(12/03/2009) Comentário sobre “A Crise Econômica Mundial e a Retomada do Desenvolvimento no Brasil” de Oreiro, Basílio e Souza Por Tony Volpon1 Os economistas keynesianos Jose Luis Oreiro, Flavio Basílio e Gustavo Souza (doravante denominados “OBS”) acabaram de distribuir um trabalho intitulado “A Crise Econômica Mundial e a Retomada do Desenvolvimento no Brasil; Análise e Proposta Política”. Por apresentar uma soma de posições defendidas por essa ala econômica (muitas das posições já foram desenvolvidas por Oreiro em seu blog e outros artigos), este trabalho apresenta uma ótima oportunidade para comentar essas propostas no seu conjunto, retomando o debate “keynesianos versus ortodoxos.” Felizmente encontramos muitas propostas sensatas. Existe aqui uma agenda positiva, que precisa ser melhor elaborada em alguns pontos, mas que na nossa visão caminha na direção correta. Não obstante, também nossos colegas keynesianos ainda demonstram algumas posições infelizes, especialmente em relação à política monetária e ao papel do Banco Central. Não pretendo comentar sobre todos os aspectos contidos neste trabalho, mas vou focar em três partes que eu considero de maior relevância. 1. Os Determinantes do Crescimento Brasileiro Na “Introdução”, OBS começam com a correta constatação de que, de fato, o crescimento da economia brasileira nesses últimos anos do Governo Lula foi bastante robusto, puxado pelo forte crescimento das exportações e dos investimentos (ver página 1). Apesar de correta a constatação, faltou aqui, na nossa opinião, uma melhor avaliação do processo que levou, a partir do choque positivo com a maior alta na demanda e nos preços das matérias primas nos últimos 40 anos (algo que começou de fato no final de 2001), a uma dinâmica de alta nos investimentos. A necessidade de articular esses mecanismos se deve ao fato de que, sem isso, não podemos entender por que os investimentos estão despencando, como vimos na divulgação do PIB do ultimo trimestre de 2008, e o que de fato pode ser feito em termos da política econômica para enfrentar a crise. Quais foram esses mecanismos? Devemos, primeiro, apreciar como o choque exógeno positivo vindo do exterior (que inicialmente afeta realmente uma pequena parte da economia) alavanca o crescimento da economia como um todo. Vamos observar, de forma esquemática, como esse choque se propaga.
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Economista-chefe, CM Capital Markets. (
[email protected])
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Primeiro, temos o efeito-renda que a alta de demanda pelas nossas exportações viabilizou nos setores a ela ligados. Esses setores têm custos por unidade produzida relativamente fixos, gerando forte elasticidade da renda quando a demanda aumenta. Esse efeito, porém, gera um multiplicador que opera por dois canais. Primeiro, obviamente, os setores exportadores aumentam seu consumo e investimento, comprando mais de outros setores da economia. Mas, igualmente importante é o efeito positivo que ocorre na arrecadação do setor publico. Boa parte da capacidade do governo Lula de bancar o expressivo aumento de gastos correntes e transferências de renda via Bolsa-Família e a política de aumento do salário mínimo vem desse canal. Um outro efeito importante é a valorização do patrimônio das empresas (efetivamente uma valorização “a valor presente” da renda futura) que, por meio do mecanismo conhecido como “acelerador financeiro”, possibilita às empresas aumentarem sua captação de capital e níveis de investimento e endividamento. Basicamente, o aumento do patrimônio líquido das empresas (não apenas contabilmente , mas em termos de valor de mercado) melhora a percepção de credito, assim como a percepção de rentabilidade de novos projetos no setor, possibilitando forte aumento nos investimentos. Outro efeito, agora sistêmico, seria a queda no risco pais, o qual diminui a percepção de risco da economia como um todo. Com forte acúmulo de reservas e, no caso brasileiro, uma estratégia de trocar endividamento externo por interno, o Estado Brasileiro eventualmente tornou-se credor em moeda forte, Essa queda de risco afeta toda a economia, já que qualquer cálculo de risco para o setor privado começa, via composição de taxas, com o nível do risco pais. Finalmente, e aqui unicamente, houve substancial contribuição estatal, via reformas infra-constitucionais, no inicio do governo Lula: a expansão do mercado de crédito. Devemos ver uma operação de crédito ao consumidor como uma substituição de um consumo futuro por um consumo presente. Tal operação só será feita se existir uma percepção de que haverá renda no futuro, algo que foi estimulado nesses anos por todos os fatores que descrevemos acima. Era na expansão do mercado de crédito, onde o Brasil começou a ter um comportamento típico de um país consumidor, que eventualmente iríamos ver a grande fragilidade do modelo econômico do governo Lula. De fato, antes da crise abortar esse processo, já estávamos vendo no Brasil o uso de instrumentos de credito e derivativos de credito que foram parte central da crise nos paises desenvolvidos. Tudo indicava que o Brasil estava caminhando, a despeito do benigno cenário mundial, para uma crise de credito e da balança de pagamentos.
