a teoria de Bourdieu aponta para uma forma específica de poder e dominação fundamentada no simbólico, diferenciando-se assim da perspectiva marxista. Para o autor, o conjunto de símbolos e sentidos de uma determinada sociedade acaba por constituir uma rede de significações que protegem ou reforçam determinadas relações de opressão ou exploração.
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Atividades 01. O que é socialização? 02. Defina o que é habitus. 03. Como Bourdieu analisa a dicotomia objetividade e subjetividade na formação do indivíduo? 04. Que crítica Bourdieu faz ao sistema escolar? 05. O que significa capital cultural e capital social? 77
Sociologia da Educação
06. Explique o conceito de violência simbólica. 07. Como a noção de distinção se relaciona, em Bourdieu, com a violência simbólica?
Reflexão Compreender a forma como nos tornamos seres sociais têm sido ponto de análise das pesquisas nas ciências humanas há muito tempo, pois ela revela, logo em sua base, como se dá nossa relação com o meio social do qual fazemos parte; de que maneira esse meio influencia na formação de nossa subjetividade e individualidade. Não é possível separar o sujeito, ou melhor, sua construção, do meio no qual ele está inserido. Nos tornamos seres sociais, justamente, quando absorvemos o conjunto de sistemas simbólicos de nosso meio. É essa relação que permite internalizarmos as práticas sociais e reproduzi-las em nosso cotidiano. Não é possível, dessa forma, conhecer o sujeito social e sua subjetividade sem dimensionar o meio social, histórico e determinado, do qual ele faz parte.
Leitura recomendada Para aprofundar-se um pouco mais no assunto, recomendamos a leitura da obra: BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. Nesse livro, é possível ter acesso às explicações e às pesquisas de Pierre Bourdieu que envolvem os conceitos trabalhados neste capítulo.
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Referências
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BOURDIEU. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1999. ______ . Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
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______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. BOURDIEU, P. “Gostos de classe e estilos de Vida”. In. Sociologia, Renato Ortiz (org.). São Paulo: Ática, 1983. GALEANO, A. Castro, G. e Silva, J (orgs.). Complexidade à flor da pele: ensaios sobre ciência, cultura e comunicação. São Paulo: Cortez; 2003. PERROT, Michele. “Os Atores”. In: História da vida privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Volume 4; São Paulo: Cia das Letras, 1991. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade. Disponível em: . Acesso em: abril de 2007. MORIN, E. As grandes questões do nosso tempo. Lisboa: Editorial Notícias, 1997. ______. Sociologia. Sintra, Portugal: Publicações Europa-América:, 1989 ______. “A indústria cultural”. In: Sociologia e sociedade. Org. Marialice Mencarini Foracchi e José de Souza Martins; Rio de Janeiro: LTC; 1984
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No próximo capítulo No próximo capítulo, analisaremos alguns dos principais autores da Sociologia na educação no Brasil: Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e Florestan Fernandes. Vemo-nos lá!
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Minhas anotações:
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A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova
Cap
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Chegamos ao último capítulo da nossa disciplina. Aqui, veremos a história da Sociologia da Educação no Brasil e a constituição da chamada Escola Nova. Estudaremos ainda o contexto histórico desse movimento, marcado pela inserção da educação como um dos temas centrais dos estudos sociológicos e das pautas políticas. Neste capítulo selecionamos as abordagens de Anísio Teixeira e Fernando Azevedo que nos auxiliarão na compreensão desta fase.
Objetivos da sua aprendizagem
Compreender o contexto histórico de surgimento da sociologia da educação no Brasil; Conhecer o movimento que resultou na Nova Escola; Estudar as principais abordagens sobre educação na perspectiva de Fernando Azevedo e Anísio Teixeira.
Você se lembra?
Você se lembra de já ter acompanhado algum debate ou presenciado alguma manifestação e movimento social em prol da educação pública? Lembra-se de já ter lido ou escutado alguém falar sobre a cláusula constitucional que coloca a educação como um direito de todos? Pois essas noções nem sempre foram algo legitimado por lei ou por ação governamental. Até meados da década do século XX, a educação e o acesso ao ensino escolar era garantia apenas das camadas mais privilegiadas da sociedade. Esses foram pontos essenciais apresentados no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, na década de 1930, que buscava universalizar o acesso à educação. Esse e outros tópicos serão tratados aqui neste último capítulo.
