2 Neurociência.pdf

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  • Pages: 178
TEMA PEDAGÓGICO

EMPREENDEDORISMO

Autoria: Prof. Esp. Ozinil Martins de Souza

UNIASSELVI-PÓS Programa de Pós-Graduação EAD

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Pró-Reitor da Pós-Graduação EAD: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli Prof. Ivan Tesck Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2015 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial.

Sumário 1. Apresentação........................................................................5 1.1 Leitura Complementar 1................................................5 1 A Importância da Formação..................................................6 2 O Sonho..................................................................................7 3 Empreendedor Por Necessidade ou Por Oportunidade...........................................................7 4 Plano de Negócio e Suas Etapas.........................................8 4.1 Capa...................................................................................9 4.2 Sumário.............................................................................9 4.3 Sumário Executivo..........................................................9 4.4 Planejamento Estratégico do Negócio.......................9 4.5 Produtos e Serviços....................................................10 4.6 Análise do Mercado......................................................10 4.6.1 Clientela...............................................................10 4.6.2 Concorrência.......................................................11 4.6.3 Fornecedores......................................................12 4.7 Plano de Marketing......................................................12 4.7.1 Definição do Preço..............................................12 4.8 Planejamento Financeiro............................................13 4.9 Anexos ...........................................................................14 5 Quem É O Empreendedor?.................................................14 5.1 Conhecimento................................................................14 5.2 Habilidade.......................................................................15 5.3 Atitude............................................................................16 5.4 Leitura Complementar 2..............................................16 6 Referências..........................................................................17

tema pedagógico

1. Apresentação Caro (a) pós-graduando (a), A partir de agora, trabalharemos juntos o tema EMPREENDEDORISMO. Claro que, em algum momento de sua vida, você já comentou com alguém sobre sua vontade de ser empreendedor. Todo brasileiro sonha, em algum momento de sua vida, em ser um empreendedor bem-sucedido. Por que sonha? Porque faz parte da natureza humana realizar, criar, desenvolver. E isso ocorre desde o aparecimento dos seres humanos na Terra. Somos empreendedores! Inicialmente, para garantir a sobrevivência da espécie. Imagine, em um local completamente inóspito, disputar diariamente a comida e o abrigo com outros habitantes de um planeta primitivo. Isso nos faz, primordialmente, empreendedores por natureza. Mas só a natureza e a vontade não garantem o sucesso do empreendedor. O que veremos a partir de agora é que, para atingir o sucesso, será necessária muita preparação, muita análise e, fundamentalmente, muito trabalho. Se você pensa que ser empreendedor é ser “dono do seu nariz” incorre em grave erro. Para atingir o sucesso como empreendedor, serão necessárias muitas horas de trabalho e, nem sempre, com a recompensa que imaginamos. Bom trabalho!

1.1 Leitura Complementar 1 Uma história de sucesso É fácil elogiar os casos de sucesso que são, extremamente, veiculados pela imprensa que cobre os negócios no país. Mas não precisamos ir muito longe para vermos casos de sucesso em empresas que estão muito próximas de nossa realidade. Às vezes, no próprio bairro em que moramos, temos um empreendimento vitorioso e nos surpreendemos com o tempo em que está no mercado. Olhe ao seu redor e veja quantas empresas resistem há anos às turbulências do mercado; são empresas familiares e pequenas, porém fazem a diferença. São padarias, bares, restaurantes, lojas e fábricas que ajudam a contar a história das pessoas e das cidades em que estão inseridas. Isso é fazer história! 7

tema pedagógico

• O que é ser um empreendedor: • Visionário • Sonhador • Realizador • Gerador de empregos • Pagador de impostos • Solucionador de problemas • Aproveitar oportunidades • Inovador • Ter talento • Ser independente • Ser realista • Assumir riscos • Conhecer o ramo • Saber organizar • Tomar decisões • Ser líder Enfim, podemos dizer que o empreendedor é: “Alguém capaz de gerar novos conhecimentos a partir de uma determinada plataforma, construída de ‘saberes’ acumulados na história de vida dos indivíduos e que são chamados ‘quatro pilares da educação’. Aprender a Saber, Aprender a Fazer, Aprender a Conviver e Aprender a Ser”.

1 A Importância da Formação “A vida e o sucesso empresarial de um homem dependem de quatro pontos básicos: muito trabalho, bons amigos, noção de timing e sorte”. (Rolim Amaro) Há três elementos que atuam na formação do empreendedor: família, escola e sociedade. É importante entender como esses elementos se entrelaçam na formação adequada para ousar, correr riscos, inovar. Família: Você já reparou que em famílias em que os pais são empreendedores, os filhos tendem a seguir essa linha de atuação? Fácil explicar. A convivência do dia a dia, as trocas acontecidas nas reuniões familiares, as dificuldades encontradas, as soluções propostas passam a fazer parte do cotidiano, preparando as pessoas e fazendo-as acreditar que é possível ser empreendedor e ter sucesso. 8

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Escola: Você já imaginou se as escolas, em qualquer nível, estimulassem o empreendedorismo? Dissessem às pessoas: “Faça! Isto é possível! ”. Teríamos muitos empreendedores qualificados por este imenso país. Essa é uma área que precisa acordar para o processo de formação de empreendedores. Algumas escolas começaram a acordar e estão incluindo o empreendedorismo em suas atividades curriculares. Sociedade: Há sociedades que são mais empreendedoras, outras nem tanto. Isso ocorre porque a regulamentação do trabalho favorece ou dificulta a implantação de novos negócios. Quando se analisa o tempo necessário para a abertura de uma empresa, os custos trabalhistas, os entraves burocráticos, entende-se porque em alguns países isso é mais simples do que em outros. No Brasil, é mais difícil constituir uma empresa, mas, independentemente desse fato, somos um dos países em que mais as pessoas querem ser empreendedoras. Até um ministério foi criado para estimular a abertura de novas empresas.

2 O Sonho Tudo que já foi construído foi anteriormente sonhado. O sonho é isso: ele existe para que nós, os sonhadores, possamos “brincar” com as ideias, imaginar, construir, desconstruir, fazer e refazer. O empreendedor tem sonhos, imagina o seu negócio, levanta-o em sua imaginação um milhão de vezes, é para isso que serve o sonho. Agora, a partir do sonho, parte-se para a ação, para o planejamento, para a execução consciente e profissional. Muitas empresas vêm a falir porque o empreendedor não saiu do sonho, não planejou, não executou o planejamento.

3 Empreendedor Por Necessidade ou Por Oportunidade. Há dois tipos de empreendedores: o empreendedor por necessidade e o empreendedor por oportunidade. Às vezes, o sucesso ou insucesso do empreendimento se explica pela natureza do que o leva a ser empreendedor.

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tema pedagógico

Quando o faz por necessidade, o empreendedor, muitas vezes, não vê mais perspectivas no mercado de trabalho, está com idade avançada, suas qualificações se defasaram ao longo dos anos e ele, pressionado pelo tempo, decide que é hora de empreender. Toma essa decisão e age sem nenhum planejamento mais elaborado, aplica o dinheiro que tem (normalmente vindo do FGTS) e torce para dar certo. Infelizmente, na maioria das vezes, isso não ocorre. Acabou o dinheiro do FGTS, acabou seu capital de giro, acabou seu negócio. O empreendedor por oportunidade age de maneira diferente. Parte do sonho, pesquisa o mercado, analisa a existência de oportunidades, organiza seu plano de negócios, procura assessoria técnica no Sebrae, na Caixa Econômica Federal e em outros órgãos de apoio e, só depois de tudo consolidado, parte para a ação. Quase sempre isso é sinônimo de sucesso. Portanto, organizar seu Plano de Negócio da maneira mais completa que conseguir é o caminho a ser trilhado.

4 Plano de Negócio e Suas Etapas Para que serve o Plano de Negócio? O Plano de Negócio (PN) tem uma função essencial. Ele é sua bússola, seu Norte. O PN deve ser montado de maneira a permitir ao futuro empreendedor obter o maior número de informações possíveis sobre o futuro do negócio, permitir a projeção de simulações que o levem a prever sucesso ou não para a empresa em gestação. Portanto, não economizar tempo na elaboração do PN é vital para sua qualidade. Analisar, reanalisar, mudar números, simular exercícios financeiros. É essa a função do PN. “O PN é um documento escrito que tem por objetivo estruturar as principais ideias e opções que o empreendedor tem para decidir quanto à viabilidade da empresa a ser criada. Também é utilizado para a concessão de empréstimos e financiamentos junto a instituições financeiras, bem como para a expansão da empresa”. (Castro, 2009). Analisar o PN é o próximo passo. Existem vários modelos de Plano de Negócio, abaixo apresentaremos os principais elementos que o compõem.

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4.1 Capa A capa serve tanto para proteger como para melhor apresentar o documento. Deve conter dados como: nome da empresa; endereço, telefone; logotipo (símbolo que identifique a empresa); nome do principal responsável; data em que o plano foi feito.

4.2 Sumário O sumário deve conter os títulos de todas as seções do plano, subseções e suas respectivas páginas. Deve permitir uma rápida localização das seções e informações contidas no plano.

4.3 Sumário Executivo Comece fazendo um sumário de como será seu negócio. O sumário nada mais é do que uma síntese do que será seu negócio. Descreva sua empresa. Seus produtos, sua área de atuação, o modelo de negócio, porque a está criando, seus propósitos e, qual será seu diferencial competitivo. Deve ser suficientemente atraente para prender a atenção do leitor e dos demais interessados. Lembre-se que o PN é necessário para obtenção de empréstimos e financiamentos.

4.4 Planejamento Estratégico do Negócio Nessa seção, você deve descrever os aspectos estratégicos do negócio. Definidos tais aspectos, determina-se o rumo da empresa, sua direção e seus objetivos ficam muito mais claros, e as estratégias e decisões operacionais ficam mais fáceis de serem tomadas. 11

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É preciso discorrer sobre: • • • • •

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Negócio (escopo de atuação da empresa). Visão (o que a empresa pretende para seu futuro, sua visualização futura). Missão (a razão de ser da empresa, qual o seu propósito, a sua função). Valores (princípios morais, éticos, em que a empresa/diretoria acredita, valoriza). Análise do Ambiente Externo (análise dos aspectos macroambientais – políticos, econômicos, sociais, tecnológicos, suas tendências e respectivo impacto sobre a organização, identificando-se assim as oportunidades e ameaças). Análise do Ambiente Interno (identificação dos pontos fortes e fracos da empresa). Fatores Críticos de Sucesso (habilidades e os recursos que a empresa precisa necessariamente ter para vencer). Definição de objetivos e metas. Estratégias a serem adotadas de modo que os objetivos e metas sejam atingidos.

4.5 Produtos e Serviços Mostrar como serão seus produtos ou serviços, como serão produzidos, que benefícios trarão e qual será seu diferencial competitivo.

4.6 Análise do Mercado Mostrar que conhece o mercado em que sua empresa vai atuar, que conhece sua concorrência, seus pontos fracos e fortes e que tem clara a percepção de que seu produto ou serviço é melhor que o da concorrência. “Eu gosto do impossível porque lá a concorrência é menor”. Walt Disney.

4.6.1 Clientela Quando você decide ser um empreendedor, uma das primeiras providências que deve tomar é fazer a conexão entre seu produto ou serviço e a clientela. A melhor forma de fazer isso é, depois de definido o produto, realizar pesquisa de 12

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mercado para identificar sua clientela. A pesquisa, quando contratada empresa especializada, pode ter um custo alto inicial, o que poderia não ser possível para uma empresa iniciante. Independente disso não pode deixar de ser feita. Você pode fazer isso independentemente. Elabore um questionário sobre o que você precisa saber, teste-o e, após validado, aplique-o ao seu público alvo. A pesquisa é fundamental para quem está lançando um produto ou serviço. Identificar sua clientela, segmentar produtos, tornar o negócio viável. Para isso a pesquisa é necessária.

Recomendo a leitura do livro: O Segredo de Luísa, Fernando Dolabella, Ed. Cultura.

4.6.2 Concorrência Esse é um dos segredos para tornar um empreendimento vitorioso. Você deve identificar seus concorrentes e verificar o que você faz melhor que eles e o que precisa melhorar. É preciso ter vantagem competitiva. Mas o que é vantagem competitiva? É aquilo que faz seu produto ser único no mercado. Não adianta produzir mais do mesmo. Exemplo: digamos que sua ideia é montar uma pizzaria. Sua cidade tem 60 mil habitantes e já tem 4 pizzarias. Se você montar uma pizzaria com os mesmos recursos das atuais, você irá disputar e dividir a clientela das quatro anteriores por cinco. Todos perderão. Mas se você tiver algum diferencial competitivo, fará a diferença.

Para entender melhor a concorrência e a vantagem competitiva, sugiro a leitura do livro: A Estratégia do Oceano Azul, W. Chan Kim e Renée Mauborgne, Ed.Campus.

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4.6.3 Fornecedores Garantir a presença de fornecedores de insumos que garantirão a qualidade e o volume de produção programado. Analisar a confiabilidade desses fornecedores, a qualidade dos insumos fornecidos e nunca, em hipótese alguma, ficar dependente de apenas um fornecedor. Diversificar é garantia de entrega e preço competitivo.

4.7 Plano de Marketing O Plano de Marketing tem que ser pensado ao longo de todo o desenvolvimento do PN. Ele é muito importante, pois mostrará ao mercado quem é a empresa e o que ela vai trazer de benefícios ao consumidor. Não adianta ter uma pedra preciosa na mão e não a lapidar. O Plano de Marketing cumpre esse papel. Responder às perguntas: Como entrar no mercado? Como queremos que a empresa seja conhecida? Como faremos a divulgação aos potenciais clientes? Se você não sabe como fazer, procure ajuda especializada ou dos órgãos de apoio à pequena e média empresa. Outra coisa que deve ser observada é a importância do ponto onde a empresa será instalada. Se for uma empresa comercial, a localização pode representar o sucesso ou o fracasso do empreendimento. Empresa comercial deve ser localizada em área onde haja trânsito de pessoas. Instalar uma loja em local de baixo trânsito de pessoas, é condená-la ao fracasso. Lembre-se que as pessoas compram com os olhos. Se for um empreendimento industrial, não se esqueça de ver as condições de suprimento de água, energia elétrica, condições de acessibilidade, impostos territorial e urbano, entre outros detalhes que, se não pensados, podem inviabilizar o empreendimento.

4.7.1 Definição do Preço O que vai ser cobrado pela prestação de serviço ou produção de um produto é chave para o seu sucesso. Cobrar demais pode colocá-lo fora do mercado, de menos, pode deixar seu serviço ou produto com cara de segunda linha. O preço a ser definido será uma das razões do seu sucesso. 14

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Há alguns anos, definir o preço era uma tarefa muito simples. Vivíamos tempos de baixa concorrência, mercado interno fechado para a concorrência internacional, enfim, bastava ter em mãos o custo de produção mais a margem de lucro e o preço estava estabelecido: custo de produção + margem de lucro = preço. Simples, não? Hoje, definir o preço é um segredo a ser descoberto. Algumas variáveis: - - - - -

Busca de fornecedores diversos e seus diferentes preços. Importar insumos pode ser uma excelente alternativa. Pesquisar o mercado e ver o preço praticado pela concorrência. Saber quanto o consumidor está disposto a pagar ou qual a sua capacidade de pagar. Qual é a margem de lucro que garante seu negócio, permitindo a reposição dos insumos e a modernização permanente de máquinas e equipamentos?

Estabelecer um preço justo, que agrade ao consumidor e que garanta o seu lucro e a continuidade do negócio. Esse é seu trabalho.

4.8 Planejamento Financeiro Organizar o Plano Financeiro pode garantir vida longa ao seu empreendimento. Saber diferenciar investimentos de despesas administrativas, quanto vai ser gasto com pessoal, como será o pró-labore dos sócios, quem será o responsável pela administração do caixa, montar planilhas de custos que englobem todo o dinheiro gasto (a menor despesa deve ser contabilizada), analisar se seu produto ou serviço será influenciado pela sazonalidade. Considere que faturamento e recebimento são funções diferenciadas e que devem ser levadas em conta na montagem de seu fluxo de caixa. Você, certamente, vai trabalhar com algum tipo de venda a prazo, isso fará com que haja uma defasagem entre a venda e a entrada do dinheiro. O capital de giro tem exatamente essa função, de não permitir a empresa parar seus negócios, mesmo tendo dinheiro a receber. Também não deixe de levar em conta a inadimplência, isto é, o atraso nos pagamentos, que sempre ocorre em menor ou maior percentual dependendo do momento econômico do país. Outra informação importante: o fluxo de caixa é a alma de sua empresa, ela pode estar endividada, mas se o fluxo de caixa for bem administrado, não serão gerados problemas sérios. O endividamento é uma forma de modernizar e crescer, mas o fluxo de caixa é que dirá se sua empresa terá ou não futuro. 15

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4.9 Anexos Aqui são agrupados todos os anexos que darão credibilidade ao Plano, como: pesquisas de mercado; pesquisa de fornecedores; planos de contingências; formação de valores; currículo dos dirigentes; documentos legais; quaisquer outros documentos que embasem informações contidas no Plano.

Caso você tenha interesse, verifique o site do SEBRAE, no qual consta o documento “Como elaborar um Plano de Negócios”. Ele traz informações detalhadas para você não se perder na hora de elaborar seu PN. .

5 Quem É O Empreendedor? Há alguns anos, em uma semana da Administração (evento da UNIASSELVI em que ocorrem diversas palestras), os palestrantes chamados foram exacadêmicos da própria Uniasselvi. A intenção era que eles mostrassem as dificuldades pelas quais o empreendedor passa. Foi muito bom ver os resultados do ensino sendo cristalizados em papelaria, cervejaria artesanal, floricultura e em camiseta feita de material reciclado (garrafas pet). Todos foram unânimes em falar sobre a importância do conhecimento, das habilidades e da atitude frente a todas as dificuldades que passaram. Por isso, o texto a seguir é importante. Lembre-se: conhecimento se adquire por esforço pessoal, habilidades são passíveis de serem desenvolvidas e a atitude você tem ou não tem. A escolha é sua!

5.1 Conhecimento No momento em que você decide ser empreendedor, algumas perguntas, necessariamente, devem ser feitas. Após a escolha do ramo em que pretende atuar, pense sobre o conhecimento que tem sobre o assunto. Há histórias de 16

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empreendedores que aplicaram suas reservas financeiras em áreas totalmente desconhecidas. É óbvio que isso conduz ao fracasso. “Você foi executivo de uma grande empresa por 15 anos e, após desligar-se da mesma, decide que será criador de coelhos, pois existe um grande mercado para a carne produzida. Qual seu conhecimento sobre o tema? Qual a prática que você tem sobre a gestão desse negócio? Conhecer profundamente a área em que vai atuar é um facilitador e garantidor do sucesso”. Em que você é realmente bom? Essa é uma pergunta que você tem que se fazer. Normalmente, no dia a dia, você recebe informações das pessoas sobre suas competências. Algumas delas são determinantes para a escolha do caminho. Expressões como, “Puxa, como você é bom nessa área! ”, podem dar sentido ao caminho do empreendedor. Atuar sempre na área em que domina e na qual se sente confortável é indicativo de caminho seguro. Uma pergunta necessária: tenho que fazer algum curso complementar? É importante fazê-lo, pois sabemos que existem áreas que não dominamos e surgem, então, dois caminhos: o primeiro é o de buscar esse conhecimento, o segundo é o de agregar à equipe pessoa ou pessoas com características complementares. O que deve ser deixado claro é que não basta o sonho, o entusiasmo, a vontade para ser empreendedor. É preciso mais! Conhecimento pode ser adquirido com esforço e dedicação. Passou o tempo em que atuávamos de forma amadora e nos contentávamos com pouco. O empreendedor deve ser profissional.

5.2 Habilidade O desenvolvimento de habilidades torna o empreendedor mais efetivo. Leia-se habilidade como saber fazer. Se um dos pontos mais importantes para o empreendedorismo é a descoberta de oportunidades, a pergunta que deve ser feita é: consigo fazer a leitura dos ambientes em que atuo? • O que faz um empreendedor é um conjunto de atitudes e comportamentos que o predispõem a ser criativo, a identificar as oportunidades e a saber agarrá-las.” • “A leitura e a interpretação que o empreendedor faz do meio-ambiente é que vai ou não levá-lo ao sucesso.” Então, antecipar o futuro é o que fará de seu negócio um sucesso. Essa é a grande virtude de empreendedores de sucesso. Bill Gates e a Microsoft, Steve Jobs e a Apple, Comandante Rolim e a Tam. São exemplos de homens que viveram à frente de seu tempo. 17

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A comunicação é outra área fundamental. O empreendedor lida, diariamente, com diferentes públicos. Clientes, fornecedores, prestadores de serviços, empregados. Para cada um, um tipo de linguagem diferente, uma abordagem diferente. Saber se comunicar, nos tempos atuais, é sinônimo de sucesso. Outra área a ser desenvolvida é a negociação. Negociar é o que fazemos todos os dias, o tempo todo. Logo, desenvolver essa habilidade é pensar em ser efetivo, em obter resultados, sempre dentro de conceitos atuais de como deve ser a negociação. Como é o seu processo decisório? E o de identificação de problemas? Procure identificar seus pontos fortes e fracos para poder direcionar seu processo de aprendizagem para as áreas mais carentes. Crescer é sinônimo de aprender. Melhore cada dia um pouco para ser um empreendedor de sucesso!

5.3 Atitude Se conhecimento se adquire, se habilidade se aprende, atitude se tem ou não. Talvez, a grande razão dos fracassos que temos na vida seja a falta de atitude ou a atitude impensada. Antes de se lançar ao empreendedorismo, você deveria, de forma simples, dedicar um tempo às pessoas e perguntar-lhes como elas o veem. Sem nenhum tipo de controle nem rejeição ao que lhe disserem, raciocine sobre o que foi dito. Conhecer-se é difícil! Estar aberto ao feedback, por mais crítico que seja, é fator de crescimento pessoal. Lembre-se de que você só cresce quando está disposto a ouvir sobre si. Sua visão de mundo e seu conjunto de valores podem ser um forte indicador para definir sua propensão ou não ao empreendedorismo. A não existência de preconceitos, a capacidade de se relacionar com todos, independentemente de religião, orientação sexual, raça, torna o empreendedor uma pessoa confiável. Antes de se lançar a essa empreitada rumo ao empreendedorismo, conheça-se!

