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Josué

WILLIAM H. MORTON Introdução Josué é o primeiro livro relacionado na coleção de literatura veterotestamentária conhecida no cânon hebraico como os Profetas Anteriores e designada na tradição cristã como os “livros históri­ cos”. Registra a história dos israelitas sob a liderança de Josué, descrevendo a conquista de Canaã pelo Israel unido e a distribuição da terra entre as diversas tribos. O título deriva-se de sua figura central, Josué (Yahweh é salvação), filho de Num, sucessor de Moisés e o segundo dos grandes líderes espirituais e milita­ res de Israel.

I. Autoria e Composição

Segundo a tradição judaica registrada no Talmude (Baba Bathra 14b), acredi­ tava-se que Josué era o autor do livro que traz o seu nome. A erudição mais recente tem rejeitado este ponto de vista, na base de evidências internas. As referên­ cias ao escrito de Josué não constituem nenhuma pretensão à autoria do livro. Evidentemente, 8:32 diz respeito somen­ te a uma “cópia da lei de Moisés” em pedras e a afirmação de 24:26, que “Jo­ sué escreveu estas palavras”, alude a leis associadas à cerimônia pactuai em Siquém. Além disso, existe certo número de tre­ chos que implicam em o livro ser uma obra composta, de um período muito posterior, inclusive o fato da presença de vários relatos duplos e divergentes. (Quanto a estes, ver H. H. Rowley, The Growth of the Old Testament, p. 53,54.)

O ponto de vista tradicional da erudi­ ção crítica tem sido o de reconhecer em Josué uma estrutura deuteronômica e as mesmas fontes básicas (J, E, D, P) que se acham no Pentateuco. Porém a identifi­ cação das fontes constituintes da compo­ sição é uma questão bastante difícil — tão difícil, aliás, que nunca se conseguiu fazê-la com qualquer grau considerável de aceitação. De fato, quanto às fontes pentateucais, existe acordo geral em tor­ no de um papel significativo apenas para D. Em linhas gerais, o estrato sacer­ dotal (P) parece estar ausente das narra­ tivas da conquista na primeira metade do livro (caps. 1-12). Tais expressões, que refletem o interesse e o estilo de P, pa­ recem não passar de acréscimos edito­ riais. O redator destas narrativas da con­ quista é considerado, costumeiramente, o Deuteronomista (D) . Ele foi responsável pela estrutura desta seção e seu estilo e ênfase podem ser reconhecidos em sua introdução (cap. 1) e conclusão (11:1512:24) e em diversas passagens menores, espalhadas pelo restante do livro. (Cf. J. Bright, The Interpreter’s Bible, II, p. 542-6.) Concorda-se, ainda, que o redator deuteronômico utilizou diversos fios de material antigo da conquista. Geralmen­ te se considera que este material é uma continuação da fonte composta, que no Pentateuco se convencionou como JE. As tentativas para separá-la ainda mais nos componentes J e E têm produzido resul­ tados tão incoerentes que levantam gra­ ves dúvidas concernentes à possibilidade

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de se consegui-lo. Alguns consideram esta dificuldade na análise como resul­ tante da eficiência redatorial com que o Deuteronomista trabalhou o material J e E. Ê também possível que o material pré-deuteronômico nos capítulos 1-11 se derive de uma narrativa da ocupação antiga e independente, também disponí­ vel a J e E. Noth, por outro lado, insiste que so­ mente D, de todas as fontes pentateucais, aparece ou nesta seção ou no res­ tante deste livro. Ele e outros mantêm ainda que o material de fundo dos capí­ tulos 2-9 tem origem etiológica, i. e., que surgiu como explicação de costumes e características locais notáveis, porém não relacionados entre si, em particular aqueles que se concentravam em torno do santuário benjamita de Gilgal(Bright, Interpreter’s Bible, II, p. 541 e s.) O elemento etiológico está claramente presente e é representado por explica­ ções de montões de pedras memoriais no vau do Jordão e em Gilgal (4:9,20-22); a origem dos nomes Gilgal e vale de Acor (5:9; 7:26); a causa das ruínas da cidademontão chamada de Ai (8:28); e a pre­ sença de famílias estrangeiras — Raabe e os gibeonitas — dentro da congregação de Israel (6:25; 9:27). Tais explicações são concluídas, caracteristicamente, pela expressão “como o é até o dia de hoje”. Em contraste com os pontos de vista de Alt e Noth, outros, provavelmente com mais correção, consideravam este mate­ rial etiológico como suplementar à tradi­ ção da conquista, e não o originador dela. De qualquer maneira, o caráter conjetural das tentativas atuais de iden­ tificar a história pré-literária das narra­ tivas da conquista certamente será admi­ tido. A segunda seção de Josué (caps. 13-21) trata da distribuição da terra entre as diversas tribos de Israel è é caracterizada pelas suas listas geográficas bastante pormenorizadas. Os capítulos 13-19 con­ sistem principalmente de listas de cida­

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des e limites tribais; o 20 designa as cidades de refúgio; e o 21 relaciona as cidades levíticas. Costumeiramente se tem atribuído a massa deste material a P, pelo motivo de que o estilo e interesse sa­ cerdotais são refletidos por listas e por­ menores da distribuição de terras, a in­ dicação de cidades de refúgio, a nomea­ ção de cidades levíticas, a proeminência do papel sacerdotal nos processos de distribuição (14:1; 17:4; 19:51; 21:1), e certas expressões características, tais co­ mo: “Eleazar, o sacerdote... e os cabe­ ças das casas paternas das tribos dos filhos de Israel” (14:1; 19:51; 21:1), “to­ da a congregação dos filhos de Israel” (18:1), e a freqüentemente repetida “se­ gundo as suas famílias”. Por outro lado, alguns eruditos hoje vêem estes capítulos como pertencentes a outra redação deuteronômica, cujo es­ boço pode ser visto na introdução (13:1, 7) e conclusão (21:43-45) da seção. Se­ melhante ponto de vista considera inade­ quada a tendência para atribuir a P todas as listas no Pentateuco e em Jo­ sué; entende as expressões características da preocupação e maneira de P como apenas breves acréscimos por uma mão sacerdotal, e não uma continuação do estrato da fonte P. Se isso for verdade, esta inversão do arranjo estrutural pentateucal, pelo qual D, e não P, propor­ ciona a estrutura que presta seu feitio aos materiais mais antigos nele empregados, pareceria pesar contra a inclusão de Jo­ sué junto com o Pentateuco numa só unidade hexateucal. Seja como for, quer P, quer D, concor­ da-se geralmente que o redator dos capí­ tulos 13-19 tinha diante de si dois con­ juntos de listas geográficas. Uma delas continha uma relação de limites tribais, para a qual existe boa razão para se admitir uma data não posterior ao déci­ mo século a.C., quando Salomão reorga­ nizou o reino em distritos administrati­ vos (I Reis 4:7-19). A fonte documentá­ ria original de alguns dados sobre os

limites utilizados pelo redator foi, talvez, o relatório escrito, preparado pela co­ missão de levantamento das terras, cujo trabalho se descreve no capítulo 18:4-9. Ademais, os pormenores, incoerências e omissões da relação sugerem uma reali­ dade histórica (e não o artificialismo, qüe freqüentemente caracteriza a esquemati­ zação posterior). A outra das duas fontes suplementou a primeira e se compunha de listas de cidades. Estas listas são totalmente omis­ sas com relação a Efraim e Manassés e vagas e incompletas quanto à coloniza­ ção da Galiléia. Quanto às tribos meri­ dionais de Judá, Benjamim e Simeão (dentro das fronteiras de Judá), porém, são pormenorizadas, às vezes repetitivas e nitidamente distintas das relações de limites, das quais de vez em quando di­ vergem. Alt e Noth consideravam-nas (inclusive a relação danita) como seções inapropriadamente separadas de uma única lista de províncias administrativas do reino de Josias (cerca de 640-609 a.C.) Cross e Wright (p. 202-26) aceitam o argumento básico de Alt, de que as listas de cidades para as tribos meridionais se derivam de um documento que definia as províncias de Judá; mas raciocinam na base da história arqueológica de certas cidades inclusas, em favor de uma data no nono século de preferência durante o reino de Jeosafá (cerca de 873-849 a.C.) Ademais, excluem a lista danita de es­ trutura provincial de Judá, preferindo antes colocá-la junto com as listas galiléias, que entendem como um misto de pontos limítrofes e expansões secundá­ rias. Kallai-Kleinmann (p. 135-60), ao con­ trário, insiste que as listas de cidades são distintas umas das outras quanto às fon­ tes e não necessariamente contemporâ­ neas. Prefere o reino de Ezequias (cerca de 715-687 a.C.) no que se refere à reda­ ção preservada da lista da Judéia, e a lista de Benjamim, no que diz respeito à

sua considerável expansão adentro dos territórios setentrionais, que entende me­ lhor com base na conquista de Abija (cerca de 915-913 a.C.). Inseridas aqui e ali, entre as listas geográficas dos capítulos 13-19, há bre­ ves passagens narrativas de uma nature­ za totalmente diversa. Entre elas existem tradições de (1) a ocupação independen­ te da térra por famílias afiliadas a Judá (15:13-19; cf. Juí. 1:10-15), (2) a expan­ são territorial das tribos de José (17:1418) e (3) a persistência na terra de encla­ ves hostis (cf. Jos. 13:13 e 15:63 com Juí. 1:21; Jos.-16:10 com Juí. 1:29; Jos. 17:11-13 com Juí. 1:27,28). Grande parte deste material tem paralelo em Juizes 1 e ressalta um quadro gradativo e ocasional da conquista, em contraste com o con­ ceito idealizado de ocupação rápida e completa sob comando unificado, trans­ mitido pelos eapítulos 1-12. Estas tradi­ ções espalhadas são de genuíno valor histórico e derivam de algumas das mes­ mas fontes antigas que acharam expres­ sas em Juizes 1. Têm sido atribuídas, freqüentemente, a J, porém são entendi­ das, talvez, mais apropriadamente como sendo de origens diversas e incertas. Os capítulos 20 e 21, dizendo respeito à indicação de cidades de refúgio e levíticas, são apensados ao término da seção sobre distribuição de territórios. As duas listas relacionam-se intimamente tanto em época como em interesse, pois todas as cidades de refúgio eram também cida­ des levíticas. Concorda-se, geralmente, que os capítulos nos foram transmitidos em redação sacerdotal. Concernente à data das relações sim­ ples de cidades, sem acréscimos edito­ riais, há, porém, considerável discordân­ cia. Em virtude do caráter sacerdotal de seu contexto editorial, a maioria dos co­ mentaristas considera as relações de ci­ dades produtos não-históricos, de fonte pós-exflica. Por outro lado, Albright, Bright e outros insistem que as listas não são, de maneira nenhuma, ficções sacer-

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dotais da época pós-exílica, mas podem ser, com plena razão, atribuídas ao déci­ mo século a.C., provavelmente ao reina­ do de Davi ou de Salomão, uma vez que em nenhuma outra época todas as cida­ des relacionadas pertenciam a Israel. Uma data posterior parece ser impossi­ bilitada, pelas evidências de algumas das cidades de cada lista (por ex., Astarote, Jaaz, Golã, Bezer) terem sido perdidas por Israel antes do nono século a.C. Semelhantes evidências reforçam a con­ clusão, inerente na natureza das próprias listas, de que uma organização adminis­ trativa da abrangência territorial neces­ sária é inteligível somente durante o pe­ ríodo quando o reino unido era intato. A terceira e última seção do livro inclui os capítulos 22-24. Em 22:1-6, as tribos transjordânicas são louvadas, admoesta­ das e despachadas para seus lares. Estes versículos concluem a narrativa da con­ quista do historiador deuteronômico, cumprindo a promessa de 1:12-18 e se­ guindo naturalmente 11:23 (cf. 21:4345). Esta narrativa, porém, foi interrom­ pida pela inserção, por um redator pos­ terior (talvez, como sugere Bright, por um segundo deuteronomista), da seção sobre as terras atribuídas às tribos (caps. 13-21). A nota específica sobre a bênção e despedida da meia tribo de Manassés (22:7,8) parece ser uma expansão secun­ dária, como é o versículo 9, que é um tanto redundante em relação ao versículo 6. O interesse e o estilo de P são refletidos num mal-entendido surgido sobre a fina­ lidade do altar no vale do Jordão (22:1034). Todavia, o trecho é, provavelmente, uma edição sacerdotal de uma tradição narrativa mais antiga. O capítulo 23 é o discurso de despedi­ da de Josué. É, evidentemente, de estilo e interesse deuteronômicos, realçando o cumprimento das promessas de Deus pronunciadas em 1:1-9 e admoestando so­ bre a natureza condicional de sua graça, conforme o padrão de Deuteronômio 28. 350

O discurso de despedida leva natural­ mente à despedida do povo e à morte e enterro de Josué em Juizes 2:6-9 e parece assinalar a conclusão original deuteronômica do livro. O capítulo 24 baseia-se numa antiga tradição de uma cerimônia pactuai em Siquém. Por causa da centralidade do santuário e das tradições de Siquém na narrativa, mais seu resumo dos interesses do estrato-fonte, o âmago do capítulo se tem, costumeiramente, atribuído a E, com considerável editoração D. Aliás, o estilo e interesse do editor deuteronômi­ co são determinativos em plasmar este capítulo. A relação deste capítulo com o capítulo 23 (deuteronômico) é tão che­ gada que muitas vezes é chamada de um segundo discurso de despedida. Outrossim, é um paralelo expandido e porme­ norizado de 8:30-35 (também deuteronô­ mico) e contém uma versão expandida da narrativa da história da salvação regis­ trada em Deuteronômio 26:5-9.

II. Data e Lugar no Cânon

Segundo a análise acima, se entende que o livro de Josué é deuteronômico quanto à sua estrutura literária. É claro, contudo, que os deuteronomistas (tanto o compositor como o editor posterior) fize­ ram uso de materiais mais antigos, de fontes não identificáveis ou, se J e E, trabalhadas tão minuciosamente de for­ ma a impossibilitar fidedigna identifica­ ção. As poucas glosas editoriais de cará­ ter sacerdotal que foram acrescidas pos­ teriormente eram insuficientes para constituir uma fonte distinta ou para alterar significativamente a estrutura bá­ sica do livro. Portanto, foi pelo trabalho de um editor deuteronômico, provavel­ mente durante o sexto século a.C., que se pôs o livro de Josué em aproximada,mente sua forma atual. Em certo sentido, Josué pode ser con­ siderado uma continuação do Pentateuco, visto que dá prosseguimento à narra­ tiva de Deuteronômio e, além disso, nele

a promessa feita aos patriarcas e a Moi­ sés se cumpre na dádiva de Deus a Israel da terra de Canaã. Por conseguinte, al­ guns têm procurado incluir Josué, junto com o Pentateuco, numa maior unidade hexateucal. Por outro lado, a termina­ ção de Josué (24:28-31) reaparece ém Juizes (2:6-9), e, além disso, as afinida­ des literárias do livro não são com a es­ trutura sacerdotal do Pentateuco, mas, ao invés disso, parecem pertencer àque­ le corpo distinto de literatura histórica de Josué a Reis inclusive — cuja estrutura e óptica são deuteronômicas. Josué é, en­ tão, a continuação de Deuteronômio e é o primeiro volume da história deuteronômica de Israel em Canaã, que começa com a conquista e conclui com o exílio babilónico. A tradição judaica era corre­ ta, portanto, em reconhecer em JosuéReis uma obra histórica e teológica dis­ tinta, que chamava, com propriedade, de os Profetas Anteriores.

III. Contexto Histórico

Conforme a tradição bíblica, a con­ quista israelita de Canaã se separa do êxodo do Egito por uma geração de pe­ regrinação no deserto. Portanto, a data que se atribui à conquista está envol­ vida na cronologia destes eventos ante­ riores e, em parte, é por ela determina­ da. As evidências bíblicas e arqueológi­ cas mais convincentes agora disponíveis parecem atribuir todos os três eventos ao décimo terceiro século a.C. Êxodo 1:11 indica que os israelitas oprimidos no Egito foram compelidos a construir as cidades-armazéns Pitom e Ramessés por um faraó cujo nome não é mencionado. Os locais das cidades anti­ gas já foram identificados e escavados, resultando em evidências fortes a favor da identificação de Ramessés II (13041237 a.C.) com o construtor real que estava faltando. Na verdade, a cidade anterior, no local de Ramessés, tinha ja­ zido em ruínas por mais de 200 anos anteriormente ao começo de sua recons­

trução pelo predecessor de Ramessés. Ramessés prosseguiu com a reconstru­ ção do local, fazendo dele sua residência real e chamando-o de Casa de Ramessés, após si mesmo. Esta combinação de evi­ dências bíblicas e arqueológicas indica a forte probabilidade de que os israelitas continuavam no Egito pelos começos do décimo terceiro século a.C. e que a con­ quista não pode ter ocorrido senão mais tarde naquele mesmo século. 1 A conclusão apresentada acima é apoiada por escavações arqueológicas em Edom e Moabe da Transjordânia meri­ dional. O levantamento de Glueck indi­ cou uma descontinuidade na povoação sedentária desta região em 1900-1300 a.C., período em que era povoada por nômades.2 As escavações deste escritor em Dibom dão apoio à conclusão de Glueck.3 Ela indica que os reinos fortes e as cidades fortificadas de Edom e Moabe, que, con­ forme a tradição da conquista, eram for­ midáveis o bastante para negar passa­ gem pelas suas fronteiras a Israel, não teriam sido encontrados anteriormente a, aproximadamente, 1300 a.C. Coerente com as evidências acima é a referência a Israel numa esteia egípcia erigida no quinto ano de Merneptá (c. 1231 a.C.). Num hino de vitória, cele­ brando os sucessos do rei sobre seus ini­ migos, se acha uma seção comemorativa de sua devastação de Israel na terra de Canaã. O nome Israel está escrito em hieróglifos de forma a sugerir que o povo designado ainda não se tinha tornado uma nação radicada. Escavações de cidades que enfrenta­ vam as campanhas setentrional e meri­ dional de Josué em Canaã (Jos. 10,11) provêem evidências bastante consistentes 1 W. F. Albright, Bulletin of the American Schools of Oriental Research, 109 (1948), p. 15. 2 Nelson Glueck, “Transjordan’*, Archaeology and Old Testament Study, ed., D. Winton Thomas. (Oxford; The Clarendon Press, 1967), p. 443-448. 3 W. H. Morton, “Dhiban, 1956”, “Revue Biblique”, LXIV (1957), 221-223.

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de que a fase/decisiva da conquista esta­ va tendo lugar durante o último terço do décimo teréeiro século a.C. A fixação das datas tem sido mais determinativa em Láquis e Debir, no sul de Canaã, e em Hazor, no norte, as quais parecem ter sido todas destruídas no período de 12351200 a.C. (Láquis talvez um pouco de­ pois de 1200). O Prof. Albright fortaleceu ainda mais este enfoque anterior numa conquista do décimo terceiro século, pelo seu estudo cuidadoso da organização política de Ca­ naã na época amama . 4 Conseguiu mos­ trar que a organização das cidadesestados da Canaã meridional dos come­ ços do décimo quarto século a.C. não corresponde com a geografia política do livro de Josué. O quadro político retrata­ do em Josué parece não ter surgido se­ não próximo aos começos do décimo ter­ ceiro século. Não se deve supor, porém, que uma data no décimo terceiro século, para o êxodo e a conquista, satisfaça todas as testemunhas das Escrituras e todas as obras de escavação. Por exemplo, I Reis 6:1 é contrário a muito que já se disse em outras bases. Esta passagem situa o êxo­ do como tendo ocorrido 480 anos antes do estabelecimento do templo, o que resultaria numa data, para a conquista, próxima ao começo do décimo quarto século a.C.Contudo, a cifra de 480 anos parece ser o produto de se atribuir qua­ renta anos a cada uma das doze gera­ ções que se acreditava ter transposto o período do êxodo ao Templo. Os cálculos derivados de gerações múltiplas, calcula­ das na base de 40 anos, normalmente resultam em montantes consideravel­ mente superiores ao lapso real de tempo. Deverá ser notado que não há nenhu­ ma confirmação arqueológica para uma conquista de Jericó no décimo terceiro século. As evidências mesmo para a exis­ 4 BuUetin ol the American Schools of Oriental Research, 87 (outubro de 1942), 32-38.

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tência da cidade no período de Josué apresentam-se tão escassas que são total­ mente inconcludentes concernentes à época de sua destruição. Porém, funda­ mentada na pouca evidência que tem so­ brevivido, a mais recente escavadora, Miss Kathleen Kenyon, fez uma estima­ tiva para a destruição da cidade da Idade de Bronze posterior em cerca de 13501325 a.C. As descobertas em Ai criaram proble­ mas para todos que têm tratado da data da conquista. Segundo Josué (cap. 8), a cidade foi tomada pelos hebreus e des­ truída. Por outro lado, as escavações têm indicado que, no tempo da conquista, o local havia sido uma ruína inabitada por, aproximadamente, 1000 anos e que não foi reconstruído senão quando uma po­ voação israelita surgiu, durante o décimo segundo século a.C. Talvez a teoria mais plausível apresentada como explicação desta dificuldade seja a do Prof. Al­ bright, ao sugerir que o relato da con­ quista de Betei (omitido em Josué, mas registrado em Juizes — Juí. 1:22-26; cf. Jos. 12:16) foi ligado, posteriormente, na tradição, ao local da ruína próxima (Po­ rém cf. a introdução ao cap. 7). Um outro dos aspectos enigmáticos das narrativas da conquista é a omissão curiosa de qualquer referência a uma campanha de Josué na seção nordeste da região montanhosa — a região que reco­ nhecia a hegemonia de Siquém. Depois de dividirem a cordilheira central do país pela sua penetração nela na vitória em Betel-Ai, as tribos reuniram-se em Si­ quém para uma cerimônia pactuai (Jos. 8:30-35) sem nem sequer travar uma batalha. Ela é outra vez registrada depois que a conquista havia sido concluída (Jos. 24). A situação toma-se ainda mais curiosa pela importância e força de Si­ quém e pela resistência contrastante en­ contrada por Israel, tanto na campanha na Judéia como na Galiléia. Outrossim, as escavações recentes têm demonstra­ do que, como o silêncio da narrativa im-

plica, não houve nenhuma destruição de Siquém durante o décimo terceiro século a.C.5 Antes, tanto a cidade como seu templo de Baal-Berite (Senhor do pacto) continuaram período israelita adentro. A solução para esta situação confusa tem-se mostrado bastante fugidia. Uma sugestão é que a área era controlada por povos afins, com quem Israel precisava apenas firmar aliança. Algum apoio para esta sugestão pode ser achado na tradi­ ção das relações hebréias primitivas com Siquém, que se encontram relatadas em Gênesis 34. A maioria dos eruditos está convencida que havia parentes hebreus no controle de Siquém que ou não ha­ viam estado no Egito durante a perma­ nência dos judeus lá ou tinham escapa­ do em alguma época que não a do êxodo sob Moisés. Se assim fosse, então o pacto de “todas as tribos de Israel” em Josué 24 pode ter incluído, em sua condição de lealdade única para com Yahweh, alguns grupos tribais que não participaram ori­ ginalmente dos eventos sacros em Sinai.

IV. Ênfase Religiosa

Como a primeira parte do relato do historiador deuteronômico da vida de Israel na Terra Prometida, Josué conta a história da conquista e povoamento de Canaã e as obrigações que condiciona­ vam seu usufruto dela (23:15 e s.) o livro é uma ilustração do ponto de vista teoló­ gico que constituía a estrutura da his­ tória deuteronômica, i.e., que Deus é revelado pela sua ação na História, e o testemunho da História é que a obediên­ cia e a fidelidade à lei e pacto de Deus se fazem acompanhar pela sua bênção, en­ quanto a desobediência e a apostasia são um convite a juízo e desastre. De fato, as exortações pactuais finais de Josué são uma repetição deste tema (caps. 23,24).

5 Cf. G. E. Wright, “Shechem”, Archaeology and Old Testament Study, ed. D. Winton Thomas (Oxford: Cla­ rendon Press, 1967), p. 363-65.

O êxito da conquista era visto, por­ tanto, como o resultado da dependência, por parte de um Israel obediente, do poder e da liderança de Yahweh, que deu ao povo a sua vitória (1:2,7 e s.; cf. os caps. 23,24), não a obtendo eles pelo po­ derio de suas forças militares. A autenti­ cidade da dádiva e a autoridade do doa­ dor são manifestas pelos milagres asso­ ciados às fases iniciais da luta pela terra (caps. 3,4 e 6). Eles visavam meter o medo do poder de Deus nos inimigos de Israel e ainda inspirar confiança e fé nele por parte do próprio Israel e, por outro lado, o primeiro exemplo de desobediên­ cia resultou na disciplina e derrota em Ai e no julgamento e morte da parte cul­ pada, Acã (cap. 7). O incidente serviu, ainda, para reforçar a doutrina da res­ ponsabilidade da comunidade pelo pe­ cado, que não foi por ela esquecida nem fácil nem rapidamente (7:11 e s.; cf. 22:20). Também ponto central ao pensamento do livro é a fidelidade de Deus, que cumpriu suas promessas para com os pa­ triarcas (Gên. 12:7; 13:14-17; 26:3 e s.; 28:13) em dar aos seus descendentes a terra de Canaã (Jos. 21:43-45). Até a divisão da terra entre as tribos de Israel, com seus pormenores geográficos e deli­ neamentos divisórios tediosos, mostra que cada clã e família compartilhava da bênção do prometido dom de Deus. Complementarmente à idéia da fideli­ dade de Deus às suas promessas, há a idéia igualmente central do propósito divino na História. Em Josué, a história da salvação galga um ponto culminante. Os poderosos atos de libertação e direção de Israel operados por Deus — no Egito, no deserto e em Canaã — e suas precio­ sas dádivas de uma pátria e de uma abundante prosperidade são fundamen­ tais ao seu propósito, conforme anuncia­ do aos pais, de, através deles e de seus descendentes, todas as famílias da terra serem abençoadas (cf. Gên. 12:1-3; 22:18; 26:3 e s.; 28:13 e s.). Sem Josué,

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portanto, como comenta Aage Bentzen,6 o Pentateuco ficaria tão incompleto quanto ficariam os Evangelhos sem os relatos da ressurreição.

Esboço do Livro de Josué

I. A Conquista de Canaã (1:1-12:24) 1. Introdução (1:1-18) (1) O Comissionamento de Jo­ sué (1:1-9) (2) Preparativos Para a Traves­ sia do Jordão (1:10,11) (3) As Tribos do Leste do Jor­ dão Garantem Auxílio (1:12-18) 2. Espias Enviados a Jericó (2:1-24) (1) Os Espias Escondidos na Casa de Raabe (2:1-7) (2) Raabe Exige dos Espias uma Promessa de Proteção Para Ela (2:8-14) (3) Os Espias Escapam (2:15-24) 3. A Travessia do Jordão (3:1-5:1) (1) Instruções Divinas São Da­ das (3:1-13) (2) A Corrente do Jordão É Es­ tancada; O Povo o Atraves­ sa a Pé Enxuto (3:14-17) (3) A Travessia Memorializada (4:1-5:1) 4. No Acampamento em Gilgal (5:2-15) (1) O Rito da Circuncisão É Renovado (5:2-9) (2) A Páscoa É Celebrada (5:10-12) (3) A Teofania do Príncipe do Exército do Senhor (5:13-15) 5. A Queda de Jericó (6:1-27) (1) O Plano de Conquista (6:1-7) (2) Os Muros Desabam; a Ci­ dade É Tomada e Devotada à Destruição (6:8-21) 6 Introduction to the Old Testament (Copenhagen: G.E.C. Gads Forlag, 1949), II, 175.

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(3) Raabe e Sua Família São Poupadas (6:22-27) 6. A Conquista de Ai (7:1-8:29) (1) A Desobediência de Acã; A Derrota de Israel (7:1-5) (2) Acã É Punido (7:6-26) (3) A Destruição de Ai (8:1-29) 7. A Cerimônia Pactuai em Siquém (8:30-35) 8. O Tratado de Paz com os Gibeonitas (9:1-27) (1) A Coalização do Oeste do Jordão (9:1,2) (2) Os Gibeonitas Tramam um Tratado com Israel (9:3-15) (3) Os Gibeonitas São Castiga­ dos (9:16-27) 9. A Campanha Meridional de Jo­ sué (10:1-43) (1) A Derrota de Cinco Reis Amorreus (10:1-15) (2) A Matança dos Cinco Reis Amorreus (10:16-27) (3) A Conquista das Cidades do Sul de Canaã (10:28-43) 10. A Campanha Setentrional (11:1-15) 11. Resumo das Regiões Conquista­ das (11:16-23) 12. Resumo dos Reis Conquistados (12:1-24) (1) Os Reis da Transjordânia Derrotados Sob Moisés (12:1-6)

(2) Os Reis de Canaã Derrota­ dos Sob Josué (12:7-24) II. A Distribuição da Terra (13:1-21:45) 1. Território Ainda Não Conquis­ tado; a Ordem Para a Divisão da Terra (13:1-7) 2. A Herança das Tribos Transjordânicas (13:8-33) » 3. Introdução à Distribuição de Canaã (14:1-15) (1) Explicação Geral (14:1-5) (2) Calebe Premiado com Hebrom (14:6-15)

4. A Distribuição a Judá (15:1-63) (1) Os Limites de Judá (15:1-12) (2) Calebe e Otniel Tomam Hebrom e Debir (15:13-19) (3) As Listas, por Ãrea, das Po­ voações de Judá (15:20-63) 5. A Distribuição às Tribos de José (16:1-17:18) (1) O Território de Efraim (16:1-10) (2) A Herança de Manassés (17:1-6) (3) Os Limites de Manassés; Cidades Inconquistadas (17:7-13) (4) José Exige uma Partilha Adicional (17:14-18) 6. A Distribuição às Outras Sete Tribos (18:1-19:51) (1) O Levantamento e a Divisão do Território Restante (18:1-10) (2) A Herança de Benjamim (18:11-28) (3) A Herança de Simeão (19:1-9) (4) A Herança das Tribos Galiléias (19:10-39) (5) A Herança de Dã (19:40-48) (6) Conclusão; a Herança de Josué (19:49-51) 7. Cidades de Refúgio (20:1-9) 8. Cidades Levíticas (21:1-42) (1) A Partilha Para os Levitas (21:1-7) (2) Cidades Designadas, Pelas Tribos, às Famílias Levíti­ cas (21:8-42) 9. A Ocupação É Concluída (21:43-45) III. Conclusão(22:1-24:33) 1. As Tribos Transjordânicas Re­ gressam (22:1-34) (1) As Tribos Transjordânicas São Abençoadas e Despedi­ das (22:1-9) (2) Mal-Entendidos Sobre um Altar Perto do Jordão (22:10-34)

2. O Discurso de Despedida de Josué (23:1-16) 3. A Cerimônia Pactuai em Siquém (24:1-28) (1) A Providência de Deus Para com Israel (24:1-13) (2) A Exortação de Josué Para Servirem ao Senhor (24:14,15) (3) Israel Declara Lealdade a Deus (24:16-28) 4. Três Tradições de Sepultamentos (24:29:33)

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Comentário Sobre o Texto I. A Conquista de Canaã (1:1-12:24)

1. Introdução (1:1-18) Os capítulos 1 a 12 contêm o relato da conquista de Canaâ. A introdução (cap. 1), conclusão (11:15-12:24) e diversas passagens mais curtas, espalhadas pela seção, são tão semelhantes a Deuteronômio em estilo, dicção e ponto de vista teológico, que deixam claro que um edi­ tor deuteronômico foi o responsável pela sua forma presente. Está igualmente cla­ ro que o editor utilizou vários fios de materiais antigos relacionados com a conquista, cuja história literária e préliterária não pode ser identificada com qualquer grau de satisfação geral. 0 capítulo 1 começa um pouco depois da morte de Moisés. Josué é designado como sucessor de Moisés e líder do povo de Israel. De seu acampamento, no li­ miar oriental de Canaã, Israel se prepara para atravessar o Jordão. A possessão da terra prometida é assegurada a Josué e a Israel no caso de serem corajosos e obe­ dientes aos mandamentos do Senhor. (1) O Comissionamento de Josué (1:1-9)

1 Depois da morte de Moisés, servo do Senhor, falou o Senhor a Josué, filho de

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Num, servidor de Moisés, dizendo: 2 Moisés, meu servo, é morto; levanta-te pois agora, passa este Jordão, tu e todo este povo, para a terra que eu dou aos filhos de Israel. 3 Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo dei, como eu disse a Moisés. 4 Desde o deserto e este Líbano, até o grande rio, o rio Eufrates, toda a terra dos heteus, e até o grande m ar para o poente do sol, será o vosso termo. 5 Ninguém te poderá resistir todos os dias da tua vida. Como fui com Moisés, assim serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei. 6 Esforça-te, e tem bom ânimo, porque tu farás a este povo herdar a terra que jurei a seus pais lhes daria. 7 Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo, cuidando de fazer conforme toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; não te desvies dela, nem para a direita nem para a esquerda, a fim de que sejas bemsucedido por onde quer que andares. 8 Não se aparte da tua boca o livro desta lei, antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem-sucedido. 9 Não to mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; não te atemorizes, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus está contigo, por onde quer que andares.

‘Deuteronômio conclui com o relato da morte de Moisés (cap. 34). Depois da morte de Moisés, portanto, implica em que os eventos com que o livro de Josué começa são uma continuação da história

com que Deuteronômio termina, talvez limites ideais, surgiu com a derrota, por seguindo-se imediatamente ao intervalo Davi, do Estado arameu de Zobá, que, de 30 dias de luto mencionado em Deu­ como parece, tinha o Eufrates por limite (cf. II Sam. 8:3; I Reis 4:21,24; II Crôn. teronômio 34:8. Servo do Senhor é um título constante­ 9:26). A expressão toda a terra dos heteus mente aplicado a Moisés. Era o título mais elevado alcançável numa comuni­ não aparece nem na Septuaginta nem na dade que reconhecia unicamente a sobe­ Vulgata e é, possivelmente, uma interpo­ rania de Deus. Implicava obediência fiel lação posterior. De qualquer maneira, a a Deus em tudo, com referência especial referência diz respeito, claramente, à re­ à liderança do povo de Israel em assuntos gião da Síria setentrional, sob o controle concernentes ao pacto. Anteriormente, o dos hititas, que pode ser concebida como papel de Josué tinha sido o de servidor de se encaixando dentro dos limites descri­ Moisés (cf. Êx. 24:13; 33:11; Núm. 11: tos acima. Vê-se que a expressão não se 28; 27:15-23), i.e., de um auxiliar ou refere à grande pátria do império hitita ajudante especial. Agora, ao ser chama­ na Anatólia. No começo de seu empreendimento, do por Deus, Josué havia de o suceder na elevada tarefa de servo, e a ele também promete-se a Josué a vitória, pois é-lhe este título foi, finalmente, dado (cf. 24: assegurado, assim como foi com Moi­ 29). Tinha sido previamente comissiona- • sés (Êx. 3:12; Jos. 3:7; cf. Deut. 31:6,8), do para esta tarefa (Deut. 31:14,15,23), e que o Senhor não o deixaria (i. e., não o tinha sido preparado para ela pela expe­ abandonaria) nem o desampararia. Re­ riência e pela obediência. vela-se, porém, que o cumprimento des­ Por ocasião da morte de Moisés, o tas promessas dependia da obediência acampamento de Israel localizava-se a invariável de Josué à lei de Deus. Esta leste do Jordão, frente a Jericó (cf. Núm. condição é realçada pela repetição fre­ 22:1; Deut. 34:1). Josué e Israel agora qüente da expressão esforça-te, e tem recebem instruções de que o tempo de bom ânimo (ou seja muito corajoso), que cumprimento está próximo; se lhes man­ aparece quatro vezes no capítulo 1 (v. 6, da que atravessem o Jordão e reivindi­ 7,9 e 18). Esta expressão refere-se não quem a terra que o Senhor lhes dava apenas à conduta de Israel quando se precisamente como disse a Moisés (cf. confrontando com seus inimigos, mas a ênfase especial aqui está na demonstra­ Deut. 11:24,25). Os limites ideais do território de Israel, ção do máximo esforço em fidelidade e a Terra Prometida, são sugeridos pelo obediência aos mandamentos de Deus, versículo 4. Estendem-se do deserto, a que então daria a vitória de acordo com região desértica ao sul de Canaã, especi­ suas garantias. Como resultado, Israel herdaria a ter­ ficamente do deserto de Zim, ao leste do ra que Deus jurara a seus pais, i. e., a rio do Egito (cf. Gên. 15:18; Núm. 34:35; Ez. 47:19) a este Líbano, as monta­ Abraão (Gên. 13:14 e s.; 15:18 e ss.; nhas do Líbano (provavelmente incluin­ 17:7 e s.), a Isaque (Gên. 26:3 e ss.), a Jacó (Gên. 28:13; 35:12) e, num sentido do a cordilheira paralela do Anti-Líbano, cuja extremidade meridional é o monte mais lato, a seus descendentes que esca­ param do Egito com Moisés por ocasião Hermom), no norte, e do rio Eufrates, cujo percurso superior era primeiramen­ do êxodo (Êx. 6:8). te alcançável bem ao nordeste, através da Toda a lei, no versículo 7, falta na Síria, até o grande mar, o Mediterrâneo, Septuaginta e parece ser uma inserção. ao ocidente. A aproximação mais chega­ Fica claro, porém, de o livro desta lei, no da ao controle da área, dentro destes versículo 8, que é à lei deuteronômica

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que o editor de Josué se refere. Obvia­ mente, Josué não possuía o livro de Deuteronômio em sua forma atual (ver a In­ trodução a Deuteronòmio), mas é de todo provável que conhecesse um corpo de leis que Israel havia herdado de Moisés (cf. Deut. 31:24-26). Desta lei Josué e Israel não haviam de se esquecer, haviam de meditar nela continuamente (cf. Sal. 1:2; 119:97), en­ siná-la lealmente e obedecê-la sem ne­ nhum desvio. Semelhantes condições de lealdade e obediência à lei são expostas como a chave para o sucesso prático (v. 8), pois haviam de fazer prosperar o... caminho deles (i. e., levá-los a um resul­ tado bem-sucedido) e fazer com que fos­ sem bem-sucedidos, para o que a pala­ vra hebraica traz a conotação de ação prudente ou sábia. O esforça-te, e tem bom ânimo e o não te atemorizes, nem te espantes do versículo 9 são exigências antitéticas e expressões de confiança de que o Deus que prometeu acompanhálos é também o Senhor soberano da His­ tória e é capaz de realizar suas promes­ sas. (2) Preparativos Para a Travessia do Jor­ dão (1:10,11)

10 Então Josué deu esta ordem aos oficiais do povo: 11 Passai pelo meio do arraial, e ordenai ao povo, dizendo: Provede-vos de mantimentos, porque dentro de três dias haveis de atravessar este Jordão, a fim de que entreis para tomar posse da terra que o Senhor vosso Deus vos dá para a possuirdes.

Depois de receber as promessas e con­ dições da presença de Deus, que acom­ panhava a comissão de Josué como lí­ der das forças de Israel, Josué ordenou que o povo se mobilizasse para a tarefa de atravessar o Jordão e possuir a terra que Deus estava por lhe dar. Os oficiais que transmitiram a ordem de Josué por todo o acampamento se compunham de oficiais subalternos, cujas funções não eram definidas com muita precisão (cf. Deut. 1:15; 16:18; 20:5,9; em Êx. 5:6, 10,14, a palavra é traduzida como “ca­

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patazes”, nas versões inglesas moder­ nas), mas que neste contexto, desempe­ nham o papel dos oficiais superiores do pessoal militar dos dias de hoje conheci­ dos como ajudantes. Três «Mas, no versículo 11, pode ter um significado além do de um período espe­ cífico ou aproximado. O número três é associado a preocupações rituais, com freqüência suficiente para sugerir a seu respeito ocasiões de significado cultural. Isto é ilustrado pelo repetido padrão de um período de três dias de preparação para determinados eventos cultuais ou para participação deles (cf. Êx. 3:18; 19:11; Est. 4:16; Jon. 1:17). A expressão adequa-se ao padrão neste versículo (cf. 3:2), implicando em que houvesse aspectos cerimoniais dos preparativos que antecederam a travessia ritual do Jordão. (3) As Tribos do Leste do Jordão Garan­ tem Auxílio (1:12-18) 12 E disse Josué aos rubenitas, aos gaditas, e à meia tribo de Manassés: 13 Lembraivos da palavra que vos mandou Moisés, servo do Senhor, dizendo: O Senhor vosso Deus vos dá descanso, e vos dá esta terra. 14 Vossas mulheres, vossos pequeninos e vosso gado fiquem na terra que Moisés vos deu desta banda do Jordão; porém vós, todos os homens valorosos, passareis arm a­ dos adiante de vossos irmãos e os ajudareis; 15 até que o Senhor tenha dado descanso a vossos irmãos, assim como vo-lo deu a vós, e eles também tenham possuído a terra que o Senhor vosso Deus lhes dá; então tornareis para a terra da vossa herança, e a possui­ reis, terra que Moisés, servo do Senhor, vos deu além do Jordão, para o nascente do sol. 16 Então responderam a Josué, dizendo: Tudo quanto nos ordenaste faremos, e aonde quer que nos enviares iremos. 17 Como em tudo ouvimos a Moisés, assim te ouviremos a ti; tão-somente seja o Senhor teu Deus contigo, como foi com Moisés. 18 Quem quer que se rebelar contra as tuas ordens,' e não ouvir as tuas palavras em tudo quanto lhe mandares, será morto. Tão-somente esfor­ ça-te, e tem bom ânimo.

Após a conquista, por Israel, dos rei­ nos ao leste do Jordão, de Siom a Ogue,

Moisés deu permissão a Rúben, Gade e à meia tribo de Manassés de povoarem as terras férteis, de pastagens da região. Contudo, esta promessa era condiciona­ da à promessa, por essas tribos, de par­ ticiparem, com seus irmãos das demais tribos, na conquista do território a oeste do Jordão. Somente por meio dessa par­ ticipação na tarefa comum de conquista, no modo de ver do deuteronomista, po­ deriam as três tribos transjordânicas vi­ ver fora da Terra da Promissão e preser­ var sua posição de identidade com o povo escolhido de Deus. Este ponto de vista é um reflexo do conceito de uma unidade ideal existente entre as tribos todas a leste e a oeste do Jordão, uni conceito que foi duramente posto à prova no cadinho da História. A palavra que vos mandou Moisés e as condições da promessa que Josué lhe chamou à memória e para o seu compro­ metimento (v. 12-15) se acham, de uma forma essencialmente paralela, em Deuteronômio3:18-20(cf. Núm. 32:16-27). O descanso que Deus estava propor­ cionando (v. 13,15; cf. Sal. 95:11) é de­ signado como “um lugar de descanso” e esta terra (v. 13), e diz respeito à colo­ nização da pátria permanente que havia sido prometida a Israel, em contraste com a peregrinação que tinha caracteri­ zado o povo no deserto. Além do Jordão é uma expressão técni­ ca, que se refere à região geográfica si­ tuada a leste do Jordão. Deve ser enten­ dida do ponto de vista da situação geo­ gráfica do historiador deuteronômico co­ mo sendo a oeste do Jordão, e não segun­ do o contexto em que se situa o episódio. A palavra hebraica traduzida como sentinelas é chamushim (cf. 4:12; Êx. 13:18; Juí. 7:11). Deriva-se da mesma raiz que o número “cinco” e talvez se refira à formação militar de cinco corpos, i. e., a vanguarda, retaguarda, centro e dois flancos. Isto sugere a ordem de mar­ cha de cinco unidades e a organização do acampamento, atribuídas aos israelitas

enquanto no deserto (Núm. 2:2-31; 10: 11-28)7. No contexto do movimento de tropas, portanto, a palavra deverá, pro­ vavelmente, ser traduzida como “em or­ dem de batalha”. As três tribos transjordânicas, seus sol­ dados já estando desvencilhados da res­ ponsabilidade de famílias e posses, acei­ taram a responsabilidade de servir de “ponta de lança” no ataque das forças de Israel ao território de Canaã. Promete­ ram sua lealdade e obediência a Josué, precisamente como as tinham prestado a Moisés, expressando a esperança fervo­ rosa (e, talvez, confiança) de que fosse um líder carismático (cheio do espírito e poder de Deus) exatamente como Moisés o fora. Esta qualidade carismática, sem­ pre atribuída à obediência constante a Deus, foi (e é) o atributo necessário de qualquer líder do povo de Deus. 2. Espias Enviados a Jericó (2:1-24) Antes de atravessar o Jordão e se arris­ car a entrar em território controlado pe­ las cidades-estados de Canaã, Josué en­ viou dois espias à cidade próxima, Jericó. Eles acharam pousada na casa de uma meretriz, chamada Raabe, que evitou fossem eles capturados e confessou estar a cidade tomada pelo desalento, em vir­ tude do medo de Israel e do Deus de Israel. Em troca Raabe conseguiu um pacto de fidelidade mútua, pelo qual ela concordou em não trair sua presença ou intenções, e eles prometeram poupar sua família quando Israel destruísse a cida­ de. Os espias voltaram a Josué e relata­ ram que o medo tinha feito com que o povo ficasse apavorado e concluíram que Deus tinha realmente entregue a terra em suas mãos, conforme prometera (cf. l:l-6:9). A narrativa sobre Raabe é uma de diversas tradições primitivas que têm ca­ ráter explicativo, nos capítulos 2-9, e que 7 Cf. Roland de Vaux, Ancient Israel, trad, para o inglês por John McHugh (New York: MacGraw-Hill Book Com­ pany, Inc. 1961), p. 216-17.