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5.1 Introdução
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Em seu trabalho Estudos Sociológicos da Educação no Brasil, a pesquisadora Clarissa Baeta Neves faz um levantamento histórico do desenvolvimento da Sociologia da Educação no contexto brasileiro, destacando que o tema “Educação” esteve atrelado à própria origem da Sociologia no país. É visível, dessa forma, a qualidade dos trabalhos, de eixos temáticos, e também o fato de que importantes pesquisadores e programas de universidades produziram essas análises já na primeira metade do século XX. Chama a atenção, ainda, conforme a autora, não A educação como tema de estudo sociológico somente a qualidade desses estudos também foi um dos campos de análido ponto de vista científico, mas se no pensamento clássico da Sociologia. Durkheim, por exemplo, abordou a espetambém o engajamento político cificamente essa relação na obra Educação que eles apresentam. Assim, essas e Sociologia, demonstrando os elementos que abordagens iniciais dos pensadores constroem a noção de “consenso social”, central no pensamento do pensador francês. Mesmo que analisaram a educação no país Marx, que não abordou explicitamente uma já buscavam pensar a educação e teoria da educação, tratou do tema do ena formação escolar a partir da sua sino e da formação, articulando esses com as condições socioeconôpossibilidade para uma ação transmicas da época. formadora da realidade, pensando essa transformação em seu sentido mais amplo: econômica, social e política. De maneira geral, os estudos sobre a educação como campo de análise próprio da Sociologia podem ser divididos em três grandes períodos: 1o período – dos anos 1930-1960; 2o período – Governo Militar (1964-1985); 3o período – meados dos anos 1980 até a atualidade. O primeiro período se caracteriza, sobretudo, pela relação intrínseca entre a preocupação metodológica e o engajamento político, especialmente por conta das mudanças que a sociedade brasileira vivenciava. Há, nesse momento, uma maior concentração teórico-metodológica e, também, temática. Veremos essa mais detalhadamente essa fase um pouco mais à frente. No segundo período, marcado pela Ditadura do Regime Militar, é quando presenciamos o maior recuo das análises sociológicas voltadas para a reflexão sobre a educação no contexto brasileiro. Nesse momento, apesar da produção de obras importantes, como a Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire (como vimos no capítulo 3 deste livro), há um esvazia-
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mento das discussões em torno da educação, especialmente do seu papel de agente transformador da realidade. Apesar do discurso dos militares da importância da educação, especialmente como elemento de mobilidade social, e de importantes reformas, como a Reforma Universitária em 1968, o período revela o crescimento de estudos voltados à análise de legislação e de políticas governamentais, concentrando a discussão da educação e da política educacional, no lugar da relação entre educação e a dinâmica social e política, como no período precedente. “A base institucional sobre a qual se construíram as primeiras redes de estudo sistemático da realidade educacional foi desestruturada”. (Neves, 2002, p. 360). Justamente por essa postura, ganham importância nos estudos brasileiros a influência teórica de Antonio Gramsci e a perspectiva de que a escola, apesar das suas possibilidades emancipatórias, contribuía, da forma como estava estruturada, para a manutenção e a reprodução das desigualdade sociais. Com o processo de redemocratização, tem início o terceiro período, marcado pela diversidade de eixos temáticos, linhas teóricas e abordagens, estudos empíricos. Conforme Neves (2002, 361-362): A dinâmica e a conformação de sistemas formais de educação, os custos, a eficiência e a flexibilização dos processos e dos sistemas educacionais, o reconhecimento das expectativas e demandas sociais, a emergência de oportunidades de educação continuada, a diversidade sociocultural, como desafio, ganham nova importância e atualidade. Outra vez o debate sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e sobre o Plano Nacional de Educação e seus desdobramentos e implicações legais operaram como momento privilegiado, catalisando as atenções para as múltiplas facetas da problemática educacional. A reorganização do Inep como Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais e a retomada da produção de estatísticas sobre a educação e os sistemas educacionais e de informações sobre os principais programas governamentais em implantação ampliaram a base de referência para as análises, revitalizando o debate e as pesquisas.
Neste capítulo, falaremos especificamente do primeiro período, que deu origem aos estudos sobre a educação sob a perspectiva sociológica. Iremos tratar das abordagens de Fernando Azevedo e Anísio Teixeira.