5.4 Leitura Complementar 2 O Empreendedor e sua história! Recentemente, a Rede SBT de televisão mostrou uma entrevista do empresário Sílvio Santos sobre ele e sua empresa. Brilhante aula de empreendedorismo, que deveria fazer parte das aulas da disciplina. 18

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Ele nos conta seu começo de carreira, com 14 anos, como camelô, na estação da Central do Brasil no Rio de Janeiro. As dificuldades e riscos, enfim, a vida de um menino ousado. Em seguida, um repórter lhe faz a seguinte pergunta: qual o segredo do sucesso? A resposta foi longa, mas farei uma síntese do que é fundamental. Diz Sílvio Santos: “O importante é que você tenha objetivos claros e não se deixe influenciar por pessoas, por mais próximas que elas sejam. O sonho deve ser perseguido o tempo todo, mas cuidado, sonho sem realização é inócuo. Trabalhe duro, acredite em seus ideais e não se deixe desvirtuar de seus caminhos. Foi assim que de camelô cheguei a ser banqueiro”. Ainda da entrevista: “Se você tiver um objetivo, persiga-o. Não importa se sua empresa será a primeira do mercado. Administre com correção e acredite em seu sonho”.

6 Referências BASTOS, A.L.A. e Basso, C.F.R. Empreendedorismo. Blumenau. Edifurb. BERNHOEFT, R. Como tornar-se empreendedor em qualquer idade. São Paulo, Livraria Nobel S.A. CHESBROUGH, Henry. Modelos de Negócios Abertos – Como prosperar no novo cenário da inovação. Porto Alegre, RS. Bookman Cia Editora. DOLABELA, F. O Segredo de Luísa. São Paulo. Cultura Editores Associados, 1999. DOMINGOS, C. Oportunidades Disfarçadas. R. de Janeiro. Sextante. GOUVÊA, A.B.C.T. Empreendedorismo – Caderno de Estudos. Indaial. Editora Grupo Uniasselvi. KIM, W. Chan; MAUBORGNE, Renée, A Estratégia do Oceano Azul. São Paulo. Ed.Campus.

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NEUROCIÊNCIA: EVOLUÇÃO E ATUALIDADE

Autora: Otilia Lizete de Oliveira Martins Heinig

UNIASSELVI-PÓS Programa de Pós-Graduação EAD

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090



Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza



Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol



Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Profa. cláudia Regina Pinto Michelli



Revisão Gramatical: Profa. Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Carlinho Odorizzi Copyright © Editora UNIASSELVI 2012 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri – UNIASSELVI – Indaial

616.8 H468n

Heining, Otilia Lizete de Oliveira Mertins Neurociência : evolução e atualidade / Otilia Lizete de Oliveira Mertins Heining. Indaial : Uniasselvi, 2012. 158 p. : il

ISBN 978-85-7830-655-7

1. Neurociência - evolução. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Otilia Lizete de Oliveira Martins Heinig Possui mestrado em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1995) e doutorado em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). Atualmente é professor titular, tempo integral, da Fundação Universidade Regional de Blumenau, atuando no curso de Letras e no Mestrado em Educação. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Letras no que concerne aos aspectos educativos, atuando principalmente nos seguintes temas: professores, ensino fundamental, ensino-aprendizagem, leitura e sistema alfabético.

Sumário APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1

Neurociência: Histórico e Evolução........................................... 9

CAPÍTULO 2

Neurociência: Estudos Atuais.................................................... 45

CAPÍTULO 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita.............. 77

CAPÍTULO 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita. ..............................115

APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Caro pós graduando, estamos chegando ao final do seu curso de Neuropsicopedagogia, e nesta disciplina iremos estudar os movimentos históricos na Neurociência e sua contribuição para a Educação. Organizamos esse caderno de estudos, em quatro capítulos: No primeiro capítulo abordaremos a origem e o desenvolvimento histórico das neurociências, os rumos desses estudos e as implicações dessas novas descobertas, para finalizar esse capítulo histórico falaremos sobre os estudos atuais da neurociência seus avanços e contribuições. No capítulo seguinte, estudaremos a noção da neurociência molecular, celular e dos sistemas comportamentais e cognitivos, concluiremos esse capítulo apresentado o estudo da neurociência para a leitura e a escrita. A aprendizagem da leitura e da escrita será o ponto central de estudo no terceiro capítulo, nele apresentaremos os conhecimentos de leitura e escrita dentro das novas descobertas da neurociência. Descrevemos o processo de leitura com base nos recentes estudos sobre o neurônio da leitura, para finalizar elencaremos problemáticas da leitura e da escrita com base nesses novos estudos e relacionaremos as questões de aprendizagem da leitura e da escrita com base nos estudos psicolinguísticos e da neurociência. O quarto capítulo, apresentaremos o processamento da língua falada e escrita, assim como compreenderemos as bases da linguistica e psicolinguística na organização do sistema alfabético do português do Brasil. Conheceremos as contribuições dos estudos psicolinguísticos para detectar os problemas de processamento, e por fim, como aplicar esses conhecimentos adquiridos na compreensão de um caso de dificuldade de aprendizagem de leitura e de escrita. Dessa forma, esperamos que este caderno de estudos contribua na sua formação profissional e que você compreenda quais as relações da leitura e da escrita sob o viés cognitivo. Bons estudos! A autora.

Neurociência: Evolução e Atualidade

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C

APÍTULO 1

Neurociência: Histórico e Evolução

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 99 Historicizar os estudos da neurociência, a fim de que se possa reconstruir o processo de descobertas e das aplicações dos estudos na área. 99 Estabelecer relações entre os estudos atuais e as descobertas realizadas desde o surgimento dos estudos da neurociência. 99 Enumerar os principais avanços da neurociência e apontar suas contribuições para os estudos atuais.

Neurociência: evolução e atualidade

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Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução

Contextualização Pare um instante e tente analisar seu jeito de andar. Você consegue descrever seus movimentos de forma consciente? Pois é, nós falamos, andamos, pensamos. Isso tudo acontece de forma tão natural em nossa vida que não paramos para refletir sobre o que acontece conosco. Apenas realizamos as ações. Também raramente buscamos saber que estudos explicam nosso modo de pensar, acumular conhecimentos, guardar histórias e rostos, por exemplo. Nossa tarefa, neste momento, é compreender como chegamos a ser como somos sob a ótica das neurociências. Neste capítulo, que está organizado em três seções, temos como principal objetivo compreender os estudos da grande área da Neurociência na linha da história. Por isso, ele foi organizado da seguinte maneira: 1) Origem e desenvolvimento histórico das Neurociências. 2) Os rumos dos estudos na área e as implicações para novas descobertas. 3) Os estudos atuais: avanços e contribuições para a área. Considere que estas partes se articulam entre si, pois a construção de uma casa começa com seu alicerce, muitas vezes escondido, mas que sustenta um todo sólido, bonito e à mostra. Portanto, sua tarefa é a de um arquiteto que visa a estudar uma edificação já pronta e buscar compreender e descrever o processo de sua construção. Preparado(a)? Então, vamos lá.

Origem e Desenvolvimento Histórico das Neurociências Como você já sabe, temos intenções aqui e elas estão articuladas, mas iremos deixar mais clara a maneira como organizamos o todo e as partes deste capítulo. Na primeira seção, nosso objetivo é apresentar cronologicamente os estudos da neurociência para que se possa reconstruir o processo das descobertas e das aplicações dos estudos na área. Feito isso, iremos estabelecer 11

Neurociência: evolução e atualidade

relações entre as descobertas realizadas ao longo dos séculos e os estudos mais recentes, para, finalmente, enumerar os principais avanços da neurociência e apontar suas contribuições para os estudos atuais. Agora que você já sabe qual nosso propósito geral e de que maneira nos organizamos, convidamos você a realizar sua primeira atividade.

Atividades de Estudos: Observe com atenção e analise a foto que segue: Figura 1 - Imagens que se encontram no museu Museu Nacional de Praga (República Tcheca)

1) Observando as três cabeças, o que há de diferente entre elas? ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 12

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução

___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 2) Em que época viveu cada um desses seres representados nas estátuas? Se tiver dúvidas quanto a isso, faça uma pesquisa em materiais sobre a evolução das espécies. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________

O que você fez até aqui foi olhar para o exterior do ser humano e, partindo da aparência, fazer inferências sobre a organização cerebral, tendo como ponto de referência a configuração da cabeça de cada um dos seres representados na Figura 1. Entretanto, para que se possa saber mais acerca da organização cerebral humana, as neurociências apresentaram contribuições muito importantes, as quais foram construídas ao longo de milhares de anos. Para ajudar a fazer um passeio pela história, consultamos, selecionamos e traduzimos a cronologia apresentada em “Marcos das Pesquisas em Neurociências”, o qual foi disponibilizado pela universidade de Washington.

Se você quiser saber mais sobre os marcos das pesquisas em Neurociências, sugerimos que acesse o site: http://faculty.washington.edu/chudler/hist.html

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Neurociência: evolução e atualidade

A cronologia está organizada em seis momentos históricos e, como salienta o autor, nem todos foram incluídos e as pesquisas se deram em diferentes fontes.

Leia com atenção as descobertas e eventos de cada época e já vá destacando (assinale, pinte, sublinhe) aquelas que julgar importantes para a evolução dos estudos das neurociências I 4000 a.C. a 0 d.C.







ca. 4000 a.C. - Efeito euforizante da papoula é relatado em registros sumérios.



ca. 4000 a.C. - Tabuletas de argila da Mesopotâmia discutem como usar o álcool para diluir medicamentos.



ca. 2700 a.C. - Shen Nung dá origem à acupuntura.



ca. 1700 a.C. - Edwin Smith: primeiro registro escrito sobre o sistema nervoso (em papiro).



ca. 1400-1200 a.C. – O sistema Ayuvedic de medicina hindu é desenvolvido.



ca. 500 a.C. - Alcmaion de Crotona disseca nervos sensoriais e descreve o nervo óptico.



460-379 a.C. - Hipócrates descreve a epilepsia como um distúrbio do cérebro. Hipócrates afirma que o cérebro está envolvido com a sensação e é a sede da inteligência. Figura 2 - Hipócrates (?460 a.C. – ?377 a.C.), conhecido como o pai da medicina moderna, foi a primeira pessoa a separar medicina de superstição

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Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



387 a.C. - Platão ensina em Atenas. Considera o cérebro como a sede do processo mental.



335 a.C. - Aristóteles escreve sobre o sono; acredita que o coração é a sede de processo mental.



335-280 a.C. - Herófilo (o “Pai da Anatomia”) acredita que os ventrículos são sede da inteligência humana.



280 a.C. - Erasístrato de Chios regista as divisões do cérebro.

0 d.C. a 1500

177 - Galeno faz palestra sobre o cérebro.



ca. 100 - Marinus descreve o décimo nervo craniano .



ca. 100 - Rufus de Éfeso descreve e dá nome ao quiasma.



ca. 390 - Nemésio desenvolve a doutrina da localização ventricular de todas as funções mentais.



ca. 900 - Rhazes descreve sete pares de nervos cranianos e 31 nervos espinhais em Kitab al-Hawi Fi Al Tibb.



ca. 1000 - Al-Zahrawi (também conhecido como Abulcasis ou Albucasis) descreve vários tratamentos cirúrgicos para distúrbios neurológicos.



1025 - Avicena escreve sobre a visão e o olho em The Canon of Medicine.



1088 - Abu Ruh escreve The Light of the Eyes, descrevendo várias operações de olho.



1260 - Luís IX funda a primeira instituição para cegos.



1316 - Mondino de’Luzzi escreve o primeiro livro europeu de anatomia (Anothomia).



1402 – O Hospital Santa Maria de Belém é usado exclusivamente para doentes mentais.



1410 – Uma instituição para doentes mentais é estabelecida em Valência, Espanha.

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Neurociência: evolução e atualidade

1500 – 1600

1504 - Leonardo da Vinci produz em cera o elenco dos ventrículos humanos. Figura 3 – As contribuições em desenho para os estudos da Anatomia

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.



1536 - Nicolo Massa descreve o fluido cerebrospinal. 1538 - Andreas Vesalius publica a Tabulae Anatomicae. 1542 - Jean Fernel publica De naturali parte Medicinae, o qual traz pela primeira vez o termo “fiosologia”. 1543 - Andreas Vesalius publica On the Workings of the Human Body.



1543 - Andreas Vesalius discute a glândula pineal e desenha o corpo estriado.



1549 - Jason Pratensis publica De Morbis Cerebri, um livro inicialmente dedicado à doença neurológica.



1550 - Vesalius descreve a hidrocefalia.

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1550 - Eustachio Bartolomeo descreve a origem cerebral dos nervos ópticos.

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1561 - Gabriele Falloppio publica Observationes Anatomicae e descreve alguns dos nervos cranianos.



1562 - Eustachio Bartolomeo publica The Examination of the Organ of Hearin.



1564 - Giulio Cesare Aranzi cunha o termo hipocampo.



1573 - Constanzo Varolio é o primeiro a cortar o cérebro a partir de sua base.



1573 - Girolamo Mercuriali escreve De nervis opticis, a fim de descrever a anatomia do nervo óptico.



1583 - Felix Platter afirma que a retina é onde as imagens são formadas.



1583 - Georg Bartisch publica Ophthalmodouleia: das ist Augendienst com desenhos de olhos.



1586 - A. Piccolomini distingue entre o córtex e a substância branca.



1587 - Guilio Cesare Aranzi descreve os ventrículos e o hipocampo. Ele também demonstra que a retina tem uma imagem invertida.



1590 - Zacharias Janssen inventa o microscópio composto.

1600 – 1700

1601 - Hieronymus Fabricius ab Aquapendente publica Tractatus de Oculo Visusque Organo, descrevendo o local correto da lente em relação à íris.



1604 - Johannes Kepler descreve imagem invertida na retina.



1609 - J. Casserio publica a primeira descrição de corpos mamilares.



1611 - Lázaro Riverius publica o livro-texto descrevendo deficiências na consciência.



1621 - Robert Burton publica A anatomia da melancolia sobre a depressão.

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Neurociência: evolução e atualidade



1623 - Benito de Daca Valdes publica o primeiro livro sobre o teste de visão e adaptação de óculos.



1641 - Franciscus de la Boe Sylvius descreve a fissura na superfície lateral do cérebro (fissura silviana).



1644 - Giovanni Battista Odierna descreve o aspecto microscópico do olho da mosca em L’Occhio della Mosca.





1650 - Franciscus de la Boe Sylvius descreve uma passagem estreita entre os terceiro e quarto ventrículos (o aqueduto de Sylvius).



1658 - Johann Jakof Wepfer teoriza que um vaso sanguíneo quebrado no cérebro pode causar apoplexia (derrame).



1661 - Thomas Willis descreve um caso de meningite.



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1649 - René Descartes descreve o pineal como centro de controle do corpo e da mente.

1662 - De homine de René Descartes é publicado (Ele morreu em 1650). 1664 - Thomas Willis publica Cerebri anatome (em latim).

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução

Figura 4 – Cerebri Anatome

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.



1664 - Thomas Willis descreve o décimo primeiro nervo craniano (nervo acessório).



1664 - Gerardus Blasius descobre e nomeia o “aracnoide”.



1667 - Robert Hooke publica Micrographia.



1668 - l’Abbe Edme Mariotte descobre o ponto cego.



1673 - Joseph Duverney usa em pombos a técnica de ablação experimental.

1665 - Robert Hooke detalha o seu primeiro microscópio.

1670 - William Molins nomeia o nervo troclear.

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Neurociência: evolução e atualidade



1681 – A edição em Inglês de Cerebri anatome de Thomas Willis é publicada.



1681 - Thomas Willis cunha o termo Neurologia.



1695 - Humphrey Ridley publica A Anatomia do Cérebro.



1684 - Raymond Vieussens publica Neurographia Universalis.

1696 - John Locke escreve o Ensaio sobre o Entendimento Humano. 1697 - Joseph G. Duverney introduz o termo “plexo braquial”.

1700 – 1800

1704 - Antonio Valsalva publica No ouvido humano.



1705 - Antonio Pacchioni descreve as granulações aracnoides.



1709 - George Berkeley publica a Nova teoria da visão.



1717 - Antony van Leeuwenhoek descreve as fibras nervosas na seção transversal.



1721 - A palavra “anestesia” aparece pela primeira vez em Inglês.



1749 - David Hartley publica Observações do Homem, o primeiro trabalho Inglês usando a palavra “psicologia”.



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1736 - Jean Astruc cunha o termo reflexo.

1750 - Jacques Daviel realiza a primeira extração de catarata em um olho humano vivo. 1752 - A Sociedade dos Amigos estabelece um ambiente hospitalar para os doentes mentais na Filadélfia.



1760 - Arne-Charles Lorry demonstra que os danos ao cerebelo afetam a coordenação motora.



1766 - Albrecht von Haller fornece descrição científica do líquido cefalorraquidiano.



Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1773 - John Fothergill descreve a neuralgia do trigêmeo (tique doloroso, síndrome do Fothergill).



1773 - Sir Joseph Priestley descobre o óxido nitroso. 1774 - Franz Anton Mesmer introduz o “magnetismo animal” (mais tarde chamada de hipnose). Figura 5 – Franz Anton Mesmer

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.





1776 - M.V.G. Malacarne publica o primeiro livro dedicado exclusivamente ao cerebelo. 1777 - Philip Meckel propõe que o ouvido interno é preenchido com fluido, não ar. 1778 - Samuel Thomas von Soemmerring apresenta a classificação moderna dos doze pares de nervos cranianos. 1779 - Antonius Scarpa descreve o gânglio de Scarpa do sistema vestibular. 1782 - Francesco Gennari publica um trabalho sobre “lineola albidior” (mais tarde conhecida como a faixa de Gennari).



1782 - Francesco Buzzi identifica a fóvea.



1784 - Benjamin Rush escreve que o álcool pode ser uma droga que vicia.

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Neurociência: evolução e atualidade



1784 - Benjamin Franklin menciona óculos bifocais em uma carta a George Whatley.



1786 - Felix Vicq d’Azyr descobre o locus coeruleus.



1786 - Samuel Thomas Sommering descreve o quiasma.



1786 - Georg Joseph Beer funda o primeiro hospital de olhos em Viena.



1791 - Luigi Galvani publica um trabalho sobre estimulação elétrica de nervos de rã.



1792 - Giovanni Valentino Mattia Fabbroni sugere que a ação do nervo envolve tanto fatores químicos quanto físicos.



1796 - Johann Christian Reil descreve a insula (ilha de Reil).



1798 - John Dalton, que era daltônico vermelho-verde, fornece uma descrição científica do daltonismo.

1800 – 1850

1800 - Alessandro Volta inventa a pilha molhada.



1800 - Humphrey Davy sintetiza o óxido nitroso.



1800 - Samuel von Sommering identifica o material preto no mesencéfalo e o chama de “substantia nigra”.



1801 - Thomas Young descreve o astigmatismo.



1801 - Adam Friedrich Wilhelm Serturner cristaliza ópio e obtém morfina.



1808 - Franz Joseph Gall publica um trabalho sobre frenologia.



1809 - Johann Christian Reil usa o álcool para endurecer o cérebro.



1809 - Luigi Rolando usa corrente galvânica para estimular o córtex. 1811 - Jean Julien Legallois descobre o centro respiratório na medula.





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1811 - Charles Bell discute as diferenças funcionais entre raízes dorsal e ventral da medula espinhal.

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1820 – O galvanômetro é inventado.



1821 - Charles Bell descreve paralisia facial ipsilateral (paralisia de Bell).



1821 - François Magendie discute as diferenças funcionais entre raízes dorsal e ventral da medula espinhal.



1822 - Friedrich Burdach nomeia o giro cingulado e distingue geniculado lateral e medial.



1823 - Marie-Jean-Pierre Flourens afirma que o cerebelo regula a atividade motora.



1824 - John C. Caldwell publica Elementos de Frenologia.



1824 - Marie-Jean-Pierre Flourens faz ablação em detalhes para estudar o comportamento.



1824 - F. Magendie fornece a primeira evidência do papel do cerebelo no equilíbrio.





1825 - John P. Harrison apresenta o primeiro argumento contra a frenologia. 1825 - Jean-Baptiste Bouillaud apresenta casos de perda da fala após lesões frontais. 1825 - Luigi Rolando descreve o sulco que separa os giros póscentral e pré-central.



1826 - Johannes Müller publica teoria de “energias nervosas específicas”.



1832 - Justus von Liebig descobre o hidrato de cloral.



1832 - Sir Charles Wheatstone inventa o estereoscópio.



1833 - Philipp L. Geiger isola a atropina.



1834 - Ernst Heinrich Weber publica a “Lei de Weber”.



1836 - Marc Dax lê jornal sobre os efeitos do hemisfério esquerdo danos em discurso.

1832 - Jean-Pierre Robiquet isola a codeína.

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Neurociência: evolução e atualidade

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1836 - Gabriel Gustav Valentin identifica o neurônio núcleo e o nucléolo.



1836 - Robert Remak descreve axônios mielinizados e não mielinizados.



1836 - Charles Dickens (o romancista) descreve a apneia obstrutiva do sono.



1837 - Janeiro Purkyně (Purkinje) descreve as células cerebelares; identifica o neurônio núcleo e seus processos.



1837 - A American Physiological Society é fundada.



1838 - Robert Remak sugere que fibras nervosas e células nervosas são unidas.



1838 - Theordor Schwann descreve a célula formadora de mielina no sistema nervoso periférico (“célula de Schwann”).



1838 - Jean-Etienne Dominique Esquirol publica Mentales Des Maladies, possivelmente a primeira obra moderna sobre os transtornos mentais.



1838 – O Código Napoleônico leva à exigência de instalações para os doentes mentais.



1838 - Eduard Zeis publica um estudo sobre os sonhos em pessoas que são cegas.



1839 - Theordor Schwann propõe a teoria celular.



1839 - C. Chevalier cunha o termo micrótomo.



1840 - Adolph Hannover utiliza ácido crômico para endurecer tecido nervoso.



1840 - Jules Gabriel François Baillarger discute as conexões entre a substância branca e cinzenta do córtex cerebral.



1840 - Adolphe Hannover descobre as células ganglionares da retina.

1840 - Moritz Heinrich Romberg descreve um teste para propriocepção consciente (teste de Romberg).

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1841 - Dorothea Lynde Dix investiga brutalidade dentro de hospitais para doentes mentais nos Estados Unidos.



1842 - Benedikt Stilling é o primeiro a estudar a medula espinhal em cortes seriados.



1842 - Crawford W. Long usa éter sobre o homem.



1843 - James Braid cunha o termo “hipnose”.



1844 - Robert Remak fornece a primeira ilustração de 6 camadas do córtex.



1844 - Horace Wells utiliza óxido nitroso durante uma extração de dente.



1845 - Ernst Heinrich Weber e Edward Weber descobrem que a estimulação do nervo vago inibe o coração.



1846 - William Morton demonstra anestesia com éter no Massachusetts General Hospital.



1847 - A anestesia de clorofórmio é usada por James Young Simpson.