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se associavam com lugares e eventos ocorridos na vizinhança primitiva do san­ tuário benjamita de Gilgal. Vários versí­ culos na conclusão do episódio (6:17,22, 23,25) sugerem uma dimensão etiológica, especialmente a expressão reveladora “até o dia de hoje” (ver a Introdução). Porém os mesmos versículos também su­ gerem que a sobrevivência, em Israel, da família cananéia de Raabe resultou da bondade recíproca de Israel para com ela, por poupar os espias em Jericó. Esta seqüência de eventos é eminente­ mente mais crível do que a conjetura al­ ternativa de que a história dos espias tenha surgido como uma tentativa de explicar a sobrevivência, no meio de Is­ rael, de uma determinada povoação ca­ nanéia. Como sugeriu Bright, com rela­ ção a assunto semelhante, tal não seria mais correto do que sugerir que “a his­ tória dos peregrinos foi inventada para explicar a presença da rocha de Ply­ mouth” (Interpreter’s Bible, II, 547). Deverá ser notado, contudo, que não parece haver nenhuma ligação essencial entre a ajuda de Raabe, prestada aos espias, e a maneira da destruição poste­ rior de Jericó. Por outro lado, existem algumas sugestões de uma tradição da captura da cidade por traição.8 Porém,’ se semelhante tradição alguma vez exis­ tiu, foi substituída posteriormente pelo relato do desabamento miraculoso dos muros. (1) Os Espias Escondidos na Casa de Raabe (2:1-7)

sair os homens que vieram a ti e entraram na tua casa, porque vieram espiar toda a terra. 4 Mas aquela mulher, tomando os dois homens, os escondeu, e disse: É verdade que os homens vieram a mim, porém eu não sabia dondè eram; 5 e aconteceu que, ha­ vendo-se de fechar a porta, sendo já escuro, aqueles homens saíram. Não sei para onde foram; ide após eles depressa, porque os alcançareis. 6 Ela, porém, os tinha feito subir ao eirado, e os tinha escondido entre as canas do linho que pusera em ordem sobre o eirado. 7 Assim foram esses homens após eles pelo caminho do Jordão, até os vaus; e, logo que saíram, fechou-se a porta.

8 Cf. Peter J. Keamey, “Joshua”, Jerome Biblical Com­ mentai;, éd., RaymondE. Brown, et. al. (EnglewoodCliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1968), 1,126.

9 Cf. Nelson Glueck, Explorations in Eastern Palestine (New Haven: American Schools of Oriental Research, 1951), IV, Parte 1,378-82.

O acampamento de Israel estava loca­ lizado em Sitim, e em Números 33:49, é chamado de Abel-Sitim (Riacho das Acá­ cias). Este local deve, com probabilida­ de, estar associado à ruína conhecida como Tell el-Hammân, a leste do Jordão, frente a Jericó e imediatamente ao sul de um pequeno riacho, chamado Wadi elKefrein.9 O antigo local de Jericó é marcado pelo montão de ruínas chamado Tell es’ Sultân, uns cinco quilômetros a oeste do Jordão e mil e quinhentos metros a no­ roeste da cidade moderna de Jericó. A ci­ dade situava-se numa posição estratégi­ ca, para o controle das vias de acesso que subiam do vale do baixo Jordão até as montanhas da Judéia. Forçoso se fazia, portanto, que esta porta para o interior fosse barrada, antes que os israelitas pu­ dessem, com segurança, avançar para a região montanhosa. As camadas muito primitivas do local estão bem preserva­ das, porém o estrato da Idade de Bronze posterior (c. 1550-1200 a. C.) mostram1 De Sitim Josué, filho de Num, enviou se tão seriamente prejudicado pela ero­ são, que quaisquer conclusões com rela­ secretamente dois homens como espias, dizendo-lhes: Ide reconhecer a terra, parti­ ção à natureza ou data da conquista efe­ cularmente a Jericó. Foram, pois, e entra­ por Josué se tornam muito pre­ ram na casa duma prostituta, que se cha­ tivada cárias. mava Raabe, e pousaram ali. 2 Então deu-se Os espias buscaram pousada e um es­ notícia ao rei de Jericó, dizendo: Eis que conderijo na casa duma prostituta, que esta noite vieram aqui uns homens dos filhos de Israel, para espiar a terra. 3 Pelo que o se chamava Raabe. A palavra hebraica rei de Jericó mandou dizer a Raabe: Faze traduzida “prostituta” é Zônah. Normal­

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mente descreve uma meretriz comum. Não era de se imaginar que a presença de estranhos na casa de tal personagem sus­ citasse qualquer suspeita maior. Além disso, sua profissão lhe dava margem para ser boa conhecedora dos negócios públicos. Apesar das medidas de precaução dos espias, a presença e o propósito deles chegaram ao conhecimento do rei de Je­ rico (v. 2,3), que era um régulo menor de cidade. Canaâ, durante esse período, não possuía nenhum governo centralizado. Ao invés disso, tinha um sistema de or­ ganização política de cidades-estados, cada cidade fortificada maior e as térras adjacentes sendo controladas por um príncipe ou governante local. Estes go­ vernantes de cidades são chamados de reis no livro de Josué (cf. cap. 12), e muitos reis semelhantes eram vassalos do Egito, conforme é atestado pelas cartas de Tell el-Amarna do século anterior (o décimo quarto). Em resposta à exigência do rei, que ela trouxesse os espias para fora de sua casa, Raabe confirmou que haviam estado com ela, em terminologia que talvez impli­ casse que a visita fora para fins relacio­ nados com sua profissão, e protestou ignorância da identidade deles (v. 4). Ela continuou a enganá-lo ao afirmar que tinham partido (de sua casa) quando o portão (da cidade muralhada) estava pa­ ra se fechar, ao escurecer (v. 5). Mas, ao invés disso, ela os tinha escondido debai­ xo das canas do linho, sobre o teto plano de sua casa. Tais tetos ensolarados eram ideais para secar o linho. Visto que mar­ ço era o mês da colheita de linho em Canaã,10o conluio entre Raabe e os es­ pias ocorreu durante a estação dos come­ ços da primavera (março-abril). Um grupo de busca de Jericó, seguin­ do as direções falsas de Raabe (v. 5), procurou os espias até os vaus do Jordão. 10 Ver o “Gezer Calendar” em Documents from Old Testament Times, D. Winton Thomas, ed. Harper Torchbooks (New York: Harper and Brothers, 1961), p. 201-2.

Em seu curso, o baixo Jordão era cauda­ loso e profundo e não podia ser atraves­ sado em qualquer lugar. Os melhores pontos de travessia ou vaus eram bem conhecidos do povo da região e eram pontos convenientes de verificação para todo o trânsito que atravessava o rio. (2) Raabe Exige dos Espias uma Pro­ messa de Proteção Para Ela (2:8-14)

8 E, antes que os espias se deitassem, ela subiu ao eirado a ter com eles, 9 e disselhes: Bem sei que o Senhor vos deu esta terra, e que o pavor de vós caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra se der­ retem diante dè vós. 10 Porque temos ou­ vido que o Senhor secou as águas do Mar Vermelho diante de vós, quando saístes do Egito, e também o que fizestes aos dois reis dos amorreus, Siom e Ogue, que estavam além do Jordão, os quais destruístes total­ mente. 11 Quando ouvimos isso, derrete­ ram-se os nossos corações, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença; porque o Senhor vosso Deus é Deus em cima no céu e embaixo na terra. 12 Agora, pois, peço-vos, jurai-me pelo Se­ nhor que, como usei de bondade para con­ vosco, vós também usareis de bondade para com a casa de meu pai; e dai-me um sinal seguro 13 de que conservareis em vida meu pai e minha mãe, como também meus ir­ mãos e minhas irmãs, com todos os que lhes pertencem, e de que livrareis da morte as nossas vidas. 14 Então eles lhe responde­ ram: A nossa vida responderá pela vossa, se não denunciardes este nosso negócio; e, quando o Senhor nos entregar esta terra, usaremos para contigo de bondade e de fidelidade.

O episódio de Raabe (2:1-24) parece ter constituído uma unidade estrutural antes de ser incorporado na história deuteronômica. No âmago da narrativa anti­ ga havia a confissão de fé de Raabe, que, mesmo em sua forma pré-deuteronômica, expressa a convicção de que era Deus quem estava dando a vitória a Israel e causando pânico e desalento entre os inimigos de Israel (v. 9). O editor deuteronômico do trecho pa­ rece ter percebido um significado mais profundo na confissão de Raabe, ou seja, que a sua continuação na terra estava

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intimamente relacionada com sua fé. Por conseguinte, ele suplementou sua confis­ são abreviada dos atos salvíficos de Deus na História (v. 10) com uma fórmula monoteísta (v. 11b; cf. Deut. 4:39). Sem dúvida, o versículo 11 esteve por detrás da inclusão de Raabe nos exemplos lu­ minosos de fé citados em Hebreus 11:31. Os cananeus tinham sabido do livra­ mento de Israel por parte de Deus no Mar Vermelho (cf. Êx. 14) e da vitória que lhe deu sobre Siom e Ogue (v. 10; cf. Núm. 21:21-35; Deut. 2:24-3:11). Embora este último item seja omitido das declarações de fé em Deuteronômio (6: 20-24 e 26:5b-9), consta na confissão abreviada aqui (v. 10), indicando a preo­ cupação do editor deuteronômico para que fosse incluído nos eventos da história da salvação. Os amoneus (v. 10) eram povos semi­ tas, cuja região de origem, no terceiro milênio a.C., parece ter sido a oeste do rio Eufrates superior. Com a aproxima­ ção do fim do milênio, numerosos gru­ pos destes nômades mudaram para a região siro-palestínica e encerraram a cultura urbana da Idade de Bronze pri­ mitiva. Na época da conquista hebraica (décimo terceiro século a.C.), povos afins constituíam o maior elemento da popula­ ção do planalto transjordânico. Na rea­ lidade, os reinos de Siom e Ogue pare­ cem ter-se desenvolvido após um período prolongado de ocupação nômade amorreu da região.11 Os reis amorreus, Siom e Ogue, foram totalmente destruídos por Israel (v. 10). Estas palavras representam um rito da guerra santa conhecido como cherem, que significa “devotado à des­ truição” ou “tratado como maldito” co­ mo sagrado ou dedicado ao Deus que deu a vitória (6:17). Visto que Raabe tinha “usado de bon­ dade” (chesedh) ou sido leal em poupar os espias, ela requeria deles um jura­ mento de que se comportariam lealmente 11 Ver K. M. Kenyon, Amorites and Canaanites (Londres: The Oxford University Press, 1966), p. 34-5,64.

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para com ela e poupariam a família dela (v. 12,13). Os espias haviam de fazer este juramento no nome do Senhor, que Raa­ be acabava de professar (v. 11). O sinal seguro (v. 12) que ela exigiu foi, provavelmente, o juramento que eles fizeram de que colocariam as suas vidas em jogo (a nossa vida... pela vossa), como confirmação de seu acordo para tratar da família dela com bondade (leal­ mente) e com fidelidade (v. 14; cf., po­ rém, a associação do cordão de fio de escarlata, no v. 18, com o poupar da família de Raabe). Contudo, eles puse­ ram uma condição à sua lealdade: Não aceitariam responsabilidade se Raabe revelasse seu segredo (cf. os v. 17,20). Esta estipulação sugere o possível envol­ vimento dela num plano para trair a cidade (cf. o cordão de fio de escarlata do v. 18). (3) Os Espias Escapam (2:15-24)

IS Ela então os fez descer por uma corda pela janela, porquanto a sua casa estava sobre o muro da cidade, de sorte que mora­ va sobre o muro; 16 e disse-lhes: Ide-vos ao monte, para que não vos encontrem os per­ seguidores, e escondei-vos lá três dias, até que eles voltem; depois podereis tomar o vosso caminho. 17 Disseram-lhe os homens: Nós seremos inocentes no tocante a este juramento que nos fizeste jurar. 18 Eis que, quando nós entrarmos na terra, atarás este cordão de fio de escarlata à janela pela qual nos fizeste descer; e recolherás em casa contigo teu pai, tua mãe, teus irmãos e toda a família de teu pai. 19 Qualquer que sair fora das portas da tua casa, o seu sangue cai­ rá sobre a sua cabeça, e nós seremos inocen­ tes; mas qualquer que estiver contigo em casa, o seu sangue cairá sobre a nossa cabe­ ça se nele se puser mão. 20 Se, porém, tu denunciares este nosso negócio, seremos de­ sobrigados do juramento que nos fizeste ju­ rar. 21 Ao que ela disse: Conforme as vossas palavras, assim seja. Então os despediu, e eles se foram; e ela atou o cordão de escaríata à janela. 22 Foram-se, pois, e chegaram ao monte, onde ficaram três dias, até que voltaram os perseguidores; pois estes os bus­ caram por todo o caminho, porém não os acharam. 23 Erttão os dois homens, toman­ do a descer do monte, passaram o rio, che-

garam a Josué, filho de Num, e lhe conta­ ram tudo quanto lhes acontecera. 24 E dis­ seram a Josué: Certamente o Senhor nos tem entregue nas mãos toda esta terra, pois todos os moradores se derretem diante de nós.

A casa de Raabe estava construída como parte do muro da cidade, literal­ mente, “no muro do muro” (v. 15). A ja­ nela, portanto, ficava alta no muro da cidade (cf. II Cor. 11:33). As escavações no local de Jericó em 1952-58 não acharam nenhum muro na cidade do tempo de Josué, quer se colo­ que a conquista mais tarde, quer se colo­ que mais cedo. As escavações de 1930-36 registraram um muro duplo (muros in­ terno e externo, separados por um espaço de uns 4 a 5 metros) ao redor do local, que por muitos anos foi popularmente associado à conquista de Josué e à casa de Raabe. Já se tomou claro, porém, que o muro duplo representa duas fases diferentes de um período de ocupação (Idade de Bronze primitiva), vários sé­ culos anteriores ao tempo de Josué.12 O monte (v. 16, 22, 23) no qual os espias se esconderam pertence à escarpa oriental das montanhas de Judá. Fica a um quilômetro e meio a oeste de Jericó e numa direção contrária à da busca dos perseguidores. Nos versículos 17-20, os espias afir­ mam que seriam inocentes com relação ao seu juramento, i. e., “livres de res­ ponsabilidade” pelo mesmo, a não ser que Raabe observasse três medidas de cooperação e precaução. Ela devia amar­ rar um cordão de fio de escarlata na ja­ nela (v. 18), reunir toda a sua família dentro da casa assim identificada e man­ tê-la ali (v. 18,19), e guardar segredo quanto ao combinado com os espias (v. 20). Qualquer que faltasse com a ob­ servação destas medidas seria responsá­ vel por sua própria morte (seu sangue cairá sobre sua cabeça). Nos versos

12 Cf. Kathleen Kenyon, “Jericho” em Archaeology and ed. por D . Winton Thomas (Ox­ ford: TheClarendon Press, 1967), p. 266-67. Old Testament Study,

22-24, os espias regressam e relatam a Josué que os habitantes estavam desfale­ cidos de medo e que o Senhor, de fato, tinha dado a terra a Israel (cf. 1:1-6,9). 3. A Travessia do Jordão (3:1-5:1) 0 fundo literário desta seção é, temos de admitir, muito complexo (ver Introdu­ ção). Certamente será evidente, ao leitor cuidadoso, que o compositor antigo des­ tas tradições conseguiu uma integração mais que harmoniosa de seu material. Diversos relatos paralelos e divergentes ocorrem (cf. 3:16,17, 4:1 e 4:10b; 4:11 e 4:15-18; 4:2,3, 20 e 4:9; 4:6,7 e 4:21-24). Quer sejam explicados como surgindo de tradições variantes, quer como ela­ borações de uma tradição cultural que se desenvolveu em torno do santuário em Gilgal (John Gray, p. 58), a análise por­ menorizada não tem sido, de forma ge­ ral, convincente. O que está claro, con­ tudo, é que a travessia do Jordão é con­ siderada, pelo deuteronomista, como o resultado da ação de Deus, e não como uma realização de Israel. Este ponto de vista é realçado pelo evento central da seção, o estancamento miraculoso do Jor­ dão. E é suplementado nas tradições associadas que enfatizam o papel da arca, que simboliza a liderança de Deus, e pela explicação das pedras em Gilgal, que memorializam a ação de Deus (4:2024). As promessas de 1:1-9 estavam sen­ do cumpridas; Deus daria a terra de Israel como tinha prometido; ele estava com Josué na travessia do Jordão como estivera com Moisés na travessia do Mar (cf. 4:21-24). (1) Instruções Divinas São Dadas (3:1-13)

1 Levantou-se, pois, Josué de madrugada e, partindo de Sitim ele e todos os filhos de Israel, vieram ao Jordão; e pousaram ali, antes de atravessá-lo. 2 E sucedeu, ao fim de três dias, que os oficiais passaram pelo meio do arraial, 3 e ordenaram ao povo, dizendo: Quando virdes a arca do pacto do Senhor vosso Deus sendo levada pelos levitas sacer­ dotes, partireis vós também do vosso lugar,

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e a seguireis 4 (haja, contudo, entre vós e ela, uma distância de dois mil côvados, e não vos chegueis a ela), para que saibais o caminho pelo qual haveis de ir, porquanto por este caminho nunca dantes passastes. 5 Disse Josué também ao povo: Santificaivos, porque amanhã o Senhor fará m aravi­ lhas no meio de vós. 6 E falou Josué aos sacerdotes, dizendo: Levantai a arca do pacto, e passai adiante do povo. Levanta­ ram, pois, a arca do pacto, e foram andando diante do povo. 7 Então disse o Senhor a Josué: Hoje começarei a engrandecer-te pe­ rante os olhos de todo o Israel, para que saibam que, assim como fui com Moisés, serei contigo. 8 Tu, pois, ordenarás aos sa­ cerdotes que levam a arca do pacto, dizen­ do: Quando chegardes à beira das águas do Jordão, ai parareis. 9 Disse então Josué aos filhos de Israel: Aproximai-vos, e ouvi as palavras do Senhor vosso Deus. 10 E acres­ centou: Nisto conhecereis que o Deus vivo está no meio de vós, e que certamente expul­ sará de diante de vós os cananeus, os heteus, os heveus, os perizeus, os girgaseus, os amorreus e os jebuseus. 11 Eis que a arca do pacto do Senhor de toda a terra passará adiante de vós para o meio do Jordão. 12 To­ mai, pois, agora doze homens das tribos de Israel, de cada tribo um homem; 13 porque assim que as plantas dos pés dos sacerdotes que levam a arca do Senhor, o Senhor de toda a terra, pousarem nas águas do Jordão, estas serão cortadas, isto é, as águas que vêm de cima, e, amontoadas, pararão.

O cenário agora reverte para o acam­ pamento em Sitim (cf. 2:1). Israel mu­ dou de lá para o vau do Jordão, onde pousaram antes da travessia no dia se­ guinte (v. 1; cf. v. 5). O fim de três «Mas, no versículo 2, se relaciona com 1:10,11 e abrange a viagem até o Jordão. Porém, para a cronologia do deuteronomista harmonizar-se com a de suas fontes no capítulo 2, o episódio todo dos espias tem de se encaixar em dentro de três dias (cf. 2:2,22,23). Os oficiais (cf. 1:10,11) percorreram o acampamento e ordenaram que o povo seguisse a arca do pacto (v. 2,3). A arca (cf. Deut. 10:1-5; Êx. 25:10-22; 37:1-9) era o símbolo da presença de Deus no meio de seu povo e era colocada, costumeiramente, no meio de suas fileiras. Quando era levada na frente da procissão

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de Israel, significava que Deus estava abrindo o caminho (cf. Núm. 10:33, 35,36). A arca era carregada pelos levitas sa­ cerdotes (v. 3). Esta é uma expressão ca­ racterística de D (cf. Deut. 17:9,18; 18:1, etc.) referente aos sacerdotes que eram descendentes de Levi. O deuteronomista reconhece plenos direitos sacerdotais pa­ ra todos os levitas (cf. Deut. 18:6,7) e não faz a divisão posterior de funções sacer­ dotais segundo as famílias (cf. Ez. 40:45, 46; 44:9-13; Núm. 4:1-33). No versículo 4b (4a na KJV e MT), que parece ser uma inserção posterior, instrui-se o povo para que mantenha um espaço de cerca de dois mil côvados (aproximadamente, 900 metros) entre ele mesmo e a arca. Como o símbolo da presença de Deus, a arca era sagrada, e pessoas não autorizadas e profanas não podiam se aproximar dela (cf. II Sam. 6:6,7). Da cifra aqui dada (2.000 côva­ dos) e das dimensões semelhantes dos distritos suburbanos ligados às cidades levíticas (cf. Núm. 35:5) foi que se deri­ vou a distância da jornada de um sábado (cf. At. 1:12). Josué agora ordena que o povo se san­ tifique (v. 5), i. e., que se purifique cerimonialmente, em preparação para as maravilhas (feitos extraordinários) do Se­ nhor no meio dele e na expectativa fiel delas. Sem semelhantes condições de pu­ reza ritual, era extremamente arriscado se aproximar do Deus santo (cf. Êx. 19:10-12). Por estas maravilhas que ele estava para operar, o Senhor promete auten­ ticar seu comissionamento de Josué como o sucessor de Moisés (v. 7). As declara­ ções e promessas de 1:5,17 estavam por ser realizadas. No versículo 9, Josué convoca Israel para ouvir as palavras do Senhor, com respeito às maravilhas que estava para operar (cf. os v. 11,13). Estes atos pode­ rosos os convenceriam de que o Deus vivo (cf. Deut. 5:26; Os. 1:10; Sal. 42:2; etc.)

encontrava-se no meio deles e que, como o Senhor de toda a terra (v. 11,13), tanto da natureza como da História (cf. Is. 41), ele não deixaria de desapossar os habi­ tantes de Canaã (v. 10). Diversas passagens do Antigo Testa­ mento se referem a esta área como a terra de Canaã (cf. Gên. 12:5; Núm. 33:51; Jos. 14:1). Os ocupantes da terra, porém, são costumeiramente caracterizados con­ forme os sete grupos relacionados no v. 10 (cf. 24:11). Além disso, é bastante claro, das muitas referências no Antigo Testamento, a um ou mais desses povos, que os amorreus e os cananeus constituí­ am os elementos mais numerosos da po­ pulação. Os amorreus e os cananeus são relacionados de perto lingüística e etnicamente (ambos sendo grupos semitas), e em Gênesis os dois nomes são aplicados, de maneira ambígua, aos habitantes da terra (cf. Gên. 15:16; 12:6; 50:11). Nú­ meros 13:29, porém, coloca os amorreus na região montanhosa e os cananeus ao longo da planície litorânea e no vale do Jordão. Fica claro, de referências outras, que os cananeus também ocupavam o vale do Esdraelom-Jizreel. As evidências lingüísticas e arqueoló­ gicas atuais sugerem que o povo das tri­ bos amorréias fizeram migrações em grande escala, da região oeste do Eufrates superior para a área sírio-palestínica, nos séculos finais do terceiro milênio a.C. Até cerca de 2300 a.C. tinha dado cabo da cultura urbana da Idade de Bronze primitiva. Depois de aproximadamente quatro séculos de existência seminômade, parece ter havido uma amalgamação dos homens dessas tribos e a população preexistente culturalmente mais adianta­ da. Esta amalgamação e a cultura que se desenvolveu na base dela provavelmente tiveram seu centro ao redor de Biblos, no litoral sírio, uma região conhecida nas fontes acádias como Kinahna. Durante a primeira metade do segundo milênio a.C., esta cultura se difundiu por toda a região a oeste do Jordão, fazendo dela

uma unidade cultural. A área toda foi chamada de Canaã, que ainda continuou com este nome na época da conquista, e seus habitantes eram conhecidos como cananeus.13 Durante o segundo milênio a.C., diversos outros grupos étnicos en­ traram nos domínios dos cananeus. Qua­ tro dos outros grupos populacionais em Josué 3:10 e 24:11, os heteus, heveus, perizeus e jebuseus — a julgar pelas citações a respeito deles que são acom­ panhadas de referências geográficas — parecem localizar-se na região monta­ nhosa; os girgaseus, porém, não se asso­ ciam com nenhuma região específica. Além disso, segundo as indicações lin­ güísticas, estes ,cinco grupos populacio­ nais parecem ser não-semíticos. O Antigo Testamento localizava um enclave de heveus ao redor de Gibeão, na Palestina central. Contudo, é, provavel­ mente, um erro ortográfico a colocação de horeus, que são hurritas dos textos do Oriente Próximo antigo. Os hurritas eram o elemento étnico principal de um reino chamado Mitâni, localizado na Mesopotâmia setentrional, durante os sé­ culos décimo quinto e décimo quarto a.C. Sabe-se que se encontrariam entâo espalhados por todo o Oriente Próximo. As listas em que ocorre o nome peri­ zeus sugerem que o nome é étnico. Se assim é, uma carta amarna de Tushrata, rei de Mitâni (e dos hurritas), talvez proporcione uma pista para a identidade deste povo. A referência que Tushrata faz a um certo Perizé como seu mensageiro sugere a possibilidade de que o nome é hurrita (cf. R. F. Schnell, “Perizzite”, IDB, Vol. K-Q,735). Todavia, o nome pode ser uma variante apelativa de Perazi (aldeias indefensas; cf. Deut. 3:5; I Sam. 16:18) e dizer respeito às popu­ lações que viviam em aldeias abertas, em distinção das cidades muradas. Os heteus tinham um grande império na Anatólia (a Turquia asiática moder­ na) desde cerca de 1400 até 1200 a.C. 13 Ver K. M. Kenyon, Amorites and Canaanites.

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Sabe-se que seus domínios se estendiam pela Síria setentrional durante o século décimo terceiro a.C. A referência em Josué 3:10 diz respeito, provavelmente, a populações desta última região. Porém, o termo pode ser usado ambiguamente, para indicar povos não-semitas das re­ giões ao norte de Canaã. Não há nenhuma evidência segura con­ cernente à origem étnica ou localização em Canaã dos girgaseus. Contudo, al­ guns têm tentado identificá-los com os quaraquishas dos registros heteus. O clã dos jebuseus controlava Jerusa­ lém na época da conquista e até a cidade ser capturada por Davi. Em uma refe­ rência eles parecem ser incluídos entre os amorreus, pois o rei de Jerusalém é relacionado com os reis amorreus que lutaram contra Josué em Gibeão (Jos. 10:5). No entanto, as suas origens étni­ cas têm de ser consideradas como incer­ tas. O versículo 12 está fora do contexto e interrompe a continuidade da narrativa da travessia (v. 11,13); tem o seu paralelo em 4:2, no contexto natural do relato das pedras memoriais (cf. 4:2-5). O versículo 13 antecipa o versículo 16 e revela o que seria feito maravilhoso do Senhor, o estancamento da correnteza do Jordão! (2) A Corrente do Jordão £ Estancada; o Povo o Atravessa a Pé Enxuto (3:14-17)

14 Quando, pois, o povo partiu das suas tendas para atravessar o Jordão, levando os sacerdotes a arca do pacto adiante do povo, IS e quando os que levavam a arca chega­ ram ao Jordão, e os seus pés se mergulha­ ram na beira das águas (porque o Jordão transbordava todas as suas ribanceiras du­ rante todos os dias da sega), 16 as águas que vinham de cima, parando, levantaram-se num montão, mui longe, à altura de Adã, ci­ dade que está junto a Zaretã; e as que des­ ciam ao Mar da Arabá, que é o Mar Salgado, foram de todo cortadas. Então o povo pas­ sou bem em frente de Jericó. 17 Os sacerdo­ tes que levavam a arca do pacto do Senhor pararam firmes em seco no meio do Jordão, e todo o Israel foi passando a pé enxuto, até que todo o povo acabou de passar o Jordão.

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Israel levanta seu acampamento perto do vau do Jordão e parte, em ordem preestabelecida, com a arca na vanguar­ da, para atravessá-lo (v. 14). A travessia deu-se durante... os dias da sega, que, no vale do baixo Jordão, acontece em abril. Esta era também a estação quando o derretimento das neves no monte Hermom fazia com que o Jordão transbor­ dasse (v. 15). A enchente do Jordão fez o ato de Deus tanto mais espetacular. Agora, no versículo 16, chega-se ao tema dos versículos 13 e 14. No momento em que os pés dos sacerdotes que carre­ gavam a arca mergulharam na margem da correnteza transbordante, as águas acima no rio, parando, levantaram-se num montão (i. e., estancaram, como se esbarrassem numa barragem). Do local da parada para baixo, em direção ao Mar Arabá, que é o Mar Salgado (dois nomes bíblicos do Mar Morto), o Jordão esvaziou-se, e Israel atravessou (v. 16) em terra seca (v. 17). O local onde a parada ocorreu é colo­ cado mui longe, à altura de Adã, cidade que está junto a Zaretã. Adã (Adama em 19:36) situa-se em Tell ed-Damiyeh, a uns 26 quilômetros acima de Jericó e próxima à confluência do rio Jaboque com o Jordão. Zaretã não pode ser iden­ tificada com certeza, mas talvez deva ser localizada em Tell es-Sa‘idiyeh, aproxi­ madamente 19 quilômetros a norte de Adã. Aharoni (p. 31) prefere Tell Umm Hamad, aproximadamente cinco quilô­ metros e meio a nordeste de Adã. Uma distância de 19 quilômetros dificultaria a localização de Adã junto a Zaretã. Tal­ vez se possa demover as dificuldades por aceitar a sugestão de Albright e Glueck e traduzir a frase em pauta para ler: “tão longe de Adã quanto a fortaleza de Zaretã”.14 Isto significa que o lago for­ mado pelo estancamento perto de Adã se 14 Nelson Glueck, “Three Israelite Towns in the Jordan Valley: Zarethan, Succoth, Zaphon”, Bulietin of the Ame* rican Schools of Oriental Research, 90 (abril de 1943), p. 6.

estendia vale acima até a fortaleza de Zaretã. É digno de nota que o Jordão tem sido bloqueado em diversas ocasiões nas mes­ mas proximidades designadas por este versículo (3:16). Perto de Adã, o barran­ co do rio consiste em colmas altas e pre­ cipícios de calcário argiloso. Terremotos (freqüentes no vale do Jordão) e a ação minadora das águas das enchentes têm, às vezes, causado o desabamento dos precipícios e colinas de argila, de forma a criar barragens de um lado ao outro no léifo do rio. Um historiador árabe, enNuwairi, relata semelhante acontecimen­ to perto de ed-Damiyeh em dezembro de 1267, que parou o fluxo do Jordão por umas 16 horas (cf. John Garstang, p. 136,137). Um evento parecido teve lugar em 1906, e outro, mais recentemente, durante os terremotos de 1927. Nesta última ocasião, um despenhadeiro de 150 pés, abaixo do vau Damiyeh, desa­ bou, enchendo o leito do rio, e por mais de 21 horas nenhuma água desceu a Jericó. Durante esse tempo, pessoas da re­ gião atravessaram o leito do rio a pé enxuto repetidas vezes. 0 versículo 16 parece estar-se referin­ do a um evento como os que descreve­ mos acima. O reconhecimento do fenô­ meno não diminui a idéia da interven­ ção divina no relato. Que Israel conside­ rou-o um ato de Deus está fora de qual­ quer dúvida. Para Israel, Deus era o Senhor absoluto da natureza e da Histó­ ria, e utilizou as manifestações da natu­ reza — terremoto, vento, fogo e enchente — na realização de seus propósitos re­ dentores. Um axioma às vezes esquecido é que, seja o que for que Deus faça, ele o faz de alguma maneira. (3) A Travessia Memorializada (4:1-5:1)

1 Quando todo o povo acabara de passar o Jordão, falou o Senhor a Josué, dizendo: 2 Tomai dentre o povo doze homens, de cada tribo um homem; 3 e mandai-lhes, di­ zendo: Tirai daqui, do meio do Jordão, do lugar em que estiveram parados os pés dos

sacerdotes, doze pedras, levai-as convosco para a outra banda e depositai-as no lugar em que haveis de passar esta noite. 4 Cha­ mou, pois, Josué, os doze homens que esco­ lhera dos filhos de Israel, de cada tribo um homem; 5 e disse-lhes: Passai adiante da arca do Senhor vosso Deus, ao meio do Jordão, e cada um levante uma pedra sobre o ombro, segundo o número das tribos dos filhos de Israel; 6 para que isto seja por sinal entre vós; e quando vossos filhos no futuro perguntarem: Que significam estas pedras? 7 direis a eles que as águas do Jordão foram cortadas diante da arca do pacto do Senhor; quando ela passou pelo Jordão, as águas foram cortadas; e estas pedras serão para sempre por memorial aos filhos de Israel. 8 Fizeram, pois, os filhos de Israel assim como Josué tinha ordenado, e levan­ taram doze pedras do meio do Jordão como o Senhor dissera a Josué, segundo o número das tribos dos filhos de Israel; e levaramnas consigo ao lugar em que pousaram, e as depositaram ali. 9 Amontoou Josué também doze pedras no meio do Jordão, no lugar em que pararam os pés dos sacerdotes que le­ vavam a arca do pacto; e ali estão até o dia de hoje. 10 Pois os sacerdotes que leva­ vam a arca pararam no meio do Jordão, até que se cumpriu tudo quanto o Senhor m andara Josué dizer ao povo, conforme tudo o que Moisés tinha ordenado a Josué. E o povo apressou-se, e passou. 11 Assim que todo o povo acabara de passar, então passaram a arca do Senhor e os sacerdotes, à vista do povo. 12 E passaram os filhos de Rúben, e os filhos de Gade, e a meia tribo de Manassés, armados, adiante dos filhos de Israel, como Moisés lhes tinha dito; 13 uns quarenta mil homens em pé de guerra pas­ saram diante do Senhor para a batalha, às planícies de Jericó. 14 Naquele dia o Se­ nhor engrandeceu a Josué aos olhos de to­ do o Israel; e temiam-no, como haviam temido a Moisés, por todos os dias da sua vida. 15 Depois falou o Senhor a Josué, di­ zendo: 16 Dá ordem aos sacerdotes que levam a arca do testemunho, que subam do Jordão. 17 Pelo que Josué deu ordem aos sacerdotes, dizendo: Subi do Jordão. 18 E aconteceu que, quando os sacerdotes que levavam a arca do pacto do Senhor su­ biram do meio do Jordão, e as plantas dos seus pés se puseram em terra seca, as águas do Jordão voltaram ao seu lugar, e trans­ bordavam todas as suas ribanceiras, como dantes. 19 O povo, pois, subiu do Jordão no dia dez do primeiro mês, e acampou-se em Gilgal, ao oriente de Jericó. 20 E as doze pedras, que tinham tirado do Jordão, levan-

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tou-as Josué em Gilgal; 21 e falou aos filhos de Israel, dizendo: Quando no futuro vossos filhos perguntarem a seus pais: Que signifi­ cam estas pedras? 22 fareis saber a vossos filhos, dizendo: Israel passou a pé enxuto este Jordão. 23 Porque o Senhor vosso Deus fez secar as águas do Jordão diante de vós, até que passásseis, assim como fizera ao Mar Vermelho, ao qual fez secar perante nós, até que passássemos; 24 para que todos os povos da terra conheçam que a mão do Senhor é forte; a fim de que vós também temais ao Senhor vosso Deus para sempre. S: 1 Quando, pois, todos os reis dos amorreus que estavam ao oeste do Jordão, e todos os reis dos cananeus que estavam ao lado do m ar, ouviram que o Senhor tinha secado as águas do Jordão de diante dos fi­ lhos de Israel, até que passassem, derreteuse-lhes o coração, e não houve mais ânimo neles, por causa dos filhos de Israel.

A travessia completada, o Senhor ins­ truiu Josué a mandar doze homens (um representante de cada tribo) levarem doze pedras do leito do Jordão e as colo­ carem no local do acampamento da próxim% noite (v. 13). Note-se que os versí­ culos 2 e 3 são paralelos a 3:12. As doze pedras memoriais pressupunham uma confederação de doze tribos, mais tarde efetivada na colonização da terra. Nos versículos 4 e 5, as instruções de Josué aos doze indicados parecem ante­ ceder a travessia, e não segui-la. Isso tem levado à sugestão de que estes ver­ sículos se relacionam com 3:12 e façam referência, possivelmente, a pedras re­ movidas do acampamento a leste do Jor­ dão e colocadas no rio como um memo­ rial (cf. o v. 9). As pedras deveriam servir como um memorial, para se instruir gerações por vir, concernentes à intervenção do Se­ nhor no Jordão (v. 6,7; cf. os v. 21-24, que constituem um relato semelhante). Tal instrução através de memoriais da fé histórica de Israel era um costume esta­ belecido (cf. Êx. 12:26; 13:14; Deut. 6:20). Além disso, o uso de pilares ou montões de pedras para a memorização de locais de eventos significativos é bem atestado no Antigo Testamento (cf. Gên.

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28:18-22; 31:45-49; Jos. 24:26,27; I Sam. 7:12). No versículo 8, o mandamento do Se­ nhor (v. 1-3) é cumprido. As doze pedras foram carregadas para o local do novo acampamento. Sua localização ainda não se faz conhecer, porém mais adiante é identificada com Gilgal (v. 19,20). O versículo 9 faz referência a uma se­ gunda tradição de doze pedras (cf. os v. 4,5) * Este montão de pedras foi erguido para marcar o lugar onde os sacerdotes tinham-se postado no leito do Jordão. Pedras identificadas com este material eram visíveis no vau perto de Jericó na época quando a narrativa foi compilada. Os sacerdotes que carregavam a arca ficaram parados no leito do Jordão até que tudo que o Senhor mandara foi cum­ prido (v. 10). O âmago de tudo quanto o Senhor mandara Josué dizer ao povo talvez esteja contido nos versículos 5-7, mas tudo o que Moisés tinha ordenado a Josué é de referência incerta neste con­ texto. Em palavras semelhantes a 3:1-7, o au­ tor dá seqüência à narrativa da travessia (v. 10), com que agora prossegue até o seu término. Quando o povo havia aca­ bado de atravessar, os sacerdotes que carregavam a arca atravessaram perante o povo (v. 11) (nossa tradução, “à vista do povo”). Perante indica que os sacer­ dotes voltaram à sua posição anterior, na vanguarda da procissão, ou, possivel­ mente, que sua ação se fez “na presença do povo” (KJV). O deuteronomista novamente especifi­ ca a participação das três tribos transjordânicas (v. 12; cf. 1:12-18). Desemba­ raçadas, vão na dianteira, conforme ha­ via sido combinado, atravessando arma­ dos diante do povo de Israel (cf. 1:14,16). Quarenta mil (v. 13) homens armados destas três tribos é número excessiva­ mente grande para a coerência histórica. A dificuldade fica, em parte, resolvida pelo significado original da palavra

’eleph, traduzida como “mil”. No segun­ do milênio a.C., ’eleph parece ter-se refe­ rido a uma subseção de uma tribo (cf. Juí. 4:6; 5:8). Subseqüentemente, o ter­ mo se aplicava aos contingentes de sol­ dados com que a subseção tribal contri­ buía para uma força unificada.15 Esses contingentes ou unidades não eram uni­ formes quanto ao número de homens, por causa dos tamanhos diversos das tribos e de suas subseções. Porém fica claro, do Antigo Testamento e de do­ cumentos do Oriente Próximo antigo, que 40 unidades semelhantes totaliza­ riam apenas uma fração de 40.000, como aqui traduzidos. Outrossim, o próprio número 40 deve ser entendido como sen­ do de um idioma semítico e veterotestamentário convencional. As planícies de Jericó que os homens armados atravessaram (v. 13) referem-se à expansão ampla do chão da parte principal do vale do Jordão entre Jericó e a interrupção abrupta da depressão cen­ tral que desce ao leito do rio. Ao trazer a bem-sucedida travessia do Jordão à sua completação, o Senhor con­ firmou sua comissão a Josué e exaltou-o aos olhos de Israel (v. 14). Dessa forma exaltado, ele recebeu, de entao em dian­ te, o respeito que Moisés havia recebido antes dele (cf. 1:5,7; 3:7). Nos versos 15 a 17 se ordena que os sacerdote carregando a arca do testamen­ to saíssem do Jordão, depois de já o terem feito (v. 11). Este retrospecto é uma inserção posterior (“arca do teste­ munho” é característica de P), para in­ troduzir o contexto em que o rio voltou a fluir (v. 18). Quando os pés dos sacer­ dotes se levantaram (port., se puseram), i. e., se retiraram da lama do leito do rio e se puseram em terra seca, o Jordão voltou a transbordar (v. 18). O estancamento do Jordão quando a arca entrou

na água e a renovada correnteza quando a arca saiu do leito do rio sugerem que a presença do Senhor, de que a arca era um símbolo, se constituiu no agente res­ ponsável pelo milagre da travessia. A data da travessia é dada como o dia dez do primeiro mês (v. 19). Já se ob­ servou, das referências a caules de linho (colhidas na seara; cf. 2:6) e à enchente do Jordão por ocasião da colheita (3:15), que a travessia teve lugar no mês da primavera, correspondendo ao nosso março-abril. Este mês era relacionado, no sistema do calendário primitivo do Antigo Testamento, como o sétimo mês e era chamado de Abibe. Até aproximada­ mente 605 a.C., porém, o sistema neobabilônico se estabeleceu na Judéia, e, se­ gundo ele, março-abril constituíam o pri­ meiro mês e se chamavam de Nisâ.16 É este último sistema que se reflete na referência ao primeiro mês. Portanto, o versículo 19 deve ser datado posterior­ mente, como sendo em 605 a.C. O primeiro acampamento a oeste do Jordão ficava em Gilgal (v. 19). Embora se encontrasse algures ao oriente de Je­ ricó, o local não é de maneira nenhuma certo. A atenção tem-se focalizado em duas possibilidades: Kibert en-Nitleh, cerca de cinco quilômetros a nordeste do mesmo local. Referências topográficas em registros literários primitivos tendem a corroborar esta última possibilidade, mas até 1950 Kibert en-Nitleh era o local geralmente admitido. As escavações na­ quele ano, porém, não descobriram nada anterior ao quarto século a.C. Depois a atenção se voltou novamente para a área ao redor de Kibert el-Mefjir. Sondas arqueológicas ali realizadas, em 1954, revelaram que o local tinha sido ocupado já em 1200 a.C. e talvez até um pouco mais cedo. A área de Kibert el-Mefjir, portanto, parece corresponder melhor às

15 Cf. G. E. Mendenhall, “The Census Lists of Numbers 1 and 26”, Journal of Biblical Literature, LXVII (1958), 52-66.

16 Cf. Jack Finegan, Handbook of Biblical Chronology (Princeton: Princeton University Press, 1964), p. 38.

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exigências bíblicas para Gilgal, à luz das evidências atuais.17 As doze pedras (v. 20) foram levanta­ das em Gilgal. Estas são as pedras dos versículos 1-3,8. A continuidade da nar­ rativa nestas referências (1-3,8,20) suge­ re que tenham aparecido nesta ordem em sua fonte comum. Gilgal significa um círculo (de pedras). O nome derivou-se, provavelmente, de um círculo antigo de pedras erguidas ao redor de um santuário cananeu. A ex­ plicação dada em 5:9 é claramente se­ cundária. O local foi cedo transformado num santuário israelita, que preservava a memória da entrada na Terra Prometi­ da. Pelos tempos de Saul já se tinha tornado no santuário de todo o Israel (cf. I Sam. 11:15). Durante a vida do autor, ainda existiam pedras que se asso­ ciavam com as que Josué removera do Jordão. As pedras levantadas em Gilgal ti­ nham finalidades memoriais e didáticas (v. 21,22), conforme observado nos ver­ sículos 6,7. No versículo 23, a grandeza do ato de Deus em parar o Jordão é enaltecida pelo paralelo propositado de sua ação semelhante no Mar (de Juncos). Estes grandes feitos demonstrariam a to­ dos os povos da terra que somente o Senhor é poderoso (v. 24), para que “eles” (ERV) o temessem para sempre (cf. 2:9-11). As notícias da travessia do Jordão, realmente, causaram pânico e desalento entre os reis (governadores das cidades) da região a oeste do Jordão (5:1; cf. 2:9-11,24). Aqui são classificados os ha­ bitantes da terra, grosso modo, como amorreus nas montanhas e cananeus nas planícies (cf. 3:10; Núm. 13:29). Com este versículo (5:1) o deuteronomista con­ clui o episódio introdutório da ocupação de Canaã, dando destaque ao que havia constantemente enfatizado, a saber, que 17 James Muilenburg, “The Site of Ancient Gilgal”, Bulletin of the American Schools of Oriental Research, 140

(1955), 11-27.

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o Senhor estava dando a Terra a Israel e perante a sua poderosa mão ninguém pode resistir. 4. No Acampamento em Gilgal (5:2-15) Esta seção contém três tradições dis­ tintas: dois ritos religiosos e um teofania. Nos dois ritos, o da circuncisão e o da páscoa, Israel responde em obediên­ cia e dedicação à providência graciosa de Deus em trazê-lo Terra Prometida aden­ tro. Na teofania, concede-se a certeza da orientação de Deus na guerra que estava prestes a ocorrer: Em seu conjunto, es-" tes três acontecimentos preparatórios constituem um prelúdio à Conquista e caracterizam-na como pertencente à his­ tória sagrada. (1) O Rito da Circuncisão É Renovado (5:2-9) 2 Naquele tempo disse o Senhor a Josué: Faze facas de pederneira, e circuncida se­ gunda vez aos filhos de Israel. 3 Então, Josué fez facas de pederneiras, e circuncidou aos filhos de Israel em Gibeate-Haaralote. 4 Esta é a razão por que Josué os circunci­ dou: todo o povo que tinha saído do Egito, os homens, todos os homens de guerra, já ha­ viam morrido no deserto, pelo caminho, de­ pois que saíram do Egito. 5 Todos estes que saíram estavam circuncidados, mas ne­ nhum dos que nasceram no deserto, pelo caminho, depois de terem saído do Egito, havia sido circuncidado. 6 Pois quarenta anos andaram os filhos de Israel pelo deser­ to, até se acabar toda a nação, isto é, todos os homens de guerra que saíram do Egito, e isso porque não obedeceram à voz do Se­ nhor; aos quais o Senhor tinha jurado que não lhes havia de deixar ver a terra que, com juramento, prometera a seus pais nos daria, terra que mana leite e mel. 7 Mas em lugar deles levantou seus filhos; a estes Josué circuncidou, porquanto estavam incircuncisos, porque não os haviam circunci­ dado pelo caminho. 8 E depois que foram todos circuncidados, permaneceram np seu lugar no arraial, até que sararam . 9 Disse então o Senhor a Josué: Hoje resolvi de sobre vós o opróbrio do Egito; pelo que se chama aquele lugar Gilgal, até o dia de hoje.