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5.2 Contexto
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Como mencionamos há pouco, uma das características marcantes das análises sociológicas acerca da educação que tem início na primeira metade do século XX, especialmente a partir dos anos 30, é a relação entre essa esfera e a política, de tal maneira que aproximou a sociologia da educação da ciência política. Nesse momento, percebe-se também a institucionalização dessa relação, com a obrigatoriedade do ensino de Sociologia nas escolas, resultado das reformas estaduais que tiveram início nos anos 1920, o que levou às reformas de vários institutos educacionais. Conforme aponta Martins e Dias (2003), a ideia desses projetos “era dotar os professores de uma base científica, considerada uma condição essencial para o processo de transformação do sistema escolar brasileiro”. Assim há, nesse momento, uma tentativa de organizar o sistema educacional brasileiro, influenciado por perspectivas teóricas francesas e americanas, colocando o debate em torno de duas posições ideológicas: o ensino público e laico em oposição ao ensino privado e religioso, este último mais influente do ponto de vista político nesse período. Essas prerrogativas foram definidas do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, um dos marcos iniciais das discussões em torno dos projetos de discussão e renovação da educação no país, assinado por importantes educadores e intelectuais. Num dos trechos do Manifesto, temos definido que:
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Em nosso regime político, o Estado não poderá, decerto, impedir que, graças à organização de escolas privadas de tipos diferentes, as classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educação de classe determinada; mas está no dever indeclinável de não admitir, dentro do sistema escolar do Estado, quaisquer classes ou escolas, a que só tenha acesso uma minoria, por um privilégio exclusivamente econômico. Afastada a ideia de monopólio da educação pelo Estado, num país em que o Estado, pela sua situação financeira, não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e em que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância, as instituições privadas idôneas, a escola única se entenderá entre nós, não como uma conscrição precoce arrolando, da escola infantil à universidade, todos os brasileiros e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15 anos, todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos (BOMENY, s/d).
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O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, divulgado em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, deu origem à discussão da Escola Nova no Brasil. A ideia central contida no documento revelava a desorganização do sistema escolar brasileiro e trazia a proposta de sua renovação, tendo como princípio a consolidação de um sistema educacional laico, público, gratuito e obrigatório. A proposta gerou críticas da Igreja Católica que, naquele momento, possuía forte influência e participação na oferta do ensino, especialmente, por meio das escolas privadas. O manifesto foi escrito por Fernandes Azevedo e contou com a assinatura de importantes pensadores da época, como Anísio Teixeira, Cecilia Meireles, Roquete Pinto etc.
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Historicamente, o contexto brasileiro nos anos 1930 e nas décadas subsequentes é marcado pela preocupação em torno da educação, do sistema escolar e dos problemas que eles apresentavam. A educação passava a ser pensada como um elemento central na construção de uma nova cidadania, necessária aos processos de transformação desejados pelo país.
Esse período marca a análise da educação e sua relação com o contexto social e, também, ações que resultavam da classe intelectual e também da elite política do país. Da parte dos pensadores, os esforços e discussões davam-se em torno da Escola Nova, que trazia à tona a pers85
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pectiva da educação como um problema nacional e a necessidade de uma ampla reforma e criação de um programa governamental voltado à educação. No plano político, há a criação do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais), por influência do educador Anísio Teixeira, além da definição de setores oficiais para estudo e planejamento da educação no país. Encontramos, ainda, esforços nesse sentido a partir do final dos anos 1940 e na década de 50 com a discussão em torno da LDB (Lei de diretrizes e bases), a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), que logo se regionalizou pelo país vinculado às universidades e trazendo à tona a importância de se pensar a educação a partir das dificuldades e particularidades de cada região; a criação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, voltada à divulgação dos estudos realizados nessa área; a criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e a criação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) (NEVES, 2002). A educação passa, portanto, a ser pensada como elemento essencial no desenvolvimento do país, especialmente num período de intensa industrialização e urbanização, sendo, assim, parte de ações efetivas dos governos. No que diz respeito à reflexão intelectual, as análises sobre a estrutura da escola, desde o corpo administrativo, a complexidade de todo o sistema, a burocracia envolvida, a formação dos docentes, a diferenciação do próprio sistema escolar, as práticas pedagógicas necessárias a um cenário tão diversificado até o entendimento dessa instituição inserida num contexto social mais amplo, pautaram as reflexões sobre o sistema educacional, evidenciando a diversificação de olhares por parte dos intelectuais e educadores acerca da educação. A análise da estrutura escolar levando, ao mesmo tempo, às discussões e propostas sobre a necessidade de sua reforma torna-se nesse período, tema central da sociologia da educação no Brasil. Neves (2002, p. 359) aponta a complexidade dos eixos temáticos norteadores das pesquisas nesse momento, os quais revelavam as fragilidades do sistema educacional restrito a um grupo privilegiado do país e de como isso resultou na discussão da educação como parte do meio social mais amplo: [...] as pesquisas, [...]evidenciavam o caráter seletivo e antidemocrático do sistema escolar, mas apenas tangenciavam os processos que produzem a seletividade social observada, pois focalizavam a evasão,
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a repetência e as desigualdades educacionais apenas em função da origem dos alunos, não revelando os processos e situações escolares nos quais a variável atua. A utilização de categorias’ das ciências econômicas dissemina-se à medida que ganha importância a aferição do impacto da educação no desenvolvimento econômico. A guerra fria, a corrida espacial e a rápida recuperação da Europa e do Japão destruídos na Segunda Grande Guerra estimulam as reflexões no campo da mobilidade educacional e da economia da educação.