1847 - A Associação Americana para o Avanço da Ciência é fundada.



1848 - Phineas Gage tem seu cérebro perfurado por uma barra de ferro.

1842 - François Magendie descreve a abertura mediana no teto do quarto ventrículo (forame de Magendie).

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Neurociência: evolução e atualidade

Figura 6 – Cérebro perfurado por uma barra de ferro

Fonte: Disponível em: <www.joeltalks.com>. Acesso em: 1º dez. 2012.



1848 - Richard Owen cunha a palavra “notocorda”. 1849 - Hermann von Helmholtz mede a velocidade dos impulsos nervosos em rã.

1850 – 1900

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1850 - Augustus Waller descreve a aparência de fibras nervosas em degeneração.



1851 - Jacob Augusto Lockhart Clarke descreve o núcleo dorsal, uma área. na zona intermediária da matéria cinzenta da medula espinhal.



1851 - Heinrich Muller é o primeiro a descrever os pigmentos coloridos na retina.



1851 - Alfonso Corti Marchese descreve o órgão receptor coclear no ouvido interno (órgão de Corti).



1851 - Hermann von Helmholtz inventa oftalmoscópio.



1851 - Andrea Verga descreve o vergae cavum.



1852 - George Meissner e Rudolf Wagner descrevem as terminações nervosas encapsuladas, mais tarde conhecidas como “corpúsculos de Meissner”.

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1853 - William Benjamin Carpenter propõe “gânglio sensorial” (tálamo) como sede da consciência.



1854 - Louis P. Gratiolet descreve circunvoluções do córtex cerebral.



1855 - Bartolomeo Panizza demonstra que o lobo occipital é essencial para a visão.



1855 - Richard Heschl descreve os giros transversos no lobo temporal (giros Heschl).



1859 - Charles Darwin publica A Origem das Espécies.



1859 - Rudolph Virchow cunha o termo neuroglia.



1860 - Albert Niemann purifica cocaína.



1860 - Gustav Theodor Fechner desenvolve a “lei de Fechner”.



1860 - Karl L. Kahlbaum descreve e nomeia “catatonia”.



1861 - Paul Broca discute localização cortical. Figura 7 – Anatomia cerebral por Paul Broca e Carl Wernicke

Fonte: Disponível em: <wwww.souagora.com.br>. Acesso em: 1º dez. 2012.

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Neurociência: evolução e atualidade

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1861 - T.H. Moedas Huxley cunha o termo calcarine sulcus.



1862 - Hermann Snellen inventa cartelas com letras para testar a visão.



1863 - Ivan Mikhalovich Sechenov publica Reflexos do Cérebro.



1863 - Nikolaus Friedreich descreve uma desordem hereditária e progressiva degenerativa do SNC (ataxia de Friedreich).



1864 - John Hughlings Jackson escreve sobre a perda da fala após lesão cerebral.



1865 - Otto Friedrich Karl Deiters diferencia dendritos e axônios e descreve o núcleo vestibular lateral (núcleo de Deiter).



1866 - Julius Bernstein apresenta a hipótese de que um impulso nervoso é uma “onda de negatividade”.



1866 - Leopold Agosto Besser cunha o termo “células de Purkinje”.



1867 - Theodore Meynert realiza a análise histológica do córtex cerebral.



1868 - Julius Bernstein mede a evolução no tempo do potencial de ação.



1869 - Francis Galton afirma que a inteligência é herdada (publicação de Hereditary Genius).



1869 - Johann Friedrich Horner descreve doença ocular (pupila pequena, pálpebra caída), mais tarde a ser chamada de “síndrome de Horner”.



1870 - Eduard Hitzig e Gustav Fritsch descobrem a área motora cortical do cão usando estímulo elétrico.



1870 - Ernst von Bergmann escreve o primeiro livro sobre cirurgia do sistema nervoso.



1871 - Weir Mitchell oferece relato detalhado de síndrome do membro fantasma.



1872 - Sir William Turner descreve o sulco interparietal. 1872 - Charles Darwin publica A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais.

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1874 - Jean Martin Charcot descreve a esclerose lateral amiotrófica.



1874 - Vladimir Alekseyevich Betz publica trabalho sobre células gigantes piramidais.



1874 - Roberts Bartholow estimula eletricamente o tecido cortical humano.



1875 - Sir David Ferrier descreve diferentes partes do córtex motor do macaco.



1875 - Richard Caton é o primeiro a registrar a atividade elétrica do cérebro.



1875 - Heinrich Wilhelm Erb e Carl Friedrich Otto Westphal descrevem o reflexo patelar.



1876 ​​- David Ferrier publica As Funções do Cérebro.



1876 ​​- Francis Galton usa a “natureza e cultura” para explicar termo “hereditariedade e ambiente”.



1877 - Jean-Martin Charcot publica Palestras sobre as Doenças do Sistema Nervoso.



1878 - Paul Broca publica trabalho sobre o “grande lobo límbico”.



1878 - Louis-Antoine Ranvier descreve interrupções regulares na bainha de mielina (nodos de Ranvier).



1879 - Camillo Golgi descreve o que mais tarde seria conhecido como “órgãos tendinosos de Golgi”.



1879 - Hermann Munk apresenta a anatomia detalhada do quiasma.



1879 - William Crookes inventa o tubo de raios catódicos.



1879 - Wilhelm Wundt cria laboratório dedicado a estudar o comportamento humano. 1880 - Jean Baptiste Edouard Gelineau introduz a palavra “narcolepsia”.







1880 - Friedrich Sigmund Merkel descreve terminações nervosas livres as quais seriam mais tarde conhecidas como “corpúsculos de Merkel”. 29

Neurociência: evolução e atualidade



1881 - Hermann Munk apresenta relatórios sobre anormalidades visuais após a ablação do lobo occipital em cães.



1883 - Sir Victor Horsley descreve os efeitos da anestesia com óxido nitroso.



1883 - Emil Kraepelin cunha os termos neuroses e psicoses.



1883 - George John Romanes cunha o termo “psicologia comparativa”.



1884 - Karl Koller descobre as propriedades anestésicas da cocaína.



1884 - Georges Gilles de la Tourette descreve vários distúrbios do movimento.



1885 - Paul Ehrlich observa que a tintura intravenosa não mancha o tecido cerebral.



1885 - Carl Weigert introduz hematoxilina para corar a mielina.



1885 - Ludwig Edinger descreve o núcleo que será conhecido como o núcleo Edinger-Westphal.



1886 - V. Marchi publica procedimentos para corar a degeneração da mielina.



1887 - Sergei Korsakoff descreve os sintomas característicos em alcoólatras.



1888 - William Gill descreve anorexia nervosa.



1888 - William W. Keen Jr. é o primeiro americano a remover meningioma intracranial.



1888 - Giovanni Martinotti descreve células corticais mais tarde conhecidas como “células Martinotti”.



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1889 - Santiago Ramón y Cajal argumenta que as células nervosas são elementos independentes.



1889 - William cunha o termo dendrite.



1889 - Carlo Martinotti descreve o neurônio cortical com axônio ascendente (este neurônio hoje leva seu nome, célula Martinotti).

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1890 - Wilhelm Ostwald descobre a teoria de membrana de condução nervosa.



1890 - William James publica Princípios de Psicologia.



1890 - O termo “testes mentais” foi inventado por James Cattell.



1891 - H. Quincke introduz a punção lombar.



1891 - Wilhelm von Waldeyer cunha o termo neurônio . Figura 8 - Wilhelm von Waldeyer

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.



1891 - Luigi Luciani publica um manuscrito sobre o cerebelo.



1891 - Heinrich Quinke desenvolve a punção lombar (punção espinhal).



1892 - Arnold Pick é o primeiro a descrever a “doença de Pick”. 1893 - Paul Emil Flechsig descreve a mielinização do cérebro.



1893 - Charles Scott Sherrington cunha o termo proprioceptivo.



1895 - William Seu primeiro usa o termo hipotálamo.



1895 - Wilhelm Konrad Roentgen inventa o Raio-X. 31

Neurociência: evolução e atualidade



1895 - Heinrick Quincke realiza punção lombar para estudar o líquido cefalorraquidiano.



1896 - Rudolph Albert von Kolliker cunha o termo axônio.



1896 - Camillo Golgi descobre o aparelho de Golgi.



1896 - Emil Kraeplein descreve a demência precoce.



1897 - Ivan Petrovich Pavlov publica trabalho sobre a fisiologia da digestão.



1897 - Karl Ferdinand Braun inventa o osciloscópio.



1897 - John Jacob Abel isola adrenalina.



1897 - Ferdinand Blum usa formol como fixador do cérebro.



1898 - John Langley Newport cunha o termo sistema nervoso.



1898 - Angelo Ruffini descreve terminações nervosas encapsuladas, mais tarde conhecidas como corpúsculos de Ruffini.



1899 - Francis Gotch descreve uma “fase refratária” entre os impulsos nervosos.

1897 - Charles Scott Sherrington cunha o termo sinapse.

1900 - 1950

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1900 - Sigmund Freud publica A Interpretação dos Sonhos.



1900 - Charles Scott Sherrington afirma que o cerebelo é o gânglio principal do sistema proprioceptivo.



1900 - M. Lewandowsky cunha o termo “barreira cérebro-sangue”.



1902 - Oskar Vogt e Cecile Vogt cunham o termo “neurofisiologia”.



1903 - Ivan Pavlov cria o termo reflexo condicionado.



1905 - Alfred Binet e Theodore Simon apresentam seu primeiro teste de inteligência.

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1905 - John Langley Newport cria a expressão “sistema nervoso parassimpático”.



1906 - Alois Alzheimer descreve a degeneração pré-senil.



1906 - Sir Charles Scott Sherrington publica A ação integradora do sistema nervoso, que descreve a sinapse e o córtex motor.



1907 - Ross Granville Harrison descrevem os métodos de cultura de tecidos.



1907 - John Langley Newport introduz o conceito de moléculas receptoras.



1908 - Vladimir Bekhterew descreve o núcleo superior do nervo vestibular (núcleo do Bekhterew).



1908 - Oberga introduz a punção cisterna, um método para acessar o líquido cefalorraquidiano através da cisterna magna.



1909 - Harvey Cushing é o primeiro a estimular eletricamente o córtex sensorial humano.



1909 - Korbinian Brodmann 52 descreve as discretas áreas corticais.



1909 - Karl Jaspers publica Doença Mental Geral.



1910 - Emil Kraepelin nomeia a doença de Alzheimer.

“O anseio de Kraepelin era o de demonstrar que as doenças mentais tinham uma base anatômica, mas as alterações cerebrais estruturais associadas às doenças mentais eram só accessíveis através de investigação de achados pós-morte e, na época, Kraepelin possuía colaboradores que se tornaram famosos nesta empreitada: Alzheimer, Nissl e o casal Vogt (Tsuang et al., 1995).” (ELKIS, 1996).

1911 - Eugen Bleuler cunha o termo esquizofrenia.



1912 - Fórmula original para o quociente de inteligência (QI), desenvolvida por William Stern. 33

Neurociência: evolução e atualidade

34



1913 - Edwin Ellen Goldmann encontra a barreira hematoencefálica impermeável a grandes moléculas.



1913 - Walter Samuel Hunter inventa o teste da resposta retardada.



1915 - J.G. Dusser De Barenne descreve a atividade do cérebro após a aplicação de estricnina.



1916 - Shinobu Ishihara publica um conjunto de placas para testar a visão de cores.



1918 - Walter E. Dandy introduz a ventriculografia.



1919 - Cecile Vogt descreve mais de 200 áreas corticais.



1919 - Walter E. Dandy introduz a encefalografia .



1919 - Pio del Rio Hortega divide neuroglia em microglia e oligodendroglia.



1920 - Henry Head publica Estudos em Neurologia.



1920 - Stephen Walter Ranson demonstra as conexões entre o hipotálamo e a hipófise.



1920 - John B. Watson e Rosalie Rayner publicam experimentos sobre o condicionamento clássico de medo (experimentos pequeno Albert).



1921 - Otto Loewi publica trabalho sobre Vagusstoff.



1924 - Charles Scott Sherrington descobre o reflexo de estiramento.



1928 - Walter Rudolf Hess relata “respostas afetivas” à estimulação hipotalâmica.



1928 - John Fulton publica suas observações (feitas em 1926 e 1928) dos sons do sangue que flui ao longo do córtex visual humano.



1929 - Hans Berger publica suas conclusões sobre o eletroencefalograma em ser humano.

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução



1932 - Max Knoll e Ernst Ruska inventou o microscópio eletrônico.



1932 - Edgar Douglas Adrian e Charles S. Sherrington: Prêmio Nobel com o trabalho sobre a função dos neurônios.



1936 - Egas Moniz publica trabalhos sobre a lobotomia frontal humana.



1936 - Walter Freeman executa lobotomia nos Estados Unidos.



1937 - James Papez publica trabalho sobre o circuito límbico.



1936 - Hospital Geral de Massachusetts tem seu primeiro laboratório EEG.



1938 - Isador Rabi cunha o termo “ressonância magnética”.



1938 - Skinner publica O Comportamento dos Organismos que descreve o condicionamento operante.



1938 - Ugo Cerletti e Lucino Bini: tratamento de pacientes humanos com eletrochoque.



1938 - Franz Kallmann publica a genética da esquizofrenia.



1946 - Theodor Rasmussen descreve o feixe olivococlear (pacote de Rasmussen).



1946 - Presidente Truman assina o Ato Nacional de Saúde Mental. 1948 - A Organização Mundial de Saúde é fundada.



1949 - Horace Winchell Magoun define o sistema ativador reticular. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Até você pode acompanhar, de forma didática, os acontecimentos marcantes que irão, durante a leitura do caderno de estudos, auxiliá-lo a compreender de que formas as descobertas se articulam. Vale esclarecer que cada pesquisador atuou em momentos distintos e em lugares diferentes, cada um dentro de um 35

Neurociência: evolução e atualidade

contexto de descobertas e tecnologias possíveis para aquele momento. Portanto, não podemos ler a cronologia de forma linear apenas, é preciso relacionar o que ocorreu, onde e quando, a fim de perceber que as novas descobertas estão relacionadas com outras e, assim, alimentam novas investigações e ampliação dos recursos tecnológicos possíveis para um dos momentos históricos.

Atividade de Estudos: 1) Antes de seguirmos adiante e analisarmos as principais contribuições na segunda metade do século XX: a) Faça uma síntese do que você considerou importante durante sua leitura da cronologia, retomando fatos e pesquisadores, justifique suas escolhas. b) A fim de ajudar você a refletir sobre a história das neurociências quando toda a tecnologia atual ainda não estava disponível para os estudos desse espaço tão misterioso que é o cérebro, discuta acerca dessas questões: O que as descobertas significaram ao longo do tempo? A que se pode atribui os avanços em cada momento histórico? Quem são essas pessoas e como se deram essas descobertas? Como seria o nosso século se não tivessem ocorrido essas descobertas? ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 36

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução

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Os Principais Avanços da Neurociência e suas Contribuições para os Estudos Atuais Um dos objetivos desse capítulo é historicizar os estudos da neurociência, a fim de que se possa reconstruir o processo de descobertas e das aplicações dos estudos na área. Esperamos que você tenha compreendido que as descobertas se deram dentro de um momento histórico o qual tinha seus recursos de pesquisa. Os limites de cada momento auxiliaram nos avanços sobre os quais iremos estudar nesta seção. Foram muitos estudos para que cada parte do todo fosse compreendida em relação às funções de cada órgão e da relação entre eles. Entretanto, apenas quando os aparelhos para os estudos mais detalhados do cérebro foram se desenvolvendo é que as descobertas até então realizadas foram confirmadas, revistas e ampliadas, pois, como você pode refletir em sua atividade anterior, a ciência parte sempre de conhecimentos já elaborados, os quais são refutados, reafirmados, alterados ou apenas complementados. Vamos, então, rever alguns momentos já apresentados na cronologia e outros novos, pois houve contribuições anteriores que foram fundamentais para os avanços das neurociências. O que selecionamos para estudo possibilitou aos cientistas conhecer um pouco mais o funcionamento interno do corpo humano. Você já sabe que, em 1895, Wilhelm Konrad Roentgen inventou o Raio-X, o que foi um marco no século XIX, fechando um ciclo e abrindo outro.

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Neurociência: evolução e atualidade

Figura 9 – Equipamento móvel de radiografia em ambulância

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Em 1912, ocorreu, ainda que de forma incidental, a descoberta da pneumoencefalografia (visualização radiográfica dos  ventrículos cerebrais  por injeção de ar ou outro gás). Esta técnica, segundo Elkis (1996), foi usada até o início dos anos 70, mas apresentava grandes problemas metodológicos para a psiquiatria. Na década seguinte (a de vinte), surgiu a angiografia cerebral, graças aos trabalhos e investigações de Egas Morniz, o que possibilitou o início de estudos acerca de algumas relações entre estados mórbidos neurológicos e determinadas alterações do líquor. Essas técnicas foram auxiliando as pesquisas, investigações in vivo das alterações de estruturas cerebrais.

Angiografia Cerebral: Uma angiografia cerebral é um raio X que mostra os vasos sanguíneos na cabeça. É usado para verificar se há a presença de aneurismas, má-formações, coágulos de sangue, redução ou bloqueio deste ou mudanças devido a um tumor, a um sangramento interno ou a um inchaço.

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Líquor ou líquido cefalorraquidiano, é popularmente conhecido como “líquido da espinha”. É produzido no cérebro, distribuindose pelo espaço entre a superfície cerebral e o crânio e ao redor da medula espinal. Seu volume total é renovado três vezes por dia e,

Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução

depois de circular pelo espaço subaracnóide (entre as meninges), é absorvido pelo sistema venoso. Sua principal função é a de servir como um amortecedor entre o cérebro e a caixa óssea craniana, mas também exerce importante papel como interface entre o cérebro e o sangue na troca de fluidos e eletrólitos, além de ser um dos fatores de regulação da pressão intracraniana.

E, em 1940, foi introduzida a imagem por ultrassonografia. O que isso significa? Que se começava a ter maiores possibilidades investigativas do ser humano, mas somente com os avanços dos estudos nas áreas das neurociências, e aqui se incluem emprego de técnicas avançadas de neuroimagem, é que se começa a compreender mais e melhor muitos fenômenos que até então careciam de aparatos ampliados para sua investigação. Isso inclui estudos sobre a ampliação dos conhecimentos acerca dos circuitos cerebrais e das funções que estão relacionadas à cognição humana, bem como às doenças mentais e outros problemas que encontramos muitas vezes em nossas famílias, como o mal de Alzheimer, cuja degeneração pré-senil foi descrita por Alois Alzheimer, com você já leu anteriormente.

Pré-Senil: Relativo a um estado ou às perturbações que precedem a velhice. Ex.: catarata pré-senil, psicose pré-senil.

Você poderá ver mais adiante que os avanços da neurociência, especialmente pelo uso das neuroimagens, trouxeram detalhes sobre as áreas do cérebro que já vinham sendo estudadas no século XIX, mas que não poderiam ser detalhadas com a especificidade que hoje ocorre. Uma dessas áreas, por exemplo, é a da leitura e a descoberta de Dehaene (2012) dos neurônios da leitura. Com o uso de técnicas de neuroimagem funcional, ocorreu a possibilidade de comprovação de hipóteses já aventadas, refutação de outras e revisão ou ampliação de descobertas sobre como nosso cérebro funciona e quais as áreas responsáveis por cada função (ainda que se deva pensar na intrincada rede que ali ocorre), que faz de nosso cotidiano um viver simples como andar, falar, ler.

Com o uso de técnicas de neuroimagem funcional, ocorreu a possibilidade de comprovação de hipóteses já aventadas, refutação de outras e revisão ou ampliação de descobertas sobre como nosso cérebro funciona. 39

Neurociência: evolução e atualidade

Atividade de Estudos: 1) Para saber um pouco mais sobre os usos e até mesmo a invenção ou surgimento de toda essa tecnologia, sugerimos que pesquise as seguintes técnicas:

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a) Tomografia Computadorizada ou TC Axial (CAT, em inglês):  ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________



b) Ressonância Magnética  - RM - (MRI, em inglês) ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________



c) Ressonância Magnética Funcional – RMf (fMRI, em inglês) ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________

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Neurociência: Histórico e Evolução

d) Tomografia  de Emissão de Pósitrons ou PET-scan  (PET,  em inglês) ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ e) Magnetoencefalografia (MEG) ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________

Para fechar este capítulo, apresentaremos alguns avanços na área das neurociências que serão retomadas ao longo do fascículo. Para isso, realizouse uma síntese das discussões apresentadas por Dehaene (2012), bem como trechos de sua obra no que tange aos recursos investigativos. Segundo ele, a leitura do cérebro, com as técnicas da imagem cerebral funcional, ocorreu há aproximadamente vinte anos. A observação dos processos, por exemplo, de leitura, foram não apenas realizados em pessoas doentes como portadores de alexia ou deslexia, por exemplo, mas também em sadias e pode-se observá-las em experiência de leitura de palavra. O que isso significou? A visualização da atividade cerebral no momento em que a pessoa realiza a operação mental, ou seja, no caso da dislexia, realiza a leitura. Para completar nossos estudos a respeito, trazemos as descobertas de 1988, depois ampliadas pelo uso da IRM funcional, o que revela que os avanços são sempre uma revisita às descobertas já ocorridas. Sobre isso, é importante saber: 41

Neurociência: evolução e atualidade

“Em 1988 aparece o um artigo que inaugurou, de modo espetacular, a era da imagem cerebral funcional. Steven Petersen e seus colegas estabelecem um marco ao revelar, pela primeira vez, a organização funcional das áreas cerebrais da linguagem, com a ajuda de um novo método: a tomografia por emissão de pósitrons”. (DEHAENE, 2012, p. 81).

No que tange às áreas destinadas à escuta de palavras, leitura de palavras, produção de palavras e associação de palavras, foi em 1988 que estas áreas foram evidenciadas.

Como você já realizou sua pesquisa (na atividade complementar) a respeito desse método, já sabe que há uma injeção de uma dose de água radioativa, ainda que fraca, para mapear as regiões de atividade cerebral. No que tange às áreas destinadas à escuta de palavras, leitura de palavras, produção de palavras e associação de palavras, foi em 1988 que estas áreas foram evidenciadas. Você pode ver isso melhor na figura que segue: Figura 10 - Áreas do cérebro reveladas pela primeira vez pelo escaneamento PET (datada por Peterse et al., 1989)

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

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Capítulo 1

Neurociência: Histórico e Evolução

Na Figura 10 você encontrou algumas expressões em inglês, segue a tradução desses termos: Listing to words = ouvir palavras; Reading words = ler palavras; Producing = produzir palavras; Associating = associação de palavras.