Não se pode descortinar as origens da circuncisão, embora sua prática estives-

se largamente difundida na antigüidade. Diversos dos povos vizinhos de Israel a observavam e há evidências pictóricas de sua prática no Egito já no terceiro mi­ lênio a.C. Só se pode fazer conjeturas sobre o significado original da circunci­ são. Possivelmente, era um rito da pu­ berdade. Entre os israelitas primitivos era, pro­ vavelmente, realizada na puberdade e servia como iniciação tanto nos deveres da virilidade como nos da comunidade da aliança ou pacto (cf. Gên. 17:11). Na prática israelita posterior, o rito se reali­ zava na infância e assinalava a adoção na comunidade da aliança ou pacto. Como tal, era um pré-requisito da participação na Páscoa (Êx. 12:43-48). Embora se usassem implementos de bronze há aproximadamente 2.000 anos, Josué é instruído a preparar facas de pederneiras, para a realização do rito da circuncisão (v. 2). Este emprego de pe­ derneira era um costume estabelecido em Israel (cf. Êx. 4:25) e reflete tanto a anti­ güidade da prática como o seu conserva­ dorismo, que muitas vezes acompanhava as práticas rituais. A expressão segunda vez, com referên­ cia a esta circuncisão, não aparece na Septuaginta e talvez não constasse na fonte de narração primitiva. É, provavel­ mente, uma inserção do deuteronomista, chamando a atenção para a observação da circuncisão e da Páscoa em Gilgal, como uma repetição dos ritos que antece­ deram o Êxodo (cf. Êx. 12:43-51), assim assinalando um novo ponto de partida na história de Israel. Gilbeate-Haaralote (o monte de pre­ púcios) era, provavelmente, um lugar perto de Gilgal, onde se realizava, costumeiramente, a circuncisão nos ritos do santuário de Gilgal (v.3). Nos versículos 4-7, o deuteronomista explica o problema histórico desta cir­ cuncisão coletiva de pessoas, entre as quais se pressupõe a prática ter sido um rito já estabelecido (cf. Gên. 17:7-14;

Êx. 4:25,26; 12:43-51). Ele explica-a co­ mo resultante da morte da geração deso­ bediente que escapou do Egito (cf. Núm. 14:26-35; Deut 1:19-46) e da negligência do rito durante a peregrinação no deser­ to. Agora, como um rito da aliança ou pacto e um ato de dedicação, a circunci­ são tinha de ser observada se queriam que a aliança fosse renovada e suas pro­ messas cumpridas (cf. Gên. 17:7-14). Uma terra que mana leite e mel (v. 6) seria o resultado de chuvas abundantes (com relação ao deserto). As chuvas re­ sultariam tanto na gordura como na do­ çura; em capim para o gado (grande e pequeno), que, em conseqüência, produ­ ziria o leite; em frutas e flores, das quais viriam a doçura e o mel; em grão, uvas e azeitonas, as colheitas principais do agri­ cultor palestínico (cf. Deut. 11:8-17; Sal. 104:14,15). No versículo 9, se dá um significado secundário a Gilgal. Por um jogo de pa­ lavras, é relacionado com a expressão gallothi, ‘‘revolvi”, e aqui é entendido popularmente como significando um “revolvimento”. Gilgal, porém, embora de­ rivado da raiz galai (rolar), é uma forma que quer dizer um “círculo” de pedras (cf. 4:20). 1 A remoção de opróbrio do Egito (v. 9), no contrato da cerimônia da circuncisão, é enigmática. Os comentaristas têm, costumeiramente, interpretado o opróbrio de Israel ou como um estado de incircuncisão ou como uma condição de es­ cravidão. Porém o êxodo do Egito e a circuncisão que o antecedeu (v. 5; cf. Êx. 12:43-51) pareceriam ter removido semelhantes alegados opróbrios de uma geração anterior à cerimônia aqui re­ gistrada. Outras sugestões indicam a impureza de um país estrangeiro (cf. Os. 9:3), a zombaria dos egípcios (Êx. 32:12; Núm. 14:13-16; Deut. 9:28), e a suspensão do pacto abraâmico (cf. Gên. 17;7-14). Uma vez que a circuncisão simbolizava a admissão na comunidade da aliança ou

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pacto e se diz que sua observância, aqui, revolveu de sobre eles o opróbrio do Egi­ to, parece sugerir que o opróbrio era a situação não pactuai de uma multidão mista de um povo escravizado, que ainda não se havia tomado numa comunidade religiosa, uma situação que aqui se apre­ senta como sanada pela experiência em Gilgal. Nenhuma destas sugestões, contudo, é inteiramente satisfatória. As tradições desta seção (v. 2-9) parecem harmoniza­ das de uma maneira menos que feliz, deixando a impressão de que a associa­ ção da circuncisão em Gilgal com a remoção do opróbrio do Egito (v. 9) é um casamento surgido da conveniência, e não de uma união de afinidades naturais. No entanto, nestas tradições sobre a cir­ cuncisão, o deuteronomista conseguiu expor a obediência e a dedicação de Israel em preparação para a conquista de Canaã. (2) A Páscoa É Celebrada (5:10-12)

de maneira nenhuma, se este texto está fazendo referência à Festa de Pães Ázi­ mos relacionada no calendário religioso de Israel. Pode estar refletindo apenas um costume local, independente do san­ tuário de Gilgal. Por outro lado, se, como muitos argumentam, é a festa litúrgica dos Pães Ãzimos que está aqui sendo acoplada à Páscoa, o trecho suscita a emaranhada questão da relação destes festivais na história do culto israelita.18 Embora estes festivais tenham diversos aspectos em comum, o estudo documen­ tário dos calendários religiosos do Antigo Testamento sugere que não se uniram se­ não depois da reforma de Josias. Outrossim, muitos insistem que a colocação cro­ nológica desta Festa de Pães Ãzimos (v. 11) no dia posterior à Páscoa reflete a mão de um redator sacerdotal e sugere que a narrativa inteira é correspondente­ mente posterior. Mesmo assim, alguns in­ térpretes mantêm que por detrás das mar­ cas da redação posterior exista uma tradi­ ção antiga e autêntica, segundo a qual fo­ 10 Estando, pois, os filhos de Israel acam­ ram celebradas as Festas da Páscoa e dos pados em Gilgal, celebraram a páscoa no Pães Ãzimos nos ritos do santuário de dia catorze do mês, à tarde, nas planícies de Gilgal, na comemoração dos dois gran­ Jerlcó. 11 E, ao outro dia depois da páscoa, nesse mesmo dia, comeram, do produto da des eventos da história da salvação de terra, pães ázimos e espigas tostadas. Israel: o êxodo do Egito e a entrada na 13 E no dia depois de terem comido do pro­ Terra da Promissão. A Festa dos Pães duto da terra, cessou o maná, e os filhos de Ãzimos então memorializaria a transição Israel não o tiveram mais; porém nesse ano comeram dos produtos da terra de Ca­ do maná do deserto para os produtos de naã. Canaã (v. 12) e anunciaria a entrada na Terra precisamente como a A celebração da Páscoa à tardinha do PáscoaPrometida antecedeu o êxodo do Egito (cf. dia quatorze do mês (mês lunar) identi- Êx. 12:1-13). fica-a com um festival da lua cheia (v. 10). Como tal, sua data foi estabele­ maná (v. 12) do Antigo Testamento cida mesmo como um rito pastoril pré- (cf.OÊx. 16; Núm. 11) parece, de maneira israelita. Esta data parece, portanto, ser bastante chegada, com o maná da tamaro fator determinante numa série cronoló­ gueira do Sinai, quanto à descrição, ao gica de eventos (cf. 4:19; 5:2,3,8^10,11), sabor e ao local e época de seu apareci­ tanto antes como depois dela. mento. O maná da tamargueira é uma excreção melíflua produzida por insetos Ao outro dia depois da Páscoa, o dé­ escameados, que se alimentam da tamar­ cimo quinto dia do mês (cf. Lev. 23:5-8; Núm. 33:3), comeram, dos produtos da gueira. A evaporação rápida transforma terra, pães ázimos e espigas tostadas, e o 18 Cf. J. C. Rylaarsdam, “Passover and Festival of Unleamaná cessou (v. 11,12). Não está claro, venedBread”, IDB, K-Q, 663-68.

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pronunciamento da palavra divina. Deus aproximava, para descobrir sua vontade ao homem e para exercer sua direção na história de seu povo. Aqueles que experi­ mentaram essa consciência direta da pre­ sença divina perceberam que se depara­ 13 Ora, estando Josué perto de Jericó, vam com o seu propósito na História.20 levantou os olhos, e olhou; e eis que estava A declaração do mensageiro, venho, em pé diante dele um homem que tinha na parece necessitar de uma explicação, o mão uma espada nua. Chegou-se Josué a ele, e perguíitou-lhe: És tu por nós, ou pelos seu anúncio sendo, talvez, a finalidade da teofania. O contexto da teofania e a nossos adversários? 14 Respondeu ele: Não; mas venho agora como príncipe do exército espada desembainhada do príncipe do do Senhor. Então Josué, prostrando-se com exército do Senhor contribuem para a o rosto em terra, o adorou e perguntou-lhe: expectativa de intenções divinas concer­ Que diz meu senhor ao seu servo? 15 Então nentes à conquista de Jericó, assim como respondeu o príncipe do exército do Senhor a Josué: Tira os sapatos dos pés, porque o as que Josué recebeu antes de atravessar lugar em que estás é santo. E Josué assim o Jordão (cf. 3:7-13). fez. Ao invés disso, a narrativa parece ser Quando Josué estava perto de Jericó, interrompida, para permitir a resposta talvez numa patrulha de reconhecimen­ reverente e obediente de Josué (v. 14) e a to, preparatório para o ataque iminente, ordem do anjo para que Josué tirasse ele viu um homem, que o confrontou com seus sapatos, por causa da santidade do uma espada desembainhada. Josué o de­ local (y. 15). O pedido de Josué de ins­ safiou para se declarar como amigo ou truções (v. 14) levanta de novo a questão inimigo (v. 13). Em resposta, o mensa­ da missão do anjo que ainda não está geiro nesta aparição identificou-se como respondida. o príncipe do exército do Senhor (v. 14). Além disso, evidentemente se propõe De acordo com o conceito do deutero- que esta teofania seja um paralelo, na nomista, do Senhor como lutando por experiência de Josué, da de Moisés pe­ Israel (cf. Deut. 1:30; 31:6), a hoste de rante a sarça ardente (cf. Êx. 3:1-12). seus acólitos ou auxiliares celestiais (an­ Porém a teofania na sarça ardente e a jos) é visualizada como um exército (cf. ordem para que Moisés tirasse os sapa­ Gên. 32:1,2; II Reis 6:15-17; Sal. 103:20, tos foram apenas o prelúdio de um co­ 21). O príncipe desta hoste celestial é o missionamento (Êx. 3:6-10), uma carac­ anjo do Senhor (cf. Êx. 3:2; Núm. 22:22, terística que parece estar faltando na 23; Juí. 6:11-24), que não se distingue presente experiência de Josué. , claramente, no Antigo Testamento, do Muitos intérpretes considerai^, por­ próprio Senhor. tanto, que se perdeu o fim desta história. Semelhante experiência se chama de É possível, no entanto, que tenha sido teofania, um aparecimento ou auto-reve- apenas interrompida. Como observado lação de Deus. Entendia-se que, nela, acima, o contexto da história claramente Deus se fazia genuinamente presente, antecipa instruções divinas concernentes numa manifestação audível e visível, que à captura de Jericó. Semelhantes instru­ variava de acordo com o contexto e as ções são atribuídas ao Senhor nos versí­ circunstâncias da experiência. Estes fe­ culos 2 e 5 do capítulo seguinte. A fácil nômenos eram, todavia, acessórios ao transição do anjo do Senhor para o pró­

as gotas melífluas num sólido pegajoso, que cai dos raminhos da tamargueira e se aglomera no chão embaixo dela.19 (3) Teofania do Príncipe do Exército do Senhor (5:13-15) e

19 Cf. F. S. Bodenheimer, “The Mana of Sinai”, The Bi­ blical Archaeologist, X, (fevereiro de 1947), 2-6.

20 Cf. J. Kenneth Kuntz, The Self-Revelatíqn of God (Filadélfia: The Westminster Press, 1967), p. 17-46.

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prio Senhor não é incomum no uso do Antigo Testamento (cf. Gên. 31:11-16; Êx. 3:2-6; Juí. 6:11-18). De vez em quando, homens do passa­ do e do presente têm experimentado vividamente a presença de Deus. Tais encon­ tros se acham entre as experiências mais reais e memoráveis da vida e evocam comprometimento com causas divinas. Quer sejam chamados de teofanias, quer de visões, costumeiramente representam o alcance de Deus a pessoas que estão ponderando em fé as grandes decisões da vida. Outrossim, estas experiências se vêem através dos olhos da alma e são vestidas dos conceitos e imagens de sua época e circunstâncias (cf. Moisés pe­ rante a sarça ardente, Josué nas planícies de Jericó, Isaías no templo, Paulo na estrada para Damasco e o homem mo­ derno em seu lugar de culto ou dirigindo um carro ou viajando de avião). Normal­ mente, não há espectadores, mas, se houver, reconhecem somente que a per­ sonagem central no evento está tendo uma experiência de que não participam. Esta passagem (v. 13-15) atribui a Josué uma experiência semelhante da presença de Deus. É um retrato impres­ sionante da revelação a Josué sobre a intervenção divina na batalha por come­ çar. Seria engano tomar este trecho tão literalmente que se esqueça que ‘“Deus é Espírito” (João 4:24) e que “ninguém jamais viu a Deus” (João 1:18), a não ser revelado em Jesus Cristo (João 14:9). Também seria um erro conceber quer uma pré-encamação, que subverteria a unicidade da encarnação, quer supor que ela representa um tipo descontinuado da atividade de Deus no passado, que não tem relevância para a experiência dos homens no presente. 5. A Queda de Jericó (6:1-27) Os capítulos 1 a 5 armam o palco para as guerras hebraicas para a ocupação de Canaã. A conquista conseqüente se apre­ senta em três fases sucessivas: (1) a to­

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mada de uma base de operações nas montanhas centrais (caps. 6-9); a cam­ panha na Canaã meridional (cap. 10); e (3) a campanha na Galiléia (cap. 11). O cume da cordilheira central de Ca­ naã fica entre 19 e 24 quilômetros a oeste da planície de Jericó e se eleva mais que um quilômetro acima dela. A subida é íngreme e muitas vezes com precipícios. Por conseguinte, é impensável a subida de grandes forças militares, a não ser por meio dos trilhos pelos vales, que têm sempre proporcionado os caminhos de acesso à região montanhosa. Se isso era óbvio para os invasores, o era duplamente para os defensores do país, que construí­ ram cidades fortificadas tanto nas cabe­ ceiras de tais passagens para os altos como perto de suas saídas para as planí­ cies. Jericó era uma fortaleza de guarda semelhante. Nesse papel, era a chave para o controle das rotas que levavam dos vaus do baixo Jordão, através da plâijície circunvizinha, até o planalto central. Era necessário, portanto, que este obstáculo fosse removido, antes de Israel poder avançar até o planalto. Duas escavações importantes no local da Jericó do Antigo Testamento têm sido realizadas desde 1930. John Garstang, o diretor da expedição de 1930-36, acredi­ tou que tinha achado as ruínas da cidade da Idade de Bronze posterior (c. 15501200 a.C.) e que ela caiu nas mãos de Josué e Israel por volta de 1400-1385 a.C. Um muro duplo de defesa, chamuscado e parcialmente desabado, cinzas e fuli­ gem, evidências de uma enorme confla­ gração, e jarras com grãos, sugestivas de uma colheita havia pouco realizada, eram todos idealizados como confirma­ ções do relato bíblico da destruição. Por um quarto de século essa descrição cir­ culou popularmente. Agora, em bases de métodos melhores de escavações e cronometragem, reconhece-se que essa identi­ ficação era errônea. Miss Kathleen Kenyon, à frente da expedição de 1952-58, achou apenas evi­

dências escassíssimas de uma cidade da época de Josué. Outrossim, já está claro que o muro duplo defensivo representa duas fases diferentes de um período de ocupação séculos ántes do tempo de Jo­ sué. Nenhum muro de cidade da época de Josué foi achado em lugar algum do local; todas as evidências semelhantes já desapareceram pela erosão. Com base na pequena quantidade de cerâmica da Ida­ de de Bronze posterior achada pelas duas expedições, a melhor estimativa que se pode agora fazer, quanto à queda da cidade, é ter ocorrido na segunda metade do décimo quarto século a.C. Mesmo esta estimativa é inconcludente e assim deixa sem explicação a relação da tradição de Jericó com uma conquista, que, diante de outros fundamentos, parece ter acon­ tecido no século seguinte (ver a Introdu­ ção). A estrutura do capitulo 6 é complexa. Ocorrem variantes e repetições com re­ ferência aos preparativos para a queda de Jericó (cf. os v. 5,10,16 e 20), a des­ truição da cidade (cf. os v. 21,24) e o resgate de Raabe (cf. os v. 22,23 e 25). Alguns atribuem estas dificuldades a acréscimos e modificações feitas numa única tradição primitiva. Outros suge­ rem uma forma secular primitiva da nar­ ração, implicando uma rodeação silen­ ciosa da cidade pelos homens armados de Israel e, por ocasião da sétima volta, um grito de guerra e o colapso dos muros. É imaginando que esta forma teria sido mais tarde coligida com uma tradição ritual, que implicava a procissão diária de sacerdotes, que carregavam a arca e tocavam buzinas, e que culminou no desmoronamento dos muros depois do sétuplo circuito. Porém a análise porme­ norizada das fontes não tem sido possí­ vel, e, o tanto e quanto se fez é ainda incapaz de convencer. De qualquer ma­ neira, seja qual for a história das tradi­ ções envolvidas, a narrativa destaca a intervenção de Deus na conquista de Canaã.

(1) O Plano de Conquista (6:1-7)

1 Ora, Jericó se conservava rigorosamen­ te fechada por causa dos filhos de Israel; ninguém saía nem entrava. 2 Então disse o Senhor a Josué: Olha, entrego na tua mão Jericó, o seu rei eos seus homens valorosos. 3 Vós, pois, todos os homens de guerra, rodeareis a cidade, contornando-a uma vez por dia; assim fareis por seis dias. 4 Sete sa­ cerdotes levarão sete trombetas de chifres de carneiros adiante da arca; e no sétimo dia rodeareis a cidade sete vezes, e os sacer­ dotes tocarão as trombetas. 5 E será que, fazendo-se sonido prolongado da trombeta, e ouvindo vós tal sonido, todo o povo dará um grande brado; então o muro da cidade cairá rente ao chão, e o povo subirá, cada qual para o lugar que lhe ficar defronte. 6 Cha­ mou, pois, Josué, filho de Num, aos sacerdo­ tes, e disse-lhes: Levai a arca do pacto, e sete sacerdotes levem as sete trombetas de chifres de carneiros, adiante da arca do Senhor. 7 E disse ao povo: Passai e rodai a cidade; e marchem os homens armados adiante da arca do Senhor.

O versículo 1 é uma espécie de parên­ tese entre a reação de Josué à teofania, no fim do capítulo anterior (5:14b, 15), e as instruções previstas do Senhor, con­ cernentes à tomada de Jericô (v. 2-5). Como tal, realça o contexto em que a mensagem de Deus havia de ser entregue e onde as maravilhas haviam de ser reali­ zadas (v. 2). Os habitantes da cidade murada de Jericô, em antecipação do ataque, já ha­ viam fechado e barrado seus portões. Jericó estava rigorosamente fechada (lit., fechada por dentro e por fora) ( y . 1), i. e., não se permitia que ninguém dela saísse ou nela entrasse. O versículo 4 apresenta um uso quá­ druplo do número sete. No mundo anti­ go, tanto em Israel como entre os seus vizinhos, o número sete significava a per­ feição e a completude. Era o número sa­ grado preferido que permeava cada as­ pecto do culto israelita.21 Este uso múl­ tiplo de sete enfatiza a natureza ritualística da marcha e sugere que o versí­ culo 4 seja uma expansão secundária, 21 Cf. IDB, R-Z, 294-95.

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refletindo, possivelmente, uma celebra­ ção do culto de Gilgal. A palavra hebraica para “trombeta” (shophar) é aqui (v. 4) equacionada com a buzina de carneiro (yobhel). Este ins­ trumento (shophar) era um chifre curvo, de carneiro, usado para tocar sinais de batalha (cf. Juí. 7:20; Jer. 4:5,19), para anunciar acontecimentos do Estado (I Reis 1:34,39) e para observâncias reli­ giosas e festivas (cf. Sal. 81:3; Lev. 25:9). Semelhantes buzinas devem ser distin­ guidas de instrumentos musicais e das trombetas metálicas retas, usadas em pares (cf. Núm. 10:1-10) ou em grande número, tocadas em uníssono (II Crôn. 5:12,13). No sétimo dia, no sétimo circuito da cidade, um sonido alto no como de car­ neiro seria o sinal para o povo gritar com um grande brado (v. 5), i. e., um grito de guerra (t*ru‘ah). Este grito visava tanto inspirar as fileiras atacantes como apa­ vorar o inimigo. Também tinha tonali­ dades religiosas e se associava com a arca, nos ritos de guerra santa (cf. I Sam. 4:5-8).22 O desabamento do muro da cidade (v. 5) seria o sinal de que era o Senhor que estava lutando por Israel e que havia entregue a cidade ao seu povo, conforme tinha prometido (cf. v. 2). Nos versículos 6 e 7, Josué transmite aos sacerdotes e ao povo as intenções do Senhor pertinentes à procissão ao redor da cidade (cf. os v. 3 e 4a.). A menção de uma guarda de homens armados que precedia a arca é um acréscimo às ins­ truções, sugerindo alguns que aqui as tradições sagrada e secular foram fundi­ das (v. 7; cf. ov.9). (2) Os Muros Desabam; a Cidade £ To­ mada e Devotada à Destruição (6:821)

dos sacerdotes que tocavam as trombetas, e a retaguarda seguia após a arca, os sacer­ dotes sempre tocando as trombetas. 10 Jo­ sué tinha dado ordem ao povo, dizendo: Não gritareis, nem fareis ouvir a vossa voz, nem sairá palavra alguma da vossa boca, até o dia em que eu vos disser; Gritai! Então gritareis. 11 Assim fizeram a arca do Senhor rodear a cidade, contomando-a uma vez; então entraram no arraial, e ali passa­ ram a noite. 12 Josué levantou-se de m adru­ gada, e os sacerdotes tomaram a arca do Senhor. 13 Os sete sacerdotes que levavam as sete trombetas de chifres de carneiros adiante da arca do Senhor iam andando, tocando as trombetas; os homens armados iam adiante deles, e a retaguarda seguia atrás da arca do Senhor, os sacerdotes sem­ pre tocando as trombetas. 14 E rodearam a cidade uma vez no segundo dia, e voltaram ao arraial. Assim fizeram por seis dias. IS No sétimo dia levantaram-se bem de m a­ drugada, e da mesma maneira rodearam a cidade sete vezes; somente naquele dia ro­ dearam-na sete vezes. 16 E quando os sa­ cerdotes pela sétima vez tocavam as trom­ betas, disse Josué ao povo: Gritai, porque o Senhor vos entregou a cidade. 17 A cidade, porégi, com tudo quanto nela houver, será anátema ao Senhor; somente a prostituta Saabe viverá, ela e todos os que com ela estiverem em casa, porquanto escondeu os mensageiros que enviamos. 18 Mas quanto a vós, guardai-vos do anátema, para que, de­ pois de o terdes feito tal, não tomeis dele coisa alguma, e não façais anátem a o ar­ raial de Israel, e o perturbeis. 10 Contudo, toda a prata e o ouro, e os vasos de bronze e de ferro, são consagrados ao Senhor; irão para o tesouro do Senhor. 20 Gritou, pois, o povo, e os sacerdotes tocaram as trombe­ tas; ouvindo o povo o sonido da trombeta, deu um grande brado, e o muro caiu rente com o chão, e o povo subiu à cidade, cada qual para o lugar que lhe ficava defronte, e tomaram a cidade. 21 E destruíram total­ mente, ao fio da espada, tudo quanto havia na cidade, homem e mulher, menino e ve­ lho, bois, ovelhas e jumentos.

Os versículos 8-11 explicam, pormeno­ rizadamente, como foram cumpridas as 8 Assim, pois, se fez como Josué dissera ordens de Josué (v. 6,7) para a marcha do ao povo: os sete sacerdotes, levando as sete .primeiro dia. Conforme aqui apresenta­ trombetas adiante do Senhor, passaram, e da, a ordem da procissão foi a seguinte: tocaram-nas; e a arca do pacto do Senhor os (1) uma vanguarda de homens armados; seguia. 0 £ os homens armados iam adiante (2) sete sacerdotes tocando sete trombe­ 22 Cf. R. de Vaux, Ancient Israel p. 254 e 259. tas de chifres de carneiro; (3) a arca da

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aliança ou pacto (carregada por sacerdo­ tes), que era o símbolo da presença do próprio Senhor; e (4) uma retaguarda, presumivelmente de homens armados co­ mo a vanguarda. O povo devia permane­ cer em silêncio, i. e., só se havia de dar o grito de guerra depois de Josué dar a ordem (cf. v. 16). Depois de uma única volta à cidade, a procissão retomou ao acampamento (em Gilgal), para passar a noite (cf. osv. 11 e 14). Os versículos 12-14 mostram que se seguiu precisamente o mesmo processo durante sete dias consecutivos. No sétimo dia (v. 15,16), a mesma procissão marchou ao redor da cidade sete vezes. Por ocasião do sétimo circui­ to, quando os sacerdotes tocaram as trombetas, Josué mandou o povo dar um grande brado, pois o Senhor estava dando-lhe a cidade, i. e., o muro caiu rente com o chão (cf. v. 20). Nos versículos 10 e 16, o sinal para o grito parece ser a ordem de Josué; porém, nos versículos 5 e 20, o sinal é um sonido de trombeta. Jericó era uma cidade pequena de uma área de uns 3 a 4 hectares. Marchar ao redor das ruínas da cidade antiga não demora mais que 15 minutos. Porém marchar ao redor de uma cidade desse tamanho, a uma distância fora do alcan­ ce de arqueiros, que se postavam sobre seus muros, implicaria um tempo, apro­ ximadamente, duas vezes o normal. Nos versículos 17-19, o compilador in­ terrompe a narrativa (retomada no v. 20), para prever a disposição da popu­ lação e propriedade da cidade, cuja que­ da estava iminente. Excetuando Raabe e sua casa, a cidade com tudo quanto nela houvesse seria anátema ao Senhor, ou seja, seria dedicado ao Senhor, para des­ truição. Esta é uma ilustração da prática do cherem, rito último e culminante da guerra santa. Era uma prática pela qual um inimigo derrotado e os espólios da vitória eram feitos invioláveis ao uso pro­ fano e dedicados, pela destruição total, à deidade que deu a vitória. O termo tam­

bém dizia respeito às coisas assim dedi­ cadas. O rito era iniciado, costumeiramente, pelo mandamento divino (cf. Deut. 7:2; 20:17; I Sam. 15:3; Jos. 8:2), mas podia resultar de um voto que visava assegurar a vitória (cf. Núm. 21:2). Teoricamente, este anátema (LXX), maldição ou tabu, como é diversamente chamado, não isentou nada. Todas as coisas vivas, homens e animais, a cidade, seu mobiliário e seu espólio eram dedi­ cados a Deus pela destruição. A lei deuteronômica especificava semelhante tra­ tamento para qualquer cidade israelita que levasse Israel à idolatria (Deut. 13: 12-18). O cherem teve de ser todo-abrangente também ná vitória de Saul sobre os amalequitas (I Sam. 15), e Saul foi rejei­ tado pelo Senhor porque não cumpriu a estrita aplicação dele. A abrangência to­ tal do rito não era, porém, sempre tão rigorosamente interpretada. Às vezes, so­ mente os habitantes de uma cidade ti­ nham de ser “dedicados ao Senhor para destruição”, e o gado e o espólio podiam ser remetidos para o uso de Israel (Deut. 2:34,35; 3:6,7; Jos. 8:2). Que o rito era praticado entre os povos vizinhos é ates­ tado pela esteia de Moabe (c. 830 a.C.). Nessa pedra, Messa, rei de Moabe (cf. II Reis 3:4), registra que capturou a ci­ dade israelita de Nebo e dedicou a popu­ lação inteira à destruição para (o deus) Astar-Quemós. A política de consagração de povos derrotados à destruição é um grande problema teológico do livro de Josué. Os esforços feitos por alguns comenta­ ristas para a justificar diante da mente moderna são apenas provas de que não é assim considerada. Além disso, foi aban­ donada por Israel, aparentemente já no tempo da monarquia, embora um con­ ceito idealizado da história de Israel co­ mo guerra santa tenha circulado até per­ to do fim do Reino do Sul. A prática do cherem deve ser entendida como um rito de povos antigos (Israel entre eles), pelo qual, dentro do contexto de sua época,

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procuravam agradar a Deus (ou aos assim dedicadas (cherem; v. 18). Do deuses). contrário, se tomassem quaisquer das Contudo, olhando-se por detrás da ins­ coisas dedicadas (cherem), fariam com tituição israelita de guerra santa, com que o acampamento de Israel se tomasse sua expressão cultural tão contrária às cherem e chamariam problemas sobre nossas sensibilidades cristãs, se vê uma ele. Conforme a Septuaginta (cf. 7:21; ideologia sagrada que evocará sua admi­ Deut. 7:25), as palavras depois de o ração. terdes feito tal (v. 18) provavelmente de­ A guerra santa era uma responsabili­ vem ser lidas “para que não os desejeis” dade pactuai do Israel antigo perante seu (de chamadh). Porém John Gray (p. 79) Senhor soberano. Ele o tinha escolhido lê: “para que não vos aproprieis”, en­ para ser um povo peculiar, caracterizado tendendo que chamad signifique “apro­ pelo seu serviço dedicado somente a ele. priar”, como sugerido pela Inscrição KaE lutou pelo povo, indo na vanguarda ratepe. A palavra “perturbação” (e o das forças de Israel e dando-lhe a vitória perturbeis) vem da raiz hebraica (‘akhar) sobre seus inimigos. com a qual o vale de Acor é popularmen­ Israel, de sua parte, servia e cultuava te associado (cf. 7:26). ao Senhor e procurava sua orientação e Determinados objetos metálicos eram ajuda antes de se apresentar para a ba­ sagrados (santos, separados) ao Senhor e talha. Esperava-se que os participantes deviam entrar no tesouro do Senhor dessa batalha rendessem uma devoção (v. 19; cf. o v. 24). A referência a vasos de exclusiva ao Senhor e que se mantives­ ferro é, provavelmente, anacrônica, pois sem cerimonialmente puros. A fé que o o ferro não era comumente usado em Senhor venceria a oposição sobrepujante Canaã, senão depois de cerca de era um elemento indispensável para a 1200 a.C. participação bem-sucedida. Os versículos 20 e 21 continuam a nar­ A natureza sacrifical da instituição rativa, que foi interrompida pelos ver­ era enfatizada pelo rito culminante do sículos 17-19. O muro de Jericó caiu cherem (maldição, anátema). Neste ato, rente com o chão (i. e., em seu lugar). os frutos da vitória eram dedicados, com A cidade foi tomada de acordo com as gratidão, a Deus, a quem se devia a prescrições dos versículos 5 e 16, sendo vitória (cf. de Vaux, Ancient Israel, observado o cherem (cf. o v. 17). A cláu­ p. 258-67). sula inicial do versículo 20 liga-se direta­ Lendo-se a ideologia acima com a mente com o fim do versículo 16. As consciência de que a guerra santa do palavras, no Texto Massiorético, “e toca­ crente é de natureza espiritual (cf. II Cor. vam as buzinas” não deixam claro se o 10:3-5; Ef. 6:10-12), talvez se ache nestes tocar foi feito pelo povo ou pelos sacer­ princípios subjacentes um guia edifican­ dotes. Porém a expressão provavelmente te. Concernente à implementação exter­ alude à ação dos sacerdotes no versículo na desta prática antiga, porém, com 16 (cf. a LXX; também KJV, onde se in­ referência à lei de retaliação (cf. Êx. tercala “os sacerdotes”). 21:23-25; Lev. 24:19,20), o Senhor já Fica perfeitamente claro, do episódio mostrou ao homem um caminho mais inteiro, que a queda dos muros é atri­ excelente, a saber, que somente a lei do buída à ação do Senhor. A mente moamor cumpre verdadeiramente o intento *dema lógica quer, contudo, saber co­ de Deus(cf. Mat. 5:38-48). mo isto foi feito. Em algumas das histó­ Visto que Jericó devia ser dedicada à rias de milagres do Antigo Testamento, a destruição (cherem; v. 17), manda-se que causa secundária é afirmada especifica­ os israelitas se abstivessem das coisas mente. Por exemplo: “ ...o Senhor fez

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retirar o mar por um forte vento orien­ tal” (Êx. 14:21) e: “Soprou, então, um vento da parte do Senhor e, do lado do mar, trouxe codomizes...” (Núm. 11: 31). No relato sobre Jericó, porém, o leitor fica sem esclarecimento, não se faz menção de nenhum fenômeno natural. Ajuda, ao se tratar de semelhantes questões, observar que, enquanto o mun­ do antigo politeísta deificava os fenôme­ nos da natureza, a fé israelita era que Deus é o Senhor soberano da natureza e da história. Ele criara os fenômenos da natureza e dispunha deles nos interesses de seus propósitos graciosos. Terremo­ tos, ventos, fogo, enchentes, tempesta­ des, etc., estavam sujeitos ao seu man­ dar. Qual foi, então, o fenômeno envol­ vido em Jericó? Esta pergunta tem oca­ sionado muita especulação. O vale do Jordão, no qual Jericó se situa, é conhecido, geograficamente, co­ mo um vale escarpado. Foi formado pelo desmoronamento de uma parte da super­ fície terrestre entre falhas paralelas na estrutura rochosa subjacente. Ê geologi­ camente instável e, portanto, uma zona sujeita a terremotos. Têm-se registrado numerosos terremotos na região e foram descobertas muitas evidências de terre­ motos em escavações em Khirbet Qumran e em Jericó, embora não, como se supõe popularmente, com relação aos muros da cidade do tempo de Josué; não se tem achado nenhum muro da cidade desse período (ver a introdução ao capí­ tulo 6). Devido à freqüência de terremo­ tos no vale escarpado do Jordão e a con­ formidade das descrições bíblicas em 3: 16 e 6:20 com as conseqüências conhe­ cidas de terremoto na região, um terre­ moto parece ter sido o instrumento mais provável do Senhor na destruição dos muros de Jericó. (3) Raabe e Sua Família São Poupadas (6:22-27)

prostituta, e tirai-a dali com tudo quanto tiver, como lhe prometestes com juramento. 23 Entraram , pois, os mancebos espias, e tiraram Raabe, seu pai, sua mãe, seus ir­ mãos, e todos quantos lhe pertenciam; e, trazendo todos o» seus parentes, os puseram fora do arraial de Israel. 24 A cidade, po­ rém, e tudo quanto havia nela queimaram a fogo; tão-somente a prata, e o ouro, e os vasos de bronze e de ferro, colocaram-nos no tesouro da casa do Senhor. 25 Assim Josué poupou a vida à prostituta Raabe, à família de seu pai, e a todos quantos lhe pertenciam; e ela ficou habitando no meio de Israel até o dia de hoje, porquanto escon­ dera os mensageiros que Josué tinha envia­ do a espiar a Jericó. 26 Também nesse tempo Josué o s-esconjurou, dizendo: Mal­ dito diante do Senhor seja o homem que se levantar e reedificar esta cidade de Jericó; com a perda do seu primogênito a fundará, e com a perda do seu filho mais novo lhe colocará as portas. 2f Assim era o Senhor com Josué; e corria a sua fama por toda a terra.

Os versículos 22-25 narram o resgate da família de Raabe, em cumprimento do juramento feito pelos espias (cf. 2:1221). Sua casa, embora construída como parte do muro da cidade (cf. 2:15), se achava, presumivelmente, numa seção que ainda permanecia de pé. Os parentes dela, junto com Raabe, foram conduzi­ dos a um lugar fora do arraial de Israel (v. 23). O acampamento de Israel tinha de ser mantido sagrado (i. e., ritualmen­ te puro), se o Senhor ia andar nele (cf. Deut. 23:10-14). Portanto, qualquer pes­ soa imunda (todos os pagãos eram assim considerados: cf. Am. 7:17; Esd. 9:11) tinha de ficar fora do acampamento, por um período de purificação, antes de ser permitida sua entrada (Núm. 31:19). Raabe foi admitida em Israel (cf. a exe­ gese de 2:1) e ela ficou habitando no meio de Israel até o dia de hoje, isto é, os seus descendentes eram conhecidos em Israel até ao tempo do escritor (cf. Mat. 1:5; Heb. 11:31; Tiago 2:25). O ouro e a prata e os diversos objetos metálicos foram depositados no tesouro 22 Então disse Josué aos dois homens que da casa do Senhor (v. 24; cf. o v. 19). tinham espiado a terra: Entrai na casa da A referência à casa do Senhor (v. 24)

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pressupõe a existência do templo e é, evi­ planalto central (cf. o comentário sobre dentemente, um acréscimo anacrônico, 6:1-5). A cabeceira do caminho de subi­ que a Septuaginta omite. da escolhido por Josué ficava a cidade Josué esconjurou (i. e., emitiu uma fortificada chamada Ai (heb., Ha‘ay, a maldição ou uma imprecação sobre) Ruína). Ai é identificada com o local de qualquer pessoa que reconstruísse Jericó el-Tell (“o montão” de ruínas), uns dois como uma cidade fortificada (cf. a ref. a quilômetros e meio a sudeste de Betei. portas ou portões, v. 26). Quanto aos (As indicações geográficas e arqueológi­ registros do Antigo Testamento, o local cas não são apropriadas a nenhum outro permaneceu em ruínas por séculos, em­ local.) Era forçoso que Israel tomasse bora a região, de maneira geral, conti­ este forte, queria estabelecer uma base nuasse a ser ocupada (cf. 18:21; II Sam. de operações na região montanhosa. Os 10:5). Relata-se que, nos dias de Acabe capítulos 7 e 8 relatam o fracasso inicial e (c. 874-853 a.C.), um certo betelita, cha­ o sucesso final dos assaltos de Israel à mado Hiel, restabeleceu e fortificou a cidade. cidade, incorrendo na perda de seus fi­ Como com Jericó, as escavações no lhos, o mais velho e o mais novo (Abirão local de Ai têm levantado problemas e Segube), enquanto o fazia. Se estas históricos difíceis. As evidências atuais mortes resultaram de causas naturais ou mostram que a cidade da Idade de Bron­ se resultaram de sacrifícios humanos pa­ ze anterior foi destruída antes ou pelo ra a ocasião não é revelado. Seja a causa século vigésimo quinto a.C., não depois. uma ou a outra, o historiador deuteronô- De então em diante o local permaneceu mico em I Reis 16:34 as atribuiu à maldi­ inabitado, com exceção de uma pequena ção emitida por Josué (cf. 6:26, LXX). povoação da Idade de Ferro dos séculos Visto que o versículo 26 (Texto Massoré- doze e onze a.C.24 De outra forma, não tico) não demonstra nenhum conheci­ parece ter havido nenhuma ocupação no mento destes eventos, parece que a mal­ décimo terceiro século em Ai. Segundo as dição antecedeu Acabe. evidências, a cidade que se relata Josué As escavações em Jericó revelaram evi­ - ter reduzido a um “montão de ruínas” dências escassas de semelhante recons­ (8:28) já era um montão arruinado por trução no nono século. Um túmulo, po­ ocasião da conquista e por mais do que rém, proporciona alguma comprovação mil anos antes dela. de ocupação durante esse período. So­ Nenhuma tentativa de resolver esta di­ mente depois do sétimo século existe ficuldade tem sido inteiramente satisfa­ comprovação suficiente para sugerir que tória. Talvez a tentativa mais geralmente Jericó mais uma vez merecesse ser cha­ aceita para conciliar as evidências bíbli­ mado de cidade.23 O episódio da con­ cas e arqueológicas em Ai tenha sido a de quista de Jericó conclui (v. 27) pela reite­ Albright. Ele sugere que a conquista de ração de que era o Senhor com Josué; e Ai reflete a conquista de Betei, cuja corria a sua fama por toda a terra, isto é, destruição, comprovada pelas escava­ os habitantes de Canaã ficaram ainda ções, ocorreu no décimo terceiro século mais desfalecidos de medo por causa dos a.C. A narrativa então migrou, nas tra­ acontecimentos em Jericó (cf. 1:5,9; 2:9- dições posteriores, até o local de uma 11,24; 3:7; 5:1). ruína próxima. Em apoio a isso, nota-se ,que Josué não menciona a conquista de 6. A Conquista de Ai (7:1-8:29) Betei, porém ela é registrada em Juizes A tomada de Jericó deu a Israel acesso F. Albright, The Biblical Period from Abraham às vias de aproximação pelos vales ao to24 Cf.Ezra,W. Harper Torchbooks New York: Harper and 23 Cf. K. M. Kenyon, op. cit., p. 274.

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Row, 1963), p. 29.

(Juí. 1:22-26; cf. Jos. 12:16). Outrossim, Betei é associada à conquista de Ai em Josué 8:17 (não, porém, na LXX). Por outro lado, o Prof. Callaway, diretor das escavações recentes em Ai (1964,1966, 1968), propôs por motivos arqueológicos,, como possível data, o décimo segundo século a.C. para a conquista do local. Semelhante data caberia logo depois da reocupação acontecida na Idade de Ferro e, se apoiada por futuras evidências ar­ queológicas, removeria o problema his­ tórico principal de Ai. Também coloca­ ria em dúvida a data, evidências e na­ tureza da conquista como costumeiramente concebidas.25 A estrutura literária da seção é com­ plexa, a narrativa pré-deuteronômica sendo, marcadamente, composta. Repe­ tições e variações ocorrem com referência à partida para Ai (8:3,10), o contexto e os números de homens envolvidos em uma emboscada (8:3,9,12) e a queima de Ai. O compilador, aparentemente, en­ treteceu dois complexos de tradições, ori­ ginalmente independentes, cada um com seus elementos etiológicos. A tradição da derrota e vitória em Ai é unida com a tradição do pecado e julgamento de Acã, em torno do tema da natureza condicio­ nal da graça de Deus para com Israel na conquista. Demonstra-se que a vitória resultaria do poder e direção do Senhor, condicionados pela obediência à lei e aliança ou pacto dele. Por outro lado, a desobediência seria um convite ao juízo e ao desastre pessoais e comunitários. (1) A Desobediência de Acã; A Derrota de Israel (7:1-5)

Oriente de Betei, e dlsse-lhes: Subi, e espiai a terra. Subiram, pois, aqueles homens, e espiaram a Ai. 3 Voltaram a Josué, e disseram-lhe: Não suba todo o povo; subam uns dois ou três mil homens, e destruam a Ai. Não fatigues ali a todo o povo, porque os habitantes são potícos. 4 Assim, subiram lá do povo cerca de três mil homens, os quais fugiram diante dos homens de Ai. 5 E os homens de Ai m ataram deles cerca de trinta e seis e, havendo-os perseguido desde a por­ ta até Sebarim, bateram-nos na descida; e o coração do povo se derreteu e se tornou como água.

O capítulo 7 começa com uma nota sombria. Um certo Acã tomou do aná­ tema (cherem; cf. a exegese de 6:17-19) de Jericó. Sua quebra (transgressão) da fé (versão inglesa: “Acã quebrou a fé”) trouxe seu resultado sobre todo o corpo unido de Israel, fazendo com que a ira do Senhor se acendesse contra todos eles (v. 1). O versículo 1 é um elo de ligação entre os eventos em Jericó (cap. 6) e os em Ai (cap. 7). Sua inserção aqui ante­ cipa a narrativa sobre Acã (cf. os v. 6-21) e prevê o motivo do revés inicial em Ai. Para Acã, a Septuaginta tem a forma variante Acar, assim como o Texto Massorético em I Crônicas 2:7, talvez confor­ me o trocadilho com a palavra ‘akhar “perturbar” (cf. os v. 25,26). Em preparação para um ataque em Ai, foram enviados espias em patrulha de reconhecimento (v. 2). Ai é descrita como estando localizada junto a Bete-Âven, ao Oriente de Betei. Como se comentou acima, o único local apropriado para a cidade é et-Tell, aproximadamente dois quilômetros e meio a sudeste de Betei (cf. a introdução aos capítulos 7,8). BeteÂven provavelmente preserva o nome an­ 1 Mas os filhos de Israel cometeram uma tigo de Ai (a Ruína), que era original­ transgressão no tocante ao anátema, pois mente Bet-’on (gr. Baithon), mas que foi Acã, filho de Carmi, filho de Zabdi, filho de chamada de Bete-’Aven (casa de iniqüi­ Zerá, da tribo de Judá, tomou do anátema; e dade), através de um jogo de palavras a ira do Setihor se acendeu contra os filhos de Israel. 2 Josué enviou de Jericó alguns (cf. Albright, “Israelite Conquest”, homens a Ai, que está junto a Bete-Áven, ao p. 17). Nesta última forma tem sido apli­ cado a Betei como um nome de desgra­ 25 J. A. Callaway, “New Evidences of the Conquest of Ai” , ça, em passagens como Oséias 4:15 (cf. Journal of Biblical Literature, LXXXVII (setembro de Amós 5:5) e 10:5. Todavia, não parece 1968), 312-20.