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Esses cinco canais de propagação e ampliação do choque externo positivo que aconteceu concomitante ao inicio do governo Lula explicam o motivo da boa performance da economia brasileira nesses ultimo anos. De fato, observando os dados, podemos ver como cada mecanismo teve seu momento de maior impacto. No inicio do governo (2003-2005), o efeito-renda e o multiplicador tiveram maior impacto, sendo o período marcado por crescentes saldos comercias positivos e, algo incomum para o Brasil, saldo positivo na conta corrente. Depois disso, com o crescente acúmulo de reservas, vimos fortes quedas no risco-país, expansão do mercado de crédito e do acelerador financeiro, com a forte valorização da bolsa brasileira. Nesse momento, as importações começam a crescer mais do que a exportação, devido ao crescimento da absorção doméstica (soma de tudo o que é consumido e investido); nosso saldo em conta corrente volta a ser deficitário, e, por meio do acelerador financeiro, os investimentos, e não as exportações, se tornam o componente mais dinâmico do PIB. 2. O Banco Central antes e durante a crise Qual foi o papel do Banco Central (BC), tanto antes como durante a crise? Para OBS, “se a resposta da política econômica, principalmente da política monetária, tivesse sido outra, a desaceleração do crescimento da economia brasileira seria bem menor do que a estamos observando atualmente” (página 3). Para avaliar se essa afirmação é correta, primeiro devemos qualificar qual a verdadeira função do BC e da política monetária. Como argumentamos acima, o Brasil nesses últimos anos, antes da crise, foi um dos paises que mais se beneficiou do choque positivo advindo dos mercados de commodities globais, choque que se propagou e foi amplificado por uma variedade de mecanismos. Nesse momento, a política de juros serve, de uma forma até bastante passiva, como um (talvez o único) contraponto a esse fortíssimo choque positivo, equilibrando a dinâmica da expansão exuberante da demanda e oferta agregada. Esse processo, inerente ao regime de metas de inflação, obviamente sofre grandes dificuldades, dada a necessidade de se fixar, hoje, instrumento que utilize projeções de condições econômicas futuras. Tal processo sofre de várias fontes de incerteza e limitações do nosso atual estado de conhecimento sobre o funcionamento da economia. Isso deve ser mantido em mente quando observamos a critica feita por OBS à atuação do BC (página 9): No entanto, ao invés de iniciar um movimento rápido de redução da taxa de juros, com o objetivo de minimizar os efeitos da crise financeira sobre o crescimento da economia brasileira em 2009, o Copom decidiu manter os juros inalterados em 13.75% a.a., com base no argumento de que
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ainda existiam no horizonte chances de uma aceleração da inflação devido ao repasse do câmbio para os preços !!! Ex post, parece fácil criticar a atuação do Banco Central nesse período, mas se lembrarmos o contexto daquele momento, não era nada óbvio definir o que teria mais força ao longo do tempo: o efeito recessivo do “sudden stop” de outubro ou o potencial efeito inflacionário da desvalorização da nossa moeda. Se fosse adotado pelo BC como modus operandi a decisão de agir sempre de forma rápida, mas possivelmente precipitada, tal política poderia levar o BC a ter que mudar o rumo da Selic pouco tempo depois, gerando forte volatilidade em toda a curva de juros, além de grandes perdas para os detentores da divida pública e, assim, elevando o prêmio de risco na estrutura a termo como um todo. Devemos lembrar que no período entre outubro e dezembro não era o BC que estava demonstrando claros sinais de ter uma avaliação Panglossiana (ver página 10) da crise, mas sim o Ministério da Fazenda e o IPEA – locais onde hoje predominam economistas alinhados a escola pós-keynesiana. Nesses meses, o ministro Mantega e seus assessores insistiram na projeção, que só depois virou “meta” de crescimento de 4% ao ano para 2009. Então, parece um pouco incoerente criticar o BC quando este, durante o mesmo período, tomou uma atitude meramente agnóstica sobre os efeitos da crise sobre economia brasileira. No mínimo OBS deveriam reservar parte de suas criticas a seus colegas keynesianos hoje loteados no governo. Otimismo exagerado não era monopólio “ortodoxo” durante o final de 2008... O ponto principal é que qualquer banco central que