Todos esses esforços em torno do pensamento e da reforma educacional foram relativamente prejudicados durante a ditadura Vargas (19371945) e a constituição do Estado Novo, mas, retomadas em seguida, pensando ainda a educação como parte de um projeto de transformação social mais amplo. Todos os esforços que tiveram início nos anos 1930 acabaram sendo frustrados pelo golpe militar de 1964, que afastou o grupo de intelectuais e Conexão: educadores das discussões em torno da Consulte o texto de Clarissa reforma educacional. Os efeitos sociais Baeta Neves, Estudos Sociológicos da Educação no Brasil, no qual a autora pretendidos pelas análises da sociofaz um importante e fundamental levantalogia da educação nas décadas antemento dos autores, produções e influências teóricas e metodológicas que marcam a história riores acabaram não se realizando, da sociologia da educação brasileira. Você fazendo assim com que a escola pasencontra o texto disponível no portal daANsasse a ser percebida como parte do POCS: http://www.anpocs.org/portal/index. php?option=com_docman&task=cat_vie sistema de manutenção das formas de w&gid=153&limit=20&limitstart=0& poder e de desigualdades estabelecidos. order=date&dir=DESC&Ite mid=315. A descrição breve desse contexto, dos anos 1930-1964, nos ajuda a compreender o papel fundamental de alguns dos mais importantes pesquisadores sobre a educação no país. Aqui, iremos tratar de Anísio Teixeira e Fernando Azevedo. Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira foram signatários do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, como já vimos. Pensavam a educação considerando necessárias transformações que permitissem maior democratização do acesso ao ensino no país. Além disso, também defendiam a aplicação de princípios e noções científicos no planejamento da estrutura educacional. Vamos ver mais de perto as contribuições desses autores.
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Fernando de Azevedo foi professor, educador e sociólogo, um dos mais importantes pensadores da educação no Brasil, tendo desenvolvido a primeira pesquisa sistemática e profunda sobre a situação da educação no estado de São Paulo. A participação desse intelectual se fez de forma bastante ativa, tanto no que diz respeito às formulações críticas e de pesquisa, quanto como agente atuante em ações e na renovação ou criação de importantes movimentos e instituições do ensino. As pesquisas e atuações de Azevedo tiveram como foco central a educação pública brasileira, tendo sido parte integrante do movimento reformador da educação pública, já na década de 20. Nessa mesma década, promoveu no Rio de Janeiro, naquele momento capital da República, ampla reforma educacional que, entre outras coisas, promoveu a extensão do acesso escolar a todas as crianças, maior articulação entre os diferentes níveis escolares, bem como a adaptação da escola às particularidades da região, sejam elas urbanas ou rurais. Azevedo foi, ainda, um dos fundadores da Universidade do Estado de São Paulo (USP). Durante a revolução constitucionalista de 1932, período político bastante conturbado, Azevedo é convidado a redigir o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, dirigido ao governo Vargas e à nação, documento que situava a educação como o principal problema do país acima dos problemas econômicos, sendo urgente um processo de renovação dessa área como parte fundamental no processo de reconstrução do país e da cidadania. A educação se configurava, portanto, como elemento essencial na transformação do “Brasil arcaico” para o “Brasil industrializado”. A atuação de Fernando de Azevedo, assim como em parte dos intelectuais nesse período, colocou a educação como prioridade da agenda nacional e caracteriza-se, portanto, tanto pela produção científica que buscava compreender o papel da escola e criar as propostas de renovação dessa instituição como, também, pela ação prática e participação ativa na execução de diversos projetos associados ou não aos governos. Do ponto de vista intelectual, Azevedo foi um crítico do modelo educacional brasileiro, entendo-o como um instrumento de manutenção
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5.3 Fernando de Azevedo (1984-1974)
A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5