Mas, como você já deve ter percebido, os avanços vão colocando de lado algumas formas de investigação das atividades cerebrais e incluindo outras. O que surge, então, para detalhar ainda mais a atividade cerebral, levando, por exemplo, à compreensão de como lemos palavras?

Foi com o advento da imagem funcional por ressonância magnética (IRM funcional). Qual a vantagem desse uso? Não era mais preciso injetar no sujeito produtos radioativos, como explica Dehaene (2012, p. 84), pois no IRM funcional o próprio sangue serve de produto para contraste. Além disso, o acesso a essas máquinas se encontra em muitos hospitais e apresenta uma grande vantagem que é “[...] a de fornecer uma série de medidas da atividade cerebral com uma grande rapidez. No curso de um só exame, podem-se facilmente obter algumas centenas de imagens do cérebro inteiro, numa escala de alguns milímetros, na razão de um a cada dois ou três segundos (contra uma imagem a cada 10 ou 15 minutos para a câmera de pósitrons).” (DEHAENE, 2012, p. 84).

Algumas Considerações Pelo que você viu aqui, foi preciso muito investimento para tornar os métodos invasivos em outros não agressivos e mais eficientes, avançando, assim, nos estudos das neurociências. Guarde bem o que estudou até o momento, pois irá precisar desses conhecimentos para os estudos que seguem. Afinal, descobrir como lemos, como vemos imagens, como atribuímos significado ao que lemos acontece em um lugar que só foi descoberto graças a tudo que estudamos até aqui.

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Neurociência: evolução e atualidade

Referências D’AQUILI, Eugene G. The biopsychological determinants of culture. An AddisonWesley Module in Anthropology. Reading, Mass.: Addison-Wesley,1972. DEHAENE, Stanislas. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 2012. ELKIS, Hélio. Neuroimagem em psiquiatria: achados recentes de alterações estruturais no alcoolismo, esquizofrenia e transtornos do humor. Revista Psiquiatria clínica, v. 23/24, n. 4/1-3, p. 18-23, 1996. Marcos das pesquisas em neurociências. Disponível em: <.http://faculty. washington.edu/chudler/hist.html>. Acesso em: 1º dez. 2012. SABBATINI, Renato M.E. A História da Neuroimagem. Mente e Cérebro. Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

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C

APÍTULO 2

Neurociência: Estudos Atuais

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 99 Identificar os níveis de análise nos estudos atuais da neurociência. 99 Compreender como as moléculas participam de mecanismos cruciais e agem em conjunto para proporcionar aos neurônios suas propriedades especiais. 99 Perceber como diferentes sistemas trabalham em conjunto para produzir comportamentos integrados. 99 Ampliar os conhecimentos sobre leitura e escrita dentro das novas descobertas das neurociências.

Neurociência: evolução e atualidade

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Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

Contextualização A palavra “noções” já indica que, neste capítulo, serão apresentados aspectos introdutórios acerca das neurociências e suas áreas específicas de estudo. O que se pretende é introduzir os estudos nas subdivisões selecionadas: molecular, celular, comportamentais e cognitivas. Portanto, se desejar saber um pouco mais de cada uma dessas subdivisões ou especificamente de uma delas, você poderá ampliar seus conhecimentos fazendo pesquisas nos materiais indicados nas referências. Iremos apresentar pontos específicos de cada subdivisão, seguindo a ordem que nos propomos e atendendo aos objetivos já apresentados. Para alcançarmos tais objetivos, organizamos o capítulo em partes, que se completam, a fim de detalhar mais e ampliar seus conhecimentos sobre a neurociência molecular; a celular e a dos sistemas comportamentais e cognitivos.

Noções da Neurociência Molecular: da Neurociência Celular e dos Sistemas Comportamentais e Cognitivos Antes de abrirmos este capítulo, gostaríamos de rever alguns pontos do capítulo anterior e retornar à cronologia sobre as descobertas acerca dos neurônios. Não é apenas uma revisão, mas uma ampliação dos conhecimentos científicos, a fim de perceber que as descobertas, ao longo da história, não se dão ao acaso e, ainda que sejam reconhecidas pela comunidade científica em uma data específica, estão relacionadas com o que ocorreu nos anos interiores. Para ampliar seus conhecimentos, trazemos informações de Sabbatini (2003):

Neurônios e Sinapses: a história de sua descoberta A descoberta de como o sistema nervoso é organizado e trabalha em nível celular constitui um dos mais fascinantes e ricos episódios da história da ciência. Ela começou com um novo e poderoso conceito, o da bioeletricidade, mas ainda sem o conhecimento de como ela era gerada, pois devemos nos lembrar de que até 1838 a 47

Neurociência: evolução e atualidade

ciência nem sequer sabia que os organismos vivos eram constituídos de células e qual era a função dos diferentes processos filamentosos descobertos em seções histológicas do sistema nervoso, ou que eles eram de alguma forma relacionados aos “glóbulos” no tecido. O progresso científico foi bastante lento no princípio, devido aos obstáculos técnicos. Por exemplo, levou meio século (de 1838 a 1888) para mudar-se a visão de que o sistema nervoso não era uma gigantesca rede sincicial (a hipótese reticularista) para a ideia atualmente aceita de que os neurônios são células individuais, como a maioria dos tecidos achados no organismo (a doutrina neuronal). Em retrospectiva, os três longos “platôs” de pequeno progresso, intercalados entre súbitos saltos, foram devidos principalmente a razões tecnológicas. O primeiro grande passo (a descoberta de neurônios, dendritos e axônios), foi devido à invenção do microscópio acromático moderno, em 1824. O segundo grande passo (a descoberta de que os neurônios não se fundem e que os dendritos e axônios fazem parte dos neurônios), foi devido à descoberta do método de coloração de prata, por Golgi e Cajal, em 1887. O terceiro grande passo foi conseguido apenas com as técnicas microeletrofisiológicas, equipamentos eletrônicos de amplificação de alto ganho, etc.), na década dos 40, e com a microscopia eletrônica, na década dos 50. Com isso, os derradeiros fatos fundamentais sobre a sinapse foram conquistados! Fonte: Disponível em: . Acesso em:1º dez. 2012.

Um conselho antes de prosseguir: Caso não lembre aspectos mencionados no trecho acima, sugerimos que retome suas anotações do capítulo I e situe as descobertas das neurociências dentro da cronologia apresentada por Sabbatini. Como você já deve ter percebido, há uma relação de causa-consequência entre os fatos, feitos e descobertas nas neurociências, por isso sua leitura deve ser feita considerando os links entre cada parte deste material. Quando tiver dúvidas, volte ao que já estudou. Essa é a melhor maneira de conectar cada capítulo e nele cada seção. Boa leitura!

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Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

Conhecimentos Sobre Neurociência: Entre Moléculas e Células Molecular é uma palavra comum, não é mesmo? E celular (que vem de célula), você sabe definir? Você já deve ter estudado sobre moléculas e células ao longo de sua vida escolar. Então, antes de seguirmos adiante, convidamos você a rever seus conhecimentos acerca destes termos. Faça a atividade que propomos a seguir:

Atividade de Estudos: 1) Dependendo de quanto tempo você deixou escolha uma das propostas para realizar:

o ensino médio,

a) Volte aos seus materiais de estudo e procure localizar em que disciplinas e momentos de sua vida escolar você estudou moléculas e células. A seguir, faça um pequeno texto a respeito de suas retomadas e fortaleça o conceito de molecular e celular.



b) Se você não tem mais seus materiais ou não estudou esse tema, faça uma pesquisa para buscar o conceito de moléculas e células. Para auxiliar sua tarefa, sugerimos o endereço http:// paginas.ucpel.tche.br/~mflessa/bi5.html, mas você pode escolher outros materiais ou sites. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ 49

Neurociência: evolução e atualidade

Agora que você já se situou em relação às palavras-chave desta subseção, vamos, então, adentrar no universo das neurociências. Como já anunciado no início do capítulo, nosso objetivo é compreender como as moléculas participam de mecanismos cruciais e agem em conjunto para proporcionar aos neurônios suas propriedades especiais. Aliamos a isso: perceber como diferentes sistemas trabalham em conjunto para produzir comportamentos integrados.

O Sistema Nervoso Central produz o nosso estado consciente mediante um contínuo fluxo de informações e armazenamento de memórias ao longo da vida, a partir de diferentes estímulos externos.

Para isso, organizamos o material em diferentes partes, mas gostaríamos de salientar que ainda que se foque separadamente, é importante saber que há relações entre os diferentes aspectos – molecular, celular, sistêmico, cognitivo -, pois: O Sistema Nervoso Central produz o nosso estado consciente mediante um contínuo fluxo de informações e armazenamento de memórias ao longo da vida, a partir de diferentes estímulos externos. Ao mesmo tempo, controla a concentração dos nossos fluidos internos e o trabalho de músculos e glândulas. A transmissão sináptica é o processo básico de toda esta atividade. Bilhões de neurônios se comunicam entre si via milhares de sinapses, e cada sinapse, por sua vez, é uma estrutura regulada independentemente. A partir desta complexidade, em lugar de caos, surge uma singular ordem na informação processada pelo cérebro. A secreção de neurotransmissores na zona ativa da sinapse é o evento primário da comunicação interneuronal. Este processo é regulado por um tráfego de membranas altamente orquestrado dentro do terminal pré-sináptico. Os neurotransmissores são armazenados em vesículas sinápticas. (POLLI LOPES et al., 1999)

Atividade de Estudos: 1) Para falarmos em comunicação entre os neurônios, faz-se necessária uma revisão sobre sinapse. O que você lembra ou sabe a respeito? Faça uma rápida revisão e anote o que sabe. Para auxiliar sua busca, sugerimos estes sites: http://www.fisiologia.kit.net/fisio/pa/2.htm

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http://www.ced.ufsc.br/men5185/trabalhos/05_eletrofisiologia/ neuronios_sinapses.htm



http://www.cerebronosso.bio.br/sinapses/ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________

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Para entender bem isso, vamos lembrar o desenho de um neurônio e de sinapse: Figura 11 - Estrutura Típica de uma Célula Nervosa

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

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Neurociência: evolução e atualidade

Através de suas terminações, os neurônios entram em contrato e transmitem impulsos a outros neurônios.

Nesta ilustração, você pode perceber que, através de suas terminações, os neurônios entram em contrato e transmitem impulsos a outros neurônios. Estes locais de contato são denominados, respectivamente, sinapses interneuronais.

Caso você queira ver como o cérebro funciona e entender como se dá a sinapse, acesse: http://www.jellinek.nl/brain/index.html.

Aqui você verá em animação os neurotransmissores e a cada etapa encontrará também uma explicação do que ocorre em cada etapa do processo. Para ver o movimento da sinapse, acesse o vídeo (de 1 minuto) “impulso nervo/sinapse”: http://www.youtube.com/ watch?v=KdFSdOrBRiM&feature=player_embedded.

Antes de prosseguirmos, achamos conveniente falar sobre os tipos de neurônios e suas funções.

Atividade de Estudos: 1) Para isso, analise as imagens abaixo e faça uma comparação comentada entre elas:

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Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

Figura 12 - Tipos de neurônios

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.



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A fim de fazer uma rápida revisão, apresentamos as funções dos neurônios conforme seus tipos: a) Os  neurônios sensoriais  transportam sinais das extremidades do nosso corpo (periferias) para o sistema nervoso central. 53

Neurociência: evolução e atualidade

Um único neurônio sensorial da ponta do nosso dedo tem um axônio que se estende por todo o comprimento do nosso braço, ao passo que os neurônios dentro do cérebro podem se estender por somente alguns poucos milímetros. b) Os neurônios motores (motoneurônios) transportam sinais do sistema nervoso central para as extremidades (músculos, pele, glândulas) do nosso corpo. c) Os  receptores  percebem o ambiente (químicos, luz, som, toque) e codificam essas informações em mensagens eletroquímicas, que são transmitidas pelos neurônios sensoriais. d) Os interneurônios conectam vários neurônios dentro do cérebro e da medula espinhal.

Para saber mais sobre os neurônios e as suas funções, acesse:

http://www.youtube.com/watch?v=M00ml30wEXM Além disso, pode aproveitar e assistir um desenho animado:



Mais de 100 bilhões de células nervosas se encarregam de nossos pensamentos.

http://www.youtube.com/ watch?v=EYcv6h1pZEY&NR=1&feature=endscreen

Wilhelm, Zhang e Rizzoli (2012) lembram que: “mais de 100 bilhões de células nervosas se encarregam de nossos pensamentos. Assim como os empregados de uma empresa, são divididas em áreas de produção e competência: cada neurônio é especializado em um âmbito específico da elaboração dos sinais e da coordenação dos comportamentos. E, exatamente como numa empresa, o cérebro funciona somente se aqueles que têm a tarefa de transmitir as informações se comunicam entre si com eficiência.”

Continuando nossa revisão sobre o tema, lembramos que há sinapses de dois tipos: elétricas e químicas. As primeiras são exclusivamente interneuronais e incomuns em vertebrados. A comunicação entre dois neurônios se dá através de canais iônicos presentes em cada uma das membranas em contato, que permitem a passagem direta de pequenas moléculas do citoplasma de uma das células para o da outra. Ao contrário das sinapses químicas, que acontecem na maioria das sinapses interneuronais e em todas as sinapses neuroefetuadoras, as elétricas não são polarizadas, ou seja, a comunicação se faz nos dois sentidos. Nas químicas, que são a base funcional do sistema nervoso, a comunicação depende da liberação de uma substância química chamada neurotransmissor, presente no elemento pré-sináptico armazenado em vesículas sinápticas. 54

Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

Para ampliar seus conhecimentos, sugerimos a leitura do artigo Canais Iônicos, de Fabrício de Melo Garcia, que pode ser acessado em: http://www.cienciadasaude.com.br/index.php?option=com_conte nt&view=article&id=132:canais-ios&catid=65:artigos&Itemid=253

Uma sinapse química interneuronal apresenta sempre um elemento pré-sináptico (que armazena e libera o neurotransmissor), um elemento pós-sináptico (que contém o receptor para o neurotransmissor) e uma fenda sináptica (que separa as duas membranas). Figura 13 – Fenda Sináptica

Uma sinapse química interneuronal apresenta sempre um elemento pré-sináptico, um elemento póssináptico e uma fenda sináptica.

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Observe na figura 13 que as estruturas estão próximas, mas há um espaço entre elas, e este espaço é chamado de fenda sináptica.

Na membrana pré-sináptica, estão contidas estruturas proteicas que, em conjunto, formam a densidade pré-sináptica. Esta se dispõe como uma malha na qual, de forma organizada, encaixam-se as vesículas sinápticas. O local da fenda 55

Neurociência: evolução e atualidade

no qual acontece a liberação do neurotransmissor é denominado de zona ativa. Assim como na membrana pré-sináptica, na membrana pós-sináptica também há a densidade pós-sináptica. Nela estão contidos os receptores específicos para os neurotransmissores. Quando ocorre esta união, tem-se a transmissão sináptica. Ainda quanto ao aspecto molecular, vale lembrar que os estudos acerca do crescimento neuronal até agora já têm claro que o cérebro pode continuar a sofrer mudanças, o que derruba crenças de mais ou menos 10 anos atrás quando se asseverava que uma vez completado seu desenvolvimento, o cérebro era incapaz de mudar,  particularmente em relação às células nervosas. Hoje, sabe-se que os neurônios podem autorreproduzir-se ou sofrer mudanças expressivas quanto às suas estruturas de conexão com os outros neurônios. Descobertas como essa animam os cientistas e orientam pessoas comuns como nós em cuidados simples como os que se fazem necessários na educação da criança, como explicam Cardoso e Sabbatini (2000):

A educação de crianças em um ambiente sensorialmente enriquecedor desde a mais tenra idade pode ter um impacto sobre suas capacidades cognitivas e de memória futuras.

A educação de crianças em um ambiente sensorialmente enriquecedor desde a mais tenra idade pode ter um impacto sobre suas capacidades cognitivas e de memória futuras.  A presença de cor, música, sensações (tais com a massagem do bebê), variedade de interação com colegas e parentes das mais variadas idades, exercícios corporais e mentais podem ser benéficos (desde que não sejam excessivos).   Na verdade, existem muitos estudos mostrando que essa “estimulação precoce” é verdadeira. Ainda precisamos provar se isso provoca um crescimento no cérebro das crianças, como acontece com os ratos.

Pessoas que sofreram lesões em partes de seu cérebro, podem recuperar parcialmente as funções perdidas, submetendo-se à estimulação mental intensa e diversificada, de maneira análoga à fisioterapia para os músculos debilitados.

  Alimentos ou drogas artificiais que aumentem a ramificação dos dendritos,  o crescimento dos neurônios e seu aumento de volume podem ajudar na melhora do desempenho mental e memória nas pessoas normais ou em pacientes com doenças degenerativas do cérebro, tais como Alzheimer.

A Memória Falar em Alzheimer nos remete a questões de memória, mas o que, em termos de neurociências, significa memória? Como ela se forma? Para iniciar, apresentamos uma imagem para sua análise: 56

Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

Figura 14 – Hipocampo

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Na década de 90, os cientistas revolucionaram a neurobiologia com a surpreendente notícia de que o cérebro adulto dos mamíferos seria capaz de desenvolver novos neurônios. Os biólogos acreditavam há muito tempo que esse talento para o processo de formação de novos neurônios envolvia apenas mentes jovens, em desenvolvimento, e que novas células nascem no cérebro adulto – especificamente em uma região chamada  hipocampo,  envolvida com aprendizado e memória (Figura 14).

Os biólogos acreditavam há muito tempo que esse talento para o processo de formação de novos neurônios envolvia apenas mentes jovens, em desenvolvimento, e que novas células nascem no cérebro adulto – especificamente em uma região chamada hipocampo, envolvida com aprendizado e memória.

O cérebro é a estrutura física, o pouco mais de 1 quilo de tecido biológico dentro da cabeça. A mente é o resultado do funcionamento do cérebro: os pensamentos, os sentimentos e as emoções. A mente pode modelar o cérebro porque os pensamentos e as emoções, produzidos por ele, são capazes de agir de volta sobre o cérebro e afetar suas conexões, funções e estrutura.

Para ampliar seu conhecimento, continue lendo a entrevista “Mude seu cérebro” em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/ Epoca/0,,EDG76504-6014,00-MUDE+SEU+CEREBRO.html

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Neurociência: evolução e atualidade

Relatos semelhantes logo surgiram em outras espécies, como ratos e saguis, e, em 1998, neurocientistas nos Estados Unidos e na Suécia mostraram que a neurogênese também ocorre com seres humanos. (SHORS, 2009).

Considerando que a plasticidade sináptica acontece através da melhora da comunicação entre a sinapse e os neurônios existentes, a neurogênese se refere ao nascimento e geração de novos neurônios no cérebro. Durante muito tempo a ideia do nascimento de neurônios constante no cérebro adulto era considerado quase uma heresia. Os cientistas acreditavam que os neurônios morriam e não eram substituídos por outros novos. Desde 1944, mas sobretudo nos últimos anos, a existência da neurogênese foi comprovada cientificamente e agora sabemos o que acontece quando as célulasmãe, um tipo especial de célula que se encontra no giro denteado, no hipocampo e, possivelmente, no córtex pré-frontal, dividem-se em duas células: uma célula-mãe e uma célula que vai se transformar em um neurônio completamente equipado, com axônios e dendritos. Logo, estes novos neurônios migram a diferentes zonas (inclusive distantes entre si) do cérebro, onde são exigidos, permitindo, assim, que o cérebro mantenha a sua capacidade neural. Se sabe que tanto nos animais quanto nos humanos a morte súbita neural (por exemplo, depois de uma apoplexia) é um potente disparador para a neurogênese. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Então, você já sabe: a) o que é o hipocampo; b) em que área do cérebro ele se localiza e c) que é importante para a memória e para o aprendizado. Mas falta saber um pouco mais sobre a memória.

Porém, antes de iniciarmos, que tal pensar em algumas situações do cotidiano para relacionar com nossa capacidade de armazenar informações?

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Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

Por exemplo, uma pessoa chega perto de você, cumprimenta, você lembra o rosto, mas não consegue lembrar o nome. O telefone toca e você de imediato lembra quem está falando, pois reconhece a voz. Está entre amigos e recorta com detalhes um fato ocorrido. Seu filho lhe pergunta: como você aprendeu a andar de bicicleta, mas para você, hoje, isso é um movimento natural. Poderíamos continuar aqui enumerando fatos do cotidiano, mas nosso objetivo é outro: compreender como a nossa memória opera. O registo de todas as experiências existentes na consciência, bem como a qualidade, extensão e precisão dessas lembranças explicam o que é a memória, cuja definição pode ser assim explicitada: a memória é o meio pelo qual nós recorremos as nossas experiências passadas, a fim de usar essas informações no presente. (STERNBERG, 2000). Anteriormente estudamos as sinapses, mas “Qual é a relação entre a transmissão sináptica e a formação de memórias?” Para tirar esta dúvida, apresentamos um excerto do artigo de Ribeiro (2004), o qual foi publicado na Revista Mente e Cérebro que é um espaço muito importante para a compreensão dos temas bordados pelas neurociências:

Se você quiser conhecer um pouco mais este autor, sugerimos acessar o vídeo “Bate-papo com Sidarta Ribeiro”, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HVLUBRTKSIk

A grande maioria das sinapses apresenta uma separação celular da ordem de 20 nanômetros. Nestes casos, a transmissão da ativação de uma célula a outra é unidirecional e baseia-se na difusão de neurotransmissores, moléculas liberadas por um neurônio pré-sináptico capazes de ativar receptores químicos na célula pós-sináptica.

Um nanômetro é uma unidade de medida. Exatamente como polegadas, pés e milhas. Por definição, um nanômetro é um bilionésimo de um metro. Um metro tem cerca de 39 polegadas de comprimento. Um bilhão é mil vezes maior que um milhão, como um número, você escreve por extenso 1.000.000.000. Isso é um número enorme, e quando se divide um metro em um bilhão de pedaços, 59

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bem, isso é um pedaço bem pequeno. Tão pequeno que não se pode ver alguma coisa do tamanho de um nanômetro a não ser que se usem microscópios muito poderosos, como os microscópios de força atômica.

Dependendo dos tipos de neurotransmissores e receptores envolvidos, tal processo pode determinar tanto a excitação quanto a inibição das células pós-sinápticas.