adote uma postura operacional de trabalhar com forward looking variables vai cometer erros que, ex post, podem parecer grosseiros. Isso seria também verdade no novo regime sugerido por OBS, a partir da página 16. Eu, por exemplo, considerei na época que o BC foi excessivamente leniente e dovish durante o período de 2007 ao inicio de 2008, baixando juros quando já havia sinais claros de aquecimento insustentável da economia brasileira, como os crescentes déficits da conta corrente e a alta dos núcleos de inflação. Mas tal erro é totalmente normal e, infelizmente, fruto de limites intransponíveis do nosso conhecimento. Culpar o BC por falta de onisciência não me parece uma critica justa. Mas isso talvez não seja o maior problema da critica de OBS ao BC. Lembramos que OBS culpam os “erros” do BC pela queda presente, dos últimos meses, da atividade econômica. Isso parece ignorar um dos stylized facts mais conhecidos da política monetária, a de que qualquer mudança na postura monetária somente afeta a atividade econômica com uma certa demora, algo entre seis a vinte e quatro meses (o tão conhecido “long and variable lags”). Porém, mesmo se aceitarmos a tese que o BC errou, ex ante ou ex post, o fato é que esse erro somente vai afetar a atividade econômica, e de forma tímida, a partir de agora. Não há nada que o BC poderia ter feito, no tocante a sua política de juros, para frear a catastrófica queda na atividade durante os últimos meses. Eu defenderia
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que quem poderia ter ajudado mais, nesse caso, seriam os colegas keynesianos de OBS no Ministério da Fazenda, que poderiam ter abandonado a obsessão (eleitoreira?) pelo PAC e lançado mão de cortes mais pesados de impostos e contribuições, como foi feito no caso do setor automobilístico, com bom impacto. Mas, independentemente disso, a desconsideração por OBS de um dos fatos mais estabelecidos da teoria monetária permanece um mistério. Um ponto final seria sobre o que pode e não pode a política monetária. A vontade de “culpar” o BC por todos os males é em parte fruto de uma visão que atribui poder em excesso à política monetária na determinação do nível de atividade. Como argumentamos na primeira seção, a razão da dinâmica do crescimento econômico no Brasil no período pré-crise foi devido a uma combinação de fatores complexos envolvendo os mercados de crédito, de capitais e de trabalho; a exportação; uma política fiscal altamente pró-cíclica, etc., com a política monetária condenada a ser o único “contraponto” a uma série de choques positivos. A crise atual deve ser vista como simplesmente a “inversão de sinal” desses mesmos fatores e mecanismos. Nesse caso, a política de juros também deve ser levada, de forma consistente, a ser também um contraponto, mas agora um contraponto positivo. Porém, devemos (e nisso OBS caminham de forma mais consistente) lançar mão de muitas outras iniciativas para domar os efeitos da crise sobre a economia brasileira, e para isso realmente deveríamos abandonar o fetiche de atacar e culpar o BC por (quase) tudo. 3. Precisamos de um novo regime monetário? OBS, dentro das medidas que defendem para enfrentar a crise, acusam o BC de “conservadorismo excessivo” (página 16) e veem o sistema atual de metas de inflação como razão principal, embora proponham uma mudança de regime. Para tal, eles sugerem várias mudanças, como a adoção de algum tipo de núcleo de inflação como alvo; um prazo de convergência mais longo; a adoção de uma “cláusula de escape” e, algo não muito bem explicitado, a adoção de metas de crescimento (página 17). Seria isso uma boa idéia? Uma maneira de pensar essa proposta é que as mudanças sugeridas parecem todas apontar para um regime onde, em comparação ao regime atual, a taxa Selic seria sempre menor em todos, ou quase todos, os estados da natureza. Tal mudança de regime somente teria efeito benéfico sobre o crescimento econômico se houvesse, tanto no curto como no longo prazo, uma “curva Philips” estável, com um trade-off utilizável entre o nível de juros/inflação e o crescimento. Ora, tal tese é altamente questionável, como demonstrado amplamente na extensa literatura sobre esse assunto, acumulada durantes décadas. Mas parece óbvio que uma mudança de regime que implica sempre fixar a Selic em um nível menor que o regime atual só seria melhor se tal relação existisse (tese também implícita na discussão sobre a “clausula de escape” nas páginas 16 e 17).