da ordem social e do status quo. Nesse sentido, ele buscou em Émile Durkheim as referências teóricas e metodológicas para o embasamento da sua abordagem sendo, inclusive, um dos principais introdutores das obras do pensador francês no meio acadêmico brasileiro. Como vimos logo no início deste livro, Durkheim compreende a relação entre homem e sociedade a partir do ponto de vista positivo, isto é, analisando-a cientificamente ao modo das ciências naturais. A escola, especificamente, também assume um papel central na obra de Durkheim, constituindo-se como um dos principais fatos sociais das sociedades modernas. Assim também pensa Azevedo que, tal como o pensador francês, entende o ambiente escolar como um dos principais agentes de socialização, responsável por integrar os indivíduos entre si e ao meio social, formando a consciência das normas, regras e condutas sociais, possibilitando, assim, a noção de pertencimento à coletividade. Em uma das definições da educação nova feitas pelo autor, podemos perceber a influência da sociologia positivista na compreensão de qual deveria ser o papel da educação, vista aqui por Azevedo como uma das principais formas de laços de solidariedade social:
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A educação nova é uma obra de cooperação social, que atrai, solicita e congrega para um fim comum todas as forças e instituições sociais, como a escola e a família, pais e professores, que antes operavam, sem compreensão recíproca, em sentidos divergentes senão opostos (AZEVEDO, 1958: 18).
Assim, a educação é percebida, especialmente pelas suas possibilidades no plano social e, também, político. Essa perspectiva nem sempre foi bem aceita ou livre de polêmicas pelos governos, educadores ou intelectuais que trataram a educação. Mas o contexto brasileiro dos anos 1930 possibilitava, segundo Azevedo, essa perspectiva, pois trazia à tona a educação pensada a partir de um ponto de vista democrático e que, portanto, deveria ser acessível a todos, e, também, essencial na formação social do indivíduo. Em regras gerais, essas eram perspectivas defendidas pelo Manifesto da Escola Nova e que, naquele contexto, caminhavam no sentido contrário à realidade brasileira, marcada por uma histórico de educação destinada apenas às camadas mais privilegiadas da sociedade. A perspectiva da Escola Nova propunha exatamente o contrário: a universalização do ensino e, ao mesmo tempo, a finalidade prática deste, voltada 89
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à formação social do indivíduo. Segundo Azevedo, a reforma educacional mostrava-se urgente no sentido de atender: [...] à imensa variedade das exigências sociais e das necessidades e aptidões individuais, ou, para empregar as palavras (de Dewey), ‘o panorama Conexão: de uma vida mais ampla e rica A educação pensada ao “alcance de todos”, como na Escola Nova, para o homem em geral, uma tem forte influência nas ideias de John vida de maior liberdade e de Dewey. Sobre isso, leia o artigo de Viviane iguais oportunidades para toBatista Carvalho, intitulado: “A influência do pensamento de John Dewey no cenário educados, a fim de que cada um poscional brasileiro”, disponível em:
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5.4 Anísio Teixeira (1900-1971)
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Estamos chegando ao final da nossa disciplina e, nesta última parte, vamos conhecer algumas das perspectivas de Anísio Teixeira, um dos mais importante educadores brasileiros que, assim como Fernando de Azevedo, também foi atuante Conexão: Assista ao documentário no movimento da Escola Nova e concebeu a Educadores Brasileiros que educação como um direito social e essencial aborda as principais perspectivas na organização dos homens e, por consede Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, entre outros autores. Você quência, da sociedade. encontra o documentário disponível Anísio Teixeira nasceu no sertão da em: Bahia em 1900 e graduou-se em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro e obteve o título de Master of Arts pelo Teachers College da Columbia University. Como era comum à parte dos intelectuais da época, também Anísio Teixeira teve, além de intensa produção intelectual, também participação ativa na vida pública. Recém-graduado, ocupou o cargo de Inspetor-Geral de Ensino, no governo da Bahia colocando em prática importante reforma da instrução pública. O educador permanece no cargo até 1929, quando passa a discordar das propostas do sucessor do governo. Após sua formação e algumas viagens à Europa e Estados Unidos, Teixeira tem a oportunidade de observar diferentes sistemas de
A Sociologia da Educação no Brasil – A Escola Nova – Capítulo 5