Dependendo dos tipos de neurotransmissores e receptores envolvidos, tal processo pode determinar tanto a excitação quanto a inibição das células pós-sinápticas. Quando uma sinapse é estimulada com alta frequência, observa-se um aumento subsequente de sua eficácia de transmissão, isto é, a célula pós-sináptica passa a responder de forma aumentada a um estímulo pré-sináptico. Por outro lado, uma estimulação de baixa frequência resulta na redução prolongada da transmissão sináptica. Tais efeitos, conhecidos respectivamente como potenciação e depressão de longo prazo, conferem às sinapses uma memória fisiológica dos eventos recentes. A potenciação de longo prazo permite que sinapses muito utilizadas se tornem mais fortes ao longo do tempo. Da mesma forma, a depressão de longo prazo enfraquece sinapses pouco utilizadas.

A memória apresenta duas funções fundamentais:

a) a capacidade de fixar, o que permite o acréscimo de novas informações; b) a capacidade de reproduzir, através da qual os conhecimentos são revividos e colocados à disposição da consciência.

Para que a informação seja retida, há um processo que consiste em três etapas como se pode observar na imagem que segue:

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Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

Figura 15 - Os passos necessários para que um estímulo ou algo que sentimos transforme-se em memória

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

A primeira operação prepara as informações sensoriais para serem armazenadas no cérebro. Traduz os dados recebidos em códigos visuais, acústicos ou semânticos. Na etapa intermediária, a informação deve ser armazenada, o que acontece por um período variável. Cada elemento de uma memória é guardado em várias áreas cerebrais. O processo de fixação é complexo e a informação que se armazena está sempre sujeita a modificações, o que implica que, para que ela se mantenha estável e permanente, seja necessário tempo. Por fim, há a recuperação, que é a fase em que se recupera, recorda, reproduz a informação já guardada. Para ampliar a compreensão sobre o processamento da informação, é preciso compreender a função do executivo central no qual está a memória de curto prazo (MCP) e o arquivo no qual está a memória de longo prazo (MLP).

O primeiro tipo de memória é Memória sensorial, que tem origem nos órgãos dos sentidos, por isso pode-se falar em: memória sensorial auditiva (ou ecoica), visual (ou icónica), olfativa... As informações obtidas pelos sentidos são retidas por um curto espaço de tempo (entre 0,2 e 2 segundos), se for processada passa para a MCP.

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Neurociência: evolução e atualidade

O primeiro tipo de memória é Memória sensorial, que tem origem nos órgãos dos sentidos, por isso pode-se falar em: memória sensorial auditiva (ou ecoica), visual (ou icónica), olfativa... As informações obtidas pelos sentidos são retidas por um curto espaço de tempo (entre 0,2 e 2 segundos), se for processada passa para a MCP. Esta (também denominada de trabalho, ativa ou operacional) possui duas importantes características: a) contém um número de elementos presentes a reter limitado. Um estudo de George Miller (1956) sobre as limitações da MCP mostra que uma pessoa pode reter em torno de sete itens. Esta capacidade pode ser aumentada se os itens forem associados em grupos. O tamanho deste item depende do nível de familiaridade da pessoa com o material informacional. Pode reter informações durante 15/30 segundos. A informação pode ser copiada ou pode ser transferida deste depósito para a MLP antes do término deste período. Depois deste tempo, a informação será perdida. O conhecimento ou a experiência do tipo de conteúdo favorecem a passagem da informação da memória de curto prazo até a de longo prazo, isso favorece a retenção prolongada de informações. A informação que será lembrada ou será esquecida depende de eventos antes e após. A MCP determina se a informação é útil para o organismo e deve ser armazenada, se existem outras informações semelhantes nos arquivos de MLP e, por último, se esta informação deve ser descartada quando já existe ou não possui utilidade. A Memória de Longo Prazo tem o processo de formação de arquivo e consolidação, podendo durar de minutos e horas a meses e décadas. São exemplos desse tipo de memória as nossas lembranças da infância ou de conhecimentos que adquirimos na escola. Contém as informações que temos disponíveis de maneira mais ou menos permanente. Permite a recuperação de uma informação depois de décadas em que ela armazenada e os limites da sua capacidade são desconhecidos. O conhecimento armazenado na MLP afeta nossas percepções do mundo e nos influencia na tomada de decisões. A MLP é constituída por dois subsistemas: 1) a memória não declarativa ou procedimental; 2) a memória declarativa (dividida em episódica e semântica).

Atividade de Estudos: 1) Antes de prosseguirmos, analise esses fatos e tente relacionar com os subsistemas, justificando seu ponto de vista:

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a) Você aprendeu a andar de bicicleta e não esqueceu mais: ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________



b) Você sabe que “A capital do Brasil é Brasília”: ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________



c) Você lembra com detalhes o filme a que assistiu na semana passada: ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________



Agora, leia com atenção as explicações dadas a cada tipo de memória e depois retome suas respostas. A memória não declarativa/procedimental está relacionada a capacidades motoras, habilidades, hábitos e respostas simples (fixadas por condicionamento clássico). Essas aptidões são adquiridas mediante a prática e incluem atos do cotidiano como escovar os dentes, tomar sopa com colher, dirigir um automóvel, andar de bicicleta, nadar, tocar um instrumento. No início da aquisição, cada movimento é pensado, mas uma vez adquiridas as capacidades, essas se tornam procedimentos, na maioria das vezes, automáticos, executando-se com pouco esforço consciente e durando, em princípio, toda a vida. 63

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A memória declarativa (também designada como explícita ou com registo) implica consciência do passado, do tempo, de experiências vividas, de acontecimentos e pessoas.

Já a memória declarativa (também designada como explícita ou com registo) implica consciência do passado, do tempo, de experiências vividas, de acontecimentos e pessoas. Lida com conteúdos que podem ser transpostos para palavras. Como já vimos, aqui estão alocadas a memória episódica e a semântica. A memória episódica é constantemente associada à memória autobiográfica, exatamente a eventos específicos, temporal e espacialmente localizados. Este sistema, segundo Xavier (1993), contém informações sobre o contexto em que um evento ocorreu (TULVING, 1972; SCHACTER; TULVING, 1982), sendo, portanto, similar à memória operacional. Todavia, por referir-se à evocação de eventos já ocorridos (ou episódios), difere da memória operacional que se refere a um evento em curso. (HONIG, 1978). Em pacientes amnésicos, o conhecimento episódico adquirido no início da vida usualmente está preservado. (SQUIRE; COHEN, 1984; SQUIRE, 1987).

A memória semântica, conforme explicam Cunha e Soares ([20??]), trabalha com conceitos, ideias às quais uma pessoa pode associar a várias características e com as quais ela pode conectar várias outras ideias. Além disso, ela nos possibilita identificar objetos e conhecer o significado das palavras. Graças a isso, conseguimos atribuir o significado a uma palavra isolada e também delimitar seu sentido em um texto. Por exemplo, ao ouvirmos a palavra rede, algumas ideias nos vem à cabeça: rede de pesca, de internet, de cabelo, de vôlei, para dormir. Tudo isso depende de nosso conhecimento de mundo e do momento em que ouvimos a palavra. Entretanto, quando ouvimos ou lemos uma frase como esta – “A bola bateu na rede e voltou” – qual o sentido que atribuímos? Por que o fazemos? É que temos armazenados na memória semântica os significados que relacionamos às palavras armazenadas na memória lexical.

A memória lexical é o local no qual estão armazenadas todas as estruturas das palavras, suas sílabas, sua morfologia, mas sem os seus devidos sentidos. Estes estão na memória semântica.

De modo mais amplo, podemos dizer que a memória semântica se refere ao conhecimento geral sobre o mundo.

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Capítulo 2

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Batalha entre neurônios: Estudo sugere que o cérebro seleciona as células neurais mais competitivas para aprimorar a memória Em uma pesquisa publicada no periódico Neuron, o neurocientista Hisashi Umemori, da Universidade de Michigan, e seus colegas, identificaram um mecanismo cerebral que regula a memória, descartando os neurônios “menos eficientes” para conservar os “bons”. Os cientistas focaram o estudo na conexão entre o hipocampo – crucial para a aprendizagem e a memória – e o córtex cerebral, área chave da percepção e da consciência e descobriam que o processo de escolha dos melhores neurônios aperfeiçoa o desenvolvimento cerebral. À medida que as células nervosas crescem, elas se expandem para ligar diferentes circuitos neurais. Com o desenvolvimento do cérebro, essas conexões se tornam mais eficientes. Falhas nesse processo de refinamento abrem caminhos para o desenvolvimento de distúrbios neurológicos, como o Alzheimer, o autismo ou a esquizofrenia. No entanto, para Umemori e sua equipe, a maneira como os neurônios se desenvolvem não é novidade. Eles estavam interessados em descobrir as reações do cérebro quando detecta células neurais menos eficientes. Os pesquisadores “desligaram” 40 % de determinadas conexões entre neurônios de camundongos geneticamente modificados e observaram que o cérebro eliminou as células inativas após alguns dias, mas poupou as “boas”. Em seguida, Umemori e sua equipe desativaram todas as células neurais e se surpreenderam com o resultado: os impulsos elétricos se mantiveram normalmente. Depois, os pesquisadores analisaram a parte do hipocampo chamada giro dentado, uma importante área do cérebro responsável pela gênese neuronal durante toda a vida e encontraram outro tipo de competição: 65

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a de células “recém-nascidas” com as maduras. Os cientistas bloquearam a capacidade do giro dentado de criar novos neurônios e como resultado o cérebro interrompeu a eliminação das células, mesmo que elas fossem inativas. O neurocientista acredita que o cérebro tenha um modo eficaz de escolher o grupo de células do sistema nervoso com as melhores conexões. Mas, quando estão nessa espécie de competição e o aparato cerebral identifica todas como inadequadas, não as elimina, pois, nesse caso, perderia completamente as funções neurais. “Os resultados sugerem que os processos de aprendizagem estão relacionados à exclusão de neurônios menos efetivos. Quanto mais pudermos entender como esses mecanismos funcionam, mais seremos capazes de compreender o que acontece quando eles não estão funcionando”, conclui Umemori. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Agora que você chegou a este ponto do material, já compreendeu que o que temos em nossa memória não está lá por acaso. Além disso, as informações percorrem um caminho, ou seja, realizam um processamento e, dependendo de sua importância e significado, ficam armazenadas em nosso arquivo. É isso mesmo: somos como um computador, pois temos um lugar no qual as informações são armazenadas, a Memória de Longo Prazo. Nela há muitos “compartimentos” nos quais se armazenam “dados”, como palavras, significados, histórias, conhecimentos científicos, vozes, rostos. Somos um complexo de informações, mas elas se relacionam entre si, como veremos na parte que segue.

Sistemas Comportamentais e Cognitivos: Alguns Conhecimentos Um dos objetivos que apresentamos no início deste capítulo foi: perceber como diferentes sistemas trabalham em conjunto para produzir comportamentos integrados. Vamos, então, conhecer um pouco mais a respeito de como nosso cérebro opera e quais as consequências sobre o sistema cognitivo e comportamental quando do uso, por exemplo, de álcool e drogas. Poderíamos ampliar essa subseção, mas acreditamos que esses dois pontos são suficientes 66

Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

para despertar seu interesse e você poderá, se desejar, pesquisar para sabe mais sobre esse tema: sistemas comportamentais e cognitivos. Para tal, consulte as referências que se encontram ao final deste capítulo. Você pode estar se perguntando: por que estudar este tema? Ele é de fundamental importância para compreendermos problemas de aprendizagem que são encontrados nas escolas. No capítulo 4, iremos estudar o diagnóstico de problemas de aprendizagem de leitura e escrita, para tal, considerar a gestação de cada aprendiz, suas relações familiares, se se tratar de criança, ou se considerarmos o consumo de álcool entre os adolescentes, esse estudo irá nos ajudar a compreender as questões ambientais e cognitivas.

Atividade de Estudos: 1) Para iniciar, apresentamos uma charge. Depois de lê-la apresente seu ponto de vista sobre o tema deste texto: Figura 16 – Charge Álcool e memória

Fonte: Disponível em: <www.asaber.com.br>. Acesso em: 1º dez. 2012.



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É certo que todos têm um ponto de vista sobre o uso de álcool e drogas, mas aqui iremos conversar um pouco mais acerca deste assunto e trazer as contribuições dos estudos das neurociências. Neste capítulo, já estudamos a memória e é sobre ela que o álcool age. Segundo Barros Martí (2009, p.654), o álcool “atua no córtex pré-frontal, que está relacionado ao raciocínio, tomada de decisões; no núcleo accumbens, diretamente relacionado com o sistema de recompensa, na área segmental ventral (VTA) que está relacionada com os sentimentos de prazer. Seu uso prolongado pode causar redução no tamanho do cérebro e alterações nas fibras que transportam informações (neurônios).”

Atividades de Estudos: Para complementar esta informação, apresentamos uma notícia publicada na Folha de São Paulo, em 17 de maio de 2011. Leia esta notícia com atenção e depois responda às questões propostas. Consumo excessivo de álcool danifica memória de jovens Pesquisadores espanhóis descobriram que uma bebedeira pode destruir a memória de longo prazo de jovens adultos.

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Capítulo 2

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A informação foi publicada nesta terça-feira (17) no site do jornal britânico “The Telegraph”. Eles acreditam que o consumo abusivo de álcool torna mais difícil a construção de novas memórias, pois o hipocampo --uma área no centro do cérebro que desempenha papel-chave na aprendizagem e memória-- é muito suscetível aos seus efeitos tóxicos. A descoberta é preocupante, pois a embriaguez é um problema crescente no Reino Unido e em outros países europeus, particularmente em jovens e universitários. O estudo com universitários descobriu que o consumo excessivo de álcool afeta a memória declarativa -- uma forma de memória de longo prazo. Os estudantes mostraram uma redução na capacidade de aprender novas informações que lhes são transmitidas verbalmente. Em uma escala, eles obtiveram as menores pontuações em dois testes para saber quanto conhecimento eles retiveram e recolheram. Segundo a pesquisadora Maria Parada, da Universidade de Santiago de Compostela, “em países do norte europeu, há uma forte tradição de consumo esporádico, orientado, de álcool. Em contraste, os países da costa do Mediterrâneo, como a Espanha, são tradicionalmente caracterizados por um consumo mais regular de baixas doses de álcool.” “É importante examinar os efeitos do álcool no hipocampo, pois em estudos com animais, especialmente em ratos e macacos, esta região parece sensível aos efeitos neurotóxicos do álcool, e ela desempenha um papel fundamental na memória e aprendizado. Em outras palavras, o consumo excessivo de álcool pode afetar a memória de jovens adultos, o que pode prejudicar o seu dia a dia.” O estudo, publicado na revista “Alcoholism: Clinical & Experimental Research”, analisou 122 estudantes universitários espanhóis, com idades entre 18 a 20 anos. Eles foram divididos em dois grupos: os que beberam e os que se abstiveram. Foram então submetidos a uma avaliação neuropsicológica que incluiu recordar experiências visuais e verbais. “Nossa principal descoberta foi uma clara associação entre o 69

Neurociência: evolução e atualidade

consumo excessivo de álcool e a menor capacidade de aprender novas informações verbais em universitários saudáveis, mesmo após o controle de outras possíveis variáveis, como nível intelectual, histórico de distúrbios neurológicos ou psicopatológicos, uso de outras drogas, ou histórico familiar de alcoolismo”, disse Parada. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

1) Releia o segundo e o sexto parágrafos da notícia e relacione o que você já estudou sobre hipocampo com a notícia aqui apresentada. Quais outras consequências você pode apresentar, partindo dessas relações? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ 2) A notícia afirma que “O estudo com universitários descobriu que o consumo excessivo de álcool afeta a memória declarativa”. Retome o que estudou sobre a memória declarativa, qual o papel dela? Qual a sua importância para a nossa vida? Apresente, também, as consequências do álcool sobre ela. ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ 70

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Momentos para ampliar seus conhecimentos: Se desejar saber mais sobre o consumo de álcool entre adolescente e sobre os efeitos do álcool sobre os bebês, sugerimos assistir a estes dois vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=N5mEVhR3_ts&feature=related; http://www.youtube.com/watch?v=vywUOQFo0JI&feature=related

Até aqui apresentamos os efeitos no álcool no cérebro e, por seguinte, no comportamento de seu usuário. Agora iremos ampliar nosso estudo e incluir discussões sobre o uso de drogas. Iremos destacar, em cada droga, as consequências relacionadas ao que ocorre no cérebro. A primeira droga a ser estudada é a maconha. Para iniciar, convidamos você a observar mais uma imagem explicativa. Assim, partindo do que você já estudou sobre o cérebro, analise a imagem abaixo e amplie as informações acerca do que é contemplado na figura. Figura 17 – Efeitos da Maconha no Cérebro

Fonte: Disponível em: <medclick.com.br>. Acesso em: 1º dez. 2012.

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Em condições normais, o neurotransmissor anandamida é armazenado em vesículas na extremidade do axônio.

Ao final da imagem, já há informações sobre o THC. Este altera a ação do neurotransmissor anandamida, encontrado em diferentes partes do cérebro. Em condições normais, o neurotransmissor anandamida é armazenado em vesículas na extremidade do axônio. Quando um sinal elétrico chega a esse local, as vesículas aderem à parede do neurônio. Isto provoca libertação de anandamida na fenda sináptica (espaço existente entre os neurônios).

Em sânscrito, ananda significa algo como serenidade ou felicidade suprema. A palavra virou inspiração para que a comunidade científica batizasse como anandamida uma substância endógena (produzida pelo organismo; no caso, o cérebro humano), descoberta em 1992. Ela pode ter efeitos analgésicos, ansiolíticos e antidepressivos semelhantes aos do THC, componente da espécie vegetal Cannabis sativa, mais conhecida como maconha.

A anandamida move-se através da fenda sináptica até o neurônio adjacente. Os dendrites desse neurônio contêm receptores com os quais a anandamida pode se ligar. Esta ligação permite que a mensagem seja transmita mais além. Uma vez transmitida a mensagem, a anandamida separa-se do receptor e retorna ao neurônio original. As proteínas de reabsorção ajudam na entrada. A anandamida é reciclada para o seu estado original. Feita esta explicação do funcionamento, passamos agora a explicar o que ocorre sob o efeito da droga.

Todo esse processo apresenta consequências, uma delas ocorre na memória de curto prazo, pois o cérebro contém ainda outros receptores aos quais a anandamida e o THC podem se ligar. 72

Nessa situação, o THC comporta-se como a anandamida e imita o neurotransmissor, ligando-se aos receptores que estão designados para a anandamida. Quando o THC se liga ao receptor, uma mensagem é transmitida, o THC se liberta dos receptores e é destruído pelo organismo. A cannabis aumenta a libertação de dopamina de forma indireta. O THC, por si só, não consegue provocar uma maior libertação de dopamina por parte dos neurônios. Uma terceira substância exerce também um papel nesse processo, o neurotransmissor GABA, que impede normalmente uma libertação excessiva de dopamina. Todo esse processo apresenta consequências, uma delas ocorre na memória de curto prazo, pois o cérebro contém ainda outros receptores aos quais a anandamida e o THC podem se ligar. Estão situados em pontos específicos do cérebro, o que pode explicar alguns dos efeitos típicos da cannabis. Muitos desses receptores encontram-

Capítulo 2

Neurociência: Estudos Atuais

se no hipocampo, no hipotálamo, no cerebelo e nos gânglios basais. Como já estudamos, o hipocampo é vital para a memória de curto prazo. A ligação do THC, como receptores cannabinoides, interfere com a função da memória. Por isso o usuário terá mais dificuldade em recordar acontecimentos recentes.

Você sabia que: a) Uma libertação intensa do neurotransmissor dopamina é a base dos efeitos produzidos pela cocaína? b) A dopamina ajuda a transmitir informação entre neurônios ou células nervosas?

A ação da dopamina já foi apresentada na droga anterior, por isso, aqui, vamos nos limitar a expor as consequências do uso da cocaína. A utilização continuada de cocaína reduz a sensibilidade do corpo à dopamina, por isso os seus receptores são gradualmente destruídos, o que leva ao aumento do uso da droga para se conseguir o efeito anterior ao seu uso. As principais consequências decorrentes do uso da cocaína são depressão e paranoia. No que diz respeito à paranoia, esta ocorre pois a dopamina pode também sobrestimular o centro cerebral do medo. Este é um mecanismo de sobrevivência que alerta a pessoa do perigo, por isso a sobrestimulação pode desencadear excessiva ansiedade. Uma simples sombra ou uma voz mais alta pode ser sentida como uma terrível ameaça. Relacionando isso ao convívio social, você pode deduzir as situações comportamentais que derivam do uso de drogas especialmente às que atingem áreas como a aqui descrita. Para finalizar, apresentamos uma imagem do cérebro de um usuário:

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Figura 18 - Corte cerebral post-mortem de um adito em cocaína

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Ficou interessado? Sugerimos a leitura de Os efeitos da cocaína no cérebro, dos autores S.H. Cardoso e R.M.E. Sabbatin, em Mente e Cérebro.

Algumas Considerações Neste capítulo você pode aprender um pouco mais sobre neurociências. Como dissemos no início, foram apenas noções. Quisemos colocar você em contato com estudos da área da neurociência molecular, da neurociência celular e dos sistemas comportamentais e cognitivos. Você pode, ao final, fazer uma síntese dos assuntos que mais lhe interessaram, a fim de guardar em sua memória de longo prazo as aprendizagens construídas. Mas como há sempre novidades nesta áreas, aconselhamos que continue lendo e pesquisando sobre isso e acrescentando novos conhecimentos a esses aqui apresentados.

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Referências BARROS MARTÍ, D. Discutindo alguns fatores que interferem no processo de aprendizado e memória. In: CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN LA DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS. 8., 2009, [S.l.]. Anais... 2009. p. 653-6. CARDOSO, Silvia Helena; SABBATINI, Renato M. E. Aprendizagem e Mudanças no Cérebro. 2000. Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012. _____; ______. Os efeitos da cocaína no cérebro. Mente e Cérebro. Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012. CUNHA, Simone Miguez; SOARES, Adriana Benevides. Memória: como esta curiosa função cerebral funciona?. [S.l.]: [s.n.], [20??]. HONIG, WK (1978). Studies of working memory in the pigeon. In: Cognitive processes in animal behavior (Hulse SH, Fowler HF, Honig WK, eds), pp.211– 248. Hillsdale, NJ: Erlbaum Associates. RIBEIRO,Sidarta. O mosaico das memórias. Mente e cérebro. ed. 140, set, 2004. Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012. SABBATINI. Renato M. E. Neurônios e sinapses: a história de sua descoberta. Revista, v. 17, Maio-Ago. 2003. SCHACTER,D.L.;TULVING, E. Memory, amnesia,and the episodic/semantic distinction. In: ISAACSON, R.L.; SPEAR, N.E. (ed.). Expression of knowledge. New York : Plenum, in press. SHORS, Tracey J. Estimulado, cérebro produz e preserva novas células nervosas. Revista Scientific American, março, 2009. Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012. SQUIRE, L. R. (1987). Memory and brain. New York: Oxford University Press. SQUIRE, L.R.; COHEN, N.J. Human memory and amnesia. In: LYNCH, G.; McGAUGH, J.L.; WEINGARTEN, N.M., eds. Neurobiology of learning and memory. New York, Guilford Press, 1984. p.3-64. 75

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STERNBERG, R. J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. WILHELM, Benjamin; ZHANG, William; RIZZOLI. Uma viagem pelo cérebro. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2012. XAVIER, Gilberto F. A modularidade da memória e o sistema nervoso. Psicologia. USP,  São Paulo,  v. 4,  n. 1-2,   1993.   Disponível em: . Acesso em: 22  ago.  2012.