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aqui dizer respeito a Betei (v. 2), nem em 18:12 nem em I Samuel 13:5 ou 14:23. Uma vez que nomes de cidades antigas abandonadas eram comumente ligados a locais de reocupação na mesma vizinhan­ ça, é provável que um local perto de etTell tivesse o nome aqui chamado “BeteÃven”. Os espias trouxeram o relatório de que a cidade era pequena e insistiram que não haveria a necessidade de todo o povo (os guerreiros) se fatigar ali (v. 3). “Fati­ gar” é uma descrição apta da caminhada dura de Jericó a Ai, de uma subida de mais de mil metros, numa viagem de cerca de 26 quilômetros. Conforme a sua sugestão, foi despachada uma força de, aproximadamente, 3.000 homens para fazer o assalto a Ai (v. 4). A confiança demasiada e a autodependência resultaram em desastre. A força de Israel foi totalmente derrotada e fugiu montanha abaixo, que se tinha fatigado em subir. Foi perseguido até Sebarim, e alguns foram mortos na descida. Seba­ rim (de shabhar, despedaçar) é comu­ mente traduzido como “pedreiras”. Nes­ te contexto, porém, é provável que tanto os “despedaçamentos” (lugares quebra­ dos) como a “descida” fazem referência a uma garganta rochosa no vale a leste de Ai. Trinta e seis vítimas numa força de 3.000 homens parece uma derrota não mui devastadora (cf. o comentário sobre 4:13), a perda psicológica foi, porém, de fato, de proporções a causar pâniço (cf. v.9), pois, junto com a derrota, veio a percepção adicional de que o Senhor não havia estado com eles como antes. (2) AcSÈ Punido (7:6-26)

Israel virou as costas diante dos seus inimi­ gos? 9 Pois os cananeus e todos os morado­ res da terra o ouvirão e, cercando-nos, ex­ terminarão da terra o nosso nome; e então, que farás pelo teu grande nome? 10 Respon­ deu o Senhor a Josué: Levanta-te! por que estás assim prostrado com o rosto em terra? 11 Israel pecou; eles transgrediram o meu pacto que lhes tinha ordenado; tomaram do anátema, furtaram-no e, dissimulando, es­ conderam-no entre a sua bagagem. 12 Por isso os filhos de Israel não puderam subsis­ tir perante os seus inimigos; viraram as costas diante deles, porquanto fizeram aná­ tema. Não serei mais convosco, se não des­ truirdes o anátema do meio de vós. 13 Le­ vanta-te, santifica o povo, e dize-lhe: Santi­ ficai-vos para amanhã, pois assim diz o Senhor, o Deus de Israel; Anátema há no meio de ti, Israel; não poderás suster-te diante dos teus inimigos, enquanto não tira­ res do meio de ti o anátema. 14 Amanhã, pois, vos chegareis, segundo as vossas tri­ bos; a tribo que o Senhor tomar se chegará por famílias; a família que o Senhor tomar se chegará por casas; e a casa que o Senhor tomar se chegará homem por homem. 15 E aquele que for tomado com o anátema, será queimado no fogo, ele e tudo quanto tiver, porquanto transgrediu o pacto do Se­ nhor, e fez uma loucura em Israel. 16 Então Josué se levantou de madrugada, e fez che­ gar Israel segundo as suas tribos, e foi to­ mada por sorte a tribo de Judá; 17 fez che­ gar a tribo de Judá, e foi tomada a família dos zeraítas; fez chegar a família dos zeraítas, homem por homem, e foi tomado Zabdi; 18 fez chegar a casa de Zabdi, ho­ mem por homem, e foi tomado Acã, filho de Carmi, filho de Zabdi, filho de Zerá, da tribo de Judá. 19 Então disse Josué a Acã: Filho meu, dá, peço-te, glória ao Senhor Deus de Israel, e faze confissão perante ele. Decla­ ra-me agora o que fizeste; não mo ocultes. 20 Respondeu Acã a Josué; Verdadeiramen­ te pequei contra o Senhor Deus de Israel, e eis o que fiz: 21 Quando vi entre os despo­ jos uma boa capa babilónica, e duzentos siclos de prata, e uma cunha de ouro do peso de cinqüenta siclos, cobicei-os e tomei-os; 6 Então Josué rasgou as suas vestes, e se eis que estão escondidos na terra, no meio prostrou com o rosto em terra perante a da minha tenda, e a prata debaixo da capa. arca do Senhor até a tarde, ele e os anciãos 22 Então Josué enviou mensageiros, que de Israel; e deitaram pó sobre as suas cabe­ foram correndo à tenda; e eis que tudo ças. 7 E disse Josué: Ah, Senhor Deus! por estava escondido na sua tenda, estando a que fizeste a este povo atravessar o Jordão, prata debaixo da capa. 23 Tomaram, pois, para nos entregares nas mãos dos amor- aquelas coisas do meio da tenda, e as trou­ reus, para nos fazeres perecer? Oxalá nos xeram a Josué e a todos os filhos de Israel; tivéssemos contentado em morarmos além e as puseram perante o Senhor. 24 Então Jo­ do Jordão.8Ah,Senhor! que direi, depois, que sué e todo o Israel com ele tomaram Acã,

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filho de Zerá, e a prata, a capa e a cunha de ouro, e seus filhos e suas filhas, e seus bois, jumentos e ovelhas, e a sua tenda, tudo quanto tinha, e levaram-nos ao vale de Acor. 25 £ disse Josué: Por que nos perturbaste? hoje o Senhor te perturbará a ti. £ todo o Israel o apedrejou; queimaram-nos no fogo, e os apedrejaram. 26 £ levantaram sobre ele um grande montão de pedras, que per­ manece até o dia de hoje. E o Senhor se apartou do ardor da sua ira. Por isso se chama aquele lugar até hoje o vaie de Acor.

Josué e os anciãos, com os ritos con­ vencionais de luto (o rasgar de roupas e o deitar pó sobre a cabeça; cf. I Sam. 4:12 e II Sam. 1:2), prostram-se em lamen­ tação e súplica perante a arca do Senhor (v. 6). Na oração de angústia de Josué, perante o Senhor, concernente à derrota, ele expressa o medo de que o Senhor tivesse abandonado Israel (v. 7,8). Além disso, temia que os habitantes da terra (sobre amorreus, cananeus, etc., cf. o comentário sobre 3:10), que haviam des­ falecido pelo pavor do Senhor (cf. 2:9-11, 24; 5:1), experimentassem um reavivamento de coragem e se unissem para conseguir o aniquilamento de Israel (ex­ terminarão da terra o nosso nome). En­ tão continua em oração: que farás pelo teu grande nome? (v. 9). Pela derrota de Israel, o caráter e o poder de Deus de Israel e, por conseguinte, o seu nome seriam desonrados no pensamento do mundo contemporâneo (cf. Núm. 14:15, 16; Deut. 9:28). Os povos da terra então não saberiam que o Senhor é poderoso (cf. 4:23,24) e o Deus dos céus e da terra (cf. 2:11). A resposta do Senhor foi uma chama­ da à ação (v. 10). Israel havia pecado e, pela desobediência, tinha transgredido a aliança ou pacto do Senhor. Era culpado de sacrilégio, por tomar do anátema coi­ sas dedicadas ao Senhor (cherem; cf. 6: 17-19); implícitos em sua ação estavam tanto furto como engano (v. 11). Este era o motivo da derrota de Israel. Por terem tomado das “coisas dedicadas” (cherem), eles mesmos se tornaram em algo dedicado à destruição (cherem; co­

locado sob a maldição). Portanto, o Se­ nhor já não estaria com eles (a maldição não seria tirada de sobre a comunidade inteira), enquanto as coisas dedicadas não fossem destruídas entre eles (v. 13). Da previsão do versículo 1, o leitor já tomou conhecimento de que a culpa es­ pecífica era de Acã, por ter tomado do espólio dedicado de Jericó. É o pecado dele que, sob o conceito da personalida­ de comunitária, foi transferido a todo o Israel. No drama crescente da narrativa pré-deuteronômica, porém, isso ainda está por ser revelado. Outra vez o Senhor chama Josué à ação. Ele não devia permanecer prostra­ do na presença da derrota. Devia desco­ brir sua causa moral e eliminá-la (v. 13). O conceito de desastre, como a conse­ qüência do julgamento divino do pecado, tão freqüentemente enfatizado pelo his­ toriador deuteronômico, é aqui ante­ cipado. A parte infratora foi procurada pela cerimônia de tirar as sortes sagradas (v. 14), depois de o povo ter-se sujeitado a um período de purificação ritual (Santificai-vos, v. 13). A comunidade “chega­ rá”, i. e., viria à presença do Senhor como simbolizada pela arca (ou santuá­ rio; cf. I Sam. 10:20-24), para ser deter­ minada a tribo, família (clã), casa e homem que o Senhor tomar. Embora continue desconhecida a forma exata da cerimônia (cf. I Sam. 10:20-24; 14:3842), considerava-se a decisão como “in­ teiramente do Senhor” (cf. Prov. 16:33). O uso de sortes para discernir as deci­ sões divinas era uma prática comum no mundo do Antigo Testamento e é exem­ plificado nos tempos do Novo Testamen­ to também (cf. At. 1:26). O costume aparentemente implicava ou no lançar, ou chacoalhar, objetos marcados ao chão ou em sua retirada de um receptáculo. A queima era a penalidade prescrita para o infrator e tudo quanto tiver, tanto pessoas como posses (v. 15). Ele era cul­ pado de uma loucura, isto é, de uma

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infração propositada e infame das san­ ções morais de Israel (cf. Deut. 22:21; Juí. 19:23). De tais, a comunidade tinha de ser libertada (cf. Deut. 13:15,16). A cerimônia das sortes sagradas inerrantemente pôs a culpa em Acã, da tribo de Judá (v. 16-18). Ele então foi exortado a dar glória e louvor a Deus pela confis­ são de que o discernimento e juízo de Deus são justos (v. 19). Josué instou para que ele fosse específico sobre o que fez. Ao que Acã respondeu por confessar seu pecado contra Deus e dando a rela­ ção dos itens de espólio que tomou (v. 20,21). Entre estes itens havia uma boa capa babilónica (na versão em inglês, um belo manto de Sinar), provavelmente uma va­ riante bíblica do antigo Sumer, que será mais adiante conhecido como “Babilô­ nia” (cf. Gên. 10:10). Os siclos pelos quais as quantidades de ouro e prata foram medidas eram unidades de peso, e não moedas, o siclo comum sendo de cerca de doze gramas. A moeda cunhada só foi introduzida na região palestínica em, aproximadamente, 500 a.C. A investigação recuperou o espólio e comprovou a veracidade da confissão de Acã (v. 21-23). Os itens dedicados foram postos perante o Senhor, i. e., onde ele estava simbolicamente presente (cf. o v. 14), e assim foram-lhe restituídos (v. 23). Acã e tudo quanto tinha, tanto sua família como suas posses, foram conduzidos ao vale de Acor, onde a sen­ tença deveria ser executada (v. 24). O vale de Acor (‘emeq ‘akhor, “Vale de Perturbação”) identifica-se com uma bacia isolada, chamada “o Buqe’ah”, no canto nordeste do deserto da Judéia. Jaz imediatamente além da primeira cordi­ lheira de colinas que surge a oeste de Khirbet Qumram e segue, aproximada­ mente, paralela ao litoral do nordeste do Mar Morto.26 A repetição, por Josué, da 26 F. M. Cross e T. J. Milik, “Explorations in the Judean Buqe ‘ah”, Bulletin of the American Schools of Oriental Research, 142(abril de 1956), 5-17.

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palavra “perturbaste” (v. 25), da mesma raiz (‘akhar) que o nome Acor (perturba­ ção), é um evidente jogo de palavras (cf. v. 26). Israel todo participou da exe­ cução, que foi tanto pela queima como pelo apedrejamento (v. 25). A associação dos dois, porém, é assaz estranha. A pena da queima, como prescrita no versí­ culo 15 (cf. Gên. 38:24; Lev. 20:14; 21:9), parece que estava ligada a uma tradição de apedrejamento e foi execu­ tada em relação a Acã e tudo quanto tinha. Relata-se somente no versículo 25 que o próprio Acã foi apedrejado, e no versículo 26, que foi coberto de um mon­ tão de pedras. Alguns consideram a in­ trodução do apedrejamento como uma etiologia que se relaciona com o montão de pedras na divisa da Judéia, no vale de Acor, o que, naturalmente, tem de ser tomado como especulativo. Contudo, a história era associada com semelhante montão memorial de pedras, que era visível na época quando se escreveu a passagem (cf. até o dia de hoje, v. 26). A história é uma ilustração clássica do conceito social antigo da solidariedade comunitária. Numa semelhante socieda­ de, se tinha o grupo inteiro como respon­ sável pelo pecado de qualquer um de seus membros, cujo castigo então recaía sobre os membros mais próximos de sua famí­ lia. Este conceito foi modificado pela lei de Deuteronômio 24:16, que, embora não rejeite o princípio da culpa comuni­ tária, introduz, no entanto, a noção da responsabilidade individual (cf. II Reis 14:6; Jer. 31:29,30; Ez. 18:1-4,19,20). (3) A Destruição de Ai (8:1-29) 1 Então disse o Senhor a Josué: Não te­ mas, e não te espantes; toma contigo toda a gente de guerra, levanta-te, e sobe a Ai. Olha que te entreguei na tua mão o rei de Ai, o seu povo, a sua cidade e a sua terra. 2 Fa­ rás pois a Ai e a seu rei, como fizeste a Jericó e a seu rei; salvo que para vós toma­ reis os seus despojos, e o seu gado. Põe emboscadas à cidade, por detrás dela. 3 En­ tão Josué levantou-se, com toda a gente de guerra, para subir contra Ai; e escolheu

Josué trinta mil homens valorosos, e enviouos de noite. 4 E deu-lhes ordem, dizendo: Ponde-vos de emboscada contra a cidade, por detrás dela; não vos distancieis muito da cidade, mas estais todos vós apercebidos. 5 Mas eu e todo o pòvo que está comigo nos aproximaremos da cidade; e quando eles nos saírem ao encontro, como dantes, fugi­ remos diante deles. 6 E eles sairão atrás de nós, até que os tenhamos afastado da cida­ de, pois dirão: Fogem diante de nós como dantes. Assim fugiremos diante deles; 7 e vós saireis da emboscada, e tomareis a cidade, porque o Senhor vosso Deus vo-la entregará nas mãos. 8 Logo que tiverdes tomado a cidade, pôr-lhe-eis fogo, fazendo conforme a palavra do Senhor; olhai que volo tenho mandado. 9 Assim Josué os enviou, e eles se foram à emboscada, colocando-se entre Betei e Ai, ao ocidente de Ai; porém Josué passou aquela noite no meio do povo. 10 Levantando-se Josué de madrugada, pas­ sou o povo em revista; então subiu, com os anciãos de Israel, adiante do povo contra Ai. 11 Todos os homens armados que estavam com ele subiram e, aproximando-se pela frente da cidade, acamparam-se ao norte de Ai, havendo um vale entre eles e Ai. 12 To­ mou também cerca de cinco mil homens, e pô-los de emboscada entre Betei e Ai, ao ocidente da cidade. 13 Assim dispuseram o povo, todo o arraial ao norte da cidade, e a sua emboscada ao ocidente da cidade. Marchou Josué aquela noite até o meio do vale. 14 Quando o rei de Ai viu isto, ele e todo o seu povo se apressaram, levantando-se de madrugada, e os homens da cidade saíram ao encontro de Israel ao combate, ao lugar determinado, defronte da planície; mas ele não sabia que se achava uma emboscada contra ele atrás da cidade. 15 Josué, pois, e todo o Israel fingiram-se feridos diante deles, e fugiram pelo caminho do deserto. 16 Portanto, todo o povo que estava na cida­ de foi convocado para os perseguir; e se­ guindo eles após Josué, afastaram-se da ci­ dade. 17 Nem um só homem ficou em Ai, nem em Betei, que não saísse após Israel; assim deixaram a cidade aberta, e segui­ ram a Israel. 18 Então o Senhor disse a Josué: Estende para Ai a lança que tens na mão; porque eu ta entregarei. E Josué esten­ deu para a cidade a lança que estava na sua mão. 19 E, tendo ele estendido a mão, os que estavam de emboscada se levantaram apressadamente do seu lugar e, correndo, entraram na cidade, e a tomaram; e, apres­ sando-se, puseram fogo à cidade. 20 Nisso, olhando os homens de Ai para trás, viram a fumaça da cidade, que subia ao céu, e não

puderam fugir nem para uma parte nem para outra, porque o povo que fugia para o deserto se tornou contra eles. 21 E vendo Josué e todo o Israel que a emboscada to­ m ara a cidade, e que a fumaça da cidade subia, voltaram é feriram os homens de Ai. 2/2 Também aqueles que estavam na cidade lhes saíram ao encontro, e assim os de Ai ficaram no meio dos israelitas, estando es­ tes de uma e de outra parte; e feriram-nos, de sorte que não deixaram ficar nem esca­ par nenhum deles. 23 Mas ao rei de Ai toma­ ram vivo, e o trouxeram a Josué. 24 Quando os israelitas acabaram de m atar todos os moradores de Ai no campo, no deserto para onde os tinham seguido, e havendo todos caído ao fio da espada até serem consumi­ dos, então todo- o Israel voltou para Ai e a feriu a fio de espada. 25 Ora, todos os que caíram naquele dia, assim homens como mulheres, foram doze mil, isto é, todos os de Ai. 26 Pois Josué não retirou a mão, que estendera com a lança, até destruir total­ mente a todos os moradores de Ai. 07 Tãosomente os israelitas tomaram para si o gado e os despojos da cidade, conforme a palavra que o Senhor ordenara a Josué. 28 Queimou pois Josué a Ai, e a tomou num perpétuo montão de ruínas, como o é até o dia de hoje. 29 Ao rei de Ai enforcou num madeiro, deixando-o ali até a tarde. Ao pôrdo-sol, por ordem de Josué, tiraram do m a­ deiro o cadáver, lançaram-no à porta da cidade e levantaram sobre ele um grande montão de pedras, que permanece até o dia de hoje.

Agora que as coisas dedicadas foram destruídas e o Senhor se demoveu de sua ardente ira (7:6-26), a narrativa volta à conquista de Ai (cf. 7:2-5). Em palavras semelhantes às emitidas antes, de Jericó (cf. 6:2), e tão obviamente ausentes antes do ataque malsucedido a Ai, o Senhor dá segurança de vitória e instruções para o segundo ataque (v. 1,2). No entanto, todos os homens de guerra (em contraste com os 3.000 de 7:4) de­ viam subir a Ai (cf. o comentário sobre 7:3) e armar uma emboscada por detrás da cidade (ao ocidente; cf. os v. 9 e 12). Como no caso de Jericó, o rei de Ai, bem como a cidade toda deveriam ser dedica­ dos à destruição; mas, como na campa­ nha na Transjordânia, Israel podia ficar

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com o espólio e o gado como presa para si mesmo (cf. Deut. 2:34,35; 3:6,7). No versículo 3, Josué arma uma em­ boscada de trinta mil homens. Este nú­ mero faz forte contraste com os cinco mil homens relacionados no versículo 12. Além disso, é dissonante das necessida­ des da narrativa em relação ao contexto topográfico de Ai (cf. os v. 9,12,18 e 19). A dificuldade de números exagerados pode ser resolvida, em parte, por enten­ der-se a palavra traduzida mil (’eleph) como designando uma unidade militar de uma subseção tribal (cf. o comentário sobre 4:13). Mesmo assim, a tradição divergente do versículo 12 fica sem solu­ ção. Talvez os 30.000 diziam respeito originalmente à força de guerra toda (cf. II Sam. 6:1). Nos versículos 4-8, o destacamento da emboscada é instruído concernente à es­ tratégia da batalha, e no versículo 9, parte de noite (cf. os v. 3 e 9) para um esconderijo a oeste de Ai. Nesse ínterim, Josué permaneceu no meio do povo. Esta expressão se refere à sua presença com a força principal de homens de guerra. Po­ rém, pelo acréscimo de uma única letra hebraica, se leria “no vale”, em confor­ midade com o versículo 13. Neste caso, possivelmente, se referiria ao vale a su­ deste de Ai. O versículo 10 leva adiante a imple­ mentação do plano projetado da batalha (cf. o v. 5a), por deslocar a força princi­ pal, abertamente, para as suas posições perto de Ai. Os versículos 11-13, então, parecem constituir uma espécie de pa­ rênteses, na narrativa, parênteses estes que contêm uma tradição variante e mais pormenorizada da disposição das forças de Israel no dia anterior.27 A conclusão do versículo 13 possivelmente volta à nar­ rativa anterior, pela repetição da cláusu­ la final do versículo 9 (cf. o comentário sobre o v. 9). Isto é, porém, textualmente incerto. Altemativaménte, Bright (Inter­ preter’s Bible, II, 592) considera os ver­ 27 Cf. Peter J. Kearney, op. cit., p. 133.

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sículos 10 a 12 e 3 a 9 narrativas para­ lelas, fundidas no versículo 13. Embora a narrativa seja extremamente complexa, seus eventos principais são suficientemente claros. Na manhã da ba­ talha a força principal de Josué estava posicionada bem visivelmente do outro lado de uma garganta, ao norte de Ai, e uma emboscada, colocada na noite an­ terior, estava escondida a oeste da cida­ de. Os versículos 14 a 17 dão continui­ dade à narrativa dos versículos 10 e 11, conforme a projeção dos versículos 5b e 6, e a estratégia prossegue, conforme planejada. O rei de Ai, inconsciente da presença da emboscada e prevendo uma vitória como a anterior (cf. 7:2-5), sai apressadamente para se engajar na bata­ lha contra Israel na “descida para a Arabá” (v. 14) (versão em port., “defronte da planície”). O hebraico, para a primei­ ra parte da expressão, lê “o lugar de encontro”, o que, porém, foi emendado para se ler “a descida” (cf. 7:5). A Arabá designa a grande depressão do vale do Jordão. Fingindo-se derrotados, Josué e sua força militar principal fogem para o de­ serto vazio e inculto que desce para o vale do Jordão (v. 15). As forças de Ai, en­ ganadas pela cilada, deixam a cidade desprotegida, ao saírem precipitadamen­ te em perseguição feroz (v. 16,17). Nem um só homem ficou em Ai, nem em Betei, que não saísse após Israel (v. 17). Esta introdução repentina de Betei numa ação na qual, fora desta menção, não é envolvida e num versículo ao qual não parece pertencer, é, provavelmente, uma glosa, como ainda sugere a sua omissão da Septuaginta. Contudo, sua presença revela um reconhecimento de que a sorte da Betei vizinha estava, de alguma for­ ma, associada à conquista atribuída a Ai (cf. a introdução aos capítulos 7 e 8). Pelo mandamento do Senhor (que con­ tinuou a dirigir a batalha e a assegurar a vitória), Josué estendeu sua lança em direção a Ai (v. 18). Este ato era o sinal

preestabelecido para a emboscada, na mão de Josué, também se concebe como instrumento na efetivação da vitória de Israel, pois Josué não a retirou enquanto os habitantes da cidade não estivessem totalmente destruídos (v. 26). Talvez isso se proponha como mais um paralelo en­ tre as experiências de Josué e de Moisés (cf. Êx. 14:16,21; 17:8-14). Á fumaça da cidade incendiada tanto paralisou de medo os perseguidores como assinalou a interrupção da fuga de Israel (v. 20). A força principal de Josué voltou de sua fuga para o ataque e a emboscada avançou sobre o inimigo por detrás. As­ sim cercados entre as duas forças israeli­ tas, os homens de Ai foram totalmente destruídos (v. 21,22). Somente o rei foi capturado vivo (v. 23). Depois de haver aniquilado os homens armados de Ai no campo de batalha no deserto (cf. o v. 15), Israel regressou à cidade e chacinou o restante da popula­ ção, o número acumulado de mortos sendo registrado como 12.000 habitantes (v. 24,25; cf. o comentário sobre 4:13). Permitiu-se que Israel ficasse com o gado e o espólio, conforme prometido (cf. o v. 2). Josué então queimou Ai (v. 28) e fez dela para sempre um montão de ruínas (heb. tel; arábico, tell). O nome bíblico do local, Ha‘ay (a Ruína), é assim expli­ cado, como é o nome moderno arábico et-TelI (o Montão, i. e., de ruínas de uma cidade antiga). O versículo 29 relata que Josué ao rei de Ai enforcou num madeiro (no inglês, numa árvore) (cf. 10:26; Deut. 21:22,23). Semelhante tratamento ignominioso era dispensado a infratores considerados malditos de Deus. A remoção do corpo antes do fim do dia estava de acordo com a lei deuteronômica (Deut. 21:22,23), em oposição ao que a prática anterior, aparentemente, permitia (cf. II Sam. 21: 10). O cadáver do rei foi colocado à “entrada do portão da cidade” (LXX, “numa cova”) e coberto por um montão de pedras. Um montão de pedras visível

no tempo do escritor era explicado atra­ vés da identificação com este incidente (v. 29). Porém o montão de pedras e a sua explicação devem ser considerados suplementares à tradição sobre Ai, e não como as causas de seu surgimento. 7. A Cerimônia Pactuai em Siquém (8:30-35) 30 Então Josué edificou um altar ao Se­ nhor Deus de Israel, no monte Ebal, 31 como Moisés, servo do Senhor, ordenara aos filhos de Israel, conforme o que está escrito no livro da lei de Moisés, a saber: um altar de pedras brutas, sobre as quais não se levan­ tara ferramenta; e ofereceram sobre ele holocaustos ao Senhor, e sacrificaram ofer­ tas pacíficas. 32 Também ali, na presença dos filhos de Israel, escreveu em pedras uma cópia da lei de Moisés, a qual este escrevera. 33 E todo o Israel, tanto o estran­ geiro como o natural, com os seus anciãos, oficiais e juizes, estava de um e de outro lado da arca, perante os levitas sacerdotes que levavam a arca do pacto do Senhor; metade deles em frente do monte Gerizim, e a outra, metade em frente do monte Ebal, como Moisés, servo do Senhor, dantes orde­ nara, para que abençoassem o povo de Is­ rael. 34 Depois leu em alta voz todas as palavras da lei, a bênção e a maldição, conforme tudo o que está escrito no livro da lei. 35 Palavra nenhuma houve, de tudo o que Moisés ordenara, que Josué não lesse perante toda a congregação de Israel, e as mulheres, e os pequeninos, e os estrangeiros que andavam no meio deles.

Esta seção interrompe a continuidade da narrativa pré-deuteronômica da con­ quista, interpondo-se entre a destruição de Ai e a campanha gibeonita, que ori­ ginalmente a seguia (8:29 liga-se natural­ mente a 9:3). A seção é considerada deuteronômica, mas, justo com seu para­ lelo, ampliado no capítulo 24, se baseia numa tradição antiga de uma cerimônia pactuai em Siquém. A inserção dos ver­ sículos nesta altura parece indicar a preocupação do deuteronomista com a necessidade de ressaltar que na conjun­ tura mais primitiva (quando se tinha ganho uma base de operações na região montanhosa) Josué tomou a iniciativa de

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realizar uma cerimônia de renovação da 18; 27:3,8; 31:9-13, 24-29) e, provavel­ aliança ou pacto em Canaã, como Moi­ mente, realçou determinadas seções, tais sés tinha ordenado (cf. Deut. 11:29,30; como a de a bênção e a maldição (tra­ 27:1-26). tando das conseqüências da obediência e O local desta cerimônia foi o antigo da desobediência; cf. Deut. 27:12-26; centro cultural de Siquém, uns 32 qui­ 28:3-6, 16-19), que Josué mais tarde leu lômetros ao norte de Ai. É curioso que (v. 34), e, possivelmente, o Decálogo Israel fosse capaz de avançar pelo interior (Deut. 5:7-21). desta região montanhosa do centro-norNos versículos 33 a 35, Israel todo, te sem se deparar com a oposição que o forasteiros (residentes estrangeiros), bem confrontava em outras partes. Talvez a como os natos, com seus líderes, oficiais, região estivesse no controle de povos com e mulheres e filhos congregam-se em seus quem tinha algum parentesco, com lugares próprios, em lados opostos da quem só precisava unir-se em aliança. arca, para a cerimônia da leitura da lei O local de Siquém guarda a extremi­ (cf. Deut. 29:10,11; 31:9-13). A metade dade oriental de um vale entre duas deles estava posicionada em frente ao montanhas, uma defronte da outra, sen­ monte Gerizim e a outra metade em do estas Ebal ao norte e Gerizim ao Sul. frente ao monte Ebal (cf. Deut. 11:29; O versículo 30 indica que Josué construiu 27:12,13). Os sacerdotes levitas então um altar no monte Ebal (cf. Deut. 27: abençoaram o povo. (A expressão dantes 4,5). O texto samaritano de Deuteronô- ou inicialmente ou antes de tudo, no mio 27:4, porém, coloca o altar no seu v. 33, pertence, provavelmente, à cláusu­ monte sagrado, o monte Gerizim. Ainda, la final.) Depois, Josué leu todas as pala­ no texto hebraico de Deuteronômio 11:29 vras da lei, a bênção e a maldição, para e 27:12, Gerizim é a montanha associada todo o Israel (cf. Deut. 27:9-26). às bênçãos, e Ebal, às maldições. Geri­ zim talvez tenha sido, portanto, a leitura 8. O Tratado de Paz com os Gibeonitas (9:1-27) original no versículo 30. O altar foi construído de pedras brotas Os primeiros dois versículos deste ca­ (de acordo com o mandamento de Moisés pítulo foram inseridos pelo deuteronoem Deut. 27:5,6 e conforme as especifi­ mista para introduzir esta seção (caps. cações em Êx. 20:25), para que não fos­ 9-11) sobre as campanhas finais da con­ sem profanadas por serem cortadas com quista. Relata a coalizão dos reis de ferramentas metálicas. (O ferro não se Canaã, assim antecipando os capítulos achou em uso generalizado em Canaã 10 e 11. O restante do capítulo (v. 3-27) senão depois de aproximadamente 1200 volta à narrativa pré-deuteronômica da a.C.). Nele ofereceram... holocaustos... conquista, que foi interrompida depois e sacrificaram ofertas pacíficas, como no de 8:29. Esta narrativa explica como ritual do pacto de Êxodo 24:3-8 (cf. Israel se envolveu numa aliança proteLev. 1 e 3). tória com certas cidades gibeonitas (as­ Josué então escreveu em pedras uma sim introduzindo a coalizão dos reis cópia da lei que Moisés havia escrito amorreus; cf. cap. 10) e como os gibeoni­ (v. 32). Apesar das implicações do texto, tas vieram a ser serviçais no santuário o escrito provavelmente não era nas pe­ israelita. dras de que se construiu o altar, mas em ' A historicidade da aliança sobre a qual pedras especialmenté preparadas para se baseia esta história é sugerida pelas esse fim, como em Deuteronômio 27:2-4. reações subseqüentes das facções partici­ A cópia da lei nelas escrita dizia respeito, pantes e afetadas no capítulo 10. Uma aparentemente, a Deuteronômio (cf. 17: liga de cidades amorréias ataca Gibeão,

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por ter feito as pazes com o invasor, e Israel corre para a defesa de uma cidade cananéia, que lhe foi ordenado destruir (cf. Deut. 20:10-18). Outras evidências da historicidade da aliança são propor­ cionadas por II Samuel 21:1-6, que faz referência a um juízo sobre a casa de Saul, resultante da violação da aliança. Na forma atual da narrativa, o compi­ lador deuteronômico explica teologica­ mente que esta aliança resultou de um logro gibeonita em conjunção com um lapso israelita, em não consultar e seguir ao Senhor. Por conseguinte, a implicação era que, se o tratado não tivesse sido obtido enganosamente, os gibeonitas te­ riam sido dedicados à destruição como o Senhor exigia (Deut. 20:16,17). Contu­ do, o juramento de Israel (em nome do Senhor) para poupar Gibeão era irrevo­ gável e tinha de ser honrado; no entanto, os gibeonitas foram castigados pela redu­ ção à servidão.28 (1) A Coalizão do Oeste do lordão (9:1,2)

Jordão e, por conseguinte, designam a terra inteira. (Quanto aos povos de Canaâ, cf. o comentário sobre 3:10.) A notícia que ocasionou a coalizão (de­ pois sucedeu que, ouvindo isto... em an­ tecipação do v. 3; cf. 6:1-8:29) foi a mesma que motivou Gibeão a escolher um caminho inteiramente oposto. Se 8: 30-35 implica uma aliança com povos sob a hegemonia de Siquém (cf. a Introdu­ ção), tal medida aumentaria o medo e a ansiedade causados pela destruição de Jericó e Ai. Nas narrativas de conquista seguintes, parece que os cananeus nunca conseguiram a unidade implícita nas pa­ lavras se qjuntaram de comum acordo. No entanto, estás palavras servem para estabelecer o contexto para as coalizões que se acham nos capítulos 10 e 11. (2) Os Gibeonitas Tram am um Tratado

com Israel (9:3-15)

3 Ora, os moradores de Gibeão, ouvindo o que Josué fizera a Jericó e a Ai, 4 usaram de astúcia; foram e se fingiram embaixado­ res, tomando sacos velhos sobre os seus jumentos, e odres de vinho velhos, rotos e 1 Depois sucedeu que, ouvindo isto todos recosidos, 5 tendo nos seus pés sapatos ve­ os reis que estavam além do Jordão, na lhos e remendados, e trajando roupas ve­ região montanhosa, na baixada e em toda a lhas; e todo o pão que traziam para o cami­ costa do grande m ar, defronte do Líbano, os nho era seco e bolorento. 6 E vieram a Jo­ sué, ao arraial em Gilgal, e disseram a ele heteus, os amorreus, os cananeus, os perizeus, os heveus, e os jebuseus, 2 se ajunta­ e aos homens de Israel: Somos vindos duma ram de comum acordo para pelejar contra terra longínqua; fazei, pois, agora pacto conosco. 7 Responderam os homens de Is­ Josué e contra Israel. rael a estes heveus: Bem pode ser que habi­ Os reis das cidades de Canaã, alarma­ teis no meio de nós; como pois faremos dos pelos sucessos de Israel, formaram pacto convosco? 8 Então eles disseram a Nós somos teus servos. Ao que lhes uma coalizão, para combater o inimigo Josué: Josué: Quem sois vós? e donde comum. Os reis são diferenciados por perguntou vindes? 9 Responderam-lhe: Teus servos referência às áreas de sua procedência. vieram duma terra mui distante, por causa A região montanhosa era a cordilheira do nome do Senhor teu Deus, porquanto ou­ central; a baixada (propriamente Sefelá), vimos a sua fama, e tudo o que fez no Egito, 10 e tudo o que fez aos dois reis dos amor­ a região de colinas cercada pela planície reus, estavam além do Jordão, a Siom, da Filístia e as montanhas; e a costa do rei deque Hesbom, e a Ogue, rei de Basã, que grande mar era a planície litorânea do estava em Astarote. 11 Pelo que nossos an­ Mediterrâneo para o norte, até as fron­ ciãos e todos os moradores da nossa terra falaram, dizendo: Tomai nas mãos pro­ teiras do Líbano. Estas áreas são as nos para o caminho, e ide-lhes ao encon­ regiões geográficas principais a oeste do visão tro, e dizei-lhes: Nós somos vossos servos; fazei, pois, agora pacto conosco. 12 Este nosso pão tomamo-lo quente das nossas ca­ 28 Cf. Jacob Liver, “The Literary History of Joshua IX” , sas para nossa provisão, no dia em que saíJournal of Semitic Studies, VIII (outono de 1963), 227-43.

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mos para vir ter convosco, e ei-lo aqui agora já seco e bolorento; 13 estes odres, que en­ chemos de vinho, eram novos, e ei-los aqui já rotos; e esta nossa roupa e nossos sapa­ tos já envelheceram em razão do mui longo caminho. 14 Então os homens de Israel to­ m aram da provisão deles, e não pediram conselho ao Senhor. IS Assim Josué fez paz com eles; também fez um pacto com eles, prometendo poupar-lhes a vida; e os prínci­ pes da congregação lhes prestaram jura­ mento.

O versículo 3 continua a narrativa que se interrompeu em 8:29. Os gibeonitas, apavorados pela destruição israelita de Jericó e Ai, enganosamente se apresenta­ ram como se fossem originários de um país distante e procuraram uma aliança com Israel (v. 3-6). Gibeão é o el-Jib hodier­ no, nove quilômetros a noroeste de Jeru­ salém (treze quilômetros pela estrada). A identificação foi praticamente assegu­ rada pelas escavações de Prichard, que descobriu numerosas ocorrências do no­ me Gibeão talhado em alças de jarras nos caracteres hebraicos antigos.29 Os gi­ beonitas, por sua parte, usaram de astú­ cia (v. 4), isto é, com relação a Israel, precisamente como Israel tinha agido astutamente em seu segundo encontro com Ai. Nosso texto lê, com o Texto Massorético, se fingiram embaixadores, porém a VRP, seguindo diversas versões antigas, traduz “prepararam provisões”. A diferença entre as duas expressões depende de uma variante mínima entre duas letras hebraicas de aparência seme­ lhante. Odres eram sacos feitos princi­ palmente de peles de cabra. Por causa de sua maleabilidade se rompiam com me­ nos facilidade do que vasilhas cerâmicas e eram mais facilmente presos nas costas dos animais. Os gibeonitas apresentaram-se disfar­ çados em Gilgal (v. 6), que aqui se repre­ senta como o acampamento de Israel e 29 James Prichard, Hebrews Inscriptions and Stamps from Gibeom, Museum Monographs (Filadélfia: The University Museum, 1959), p. 17. Cf. também Gibeon Where the Sun Stood Still (Princeton: Princeton University Press, 1962), p. 24-52.

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sua base de operações para toda a cam­ panha meridional em Canaã. Os heveus, com quem os gibeonitas são identificados (v. 7), eram, possivelmente, os horeus do Antigo Testamento e os hurritas dos tex­ tos cuneiformes antigos (cf. o comentário sobre 3:10). Na Septuaginta, em Josué 9:7 e Gênesis 34:2, consta horeu, em lugar de heveu hebraico; outrossim, o texto hebraico de Gênesis 36 lê tanto heveu (36:2) como horeu (36:20) quando fazendo referência à mesma família. Conforme parece, Gibeão era a principal de um enclave de quatro cidades dtís ho­ reus (cf. v. 17), estrategicamente situada na região montanhosa central. No versí­ culo 7, as partes negociadoras são rela­ cionadas como os homens de Israel e os heveus, em lugar de Josué e os homens de Gibeão. Alguns acham que essa alterna­ tiva reflete uma tradição original anterior à sobre Josué. A alegação gibeonita-hevéia de que vieram duma terra longínqua (v. 6) e a reserva israelita bem pode ser que habi­ tais no meio de nós (v. 7) refletem a pres­ crição e proibição de Deuteronômio 7:2 (cf. Deut. 20:16-18; Ex. 23:32; 34:12), que exigiam que as sete nações residentes em Canaã fossem totalmente destruídas. As cidades não-cananéias distantes que buscassem a paz com Israel, contudo, poderiam consegui-la na base de um tratado de vassalagem (cf. Deut. 20:1015). Portanto, a afirmação gibeonita, “So­ mos teus servos” (cf. os v. 8,9 e 11) contém mais, possivelmente, do que uma expressão de cortesia costumeira. Ê, pro­ vavelmente, a submissão de Gibeão ao estado de vassalagem como uma conces­ são para o fechamento de um tratado de paz com Israel.30 Observa-se que as sú­ plicas de Gibeão pela aliança com Israel são precedidas por uma afirmação de que cumpririam as condições deuteronô30 Cf. F. C. Fensham, “The Treaty Between Israel and the Gibeonites”, Biblical Archaeologist, XXVII (setembro de 1964), 96-100.

micas (Deut. 20:10-18): “Somos vindos duma terra longínqua” (v. 6) e “Nós somos teus servos” (v. 8). Os versículos 9b e 10 são uma variante deuteronômica da confissão de Raabe em 2:10. Ê interessante, à luz de 9:3, que" a recitação dos grandes feitos do Senhor omite as vitórias em Jericó e Ai. Talvez a omissão seja coincidente com a trapaça gibeonita de virem de um país distante. Hesbom (cf. Núm. 21:21-26), a Hesban moderna, fica a uns 19 quilômetros a sudeste de Aman, a capital da atual Jordânia. Astarote (cf. Deut. 1:4), Tell ‘Ashtarah, situa-se, aproximadamente, 32 quilômetros a leste do Mar da Galiléia. Visto que a autoridade oficial em Gibeão era exercida por anciãos (v. 11), parece provável que a cidade não tinha rei (cf. também Sucote, em Juí. 8:14). Nos versículos 14 e 15, os homens de Israel (talvez, por uma ligeira emenda, “líderes”, como na LXX; cf. os v. 15b, 18a e 19) provaram das provisões gibeonitas, e, na interpretação popular, assim verificaram a verdade da história. É pro­ vável, no entanto, que esta participação diga respeito à refeição em comum, que era um dos ritos componentes na firmaçâo das alianças antigas do Oriente Pró­ ximo, como era também o juramento com que se fazia acompanhar.31 Israel entrou nesse tratado de paz presunçosa­ mente como consta e, não pediram con­ selho ao Senhor (v. 14), isto é, não buscaram a sorte sagrada, talvez, de con­ sultar Urim e Tumim (cf. I Sam. 14:41, 42 e o comentário sobre Jos. 7:14). A alternância nas ações autoritárias (v. 14,15) de losué e os príncipes (líderes) da congregação talvez se deva a uma fusão abrupta de fontes bastante primiti­ vas. Porém a caracterização de Israel como a congregação se atribui, freqüen­ temente, a um redator pós-exílico. 31 Cf. F. C. Fensham, op. cit., p. 98.

(3) Os Gibeonitas São Castigados (9:16-27) 16 Três dias depois de terem feito pacto com eles, ouviram que eram vizinhos e que moravam no meio deles. 17 Tendo partido os filhos de Israel, chegaram ao terceiro dia às cidades deles, que eram Gibeão, Cefira, Beerote e Quiriate-Jearim. 18 Mas os filhos de Israel não os m ataram, porquanto os príncipes da congregação lhes haviam pres­ tado juramento pelo Senhor, o Deus de Is­ rael; pelo que toda a congregação murmu­ rava contra os príncipes. 19 Mas os prínci­ pes disseram a toda a congregação: Nós lhes prestamos juramento pelo Senhor, o Deus de Israel, e agora não lhes podemos tocar. 20 Isso cumpriremos para com eles, poupando-lhes a vida, para que não haja ira sobre nós, por causa do juramento que lhes fizemos. 21 Disseram, pois, os príncipes: V iv a m . A s s im se to m a r a m rach ad ores de lenha e tiradores de água para toda a con­ gregação, como os príncipes lhes disseram. 22 Então Josué os chamou, e lhes disse: Por que nos enganastes, dizendo: Mui longe de vós habitamos, morando vós no meio de nós? 23 Agora, pois, sois malditos, e dentre vós nunca deixará de haver servos, racha­ dores de lenha e tiradores de água para a casa do meu Deus. 24 Respondendo a Josué, disseram: Porquanto foi anunciado aos teus servos que o Senhor teu Uuus ordenou a Moi­ sés, seu servo, que vos desse toda esta terra, e destruísse todos os seus moradores diante de vós, temíamos muito pelas nossas vidas por causa de vós, e fizemos isso. 25 E eis que agora estamos na tua mão; faze aquilo que te pareça bom e reto que se nos faça. 26 As­ sim pois ele lhes fez, e livrou-os das mãos dos filhos de Israel, de sorte que estes não os m ataram. 27 Mas, naquele dia, Josué os fez rachadores de lenha e tiradores de água para a congregação e para o altar do Se­ nhor, no lugar que ele escolhesse, como ain­ da o são.

No parágrafo com que esta seção co­ meça (v. 16-21), Josué não aparece e os líderes são os representantes únicos do povo nas decisões condizentes à aliança (cf. os v. 18-21). São eles que defendem a santidade do juramento da aliança, de­ terminam que os gibeonitas vivam e os penaliza pelo seu logro. Estes versículos representam uma fonte distinta, possivel­ mente uma tradição pré-literária, retoca­ da por um redator posterior.