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ensino e também entra em contato com a obra e ideias de Dewey, sendo, inclusive, um dos tradutores desse autor no Brasil. Como vimos, Dewey foi importante influência para os pensadores que formularam as propostas da Escola Nova. Anísio Teixeira também foi responsável por uma reforma na instrução pública que teve efeitos diretos na educação primária, secundária e na educação de adultos quando ocupou o cargo de Diretor de Instrução Pública no Distrito Federal. O pensador teve ainda participação ativa na Associação Brasileira de Educação (ABE), assim como na CAPES (transformada por ele em um órgão governamental) e, ainda, no INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), tendo também criado o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). A contribuição de Teixeira se entende ainda na discussão da Lei de Diretrizes e Bases, na criação da Universidade de Brasília (UnB), sendo também professor convidado em diversas universidades nos Estados Unidos. Suas ideias e luta pela escola pública causaram a sua perseguição por bispos brasileiros que, em 1958, divulgaram um memorial acusando Anísio Teixeira de extremista e pedindo sua demissão ao então Presidente da República, Juscelino Kubitschek. Como vimos há pouco, as propostas dos educadores e intelectuais ligados à Escola Nova se opunham à realidade brasileira daquele período. Nesse episódio, Teixeira contou com a solidariedade de centenas de educadores, professores e cientistas que manifestaram apoio ao educador e a suas ideias. A análise de Anísio Teixeira acerca da educação ultrapassa o ambiente escolar e se revela num pensamento sobre a transformação da sociedade brasileira em seu sentido mais amplo, estrutural. Assim, a reforma educacional proposta por ele pressupõe também uma renovação cultural que levaria a uma maior valorização da democracia, da ciência e da industrialização do país. A noção de “educação como um direito de todos” se fundamenta numa relação direta com a própria consolidação da democracia.
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Nesse sentido, a proposta de uma escola para todos implica a incorporação do aluno ao ambiente escolar. A proposta passa, assim, para além da abertura de vagas: o projeto defendido por Teixeira pressupõe uma reestruturação do projeto pedagógico voltado ao aluno, permitindo que ele possa a partir da escola praticar uma vida melhor. A escola passa a ser pensada como instituição pública tanto no sentido do seu dever para com a sociedade como também no entendimento da importância dessa no meio social. Nesse contexto, a escola é pensada ainda por sua finalidade cultural, possibilitando ao aluno especialmente atividades ligadas às artes aplicadas e industriais, leituras, aos jogos, recreação, estudos e à pesquisa, assim como aos projetos socializadores, devendo ser oferecidas, idealmente, a todos os alunos até os 18 anos. Assim, de acordo com Teixeira, seria possível preparar o aluno para as mais diferentes atividades e funções, e não apenas para as atividades intelectuais. No que diz respeito ao ensino superior, Anísio Teixeira defendeu a ampliação das Universidades Públicas, especialmente as ligadas à pesquisa, pois, segundo o autor, é essencial a um país que deseja desenvolver-se produzir os conhecimentos e soluções próprios aos problemas. A reforma da educação pensada por Anísio Teixeira pressupôs uma série de transformações de tal maneira que ela é pensada como uma política de educação. Deveria, assim, incorporar mudanças estruturais e pedagógicas como, por exemplo, a organização do sistema público de ensino, a democratização dos acessos, a formação, capacitação e aperfeiçoamento do docente, a definição das responsabilidades dos governos em seus diferentes níveis, o planejamento e descentralização do sistema educacional, criação de cursos de pós-graduação etc (NUNES, 2000, p. 35). A reforma educacional pretendida por Teixeira, dessa forma, sinalizava um conjunto de mudanças, buscando diminuir privilégios e desigualdades, inserindo essa esfera no centro das políticas que pensavam a transformação do país. Segundo Hermes Lima, esse poder transformador da educação pode ser compreendido da seguinte forma:
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Pode-se dizer que Anísio acredita em educação porque acredita no homem, nas suas possibilidades de mudar, de reconstruir, de refazer e de pensar. Traço igualmente representativo do seu pensamento educacional é que não há como ponto prévio de partida, educações diferentes para homens diferentes. São os homens mesmos que diferenciarão ou graduarão, pelos dons da própria personalidade, a educação que são suscetíveis de receber (LIMA, 1960, p. 132).