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C

APÍTULO 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 99 Aprimorar os conhecimentos sobre leitura e escrita dentro das novas descobertas das neurociências. 99 Descrever o processo de leitura com base nos estudos recentes sobre os neurônios da leitura. 99 Enumerar problemáticas de leitura e escrita reconhecidas pelos recentes estudos das neurociências. 99 Relacionar as questões de aprendizagem da leitura e da escrita pontuadas pelos estudos psicolinguísticos com as das neurociências.

Neurociência: evolução e atualidade

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Capítulo 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

Contextualização Este capítulo abordará aspectos da leitura e da escrita que só puderam ser construídos com base em pesquisas na área da psicolinguística e das neurociências. Você até aqui já leu muito sobre neurociências, mas agora iremos apresentar as descobertas mais recentes na área da leitura e suas contribuições para os avanços em outras áreas, entre elas a psicolinguística. A associação dessas duas ciências tem trazido impactos sobre as questões da aprendizagem da leitura e da escrita e sobre a aquisição da fala, o que pode contribuir para uma nova postura pedagógica. Para que você possa relacionar a ambas e aprimorar o que já construiu teoricamente até aqui, estruturamos este capítulo em três momentos. O primeiro faz um link entre os capítulos anteriores e este; o segundo faz discussões teóricas acerca da leitura e suas relações com os estudos da neurociência; por último, mas não menos importante, abordar-se-á a aprendizagem da escrita e as contribuições da psicolinguística.

Alinhavando com os Capítulos Anteriores Para ampliar seus conhecimentos sobre a organização cerebral humana, apresentamos abaixo uma comparação: Figura 19 – Parte da figura 3.1 de Dehaene

Fonte: Dahaene (2012).

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Neurociência: evolução e atualidade

Desde o Sahelanthropus eo Australopithecus, o cérebro do Homo Sapiens passou por uma evolução profunda, seja no tamanho, no número de neurônios, seja na forma de sua organização.

Estas imagens auxiliam na compreensão da evolução do cérebro humano, na qual a parte frontal se especializou. Segundo ScliarCabral, com base em Dahaene (2012), desde o Sahelanthropus e o Australopithecus, o cérebro do Homo Sapiens passou por uma evolução profunda, seja no tamanho, no número de neurônios, seja na forma de sua organização. Assiste-se a uma surpreendente expansão do córtex cerebral, particularmente, do córtex pré-frontal.

Um crânio, dois pedaços de mandíbula e três dentes levados a público no mês passado estão colocando os estudiosos de evolução humana em pé de guerra. Segundo os descobridores, eles constituem uma nova espécie – Sahelanthropus tchadensis –, têm sete milhões de anos e são os restos do mais antigo ancestral conhecido do homem. Mas é possível que ele não seja tão velho. O método de datação foi comparar as espécies que estavam à sua volta com as que existiam em outras regiões da África, o que não é muito preciso. Além disso, pode ser que ele não faça parte da nossa família. Acredita-se que a linhagem humana se separou dos demais primatas entre cinco e seis milhões de anos atrás e, para alguns cientistas, faz mais sentido que esse fóssil seja de um gorila. Acho que só poderemos afirmar alguma coisa daqui a uns dez anos, quando a polêmica diminuir, diz o antropólogo físico Walter Neves, da Universidade de São Paulo. Estão aparecendo tantas novas espécies que é difícil hoje traçar uma linhagem. Australopithecus afarensis Espécie esqueleto quase completo de uma fêmea Achava-se que tinha originado os Homo, Kenyanthropus platyops, outro candidato a dúvidas.

da famosa Lucy, o encontrado em 1974. mas a descoberta do nosso tataravô, trouxe

Mais adiante, estabelecendo já um link com o que discutiremos sobre a aprendizagem da leitura, podemos, com base em Dehaene (2012), deixar claro que somos capazes de aprender a ler porque herdamos de nossa evolução um sistema de reconhecimento dos objetos eficiente que possui plasticidade suficiente para aprender novas formas e para aprender as conexões relevantes que ligam as formas às áreas existentes da linguagem verbal.

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Capítulo 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

Você sabe quando o homem começou a falar? E a escrita, quando surgiu? Pois se não sabe, esta é uma oportunidade para compreender qual a relação entre fala e escrita e como/quando cada uma delas surgiu.

Precisar a época em que os homens começaram a falar é uma tarefa difícil e quase impossível. É consenso que há cerca de trinta mil anos, aproximadamente, os homens já se comunicavam de forma bem próxima a atual e de forma primitiva anteriormente. No Homo habilis, há dois milhões de anos, foram encontradas indicações de desenvolvimento na área do cérebro associada à produção da linguagem verbal.

No Homo habilis, há dois milhões de anos, foram encontradas indicações de desenvolvimento na área do cérebro associada à produção da linguagem verbal.

Tinha-se como certo que o habilis era a transição do Australopithecus para o Homo. As evidências estavam no cérebro grande e na capacidade de manipular objetos. É possível, no entanto, que esteja mais próximo do tronco dos Australopithecus que do nosso.

A linguagem oral é um meio de sobrevivência da espécie, obedecendo a um imperativo social e cognitivo (D’AQUILI, 1972) e existe em todas as culturas. (HEINIG, 2003, p. 36).

Atividade de Estudos: 1) Você já parou para analisar como as sensações, saberes e acontecimentos em nossa volta são armazenados? Para compreender um pouco mais isso, vamos fazer um pequeno teste agora: relate um episódio ou momento em que sentiu “raiva”? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________

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Os estudos de D’Aquili (1972, tradução nossa) levam à compreensão de como os conceitos se formam. Vamos inicialmente considerar a experiência de um sentimento de raiva. Pode ser este relatado por você há pouquinho.

Essa imediata experiência subjetiva é alimentada dentro de nossa matriz cognitiva e, uma vez tendo sido subjetivada para os níveis superiores de integração, emerge como uma coisa, “raiva”.

Nesta instância, ao nos remetermos a uma experiência, estamos falando de qualidade ou atributos da pessoa num dado momento, ou seja, agora é a emoção de uma dada realidade, a qual ocorreu em uma determinada situação. Assim, a “Raiva” não tem realidade fora de humanos zangados ou animais zangados. Entretanto, essa imediata experiência subjetiva é alimentada dentro de nossa matriz cognitiva e, uma vez tendo sido subjetivada para os níveis superiores de integração, emerge como uma coisa, “raiva”. Esta coisa (ou conceito) pode, então, ser foco de reflexão a seu respeito, pode ser analisada ou, em outras palavras, reprocessada através da matriz cognitiva como uma entidade essencial para a qual foi derivada. O processo de reificação ou elaboração de conceitos fora das qualidades pode ser aplicado para as qualidades externas dos objetos, bem como para nossos estados de sentimentos internos. Portanto, “dificuldade”, por exemplo, é uma reificação ou conceitualização da percepção imediata por momentos ou objetos difíceis.

O conceito de ‘matriz cognitiva’ é uma representação funcional para todo o circuito cerebral. Em outras palavras, representa alguma coisa como a estrutura ou um “hardware” do computador. (D’AQUILI ,1972, tradução nossa).

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Portanto, a formação de conceitos não se dá por acaso, realizamos ações cognitivas que nos permitem apreender e aprender nas e com as experiências que realizamos. Uma das ações que nos leva a construir conceitos e reter informações é a leitura. E é sobre ela que iremos estudar na próxima seção.

Leitura e Relações com os Estudos da Psicolinguística e das Neurociências Antes de discutirmos as descobertas mais recentes das neurociências para a compreensão de como aprendemos a ler e quais as implicações disso na forma como as metodologias de alfabetização devem ser conduzidas e organizadas, iremos conversar um pouco sobre os conceitos de leitura.

Atividade de Estudos: 1) Para iniciar, convidamos você a escrever, junto da imagem, a primeira palavra que lhe vier à mente.

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Esta atividade nos leva a compreender a definição geral de leitura, ou seja, é basicamente um processo de representação; olhar uma coisa e ver outra e se dá por intermediação: funciona como um espelho. Então, podemos dizer que ler é igual a reconhecer o mundo através de espelhos, mas, para isso, há uma condição: conhecimento prévio do mundo, pois os espelhos oferecem imagens fragmentadas. Assim, o segundo elemento da realidade não está em relação unívoca com o primeiro, por isso a posição da pessoa interfere na visão dada pelo espelho. Diante disso, podemos afirmar que sem triangulação (acesso indireto à realidade) não há leitura. É importante ter consciência de que: se leu, mas não entendeu, houve tentativa, mas não leitura. Então, em uma acepção mais geral, podemos dizer que ler é usar segmentos da realidade para chegar a outros segmentos.(LEFFA,1996). Há, também, três definições restritas de linguagem que são consideradas nos estudos sobre leitura, as quais foram sintetizadas a partir de Leffa (1996): a) Ler é extrair significados: essa leitura extração de significado está associada à ideia de que o texto tem um significado preciso, exato e completo. b) Ler é atribuir: a. O mesmo texto pode provocar em cada leitor e em cada leitura uma visão diferente da realidade. b. Experiências prévias são necessárias para preencher lacunas, pois o texto reflete apenas fragmentos da realidade. c. O significado não está na mensagem, mas na série de acontecimentos que o texto desencadeia na mente do leitor. c) Ler é interagir com o texto: a. O processo de leitura pode ser comparado a uma reação química para a qual é preciso somar a necessidade de elementos às condições necessárias. b. O leitor precisa ter a intenção (desejo, necessidade) de ler além das competências fundamentais. c. Satisfeita a condição básica de intencionalidade, inicia-se o processo complexo de interação entre leitor e texto.

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Agora que você já aprendeu um pouco mais sobre o que significa ler, podemos aprofundar os conhecimentos científicos. Mas, antes disso, atente a este desafio (alguns até já devem ter tido acesso nas redes sociais).

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Atividade de Estudos: 1) Observe os textos apresentados na sequência e responda: Por que conseguimos ler estes dois textos que seguem? Quais as semelhanças e diferenças entre eles? De aorcdo com uma peqsiusa de uma inrvesriddaeignlsea, não ipomtra em qaulodrem as Lteras de uma plravaaetãso,  a únciacsioaiprotmatne é que a piremria e útmliaLterasetejasm  no lgaurcrteo. O rsetopdoe ser   uma bçguanattaol, que vcoê  anidapdoe lersem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos  cdaaLteraisladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.

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Você já tem alguma hipótese de como isso ocorre, mas é preciso ir além. Então, entraremos, agora, na compreensão do processamento que ocorre conosco quando lemos. Todas essas informações foram consultadas na obra “Os neurônios da leitura”, de Dehaene (2012), a qual recomendamos como leitura para que você avance em seus estudos.

Para atiçar sua curiosidade, apresentamos uma resenha da obra para que você possa saber um pouco mais sobre ela. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler Beatriz Vargas Dorneles STANISLAS DEHAENE Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Penso, 2012 • 16x23cm, 372p. Existem alguns livros que são marcos na história da produção de conhecimento sobre as aprendizagens. Eles não aparecem com frequência e, por vezes, nem são devidamente valorizados quando são publicados. Não é o caso de Os neurônios da leitura, de Stanislas Dehaene. Ele já aparece como um grande livro na história da compreensão dos processos cognitivos ligados à leitura, segundo uma tendência de afirmar a estreita ligação entre o corpo e a mente, abandonando de vez a visão cartesiana de dissociação entre ambos. Com efeito, Dehaene vai mostrando, ao longo da obra, como o cérebro humano modifica-se à medida que adquirimos leitura. E mais: mostra as evidências de que o cérebro dos não leitores é diferente do cérebro dos leitores, cujo corpo caloso torna-se mais espesso na parte posterior, que conecta as regiões parietais dos dois hemisférios, aumentando a capacidade de memória. Essa é apenas uma das várias diferenças encontradas. Há um conjunto de habilidades que os leitores vão adquirindo conforme se tornam mais hábeis na arte de ler. O autor é extremamente cuidadoso quando diz que talvez ainda estejamos longe de uma neurociência prescritiva para a escola, porém apresenta evidências de que a decodificação fonológica das 86

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palavras é a etapa-chave da leitura, ou seja, a conversão grafemafonema é uma invenção única na história da escrita que transforma radicalmente o cérebro da criança e que precisa ser ensinada pela via fonológica. Assim, ele refuta todas as ideias de ensinar a leitura pelos métodos globais ou ideovisuais e insiste na proposição de métodos que priorizem a passagem de uma unidade visual a uma unidade auditiva, que envolva rimas e canções ou que enfatize a relação fonema-grafema. Sempre ressaltando a base orgânica da aquisição da leitura, Dehaene conclui que nosso cérebro seria um especialista em recombinações neurológicas cada vez mais complexas. Além disso, discute um conjunto de informações que já se tem a respeito dos transtornos de leitura, demonstrando que estes podem ter causas variadas e que precisam de intervenções específicas. Quais as contribuições essenciais do livro de Dehaene? São muitas, mas vou resumir as três que considero fundamentais. Primeiro, destaca o caráter indissociável da relação entre corpo e mente que as ciências cognitivas têm enfatizado mais recentemente: o comportamento modifica o cérebro humano e é por ele modificado de maneira contínua. Segundo, retoma as evidências empíricas que têm indicado que os métodos fonéticos são os que melhor podem ensinar a ler e a escrever – essa contribuição é essencial para os professores, sobretudo os alfabetizadores. Terceiro, destaca a necessidade de os pesquisadores trabalharem ao lado dos educadores, não só ouvindo suas inquietações e dúvidas, mas também buscando soluções interdisciplinares. Não é pouco para um único livro. É isso que o torna um marco na aprendizagem da leitura. Beatriz Vargas Dorneles é professora do Programa de PósGraduação em Educação da UFRGS. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

A resenha se refere à leitura, mas o que significa ler? Como realizamos esta tarefa? Como este processo foi compreendido e definido ao longo dos estudos realizados? Para auxiliar a sua compreensão, iremos conversar um pouco mais sobre leitura e suas realizações. Para isso, consultamos a tese de Heinig (2003).

A aprendizagem da leitura transcende o mero aspecto da descodificação e quem aprende a ler o faz para também compreender o que o redator quer dizer. 87

Neurociência: evolução e atualidade

A aprendizagem da leitura transcende o mero aspecto da descodificação e quem aprende a ler o faz para também compreender o que o redator quer dizer.

O termo descodificação é sinônimo de decodificação que se refere à capacidade de transformar grafemas (letras) em fonemas e atribuir significados.

Há uma diferença inegável entre a leitura em voz alta e a silenciosa se observadas do ponto de vista do comportamento manifesto. Mas há que se levar em consideração que, mentalmente apenas, as atividades de leitura são diversas. Assim, há quem leia superficialmente para escolher o que será relido mais adiante e com outra atenção. Há, ainda, quem entre por completo no texto que está lendo e se deixe envolver pela atmosfera criada pelo autor. Outros leem apenas para encontrar uma pequena informação como se faz na consulta à lista telefônica. É possível, também, que alguém leia em voz alta enquanto sua mente viaja ao sabor de outras ideias. Por trás de todas essas diferentes maneiras de lidar com o texto impresso, está um conjunto de operações que constituem a leitura propriamente dita, a qual se refere ao processo de extração da representação gráfica e sua conversão a fonológica a partir do texto impresso.

Se você quiser saber mais sobre leitura em voz alta ou silenciosa, sugerimos ler “Diferentes formas de ler”, de Márcia Abreu, que está disponível em:

O modelo de dupla via, que pressupõe uma escrita alfabética, ajuda a entender o processo que se deseja analisar e será apresentado a seguir em uma versão simplificada. 88

http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Marcia/marcia.htm

O modelo de dupla via (cuja explicação aparece a seguir, inclusive com ilustração) discute grande parte das observações sobre o funcionamento da leitura em condições normais, que é o caso aqui. O modelo de dupla via, que pressupõe uma escrita alfabética, ajuda a entender o processo que se deseja analisar e será apresentado a seguir em uma versão simplificada, proposta por Castro e Gomes (2000, p. 121).

Capítulo 3

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São Luís Castro é Professor Associado com Agregação na Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, onde dirige o Laboratório de Fala e o Grupo de Investigação em Linguagem do Centro de Psicologia. É membro do Centro de Ciência Cognitiva da Universidade do Porto; recebeu, com Ana Sucena, o Prémio Cegoc 2006 pelo desenvolvimento da ALEPE, uma bateria de testes psicológicos para a avaliação das competências de leitura em português. Primeiro enquanto estudante das assimetrias entre os dois hemisférios cerebrais, mais recentemente enquanto investigadora de como fala e música poderão “nascer da mesma fonte”.

Figura 20 - Uma versão simplificada do Modelo de Dupla Via para a leitura em voz alta: a via fonológica (em cheio) e a via lexical (a tracejado)

Fonte: Castro e Gomes (2000, p. 121).

O ponto de partida para a leitura, neste modelo, é o material impresso. Como se pode observar na figura, há dois caminhos para ler em voz alta: um por via fonológica e outro por via lexical. A primeira se refere à conversão das letras em fonemas, devido ao conhecimento

O ponto de partida para a leitura, neste modelo, é o material impresso. 89

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das regras de descodificação. Este conhecimento constitui um recurso cognitivo, chamado de sistema CGF, o qual é adquirido através da aprendizagem da leitura, o que possibilita a leitura de logatomas.

Logatoma: logatoma (pseudopalavra) é uma palavra artificial de apenas uma ou algumas sílabas que obedece a regras fonotáticas de uma língua, mas ainda não têm um significado próprio. Exemplos : pudo, pedum. No capítulo 4, quando falarmos sobre a bateria de testes, você verá que dois deles se utilizam de logatomas.

Já a leitura de “25km” ou de “WC”, por exemplo, é feita via lexical e se trata do reconhecimento das formas gráficas representadas no léxico mental. A noção de léxico mental pode ser desdobrada em léxico fonológico e ortográfico. O primeiro diz respeito ao conhecimento sobre como soam as palavras e sua constituição ocorre à medida que é adquirida a língua falada. Já o léxico ortográfico, vai se constituindo através do contato com as formas escritas da língua. Por exemplo, em português, distinguimos “concelho” de “conselho”, “conserto” de “concerto” e tanto outros homófonos não homógrafos porque, embora estas palavras se pronunciem da mesma maneira, são escritas de maneira diferente e remetem a significados diferentes.

O léxico ortográfico começa por ser uma espécie de léxico visual onde estão armazenadas formas visuais que a criança relaciona com palavras fonológicas e ideias.

O léxico ortográfico começa por ser uma espécie de léxico visual onde estão armazenadas formas visuais que a criança relaciona com palavras fonológicas e ideias. Depois, quando começa a haver o contato com a escrita, as representações lexicais passam a ser ortográficas, e não mais puramente visuais, passam, então, a constituir configurações de letras. Ainda há outro aspecto que precisa ser considerado neste modelo, o do significado, pois, além de se saber como se pronuncia e escreve uma palavra, é necessário saber o que significa. Mas o significado transcende a palavra em si, por isso se postula um sistema separado para dar conta dele: o sistema semântico. Portanto, há duas possibilidades de leitura, ou seja, ao se ler km, por exemplo, as duas letras são reconhecidas como uma forma de palavra escrita o que permite compreender seu sentido e ler corretamente; mas também é possível ler pela via lexical sem passar pelo sistema semântico.

Mas o que acontece quando nos deparamos com um texto escrito?

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É sobre isso que iremos nos debruçar agora, valendo-nos do que é apresentado por Dehaene em sua obra, cuja resenha você teve acesso há pouco.

O matemático e neurólogo Stanislas Dehaene, diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Collège de France é uma das maiores autoridades mundiais no estudo do cérebro. Se quiser saber mais sobre ele, leia a entrevista publicada no Jornal do Comércio, cujo link é http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/ mundo/brasil/noticia/2012/06/30/stanislas-dehaene-o-processo-dealfabetizacao-muda-o-cerebro-47447.php

Usamos a visão para alcançar o texto em nossas escolhas e também fazemos uso dela para entrar no texto. Ao lermos, o que ocorre com nosso olho? Quais os constituintes de nosso olho? Vamos, então, primeiro, ver o olho e seus constituintes para depois compreender como temos acesso às letras: Figura 21 – O olho e os seus constituintes

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Nesta imagem, é importante que você localize: a retina e a fóvea. Localizou-as? Não sabe a função delas? Que tal pesquisar um pouquinho a respeito antes de continuar sua leitura? 91

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Um Pouco mais de Teoria “A estreiteza da fóvea é a razão principal pela qual movemos intensamente os olhos no curso da leitura.” (DEHAENE, 2012, p. 26).

A palavra está ali esperando para ler lida. Tudo começa na retina. Ao entrar nela, a palavra desfaz-se em mil fragmentos: cada porção de imagem da página é reconhecida por um fotorreceptor distinto. Nossos olhos não abarcam uma linha inteira, em virtude das limitações de a única parte da retina, realmente útil para a leitura, chamada fóvea, rica em células fotorreceptoras, os cones, ocupar apenas 15º do campo visual. (DEHAENE, 2012, p. 26). Por isso, nossos olhos correm pela linha, em movimentos de sacada (quatro ou cinco por segundo), quando não vemos nada, e param num ponto, a fixação. “A estreiteza da fóvea é a razão principal pela qual movemos intensamente os olhos no curso da leitura.” (DEHAENE, 2012, p. 26). Observe a imagem que segue e compreenda mais ainda sobre como enxergamos o texto:

Nos sistemas de escrita (que é o caso do nosso) com direção da esquerda para a direita, a fóvea consegue abarcar 3 ou 4 letras à esquerda do centro do olhar, e 7 ou 8 à direita. É o que se chama habitualmente de campo da percepção visual das letras. O nosso olho impõe, portanto, à leitura enormes constrangimentos e “esses limites são inamovíveis. [...] Podemos demonstrar que são as sacadas oculares que limitam a velocidade de leitura” (DEHAENE, 2012, p. 31). Mas podemos, com treino, aperfeiçoar nossa capacidade de leitura nos tornando bons leitores os quais “leem em redor de 400 a 500 palavras por minuto”. Mas, e depois que a palavra “entra” em nosso olho, o que mais ocorre? Qual o processo para decodificar? Como as letras são “recebidas” por nosso cérebro e onde isso ocorre? Segundo Dehaene (2012, p. 82), “[...] a visão de uma palavra escrita ativa as regiões occipitais bilaterais, que são associadas às etapas precoces da visão”. Analisando a figura que segue, especialmente a última imagem, pode-se perceber que, na região visual ventral, há detectores especializados para objetos, palavras escritas, rostos. Essa ordenação é igual em todas as pessoas, o que nos permite compreender que independente da língua, 92

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todos acionam a mesma região para ler. Observe, na imagem, a palavra escrita se situa no entremeio entre os objetos e os rostos. É importante destacar que ao lermos uma palavra o hemisfério esquerdo tem papel preponderante e, ao vermos uma imagem, isso ocorre no hemisfério direito. Observando as imagens à esquerda da figura, vemos em destaque uma parte de nosso cérebro. É que há um lugar determinado do cérebro para a leitura: o sistema de reconhecimento visual das palavras. Figura 22 - Localização reaplicável da área da forma visual da leitura

Fonte: Slide da palestra Mudanças no cérebro induzidas pela aprendizagem da leitura proferida na UFSC por Dehaene.