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Seria muito fácil prever que tal mudança de regime simplesmente geraria um aumento no prêmio de inflação ao longo da curva de juros e. efetivamente, um aumento na taxa de juros real ex ante, anulando qualquer suposto efeito benéfico de sempre haver uma taxa Selic menor. Teríamos que avaliar, também, como tal mudança afetaria a credibilidade do sistema como um todo. Sabemos que um sistema crível, onde isso em parte é ganho pelo conhecimento e durabilidade das regras adotadas, possibilita ao banco central ter um determinado impacto sobre a inflação, com mudanças menores na taxa de juros. Tal minimização da volatilidade da política monetária é vital para diminuir o nível de prêmio de risco na economia como um todo. Qualquer mudança de regime, especialmente uma mudança tão ampla como a defendida por OBS, e que parece garantir níveis da Selic menores em todos os estados da natureza, deve diminuir, pelo menos no inicio, a credibilidade do sistema como um todo. Também me parece óbvio que o melhor período de efetuar mudanças seriam os momentos de relativa calmaria no front econômico, e não durante crises onde o nível sistêmico de incerteza já é altíssimo. Não seria absolutamente nada prudente, como defendido por OBS, mudar o regime agora. A verdade é que, apesar dos constantes ataques dos keynesianos, da classe política e de boa parte da mídia, o nosso sistema de metas e o BC têm garantido uma tendência declinante nos níveis de juros nominais e reais nesses últimos anos. Nosso sistema goza hoje de ampla credibilidade junto a investidores e organizações multilaterais e agências de risco. Alguns, infelizmente, veem nisso alguma maléfica “conspiração” contra a soberania nacional, mas “teorias da conspiração” à parte, nosso sistema tem funcionado relativamente bem se julgado por essa métrica. Isso não quer dizer que não devemos mudar o regime, mas implica que qualquer mudança deve ser executada de forma paulatina, quando ha um “clima” calmo para tal, e depois de franco e amplo debate. 4. Mudanças no Regime Fiscal Apesar de defender que as criticas de OBS sobre o BC e o regime monetária atual estão, em grande parte, equivocadas, acredito que suas propostas sobre um regime para a política fiscal que vá além da necessidade de estabelecer um superávit primário suficientemente grande para garantir a estabilidade ou queda da relação divida/PIB caminham na direção certa. A verdade é que a simples injunção de estabilizar a relação divida/PIB gera demasiada liberdade como um todo – liberdade e espaço para abuso, como vimos na explosão dos gastos correntes promovidos no governo Lula. A proposta de OBS, onde haveria uma distinção clara entre dois orçamentos, a de custeio e a de investimento, parece ser um bom inicio de proposta para
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disciplinar o processo e dar a ele uma característica realmente anti-ciclica, como também para coordenar as políticas monetárias e fiscais. A falta de coordenação entre essas políticas durante esses últimos anos tem sido certamente uma das razões pela qual a política monetária foi sobrecarregada na tarefa de gerenciar a dinâmica da demanda agregada, algo que explica muito mais o nível realmente alto das taxa Selic do que qualquer maldosa conspiração ortodoxa. Apesar disso, a proposta como apresentada deveria ser mais bem pensada do ponto de vista do processo político. Para OBS, quando o BC “fizer a coisa certa” e baixar a Selic, a poupança gerada na conta juros pode ser aproveitada para aumentar os níveis de investimentos. Mas essa ligação, ou dependência, da política de investimento sobre a política monetária é altamente perigosa. Podemos realmente confiar que os níveis de investimento vão cair quando for necessária uma normalização, isto é, aumento na taxa de juros? Durante o “boom” dos anos 2007/2008, era comum escutar, especialmente do Ministério da Fazenda, do IPEA e do BNDES, que o nível de investimento e de gastos públicos teria que aumentar para “acompanhar” o crescimento da economia. Não é difícil imaginar tais argumentos sendo usados mais uma vez e, assim, o aumento nos investimentos, a priori temporário e anticíclico, tornar-se-ia permanente, elevando o nível dos gastos do governo, a carga tributária e o endividamento do Estado. Isso é particularmente perigoso em uma cultura política onde quase todo o tipo de gasto é visto como “investimento”. Temos aqui, então, uma boa proposta, que precisa ser mais bem elaborada do ponto de vista institucional e político.Mas certamente um regime fiscal, perto daquilo que já existe do lado monetário, seria um grande e importante avanço institucional.
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