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Logo depois da firmação da aliança, Israel descobriu que os gibeonitas e os seus colegas de conspiração moravam por perto (v. 16). O povo de Israel então partiu e chegou às cidades deles. A ex­ pressão três dias depois é omitida pela Septuaginta e constitui, provavelmente, uma ampliação posterior, para explicar como se descobriu o logro (cf. o v. 16). As outras três cidades envolvidas na tra­ ma de uma aliança ficavam todas dentro de um raio de oito quilômetros de Gibeão, a cidade principal dos implicados. O fato de os líderes pouparem os gi­ beonitas, apesar do logro deles e apesar do desagrado da congregação, que mur­ murava contra eles (os líderes tinham errado em não pedir conselho ao Senhor; cf. o v. 14), mostra a santidade de um juramento prestado no nome do Senhor (v. 18-21). Semelhante juramento não podia ser violado sem se expor à ira de Deus, que o abençoava, quaisquer que fossem as condições sob que fosse pres­ tado (cf. II Sam. 21:1-14). Contudo, o juramento da aliança, que poupou os gibeonitas da morte, não os excluía da penalidade pelo logro. Fize­ ram-se deles rachadores de lenha e tiradores de águas (v. 21), esta expressão ten­ do sido em sua origem, provavelmente, uma designação formalizada da condição de serviçal de uma forma geral (cf. Deut. 29:11 e o comentário sobre Jos. 9:15). Por outro lado, nos versículos 23 e 27, seu serviço é interpretado, claramente, como uma função pertencente especifi­ camente ao santuário. A cláusula final do versículo 21 impli­ ca os líderes já terem decretado a penali­ dade dos gibeonitas declarada anterior­ mente no mesmo versículo. Ê curioso que não conste nenhum semelhante decreto por parte dos líderes, antes o versículo 20 deixa de revelar as condições da pena após a expressão Isso cumpriremos para com eles, que parece ter por finalidade introduzi-la. Mais adiante, é Josué quem anuncia as condições da penalidade

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(v. 23; cf. o v. 27), ao invés dos líderes. Talvez se tenha submetido o decreto dos líderes aos interesses do papel de Josué. Depois da perícope sobre o papel dos líderes, os versículos 22 a 27 continuam a narrativa pré-deuteronômica, em que é Josué, e não os líderes, que tanto poupa os gibeonitas da morte nas mãos do povo (v. 26; cf. o v. 18) como decreta a penali­ dade que lhes seria imposta (cf. os v. 23 e 27). A tradição, que inicialmente interpre­ tou o serviço desprezível gibeonita como uma função cultural, parece tê-la rela­ cionado com o santuário em Gilgal (cf. o v. 6). Os versículos 23 e 27b, porém, são aplicações posteriores dele ao santuário em Jerusalém, como indicado pelas ex­ pressões para a casa do meu Deus (o tem­ plo) e no lugar que ele escolhesse, que é uma designação convencional de Jerusa­ lém no corpo deuteronômico (cf. Deut. 12:5,11,14,18; 26:2). O versículo 27b in­ dica que ainda se entendia os descenden­ tes dos gibeonitas como constando en­ tre os servidores do templo no dia do deuteronomista. De tais escravos estran­ geiros (cf. Esd. 2:58; 8:20; Neem. 7:4660; Núm. 31:47; Ez. 44:6-8), “dados” para o serviço do santuário, a ordem clerical pós-exílica de servidores do Tem­ plo (netinim, os que foram dados) havia, aparentemente, descendido. A confissão gibeonita (v. 24,25) é um reflexo da terminologia deuteronômica (cf. Deut. 7:1,2; 20:10-18) e ecoa, em parte, a confissão de Raabe (cf. Jos 2:911). Como os descendentes dela, os gi­ beonitas eram, conforme parece, aceitos em Israel, pois constavam entre os israe­ litas que regressaram do exílio (cf. Neem. 7:25; 3:7). 9. A Campanha Meridional de Josué • (10:1-43) O capítulo 10 compõe-se de três seções principais: (1) a derrota de cinco reis amorreus em Gibeão (10:1-15); (2) a cha­ cina de cinco reis amorreus em Maque-

da (10:16-27); e (3) a conquista de cida­ des no sul de Canaã (10:28-43). A rela­ ção original destas três seções, porém, tem ocasionado não pouco debate. A as­ sociação atual das seções sobre Gibeão e Maqueda é considerada, por alguns, co­ mo a fusão arbitrária de dois complexos de tradições originariamente indepen­ dentes, o segundo deles sendo etiológico e tendo surgido para explicar as cinco árvores perto de uma caverna entulhada de pedras em Maqueda (v. 27). Uma pista principal para a separação original destas seções se vê no versículo 15, que coloca Josué de volta no acampamento em Gilgal, depois da derrota dos amorreus (v. 1-14), enquanto o versículo 21 mostra que o acampamento estava loca­ lizado em Maqueda. Porém o fato de a Septuaginta omitir este versículo-chave e seu paralelo no versículo 43 enfraquece o apoio a essa separação. Contudo, ad­ mitindo-se a separação, a identificação dos cinco reis em 10:3,5 (cf. o v. 23) deve ser entendida como uma tentativa edito­ rial de unir as duas tradições. A terceira seção conclui o capítulo com um resumo estereotipado das vitórias de Josué sobre as cidades da Canaã meridio­ nal. A conquista do sul (v. 28-39) é vista como o resultado da coligação proposi­ tada das tradições sobre Gibeão e Ma­ queda. Convém observar que três das cidades destruídas no sul correspondem a três reis mortos na caverna em Maque­ da. Alguns sugerem, portanto, que estas três cidades constituem o âmago comum de versões variantes de uma mesma rela­ ção, enquanto outros argumentam que a versão meridional preserva a lista origi­ nal de cinco cidades. Por outro lado, ficam menos proble­ mas por resolver, se o capítulo for enten­ dido como essencialmente histórico. Ele registra a segunda fase da conquista de Josué, a conquista de Canaã meridional. Segue seqüencial e estrategicamente os eventos que a antecederam. A destruição de Jericó abriu as portas para o interior

de Canaã; a tomada de Betel-Ai asse­ gurou, para Israel, uma base de opera­ ções na região montanhosa central; e a aliança com uma liga gibeonita de cida­ des ampliou de tal forma a influência de Israel, num dos principais corredores leste-oeste de movimento através de Ca­ naã, que ameaçava cortar o país pelo meio. É perfeitamente compreensível, à luz desse perigo crescente para a sua segurança, que cinco dos principais reis de cidades amorreus se alarmassem pe­ rante o que se tinha tornado uma ameaça ao seu bem-estar comum. Não é de se admirar que tomassem ação em conjun­ to, não somente para punir Gibeão, pela sua defecção, como também para reto­ mar o controle desta cidade estratégica, tão vital à sua segurança. Dois membros da liga gibeonita de ci­ dades estavam estrategicamente situados nas cabeceiras de vales que tinham vias de acesso através de Sefelá (a região de colinas entre a planície litorânea e as montanhas de Judá) à região montanho­ sa: Gibeão, que guardava a cabeceira da via que seguia pelo vale de Aijalom, e Quiriate-Jearim, que guardava o mais setentrional dos três braços do vale de Soreque. O controle desses passos impli­ cava que não somente Israel cortasse Ca­ naã pelo meio, mas também que, por uma investida rápida para o sul, através da Sefelá, Josué pudesse isolar a região montanhosa meridional, impedindo-lhe ajuda de todas as direções (o deserto e o Mar Morto ficavam a leste e não havia nenhuma cidade poderosa no Negebe, ao sul). De fato, foi este o plano que Josué subseqüentemente seguiu. Depois de derrotar a coalização amorréia perto de Gibeão, ele os perseguiu vale de Aija­ lom abaixo, para o sul, até Azeca e Ma­ queda. Em seguida, avançou do norte para o sul, através de Sefelá, reduzindo, em seu avanço, as fortalezas fronteiriças que guardavam as vias de acesso para o planalto da Judéia. Tomou Libna, Laquis e Eglom, cidades que guardavam as

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vias de acesso à região montanhosa meri­ dional. Sefelâ agora estando seguro, ele subiu para a região montanhosa, para tomar Hebrom. Em seguida desceu de novo para sudoeste, a fim de tomar Debir, assim fechando a rota “da porta de trás” para as portas da Judéia. Por este grande movimento de cerco foi que­ brada a espinha dorsal da resistência cananéia coordenada no sul. Certamente, a campanha é esquema­ tizada e um tanto menos intensiva do que o resumo idealizado na conclusão do capítulo sugere (cf. os v. 40-42). Por exemplo, Josué 15:13-19 indica que He­ brom e Debir, relacionadas entre as ci­ dades capturadas na campanha de Josué na Judéia (10:36-39), foram tomadas mais tarde pela ação de Calebe e Otoniel, como parte do esforço da tribo de Judá para obter o controle do território que lhe era atribuído. Uma passagem para­ lela em Juizes 1:10-15 coloca estes even­ tos no contexto de um quadro ocasional da conquista, no qual cada clã ou tribo se responsabilizava por tomar seu pró­ prio território depois da morte de Josué (cf. Juí. 1). Mesmo se o resumo esquemático, do deuteronomista, dos sucessos de Josué no sul fosse evidentemente abrangente e di­ vergente de Juizes 1, isso dificilmente se­ ria motivo suficiente para se divorciar o capítulo 10 do papel de Josué e da Histó­ ria, como alguns têm feito. A coerência estratégica, geográfica e arqueológica do capítulo não parece justificar nada tão drástico (cf. G. E. Wright, Journal of Near Eastern Studies, V, 105-14). Apesar das dificuldades notadas aci­ ma, a tradição da conquista de JosuéJuízes 1 deixa a impressão global de uma campanha rápida sob o comando de Jo­ sué, que foi bem-sucedida em destruir a capacidade cananéia de resistência cooperativa. Contudo, por um longo pe­ ríodo depois, bolsões de resistência per­ maneciam, que envolviam cada tribo nu­

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ma luta prolongada pela posse do terri­ tório que lhe fora atribuído. (1) A Derrota de Cinco Reis Amorreus (10:1-15)

1 Quando Adoni-Zedeque, rei de Jerusa­ lém, ouviu que Josué tomara a Ai, e a des­ truíra totalmente (pois este fizera a Ai e ao seu rei como tinha feito a Jericó e ao seu rei), e que os moradores de Gibeão tinham feito paz com os israelitas, e estavam no meio deles, 2 temeu multo, pois Gibeão era uma cidade grande como uma das cidades reais, e era ainda maior do que Ai, e todos os seus homens eram valorosos. 3 Pelo que Adoni-Zedeque, rei de Jerusalém, enviou mensageiros a Hoão, rei de Hebrom, a Pirã, rei de Jarmute, a Jafia, rei de Laquis, e a Debir, rei de Eglom, para lhes dizer: Subi a mim, e ajudai-me; firamos a Gibeão, por­ quanto fez paz com Josué e com os filhos de Israel. 5 Então se ajuntaram, e subiram cinco reis dos amorreus, o rei de Jerusalém, o rei de Hebrom, o rei de Jarmute, o rei de Laquis, o rei de Eglom, eles e todos os seus exércitos, e sitiaram a Gibeão e pelejaram contra ela. 6 Enviaram, pois, os homens de Gibeão a Josué, ao arraial em Gilgal, a dizer-lhe: Não retires de teus servos a tua mão; sobe apressadamente a nós, e livranos, e ajuda-nos, porquanto se ajuntaram contra nós todos os reis dos amorreus, que habitam na região montanhosa. 7 Josué, pois, subiu de Gilgal com toda a gente de guerra e todos os homens valorosos. 8 E o Senhor disse a Josué: Não os temas, porque os entreguei na tua mão; nenhum deles te poderá resistir. 9 E Josué deu de repente sobre eles, tendo marchado a noite toda, subindo de Gilgal; 10 e o Senhor os pôs em desordem diante de Israel, que os desbara­ tou com grande matança em Gibeão, e os perseguiu pelo caminho que sobe a BeteHorom, ferindo-os até Azeca e Maqueda. 11 Pois, quando eles iam fugindo de diante de Israel, à descida de Bete-Horom, o Se­ nhor lançou sobre eles, do céu, grandes pe­ dras até Azeca, e eles morreram; e foram mais os que morreram das pedras da sarai­ va do que os que os filhos de Israel m ataram à espada. 12 Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor entregou os amor­ reus na mão dos filhos de Israel, e disse na presença de Israel: Sol, detém-se sobre Gi­ beão, e tu, lua, sobre o vale de Aijalom. 13 E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a

retomar esta chave para sua segurança comum (v. 3,4). Unindo-se ao rei de Je­ rusalém, nesta coalizão, havia os reis de Hebrom, Jarmute, Laquis e Eglom. Estes reis mobilizaram suas forças, subiram a Gibeão e guerrearam contra ela (v. 5). Jerusalém (fundação de [o deus] Sa- Hebrom fica na cordilheira central, uns lém) era uma das principais cidades reais 32 quilômetros ao sul de Jerusalém. As da Canaã meridional. Seu rei, no tempo outras três cidades se situam a sudoeste da conquista de Josué, era Adoni-Zede- de Jerusalém em Sefelá. Jarmute dista que (v.l). Este nome pode significar uns 26 quilômetros de Jerusalém; La­ “meu Senhor é retidão ou justiça”, quis, uns 43 quilômetros; e Eglom fica a mas, visto que se sabe que Zedeque era uns 11 quilômetros a oeste-sudoeste de um nome divino cananeu, seu significado Laquis. Assim cercados, os gibeonitas apela­ anterior era, provavelmente, “meu Se­ nhor é (o deus) Zedeque”. O mesmo ram urgentemente a Josué por socorro elemento aparece também no nome (v. 6), que os tratados antigos de vassala­ Melquizedeque (meu rei é Zedeque). A gem obrigavam o suserano a providen­ Septuaginta lê “Adoni-Beseque” nesta ciar. Em cumprimento às obrigações de passagem, em conformidade com Juizes seu tratado, Josué e as forças armadas de Israel subiram do acampamento em 1:5-7. O rei de Jerusalém agora se apavora Gilgal para auxiliar Gibeão (v. 7). O Se­ pelos sucessos de Israel (v. 1,2). Ele está nhor então assegurou a Josué que já especialmente preocupado com a defec­ tinha dado a vitória a Israel (v. 8; cf. ção de Gibeão, por causa de seu tama­ 1:3-5; 6:2; 8:1; 11:6). Tanto esta segu­ nho, posição estratégica (cf. a introdu­ rança como o pânico que o Senhor trouxe ção ao capítulo 10) e a força de sua guar­ sobre os inimigos de Israel (v. 10; cf. 2:8, nição. Em tamanho era como uma das 11,24; 5:1) foram instrumentos constan­ cidades reais (i. e., como a capital de tes do Senhor no padrão da guerra santa. uma cidade-reino). A afirmação anterior Após uma marcha de uma noite intei­ indica que Gibeão não tinha rei, uma ra, provindo de Gilgal (marcha de 32 a conclusão corroborada pelo papel decisi­ 40 quilômetros, dependendo do caminho vo dos anciãos em 9:11. seguido), Josué procedeu um ataque re­ Escavações em Gibeão encontram tão pentino contra os amorreus que se encon­ poucas evidências da cidade dos séculos travam em Gibeão (v. 9). Este elemento quatorze e treze que a alusão do autor de surpresa está, talvez, relacionado com quanto ao seu tamanho e poder talvez a hora de sua chegada, antes do amanhe­ tenha sido influenciada pela cidade da cer, que, em conseqüência, deu ocasião Idade de Ferro de sua própria época, da para a citação poética do pedido para qual a arqueologia tem fornecido evidên­ que o sol e a lua se detivessem (v. 12b), cias fartas. A declaração de que era a fim de que o alvorecer não revelasse a ainda maior do que Ai parece ser válida sua presença e o ataque de surpresa. somente depois do restabelecimento de Os amorreus apavorados foram total­ Ai na Idade de Ferro (cf. a introdução ao mente derrotados e, perseguidos por Is­ capítulo 7). rael, fugiram pelo caminho que sobe a Adoni-Zedeque, rei de Jerusalém, rea­ Bete-Horom (v. 10). (A RSV contém gindo à ameaça do recorrimento de Gi­ “fugiram subida de Bete-Horom abai­ beão a Israel, convocou uma coalizão de xo”.) O hebraico do versículo 11 contém cinco reis amorreus importantes, para “descida”. A passagem de Bete-Horom pôr-se, quase um dia inteiro. 14 E não houve dia semelhante a esse, nem antes nem de­ pois dele, atendendo o Senhor assim à voz dum homem; pois o Senhor pelejava por Israel. 15 Depois voltou Josué, e todo o Israel com ele, ao arraial em Gilgal.

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jaz na rota importante que leva de Gi­ beão, na região montanhosa central, des­ cendo pelo vale de Aijalom e Sefelá (colinas das fraldas do planalto) até a planície litorânea. As cidades de BeteHorom alta e baixa guardavam o curso da subida íngreme. A Bete-Horom alta ficava, aproximadamente, oito quilôme­ tros a noroeste de Gibeão, enquanto a cidade inferior distava mais do que três quilômetros vale abaixo. Da Bete-Horom baixa o vale volta-se para o sudoeste e logo emerge das mon­ tanhas atingindo Sefelá. A perseguição agora volta-se para o sul e segue uma depressão longitudinal de Sefelá e pros­ segue até Azeca e Maqueda. Azeca (Tellez-Zakariyek), ao lado do vale de Elá, fica cerca de cinco quilômetros a oeste de Jarmute. Maqueda ainda não foi especi­ ficamente localizada, porém o contexto requer que se encontre em Sefelá, não muito longe de Azeca e Libna (cf. v. 28). A situação infeliz dos amorreus em fuga se tomou ainda mais desesperadora por causa de uma tempestade de granizo do Senhor que se abateu sobre eles na pas­ sagem de Bete-Horom (v. 11). Aqui, mais uma vez, o soberano Senhor da natureza e da História é apresentado como lançando mão das forças da natu­ reza na realização de seus propósitos na História (cf. o comentário sobre 3:16; 6:20; ver também Juí. 5:20,21; Jó 38:22, 23). Por destacar que mais pereceram do granizo do que das armas de Israel, o compilador suplementa seu tema persis­ tente de que a vitória resultou dos atos de Deus, e não do poder das forças de Israel. Nos versículos 12 e 13, o compilador deuteronômico introduziu uma tradição literária antiga, independentemente dos eventos descritos nos versículos anterio­ res (v. 6-11), porém relacionada com eles. Esta tradição tem a forma de um excerto de poesia antiga (v. 12a-13b) do livro de Jasar (o Reto). Este livro (já inexistente) se conhece somente pela cita­

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ção dele no Antigo Testamento (Jos. 10: 12,13; II Sam. 1:17-27 e, possivelmente, I Reis 8:12,13). Pelo que parece, era uma antologia poética sobre o passado heróico de Israel. A primeira parte da citação poética (v. 12b) representa Josué como claman­ do que o sol se detivesse em Gibeão e a lua no vale de Aijalom. Na segunda metade (v. 13a), a citação indica que o pedido foi atendido e que isso se relacio­ nava de maneira clara com a salvação, da nação,32 de seus inimigos. Embora de uma outra fonte, o poema se relaciona claramente com o contexto da batalha que o antecedeu. Além disso, o cenário é colocado perto da aurora, pois o sol é posicionado no oriente, em relação a Gibeão, e a lua lhe está defronte, sobre o vale de Aijalom, a oeste. Ordena-se que, assim suspensos no comecinho do dia, o sol como também a lua se detenham. As implicações exatas destas palavras do poeta antigo têm causado perplexida­ de aos comentaristas. Se a ordem é pro­ priamente traduzida “detenha-se”, são possíveis diversas interpretações. Uma sugestão é que as palavras foram de en­ cantamento do sol e da lua para que se detivessem momentaneamente defronte, cada um do outro, no horizonte, no meio do mês, como um presságio de boa sor­ te. 33 Uma outra interpretação possível deste fenômeno seria que se convocou o sol e a lua para manterem suas posições nos horizontes, a fim de atrasarem seu cir­ cuito para a plena luz do dia. A extensão conseqüente da escuridão, ou do crepús­ culo, seguida pela neblina matutina se tomara então oportuna para o ataque de 32 W. F. Albright insiste, com base em indicações notadas inicialmente nos textos de Amama e Mari, que a raiz, neste versículo, significa, ordinariamente, “salvar’*, e apenàs raras vezes “vingar-se”. Ver seu History, Archaelogy and Christian Humanism (New York: McGraw-Hill Book Company, 1964), p. 96, nota de rodapé 28. 33 Cf. John S. Halladay, Jr. “The Day(s) the Moon Stood Still” Journal of Biblical Literature, LXXXVII (junho de 1968), 166-78.

surpresa desfechado por Josué (cf. Bright, Interpreter’s Bible). Uma sugestão comum entre os comen­ taristas é que estas palavras poéticas emitiram um pedido de mais luz, duran­ te a qual se pudesse derrotar o inimigo. Esta explicação, contudo, não condiz particularmente com o contexto do episó­ dio. A implicação clara da passagem poética é que a expressão foi emitida cedo de madrugada, como foi o ataque de surpresa de Josué (cf. o v. 9). Isto quer dizer que a luz de todo um dia já era prevista, para a tarefa por cumprir, na hora em que se emitiram estas palavras. Outrossim, a emissão de semelhantes palavras ao meio-dia tornaria sem signi­ ficado a referência à lua. Por outro lado, as necessidades tanto do contexto como do sucesso de Josué (cf. o v. 9) parecem requerer escuridão, e não luz. O verbo decisivo na passagem (dom de damam) tem o significado de ser “mundo”, “silencioso”, “quieto”, “ina­ tivo”, daí cessar a atividade ou função normal. Uma ordem poética ao sol para ficar assim inativo, num contexto de con­ flito que era decisivo para o sucesso de Israel sobre seus inimigos, com mais na­ turalidade parecia estar dizendo: “Deixe de brilhar.” 34 Semelhantemente, na ex­ pressão paralela, a lua parou o verbo parou (‘amadh) pode significar “parar” ou “cessar” de fazer algo(cf. Gên. 29:35; II Reis 4:6; Jon. 1:15), daí, como acima, “deixar de brilhar”. A extensão conseqüente do crepúsculo talvez tenha sido ocasionada pela inter­ venção do Senhor nas nuvens da tempes­ tade de granizo que estava se aproxi­ mando (v. 11; cf. Hab. 3:11) e proporcio­ nou o atraso na chegada do dia, necessá­ rio para o ataque de surpresa por Josué em Gibeão (v. 9). Nesta ocasião, como antes (cf. o comentário sobre 6:20), o auxílio do Senhor é visto na ordem de sua 34 Cf. H. H. Rowley, The Relevance of the Bible (New York: The Macmillan Company, 1944) p. 107.

criação e através dela, e não numa inver­ são da mesma. Todavia, qualquer que fosse o signifi­ cado dado pelo autor original do excerto poético de Jasar, um intérprete posterior (talvez o compilador dessas narrativas), em seu comentário em prosa sobre o poema (cf. v. 13b-14), dá-lhe o sentido de que o sol parou no meio do céu literal­ mente e atrasou seu circuito por, apro­ ximadamente, a duração de um dia. Assim concebe a intervenção miraculosa de Deus no prolongamento do dia para que se alcançasse a vitória completa. De qualquer maneira, a mão do Se­ nhor estava, certamente, presente neste evento dramático: o Senhor lutou por Israel, qualquer que tenha sido a modali­ dade de sua intervenção. O versículo 15 está deslocado, se a tradição sobre Gibeão (v. 1-11) tem sua continuação histórica na de Maqueda (v. 16-27; cf. a introdução ao capítu­ lo 10). Josué evidentemente não se reti­ rou até o acampamento em Gibeão (uma marcha de uns dois dias; cf. os v. 10,11), para então regressar, com o fim de conti­ nuar a sua perseguição aos amorreus fugitivos. A Septuaginta omite o versí­ culo. Outrossim, o versículo 21 indica que o acampamento israelita ficava em Maqueda. O versículo 43 (no fim da campanha e do capítulo) repete o ver­ sículo 15 e parece proporcionar o con­ texto correto para o regresso a Gilgal. Contudo, a Septuaginta omite este ver­ sículo também, sugerindo a possibilida­ de de nenhum dos dois ter estado no original. (2) A Matança dos Cinco Reis Amorreus (10:16-27) 16 Aqueles cinco reis, porém, fugiram e se esconderam na caverna que há em Maque­ da. 17 E isto foi anunciado a Josué nesta palavra: Acharam-se os cinco reis escondi­ dos na caverna em Maqueda. 18 Disse, pois, Josué: Arrastai grandes pedras para a boca da caverna, e junto a ela ponde homens que os guardem. 19 Vós, porém, não vos dete-

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nhais; persegui os vossos inimigos, m atan­ do os que vão ficando atrás; não os deixeis entrar nas suas cidades, porque o Senhor vosso Deus já vo-los entregou nas mãos. 20 Quando Josué e os filhos de Israel acaba­ ram de os ferir com mui grande matança, até serem eles exterminados, e os que fica­ ram deles se retiraram às cidades fortifica­ das, 21 todo o povo voltou em paz a Josué, ao arraial em Maqueda. Não havia ninguém que movesse a sua língua contra os filhos de Israel. 22 Depois disse Josué: Abri a boca da caverna, e trazei-me para fora aqueles cin­ co reis. 23 Fizeram, pois, assim, e trouxe­ ram aqueles cinco reis para fora da caver­ na: o rei de Jerusalém, o rei de Hebrom, o rei de Jarmute, o rei de Laquis, e o rei de Eglom. 24 Quando os trouxeram a Josué, este chamou todos os homens de Israel, e disse aos comandantes dos homens de guer­ ra que o haviam acompanhado: Chegai-vos, ponde os pés sobre os pescoços destes reis. E eles se chegaram e puseram os pés sobre os pescoços deles. 25 Então Josué lhes disse: Não temais, nem vos atemorizeis; esforçaivos e tende bom ânimo, porque assim fará o Senhor a todos os vossos inimigos, contra os quais haveis de pelejar. 26 Depois disto Josué os feriu, e os matou, e os pendurou em cinco madeiros, onde ficaram pendura­ dos até a tarde. 27 Ao pôr-do-sol, por ordem de Josué, tiraram-nos dos madeiros, lança­ ram-nos na caverna em que se haviam es­ condido, e puseram à boca da mesma gran­ des pedras, que ainda ali estão até o dia de hoje.

Esta seção é uma continuação da tra: dição gibeonita, com o versículo 16 re­ tomando a narrativa que foi interrompi­ da no versículo 11. Diante disso, aqueles cinco reis (v. 16; RSV, “estes cinco reis”) são os citados nos versículos 3 e 5 (cf. o v. 23). Os cinco reis são selados numa caver­ na, onde se haviam refugiado, em Ma­ queda (v. 17,18); suas forças desfalecidas são dizimadas e somente um remanes­ cente alcança suas cidades fortificadas (muradas) (v. 19,20); e as forças de Israel regressam com segurança ao seu acam­ pamento provisório em Maqueda (v. 21; a base principal ainda permanecia em Gilgal; cf. o v. 43). A resistência esta­ va quebrada; não havia ninguém que movesse (“afiasse”) a sua língua, isto é,

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emitisse uma palavra em oposição, con­ tra (qualquer um de) os filhos de Israel (v. 21; cf. Êx. 11:7). Josué ordena a retirada dos cinco reis da caverna (v. 22,23). Na presença de suas forças armadas, ele manda os chefes militares porem os pés sobre os pescoços dos reis cativos (v. 24). O pé de um vitorioso sobre o pescoço de um inimigo prostrado simbolizava a sujeição com­ pleta. Este gesto é bem exemplificado na escultura em baixo-relevo do mundo bí­ blico. Aqui serve como um sinal de enco­ rajamento, simbolizando o que o Senhor faria a todos os inimigos de Israel (v. 25; cf. Sal. 110:1). Os reis foram, então, executados. Em seguida, seus corpos foram dependura­ dos em cinco árvores até o anoitecer (v. 26). Esta exposição ainda mais deson­ rou os mortos e serviu como advertência aos inimigos de Israel. Ao pôr-do-sol, os corpos foram removidos para sepultamento (v. 27), pois a lei bíblica não per­ mitia que um cadáver pernoitasse ex­ posto (cf. Deut. 21:22,23). De acordo com isso, foram sepultados na caverna em que tinham sido capturados. Na épo­ ca do autor, uma caverna entulhada de pedras em Maqueda (e possivelmente cinco árvores por perto) foi indicada co­ mo o local desta tradição. (3) A Conquista das Cidades do Sul de Canaã (10:28-43) 28 Naquele mesmo dia Josué tomou a Maqueda, e feriu-a a fio de espada, bem como a seu rei; totalmente os destruiu com todos os que nela havia, sem deixar ali nem sequer um. Fez, pois, ao rei de Maqueda como fizera ao rei de Jericó. 29 De Maque­ da, Josué, e todo o Israel com ele, passou a Libna, e pelejou contra ela. 30 E a'esta também, e a seu rei, o Senhor entregou na mão de Israel, que a feriu a fio de espada com todos os que nela havia, sem deixar ali nem sequer um. Fez, pois, ao seu rei como fizera ao rei de Jericó. 31 De Libna, Josué, e todo o Israel com ele, passou a Laquis, e a sitiou, e pelejou contra ela. 32 O Senhor entregou também a Laquis na mão de Is­ rael, que a tomou no segundo dia, e a feriu a

fio de espada com todos os que nela havia, conforme tudo o que fizera a Libna. 33 En­ tão Horão, rei de Gezer, subiu para ajudar a Laquis; porém Josué o feriu, a ele e ao seu povo, até não lhe deixar nem sequer um. 34 De Laquis, Josué, e todo o Israel com ele, passou a Eglom, e a sitiaram, e pelejaram contra ela, 35 e no mesmo dia a tomaram, ferindo-a a fio de espada; destruiu total­ mente nesse mesmo dia todos os que nela estavam, conforme tudo o que fizera a La­ quis. 36 De Eglom, Josué, e todo o Israel com ele, subiu a Hebrom; pelejaram contra ela, 37 tomaram-na, e a feriram ao fio da espada, bem como ao seu rei, e a todas as suas cidades, com todos os que nela havia. A ninguém deixou com vida, mas, conforme tudo o que fizera a Eglom, a destruiu total­ mente, com todos os que nela havia. 38 En­ tão Josué, e todo o Israel com ele, voltou a Debir, pelejou contra ela, 89 e a tomou com o seu rei e com todas as suas cidades; feriu-as a fio de espada, e a todos os que nelas havia destruiu totalmente, não deixando nem se­ quer um. Como fizera a Hebrom, e como fize­ ra também a Libna e ao seu rei, assim fez a Debir e ao seu rei. 40 Assim feriu Josué toda aquela terra, a região montanhosa, o Negebe, a baixada, e as faldas das montanhas, e a todos os seus reis. Não deixou nem se­ quer um; mas a tudo o que tinha fôlego destruiu totalmente, como ordenara o Se­ nhor, o Deus de Israel. 41 Assim Josué os feriu desde Cades-Barnéia até Gaza, como também toda a terra de Gósen, até Gibeão. 42 E de uma só vez tomou Josué todos esses reis e a sua terra, porquanto o Senhor, o Deus de Israel, pelejava por Israel. 43 Então Josué, e todo o Israel com ele, voltou ao arraial em Gilgal.

Uma vez a coalizão amorréia destruí­ da, Josué lançou uma campanha no sul de Canaã. Primeiramente, fez uma inves­ tida através de Sefelá, tomando, em se­ qüência, as principais cidades-fortalezas que guardavam as vias de acesso ociden­ tais à região montanhosa meridional. Este preliminar, necessário a um assalto à região montanhosa de Judá, foi pos­ teriormente empregado por estrategistas militares como Senaqueribe, da Assíria, e Nabucodonozor, da Babilônia. Tendo assegurado as vias de acesso por Sefelá, Josué subiu à região montanhosa e des­ truiu Hebrom e Debir, desta forma fe­

chando as rotas para a região montanho­ sa central através das montanhas mais baixas do sul e sudoeste (ver a introdu­ ção ao capítulo 10). Além de Maqueda as cidades destruí­ das, na ordem em que foram encontra­ das, foram: em Sefelá, Libna (Tell esSafi ou, possivelmente, Tell Bomat), La­ quis (Tell ed-Duweir) e Eglom (Tell elHesi); na região montanhosa, Hebrom e Debir (Tell Beit Mirsim). O relato das diversas conquistas é apresentado de forma e fraseologia este­ reotipadas. Somente na menção de Gezer é que a fórmula difere evidentemente. Uma força de Gezer (Tell Jezer), que tinha vindo em auxílio de Laquis, foi aniquilada (v. 33); mas a própria Gezer não foi atacada (cf. 16:10; I Reis 9:16). Cada uma das demais cidades foi tomada e dedicada à destruição (colocada sob o cherem ou maldição; cf. o comentário sobre 6:17). Somente nos ataques em Libna (v. 30) e Laquis (v. 32) é que o registro declara especificamente que o Senhor as entregou nas mãos de Israel. Que se entendia, porém, que a vitória fora alcançada pela ação do Senhor se faz claro no versículo 42 (cf. o v. 30). Três das cidades destruídas, Laquis, Eglom e Hebrom, eram cidades cujos reis foram executados em Maqueda (cf. o v. 23). Talvez, em reconhecimento disso, os reis de Laquis (v. 32) e Eglom (v. 34) são omitidos desta seção. Registra-se a morte do rei de Hebrom (v. 37), porém, apesar de ele já ter perecido em Maqueda (cf. os v. 23,26 e 27). Claro, existe a possibilidade de um sucessor do rei ante­ rior, porém a omissão, na Septuaginta, da referência ao rei sugere que tenha sido acrescentada por um editor descuidado. A omissão digna de nota do rei de He­ brom, no resumo do versículo 39v, con­ tribui para a mesma conclusão. Os versículos 36 a 39 fazem referência à captura e total destruição (cf. o comen­ tário sobre 6:17) de Hebrom e Debir e suas cidades (i. e., povoações dependen­

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tes). É a conquista destas duas cidades na região montanhosa meridional que tem causado tanta dificuldade em rela­ ção à historicidade desta seção, pois ou­ tras passagens indicam sua captura, mais adiante, sob—circunstâncias bem diferentes destas (cf. 15:14-19; Juí. 1:1020; ver a introdução ao capítulo 10). Todavia, não se deve ignorar a possibili­ dade de que as ocasiões e circunstâncias divergentes de captura nestas passagens possam, realmente, indicar períodos distintos de conquista. Escavações em Debir e Laquis mostram que as cidades da Idade de Bronze posterior, nestes locais, foram destruídas perto do fim do décimo terceiro século a.C. (Laquis, tal­ vez, depois de 1200), presumivelmente, por Josué. Por outro lado, praticamente todas as cidades palestínicas escavadas do período dos juizes (séculos doze e onze a.C.) dão evidências de uma destruição ou mais, durante esta época tumultuada (cf. G. E. Wright, Journal of Near Eastern Studies, V. 113-14). A própria Debir experimentou duas fases de ocupação durante o período. É bem concebível, portanto, que a campanha ampla de Josué quebrou a força principal da resis­ tência cooperativa cananéia (como indi­ cado nos v. 28-39) nos fins do décimo terceiro século a.C. e que os clãs e tribos, cada um por si, tivessem de enfrentar a tarefa de tomar seus territórios e cidades que lhes estavam destinadas, no século seguinte (cf. Juí. 1). Os versículos 40 a 43 representam um resumo idealizado pelo deuteronomista que descreve a conquista do sul de Canaã. A área vencida é, em primeiro lu­ gar, descrita de forma abrangente, por referência às suas regiões geográficas (v. 40): a região montanhosa é a cordi­ lheira central ou o planalto de Judá; o Negebe é a estepe semi-árida ou terra do sul entre as montanhas de Judá e o de­ serto; a baixada ou Sefelá é a região de colinas entre as montanhas de Judá e a planície litorânea; e as faldas das monta­

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nhas parecem significar a descida íngre­ me oriental das montanhas de Judá para o Mar Morto. Depois, o território conquistado é deli­ mitado, grosso modo, por referências fronteiriças(v.41). Cades-Barnéia, no sul, fica na área de três nascentes, uns 120 quüônietros ao sul de Hebrom. A maior dás nascentes é Ain el-Qudeirat, mas o nome antigo é preservado na chamada Ain Qadeis. O limite ocidental era Gaza, no litoral, uns 59 quilômetros a oeste de Hebrom. Não são incluídos Gaza e o litoral, porém, como indicados por 13: 2,3. A terra de Gósen parece ser a re­ gião fronteiriça ao sul de Hebrom e De­ bir, que é transicional entre as monta­ nhas e o Negebe. A região provavelmen­ te se chamava assim em decorrência de uma cidade do mesmo nome na área. Gibeão, onde a campanha teve início, é o ponto de referência fronteiriço ao nor­ te. Como observado no começo, o resu­ mo foi idealizado, sendo demasiadamen­ te abrangente. Outras passagens ressal­ tam que houve cidades e populações cananéias que sobreviveram à campanha (cf. 15:63; 16:10; 23:7). 10. A Campanha Setentrional (11:1-15)

1 Quando Jabim, rei de Hazor, ouviu isso, enviou mensageiros a Jobabe, rei de Madom, e ao rei de Sinrom, e ao rei de Acsafe, 2 e aos reis que estavam ao norte, na re­ gião montanhosa, na Arabá ao Sul de Quinerote, na baixada, e nos planaltos de Dor ao ocidente; 3 ao cananeu do oriente e do oci­ dente, ao amorreu, ao heteu, ao perizeu, ao jebuseu na região montanhosa, e ao heveu ao pé de Hermom na terra de Mizpá. 4 Saíram pois eles, com todos os seus exércitos, muito povo, em multidão como areia que está na praia do m ar, e muitíssimos cavalos e car­ ros. 5 Todos esses reis, reunindo-se, vieram e juntos se acam param às águas de Merom, para pelejarem contra Israel. 6 Disse o Se­ nhor a Josué: Não os temas, pois amanhã a esta hora eu os entregarei todos mortos diante de Israel. Os seus cavalos jarretarás, e os seus carros queimarás a fogo. 7 Josué, pois, com toda a gente de guerra, sobreveiolhes de repente às águas de Merom, e deu sobre eles. 8 E o Senhor os entregou na mão

dos israelitas, que os feriram e os persegui­ ram até a grande Sldom, e até MisrefoteMaim, e até o vale de Mizge_a©-orlénte; e feriram-nos até não lhes deixar nem sequer um. 9 Fez-UieSJosué como o Senhor lhe dissera: os seus cavalos jarretou, e os seus carros queimou a fogo. 10 Naquele tempo Josué -voltou e tomou também a Hazor, e feriu à espada ao seu rei, porquanto Hazor dantes era a cabeça de todos estes reinos. 11 E passaram ao fio da espada a todos os que nela havia, destruindo-os totalmente; nada restou do que tinha fôlego; e a Hazor ele queimou a fogo. 12 Josué, pois, tomou todas as cidades desses reis, e a eles mes­ mos, e os passou ao fio da espada, destruin­ do-os totalmente, como ordenara Moisés, servo do Senhor. 13 Contudo, quanto às cida­ des que se achavam sobre os seus altos, a nenhuma delas queimou Israel, salvo so­ mente a Hazor; a essa Josué queimou, 14 Mas todos os despojos dessas cidades, e o gado, tomaram-nos os filhos de Israel como presa para si; porém feriram ao fio da espada todos os homens, até os destruírem; nada deixaram do que tinha fôlego de vida. 15 Gomo o Senhor ordenara a Moisés, seu servo, assim Moisés ordenou a Josué, e assim Josué o fez; não deixou de fazer coisa alguma de tudo o que o Senhor ordenara a Moisés.

A fase terceira e final da conquista, a conquista da Canaã setentrional, é aqui narrada. A estrutura da narrativa segue o mesmo padrão básico seguido pelo ca­ pítulo 10. Alarmado pelas notícias dos sucessos de Israel no sul, Jabim, de Ha­ zor, reuniu uma coalizão de reis seten­ trionais, que juntaram suas forças contra Josué. Como na campanha meridional, o Senhor assegurou a Israel a vitória; Josué fez um ataque de surpresa, o ini­ migo foi derrotado, suas cidades foram tomadas e seus habitantes massacrados. A narrativa básica deriva-se de uma com­ pilação antiga de tradições da conquista. O deuteronomista conclui o relato com uma ênfase na fidelidade de Josué aos mandamentos do Senhor, como media­ dos por Moisés. Em realçar o papel decisivo do Senhor na conquista, o compilador abrevia a perspectiva da campanha e enfoca o epi­ sódio principal da campanha. Que a ca-

panha foi, contudo, mais extensa e por­ menorizada é sugerido pelo versículo 18. Alguns consideram o papel de Josué secundário nesta campanha, baseandose no relato supostamente divergente da derrota de Jabim e Juizes 4. Porém as escavações de Yadin, em Hazor35 de­ monstraram que a queda final da última cidade cananéia se deu na segunda meta­ de do décimo terceiro século a.C., uma data que concorda notavelmente bem co­ mo a data de Josué, a julgar pelas esca­ vações das cidades meridionais de Ca­ naã. As evidências atuais não apóiam, portanto, a mudança da destruição de Hazor para a época de Débora, quando a cidade já parecia ter sido ocupada por israelitas. Portanto, a referência de Ja­ bim, em Juizes 4, sugere ou um outro evento ou uma tentativa secundária, pos­ terior, de associá-lo com a luta contra Sísera. Hazor (Tell el-Qedah) está situada, aproximadamente, quatorze quilómetros ao norte do Mar da Galiléia e oito qui­ lômetros ao sul do lago Hulé. A impor­ tância comercial e administrativa da ci­ dade é indicada pela sua menção fre­ qüente em documentos do Egito e da Mesopotâmia dos séculos dezoito a treze a.C. A cidade cananéia do décimo ter­ ceiro século, de, aproximadamente, 33 hectares, foi, por muito tempo, a maior cidade da Galiléia. Jabim, rei de Hazor, foi, portanto, o líder e convocador apro­ priado da coalizão setentrional cananéia. Três outras cidades são especificadas como incluídas na coalizão (v. 1). Geral­ mente se identifica Madom como a po­ voação antiga de Quarn Hattin, nas ele­ vações oito quilômetros a oeste de Tiberíades. O nome original parece ter sobre­ vivido nas ruínas próximas, chamadas de Khirbet Madin. Aharoni, página 106, segue a Septuaginta e lê “Maron”, que ele, então, identifica com “Meron”, per35 Y. Yadin, “Hazor”, Archaelogy and Old Testament Study, ed. D. Winton Thomas (Oxford: The Clarendon Press, 1967), p. 245-63.

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to do local da batalha subseqüente (cf. o v. 5). Sinrom foi, provavelmente, Khirbet Sammuniyeh, oito quilômetros a oeste de Nazaré, e Acsafe ficava perto da extremi­ dade meridional da planície de Aco, pro­ vavelmente em Tell Harbaj (Aharoni, p. 48) ou, possivelmente, em Tell Kisan, um pouco mais ao norte. Em lugar de cidades específicas, o ver­ sículo 2 designa regiões cujos reis par­ ticiparam da coalizão. A região monta­ nhosa refere-se às montanhas da Galiléia (os tradutores destes versículos da RSV traduzem: “aos reis que estavam na re­ gião montanhosa setentrional”). A Arabá ao sul de Quinerote parece fazer referência à parte da depressão do Jor­ dão para o sul do Mar de Quinerote (Mar da Galiléia). Porém o ponto de referência pode ser ou a planície ou a cidade de Quinerote (Tell el-‘Oreimeh), no litoral noroeste do mar. Neste caso, a área designada incluiria a bacia do Mar da Galiléia. A baixada (Sefelá) é aqui um tanto indefinida, pois Galiléia e Samária não apresentam uma localização distin­ ta, na região de Sefelá, como a Judéia. Porém é possível que as colinas entre as elevações do Carmelo e as montanhas de Samária estejam em pauta. Os planaltos de Dor (RSV Naphoth-dor) refere-se à região litorânea a sudoeste da cordilheira do Carmelo, da qual a cidade de Dor era o centro. Se o incerto “Naphoth” estiver corretamente traduzido por “elevações” (RSV), as colinas vizinhas do Carmelo são, provavelmente, o que se pretende designar. O versículo 3 relaciona os grupos étni­ cos participantes da coalizão setentrional segundo suas regiões de ocupação. Em­ bora não cite os girgaseus, a lista de ocu­ pantes é idêntica à lista-padrâo de habi­ tantes pré-israelitas da terra toda (cf. o comentário sobre 3:10). A menção dos jebuseus (de Jerusalém) sugere que a lista é muito mais abrangente que a região da Galiléia. A terra (ou vale; cf. o v. 8) de Mizpá ao pé de (o monte) Hermom era,

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provavelmente, a planície fértil do Líba­ no meridional, chamada Meij ‘Ayun (Planície de Nascentes), ou o vale supe­ rior da fonte Hasbani do rio Jordão (Aha­ roni, p. 217). O local de encontro e o campo de batalha para as forças cananéias unidas, contra Israel, eram às águas de Merom (v. 5). A localização provável de Merom é em Meiron, uns treze quilômetros a sudoeste de Hazor. Neste caso, as águas de Merom seriam a nascente próxima e o trecho superior do Wadi Meiron. A continuação desse Wadi atravessa a planície de Quinerote, em direção à extremidade noroeste do Mar da Galiléia. Um local alternativo, prefe­ rido por alguns, fica na vizinhança da aldeia Marun er-Ras, uns treze quilôme­ tros a noroeste de Hazor. Esse nome parece preservar a forma da Septuaginta (Maron) do nome do local antigo. Nos versículos 6 a 9, a série de eventos segue a fórmula de 10:8-10: o Senhor dá a certeza da vitória; Israel faz um ataque de surpresa; e o inimigo é derrotado, perseguido e aniquilado. Segundo as ins­ truções do Senhor, Josué lhes sobreveio de repente, jarretou os seus cavalos (i. e., cortou o tendão grande atrás do jarrete) e incendiou as suas carruagens. Seme­ lhantes ataques rápidos, de surpresa, depois de marchas longas e inesperadas, eram uma estratégica particularmente eficaz numa região de montanhas e vales. Como anteriormente, se considera a vi­ tória como uma dádiva do Senhor, e não como uma realizção das armas de Israel. A perseguição do inimigo por Israel (v. 8) estende-se para o norte, até o terri­ tório do grande porto fenício-cananeu de Sidom; para o oeste, até Misrefote-Maim (provavelmente, Khirbet el Musheirifeh), ao sul do promontório litorâneo chamado Escada de Tiro; e para o leste, até o vale de Mizpe (cf. o comentário sobre o v. 3). Agora que as forças da coalizão foram destruídas, Israel atacou as cidades par­ ticipantes (v. 10-14). Hazor (cf. a intro­ dução ao capítulo 11) e as cidades asso-

dional (cf. 10:40-42), abrange as áreas conquistadas na conquista em sua totali­ dade. Embora os versículos inicial e fi­ nal, esquematizados, da seção, sugiram que Josué tomou toda aquela terra (v. 16 e 23), a omissão da planície litorânea e da planície de Esdraelom no resumo nos versículos 16 e 17 (cf. 13:1-6 e 17:11-13) coloca tais afirmativas na devida pers­ pectiva. Apesar de áreas marginais e enclaves isolados de resistência permanece­ rem, a capacidade dos cananeus de ofe­ recerem oposição coordenada aos israe­ litas invasores fora efetivamente que­ brada. O resumo por área começa pelas re­ giões do sul e move-se em direção ao norte. A região montanhosa (de Judá), o Negebe, a terra de Gósen e a baixada (v. 16) são as mesmas áreas descritas em 16 Assim Josué tomou toda aquela terra, 10:40-51. A Arabá aqui se refere ao vale a região montanhosa, todo o Negebe, e toda do Mar Morto-Jordão inteiro, apesar de a terra de Gósen, e a baixada, e a Arabá, e a a referência moderna mais restrita ser à região montanhosa de Israel com a sua bai­ extensão meridional deste vale entre o xada, 17 desde o monte Halaque, que sobe a Mar Morto e o Golfo de Ãcaba. A região Seir, até Baal-Gade, no vale do Líbano, ao pé do monte Hermon; também tomou todos montanhosa de Israel refere-se à região os seus reis, e os feriu e os matou. 18 Por montanhosa ao norte de Judá, particular­ muito tempo Josué fez guerra contra todos mente à ocupada por Efraim. A baixada esses reis. 19 Não houve cidade que fizesse ou região de colinas associadas faz re­ paz com os filhos de Israel, senão os heveus, moradores de Gibeão; a todas tomaram à ferência, possivelmente, à área de transi­ força de arm as. 20 Porquanto do Senhor veio ção entre as montanhas e a planície de o endurecimento de seus corações para saí­ Sarom. rem à guerra contra Israel, a fim de que Os limites meridional e setentrional do fossem destruídos totalmente, e não achas­ sem piedade alguma, mas fossem extermi­ território conquistado (ligeiramente mais nados, como o Senhor tinha ordenado a Moi­ extenso do que o tradicional Dã Bersesés. 21 Naquele tempo veio Josué, e exter­ eram o Monte Halaque a Baal-Gade, minou os anaquins da região montanhosa de ba) Hebrom, de Debir, de Anabe, de toda a respectivamente (v. 17). O primeiro é região montanhosa de Judá, e de toda a re­ descrito como subindo em direção a Seir gião montanhosa de Israel; Josué os destruiu (i. e., Edon?) e deve, provavelmente, ser totalmente com as suas cidades. 22 Não foi identificado com o Jebel Halaque, apro­ deixado nem sequer um dos anaquins na uns 40 quilômetros ao sulterra dos filhos de Israel; somente ficaram ximadamente, alguns em Gaza, em Gate, e em Asdode, sudeste de Berseba. Baal-Gade é descrita 23 Assim Josué tomou toda esta terra con­ de forma a sugerir que ficava na terra ou forme tudo o que o Senhor tinha dito a vale de Mizpe (cf. os v. 3 e 8). Moisés; e Josué a deu em herança a Israel, A declaração no versículo 18, de que pelas suas divisões, segundo as suas tribos; por muito tempo Josué fez guerra contra e a terra repousou da guerra. todos esses reis, coincide com o que Este resumo, embora semelhante ao está-se tornando crescentemente mais referente à conclusão da campanha meri­ aparente, de passagens espalhadas entre

ciadas sob sua liderança foram captura­ das e seus reis e habitantes totalmente destruídos (dedicados à destruição; cf. o comentário sobre 6:17). Somente Hazor foi queimada. As outras cidades fortifi­ cadas que se achavam sobre os seus altos (i.é., sobre “tells” ou as ruínas acumula­ das de cidades anteriores) não foram des­ truídas; seu espólio e gado ficaram como presa para Israel (cf. 8:27). Na conclusão bem-sucedida da fase final da conquista, o deuteronomista enfatiza que Josué, pela obediência meticulosa aos mandamentos do Senhor através de seu servo Moisés (v. 15), cumpriu as condi­ ções sob que sua vitória foi prometida (cf. 1:3-9). 11. Resumo das Regiões Conquistadas (11:16-23)