Segundo Scliar-Cabral (2012) (tradutora da obra de Dehaene), somente agora, através das técnicas de neuroimagem funcional (IRM), de eletroencefalografia (EEG) e de magneto-encefalografia (MEG), foi possível verificar que há neurônios especializados na região occípito-temporal-ventral esquerda para reconhecer os traços invariantes das letras e isso é possível porque uma ou duas letras (os grafemas) estão associadas a um fonema, ambos com a função de distinguir significados. Para entender a parte, vamos antes conhecer o todo. Na figura que segue, observe os números e acompanhe, assim, o processo que ocorre quando lemos.

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Neurociência: evolução e atualidade

Dahaene, em sua palestra proferida no Brasil em 2012, alerta que “Todas essas áreas exibidas no quadro são áreas cerebrais conhecidas por serem ativadas, fato atestado por todos os diferentes métodos de imagem. Contudo, no momento, ainda não são conhecidos completamente todos os caminhos da ativação”.

Figura 23 - Arquitetura cerebral para a leitura

Fonte: Dehaene (2012, p. 78).

Nesse processo, aprende-se, por um lado, a negligenciar todas as variações não pertinentes para a leitura e, por outro, a identificar e a ampliar as diferenças pertinentes, mesmo as menores. 94

O sistema de reconhecimento visual das palavras identifica o que não varia, apesar das formas muito variantes que podem ter as palavras (tamanho tipo de letra, MAIÚSCULAS/minúsculas, negrito ou não, sublinhadas ou não, itálico). A isso se chama reconhecimento invariável das palavras.

Se você tiver que ler “casa”, “CASA” OU “cAsA”, não terá nenhuma dificuldade, não é mesmo? Mas por que isso ocorre? “É porque nosso sistema visual não presta nenhuma atenção ao contorno da palavra nem às letras [...] se interessa [...] pelo reconhecimento da invariância da sequencia das letras.” ((DEHAENE, 2012, p. 35). Nesse processo, aprende-se, por um lado, a negligenciar todas as variações não pertinentes para a leitura e, por outro, a identificar e a ampliar as diferenças pertinentes, mesmo as menores. Assim, percebemos que “bela” e “bala” tem apenas uma diferença entre elas:

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uma letra alterada na mesma posição, mas também percebemos a alteração entre a posição ainda que a letra seja a mesma, como ocorre em “alta” e “lata”. Mas, como o próprio Dehaene (2012, p. 35) questiona: “como nosso sistema visual resolve o problema do reconhecimento invariante das palavras?” Vamos, então, a mais essa compreensão. O nosso sistema visual decompõe automaticamente as palavras em constituintes elementares. [...] É provável que níveis multiplos de análise coexistam: a letra no nivel mais baixo, em seguida, o par de letras ou “dígrafo” [...], depois o grafema, a silaba, o morfema e enfim a palavra. Sob o ponto de vista visual, a palavra escrita se parecerá com uma árvore [...] cujas folhas são as letras e os galhos, pedaços de palavras de tamanho crescente. (DEHAENE, 2012, p. 38).

Para ilustrar, observe a figura apresentada na sequência e perceba o caminho: letras à grafemas à sílabas à morfemas à palavra Figura 24 – Palavra desabotoar

Fonte: A autora.

Mas, e após o reconhecimento visual, qual o processo que segue a leitura? Como o leitor acessa o sentido e a sonoridade das palavras? Associando essa parte à figura 23, é importante considerar que depois dessa decomposição a forma da palavra visual navega para outras áreas que são envolvidas com a pronúncia e a articulação, bem como com o acesso ao significado das palavras. Para acompanhar bem esta parte que segue, sugerimos analisar novamente a figura que descreve a arquitetura cerebral para a leitura, atentando aos números e as setas e a explicação produzida por Dehaene (2012, p. 79) : A partir da representação visual da cadeia de letras, múltiplas informações devem ainda ser encontradas: radicais das palavras, seus sentidos, sua sonoridade, a forma de articulálos... Cada uma dessas operações faz apelo a uma ou várias áreas corticais distintas. Além disso, as conexões corticais não se estabelecem sob a forma de cadeias lineares: cada região

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Neurociência: evolução e atualidade

A semântica recorre a uma vasta população de neurônios distribuídos em todas as regiões do córtex. Importante lembrar que a reciclagem dos neurônios é fundamental para que a aprendizagem da leitura ocorra.

contata várias outras em paralelo. Todas as conexões são, além disso, recíprocas: cada vez que uma região A contata uma região B, a região B projeta igualmente um retorno em direção da região A.

Vamos, então, refinar este processo que envolve a leitura. Inicialmente, a região occipito-temporal (já explicada anteriormente) distribui a informação a numerosas regiões corticais. Isso ocorre em dois circuitos principais: um converte-a em sons, o outro lhe dá sentido. Mas é importante lembrar que estas regiões já não são específicas para a leitura. Por sua vez, as duas vias da leitura (que dão acesso ao sentido e à sonoridade das palavras) ativam áreas cerebrais distintas. Vale lembrar que, na via de acesso ao significado, várias regiões são ativadas, mas nenhuma é específica para as palavras escritas. Além disso, a semântica, segundo o mesmo autor, recorre a uma vasta população de neurônios distribuídos em todas as regiões do córtex.

Aprender a Ler O que acontece conosco quando aprendemos a ler? Por quais etapas passamos?

Retomando a figura 24, todas as áreas ali numeradas podem ser ativadas pela língua falada e já estão posicionadas na criança antes de aprender a ler. Podem ser acompanhadas sendo ativadas, em muitos casos, mesmo numa criança de apenas poucos meses. O que é especializado para a leitura é a área número 2, como uma interface entre o sistema visual e o sistema existente para a linguagem verbal. Importante lembrar que a reciclagem dos neurônios é fundamental para que a aprendizagem da leitura ocorra.

Uma das grandes descobertas das neurociências é a de que os neurônios que processam as imagens visuais são programados para simetrizar a informação. No entanto, para o reconhecimento das letras, isto é, das diferenças que apresentam entre si, é necessário 96

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Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

reciclar os neurônios para que eles aprendam a distinguir a direção dos traços das letras. Isso exige um trabalho minucioso e contínuo. (SCLIAR-CABRAL, 2012).

Aprender a ler consiste, portanto, em criar uma ponte entre a visão (a representação visual das palavras escritas) e a linguagem verbal (que correspondente aos sons e ao significado das palavras). Segundo Uta Frith (apud DEHAENE, 2012), há etapas/estágios da leitura, conforme pode se observar na próxima figura (25). Vale destacar que aqui se trata de uma descrição ampla de como isso ocorre, mas que cada caso deve ser considerado tendo em vista que o aspecto maturacional, como já evidenciado em outros momentos deste capítulo, é apenas um dos responsáveis pela aprendizagem da leitura. Figura 25 - Etapas da leitura (FRITH)

Fonte: Elaborado com base em Frith (1985).

Atividade de Estudos: 1) Antes de falarmos sobre a pictórica, retome as figuras 22 e 23. Qual o foco delas? Onde se localiza a palavra escrita? ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 97

Neurociência: evolução e atualidade

No caso de língua cujo sistema é transparente para a descodificação, como o português e o italiano, é possível que a criança passe muito rapidamente por esta fase e já vá para a seguinte.

Pois bem. Nesta fase, também denominada pela autora como logográfica, a lógica da escrita ainda não foi compreendida pela criança. O seu sistema visual (explicado a partir da figura 22) reconhece as palavras como o faz com rostos e objetos. Este estágio antecede o ensino sistemático da língua escrita. Ela, muitas vezes, reconhece marcas publicitárias e diz que as lê, mas apenas reconhece a palavra como um todo. O mesmo pode acontecer com a identificação de seu nome ou de uma palavra que lhe seja familiar. Há o reconhecimento da palavra, mas não a sua leitura. O que a criança possui é um léxico pictórico o qual não é fixo, pois depende de cada criança e da sua língua materna. No caso de língua cujo sistema é transparente para a descodificação, como o português e o italiano, é possível que a criança passe muito rapidamente por esta fase e já vá para a seguinte.

Ainda quanto à etapa pictórica, pode-se considerá-la uma pseudoleitura, a qual se aproxima de leitura em forma de adivinhação, o que é comum entre leitores bem iniciantes. Como podemos demonstrar isso? A criança explora “alguns índices visuais. Ela se deixa enganar pela semelhança visual das formas [...] ela não reconhece as palavras apresentadas de forma diferente [...] e não generaliza para palavras novas”. (DEHAENE, 2012, p. 217).

e Assim, se apresentarmos para a criança, por exemplo, trocarmos algumas de suas letras, mas mantivermos o mesmo formato, ela fará a leitura da palavra inteira, pois a reconhece como um todo. Se apresentarmos a palavra COCA-COLA (maíuscula de imprensa) e a palavra (aqui com outra fonte e tanhanho), ela não irá perceber a diferença entre ambas, pois ainda não segmenta a palavra em suas partes menores, conforme apresentado na árvore da palavra “desabotoar”. Também irá perceber as diferenças que já comentamos, por isso ela não percebe a diferença entre dedo e dado.

coca-cola

Sugestões de Atividade Prática:

1) Separe um grupo de palavras inteiras, algumas de marcas que a criança conheça, depois, peça-lhe que faça a leitura. Observe como ela realiza a atividade.

2) Escolha um grupo de palavras escritas em tiras e substitua as letras delas. Para auxiliar, apresentamos esta sugestão de grupo de palavras:

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Capítulo 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

BELA

DEDO

GATO

SAPO

BOLA

DADO

MATO

SACO

BALA

CEDO

MITO

SECO

Se a criança não perceber as diferenças, ainda está na etapa pictórica, pois compreende cada unidade palavra como um todo, mas se conseguir perceber as diferenças, está a caminho de compreender a organização do sistema de escrita e da relação entre grafema e fonema, está na etapa fonológica.

Fonema: “uma unidade de som caracterizada por um dado feixe de traços distintivos”. Por exemplo, a palavra [‘kasa] “caça” diferencia-se de [‘kaza] “casa” pelo uso de uma fricativa alveolar surda [s] em “caça” e de uma sonora [z] em “casa”. Grafema: uma ou mais letras para representar um fonema. Por exemplo, o fonema [s], em “caça” foi representado por “ç”, mas em “passa” foi representado “ss”. No primeiro caso, temos apenas uma letra, no segundo duas, caracterizando um grafema.

A compreensão da relação grafema e fonema é fundamental para que a criança ou adulto possa realizar a descodificação. Isso deve ocorrer nos primeiros meses que o aprendiz ingressa no ensino escolar. É importante destacar que a criança deve aprender esta relação grafofônica e não o nome das letras, pois o que usamos para representar sonoramente o grafema O fonema é uma é fonema. Observando o Léo Conceito apresentado anteriormente, unidade abstrata, podemos perceber que distinção de significado é o que caracteriza o é preciso que fonema. Mas como o fonema é uma unidade abstrata, é preciso que ela ela desenvolva desenvolva a consciência fonológica. Esta capacidade é fundamental a consciência para a aprendizagem da leitura e muitas pesquisas têm comprovado fonológica. a relação direta entre a consciência fonológica e a aprendizagem mais rápida da leitura. 99

Neurociência: evolução e atualidade

Mas o que é a consciência fonológica?

Ao iniciar o processo de descodificação, a criança percebe a sílaba como uma unidade fixa e composta por consoante e vogal (CV), somente mais tarde vai perceber que há outras estruturas silábicas como VC, CCV, CVC.

É a capacidade de analisar, de forma consciente, os fonemas que compõem a palavra. Há níveis de consciência fonológica:consciência silábica; consciência intra-silábica e, por último, a consciência fonêmica. Esta é a mais refinada e a que a criança alcança por último. Ao iniciar o processo de descodificação, a criança percebe a sílaba como uma unidade fixa e composta por consoante e vogal (CV), somente mais tarde vai perceber que há outras estruturas silábicas como VC, CCV, CVC. A sílaba no português do Brasil é uma unidade constituída obrigatoriamente por uma e apenas uma vogal (o centro silábico) que pode vir acompanhada em suas margens à esquerda (o aclive) e à direita (o declive) por uma ou mais consoantes. O movimento do trato vocal é de um fechamento para uma abertura e da abertura maior para o fechamento. (SCLIAR-CABRAL, 2009, p. 7).

Observe os exemplos abaixo e veja como as vogais ficam no centro e as consoantes no aclive (é o caso de B e L de bule e C de arca) ou declive (é o caso do R de arca).

Enquanto a criança passa pela etapa fonológica e vai compreendendo as relações entre grafemas e fonemas, ocorre também a reciclagem dos neurônios como explica Dehaene (2012):

Reciclamos a área visual ventral esquerda e especializamos parte dela para a aprendizagem da leitura, para a aprendizagem do reconhecimento das cadeias de letras. Mas, se a história for correta, 100

Capítulo 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

também poderemos perder algumas de nossas capacidades que estavam inicialmente presentes nessa área. Uma dessas capacidades pode ser a de reconhecer imagens em espelho, o que explicaria alguns dos interessantes padrões de mudança que ocorrem durante o curso da aprendizagem da leitura nas crianças.

Desenvolvida a consciência metalinguística, reciclados os neurônios e, aliado a isso, o uso de um bom método de alfabetização, a criança estará lendo muito rapidamente e logo ingressará na última etapa: a ortográfica.

A consciência metalinguística, reciclados os neurônios e, aliado a isso, o uso de um bom método de alfabetização, a criança estará lendo muito rapidamente e logo ingressará na última etapa: a ortográfica.

A consciência metalinguística decorre de o ser humano poder se debruçar sobre um objeto, no caso, a linguagem, de forma consciente.

Esta se caracteriza “por um paralelismo crescente do reconhecimento das palavras; o sistema visual fornece um código cada vez mais compacto das palavras, o qual representa de pronto a configuração do conjunto de suas letras.” (DEHAENE, 2012, p. 222). A criança passa também a ler mais rapidamente as palavras frequentes, internaliza as regras de descodificação, memoriza as palavras invariáveis, não precisa mais ler letra a letra, pois o seu acesso lexical permite que ela depreenda as pistas dadas pelas letras iniciais, lendo, assim, a palavra toda. Com tudo isso, passa a ler, compreender e refletir a respeito do texto a que teve acesso. É importante lembrar que a maturação cerebral não é um efeito, nem a idade é uma garantia, pois há outros fatores que concorrem para que o nível de leitura se altere, é preciso que o aprendiz participe de eventos de letramento.

Atividades de Estudos: Até aqui você pode conhecer as contribuições das descobertas das neurociências para a leitura. Para deixar tudo isso bem fixado, responda a essas questões: 101

Neurociência: evolução e atualidade

1) O que é a reciclagem dos neurônios e qual a sua implicação para a aprendizagem da leitura? ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________

2) Quais as fases de aprendizagem da leitura e qual sua relação com a figura 23? ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 3) Retome a figura 25 e explique o processo de leitura da palavra. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________

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Capítulo 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

Aprendizagem da Escrita e as Contribuições da Psicolinguística A maior parte do texto apresentado nessa seção faz parte da tese de doutorado de Heinig (2003). Se você quiser ler o texto na íntegra: HEINIG, Otilia L. O. M. “É que a gente não sabe o significado”: homófonos não homógrafos. 2003. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.

A psicolinguística é a ciência que investiga, entre outros, os processos de codificação e os de aquisição. Um dos ramos dessa ciência é a psicolinguística aplicada que [...] tem por escopo, como o nome indica, aplicar os achados da pesquisa fundamental em psicolinguística ao equacionamento de problemas em campos afins, como, por exemplo: a tradução, os distúrbios de comunicação, o ensino de primeiras e n língua, o ensino da lecto-escritura e a análise dos textos literários. (SCLIAR-CABRAL, 1991, p. 151).

Embora a psicolinguística não tenha o poder de resolver os problemas do analfabetismo, pode contribuir para que o quadro referente ao insucesso escolar seja minimizado devido aos avanços teóricos dessa ciência e de sua relação com os estudos das neurociências. Ainda que cada área tenha suas especificidades investigativas, há uma aproximação grande entre os estudos, as pesquisas e os próprios pesquisadores de ambas as áreas. Exemplo disso é tradução da obra de Dehaene, um neurocientista, pela psicolinguista Scliar-Cabral. Ela não apenas traduziu a obra como também aplicou as descobertas em suas pesquisas.

a) A linguagem oral e a escrita É possível questionar quando se deu o aparecimento da fala, no entanto, o mais importante é ter claro que o sistema áudio-vocal não depende de qualquer 103

Neurociência: evolução e atualidade

tempo ou espaço histórico específico, assim como aconteceu com o da escrita. O homem já nasce biopsicologicamente programado para falar, há algum tipo de especialização hemisferial que possibilitou o uso da língua verbal oral, ou seja, o hemisfério esquerdo está programado para se especializar em funções sequenciais e lógicas: a linguagem já está programada. Veja bem, programada, mas aliado a isso é preciso que haja a maturação e que o sujeito seja exposto à linguagem, o que é considerado um fator social.

Antes de prosseguir, volte ao início do capítulo e releia o que foi apresentado sobre a organização cerebral, sobre a língua falada e conceitualização.

Agora, podemos aprofundar e estudar também sobre o surgimento da escrita. Mas quando foi que ela surgiu? Para ilustrar e divertir, analise esta charge: Figura 26 - Charge da invenção da escrita

A escrita apareceu muito recentemente, este sistema surgiu há 5.000 anos e os sistemas alfabéticos ainda mais tarde.

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

A escrita apareceu muito recentemente, este sistema surgiu há 5.000 anos e os sistemas alfabéticos ainda mais tarde. Demorou-se a descobrir o princípio de que as palavras escritas eram constituídas por unidades menores que a sílaba, responsáveis pelas diferenças de significados e de que estas pequenas unidades poderiam ser representadas por signos escritos. Como o uso da modalidade escrita dependia de artefatos e artesões treinados, conclui-se que a escrita é um artefato. Como você já deve saber, no 104

Capítulo 3

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início, o homem procurou registrar suas impressões sobre o mundo, no interior das cavernas, utilizando para isso pedra, materiais inorgânicos e orgânicos à base de tintas vegetais e minerais. Mas era preciso descobrir um bom suporte para a escrita, por isso, na Antiguidade, o homem experimentou outros suportes encontrados na natureza, como forma de registrar a visualidade ou sua escrita, como a argila, ossos, conchas, marfim, folhas de palmeiras, bambu, metal, cascas de árvores, madeira. Figura 27 – Tabuinha de argila usada pelos sumérios na Mesopotâmia, há mais de 4 mil anos

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

Os egípcios utilizavam o papiro, uma planta-aquática, cujo talo era cortado na parte interior onde se encontravam as fibras muito resistentes e flexíveis e que, unidas em lâminas, serviam de superfície própria para escrever. Essa planta era encontrada às margens do rio Nilo, no Egito, há mais de 3 séculos a.C. e representou para os egípcios o suporte da escrita hieroglífica, veículo de transmissão do conhecimento e da sensibilidade do homem da época. Figura 28 – Escrita Hieroglífica

Fonte: Foto tirada no Museu Louvre (Paris).

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Neurociência: evolução e atualidade

Já os etruscos, que viveram no norte da antiga Itália, introduziram o uso do metal, gravando informações em lâminas de cobre, bronze, latão, chumbo e até ouro e prata. Diante da escassez e do alto custo do papiro, em Pérgamo, na Ásia Menor, passaram a substituí-lo pelo velino e pelo pergaminho. Ambos eram peles de animais (não nascidos, como os fetos, ou os muito jovens) que recebiam um tratamento específico de raspagem, banhos de soda e secagem em bastidores, o que lhes conferia propriedade alcalina de boa durabilidade, características para torná-los flexíveis e apropriados para a escrita. Figura 29 – Pergaminho

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2012.

A folha de papel surgiu com os chineses.

A folha de papel surgiu com os chineses: um chinês chamado T´sai Lun, um mandarino do palácio do imperador Ho, em 105 d.C., acabou revolucionando o curso da história, inventando um material fabricado inicialmente de fibras têxteis (seda, rami e cânhamo), que misturadas à água e cola vegetal, formavam a folha de papel, depois de eliminado o excesso de água sobre um bastidor de seda e bambu. Usado inicialmente em cerimônias religiosas devido ao seu valor sagrado, o papel tornou-se, durante cinco séculos, propriedade exclusiva dos chineses.

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Sintetizando-se a história da escrita, pode-se perceber que o homem, desde a inexistência da escrita, passou por diferentes sistemas. Inicialmente, o pictográfico, depois o ideográfico, o logográfico, o silábico até chegar ao alfabético. Este último, descoberto no século X a.C., marcou profundamente a história da humanidade e até hoje ensinado nas escolas das culturas que o adotam, que têm seus princípios. Os textos escritos foram usados, inicialmente, como instrumento de poder (religião) contra uma vasta população de iletrados.