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A educação, no ideal da Escola Nova e de seus signatários, mais do que a formação intelectual, deveria contribuir para a formação do ser humano, promovendo seu crescimento e, como consequência, o crescimento da própria sociedade.
Atividades 01. Aponte as principais características da Sociologia da Educação desenvolvida nos anos 1930-1960 no Brasil. 02. Quais os principais ideais defendidos pelo “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova? 03. Na teoria de Fernando de Azevedo, qual a relação entre educação e coesão social? 04. Explique por que, para Anísio Teixeira a transformação educacional estava atrelada a uma transformação cultural. 05. Leia o artigo de Maria José de Rezende, indicado no item “Leituras recomendadas, e faça uma resenha tratando da relação entre educação e democracia na perspectiva da Escola Nova.
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Reflexão O olhar sobre a educação nos anos 1930-1960 e as perspectivas sobre a Escola Nova nas abordagens de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira nos permite compreender como essa esfera foi entendida a partir de suas possibilidades como agentes transformadores da vida dos indivíduos e, ao mesmo tempo, nos depararmos com o fato de que essas propostas, elaboradas já há décadas, nunca chegaram de fato a se concretizarem ou tornarem-se pauta efetiva das políticas de Estado, nos levando-nos à percepção de que, ainda nos dias de hoje, a educação e a escola ocupam papel secundário nas prioridades dos governos. Tempos depois de todas as discussões trazidas pelo “Manifesto da Escola Nova, a educação brasileira ainda não possui estrutura e práticas pedagógicas que sejam capazes, de fato, de preparar os sujeitos para a vida, aprimorando suas habilidades e qualidades, preparando-os, enfim, para sua inserção plena na sociedade. 93
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Leituras recomendadas Para aprimorar seus estudos com relação aos conteúdos vistos neste capítulo, indicamos as seguintes leituras: REZENDE, Maria José de. Educação e mudança social em Fernando de Azevedo. Acta Scientiarum: human and social sciences. Maringá, v. 25, n. 1, p. 073-085, 2003. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/2199 Aqui, a autora analisa a teoria de Fernando de Azevedo e sua concepção de educação, além de abordar também a influência de Dewey nas formulações de Azevedo e da Escola Nova. TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997. Nessa obra, você tomará conhecimento de uma das ideias centrais defendidas por Teixeira, a saber, a educação como um direito de todos e essencial para o desenvolvimento pleno da democracia. NUNES, Clarice. Anísio Teixeira entre nós: a defesa da educação como direito de todos. Educação & Sociedade, ano XXI, n. 9 p 73, dezembro/2000. Disponível em . Nesse artigo, a autora apresenta as principais perspectivas de Anísio Teixeira acerca da educação, além de contextualizar a produção do pensador e sua atuação na vida pública.
Referências
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AZEVEDO, F. de. A educação e seus problemas. São Paulo: Melhoramentos, 1958. Tomo I.
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AZEVEDO, F. de. A cultura brasileira. Rio de Janeiro/Brasília: UFRJ/UNB, 1996.
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BOMENY, Helena. O Brasil de JK. Fundação Getúlio Vargas. Disponível em >http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Educacao/ ManifestoPioneiros>. Acesso em: 17 jun. 2014 LIMA, Hermes. Anísio Teixeira: estadista da educação. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1978. MARTINS, Claudio Benedito; DIAS DA SILVA, Graziella Moraes. Encontros e desencontros da sociologia e educação no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, nº 53. São Paulo, out. 2003. Disponível em: . Acesso em 16 jun. 2014. NEVES, Clarissa Baeta. Estudos sociológicos sobre educação no Brasil. In: MICELI, Sergio (org). O que ler na Ciência Social no Brasil – 1970-2002. Vol. IV. São Paulo: ANPOCS: Ed Sumaré; Brasília: CAPES, 2002. Disponível em: . NUNES, Clarice. Anísio Teixeira entre nós: a defesa da educação como direito de todos. Educação & Sociedade, ano XXI, n. 9 p 73, dezembro/2000. Disponível em .
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REZENDE, Maria José de. Educação e mudança social em Fernando de Azevedo. Acta Scientiarum: human and social sciences. Maringá, v. 25, n. 1, p. 073-085, 2003. Disponível em:
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