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as listas geográficas dos capítulos 13 a 19, isto é, que a conquista era gradativa e ocasional, em contraste com um conceito esquematizado de ocupação rápida e completa, sob um comando unificado, como sugerido pelos resumos dos capí­ tulos 10 e 11. O compilador, obviamente, abreviou a perspectiva e enfocou, seleti­ vamente, as narrativas da conquista em tomo dos eventos principais da ocupa­ ção. O versículo 20 indica que o Senhor endureceu (fez com que não cedessem) os corações dos cananeus para resistirem a Israel, a fim de que pudessem ser total­ mente destruídos, como ele tinha orde­ nado a Moisés (cf. Deut. 7:1-5; 20:1618). Certamente, seria um sacrilégio para alguém familiarizado com a revelação de Deus em Jesus Cristo admitir que o en­ durecimento das mentes dos cananeus fosse uma obstinação instigada por Deus como uma justificativa manipulada para exterminá-los. Antes, deve-se entender que os hebreus primitivos davam uma ênfase tão grande ao conceito da sobera­ nia de Deus que o concebiam como, em última análise, o responsável por tudo quanto acontecia, tanto de mal como de bem. A ênfase especial, neste ponto, às vezes tendia a submergir a liberdade e responsabilidade do homem numa deter­ minação divina sobrepujante. Em tais casos, as reações dos homens não são claramente distinguidas dos atos sobera­ nos de Deus. No entanto, Israel estava bem consciente do privilégio que o ho­ mem tem da liberdade de escolher e do juízo conseqüente sobre ele pelas suas decisões. De maneira que aqui, somente na medida em que a obstinácia cananéia o determinou deve-se entender que Deus endureceu seus corações. No caso de Faraó, como aqui, se diz que Deus endu­ receu seu coração (cf. Êx. 9:12; 10:20, 27); porém em outros lugares se relata que foi Faraó que endureceu seu próprio coração (cf. Êx. 8:15,32; 9:34). Um breve episódio acrescido (v. 21,22)

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dirige a atenção para a destruição, por Josué, dos anaquins, um grupo tribal entre os habitantes pré-israelitas de Canaã. Na tradição hebraica eram consi­ derados como gigantes (Deut. 1:28; 2:10, 21; 9:2; Núm. 13:28,33), que, como aqui (cf. 14:12; 15:13,14), ocupavam a região montanhosa meridional ao redor de Hebrom. (Com relação a este ponto é difícil harmonizar o papel de Josué com o de Calebe, que, conforme Josué 15:13,14 e Juizes 1:20, afugentou os filhos de Anaque de Hebrom.) As outras duas cidades a eles especificamente atribuídas se en­ contraram na mesma vizinhança: Debir, uns 19 quilômetros a sudoeste de Hebrom, e Anabe (Khirbet ‘Anab), uns cinco quilômetros e meio ao sul de Debir. Esta passagem, porém, as localiza na região montanhosa de Israel, bem como a de Judá, a distinção entre as duas regiões sugerindo, para a passagem, uma data posterior à divisão da monarquia. O versículo 22 indica que os anaquins foram completamente destruídos no ter­ ritório tomado por Israel. Somente em Gaza, Gate e Asdode — cidades estas na planície da Filístia que não fora conquis­ tada — ficaram alguns. Talvez na tradi­ ção posterior, os “descendentes dos gi­ gantes” na Filístia se achem associados a este remanescente (cf. I Sam. 17:4; II Sam. 21:16-22). O versículo 23 é a declaração final da avaliação, por parte do deuteronomista, concernente à obra de Josué. A terra inteira foi tomada (cf. v. 16-18) e distri­ buída entre as tribos. A palavra do Se­ nhor a Moisés cumprira-se pela fidelida­ de de Josué (cf. 1:1-9). 12. Resumo dos Reis Conquistados (12:1-24) O resumo por áreas de 11:16-23 é se­ guido, no capítulo 12, pelo resumo, por parte do deuteronomista, dos reis con­ quistados nos territórios tanto a leste como a oeste do Jordão. Os versículos 1-6 passam em revista a conquista dos terri­

leste do rio Jordão. O reino de Siom (v. 2,3), na metade meridional desta região, estendia-se do vale do Arnom, e de Aroer (‘Ara ‘ir), na sua margem, até o rio Jaboque, que flui para o vale do Jordão, através do planalto central da Transjordânia. As nascentes do Jaboque se encontravam em Rabote-Ammom (a Aman. moderna), a capital amonita; e Hesbom (Hesbam), a cidade principal de Siom, ficava a uns 19 quilômetros a su­ doeste de Aman. O trecho superior do Jaboque formava a divisa ocidental do reino amonita, e o curso inferior do rio cortava a região de Gileade (o planalto central da Transjordânia) pelo meio, dei­ xando, assim, a metade (meridional) de Gileade nos domínios de Siom. O Mar de Quinerote (v. 3) é o Mar da Galiléia, e o mar da Arabá, o Mar Sal­ gado, é o Mar Morto. Bete-Jesimote (Tell el-‘Azeimeh) ficava uns cinco quilôme­ tros ao norte do limite nordeste do Mar 1 Estes, pois, são os reis da terra, aos quais os filhos de Israel feriram e cujas Morto, e Pisga (Ras es-Siyaghah), a les­ terras possuíram, do Jordão para o nascen­ te, era um promontório que ficava um te do sol, desde o vale do Arnom até o monte pouco a noroeste, sendo ligeiramente Hermom, e toda a Arabá para o oriente: mais baixo que o monte Nebo. 2 Siom, rei dos amorreus, que habitava em Os versículos 4 e 5 dão os limites do Hesbom e que dominava desde Aroer, que está à borda do vale do Arnom, e desde o reino de Ogue, rei de Basã (o planalto meio do vale, e a metade de Gileade, até o fértil para o leste e nordeste do Mar da ribeiro Jaboque, termo dos am onitas; 3 e a Ogue é descrito como sendo Arabá até o m ar de Quinerote para o orien­ Galiléia). do restante dos refains, que, como os te, e até o m ar da Arabá, o Mar Salgado, anaquins (cf. 11:21; Deut. 2:10,11,20), para o oriente, pelo caminho de Bete-Jesimote, e no sul abaixo das faldas de Pisga; eram considerados, na tradição hebrai­ 4 como também o termo de Ogue, rei de ca, como habitantes gigantes pré-HstóBasã, que era dos restantes dos refains, o ricos da região. Suas cidades reais eram qual habitava em Astarote, e em Edrei, Astarote (TelFAshtarah) e Edrei (Der’a) 5 e dominava no monte Hermom, e em Salca, e em toda a Basã, até o termo dos distando, respectivamente, 32 e 40 qui­ gesureus e dos maacateus, e metade de lômetros do Mar da Galiléia, a leste Gileade, termo de Siom, rei de Hesbom. deste. O seu reino se estendia até o monte 6 Moisés, servo do Senhor, e os filhos de Israel os feriram; e Moisés, servo do Se­ Hermom, no norte, Salca (a Salk-had moderna em Jebel Druze), no oriente, o nhor, deu essa terra em possessão aos rubenitas, e aos gaditas, e à meia tribo de Ma­ rio Jaboque, no sul (inclusive a metade nasses. setentrional de Gileade), e até as frontei­ O versículo 1 esboça o território toma­ ras dos gesureus e maacateus, habitantes do na Transjordânia. Estendia-se do vale de dois pequenos reinos arameus aparen­ do Arnom (a leste do Mar Morto), no sul, temente situados imediatamente ao norte até o monte Hermom, no norte, e incluía e nordeste do Mar da Galiléia (cf. Aharotoda a Arabá (vale do Jordão), para o ni, p. 216 e 262).

tórios transjordânicos dos reis Siom e Ogue, baseados em material preservado em Deuteronômio 2:26-3:17 (cf. Jos. 13: 8-32; Núm. 21). Os versículos 9-13a rela­ cionam os reis das cidades de Canaã ven­ cidos pela ordem de seu aparecimento nos capítulos 6 a 10 (com Maqueda e Libna reservadas para mais tarde). Os versículos 13b-24 relacionam os reis ven­ cidos do sul, centro e norte de Canaã, alguns dos quais aparecem nos capítulos 10 e 11, enquanto outros vêm de uma fonte desconhecida. Nem todas as cida­ des, cujos reis são aqui relacionados co­ mo derrotados, foram, necessariamente, ocupadas. Jerusalém e Gezer, por exem­ plo, não passaram para a posse de Israel senão muito depois da conquista (cf. 11 Sam. 5:6-9; Jos. 16:10; I Reis 9:16). (1) Os Reis da Transjordânia Derrota­ dos Sob Moisés (12:1-6)

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O território dos reinos capturados, de Siom e Ogue, foi destinado, por Moisés, às tribos de Rúben, Gade e à meia tribo de Manassés, na parte oriental (v. 6; cf. Núm. 32; Deut. 3:12-17).

Os versículos 13b-16a relacionam reis adicionais da Canaã meridional, alguns dos quais aparecem no capítulo 10 e alguns são tirados de uma outra fonte. Neste último grupo estão Geder, Horma, Arade e Adulão. Horma (possivelmente el-Mishash) e Arade (Tell ‘Arad), (2) Reis de Canaã Derrotados Sob Josué Tell ficavam ambas no Negebe, a leste de (12:7-24) Berseba. Geder é agrupada com as ci­ 7 £ estes são os reis da terra, aos quais dades anteriores do Negebe, e, embora Josué e os filhos de Israel feriram, do Jor­ desconhecida como uma cidade canadão para o ocidente, desde Baal-Gade, no néia, deverá provavelmente ser procura­ vale do Líbano, até o monte Halaque, que da na mesma região. Aharoni (p. 210) sobe a Seir (e Josué deu as suas terras às sugere a possibilidade de que Geder seja tribos de Israel em possessão, segundo as uma corruptela de Gerar, uma cidade suas divisões, 8 isto é, o que havia na região montanhosa, na baixada, na Arabá, nas fal­ importante no Negebe ocidental. Adulão das das montanhas, no deserto e no Negebe: (Tell esh-Sheik Madhkur) localizava-se o heteu, o amorreu, e o cananeu, o perizeu, em Sefelá, junto com Libna e Maqueda, o heveu, e o jebuseu); 9 o rei de Jericó, o com as quais é citada. rei de Ai, que está ao lado de Betei, 10 o rei de Jerusalém, o rei de Hebrom, 11 o rei de Os versículos 16b-18 citam reis da Jarm ute, o rei de Laquis, 12 o rei de Eglom, Canaã central, tanto da região monta­ o rei de Gezer, 13 o rei de Debir, o rei de nhosa como da planície litorânea. Betei Geder, 14 o rei de Horma, o rei de Arade, (cf. 8:17; Juí. 1:22-25) e Tapua (16:8; 15 o rei de Libna, o rei de Adulão, 16 o rei de Maqueda, o rei de Betei, 17 o rei de 17:8) situam-se na região montanhosa de Tapua, o rei de Hefer, 18 o rei de Afeque, o Efraim; e Hefer (Tell Ibshar?) e Afeque rei de Lassarom, 19 o rei de Madom, o rei de (Ras el ‘Ain) ficavam na planície de Hazor, 20 o rei de Sinrom-Merom, o rei de Sarom. Lassarom não é, provavelmente, Acsafe, 21 o rei de Taanaque, o rei de Megido, 22 o rei de Quedes, o rei de Jocneão do um nome de cidade, mas, conforme Carmelo, 23 o rei de Dor no outeiro de Dor, consta na Septuaginta, deve ser ligado a o rei de Goim em Gilgal, 24 o rei de Tirza: Afeque como uma expressão que define trinta e um reis ao todo. (“da Sarom”), especificando a região a que esta Afeque em particular pertencia. Os versículo 19 a 23 citam os reis de Os versículos 7 e 8 relacionam as di­ cidades Galiléia. Os reis de Madom, ferenças regionais da terra conquistada a Hazor enaAcsafe são citados, em 11:1, oeste do Jordão. Estas regiões são as entre os derrotados por Josué. Sinromdescritas em 10:40 e 11:16,17. Uma re­ Merom talvez seja idêntica Sinrom em gião adicional, o deserto (da Judéia), se 11:1; porém, numa variante àinteressante, refere particularmente aos declives orien­ a Septuaginta relaciona separadamente tais áridos das montanhas da Judéia, “Sinrom” e “Merom” (cf. ne­ entre a divisa das águas e o Mar Morto, laas apalavras nota de rodapé 51), este último subs­ inclusive a região do Negebe, a sudeste tituindo “Madom”. Dor (v. 23) era a de Arade (Quanto aos grupos étnicos cidade principal de Naphoth-dor (cf. o relacionados no versículo 8b, ver o co­ comentário sobre 11:2). mentário sobre 3:10). Taanaque, Megido e Jocneão (v. 21, Os versículos 9-13a relacionam os reis 22) situavam-se ao longo da margem su­ das cidades derrotadas por Josué na or­ doeste da planície de Esdraelom, cada dem de seu aparecimento na narrativa uma delas guardando um dos desfiladei­ dos capítulos 6 a 10. ros para a planície, pela extensão para

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sudeste da cordilheira do Carmelo. Que­ des é citada no contexto das cidades acima mencionadas, sugerindo uma lo­ calização na mesma área. Talvez fosse a mesma que Quedes de Issacar (Tell Abu Qedeis?), uns quatro quilômetros ao su­ deste de Megido. Contudo, esta identifi­ cação é duvidosa, e pode ser que a refe­ rência fosse à Quedes na Galiléia supe­ rior (Tell Qades). Por outro lado, este último local fica ao nordeste do lago Hulé e certamente fora do contexto relaciona­ do entre as cidades da planície de Esdraelom. O texto grego do versículo 23 lê Goiim (i. e. “nações”) na Galiléia (RSV, se­ guindo a LXX). No texto hebraico, po­ rém, consta Gilgal onde no grego consta “Galiléia” (a KJV, seguindo a MT). Al­ guns, preferindo a variante anterior, su­ põem que a designação seja uma corrup­ tela de “Harosete ha-goiim” (cf. Juí. 4:2), possivelmente Tell ‘Amr ao pé do Carmelo, perto das junções das planícies de Esdraelom e Asser. Se o correto é Gilgal, Jiljulieh, ao norte de Afeca, na planície Sarom, é uma possibilidade. Isto, porém, faria a referência a Goiim (nações), bem obscura. Possivelmente “Goiim na Galiléia” não faça referência a uma determinada cidade, e, sim, que seja uma referência mais geral à “Gali­ léia dos gentios” (Aharoni, p. 203). Tirza (v. 24), que mais tarde chegou a ser a segunda capital de Israel (I Reis 15: 21,33; 16:6-23), localizava-se em Teel el-Far‘ah, uns onze quilômetros a nordes­ te de Siquém. O local consta no fim da lista e está deslocado de seu contexto geo­ gráfico. Seu lugar apropriado pareceria ser na lista da Canaã central (v. 16b-18). Todos os reis das cidades tomadas, nas narrativas da conquista, estão incluídos neste resumo. Por outro lado, nem em Josué nem em qualquer outro lugar dos registros do Antigo Testamento existe qualquer narrativa do encontro de Israel com alguns dos reis da lista. Obviamen­ te, a conquista foi muito mais complexa

do que consta na narrativa esquematiza­ da e resumida que foi preservada. No entanto, em seu enfoque nos eventos centrais da conquista, o autor enfatizou, inequivocamente, que o sucesso da con­ quista foi o resultado da obediência de Israel e sua dependência da liderança e do poder do Senhor, que deu a vitória.

II. A Distribuição da Terra (13:1-21:45)

1. Território Ainda Não Conquistado; a Ordem Para a Divisão da Terra (13:1-7)

1 E ra Josué já veltao e avançado em anos, quando lhe disse o Senhor: Já estás velho e avançado em anos, e ainda fica muitíssima terra para se possuir. 2 A terra que ainda fica é esta: todas as regiões dos filisteus, bem como todas as dos gesureus, 3 desde Sior, que está defronte do Egito, até 0 termo de Ecrom para o norte, que se tem como pertencente aos cananeus; os cinco chefes dos filisteus; o gazeu, o asdodeu, o asqueloneu, o giteu, e o ecroneu; tambcm os aveus; 4 no sul toda a terra dos cananeus, e Meara, que pertence aos sidônios, até Afeca, até o termo dos amorreus; 5 como também a terra dos gebalitas, e todo o Líbano para o nascente do sol, desde Baal-Gade, ao pé do monte Hermom, até a entrada de Hamate; 6 todos os habitantes da região montanhosa desde o Líbano até Misrefote-Maim, a sa­ ber, todos os sidônios. Eu os lançareis de diante dos filhos de Israel; tão-somente re­ parte a terra a Israel por herança, como já te mandei. 7 Reparte, pois, agora esta terra por herança às nove tribos, e à meia tribo de Manassés.

Os versículos 1 e 7 são a introdução do editor deuteronômico à segunda divisão principal do livro. Expõem o mandamen­ to do Senhor a Josué, que já estava velho (v. 1; cf. 11:18), para compartilhar o território para o oeste do Jordão entre as nove tribos e meia que ainda não haviam recebido uma herança. O editor está bem consciente de que certas regiões dentro das fronteiras ideais da Terra Prometida (cf. 1:4) permane­ ciam inconquistadas (v. 2-6). Conforme parece, de 23:4,5,11-13, o historiador

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deuteronômico anterior também o sabia, embora assim não se conclua da abran­ gência de seu resumo em 11:23. A lista de territórios inconquistados começa com as regiões dos filisteus (v. 2), os quais, nos começos do décimo segun­ do século a.C., fizeram uma ocupação em massa da planicie litorânea meridio­ nal e estabeleceram lá cinco cidades go­ vernadoras (cf. o v. 3). Subseqüentemen­ te, o nome deles havia de ser dado à terra inteira. Os gesureus (v. 2) não são aque­ les de 12:5, que se localizavam na Transjordânia, a nordeste do Mar da Galiléia. Aqui, como em I Samuel 27:8, trata-se de uma tribo da Canaã meridional, pelo que parece, ao sul da Filístia. A palavra Sior (v. 3) fazia referência, originariamente, ao Nilo. Aqui, porém, é localizado a leste do Egito e, aparentemente, designa a fronteira meridional de Canaã. A palavra talvez seja usada num sentido apelativo, para designar o rio do Egito (Wadi el‘Arish). Os aveus (v. 3) eram um povo que morava na vizinhança de Gaza (cf. Deut. 2:23), conforme parece, ao sul e sudeste dessa cidade. Os versículos 4-6 voltam-se para o norte de Canaã, a região agora incluída no estado moderno do Líbano. Meara, Afeca e a terra dos gebalitas ficavam todas no território dos fenícios, que às vezes são chamados de sidônios, devido a Sidom, uma de suas cidades principais. Afeca, na Fenícia, provavelmente é uma referência a Afka, que ficava na nascente do rio Adonis. Os gebalitas eram de Gebal (Biblos), no litoral, ao norte de Beirute. O Líbano para o nascente do sol (v. 5), refere-se particularmente ao vale grande entre as montanhas do Líbano e do Anti-Líbano. Este território era deli­ mitado no sul por Baal-Gade (no vale abaixo do monte Hermom e a oeste do mesmo; cf. 11:3,17) e no norte por LeboHamate (aqui traduzido por a entrada de Hamate), sendo Hamate uma cidade so­ berana importante junto ao rio Orontes. Porém é possível que Lebo fosse uma

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cidade na divisa meridional do território de Hamate e que possa ser identificada com Lebweh, ao norte de Baalbeque (cf. Aharoni, p. 67). O limite ocidental da região montanhosa era em MisrefoteMaim, talvez ao sul do promontório li­ torâneo chamado de a Escada de Tiro (cf. 11:8). Somente quando se apresen­ taram em sua extensão maior chegaram os reinos hebreus a alcançar a entrada de Hamate (cf. I Reis 8:65; II Reis 14:25), porém a região litorânea fenícia para o norte de Tiro nunca ficou sob seu con­ trole. 2. A Herança das Tribos Transjordânicas (13:8-33) 8 Com a outra meia tribo os rubenitas e os gaditas já haviam recebido a sua herança do Jordão para o oriente, a qual Moisés, servo do Senhor, lhes tinha dado: 9 desde Aroer, que está à borda do vale do Araom, e a cidade que está no meio do vale, e todo o planalto de Medeba até Dibom; 10 e todas as cidades de Siom, rei dos amorreus, que reinou em Hesbom, até o termo dos amonitas; 11 e Gileade, e o território dos gesureus e dos maacateus, e todo o monte Hermom, e toda a Basã até Salca; 12 todo o reino de Ogue em Basã, que reinou em Astarote e em Edrei (ele era dos refains que ficaram); pois que Moisés os feriu e expulsou. 13 Con­ tudo os filhos de Israel não expulsaram os gesureus nem os maacateus, os quais fica­ ram habitando no meio de Israel até o dia de hoje. 14 Tão-somente à tribo de Levi não deu herança; as ofertas queimadas ao Se­ nhor, Deus de Israel, são a sua herança, como lhes tinha dito. 15 Assim Moisés deu herança à tribo dos filhos de Rúben, copfOrme as suas famílias. 16 E foi o seu território desde Aroer, que está à borda do vale do Arnom, e a cidade que está no meio do vale, e todo o planalto junto a Medeba; 17 Hes­ bom, e todas as suas cidades que estão no planalto; Dibom, Bamote-Baal e Bete-BaalMeom; 18 Jaza, Quedemote e Mefaate; 19 Quiriataim, Sibma e Zerete-Saar, no mon­ te do vale; 20 Bete-Peor, as faldas de Pisga e Be'to-Jesimote; 21 todas as cidades do pla­ nalto, e todo o reino de Siom, rei dos amor­ reus, que reinou em Hesbom, a quem Moi­ sés feriu juntamente com os príncipes de Midiã: Evi, Requem, Zur, Hur e Reba, prín­ cipes de Siom, que moravam naquela terra,

22 Também ao adivinho Balaão, filho de Beor, os filhos de Israel mataram à espada, juntamente com os demais que por eles foram mortos. 23 E ficou sendo o Jordão o termo dos filhos de'Rùben. Essa região, com as suas cidades e aldeias, foi a herança dos filhos de Rúben, segundo as suas famílias. 24 'Também deu Moisés herança à tribo de Gade, aos filhos de Gade, segundo as suas famílias. 25 E foi o seu território Jazer, e todas as cidades de Gileade, e metade da terra dos amonitas, até Aroer, que está de­ fronte de Rabá; 26 e desde Hesbom até Ramá-Mizpe, e Betonim, e desde Maanaim até o termo de Debir; 21 e no vale, Bete-Arã, Bete-Ninra, Suçote e Zafom, resto do reino de Siom, rei de Hesbom, tendo o Jordão por termo, até a extremidade do m ar de Quine rete, do Jordão para o oriente. 28 Essa re­ gião, com as suas cidades e aldeias, foi a herança dos filhos de Gade, segundo as suas famílias. 29 Também deu Moisés herança à meia tribo de Manassés; a qual foi reparti­ da à meia tribo dos filhos de Manassés segundo as suas famílias. 30 Foi o seu terri-' tório desde Maanaim; toda a Basã, todo o reino de Ogue, rei de Basã, e todas as al­ deias de Jair, que estão em Basã, sessenta ao todo; 31 e metade de Gileade, e Astarote, e Edrei, cidades do reino de Ogue, em Basã, foram para os filhos de Maquir, filho de Manassés, isto é, para a metade dos filhos de Maquir, segundo as suas famílias. 32 Isso é o que Moisés repartiu em herança nas planícies de Moabe, do Jordão para o orien­ te, na altura de Jericó. 33 Contudo, à tribo de Levi Moisés não deu herança; o Senhor, Deus de Israel, é a sua herança, como lhe tinha dito.

Os versículos 8-14 dão um levantamen­ to do território da Transjordânia, que Moisés outorgou como uma herança às tribos de Rúben, Gade e a metade orien­ tal de Manassés. Trata-se pormenoriza­ damente deste material em 12:1-6 (cf. Núm. 32; Deut. 2,3). Dois locais não mencionados em 12:1-6 foram Medeba e Dibom (32 e 64 quilômetros para o sul de Amam), junto à estrada principal nortesul através da Transjordânia. Em Di­ bom (a cidade real de Messa, rei de Moabe) foi encontrada a Pedra Moabita, comemorativa da vitória de Messa sobre Israel (cf. II Reis 3:4,5). Os versículos 15-33 tratam das frontei­

ras e cidades das tribos transjordânicas acima mencionadas. Nem sempre se pode determinar as fronteiras. De manei­ ra geral, porém, eram como segue: O território de Rúbem (v. 15-23) era limitado pelo rio Amom no sul, pelo Wadi Hesban (um vale ligando Hesbom ao Jordão inferior) no norte e pelo Mar Morto e o Rio Jordão no oeste, até as margens do deserto no leste. O território de Gade (v. 24-28) ficava em Gileade e incluía a parte setentrio­ nal do reino de Siom. Era limitado no sul pelo Wadi Hesban e ao norte se estendia até a vizinhança de Maanaim, logo além do rio Jaboque, nas colinas de Gileade. Gade também ocupava uma faixa de território de largura indeterminada, in­ cluindo todo o barranco oriental do vale do Jordão, até a extremidade meridional do mar Quinerete (Galiléia; cf. o v. 27). O Rio Jordão era, portanto, o limite ocidental de Gade. Para o sudeste, Aroer (perto de Aman) marcava a fronteira entre Gade e os amonitas (v. 25), cuja metade do território anterior Gade tinha herdado. Aroer dificilmente ficava “ao leste” de Rabá (Rabá-amom, capital amonita), conforme a expressão é tradu­ zida por algumas versões, mas, sim, “oposta a” ou defronte de, que, prova­ velmente, significa a oeste ou sudeste. O território oriental de Manassés (v. 29-31) incluía a metade da região mon­ tanhosa de Gileade, para o norte de Maanaim, as aldeias de Jair, na exten­ são de Basã, ao sul do rio Jarmuque, e o território do reino de Ogue, em Basã, para o leste e nordeste do Mar da Galiléia. No oeste fazia fronteira com a faixa de território de Gade, ao longo do vale do Jordão (cf. o v. 27). Em direção norte e leste não são dadas nenhumas divisas fi­ xas, embora, aparentemente, elas se con­ formassem com os limites do reino de Ogue. Numa declaração concludente, os ver­ sículos 32 e 33 indicam que Moisés fez a distribuição nas planícies de Moabe e

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que a tribo de Levi, que não recebeu ne­ nhum território, tinha o Senhor por he­ rança (cf. a introdução ao capítulo 21). 3. Introdução à Distribuição de Canaã (14:1-15) A narrativa agora se volta para a dis­ tribuição da terra no oeste do Jordão, entre as nove tribos e meia. Isto, em 13:1,7, o Senhor mandou que Josué fizes­ se. Antes desta distribuição, porém, o editor inseriu uma revisão do território distribuído por Moisés às tribos transjordânicas (13:8-33). Os versículos 1-5 servem de introdução à seção inteira sobre a divisa de Canaã, e o versículo 5, originalmente, entrou diretamente na distribuição à Judá descrita no capítu­ lo 15. Contudo, depois do versículo 5 o editor inseriu o relato deuteronômico da herança dada a Calebe (v. 6-15), em cumprimento da promessa que lhe fora feita, porque perseverou em seguir ao Senhor, seu Deus (Deut. 1:35,36). A po­ sição original desta inserção se achava, possivelmente, no contexto da passagem sobre os anaquins, em 11:21-23 (cf. Juí. 1:10,11,20; Jos. 15:13-15). (1) Explicação Geral (14:1-5)

50). Por outro lado, o historiador deu­ teronômico realça o papel de Josué nesta ação (cf. 13:1,7; 18:2-6; cf. 14:6,13). Uma terceira tradição, introduzida, pelo que parece, por um editor sacerdotal, atribui a tarefa a Eleazar, o sacerdote, e Josué... e os cabeças das casas paternas (14:1b; 19:51). Eleazar (v. 1) era filho e sucessor de Arão como sumo sacerdote (Deut. 10:6; Núm. 3:32). Em Números 34:16-29, é-lhe atribuído o papel de participar (com Josué e os representantes tribais) na partilha da terra. O mandamento do Senhor a Moisés (v. 2) acha-se em Números 34:13. Com relação à cerimônia das sortes sagradas, ver a observação em Josué 7:14. Os versículos 3 e 4 explicam a partilha convencional entre as doze tribos (9 1/2 4- 2 1/2), quando a uma das tribos (os levitas) não se dá porção nenhuma. As cidades em que habitariam são a preo­ cupação especial do capítulo 21. (2) Calebe Premiado com Hebrom (14:6-15)

6 Então os filhos de Judá chegaram a Josué em Gilgal; e Calebe, filho de Jefoné o quenezeu, lhe disse: Tu sabes o que o Senhor falou a Moisés, homem de Deus em Cades1 Estas, pois, são as heranças que os filhos a respeito de mim e de ti. 7 Qua­ de Israel receberam na terra de Canaã, as Baméia, anos tinha eu quando Moisés, servo do quais Eleazar, o sacerdote, e Josué, filho de renta Senhor, me enviou de Cades-Baméia para Num, e os cabeças das casas paternas das espiar a terra, e eu lhe trouxe resposta, tribos dos filhos de Israel lhes repartiram. como sentia no 'meu coração. 8 Meus irmãos 2 Foi feita por sorte a partilha da herança que comigo fizeram derreter o co­ entre as nove tribos e meia, como o Senhor raçãosubiram do povo; mas eu perseverei em seguir ordenara por intermédio de Moisés. 3 Por­ ao Senhor meu Deus. 9 Naquele dia Moisés quanto às duas tribos e meia Moisés já dera dizendo: Certamente a terra em que herança além do Jordão; mas aos levitas jurou, pisou o teu pé te será por herança a ti e a não deu herança entre eles. 4 Os filhos de teus para sempre, porque perseveras­ José eram duas tribos, Manassés e Efraim; te emfilhos seguir ao Senhor meu Deus. 10 E ago­ e aos levitas não se deu porção na terra, ra eis que o Senhor, como falou, me conser­ senão cidades em que habitassem e os arra­ em vida estes quarenta e cinco anos, baldes delas para o seu gado e para os seus vou desde o tempo em que o Senhor falou esta bens. 5 Gomo o Senhor ordenara a Moisés, palavra andando Israel ainda no assim fizeram os filhos de Israel e reparti­ deserto; ae Moisés eis que hoje tenho já oitenta e ram a terra. cinco anos; 11 ainda hoje me acho tão forte no dia em que Moisés me enviou; qual Na tradição mais primitiva da divisão como era a força então, tal é agora minha da terra, é o próprio povo que se respon­ força, minha tanto para a guerra como para sair e sabiliza pela partilha (v. la, 5; cf. 19:49, entrar. 12 Agora, pois, dá-me este monte de

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que o Senhor falou naquele dia; porque tu ouviste, naquele dia, que estavam ali os anaquins, bem como cidades grandes e for­ tificadas. Porventura o Senhor será comigo para os expulsar, como ele disse, 13 Então Josué abençoou a Calebe, filho de Jefoné, e lhe deu Hebrom em herança. 14 Portanto, Hebrom ficou sendo herança de Calebe,'fi­ lho de Jefoné o quenezeu, até o dia de hoje, porquanto perseverara em seguir ao Se­ nhor, Deus de Israel. 15 Ora, o nome de Hebrom era outrora Quiriate-Arba, porque Arba era o maior homem entre os anaquins. E a terra repousou da guerra.

Nos versículos 6-9, Calebe reivindica a herança prometida por Moisés em Cades-Baméia (cf. sobre 10:41), porque ele perseverara em seguir ao Senhor em sua espionagem na terra (cf. Núm. 13 e 14; Deut. 1:35,36). Os quenezeus (descen­ dentes de Quenaz; cf. Gên. 36:11; Jos. 15:17), com quem Calebe se identificava, constituíam um clã de descendência edomita. Pelo que parece, eles foram assimi­ lados na tribo de Judá, pois Calebe é citado como da tribo de Judá em Núme­ ros 13:6 e 34:19. Haviam passado quarenta e cinco anos (v. 10; cf. o v. 7) desde a promessa do Senhor (Deut. 1:34-36), através de Moi­ sés (cf. o v. 9), de que Calebe receberia uma herança na terra de Canaã. Subse­ qüente à promessa, se apresenta a dura­ ção da peregrinação no deserto como de 40 anos (Núm. 14:33) ou, segundo o deuteronomista, de 38 anos (Deut. 2:14). O período desde o começo da conquista da Transjordânia é, portanto, calculado em 7 (ou 5) anos. Através de 45 anos, o Senhor preser­ vou a vida e conservou as forças de Ca­ lebe para que recebesse sua herança pro­ metida (v. 10,11). Claramente, sua expe­ riência é proposta como um exemplo da fidelidade de Deus para com aqueles que o seguem com integridade. Calebe agora conclama Josué a premiá-lo com o direi­ to prometido (v. 12). A expressão este monte (ingl., “esta terra montanhosa”) se refere à região ao redor de Hebrom

e é mais inteligível no contexto de 11:21 sobre os anaquins). Hebrom chamava-se, outrora, de Quiriate-Arba (v. 15), que significa “idade de quatro”, talvez uma tetrápole. Porém, em outros lugares, co­ mo aqui, na tradição hebraica (cf. 15:13; 21:11), ê considerada Arba como um nome pessoal, que diz respeito a um an­ tepassado heróico dos anaquins. 4. A Distribuição a Judá (15:1-63) (1) Os Limites de Judá (15:1-12) 1 A sorte que coube à tribo dos filhos de Judá, segundo as suas famílias, se estende até o termo de Edom, até o deserto de Zim para o sul, na extremidade do lado meridio­ nal. 2 O seu termo meridional, partindo da extremidade do Mar Salgado, da baía que dá para o sul, 3 estende-se para o sul, até a subida de Acrabim, passa a Zim, sobe pelo sul de Cades-Barnéia, passa por Hezrom, sobe a Adar, e vira para Carca; 4 daí passa a Azmom, chega até o ribeiro do Egito, e por ele vai até o m ar. Este será o vosso termo meridional. 5 O termo oriental é o Mar Sal­ gado, até a foz do Jordão. O termo setentrio­ nal, partindo da baía do m ar na foz do Jordão, 6 sobe até Bete-Hogla, passa ao norte de Bete-Arabá, e sobe até a pedra de Boã, filho de Rúben; 7 sobe mais este termo a Debir, desde o vale de Acor, indo para o norte em direção a Gilgal, a qual está de­ fronte da subida de Adumim, que se acha ao lado meridional do ribeiro; então continua este termo até as águas de En-Semes, e os seus extremos chegam a En-Rogel; 8 sobe ainda pelo vale de Ben-Hinom, até a saliên­ cia meridional do monte jebuseu (isto é, Jerusalém); sobe ao cume do monte que está fronteiro ao vale de Hinom para o oci­ dente, na extremidade do vale dos refains para o norte; 9 do cume do monte se estende até a fonte das águas de Neftoa e, seguindo até as cidades do monte de Efrom, estendese ainda até Baalá (esta é Quiriate-Jearlm); 10 de Baalá este termo volta para o ocidente, até o monte Seir, passa ao lado do monte Jearim da banda do norte (este é Quesalom), desce a Bete-Semes e passa por Timna; 11 segue mais este termo até o lado de Ecrom para o norte e, indo para Siquerom e passando o monte de Baalá, chega a Jabneel; e assim este termo finda no mar, 12 O termo ocidental é o m ar grande. São esses os termos dos filhos de Judá ao redor, segundo as suas famílias.

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Os versículos 1-12 delineiam os limites de Judá. O editor deuteronômico prova­ velmente tirou o material desta seção de uma lista de limites tribais datada não mais tarde do que o décimo século a.C., quando Salomão reorganizou o reino em distritos administrativos, baseados, gros­ so modo, nas reivindicações tribais origi­ nais (I Reis 4:7-19). Os limites de Judá incluíam o territó­ rio de Simeão, que na época quando se fez a lista já havia deixado de existir como uma tribo independente (cf. 19:1). Além disso, abrangiam uma área grande e diversificada, constituída da região montanhosa, o Negebe, a Arabá, a bai­ xada (Sefelá) e as faldas, conforme men­ cionadas no resumo original em 10:40 e 11:16. Ainda, a planície litorânea meri­ dional (a planície da Filístia) é incluída no território distribuído, embora o poder filisteu não fosse quebrado senão pelas conquistas de Davi. Antes da monar­ quia, o deserto e as regiões semi-áridas ao longo da margem meridional de Judá eram ocupadas somente por grupos seminômades, que se tinham incorporado em Judá. O limite meridional (v. 2-4) ficava praticamente paralelo ao limite meridio­ nal ideal da Terra Prometida dado em Números 34:3-5. Da extremidade meri­ dional do Mar Morto seguia em direção ao sudoeste, um pouco para o sul da subida de Acrabim, até o deserto de Zim e o limite de Edom, alcançando seu ponto mais meridional abaixo de CadesBarnéia (cf. a respeito 10:41). De lá virava para o noroeste, e, chegando ao ribeiro do Egito (cf. 13:3), o limite usual entre o Egito e Canaã, seguia seu curso até o litoral do Mediterrâneo. O limite oriental (v. 5a) era o compri­ mento total do Mar Morto, de sua extre­ midade meridional até a foz do Jordão. No norte (v. 5b-ll), o limite começava na foz do Jordão. Embora sujeito a uma série de irregularidades, que são marca das por diversos pontos de referência 412

bastante obscuros, seu percurso basica­ mente ocidental seguia pelo vale de Acor (el-Buqê ‘a; cf. a respeito 7:24), prosse­ guindo na linha aproximada da metade superior da antiga estrada JerusalémJericó, passava pelo vale de Hinom, ao sul da antiga cidade de Jerusalém, e vira­ va para o noroeste, até Quiriate-Jearim (cf. a respeito 9:17). De lá, o limite virava para o sudoeste, abaixo de Bete-Semes, no vale de Soreque, e então virava para o noroeste novamente, seguindo o curso desse vale por Ecrom e Jabneel, até che­ gar à costa marítima, entre 11 e 13 qui­ lômetros para o sul de Jope. O limite ocidental (v. 12) era a costa mediterrânea, do ribeiro do Egito até o ponto acima referido, ao sul de Jope. (2) Calebe e Otniel Tomam Hebrom e Debir (15:13-19) 13 Deu-se, porém, a Calebe, filho de Jefoné, uma porção no meio dos filhos de Judá, conforme a ordem do Senhor a Josué, a saber, Quiriate-Arba, que é Hebrom (Arba era o pai de Anaque). 14 E Calebe expulsou dali os três filhos de Anaque: Sesai, Aím ã e Talmai, descendentes de Anaque. 15 Dali subiu contra os habitantes de Debir. Ora, o nome de Debir era dantes Quiriate-Sefer. 16 Disse então Calebe: A quem atacar Qui■ riate-Sefer e a tomar, darei a minha filha Acsa por mulher. 17 Tomou-a, pois, Otniel, filho de Quenaz, irmão de Calebe; e este lhe deu a sua filha Acsa por mulher. 18 Estando ela em caminho para a casa de Otniel, persuadiu-o que pedisse um campo ao pai dela. E quando ela saltou do jumento, Calebe lhe perguntou: Que é que tens? 19 Respondeu ela: Dá-me um presente; porquanto me des­ te terra no Negebe, dá-me também fontes d’água. Então lhe deu as fontes superiores e as fontes inferiores.

Entre as listas dos limites e das cidades de Judá, o editor deuteronômico colo­ cou uma tradição-narrativa antiga da ocupação de Hebrom e Debir sob a ihiciativa independente dos clãs quenezeus de Calebe e Otniel, que eram filiados a Judá. O versículo 13 constitui essencialmente

a conclusão da apresentação de Hebrom a Calebe na narrativa de 14:6-15 (cf. o comentário sobre 14:13-15). No versí­ culo 14, Calebe realiza o desejo de seu coração expresso em 14:15 e expulsa, de Hebrom, os anaquins, cujos chefes são aqui- relacionados como três filhos de Anaque(cf. Núm. 13:22; Juí. 1:10,20). Os versículos 15-19 dão o relato da tomada de Debir (Quiriate-Sefer) por Otniel (um parente quenezeu de Calebe), que, por isso, ganhou a filha de Calebe, Acsa, por mulher. Ela, então, suplicou a seu pai fontes d’água, e ele lhas deu de presente (bênção), visto que ela fora co­ locada no Negebe (a estepe árida do sul). A palavra traduzida por “fontes” signifi­ ca bacias ou tigelas, e pode estar-se referindo a reservatórios ou cisternas. Este incidente, do qual existe um para­ lelo bastante preciso de Juizes 1:11-15, possivelmente representa o casamento entre os dois clãs quenezeus de Calebe e Otniel e a subseqüente solução da divi­ são da terra e direitos a água. Para a discussão do problema dos diversos rela­ tos da tomada de Hebrom e Debir, ver o comentário sobre 10:36-39. (3) As Listas, por Ârea, das Povoações de Judá (15:20-63)

Bete-Dagom, Naama e Maqueda; dezesseis cidades e as suas aldeias. 42 Libna, Eter, Asã, 43 Iftá, Asná, Nezibe, 44 Queila, Aczibe e Maressa; nove cidades e as suas aldeias. 45 Ecrom, com as suas vilas e aldeias; 46 desde Ecrom até o m ar, todas as que estão nas adjacências de Asdode, e as suas aldeias; 47 Asdode, com as suas vilas e aldeias; Gaza, com as suas vilas e aldeias, até o rio do Egito, e o m ar grande, que serve de termo. 48 E na região montanhosa: Samir, Jatir, Socó, 49 Daná, Quiriate-Saná (que é Debir), 50 Anabe, Estemó, Anim, 51 Gósen, Holom e Gilo; onze cidades e as suas aldeias. 52 Arabe, Dumá, Esã, 53 Janim, Bete-Tapua, Afeca, 54 Hunta, Quiriate-Arba (que é Hebrom) e Zior; nove cidades e as suas aldeias. 55 Maom, Carmelo, Zife, Jutà, 56 Jizreel, Jocdeão, Zanoa, 57 Caim, Gibeá e Timna; dez cidades e as suas aldeias. 58 Ha lul, Bete-Zur, Gedór, 59 Maarate, B ete- Anote e Eltecom; seis cidades e suas aldeias. 60 Quiriate-Baal (que é Quiriate-Jearim) e Rabá; duas cidades e suas aldeias. 61 No deserto: Bete-A rabá, Midim, Secaca, 62 Nibsã, a Cidade, do Sal e En-Gedi; seis cidades e as suas aldeias. 63 Não puderam, porém, os filhos de Judá expulsar os jebuseus que habitavam em Jerusalém; assim ficaram habitando os jebuseus com os filhos de Judá em Jerusalém, até o dia de hoje.

Estas listas estão agrupadas em seções, conforme as regiões geográficas princi­ pais em que se localizam. O seu agrupa­ mento corresponde, ainda, às áreas ad­ ministrativas do Reino de Judá, prova­ velmente como representadas numa lista 20 Esta é a herança da tribo dos filhos de oficial das províncias do nono século a.C. Judá, segundo as suas famílias. 21 As cida­ Originalmente, doze áreas foram repre­ des pertencentes à tribo dos filhos de Judá, no extremo sul, para o lado de Edom, são: sentadas na lista completa. Uma delas Cabzeel, Eder, Jaqur, 22 Quiná, Dimona, foi omitida do texto hebraico atual e tem Adada, 23 Quedes, Hazor, Itnã, 24 Zife, Te- de ser suprida pela Septuaginta, que a lem, Bealote, 25 Hazor, Hadada, Queriote- acrescenta depois do versículo 59. Hezrom (que é Hazor), 26 Amã, Sema, MoAs doze áreas, suas referências, por lada, 27 Hazar-Gada, Hesmom, Bete-Peleto, 28 Hazar-Sual, Berseba, Biziotiá, 29 Baalá, versículo, no texto, e suas posições por Iim, Ezem, 30 Eltolade, Quesil, Horma, região eram como segue: I (21-32), o 31 Ziclague, Madmana, Sansana, 32 Lebao- extremo sul ou Negebe, em torno de te, Silim, Alm e Rimom; ao todo vinte e nove cidades, e as suas aldeias. 33 Na bai­ Berseba; II (33-36), o Sefelá setentrio­ xada; Estaol, Zorá, Asná, 34 Zanoa, En-Ga- nal; III (37-41), o Sefelá meridional; IV nim, Tapua, Enã, 35 Jarmute, Adulão, Socó, (42-44), o Sefelá central (v. 45-47; a Azeca, 36 Saraim, Aditaim, Gedera e Gede- planície da Filístia. Cross e Wright, rotaim; catorze cidades e as suas aldeias. p. 218, sugerem que estes versículos 37 Zenã, Hadasa, Migdal-Gade, 38 Dileã, Mizpe, Jocteel, 39 Laquis Bozcate, Eglom, constituem uma inserção editorial, em 40 Cabom, Laamás, Quitlis, 41 Gederote, apoio à reivindicação total de Judá. Parte

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desta região nunca esteve sob o controle de Judá); V (48-51), a região monta­ nhosa mais meridional, inclusive Debir; VI (52-54), a região montanhosa ao redor de Hebrom e para o sul; VII (55-57), a região montanhosa para o sudeste de Hebrom; VIII (58,59), a região monta­ nhosa para o norte de Hebrom ao redor de Bete-Zur; IX (na LXX, depois do v. 59), a região montanhosa ao redor de Belém (a LXX, depois do versículo 59, provê uma área abrangendo 11 cidades, que constavam originalmente, no texto hebraico, mas que agora são omitidas. As mais bem conhecidas destas cidades são Belém e Tecoa); X (v. 60), o limite setentrional da região montanhosa de Judá e a metade ocidental de Benjamim (das duas cidades mencionadas neste versículo, só Quiriate-Jearim é identifi­ cada. Porém, em 18:25-28, QuiriateJearim é citada com cidades atribuídas a Benjamim. A área, portanto, parece ter incluído a região indicada acima. Isso sugere um período após a divisão da monarquia, quando Benjamim se uniu a Judá); XI (cf. 18:21-24), a metade orien­ tal de Benjamim, incluindo Betei, Ofra e Jericó (o território efraimita, nesta área, foi tomado por Judá no décimo século (II Crôn. 13:19) e permaneceu sob o seu controle durante o reinado de Jeosafá (II Crôn. 17:2). Durante o tempo dele, foi, conforme parece, ligada à área adja­ cente de Judá (Cross e Wright, p. 223); XII (61,62), o deserto de Judá, a oeste do Mar Morto e do vale do Jordão inferior. O versículo 63 indica que Judá era incapaz de expulsar os jebuseus de Jeru­ salém, que não foi tomada senão no tem­ po de Davi (cf. II Sam. 5:6-10). 5. A Distribuição às Tribos de José (16:1-17:18) Em contraste com a informação do­ cumentária pormenorizada disponível, concernente à herança de Judá, seme­ lhante material era muito menos abun­

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dante sobre Efraim e Manassés. As listas de limites do editor eram aproximadas e incompletas e as listas das cidades esta­ vam totalmente ausentes. Inseridas no material geográfico há passagens breves, de origem antiga e incerta, algumas das quais se baseiam em fontes que também acharam expressão em trechos paralelos em outros lugares. Entre tais passagens existem tradições de persistência, na ter­ ra, de enclaves hostis (16:10; cf. Juí. 1:27-29; 17:11-13) e da herança dada às filhas de Zetofeade (17:3,4; cf. Núm. 27:1-11). Uma breve tradição também trata da expansão territorial das tribos de José (17:14-18). (1) O Território de Efraim (16:1-10)

1 Saiu depois a sorte dos filhos de José, a qual, partindo do Jordão, na altura de Jeri­ có, junto às águas de Jericó, ao oriente, se estende pelo deserto que sobe de Jericó atra­ vés da região montanhosa até Betei; 2 de Betei vai para Luz, e passa ao termo dos arquitas, até Atarote; 3 desce para o ociden­ te até o termo dos jafletitas, até o termo de Bete-Horom de baixo, e daí até Gezer, indo term inar no m ar. 4 Assim receberam a sua herança os filhos de José, Manassés e Efra­ im. 5 Ora, fica o termo dos filhos de Efraim, segundo as suas famílias, como se segue: para o oriente o termo da sua herança é Atarote-Adar até Bete-Horom de cima; 6 sai este termo para o ocidente junto a Micmetá ao norte e vira para o oriente até Taanate-Siló, margeando-a a leste de Janoa; 7 desce de Janoa a Atarote e a Naarate toca em Jericó e termina no Jordão. 8 De Tapua estende-se para o ocidente até o ri­ beiro de Caná, e vai term inar no m ar. Esta é a herança da tribo dos filhos de Efraim, segundo as suas famílias, 9 juntamente com as cidades que se separaram para os filhos de Efraim no meio da herança dos filhos de Manassés, todas as cidades e as suas al­ deias. 10 E não expulsaram aos cananeus que habitavam em Gezer; mas os cananeus ficaram habitando no meio dos efraimitas até o dia de hoje, e tornaram-se servos, sujeitos ao trabalho forçado.

Os versículos 1-3 delineiam o limite meridional das tribos de José. O versí­ culo 5b também pertence a estes versí-

culos, pois Bete-Horom só podia estar ao sul, enquanto pela descrição dos limites se estendia para o oeste. A referência ao oriente, neste versículo, como está con­ funde. Quando estes versículos são suple­ mentados com a descrição do limite coin­ cidente de Benjamim (cf. 18:12,13), o limite meridional de Efraim torna-se bas­ tante nítido. A partir de um ponto um pouco para o norte de Jericó, galgava o ponto mais elevado da região montanho­ sa em Betei, descia pelo vale por BeteHorom de cima e de baixo, emergia na baixada perto de Gezer e atravessava a planície litorânea, até o Mar Mediterrâ­ neo. Os versículos 6b,7 esboçam o limite oriental de Efraim. Começava no norte, uns onze quilômetros para o sudeste de Siquém, alcançando o vale do Jordão em Atarote, e seguia a margem ocidental do vale para o sul, até encontrar o limite meridional um pouco para o norte de Jericó. As referências aos limites setentrionais são separadas de maneira estranha nos versículos 6b e 8 e podem ser vistas em seu relacionamento correto em 17:7-9, com referência ao limite meridional de Manassés. A partir de Micmetá (perto de Siquém) o limite descia para o sul, até Tapua, e então seguia para o oeste, para seguir o ribeiro Caná, até o mar, um pouco para o norte de Jope. O limite ocidental era o Mar Mediterrâneo. 0 versículo 10, de uma outra fonte (cf. Juí. 1:29), indica a inabilidade dos efraimitas de expulsar os cananeus de Gezer. É aqui acrescido, porém, que os cananeus tornaram-se servos, siyeitos ao trabalho forçado, uma situação que sur­ giu sob o rei Salomão, no décimo século a.C.(cf.I Reis 9:15-22). (2) A Herança de Manassés (17:1-6) 1 Também coube sorte à tribo de Manas­ sés, porquanto era o primogênito de José. Quanto a Maquir, o primogênito de Manas­ sés, pai de Gileade, porquanto era homem

de guerra, obtivera GUeade e Basã. 2 Tam­ bém os outros filhos de Manassés tiveram a sua parte, segundo as suas famílias, a sa­ ber: os filhos de Abiezer, os filhos de Heleque, os filhos de Asriel, os filhos de Siquém, os filhos de Hefer, e os filhos de Semida. Esses são os filhos de Manassés, filho de José, segundo as suas famílias. 3 Zelofeade, porém, filho de Hefer, filho de Gileade, filho de Maquir, filho de Manassés, não teve fi­ lhos, mas só filhas; e estes são os nomes de suas filhas: Macia, Noa, Hogla, Milca e Tirza. 4 Estas, pois, se apresentaram diante de Eleazar, o sacerdote, e diante de Josué, filho de Num, e diante dos príncipes dizen­ do: O Senhor ordenou a Moisés que se nos desse herança no meio de nossos irmãos. Pelo que se lhes deu herança no meio dos irmãos de seu pai, conforme a ordem do Senhor. 5 E couberam a Manassés dez qui­ nhões, afora a terra de Gileade e Basã, que está além do Jordão; 6 porque as filhas de Manassés possuíram herança entre os filhos dele; e a terra de Gileade coube aos outros filhos de Manassés.

A declaração introdutória, concernen­ te à atribuição de Gileade e Basã a Maquir (v. 1), reflete a tradição primitiva da povoação de Manassés oriental na Transjordânia (cf. 13:29-31). Os clãs ou famílias dos seis filhos de Manassés (v. 2) são considerados filhos de Gileade em Números 26:28-32, sugerindo a possibi­ lidade de que parte da Transjordânia setentrional houvesse sido povoada a par­ tir do ocidente. Seis dos nomes dos clãs, nos versículos 2 e 3, são mencionados em documentos (ostracas) do século oito, de Samária, num contexto que sugere que, possivelmente, representem áreas admi­ nistrativas de Israel ocupadas pelos clãs. Além disso, se sabe que Siquém, Heleque e Tirza sãc cidades cananéias anti­ gas, cujos nomes foram, conforme pa­ rece, adotados pelos clãs, que habitavam em suas vizinhanças. O versículo 4 pressupõe Números 27: 1-11 (cf. Núm. 36:1-12, para uma maior elaboração da questão dos direitos de herança). Os dez quinhões do versículo 5 foram dados às cinco filhas de Zelofeade e aos cinco filhos de Manassés (excetuan­ do Hefer, que tinha falecido).

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(3) Os Limites de Manassés; Cidades Inconquistadas (17:7-13)

específicas, concernentes aos limites me­ ridionais destas duas tribos, toma difícil associar-se todas estas cidades com as 7 Ora, o termo de Manassés vai desde mesmas (cf. 19:17-31). Todas as cidades Aser até Micmetá, que está defronte de citadas ficavam no vale de Esdraelom-Jiz­ Siquém; e estende-se pela direita até os moradores de En-Tapua. 8 A terra de Tapua reel, menos Dor, que se encontrava na ficou pertencendo a Manassés; porém Ta­ costa sudoeste do monte Carmelo. Enpua, junto ao termo de Manassés, pertencia Dor parece que ficava longe demais, ao aos filhos de Efraim. 9 Então desce este norte, para ser associada com Manassés, termo ao ribeiro de Caná; a Efraim coube­ pondo em dúvida se pertencia a esta ram as cidades ao sul do ribeiro no meio das cidades de Manassés; o termo de Manas­ lista. Contribui para esta dúvida o fato sés está ao norte do ribeiro, e vai até o mar. de que é omitida da passagem paralela, 10 Ao sul a terra é de Efraim, e ao norte, de muito mais fidedigna, em Juizes 1:27. Manassés, sendo o m ar o seu termo. Esten­ Além disso, a cláusula final e difícil do dem-se ao norte até Aser, e ao oriente até versículo parece ser uma glosa editorial, Issacar. 11 Porque em Issacar e em Aser couberam a Manassés Bete-Seã e suas vilas, adicionada para indicar que a terceira Ibleão e suas vilas, os habitantes de Dor e cidade na lista é Nafate-Dor (cf. a res­ suas vilas, os habitantes de En-Dor e suas peito 11:2), e não En-Dor. Bete-Seã, vilas, os habitantes de Taanaque e suas Ibleão, Taanaque e Megido eram todas vilas, e os habitantes de Megido e suas vilas, com os seus três outeiros. 12 Contudo, os poderosas cidades fortalezas. Bete-Seâ filhos de Manassés não puderam expulsar os guardava a junção dos vales de Jizreel e habitantes daquelas cidades, porquanto os Jordão, e as outras três cidades se esten­ cananeus persistiram em habitar naquela terra. 13 Mas quando os filhos de Israel se diam ao longo da margem meridional de tornaram fortes, sujeitaram os cananeus a Esdraelom, guardando passagens para a trabalhos forçados, porém não os expulsa­ planície pelas colinas ao sul. ram de todo. Os versículos 12 e 13 têm seu paralelo em Juizes 1:27,28 e indicam que estas A descrição dos limites de Manassés é fortalezas poderosas conseguiram resistir fragmentária e às vezes vaga. Desde Aser a Manassés. Mais tarde, porém, os cana­ até Micmetá (no limite mais setentrional neus foram sujeitos a trabalho forçado de Efraim) não descreve um limite, e,, (cf. a respeito 16:10). sim, um eixo noroeste-sudeste pelo cen­ tro de Manassés. De Micmetá para o (4) José Exige uma Partilha Adicional (17:14-18) oeste, até o mar (v. 7-10), o limite meri­ dional coincide com o limite setentrional 14 Então os filhos de José falaram a Jo­ de Efraim, conforme derivado de 16:6b, sué, dizendo: Por que me deste por herança apenas uma sorte e um quinhão, sendo eu 8. O mar formava o limite ocidentál de um numeroso, porquanto o Senhor até Manassés (v. 10) e o limite setentrional aquipovo me tem 15 Respondeu-lhes alcançava o vale de Esdraelom-Jizreel, Josué: Se és abençoado? povo numeroso, sobe ao bos­ unindo-se aos limites meridionais de que, e corta para ti lugar ali na terra dos Aser, Zebulom e Issacar. Ao oriente perizeus e dos refains, desde que a região de Efraim te é estreita demais. (v. 10), usado com referência a Issacar, montanhosa 16 Tomaram os filhos de José: A região indica a extremidade oriental do limite montanhosa não além disso setentrional (cf. 18:17-28). O limite ori­ todos os cananeusnosquebastaria; habitam a terra do ental (não mencionado) do Manassés oci­ vale têm carros de ferro, tanto os de BeteSeã e das suas vilas, como os que estão no dental era o rio Jordão. vale de Jizreel. 17 Então Josué falou à casa O versículo 11 indica que Manassés de José, isto é, a Efraim e a Manassés, tinha determinadas cidades em Aser e dizendo: Povo numeroso és tu, e tens grande Issacar. Uma carência de informações força; não terás uma sorte apenas; 18 po­

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rém a região montanhosa será tua; ainda que é bosque, cortá-lo-ás, e as suas extremi­ dades serão tuas; porque expulsarás os cananeus, não obstante terem eles carros de ferro e serem fortes.

Esta seção parece representar a fusão de duas tradições originalmente separa­ das, porém paralelas (14,15 e 16-18), com relação à expansão da tribo de José. No versículo 15, se desafia o povo para ganhar o espaço extra, de que necessita­ va, por meio de derrubar o bosque. Se a floresta aqui se refere à região monta­ nhosa de Samária ou se representa uma expansão “floresta de Efraim” adentro, na Transjordânia (cf. II Sam. 18:6), é questão muito disputada. A terra dos refains parece que ficava na Transjordâ­ nia (Deut. 3:13, porém cf. Jos. 15:8), embora se conheça os perizeus somente como habitando em Canaã (cf. a respeito 3:10). No entanto, a referência aos cananeus em Jizreel torna claro que é a região montanhosa adjacente que está em mira. Os carros de ferro, isto é, com chapas protetoras de ferro, eram instrumentos formidáveis na planície. No entanto, se deu a certeza de vitória a Josué, na con­ quista tanto da floresta como dos cananeus(v. 18). 6. A Distribuição às Outras Sete Tribos (18:1-19:51) Esta seção parece ter recebido seu ar­ ranjo atual da parte de um editor deuteronômico. A fonte original dos dados fronteiriços que ele usou foi, provavel­ mente, o relatório escrito da “comissão de levantamento da terra”, cujo trabalho é descrito em 18:4-9. Ele teve acesso também a algumas listas de cidades. Quanto às tribos sulistas de Benjamim e Simeão (dentro dos limites de Judá), estas listas são bastante detalhadas e, no caso de Benjamim, claramente distingui­ das da lista dos limites (Simeão apresen­ ta uma lista somente de cidades). A lista das cidades de Dã foi colocada junto com as listas galiléias, que Cross e Wright

tomam como um misto de marcos de limites e ampliações secundárias. (1) O Levantamento e a Divisão do Ter­ ritório Restante (18:1-10) 1 Ora, toda a congregação dos filhos de Israel, havendo conquistado a terra, se reu­ niu em Siló, e ali armou a tenda da revela­ ção. 2 E dentre os filhos de Israel restavam sete tribos que ainda não tinham repartido a sua herança. 3 Disse, pois, Josué aos filhos de Israel: Até quando sereis remissos em entrardes para possuir a terra que o Senhor Deus de vossos pais vos deu? 4 Designai vós a três homens de cada tribo, e eu os envia­ rei; e eles sairão a percorrer a terra, e a demarcarão segundo as suas heranças, e voltarão a ter comigo. 5 Reparti-la-ão em sete partes; Judá ficará no seu termo da banda do sul; e a casa de José ficará no seu termo da banda do norte. 6 Sim, vós demar­ careis a terra em sete partes, e me trareis a mim a sua descrição; eu vos lançarei as sortes aqui perante o Senhor nosso Deus. 7 Porquanto os levitas não têm parte no meio de vós, porque o sacerdócio do Senhor é a sua herança; e Gade, Rúben e a meia tribo de Manassés já receberam a sua he­ rança além do Jordão para o oriente, a qual lhes deu Moisés, servo do Senhor. 8 Então aqueles homens se aprontaram para saí­ rem; e Josué deu ordem a esses aue iam demarcar a terra, dizendo: Ide, percorrei a terra, demarcai-a; então vinde ter comigo; e aqui em Siló vos lançarei as sortes perante o Senhor. 9 Foram, pois, aqueles homens e, passando pela terra, a demarcaram em sete partes segundo as suas cidades, descreven­ do-a num livro; e voltaram a Josué, ao arraial em Siló. 10 Então Josué lhes lançou as sortes em Siló, perante o Senhor; e ali repartiu Josué a terra entre os filhos de Is­ rael, conforme as suas divisões.

A primeira distribuição de território foi feita às tribos transjordânicas, nas planícies de Moabe (cf. 13:32); a segun­ da foi feita a Judá e às tribos de José, em Gilgal (cf. 14:6); e a terceira é aqui apresentada como se realizando em Siló (18:1,10). Siló (v.l) estava localizada na região montanhosa central de Efraim, cerca de 16 quilômetros para o norte de Betei. Siló sucedeu Gilgal como o santuá­ rio central de Israel e permaneceu como

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tal até sua destruição por volta de 1050 a.C., presumivelmente pelos filisteus (cf. I Sam. 4). A terminologia do versículo 1 (congregação) sugere, possivelmente, que este versículo introdutório tenha sido suprido por um editor sacerdotal. (Sobre a tenda da revelação, cf. Êx. 33:7-11). O versículo 2 relembra ao leitor que sete tribos ainda não tinham recebido uma herança. Josué repreendeu-as pelo seu desleixo em não possuírem o que o Senhor já lhes havia outorgado (v. 3). Nos versículos 4-6, Josué toma a inicia­ tiva e envia uma comissão, composta de três homens de cada tribo, para preparar uma descrição de um levantamento da terra por escrito, que devia servir como base para a divisão da terra em sete parcelas. Pela cerimônia das sortes sa­ gradas, a porção de cada tribo devia ser determinada (cf. o comentário sobre 7:14). O versículo 7, junto com a menção de Judá e José no versículo 5, explica como as sete partes (cf. os v. 5,6) foram cal­ culadas. Como quando as partilhas fo­ ram feitas para as tribos transjordânicas, é aqui realçado que o Senhor e seu serviço eram a herança de Levi (cf. 13: 14,33). Os versículos 8-10 descrevem o levan­ tamento e a divisão, o lançamento das sortes e a distribuição da terra às tribos por Josué. (2) A Herança de Beiyamim (18:11-28) E surgiu a sorte da tribo dos filhos de Benjamim, segundo as suas famílias, e cou­ be-lhes o território da sua sorte entre os fi­ lhos de Judá e os filhos de José. 12 O seu termo ao norte, partindo do Jordão, vai até a saliência ao norte de Jericó e, subindo pela região montanhosa para o pcidente, chega até o deserto de Bete-Áven: 13 dali passa até Luz, ao lado de Luz (que é Betei) para o sul; e desce a Atarote-Adar, junto ao monte que está ao sul de Bete-Horom de baixo; 14 e vai este termo virando, pelo lado ocidental, pa­ ra o sul desde o monte que está defronte de Bete-Horom; e chega a Quiriate-Baal (que é Quiriate-Jearim), cidade dos filhos de Judá.

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Esta é a sua fronteira ocidental. 15 A sua fronteira meridional começa desde a extre­ midade de Quiriate-Jearim, e dali se esten­ de até Efrom, até a fonte das águas de Neftoa; 16 desce à extremidade do monte que está fronteiro ao vale de Ben-Hinom, que está no vale dos refains, para o norte; também desce ao vale de Hinom da banda dos jebuseus para sul; e desce ainda até En-Rogel; 17 passando para o norte, chega a En-Semes, e dali sai a Gelilote, que está defronte da subida de Adumim; desce á pedra de Boã, filho de Rúben; 18 segue para o norte, margeando a Arabá, e desce ainda até a Arabá; 19 segue dali para o norte, ladeando Bete-Hogla; e os seus extremos chegam à baía setentrional do Mar Salgado, na extremidade meridional do Jordão. Esse é o termo do sul. 20 E o Jordão é o seu termo oriental. Essa é a herança dos filhos de Ben­ jamim, pelos seus termos ao redor, segundo as suas famílias. 21 Ora, as cidades da tribo dos filhos de Benjamim, segundo as suas famílias, são: Jericó, Bete-Hogla, EmequeQueziz, 22 Bete-Arabá, Zemaraim, Betei, 23 Avim, Pará, Ofra, 24 Quefar-Ha-Amonai, Ofni e Gaba; doze cidades e as suas aldeias. 25 Gibeão, Ramá, Beerote, 26 Mizpe, Cefira, Moza, 27 Requem, Irpeel, Tarala, 28 Zela, Elefe e Jebus (esta é Jerusalém), Gibeá e Quiriate; catorze cidades e ás suas aldeias. Essa é a herança dos filhos de Benjamim, segundo as suas famílias.

Os versículos 11 a 20 descrevem os limites de Benjamim. O limite setentrio­ nal (v. 11-13) corresponde ao limite me­ ridional de José (cf. a respeito 16:1-4), do Jordão para o oeste, até Bete-Horom de baixo. Deste último ponto para o sul, até Quiriate-Jearim, no limite setentrional de Judá, ficava o limite ocidental de Benjamim (v. 14). De Quiriate-Jearim para o leste, até a foz do Jordão, o limite meridional de Benjamim (v. 15-19) coin­ cidia com o limite setentrional de Judá (cf. a respeito 15:5-9), os pontos frontei­ riços sendo relacionados em ordem inver­ sa. O rio Jordão constituía a margem de Benjamim no leste (v. 20). Os versículos 21 a 28 citam as cidades dè Benjamim. Como em Judá, elas são agrupadas de acordo com as regiões geo­ gráficas, cada grupo concluindo com um total das cidades relacionadas. Duas re-

giões são apresentadas, cada uma delas podendo ter sido, originalmente, uma parte do sistema de províncias judaicas. O primeiro grupo (v. 21-24) abrange cidades na Benjamim oriental e se esten­ de pelo sudeste de Efraim. Talvez repre­ sente uma região (agora ausente da rela­ ção de Judá) que abrangia algumas po­ voações efraimitas sob o controle de Judá durante o nono século a.C. (cf. o comen­ tário sobre 15:20-62). Esta região estava, conforme parece, ligada à Região XII de Judá (cf. o comentário sobre 15:61,62), pois Bete-Arabá está incluída nas duas, talvez por ficar na fronteira entre elas. As cidades do grupo dois (v. 25-28), na Benjamim ocidental, talvez componham a província originalmente designada co­ mo Região X no sistema de Judá (cf. o comentário sobre 15:60), que foram resu­ midas posteriormente na lista de Judá, quando a província foi atribuída a Ben­ jamim. (3) A Herança de SimeSo (19:1-9)

nado de Salomão, Simeão certamente já havia sido absorvido em Judá nos come­ ços da monarquia. A maioria das cidades citadas nos ver­ sículos 2 a 8 também aparece em 15:2132, sugerindo, ássim, que o território de Simeão ficava predominantemente no Negebe, correspondendo à Região I de Judá, no extremo sul. Porém duas das cidades de Simeão (Eter e Asã) são cita­ das na Região IV de Judá, que era em Sefelá. (4) A Herança das Tribos Galiléias (19:10-39)

10 Surgiu a terceira sorte aos filhos de Zebulom, segundo as suas famílias. Vai o termo da sua herança até Saride; 11 sobe para o ocidente até Mar ala, estende-se até Dabesete, e chega até o ribeiro que está defronte de Jocneão; 12 de Saride vira para o oriente, para o nascente do sol, até o termo de Quislote-Tabor, estende-se a Daberate, e vai subindo a Jafia; 13 dali passa para o oriente a Gate-Hefer, a Ete-Cazim, chegando a Rimom-Metoar e virando-se pa­ ra Neá; 14 vira ao norte para Hanatom, e 1 Saiu a segunda sorte a Simeão, isto é, à chega ao vale de Iftael; 15 e Cata te, Naalal, tribo dos filhos de Simeão, segundo as suas Sinrom, Idala e Belém; doze cidades e as famílias; e foi a sua herança no meio da suas aldeias. 16 Essa é a herança dos filhos herança dos filhos de Judá. 2 Tiveram, pois, de Zebulom, segundo as suas famílias, essas na sua herança: Berseba, Seba, Molada, cidades e as suas aldeias. 17 A quarta sorte 3 Hazar-Sual, Balá, Ezem, 4 Eltolade, Betul, saiu aos filhos de Issacar, segundo as suas Horma, 5 Ziclague, Bete-Marcabote, Hazar- famílias. 18 Vai o seu termo até Jizreel, Susa, 6 Bete Lebaote e Saruém; treze cida­ Quesulote, Suném, 19 Hafaraim, Siom, des e suas aldeias. 7 Aim, Rimom, Eter e Anaarate, 20 Rabite, Quisiom, Abes, 21 Re­ Asã; quatro cidades e as suas aldeias; 7 e to­ mete, En-Ganim, En-Hada e Bete Pazez, das as aldeias que havia em redor dessas 23, estendendo-se este termo até Tabor, cidades, até Baalate-Ber, que é Ramá do Saazima e Bete-Semes; e vai term inar no sul. Essa é a herança da tribo dos filhos de Jordão; dezesseis cidades e as suas aldeias. Simeão, segundo as suas famílias. 9 Ora, do 23 Essa é a herança da tribo dos filhos de quinhão dos filhos de Judá tirou-se a heran­ Issacar, segundo as suas famílias, essas ci­ ça dos filhos de Simeão, porquanto a porção dades e as suas aldeias. 24 Saiu a quinta dos filhos de Judá era demasiadamente sorte à tribo dos filhos de Aser, segundo as grande para ele; pelo que os filhos de Si­ suas famílias. 25 O seu termo inclui Helcameão receberam herança no meio da heran­ te, Hali, Béten, Acsafe, 26 Alameleque, Amade e Misal; estende-se para o ocidente ça deles. até Carmelo e Sior-Libnate; 27 vira para o nascente do sol a Bete-Dagom; chega a Nenhuma relação dos limites de Si­ Zebulom e ao .vale de Iftael para o norte, até e Neiel; estende-se pela es­ meão foi preservada, pois, como indica­ Bete-Emeque querda até Cabul, 28 Ebrom, Reobe, Hado (v. 1,9), a herança de Simeão estava e Caná, até a grande Sidom; 29 vira no meio de Judá. Visto que a lista dos mom para Ramá, e para a cidade fortificada de limites tribais usada pelo editor deutero- Tiro, desviando-se então para Hosa, donde nômico parece não ser posterior ao rei­ vai até o m ar; Maalabe, Aczibe, 30 Umá,

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Aíeca e iwi/üüt, HO todo, vinte e duas cidadese as suas aldeias. 31 Essa é a herança da tribo dos filhos de Aser, segundo as suas famílias, essas cidades e as suas aldeias. 32 Saiu a sexta sorte aos filhos de Naftali, segundo as suas famílias. 33 Vai o seu termo desde Helefe e desde o carvalho em Zaananim, e Adãmi-Nequebe e Jabneel, até Lacum, terminando no Jordão; 34 vira para o ocidente até Aznote Tabor, e dali passa a Hucoque; chega a Zebulom, da banda do sul e a Aser, da banda do ocidente, e a Judá, à margem do Jordão, para o oriente. 35 E são as cidades fortificadas: Zidim, Zer, Hamate, Ra cate, Quinerete, 36 Adama, Ramá, Hazor, 37 Quedes, Edrei, En-Hazor, 38 Irom, Migdal-El, Horem, Bete-Anate e Beto-Semes; dezenove cidades e as suas aldeias. 39 Essa é a herança da tribo dos filhos de Naftali, segundo as suas famílias, essas ci­ dades e as suas aldeias.

A discussão destes territórios é omitida e aconselha-se ao leitor que consulte um mapa em que sejam esboçados. (5) A Herança de Dã (19:40-48) 40 A sétima sorte saiu à tribo dos filhos de Dã, segundo as suas famílias. 41 O termo da sua herança inclui: Zorá, Estaol, Ir-Semes, 42 Saalabim, Aijalom, Itla, 43 Elom, Timnate, Ecrom, 44 Elteque, Gibetom, Baalate, 45 Jeúde, Bene-Beraque, Gate-Rimom, 46 Me-Jarcom e Racom, com o território defronte de Jope. 47 Saiu, porém, pequeno o território dos filhos de Dã; pelo que os filhos de Dã subiram, pelejaram contra Lesem e a tomaram; feriram-na ao fio da espada, to­ m aram posse dela e habitaram-na; e a Le­ sem chamaram Dã, conforme o nome de Dã, seu pai. 48 Essa é a herança da tribo dos filhos de Dã, segundo as suas famílias, essas cidades e as suas aldeias.

Os versículos 40-46 relacionam as ci­ dades incluídas no território original de Dã. Embora não se dê limite nenhum, os limites são definidos pelos das tribos vi­ zinhas; Judá no sul, Efraim ao norte e Benjamim no leste. O limite ocidental era a costa do Mar Mediterrâneo. Algu­ ma parte desse território nunca foi con­ quistada pelos danitas (cf. Juí. 18), e outras partes eles foram incapazes de manter (cf. o v. 47; Juí. 1:34). A pressão

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filistéia foi, inquestionavelmente, um fa­ tor em sua retirada da área. O relato de sua migração para uma região mais se­ gura e de sua tomada de Lesem (Laís), perto de uma das maiores nascentes do Jordão, é apresentado em Juizes 18. (6) Conclusão; a Herança de Josué (19:49-51) 49 Tendo os filhos de Israel acabado de repartir a terra em herança segundo os seus termos, deram a Josué, filho de Num, he­ rança no meio deles. 50 Segundo a ordem do Senhor lhe deram a cidade que pediu, Timnate-Sera, na região montanhosa de Efraim; e ele reedificou a cidade, e habitou nela. 51 Essas são as heranças que Eleazar, o sacerdote, e Josué, filho de Num, e os cabeças das casas paternas nas tribos dos filhos de Israel repartiram em herança por sorte em Siló, perante o Senhor, à porta da tenda da revelação. E assim acabaram de repartir a terra.

Os versículos 49 e 50 constituem, pos­ sivelmente, a conclusão original da seção inteira sobre a divisão da terra (caps. 14-19). Conforme na introdução que an­ tecedeu um pouco a seção (cf. o comen­ tário sobre 14:1a,5), os filhos de Israel são destacados como desempenhando o papel principal na doação da herança. Timnate-Sera (Khirbet Tibneh) ficava na parte central da região montanhosa de Efraim, uns 16 quilômetros ao norte de Betei. O versículo 51 é uma conclusão posterior provavelmente pela mão de um editor sacerdotal, que, em conformidade com 14:1b, realça o papel de Eleazar, junto com o de Josué e dos líderes tribais, no processo da partilha. 7. Cidades de Refugio (20:1-9) 1 Falou mais o Senhor a Josué: 2 Dize aos filhos de Israel: Designai para vós as cida­ des de refúgio, de que vos falei por intermé­ dio de Moisés, 3 a fim de que fuja para ali o homicida, que tiver matado alguma pessoa involuntariamente, e não com intento; e elas vos servirão de refúgio contra o vinga­ dor do sangue. 4 Fugindo ele para uma des­ sas cidades, apresentar-se-á à porta da mes­

ma, e exporá a sua causa aos anciãos da tal cidade; então eles o acolherão ali e lhe darão lugar, para que habite com eles. 5 Se, pois, o vingador do sangue o perseguir, não lhe entregarão o homicida, porquanto feriu a seu próximo sem intenção e sem odiá-lo dantes. 6 E habitará nessa cidade até que compareça em juízo perante a congregação, até que m orra o sumo sacerdote que houver naqueles dias; então o homicida voltará, e virá à sua cidade e à sua casa, à cidade0 donde tiver tugido. 7 Então designaram a Quedes na Galiléia, na região montanhosa de Naftali, a Siquém na região montanhosa de Efraim, e a Quiriate-Arba (esta é Hebrom) na região montanhosa de Judá. 8 E, além do Jordão na altura de Jericó para o oriente, designaram a Bezer, no deserto, no planalto da tribo de Rúben, a Ramote, em Gileade, da tribo de Gade, e a Golã, em Basà, da tribo de Manassés. 9 Foram estas as cidades designadas para todos os filhos de Israel, e para o estrangeiro que peregri­ nasse entre eles, para que se acolhesse a elas todo aquele que matasse alguma pessoa involuntariamente, para que não morresse às mãos do vingador do sangue, até se apre­ sentar perante a congregação.

Foram acrescidos ao fim da seção so­ bre a partilha do território dois capítu­ los suplementares, tendo a ver com a atribuição de cidades de refúgio (cap. 20) e cidades levíticas (cap. 21). As duas lis­ tas relacionam-se em seus interesses, as cidades de refúgio sendo também cida­ des levitas. Elas também se relacionam quanto à questão de data, pois, embora ambos os capítulos nos tenham chegado em edições sacerdotais, as listas em si remontam, provavelmente, ao décimo sé­ culo a.C. (ver a Introdução). No capítulo 20, o Senhor ordena a Josué, em conformidade com suas orien­ tações dadas a Moisés, para mandar o povo designar cidades de refúgio, onde um homicida involuntário pudesse achar asilo, para ficar a salvo de um vingador de sangue. A vingança de sangue era um costume do Israel antigo que refletia sua herança desértica. Conforme esta insti­ tuição, o parente mais próximo de uma vítima de homicídio tinha a responsabili­ dade de vingar sua morte. Numa socie­

dade tribal sem nenhuma autoridade centralizada que tratasse de tais ques­ tões, esta exigência de sangue por sangue era proposta como uma salvaguarda e um dissuasor do homicídio. Contudo, o costume era suscetível de abuso por par­ te do vingador, assim resultando em contravingança e, finalmente, em vendetas. Embora a vingança de sangue conti­ nuasse a ser sancionada em Israel, a lei bíblica procurava controlar a execução rápida da vingança particular, até que a justiça pública pudesse intervir. Assim fazia, distinguindo entre a matança pro­ positada e a acidental e estabelecendo lugares de refúgio onde o homicida invo­ luntário tivesse asilo, para ficar a salvo do vingador de sangue. Este. princípio é exposto já antes no Código da Aliança (cf. Êx. 21:12-14), onde está implícito que o lugar de asilo indicado era um santuário com um altar do Senhor (cf. I Reis 1:50-53; 2:28-31). Em muitas so­ ciedades antigas, tanto os inocentes quanto os culpados buscavam a proteção divina ou da vingança ou da justiça nos recintos sagrados de seus deuses. Porém, em Israel, o santuário do Senhor não oferecia asilo nenhum para o homicídio propositado. A instituição de asilo assumiu uma forma suplementar e mais estável a par­ tir da designação de cidades de refúgio. Elas se localizavam em diversas regiões da terra, para que fossem facilmente acessíveis a todos. Em Josué 20:1,2, se ordena que o povo cumprisse o mandamento do Senhor dado por intermédio de Moisés e de­ signasse as cidades de refúgio (cf. Deut. 19:1-10; Núm. 35:9-15). A relação entre Josué 20, Números 35 e Deuteronômio 19 não é de todo clara. Contudo, os versí­ culos 3-6 (tratando das funções das ci­ dades de refúgio), tanto na terminologia como na processualística para se tratar do réu, parecem refletir a tentativa de um editor de fundir as outras duas fon­ tes. Além disso, a omissão pela Septua-

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ginta, dos versículos 4 e 5 e 6b, referindo­ -se ao sumo sacerdote, parece sugerir ampliação editorial. O versículo 3 então se liga ao 6a (cf. Núm. 35:12). Como presentemente constituídos, os versículos 4-6 indicam que os anciãos da cidadeasilo avaliavam a culpa ou a inocência do fugitivo (mas cf. Núm. 35:24,25), admi­ tindo ou não o seu acesso ao asilo ali. Mais tarde, o caso dele era julgado pela congregação e, se achado inocente, fica­ va na cidade até a morte do sumo sa­ cerdote. Depois dela, ele podia voltar sem risco à sua própria cidade e ao seu próprio lar. A “entrada da porta da ci­ dade” (v.4) refere-se à área aberta dentro do portão, que servia de ponto central dos negócios da cidade, fossem sociais, econômicos ou jurídicos. A lista inédita de cidades de refúgio (v. 7,8) constitui a seção mais antiga do capítulo 20, remontando, provavelmen­ te, ao tempo de Davi ou Salomão. As cidades estão distribuídas conforme as regiões norte, centro e sul — de ambos os lados do Jordão. Do norte ao sul, a oeste do Jordão, ficavam Quedes, na região montanhosa de Naftali (na Galiléia se­ tentrional); Siquém, na região monta­ nhosa de Efraim (mas dentro dos limites de Manassés, cuja região montanhosa estava incluída nesta designação regio­ nal); e Hebrom, na região montanhosa de Judá. Todas foram incluídas na rela­ ção das cidades levitas, e Hebrom e Siquém eram santuários antigos e bem conhecidos. Quedes era, provavelmente, um santuário antigo também, visto que o próprio nome significa lugar sagrado ou santuário. As três cidades transjordânicas eram também cidades levitas (cf. o cap. 21) e, provavelmente, santuários. Do sul ao norte, constavam como sangue: Bezer (talvez Um el-‘Amad), na margem do planalto, a leste de Nebo e da extremi­ dade setentrional do Mar Morto; Ramote em Gileade (nordeste) (Tell Ramith), uns 40 quilômetros a sudeste do Mar da

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Galiléa; e Golã (Sahem el-Jolam), uns 29 quilômetros a leste do Mar da Ga­ liléia. 8. Cidades Levíticas (21:1-42) Ê repetidas vezes ressaltado, na seção sobre a divisão da terra, que a tribo de Levi não recebera nenhuma partilha ter­ ritorial. Antes, o sacerdócio do Senhor era a herança dos levitas. Contudo, foilhes atribuída uma relação de cidades em que morassem, com os pastios vizinhos (13:14,33; 14:3,4; 18:7). Como observado na introdução acima, a lista inédita de cidades, porém, perten­ ce, provavelmente, ao período de Davi ou Salomão (décimo século a.C.), visto que algumas delas não foram construídas an­ teriormente a esse tempo, enquanto ou-, tras escaparam do controle israelita pou­ co depois.36 Uma lista paralela, apenas com varia­ ções menores, aparece em I Crônicas 6:54-81. As divergências parecem ter re­ sultado, em alguns casos, de erros de es­ cribas e, em outros, talvez de esforços editoriais para identificar locais cujos nomes antigos já não eram usados. As passagens paralelas são derivadas, apa­ rentemente, de uma lista única de 48 cidades, divididas, igualmente, entre as doze tribos, as duas metades de Manas­ sés sendo consideradas como uma tribo. Redações posteriores alteraram, às vezes, a relação de quatro cidades de cada tri­ bo, particularmente pelo acréscimo de Hebrom e Siquém, duas cidades de re­ fúgio, que Albright indica, com bastante clareza, terem estado ausentes da lista original.37 Tem-se mantido, contudo, o total de 48 cidades. Há evidências, na editoração posterior do capítulo, de distinção presumida (que é pós-exílica) entre os sacerdotes (os fi­ lhos de Arão) e os levitas (divididos' em 36 W. F. Albright, “The List of Levitic Cities”, Louis Ginzberg Jubilee Volume) New York: The American Aca­ demy for Jewish Research, 1945), p. 56-58. 37 Ibid., p. 54,59, nota de rodapé 24.

Nos versículos 1-3, os levitas reivindi­ cam suas moradias prometidas. A ênfase do editor sacerdotal dada ao papel de Eleazar e dos cabeças das casas pater­ nas, no processo da distribuição (v. 1), foi já acima comentada (cf. 14: lb; 19: 51). A reivindicação ocorreu no santuá­ rio central, em Siló (v. 2; cf. 18:1,8-10). O mandamento do Senhor a Moisés, inclusive sobre a extensão dos pastios e o número de cidades a serem dadas, é registrado em Números 35:1-8. Os versículos 4-7 citam as famílias levíticas e as tribos de que provieram suas povoações. As famílias levíticas são aqui apontadas como descendentes dos três filhos de Levi: Gérson, Coate e Merári(cf. Êx. 6:16-20; Núm. 3:17; 26:5759). O clã de Coate é ainda dividido nas famílias que eram filhos de Arão (sacer­ dotes verdadeiros) e as que não eram (o restante dos coatitas). Dentro das qua­ (1) A Partilha Para os Levitas (21:1-7) tro famílias, se faz uma distinção, por­ tanto, entre os sacerdotes (os filhos de 1 Então os cabeças das casas paternas dos Arão) e os levitas que se compunham levitas chegaram a Eleazar, o sacerdote, e a dos outros três grupos. Reconhecem-se Josué, filho de Num, e aos cabeças das estas distinções como sendo de tempos casas paternas nas tribos dos filhos de Is­ rael, 3 em Siló, na terra de Canaã, e lhes pós-exílicos. Os filhos de Arão recebem falaram, dizendo: O Senhor ordenou, por tanto a primeira sorte como o território intermédio de Moisés, que se nos dessem favorecido ao redor de Jerusalém. cidades em que habitássemos, e os seus arrabaldes para os nossos animais. 3 Pelo (2) Cidades Designadas Pelas Tribos às que os filhos de Israel deram aos levitas, da sua herança, conforme a ordem do Senhor, Famílias Levíticas (21:8-42)

três clãs), na atribuição da lista de ci­ dades e na elaboração do capítulo. Uma enigmática peculiaridade da lista torna-se patente quando se localizam as cidades no mapa; e sua omissão de toda a região na Judá central, ao sul de Jerusa­ lém; e sua omissão de toda a região mon­ tanhosa de Efraim central é igualmente óbvia (Siquém é um acréscimo poste­ rior). Por que as cidades levíticas estão ausentes dessas áreas estratégicas? Em­ bora não se tenha proposto nenhuma resposta inteiramente satisfatória, a pro­ posta interessante de de Vaux é bastante convincente. Sugere que o estabeleci­ mento do templo de Jerusalém e a orga­ nização do culto oficial em Betei resulta­ ram na dispersão dos levitas que não ser­ viam nos santuários grandes, assim ex­ plicando a ausência de cidades levíticas nos arrabaldes desses santuários.38

as seguintes cidades e seus arrabaldes; 4 Saiu, pois, a sorte às famílias dos coatitas; e aos filhos de Arão, o sacerdote, que eram dos levitas, caíram por sorte, da tribo de Judá, da tribo de Simeão e da tribo de Ben­ jamim, treze cidades; 5 aos outros filhos de Coate caíram por sorte, das famílias da tribo de Efraim, da tribo de Dã e da meia tribo de Manassés, dez cidades; 6 aos filhos de Gérson caíram por sorte, das famílias da tribo de Issacar, da tribo de Aser, da tribo de Naftali e da meia tribo de Manassés em Basã, treze cidades; 7 e aos filhos de Merári, segundo as suas famílias, da tribo de Rúben, da tribo de Gade e da tribo de Zebulom, doze cidades. 38 Roland de Vaux, Ancient Israel p. 367.

8 Assim deram os filhos de Israel aos levitas estas cidades e seus arrabaldes por sorte, como o Senhor ordenara por intermé­ dio de Moisés. 9 Ora, deram, da tribo dos filhos de Judá e da tribo dos filhos de Si­ meão, estas cidades que por nome vão aqui mencionadas, 10 as quais passaram a per­ tencer aos filhos de Arão, sendo estes das famílias dos coatitas e estes, por sua vez, dos filhos de Levi; porquanto lhes caiu a primeira sorte. 11 Assim lhes deram Quiriate-Arba, que é Hebrom, na região monta­ nhosa de Judá, e seus arrabaldes em redor (Arba era o pai de Anaque). 12 Mas deram o campo da cidade e suas aldeias a Calebe, filho de Jefoné, por sua possessão. 13 Aos fi­ lhos de Arão, o sacerdote, deram Hebrom, cidade de refúgio do homicida, e seus arra-

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baldes, Libna e seus arrabaldes, 14 Jatir e seus arrabaldes, Estemoa e seus arrabal­ des, 15 Holom e seus arrabaldes, Debir e seus arrabaldes, 16 Aim e seus arrabaldes, Jutá e seus arrabaldes, Bete-Semes e seus arrabaldes; nove cidades dessas duas tri­ bos. 17 E da tribo de Benjamim, Gibeão e seus arrabaldes, Geba e seus arrabaldes, 18 Anatote e seus arrabaldes, Almom e seus arrabaldes; quatro cidades. 19 Todas as ci­ dades dos sacerdotes, filhos de Arão, foram treze cidades e seus arrabaldes. 20 As famí­ lias dos filhos de Coate, levitas, isto é, os demais filhos de Coate, receberam as cida­ des da sua sorte; da tribo de Efraim 21 de­ ram-lhes Siquém, cidade de refúgio do ho­ micida, e seus arrabaldes, na região mon­ tanhosa de Efraim, Gezer e seus arrabal­ des, 22 Quibzaim e seus arrabaldes, BeteHorom e seus arrabaldes; quatro cidades, 28 E da tribo de Dã, Elteque e seus arrabal­ des, Gibetom e seus arrabaldes, 24 Aijalom e seus arrabaldes, Gate-Rimon e seus arrabaldes; quatro cidades. 25 E da meia tri­ bo de Manassés, Taanaque e seus arra­ baldes e Gate-Rimon e seus arrabaldes; duas cidades. 26 As famílias dos demais filhos de Coate tiveram ao todo dez ci­ dades e seus arrabaldes. 27 Aos filhos de Gérson, das famílias dos levitas, deram da meia tribo de Manassés, Golã, cida­ de de refúgio do homicida, em Basã, e seus arrabaldes, e Beesterá e seus arrabal­ des; duas cidades. 28 E da tribo de Issacar, Quisiom e seus arrabaldes, Daberate e seus arrabaldes, 29 Jarm ute e seus arrabaldes, En-Ganim e seus arrabaldes; quatro cida­ des. 80 E da tribo de Aser, Misal e seus arra­ baldes, Abdom e seus arrabaldes, 81 Helcate e seus arrabaldes, Reobe e seus arrabaldes; quatro cidades. 32 E dá tribo de Naftali, Quedes, cidade de refúgio do homicida, na Galiléia, e seus arrabaldes, Hamote-Dor e seus arrabaldes, Cartã e seus arrabaldes; três cidades. 33 Todas as cidades dos gersonitas, segundo as suas famílias, foram treze cidades e seus arrabaldes. 34 Às famílias dos filhos de Merári, aos demais levitas, deram da tribo de Zebulom, Jocneão e seus arrabaldes, Cartá e seus arrabaldes, 35 Dimna e seus arrabaldes, Naalal e seus arrabaldes; quatro cidades. 36 E da tribo de Rúben, Bezer e seus arrabaldes, Jaza e seus arrabaldes, 87 Quedemote e seus arrabal­ des, Mefaate e seus arrabaldes; quatro ci­ dades. 38 E da tribo de Gade, Ramo te, ci­ dade de refúgio do homicida, em Gileade, e seus arrabaldes, Maanaim e seus arrabal­ des, 39 Hesbom e seus arrabaldes, Jazer e seus arrabaldes; ao todo, quatro cidades.

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40 Todas essas cidades couberam por sorte aos filhos de Merári, segundo as suas famí­ lias, o restante das famílias dos levitas; foram, ao todo doze cidades. 41 Todas as cidades dos levitas, no meio da herança dos filhos de Israel, foram quarenta e oito cida­ des e seus arrabaldes. 42 Cada uma dessas cidades tinha os seus arrabaldes em redor; assim ftoi com todas elas.

Os versículos 9-19 citam as cidades dos coatitas arônicos. Os versículos 11 e 12 explicam a concessão de Hebrom aos levitas, quando tinha já sido dada a Calebe (cf. 14:13-15; 15:13). Provavel­ mente, Hebrom não constava na lista mais antiga de cidades levíticas, mas foi acrescida das cidades de refúgio. Aim (v. 16) deve-se ler, provavelmente, Asã, em conformidade com o versículo para­ lelo em I Crônicas 6:59. São citadas nove cidades no grupo Judá-Simeão; sem o acréscimo de Hebrom (cf. a respeito o v. 12); no original seriam oito (cf. a intro­ dução ao capítulo 21). São citadas qua­ tro cidades (conforme originalmente prescritas) de Benjamim (v. 17,18). Almom aparece como Alemete no versículo paralelo em I Crônicas 6:60. Os versículos 20-26 citam as cidades do restante dos coatitas. Citam quatro cidades de Efraim (v. 20-22). Siquém constitui um acréscimo posterior, das cidades de refúgio; além disso, estava localizada em Manassés, e não em Efraim. Porém, podem-se relacionar qua­ tro cidades sem ela, pois Jocmeão é suprida pelo versículo paralelo em I Crô­ nicas 6:68. São citadas quatro cidades de Dã (v. 23,24) e duas da meia tribo de Manassés (v. 25). Gate-Rimon, contudo, é, provavelmente, um erro de repetição do versículo 24, por parte de um escri­ ba, e deve ser substituída por Bileã, se­ gundo a Septuaginta e I Crônicas 6:70 (que lêem Bileã). Os versículos 27-33 citam as cidades gersonitas. Relacionam-se duas cidades do Manassés oriental, as duas metades da tribo perfazendo um total de quatro (cf. o v. 25). Em lugar de Beesterá,

porém, leia-se Astarote, conforme consta em I Crônicas 6:71. Jarmute, das quatro cidades de Issacar (v. 28,29), possivel­ mente, corresponde à Ramote de I Crô­ nicas 6:73, constando como Remete,em Josué 19:21. Na lista de Naftali falta uma cidade, apenas três sendo aqui citadas. A cidade omitida é, provavelmente, Hamom (I Crônicas 6:76), que, em vez de ser uma forma variada de Hamote-Dor (Hamate), é outra cidade, pois ambas são citadas na Septuaginta. Cartã (v. 32) é, provavelmente, Quiriataim (cf. I Crô­ nicas 6:76). Os versículos 34-40 citam as cidades distribuídas aos meraritas. Cartã, das cidades de Zebulom (v. 34,35), é, possi­ velmente, um erro de repetição da Cartã (v. 32) da relação de Naftali. Se assim for, provavelmente se deva suprir Tabor de I Crônicas 6:77, que também substitui Dimna por Romono (Rimom? cf. 19:13). As quatro cidades de Rúben (v. 36,37) e as de Gade (v. 38,39), todas na Transjordânia, são compatíveis com as listas cor­ respondentes a estas tribos em I Crônicas 6:78-81). Os versículos 41 e 42 resumem a he­ rança doada aos levitas. As 48 cidades, como originalmente compostas, deviam, conforme parece, incluir quatro cidades de cada uma das doze tribos. Pela com­ paração das passagens paralelas nos ca­ pítulos 21 e I Crônicas 6 (com a ajuda do texto vaticanus da Septuaginta), e lem­ brando-se que Hebrom e Siquém cons­ tituem acréscimos posteriores à lista, o plano original pode ser reconstituído, em sua essência, conforme acima. Deve ser lembrado que os resumos com que se concluem as relações tribais e a partilha aos clãs pertence a uma edição posterior da lista, e não à original. 9. A Ocupação É Concluída (21:43-45) 48 Desta maneira deu o Senhor a Israel toda a terra que, com juramento, prometera dar a seus pais; e eles a possuíram e habi­ taram nela. 44 E o Senhor lhes deu repouso

de todos os lados, conforme tudo quanto ju­ rara a seus pais; nenhum de todos os seus inimigos pôde ficar de pé diante deles, mas a todos o Senhor lhes entregou nas mãos. 45 Palavra alguma falhou de toda as boas coisas que o Sènhor prometera à casa de Israel; tudo se cumpriu.

Conclui-se, com esta breve seção, a segunda divisão principal do livro de Josué, constituindo o relato do editor deuteronômico da distribuição da terra (caps. 13-21). Mas é ainda mais; é a primeira parcela da conclusão do livro todo, que segue imediatamente na seção três (caps. 21-24). Em certo sentido, abrange tudo quanto a antecede: As pro­ messas pactuais do Senhor haviam sido realizadas (cf. 1:16); Israel se apossara da Terra Prometida (11:23a) e se radica­ ra nela (cf. 11:23b; 19:49,50,51b), e re­ cebera o descanso prometido (cf. 1:13; 11:23b); seus inimigos não foram capa­ zes de lhe resistir (cf. 1:5). Numa decla­ ração concludente magnífica, o autor afirma a fidelidade do Senhor em todas as suas boas promessas: tudo se cum­ priu.

UI. Conclusão (22:1-24:33)

1. As Tribos Transjordânicas Regressam (22:1-34) Uma vez a conquista da terra comple­ tada, agora se relata a conclusão, do deuteronomista, da narrativa da con­ quista. Josué despacha as tribos trans­ jordânicas para seus lares (v. 1-9), em cumprimento da promessa de 1:12-18 e em seqüência natural a 11:23 (cf. 21: 43-45). Pode ser notado que os versículos 7 e 8 tratam da despedida e bênção do Manassés oriental. Pode ser que estes versículos tenham a intenção de introduzir o Manassés oriental no episódio concernente ao altar (cf. o v. 9), que parece, original­ mente, só ter incluído Rúben e Gade (cf. osv. 25,32-34). Segue uma tradição-narrativa (v. 1034), concernente a um altar erigido perto

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do Jordão, pelas tribos transjordânicas que regressavam. Seu propósito foi mal entendido por seus irmãos da Cisjordânia, como uma rebelião contra o Senhor. Uma guerra intratribal foi evitada por pouco, quando uma delegação da Cisjordânia descobriu que a finalidade do altar era puramente memorial. Embora este episódio seja, sem dúvida, antigo, agora reflete o interesse e estilo de um editor sacerdotal. (1) As Tribos Transjordânicas São Abençoadas e Despedidas (22:1-9) XEntão Josué chamou os rubenitas, os gaditas e a meia tribo de Manassés, 2 e disselhes: Tudo quanto Moisés, servo do Senhor, vos ordenou, tendes observado, bem como tendes obedecido à minha voz em tudo quan­ to vos ordenei. 3 A vossos irmãos nunca desamparastes, até o dia de hoje, mas ten­ des observado cuidadosamente o manda­ mento do Senhor vosso Deus. 4 Agora o Se­ nhor vosso Deus deu descanso a vossos ir­ mãos, como lhes prometera; voltai, pois, agora, e ide para as vossas tendas, para a terra da vossa possessão, que Moisés, servo do Senhor, vos deu além do Jordão. 5 Tãosomente tende cuidado de guardar com dili­ gência o mandamento e a lei que Moisés, servo do Senhor, vos ordenou: que ameis ao Senhor vosso Deus, andeis em todos os seus caminhos, guardeis os seus mandamentos, e vos apegueis a ele e o sirvais com todo o vosso coração e com toda a vossa alma. 6 Assim Josué os abençoou, e os despediu; e eles foram para as suas tendas. 7 Ora, Moi­ sés dera herança em Basã à meia tribo de Manassés, porém à outra metade Josué deu herança entre seus irmaos, a oeste do Jor­ dão. E quando Josué os enviou para as suas tendas os abençoou 8 e lhes disse; Voltai para as vossas tendas com grandes rique­ zas; com muitíssimo gado, com prata e ouro, com cohre e ferro, e com muitíssi­ mos vestidos; e reparti com vossos irmãos o despojo dos vossos inimigos. 9 Assim volta­ ram os filhos de Rúben, os filhos de Gade e a meia tribo de Manassés, separando-se dos filhos de Israel em Siló, que está na terra de Canaã, para irem à terra de Gileade, à terra da sua possessão, de que foram feitos pos­ suidores, segundo a ordem do Senhor por intermédio de Moisés.

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Os versículos 1-6 são o cumprimento de 1:12-18. As tribos transjordânicas ti­ nham cumprido os mandamentos de Moisés e seguido obedientemente a Josué até o Senhor dar a seus irmãos o descan­ so que tinha prometido. Tinham cum­ prido, portanto, as condições para re­ gressarem à sua herança. Porém, antes de as abençoar e se despedir delas, Jo­ sué admoestou-as concernente às condi­ ções de sua posse lá. Deviam ter o cuida­ do de observar a lei e de amar e servir ao Senhor com todo o coração e toda a alma (v. 5; cf. Deut. 5:28-6:15). (Quanto aos versículos 7-9, ver a introdu­ ção antecedente.) (2) Mal-Entendido Sobre um Altar Perto do Jordão (22:10-34) 10 Tendo chegado à região junto ao Jor­ dão, ainda na terra de Canaã, os filhos de Rúben, os filhos de Gade e a meia tribo de Manassés edificaram ali, à beira do Jordão, um altar de grande proporções. 11 E os fi­ lhos de Israel ouviram dizer: Eis que os fi­ lhos de Rúben, os filhos de Gade e a meia tri­ bo de Manassés edificaram um altar na fron­ teira da terra de Canaã, na região junto ao Jordão, da banda que pertence aos filhos de Israel. 12 Quando os filhos de Israel ouvi­ ram isto, congregaram-se todos em Siló, para subirem a guerrar contra eles. 13 En­ tão os filhos de Israel enviaram aos filhos de Rúben, aos filhos de Gade e à meia tribo de Manassés, à terra de Gileade, Finéias, filho de Eleazar, o sacerdote, 14 e com ele dez príncipes, um príncipe de cada casa paterna de todas as tribos de Israel; e eles eram os cabeças de suas casas paternas entre os milhares de Israel. IS Foram, pois, ter com os filhos de Rúben, e os filhos de Gade e a meia tribo de Manassés, à terra de Gileade, e lhes disseram: 16 Assim diz toda a con­ gregação do Senhor: Que transgressão é esta que cometestes contra o Deus de Israel, deixando hoje de seguir ao Senhor, edifi­ cando-vos um altar para vos rebelardes hoje contra o Senhor? 17 Acaso nos é pouca a iniqüidade de Peor, de que ainda até o dia de tíoje não nos temos purificado, apesar de ter vindo uma praga sobre a congregação do Senhor, 18 para que hoje queirais abando­ nar ao Senhor? Será que, rebelando-vos hoje contra o Senhor, amanhã ele se irará contra toda a congregação de Israel. 19 Se é, po­

rém, que a terra da vossa possessão é imun­ da, passai para a terra da possessão do Se­ nhor, onde habita o tabernáculo do Senhor, e tomai possessão entre nós; mas não vos rebeleis contra o Senhor, nem tampouco vos rebeleis contra nós, edificando-vos um altar afora o altar do Senhor vosso Deus. 30 Não cometeu Ácã, filho de Zerá, transgressão no tocante ao anátema? e não veio ira sobre toda a congregação de Israel? de modo que não pereceu ele só na sua iniqüidade. 21 En­ tão responderam os filhos de Rúben, os fi­ lhos de Gade e a meia tribo de Manasses, e disseram aos cabeças dos milhares de Is­ rael: 22 O poderoso, Deus, o Senhor, o po­ deroso, Deus, o Senhor, ele o sabe, e Israel mesmo o saberá I Se foi em rebeldia, ou por transgressão contra o Senhor não vos salves hoje; 23 se nós edificamos um altar, para nos tornar de após o Senhor, ou para sobre ele oferecer holocausto e oferta de cereais, ou sobre ele oferecer sacrifícios de ofertas pacíficas, o Senhor mesmo de nós o requei­ ra; 24 e se antes o não fizemos com receio e do propósito, dizendo: Amanhã vossos filhos poderiam dizer a nossos filhos: Que tendes vós com o Senhor Deus de Israel? 25 Pois o Senhor pôs o Jordão por termo entre nós e vós, ó filhos de Rúben, e ó filhos de Gade; não tendes parte no Senhor. Assim bem po­ deriam vossos filhos fazer com que os nos­ sos filhos deixassem de temer ao Senhor. 26 Pelo que dissemos: Edifiquemos agora um altar, não para holocausto, nem para sacrifício, 27 mas para que, entre nós e vós, e entre as nossas gerações depois de nós, nos sirva de testemunho para podermos fazer o serviço do Senhor diante dele com os nossos holocaustos, com os nossos sacrifícios e com as nossas ofertas pacíficas; para que vossos filhos não digam amanhã a nossos filhos: Não tendes parte no Senhor. 28 Pelo que dis­ semos: Quando amanhã disserem assim, a nós ou às nossas gerações, então diremos: Vede o modelo do altar do Senhor que os nossos pais fizeram, não para holocausto nem para sacrifício, porém para ser teste­ munho entre nós e vós. 29 Longe esteja de nós que nos rebelemos contra o Senhor, ou que hoje o abandonemos, edificando altar para holocausto, oferta de cereais ou sacri­ fício, afora o altar do Senhor nosso Deus, que está perante o seu tabernáculo. 30 Quan­ do, pois, Finéias, o sacerdote, e os prínci­ pes da congregação, os cabeças dos milha­ res de Israel que estavam com ele, ouviram as palavras que lhes disseram os filhos de Rúben, os filhos de Gade e os filhos de Manassés, ficaram satisfeitos. 31 Então disse Finéias, filho de Eleazar, o sacerdote, aos

filhos de Rúben, aos filhos de Gade e aos filhos de Manassés: Hoje sabemos que o Senhor está no meio de nós, porquanto não cometestes tal transgressão contra o Se­ nhor; agora livrastes os filhos de Israel da mão do Senhor. 32 E Finéias, filho de Elea­ zar, o sacerdote,- e os príncipes, deixando os filhos de Rúben e os filhos de Gade, vol­ taram da terra de Gileade para a terra de Canaã, aos filhos de Israel, e trouxeramlhes a resposta. 33 E com isso os filhos de Israel ficaram satisfeitos; e louvaram a Deus, e não f a la ra m mais de subir a guer­ rear contra eles, para destruírem a terra em que habitavam os filhos de Rúben e os filhos de Gade. 34 E os filhos de Rúben e os filhos de Gade chamaram ao altar Testemu­ nha; pois, disseram eles, é testemunho en­ tre nós que o Senhor é Deus.

As tribos transjordânicas, ao regres­ sarem, erigiram um altar ao lado do Jordão. Os versículos 10 e 11 (correta­ mente interpretado pela RSV) deixam claro que o altar ficava na ribanceira oci­ dental do rio, como indicado pela afir­ mação: região... ainda na terra de Canaã (v. 10) e na fronteira da terra de Canaã... da banda que pertence aos filhos de Is­ rael (v. 11). O motivo do altar de grandes proporções ou, literalmente, “grande em aparência”, faz-se conhecido nos versí­ culos 27 e 28 mas deixa o leitor suspenso durante o desenrolar da narrativa. Ao saber do altar (v. 12), o povo de Israel (as tribos da Cisjordânia) presumiu que seus irmãos tivessem cometido um ato tão ofensivo e com conseqüências tâo sérias para todo o Israel que se preparam imediatamente para guerrear contra eles. Os versículos 13-20 falam numa dele­ gação enviada às tribos da Transjordânia para as confrontar sobre o assunto. A de­ legação foi liderada por Finéias, o sacer­ dote (v. 13), que representava a tribo de Levi e que era reconhecido pelo seu zelo em tratar da apostasia (cf. Núm. 25:613). Era, ainda, composta de chefes-representativos das lO (9 1/2) tribos oci­ dentais (v. 14). No versículo 16 a causa da mágoa é revelada. Pressupunha-se que o altar fos­

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se uma violação da lei do único santuário válido (cf. Deut. 12:5-14), aqui pressu­ posta para aquele período pelo editor sacerdotal. Sua construção foi, portanto, considerada como uma desobediência, rebelde e traiçoeira, à lei de Deus (cf, o v.19). O versículo 17 cita o pecado de Peor (idolatria e imoralidade; cf. Núm. 25:1-13) como uma recordação das con­ seqüências desastrosas (24.000 mortes por meio de uma praga) da idolatria. Esta era uma ilustração viva para Finéias pois sua atuação tinha ajudado a acabar com a praga (cf. Núm. 25:7-8). Os versículos 18-20 expressam o con­ ceito de solidariedade comunitária que existia na comunidade de Israel. As tri­ bos transjordânicas são lembradas de que, se se rebelaram contra Deus por construírem um altar rival, fariam com que toda a congregação de Israel colhes­ se a ira de Deus (v. 18). Além disso, são instadas a não cometerem semelhante ação, para não “nos fazer como rebel­ des” contra o Senhor conforme afirmam (v. 19) (assim a RSV traduz este versí­ culo). Mais uma vez, uma ilustração per­ tinente da experiência histórica de Israel é introduzida, para efeito de realce. Com tristeza recorda o apossamento, por Acã, de peças do despojo dedicado de Jericò (v. 20) e a conseqüente derrota de Israel em Ai (cf. o cap. 7). Claramente a toleima de uns poucos recai sobre todos. O versículo 19 levanta a questão se as tribos transjordânicas tinham uma parte na Terra Santa. O editor sacerdotal dá a entender que só a terra para ao oeste do Jordão era a terra do Senhor, santificada pela presença de seu único santuário vá­ lido. Talvez a questão tenha recebido destaque pela perda precoce, por parte de Israel, de seu território na Transjordânia. Nos versículos 21-29, as tribos da Transjordânia respondem às acusações da delegação da Cisjordânia. Começam sua resposta por fazerem um juramento solene concernente à integridade de suas

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intenções; não se haviam rebelado con­ tra o Senhor por terem construído um altar de sacrifícios (v. 22,23). A forma do juramento implica na expressão e repeti­ ção consecutiva dos três principais nomes divinos traduzidos o Poderoso, Deus, o Senhor! (El, Elohim, Yhwh). A adjuração que segue, no fim do versículo 22, não nos salves hoje, talvez houvesse sido dirigida a Deus como a Septuaginta su­ gere. Esta imprecação, junto com a do fim do versículo 23, testifica a seriedade com que entenderam a acusação contra eles (cf. o v. 16). Das ofertas citadas no versículo 23, a primeira era queimada totalmente (oferecida somente a Deus), a segunda, compartilhada com os sacerdo­ tes e a terceira, compartilhada entre Deus, sacerdote e ofertante (cf. Lev. 1-3). Os versículos 24-29 dão o motivo por que construíram uma cópia do altar do Senhor perto do Jordão. Surgira (v. 25) da preocupação de que as gerações futuras supusessem que as tribos transjordâni­ cas “não tivessem parte no Senhor” (um temor não destituído de fundamento; cf. o v. 19). Portanto, foi construído não para culto (v. 26), mas para testemunho, tanto para o seu tempo como para as gerações futuras concernentes à sua uni­ dade religiosa com seus irmãos e seu di­ reito conseqüente de acesso ao santuário de Deus (v. 27,28). O versículo 29 outra vez realça o significado para o autor da lei do santuário único (cf. v. 16). A explicação acima agradou à delega­ ção investigadora (v. 30), que reconheceu que o Senhor estava no meio deles. As tribos transjordânicas não se tinham re­ belado contra o Senhor, e toda a comu­ nidade de Israel havia sido, por conse­ guinte, salva da ira do Senhor (v. 31). Além disso, tinha-se evitado a guerra, pois,o povo de Israel ficou contente cóm este relatório e bendisse a Deus e não falou mais em fazer guerra (v. 32,33). O boato foi suplantado pela razão; a razão levou ao entendimento; o entendi-

por laço e rede, e açoite às vossas ilhar­ gas, e espinhos aos vossos olhos, até que pereçais desta boa terra que o Senhor vosso Deus vos deu. 14 Eis que vou hoje pelo caminho de toda a terra; e vós sabeis em vossos corações e em vossas almas que não tem falhado uma só palavra de todas as boas coisas que a vosso respeito falou o Senhor vosso Deus; nenhuma delas falhou, mas todas se cumpriram. 15 E assim como vos sobrevieram todas estas boas coisas de que o Senhor vosso Deus vos falou, assim trará o Senhor sobre vós todas aquelas más coisas, até vos destruir de sobre esta boa terra que ele vos deu. 16 Quando transgre­ dirdes o pacto do Senhor vosso Deus, que ele vos ordenou, e fordes servir a outros deuses, a eles, a ira do Senhor se 1 Passados muitos dias, tendo o Senhor inclinando-vos acenderá contra vós, e depressa perecereis dado repouso a Israel de todos os seus ini­ de sobre a boa terra que ele vos deu. migos em redor, e sendo Josué já velho, de idade multo avançada, 2 chamou Josué a todo o Israel, aos seus anciãos, aos seus Este capítulo é a conclusão da redação cabeças, aos seus juizes e aos seus oficiais, e deuteronômica original de Josué. Ressal­ disse-lhes: Eu já sou velho, de idade muito ta o cumprimento das promessas conti­ avançada; 3 e vós tendes visto tudo quanto o Senhor vosso Deus fez a todas estas nações das nas palavras iniciais do capítulo in­ por causa de vós, porque é o Senhor vosso trodutório (1:1-9) e admoesta concernen­ Deus que tem pelejado por vós. 4 Vede que te ao caráter condicional da graça de vos reparti por sorte estas nações que res­ (cf. Deut. 28); também, suas adver­ tam, para serem herança das vossas tribos, Deus tências concludentes constituem uma es­ juntamente com todas as nações que tenho destruído, desde o Jordão até o grande m ar pécie de prefácio profético à história para o pôr-do-sol. 5 E o Senhor vosso Deus deuteronômica de Israel em Juízes-Reis. as impelirá e as expulsará de diante de vós; O discurso de despedida de Josué foi e vós possuireis a sua terra, como vos disse proferido perto do término de sua vida, o Senhor vosso Deus. 6 Esforçai-vos, pois, para guardar e cumprir tudo quanto está perante uma assembléia de oficiais re­ escrito no livro da lei de Moisés, para que presentativos de todo o Israel, e parece delas não vos desvieis nem para a direita sido estruturado conforme a tradição nem para a esquerda; 7 para que não vos ter de um discurso de admoestação, que mistureis com estas nações que ainda res­ terminava uma cerimônia pactuai antiga tam entre vós; e dos nomes de seus deuses não façais menção, nem por eles façais ju­ (de que o cap. 24 é uma elaboração pos­ rar, nem os sirvais, nem a eles vos inclineis. terior). O discurso é constituído em tor­ 8 Mas ao Senhor vosso Deus vos apegareis, no de quatro ênfases da estrutura de uma como fizestes até o dia de hoje; 9 pois o cerimônia pactuai (ver a introdução ao Senhor expulsou de diante de vós grandes e fortes nações, e, até o dia de hoje, ninguém cap. 24). Os quatro elementos pactuais vos tem podido resistir. 10 Um só homem podem ser esboçados, essencialmente, dentre vós persegue a mil, pois o Senhor como segue: (1) recitação da história vosso Deus é quem peleja por vós, como já sagrada; (2) obrigações da aliança ou vos disse. 11 Portanto, cuidai diligentemen­ pacto; (3) bênçãos que acompanhariam a te de am ar ao Senhor vosso Deus. 12 Por­ que se de algum modo vos desviardes, e vos observância fiel; e as conseqüências gra­ apegardes ao resto destas nações que ainda ves que resultariam da infidelidade. ficam entre vós, e com elas contrairdes Conforme observado por Keamey, 39 matrimônio, e entrardes a elas, e elas a vós, estes elementos se seguem, na apresenta13 sabei com certeza que o Senhor vosso Deus não continuará a expulsar estas na­ ções de diante de vós; porém elas vos serão 39 Jerome Biblical Commentary, 1 ,146.

mento evitou a guerra; Deus estava no meio deles. As tribos transjordânicas (ver a intro­ dução ao capítulo 22, sobre a omissão de Manassés) chamavam o altar de testemu­ nho: Pois, disseram eles, é testemunho entre nós que o Senhor é Deus. O nome do altar foi omitido do Texto Massorético, mas é aqui suprido, seguindo o siríaco e a inferência do versículo. 2. O Discurso de Despedida de Josué (23:1-16)

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ção homilética, conforme a progressão seguinte: (1) história sagrada, (2) bên­ çãos e (3) obrigações, nos versículos 3-8, e são repetidos na mesma ordem nos versículos 9-11, com as conseqüências da infidelidade (v. 12,13), constando a ênfase final no parágrafo principal do discurso. Numa espécie de peroração, o autor faz uma recordação resumida de promessas cumpridas e bênçãos recebi­ das (v. 14,15a) e conclui (15b,16) com uma outra forte admoestação, concer­ nente às graves conseqüências (perecerão da terra) da transgressão em relação ao pacto. No interesse de destacar sua estrutura básica, a mensagem de Josué é aqui apresentada em quatro parágrafos, cada um coincidindo com um dos elementos anteriormente mencionados, da ênfase pactuai e a teologia deuteronômica. Josué faz o povo relembrar que o Se­ nhor havia lutado por Israel (v. 3 e 10) e expulsado nações fortes (v. 9). Nenhum homem foi capaz de lhe resistir (cf. 1:5; 10:8; 21:4), porque com o Senhor um só homem...persegue a mil. Além disso, conforme as suas promes­ sas, o Senhor continuaria (no caso de Israel ser obediente) a expulsar as nações restantes, e Israel iria possuir a sua terra (v. 4,5; cf. 13:2-6). Contudo, o recebimento por parte de Israel das bênçãos citadas acima foi con­ dicional, dependendo dá observância fiel de suas obrigações pactuais (cf. Deut. 28:1-14). Israel tinha de observar estrita­ mente a lei de Moisés (v. 6; cf. 1:6-8), evitando casamentos com pessoas das outras nações (v. 7; cf. o v. 12; Deut. 7:3,4), para evitar que assimilasse a reli­ gião delas e se tomasse idólatra. Antes, devia amar o Senhor seu Deus e perma­ necer tenazmente leal a ele (v. 8 e 11; cf. 22:5; Deut. 6:5), do contrário, terrí­ veis conseqüências acompanhariam a in­ fidelidade em suas obrigações pactuais (cf. os v. 6-11); as bênçãos de Deus seriam substituídas pelo juízo (v. 14,15;

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cf. Deut. 28:15-68). Ele não continuaria a expulsar as nações restantes; antes, elas seriam uma tentação (à idolatria) e um vexame, até Israel perecer da terra (v. 12,13; cf. os v. 15,16 e a introdução ao cap. 23). 3. A Cerimônia Pactuai em Siquém (24:1-28) Já se observou que o discurso de des­ pedida de Josué (cap. 23) se baseava em elementos de uma tradição pactuai anti­ ga e formava a conclusão natural para a edição deuteronômica do livro de Josué, levando diretamente a Juizes 2:6 e a uma continuação da história deuteronômica. Ao mesmo, o capítulo 24 foi acrescido como uma espécie de segunda conclusão ou apêndice. Embora sendo um acrésci­ mo editorial à conclusão do deuteronomista, conforme parece, por um editor deuteronômico posterior, este capítulo também se baseia numa genuína tradi­ ção pactuai antiga, como a em que se modelou o discurso de despedida de Jo­ sué. Portanto, os dois capítulos se rela­ cionam, porém o capítulo 24 representa o ato de uma cerimônia pactuai em Si­ quém, enquanto o capítulo 23 é um discurso de admoestação, com que seme­ lhante cerimônia bem pode ter concluí­ do. Além disso, o capítulo 24 parece ser um paralelo, ampliado e pormenorizado, da breve cerimônia pactuai registrada em 8:30-35 (antecipada em Deut. 11:29; 27:1-26), que, aparentemente, não se cumpriu no fim da vida de Josué. O motivo da omissão do capítulo 24 da primeira edição deuteronômica de Josué é totalmente especulativo. Pode-se admi­ tir que o deuteronomista considerasse o material adequadamente suprido pela cerimônia breve de 8:30-35 e pelo dis­ curso de despedida de Josué do capítulo 23. Contudo, o editor deuteronômico posterior parece ter julgado importante fazer com que ficassem mais explícitos tanto o contexto como os pormenores destá característica significativa da vida

anterior de Israel. Por isso podemos ser mui gratos. O significado e a antiguidade da forma básica do capítulo 24 já foram parti­ cularmente valorizados pelo estudo da forma pactuai dos tratados de suserania do Oriente Próximo antigo. Embora a forma das alianças nos tenha chegado em textos hititas de 1450-1200 a.C., parece refletir um padrão internacional comum. Encontram-se, tipicamente, seis elemen­ tos nos textos dos tratados hititas. 40 São citadas, com cada elemento, refe­ rências correspondentes de Josué 24: 1-28. 1. A identificação do grande rei e autor da aliança (cf. 24:2; Êx. 20:1,2). 2. Narração dos atos graciosos do rei, obrigando o vassalo à lealdade (cf. a nar­ ração da história da salvação em 24:2-13; Êx. 20:2). 3. Obrigações pactuais do vassalo, exi­ gindo, tipicamente, lealdade absoluta e proibindo, expressamente, relações ofi­ ciais com poderes estrangeiros (cf. 24:14, 23; Êx. 20:3). 4. Instruções para a colocação do docu­ mento no santuário, para leitura pública regular (cf. 24:25,26; Deut. 31:9-13). 5. Deidades das partes envolvidas na aliança invocadas como testemunhas (cf. 24:22; no Israel monoteísta necessitavase de uma modificação; mas cf. Is. 1:2; Miq. 6:1,2). 6. Bênçãos que acompanhavam a fideli­ dade; maldições resultantes da violação (cf. 24:20; 8:34; Deut. 27-28). Também implícita neste tratado está alguma cerimônia de aceitação por parte do vassalo, provavelmente acompanhada por um juramento de lealdade (cf. 24:1521, inclusive a fórmula de juramento do v. 16). Destas correspondências, parece que o capítulo 24 traz uma relação clara para as formas pactuais dos tratados do Ori­ 40 Cf. George E. Mendenhall, “Covenant Forms in Israelite Tradition”, The Biblical Árchaelogist, XVII (se­ tembro de 1954), 50-76. ^

ente antigo, indicandotanto a unidade como a antiguidade do antagodas tradi­ ções em que se baseava a aliança de Siquém. Como anteriormente sugerido, a alian­ ça original em Siquém talvez tenha in­ cluído, em seu elo de lealdade única a Yahweh, alguns grupos tribais da região de Siquém que não haviam participado dos eventos pactuais no Sinai. De fato, alguns acham a origem da federação das doze tribos refletidas neste capítulo. (1) A Providência de Deus Para com Israel (24:1-13) 1 Depois Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém, e chamou os anciãos de Israel, os seus cabeças, os seus juizes e os seus oficiais; e eles se apresentaram diante de Deus. 2 Disse então Josué a todo o povo: Assim diz o Senhor Deus de Israel: Além do Rio habitaram antigamente vossos pais, Tera, pai de Abraão e de Naor; e serviram a outros deuses. 3 Eu, porém, tomei a vosso pai Abraão dalém do Rio, e o conduzi por toda a terra de Canaã; também multipliquei a sua descendência, e dei-lhe Isaque. 4 A Isaque dei Jacó e Esaú; a Esaú dei em possessão o monte Seir; mas Jacó e seus filhos desceram para o Egito. 5 Então enviei Moisés e Arão, e feri o Egito com aquilo que fiz no meio dele; e depois vos tirei de lá. 6 Depois que tirei a vossos pais do Egito viestes ao m ar; e os egípcios perseguiram a vossos pais, com carros e com cavaleiros, até o Mar Vermelho. 7 Quando clamaram ao Senhor, ele pôs uma escuridão entre vós e os egípcios, e trouxe o m ar sobre eles e os cobriu; e os vossos olhos viram o que eu fiz no Egito. Depois habitastes no deserto mui­ tos dias. 8 Então eu vos trouxe à terra dos amorreus, que habitavam além do Jordão, os quais pelejaram contra vós; porém os entreguei na vossa mão, e possuístes a sua terra; assim os destruí de diante de vós. 9 Levantou-se também Balaque, filho de Zipor, rei dos moabitas, e pelejou contra Israel e mandou chamar a Balaão, filho de Beor, para que vos amaldiçoasse; 10 porém eu não quis ouvir a Balaão; pelo que ele vos abençoou; e eu vos livrei da sua mão. 11 E quando vós, passando o Jordão, viestes a Jericó, pelejaram contra vós os homens de Jericó, e os amorreus, os perizeus, os cananeus, os heteus, os girgaseus, os heveus e os jebuseus; porém os entreguei na vossa mão.

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12 Pois enviei vespões adiante de vós, que os expulsaram de diante de vós, como aos dois reis dos amorreus, não com a vossa espada, nem com o vosso arco. 13 E eu vos dei uma terra em que não trabalhastes, e cidades que não edificastes, e habitais nelas; e co­ meis de vinhas e de olivais que não plan­ tastes.

Josué congregou a comunidade pac­ tuai no antigo santuário de culto de Siquém (v. 1), na extremidade oriental do vale, entre os montes Ebal e Gerizim. O local tinha associações sagradas desde os dias patriarcais (cf. Gên. 12:6,7; 33: 18-20; 35:2-4). É o contexto das passa­ gens pactuais associadas de Deuteronômio 27 e Josué 8:30-35, embora nestes trechos não seja mencionado nominal­ mente. Além disso, era um santuário cananeu importante, cujo deus era, sig­ nificativamente, chamado de Baal-Berite (Senhor da Aliança) e cujos habitantes, conforme parece, eram conhecidos como “o povo da aliança”. Os versículos 2-13 recitam os atos gra­ ciosos de Deus, em prol de Israel, dos tempos patriarcais até a ocupação de Canaã (cf. Deut. 26:5-9) e ligam o tema histórico do Pentateuco à ocupação da Terra Prometida em Josué. Na base des­ tes atos poderosos, o Deus da aliança, cujo título (v. 2a) precede este prólogo histórico, reivindica a lealdade exclusiva de Israel (cf. a introdução ao cap. 24). Os versículos 2-4 resumem o tema de Gênesis dos atos graciosos de Deus para com os patriarcas. Além do Rio (i. e., o Eufrates) (v. 2) indica que a pátria dos patriarcas era na Mesopotâmia. É indi­ cado claramente aqui (v. 2; cf. o v. 14), como também na tradição judaica pos­ terior (cf. Jubileus 11:16-18; 12; Judite 5:6-9), que os ancestrais patriarcais ser­ viram a outros deuses. Foi de um contex­ to politeísta, portanto, que Abraão foi chamado (cf. Gên. 11:27-12:3). Isto não é tão explícito em Gênesis, mas é insi­ nuado em passagens como Gênesis 35: 1-4 (cf. também Gên. 31:29,30). A região montanhosa de Seir beirava o território

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de Judá a sudoeste do Mar Morto. A par­ te central do território de Esaú, porém, jazia a sudeste do Mar Morto. Os versículos 5-7 resumem os atos poderosos de Deus relacionados com o livramento do Egito (cf. Êx. 1-14). A es­ curidão entre Israel e os egípcios (v. 7) se refere ao efeito da coluna de nuvem que ficou entre eles (cf. Êx. 14:19,20). Ê digno de nota que a experiência pactuai em Sinai está ausente, talvez por causa de seu caráter diferente, sendo, em par­ te, como na aliança aqui concluída, uma transação, implicando uma resposta de fé à graça histórica de Deus. Deus, en­ tão, os acompanhou durante todo o in­ terlúdio desértico; sem a graça dele, te­ riam todos, certamente, perecido. Os versículos 8-10 continuam a narra­ tiva da graça de Deus através da Transjordânia. O versículo 8 faz referência à conquista dos reis amorreus, Siom e Ogue (cf. Núm. 21:21-35). O episódio Balaque-Balaão (v. 9,10) acha-se em Nú­ meros 22-24 (cf. Deut. 2:9; Juí. 11:25). Os versículos 11-13 concluem este pre­ lúdio histórico com uma narrativa breve da graça de Deus na ocupação de Canaã. Vespões, no versículo 12, deve, provavel­ mente, ser traduzido por “pânico”, refe­ rindo-se ao terror divinamente inspirado, que, na guerra santa, causou o colapso da coragem inimiga (cf. 2:9-11; 5:1). A vitória, portanto, foi a dádiva do Se­ nhor, e não a realização das armas de Israel. A referência aos dois reis dos amorreus, no versículo 12, não pode se relacionar com os reis Siom e Ogue transjordânicos ou se encaixar neste contexto cisjordânico. Obviamente, esta referên­ cia está deslocada e talvez se encaixe no versículo 8, que provê um contexto ade­ quado. A Septuaginta lê “doze reis dos amorreus” nesta passagem, que ao me­ nos indica que se pretende uma referên­ cia à Cisjordânia. Uma forma ampliada do versículo 13 acha-se em Deuteronômio 6:10,11.

(2) A Exortação de losué Para Servirem ao Senhor (24:14,15) 14 Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; deitai fora os deuses a que serviram vossos pais dalém do Rio, e no Egito, e servi ao Senhor. 15 Mas, se vos parece mal o servirdes ao Senhor, es­ colhei hoje a quem haveis de servir; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do Rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor.

Como nos tratados antigos de suserania, o prólogo histórico, narrando os atos graciosos de Deus em prol de seu povo, é seguido por uma declaração das obriga­ ções pactuais. A obrigação primária, em que todas as outras se baseiam, era de lealdade absoluta ao Senhor soberano. Isso, claro, implicava a rejeição de todos os demais deuses (cf. os v. 14,15 e 23). Josué exorta, portanto, a todos os pre­ sentes na assembléia (talvez incluindo povos relacionados, aos quais a aliança possa, originariamente, ter sido extensi­ va) para que servissem exclusivamente ao Senhor (v. 14), que havia demonstrado na História que os escolhera. Isso era, porém, uma questão de livre escolha. Contrariamente à praxe dos tratados an­ tigos, eram livres para rejeitarem o Se­ nhor e a aliança que ele oferecia. Josué portanto, desafiou o povo para que de­ cidisse; devia decidir se serviria ao Se­ nhor vivo da História ou se aos deuses da tradição ancestral mesopotâmica ou aos deuses amorreus de seu meio ambiente cultural contemporâneo. A decisão de seu líder é colocada diante deles sem vacilações; Josué e a sua casa serviriam resolutamente ao Senhor. (3) Israel Declara Lealdade a Deus (24:16-28) 16 Então respondeu o povo, e disse: Longe esteja de nós o abandonarmos ao Senhor para servirmos a outros deuses: 17 porque o Senhor é o nosso Deus; ele é quem nos fez subir, a nós e a nossos pais, da terra do

Egito, da casa da servidão, e quem fez estes grandes sinais aos nossos olhos, e nos pre­ servou por todo o caminho em que andamos, e entre todos os povos pelo meio dos quais passamos. 18 E o Senhor expulsou de diante de nós a todos esses povos, mesmo os amor­ reus, que moravam na terra. Nós também serviremos ao Senhor, porquanto ele é nosso Deus. 19 Então Josué disse ao povo: Não podereis servir ao Senhor, porque é Deus santo, é- Deus zeloso, que não perdoará a vossa transgressão nem os vossos pecados. 20 Se abandonardes ao Senhor e servirdes a deuses estranhos, então ele se tornará, e vos fará o mal, e vos consumirá, depois de vos ter feito o bem. 21 Disse então o povo a Josué: Não! antes serviremos ao Senhor. 22 Josué, pois, disse ao povo: Sois testemu­ nhas contra vós mesmos de que escolhestes ao Senhor para o servir. Responderam eles: Somos testemunhas. 23 Agora, pois, — disse Josué — deitai fora os deuses estranhos que há no meio de vós, e inclinai o vosso cora­ ção a o Senhor Deus de Israel. 24 Disse o povo a Josué: Serviremos ao Senhor nosso Deus, e obedeceremos à sua voz. 25 Assim fez Josué naquele dia um pacto com o povo, e lhe deu leis e ordenanças em Siquém. 26 E Josué escreveu estas palavras no livro da lei de Deus; e, tomando uma grande pedra, a pôs ali debaixo do carvalho que estava junto ao santuário do Senhor, 27 e disseatodoopovo: Eis que esta pedra será por testemunho contra nós, pois ela ouviu todas as palavras que o Senhor nos falou; pelo que será por testemunho contra vós, para que não negueis o vosso Deus. 28 Então Josué despediu o povo, cada um para a sua he­ rança.

Nesta seção, o povo aceita a estipula­ ção de lealdade única e, por conseguinte, se apropria da aliança. A estipulação é incorporada na fórmula do juramento no versículo 16. Segue-se um resumo do prólogo histórico, no qual o povo reco­ nhece e confessa os atos graciosos do Senhor, pelos quais ele demonstrou ser o seu Deus; e assim como Josué tinha feito, o povo declara sua decisão de servir a Deus (v. 17,18). Ainda não contente com a profundida­ de da fácil declaração de Israel, Josué o confronta com a natureza de sua decisão. Esta vez não o aborda com exortações de servir ao Senhor, mas, sim, com reservas

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concernentes à sua constância para com a tarefa (v. 19). Usando a maneira antiga de enfatizar, ao tratar da questão, em tomá-la controvertida (cf. Gray, p. 196), Josué acentuou a obngação pactuai de lealdade intransigente ao Senhor, que não toleraria nenhuma transgressão das estipulações pactuais. À admoestação seguinte de Josué (v. 20) realça as conseqüências da viola­ ção da aliança e insinua as bênçãos que acompanhariam a fidelidade (um outro elemento regular do padrão de tratados antigos, como no v. 22; cf. Deut. 27-28). O povo responde por reafirmar sua decisão (v. 21) e é citado como testemu­ nha contra si mesmo (v. 22). Agora é orientado no sentido de demonstrar a sinceridade de sua decisão por suas ações — deitando fora seus deuses estrangeiros e inclinando seus corações ao Senhor (v. 23). O povo concorda em servi-lo e cultuá-lo (v. 24) e, portanto, aceita a aliança. Faz-se uma aliança numa cerimônia em Siquém, na qual Israel se une formal­ mente a Deus em serviço e devoção (v. 25). As leis e ordenanças são as esti­ pulações detalhadas, talvez melhor exemplificadas pelas leis incluídas no Livro da Aliança (Êx. 20:22-23:33). Preparou-se um registro da aliança (v. 26), como costumeiramente se requereria, nos tratados antigos, provavelmente para ser colocado no santuário, para leitura pública periódica (cf. Deut. 31:9-13). Um epítome do registro original foi, pro­ vavelmente, escrito numa grande pedra erguida (cf. 8:32; Deut. 27:2-4). Uma grande coluna de pedra (cf. Êx. 24:4; Juí. 9:6) foi erguida sob um carva­ lho sagrado (cf. Gên. 12:6; 35:4; Juí. 9:6), no mesmo santuário (recinto sagra­ do) do Senhor em Siquém. Tanto colu­ nas sagradas como árvores sagradas eram características culturais comuns dos santuários antigos. As duas coisas foram posteriormente proibidas, como ofensi­ vas ao Senhor (cf. Deut. 16:21,22). A pe­

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dra grande é designada como testemu­ nha (v. 27) da cerimônia pactuai. Aqui um marco natural é conclamado para testemunhar, como se fosse dotado de faculdades humanas (cf. Hab. 2:11; Ez. 36:1,4; Miq. 6:2). Devia ser tanto um memorial dã aliança de Deus com Israel como uma recordação testificadora con­ tra o povo, se falsificasse seus compro­ missos pactuais. Ê inteiramente possível que esta gran­ de pedra seja a maior das colunas sa­ gradas que foram escavadas das ruínas do santuário antigo de Siquém.41 (4) Três Tradições de Sepultamento (24:29-33) 29 Depois destas coisas Josué, filho de Num, servo do Senhor, morreu, tendo cento e dez anos de idade; 30 e o sepultaram no território da sua herança, em Timnate-Sera, que está na região montanhosa de Efraim, para o norte do Monte Gaás. 31 Serviu, pois, Israel ao Senhor todos os dias de Josué, e todos os dias dos anciãos que sobreviveram a Josué e que sabiam toda a obra que o Senhor tinha feito a favor de Israel. 32 Os os­ sos de José, que os filhos de Israel trouxe­ ram do Egito, foram enterrados em Siquém, naquela parte do campo que Jacó comprara aos filhos de Hamor, pai de Siquém, por cem peças de prata, e que se tornara herança dos filhos de José. 33 Morreu também Eleazar, filho de Arão, e o sepultaram no outeiro de Finéias, seu filho, que lhe fora dado na região montanhosa de Efraim.

A morte e o enterro de Josué são registrados nos versículos 29-31. Se o ver­ sículo 31 for colocado antes do versículo 29, estes versículos serão praticamente idênticos a Juizes 2:7-9. Juntamente com o restante desta seção, foram, provavel­ mente, acrescentados ao livro de Josué pelo seu editor final. A tradição concernente aos ossos de José (v. 32) agora está completa (cf. Gên. 50:24,25; Êx. 13:19). Foram enterrados 41 Cf. G. E. Wright, “Shechera” op. cK., p. 365.

em Siquém, em terreno comprado, por Jacó, dos filhos de Hamor (Gên. 33:19). O lugar do enterro de Eleazar, o sa­ cerdote (v. 33), associado a Josué em 14:1 (cf. 19:51), na distribuição da terra, fica­ va no outeiro de Finéias (conforme a RSV, “o sepultaram em Gibeá, a cidade de Finéias, cidade que não foi localiza­ da). No versículo 29. Josué recebe o título de servo do Senhor, anteriormente dado

a Moisés (cf. a respeito 1:10). É um tri­ buto adicional a sua vida e liderança o fato de que todo o Israel serviu ao Senhor não apenas durante a sua vida, mas através de todas as gerações dos que tinham presenciado a obra do Senhor na conquista (v. 31). Ele foi enterrado em Timnate-Sera (Khirbet Tibneh; cf. 19: 50) com a idade de 110 anos. Esta tam­ bém era a idade de José, quando fale­ ceu (Gên. 50:22), e era considerada pelos egípcios como a duração ideal de vida.

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