Capítulo 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

Para saber mais sobre a história da escrita, sugerimos acessar os vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=BAzeoLfQerM&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=AVKOCSU8zqI&feature=related historia da escrita parte 1 http://www.youtube.com/watch?v=GC8ClPNWv3k&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=uF9kNYH1EQg&feature=related

a) Estabelecendo diferenças entre o sistema oral e o escrito Se por um lado é possível aproximar os dois sistemas, existem aspectos que os individualizam e estabelecem os limites entre um e outro, que devem ser levados em consideração especialmente quando se trata do contexto escolar. Inicialmente, há que se relembrar que a escrita dependeu de artefatos e artesãos que aprendessem os princípios de codificação e descodificação; já o sistema oral acompanhou o processo de humanização, ou seja, é condição de sobrevivência e está vinculado à estrutura e ao funcionamento do sistema nervoso central. É preciso ter claro, também, que de um lado está a aquisição da linguagem oral e de outro a aprendizagem da leitura e escrita. Embora haja ajuda no desenvolvimento da criança por modelos de andaimes (scaffolds) e instrução direta, a ausência de assistência consciente não impede a aquisição da linguagem oral em crianças expostas à interação, ou seja, é um universal em aquisição de linguagem. A questão crucial é que a aquisição da linguagem oral se dá de forma espontânea desde que ela esteja em interação com falantes de sua variedade sociolinguística e não apresente nenhum problema mais sério de saúde. Quanto à leitura e à escrita, isso não acontece, pois aprender a ler depende de muitos fatores: condições reais para que as crianças se tornem motivadas; experiência funcional prévia com material impresso; exposição a contextos narrativos; contexto de ensino-aprendizagem onde possam construir em conjunto o letramento. Portanto, é preciso, quando se fala em ensino-aprendizagem do sistema escrito, ter claro que aprender a ler não é fácil porque falar é fácil. 107

Neurociência: evolução e atualidade

A discreção das unidades gráficas alfabéticas é outro aspecto que merece atenção quando se pensa nos dois sistemas de forma distinta.

A discreção das unidades gráficas alfabéticas é outro aspecto que merece atenção quando se pensa nos dois sistemas de forma distinta. As pistas acústicas, através das quais os traços fonéticos são percebidos numa dada língua por um ouvinte, constituem um continuum no qual não existem limites contrastivos entre palavras, morfemas, sílabas, fonemas. O mesmo é verdade para o movimento dos articuladores. Entretanto, existem algumas pausas e contornos finais que assinalam o término dos enunciados, mas não coincidem com a distribuição dos pontos e vírgulas. Assim como há muitas pausas e hesitações que ocorrem no discurso oral para planejamento ou busca de itens lexicais. Os sistemas alfabéticos modernos apresentam contrastes discretos, não somente as palavras são separadas por espaço em branco, mas também as letras contrastam entre si. As dificuldades do aprendiz consistem em reconstruir a forma de perceber a cadeia da fala, a fim de segmentar o continuum em palavras, depois em sílabas e nos fonemas que necessitarão ser relacionados a uma ou mais letras correspondentes. Outro ponto que deve ser lembrado ao se abordar as descontinuidades entre os dois sistemas, é que o código escrito se caracteriza por um estado de maior inércia se comparado com as mudanças diacrônicas mais rápidas que ocorrem nos sistemas orais. Assim, algumas relações fonêmico-grafêmicas se tornam cada vez mais opacas com o passar do tempo e somente as regras de derivação morfológicas se tornam produtivas para algumas famílias de palavras. Nesse caso, um léxico mental precisa ser fixado na memória, o que torna o sistema antieconômico. Finalmente, é preciso considerar também a ruptura espaço-temporal, uma vez que a cadeia escrita canônica de comunicação ocorre na ausência de um futuro leitor (enquanto o redator produz sua mensagem). Isso também acontece no ato da leitura, com a diferença de que no ato de escrita deve precedê-lo. Essa importante característica da cadeia implica a ruptura espaço-temporal, com consequências na estruturação do texto. Portanto, os textos escritos precisam ser autorreferenciados, pois não existe a possibilidade de informação extra. Os textos mais próximos da referencialidade são as narrativas, em particular, ficcionais. Os contextos extralinguísticos precisam ser verbalizados, isto constitui função contextual da linguagem. Uma dificuldade que se faz sentir no texto escrito é a incapacidade para se representar o ato de leitura de um futuro leitor ausente no espaço e no tempo. Outra consequência é o uso completamente diferente dos dêiticos. As pessoas experimentam grande dificuldade em traduzir os dêiticos da comunicação oral para a sua contrapartida escrita.

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Capítulo 3

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Atividade de Estudos: 1) Retome as diferenças entre o sistema oral e escrito e faça uma lista dos principais aspetos apresentados até aqui: _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________

b) Ensino e aprendizagem da leitura e da escrita Falar em aprendizagem requer que se faça uma distinção entre ela e aquisição. Esta acontece de forma espontânea (PELANDRÉ, 2002; SCLIARCABRAL, 2001; 2003a; 2003b), uma vez que o ser humano é biopsicologicamente programado para operar com signos verbais, especialmente os orais, imperativos para sua sobrevivência, devido à maneira como o sistema nervoso central está estruturado e funciona. Mas há ainda os fatores maturacionais e ambientais que se agregam ao inato, a fim de que haja a aquisição da linguagem. Assim, é preciso levar em conta também que os circuitos que ligam os diversos centros do sistema nervoso central não nascem prontos: é necessário que os prolongamentos dos neurônios passem pelo processo de mielinização para que sejam estabelecidas as ligações de maneira adequada e no devido tempo. O fator ambiental tem suma importância, pois “os programas inatos para o desenvolvimento da linguagem verbal oral e sua maturação precisam ser ativados pela interação verbal.” (SCLIAR-CABRAL, 2001, p. 5). Portanto, a aquisição da linguagem ocorre naturalmente, levando-se em conta os fatores mencionados e, mesmo que não haja uma assistência consciente no desenvolvimento da linguagem oral, a criança sem problemas de saúde, exposta à interação, adquire-a. Entretanto, ler e escrever não ocorrem nessa mesma direção, pois exigem um

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Neurociência: evolução e atualidade

Ler e escrever não ocorrem nessa mesma direção, pois exigem um ensino sistemático.

ensino sistemático. Scliar-Cabral (2003a, p. 41) aponta como fatores para a aprendizagem da leitura e da escrita: “condições reais para que as crianças se tornem motivadas, experiência funcional prévia com material impresso, exposição a contextos narrativos e um contexto ensinoaprendizagem inteligente, onde professores e alunos em conjunto possam construir o letramento.”

Outro aspecto imprescindível para que ocorra a aprendizagem do sistema escrito é a consciência fonológica, a qual já foi introduzida na seção anterior. Esta diz respeito “[...] à capacidade de discriminar, compreender e reflectir sobre o facto de as palavras serem constituídas por uma série de sons.” (PINTO, 1998, p. 43). A autora advoga que o contato da criança desde a préescola com a poesia está associado a um melhor desempenho, posteriormente, na leitura. Scliar-Cabral (2002, p. 155) afirma que “o exercício da consciência fonológica pressupõe, no mínimo, processos atencionais, ou, com mais precisão, a intencionalidade para exercê-la e o domínio de uma linguagem para o recorte consciente da cadeia da fala. Quanto às unidades que são objetos do recorte, ele está na dependência direta de como uma dada língua escrita representa tais unidades.” Esta autora, quanto à relação entre a aquisição da consciência fonológica e a aprendizagem da leitura, advoga que há uma relação de reciprocidade entre esses dois aspectos. No processo de aprendizagem do sistema escrito, ainda devem ser levadas em conta as consciências sintática e semântica, bem como as convenções específicas desse sistema. Inicialmente, há que se considerar também a questão motora. Kato (1995, p. 129) apresenta a seguinte situação: perguntado a uma criança o que era mais difícil, ler ou escrever, ela responde que escrever, pois cansa os dedos. A resposta do aprendiz aponta para a sua dificuldade motora e essa constatação faz emergir um questionamento que nem sempre é feito no espaço escolar: a ênfase nesta dificuldade não teria como causa o excesso de exercícios de natureza mecânica na escola?

A leitura deve ter como objetivo a compreensão e interpretação de textos e a escrita, a produção de textos que possam ser compreendidos e interpretados pelo leitor. 110

Outro dado que precisa ser levado em consideração, atualmente, no ensino da língua portuguesa, é a explosão científica e tecnológica, pois teve repercussão sobre o léxico e os universos cognitivos, promovendo a especialização. Scliar-Cabral (2001) afirma que as consequências pedagógicas dessa explosão são em grande número para o ensino da língua portuguesa, especialmente se for levado em conta que a função da escola é, sobremaneira, ensinar a ler e escrever. A leitura deve ter como objetivo a compreensão e interpretação de textos e a escrita, a produção de textos que possam ser compreendidos e interpretados pelo leitor. Entretanto, “a criação de universos do discurso especializados, com a respectiva explosão lexical e semântica, torna impenetráveis os textos exatamente porque o leitor não dispõe

Capítulo 3

Aplicações dos Estudos da Neurociência para a Compreensão da Aprendizagem da Leitura e da Escrita

dos respectivos esquemas.” (SCLIAR-CABRAL, 2001). Diante da especialização, urge que as disciplinas sejam pensadas de forma interdisciplinar, a fim de que haja ampliação e aprofundamento dos esquemas cognitivos, o que favorecerá a compreensão de textos. Aprender a ler e escrever, independente do sistema de escrita, implica uma multiplicidade de aquisições. Quanto à leitura (CASTRO; GOMES, 2000), para ser um leitor fluente, pelo menos duas aquisições se fazem necessárias: o reconhecimento dos sinais gráficos e o conhecimento prévio de como os sinais gráficos se organizam no papel. Já Lemle (2001) apresenta cinco capacidades necessárias para a alfabetização: a ideia de símbolo; a discriminação das formas; a discriminação dos sons da fala; consciência da unidade palavra e a organização da página escrita. Pode-se observar que as ideias das autoras se complementam. Passa-se, então, à apresentação das concepções da segunda autora, para quem a ideia de símbolo é complicada. Entretanto, é questionável esta afirmação, uma vez que a “complicação” não acontece na mesma proporção para todos os sujeitos em fase inicial de aprendizagem do sistema escrito. A que se pensar, então, quais os fatores complicadores para o entendimento da relação simbólica. a) Ainda quanto à primeira capacidade, a autora adverte que a aprendizagem da leitura só ocorrerá se a criança compreender o que seja uma relação simbólica entre dois objetos. b) Quanto à discriminação das formas, a autora advoga que o aprendiz precisa entender que cada letra vale como símbolo de um som da fala. Nesse aspecto, ela chama a atenção para o fato de que as letras do nosso alfabeto têm formas bastante semelhantes. Por exemplo, se girarmos para o lado ou para baixo/cima o b, ele se assemelha com p, q e d. A autora não comenta, mas se trata aqui do fenômeno da rotação dos traços e, por isso, é importante que o educador tenha compreensão de que o nosso sistema escrito apresenta uma economia de traços. c) A terceira capacidade, a discriminação dos sons da fala, exige que o aprendiz tenha consciência da percepção auditiva. Por exemplo, o aluno confunde vaca e faca, pois /f/ e /v/ apenas tem distinção por um traço de sonoridade, ou seja, um é surdo e outro é sonoro. Lemle (2001), nas duas últimas capacidades, não faz distinção entre discriminação e percepção, mas é importante fazê-lo. Quanto aos sons, a criança ao nascer discrimina quaisquer categorias que possam ser discriminadas em qualquer língua e produz quaisquer sons também, mas isso ainda não é fonológico, não é percepção, ainda não é linguístico, especificamente falando. Assim, no caso da alfabetização, o problema não é discriminação, mas percepção. Ainda, independente das infinitas possibilidades de realização dos traços que diferenciam as letras, o que interessa é o percepto que distingue uma letra da outra, e não a discriminação de inúmeras possibilidades de produzir a letra. Quanto à quarta capacidade, consciência da unidade palavra, a autora 111

Neurociência: evolução e atualidade

destaca que é “o cerne da relação simbólica essencial contida numa mensagem linguística...”. (LEMLE, 2001, p. 11). Além da palavra, o aprendiz deve também reconhecer sentenças e, para tal, devem ser ensinadas as suas formas de representação. A última capacidade, a organização da página escrita, deve ficar estabelecida desde o início do trabalho de alfabetização, pois o aprendiz deverá perceber que ler um texto é diferente de olhar uma gravura, e isso é novo para ele.

Para o domínio da linguagem escrita, é imperativo que o aluno aprenda a reconhecer os sinais que se encontram dispostos no texto impresso.

Quanto às duas aquisições apontadas por Castro e Gomes (2000), analisaremos apenas a primeira, reconhecimento dos sinais gráficos, uma vez que a respeito do conhecimento prévio de como os sinais gráficos se organizam no papel, há uma harmonia entre estas autoras e as ideias de Lemle (2001). Para o domínio da linguagem escrita, é imperativo que o aluno aprenda a reconhecer os sinais que se encontram dispostos no texto impresso. No nosso sistema, o alfabético, que será discutido com mais propriedade em outra seção, tem-se uma escrita na qual é possível, partindo de um pequeno conjunto de sinais gráficos, escrever uma quantidade ilimitada de palavras. Ainda que possa haver variação quanto às letras que compõem o alfabeto, é a escrita alfabética a que permite maior economia de caracteres.

A aprendizagem da leitura transcende o mero aspecto da descodificação e quem aprende a ler o faz para também compreender o que o redator quer dizer.

Atividade de Estudos: 1) Há diferentes atividades correntes da leitura que podem ser encontradas em qualquer espaço social, por exemplo, ler uma receita médica, uma bula, cantar uma música na igreja, ler as instruções para tirar um documento, que nem sempre se comparam no escolar. Faça uma lista dos modos e razões para ler na escola, em casa, no trabalho, na igreja. O que você percebe entre eles no que diz respeito à aprendizagem da leitura? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ 112

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Algumas Considerações No início deste capítulo, nos propomos a aprimorar os conhecimentos sobre leitura e escrita dentro das novas descobertas das neurociências. Você aprendeu que há uma região especialmente destinada para a leitura de palavra escrita, a qual foi descrita pelo principal autor consultado para a primeira parte do capítulo, o neurocientista francês, Dahaene. Também com base em seus estudos, foi possível descrever o processo de leitura com base nos estudos recentes sobre os neurônios da leitura. Por fim, com auxílio dos estudos da psicolinguística, foi possível relacionar as questões de aprendizagem da leitura e da escrita, fazendo uma ponte com o que já se havia apresentado na área das neurociências. Isso nos possibilitou compreender que para ler a criança passa por três etapas, que antes de aprender a decodificar, faz-se necessária a reciclagem dos neurônios, o desenvolvimento da consciência metalinguística e a compreensão da organização do sistema de escrita e sua ortografia, mas isso é assunto para o próximo capítulo.

Referências CASTRO, São Luís; GOMES, Inês. Dificuldades de aprendizagem da língua materna. Lisboa: Universidade Aberta, 2000. D’AQUILI, Eugene G. The biopsychological determinants of culture. An Addison-Wesley Module in Anthropology. Reading, Mass: Addison-Wesley, 1972.

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C

APÍTULO 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 99 Descrever o processamento da língua falada e escrita. 99 Compreender as bases linguísticas e psicolinguísticas da organização do sistema alfabético do português do Brasil. 99 Conhecer as contribuições dos estudos psicolinguísticos para detectar problemas de processamento. 99 Aplicar os conhecimentos adquiridos para a compreensão de um caso de dificuldade de aprendizagem leitura e/ou escrita.

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Capítulo 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Contextualização No capítulo anterior, você estudou muito sobre leitura, inclusive seus conceitos. Compreendeu como se dá a aprendizagem da leitura, quais as implicações maturacionais, entre elas, a reciclagem dos neurônios. Aprendeu, também, sobre a escrita, conheceu parcialmente a sua história relacionada aos suportes e sistema que surgiram. Entre eles está o nosso: o alfabético. Entretanto, é preciso ir adiante. Por isso, neste capítulo, iremos estudar a leitura e a escrita sob a ótica da psicolinguística, a qual vem contando, nos últimos anos, com os recursos das neurociências, os quais foram apresentados no capítulo 1. Como você pode perceber, a leitura compreensiva deste capítulo depende das informações alocadas nos capítulos anteriores e que devem ter sido compreendidas por você. Então, para finalizar e arrematar com o que foi produzido até aqui, organizamos este capítulo em três seções que dialogam entre si: o processamento da leitura e da escrita; as bases do sistema alfabético do português do Brasil para a descodificação e codificação; as contribuições dos estudos psicolinguísticos para detectar problemas de processamento.

O Processamento da Leitura e da Escrita Antes de iniciarmos o estudo sobre este tema, gostaríamos de fazer uma breve revisão de aspectos teóricos que estão nos outros capítulos. Para isso, convidamos você a retomar o texto todo e construir um glossário dos termos que irá necessitar para a leitura desta unidade.

Atividade de Estudos: 1) Construindo um glossário Memória:_____________________________________________ _____________________________________________________

Memória de trabalho: ___________________________________ _____________________________________________________ 117

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Memória de longo prazo: ________________________________ _____________________________________________________



Memória episódica: ____________________________________ _____________________________________________________



Memória semântica: ____________________________________ _____________________________________________________

Leitura: ______________________________________________ _____________________________________________________

Descodificação:________________________________________ _____________________________________________________

Escrita: ______________________________________________ _____________________________________________________

Lobos cerebrais: _______________________________________ _____________________________________________________



Via fonológica: ________________________________________ _____________________________________________________



Via semântica:_________________________________________ _____________________________________________________

No caso dos estudos das neurociências e da psicolinguística, é importante que o leitor tenha claro todos os termos, a fim de compreender o texto com mais facilidade. Além disso, vai ampliando seu léxico científico e passa a usar a metalinguagem para se referir aos temas tratados.

A psicolinguística é uma área multidisciplinar.

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Como você já sabe, a psicolinguística é uma área multidisciplinar e, por isso, pode estudar mais e melhor as questões de aquisição da língua falada e da aprendizagem da língua escrita. Um dos primeiros passos para esta compreensão é a descrição de como se dá o processamento humano da linguagem. Vamos, então, estudar cada um dos processamentos, sempre partindo de uma perspectiva teórica, a qual, com novos estudos, vai sofrendo acréscimos, mudanças, desconfirmações e confirmações de hipóteses.

Capítulo 4

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A Leitura: Conceitos, Modelos, Mudanças e Processamento O texto que segue é parte integrante da tese: HEINIG, Otilia Lizete de O. M.. “É que a gente não sabe o significado”: homófonos não homógrafos. Pós-graduação em linguística, UFSC, 2003.

A definição de leitura, adotada por diferentes linhas, está conectada com um modelo de processamento de leitura. Assim, a leitura pode ser entendida como a extração do significado; atribuição do significado ou como a interação com o texto.

Caso tenha alguma dúvida, retorne ao capítulo 3 e releia a explicação dada para cada definição de leitura.

Ao se postular que ler é extrair o significado, entende-se “significado como aquele segmento da realidade a que se chega através de um outro segmento” (LEFFA, 1996, p. 12), podendo, então, ser encontrado em vários lugares. No caso do texto impresso, é dele que o leitor extrai o significado, pois esse é o lugar em que ele se encontra preciso, exato e completo. Assim, tudo que está posto no texto deve ser analisado, a fim de que se possa extrair o verdadeiro significado. Tem-se, portanto, uma leitura linear, na qual o papel do leitor é comandado pela informação que entra pelos olhos. Nesse caso, a compreensão resulta de um processo ascendente.

A definição de leitura, adotada por diferentes linhas, está conectada com um modelo de processamento de leitura.

O modelo de extração, desenvolvido por Gough (1994), preocupa-se com o processamento letra por letra, palavra por palavra, ficando restrito à caracterização dos estágios iniciais da leitura. O processo, organizado em cinco etapas, pode ser assim descrito: inicialmente, o estímulo percebido é transformado em uma imagem visual. A seguir, há a identificação letra por letra, da esquerda para a direita, e a colocação dos tipos dentro do registro de caracteres. O processo continua com a interpretação das letras em fonemas. Para o autor, essa interpretação atinge 119

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O modelo de extração, desenvolvido por Gough (1994), preocupa-se com o processamento letra por letra, palavra por palavra, ficando restrito à caracterização dos estágios iniciais da leitura.

o nível mais abstrato do fonema; a representação fonêmica, gravada em uma fita, fica à espera de que a bibliotecária faça a busca lexical. Depois, ocorre o depósito dos itens lexicais, na memória operacional, que passam pelo Merlim (operador sintático-semântico), a fim de que se dê a compreensão no nível sentencial. Enfim, passa pelo editor para que as regras fonológicas sejam aplicadas à sentença interpretada, resultando, então, em um enunciado fonético. Ainda quanto ao modelo de Gough (1994), vale ressaltar que se restringe ao processamento inferior, ao nível da letra, da palavra, não demonstrando abertura para o processamento superior, além de só contemplar os sistemas alfabéticos ocidentais.

Por outro lado, a leitura pode ser concebida como atribuição do sentido e este passa, então, a ter origem no leitor. Assim, o mesmo texto pode provocar leituras diferentes, uma vez que não contém uma realidade, mas reflete segmentos dela, apresentando também lacunas que serão preenchidas pelo leitor a partir de seu conhecimento prévio. Portanto, a leitura não é mais vista como um procedimento linear, mas como de levantamento de hipóteses. Desse modo, a compreensão é um processo que vai se desenvolvendo durante a realização da leitura. Tem-se, então, um processo descendente. Os modelos descendentes, surgidos na década de 70, período em que se fez um questionamento intenso sobre o processo de leitura, têm como um dos principais autores Goodman. O processamento da leitura é apresentado sob um novo enfoque teórico, no qual o sentido é dado ao texto posteriormente, pois o leitor o atribui a partir de sua experiência prévia e seus objetivos. Os estudos desenvolvidos neste período deram origem ao modelo psicolinguístico de leitura. Goodman (1971) acredita que a leitura seria “[...] um jogo psicolinguístico de adivinhação”. O autor desenvolveu seu modelo de leitura partindo do pressuposto de que, no processo de leitura, contínuas interações entre pensamento e linguagem estão sendo envolvidas e o leitor busca obter o sentido partindo do texto impresso através desse tipo de interação. Para o autor, a leitura é um processo cíclico, que inicia com o ciclo ótico; depois vem o perceptual; a seguir, o gramatical e, enfim, o do significado. Além disso, nesse modelo, o leitor utiliza três fontes de informação: grafofonêmica, sintática e semântica. O modelo deste autor tem início no momento em que o leitor passa os olhos pelo papel, linha por linha, da esquerda para direita. Os olhos do leitor se fixam no estímulo grafêmico, permitindo a focalização. A partir daí, inicia-se o processo de seleção dos indícios textuais. Aqui, a imagem perpectual começa a se formar, sendo usados os indícios selecionados e os antecipados. Tem início, então, o processo de antecipação ou “adivinhação”.

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A seguir, começa o processo de relacionamento dos estímulos percebidos com suas formas sintáticas, fonológicas e semânticas através de um mapeamento da memória. Enfim, caso não haja falhas nesse relacionamento, a descodificação é extendida, o significado é assimilado com as expectativas prévias e os significados prévios, então, sendo criadas outras expectativas sobre o texto, dando continuidade ao ciclo de leitura. As memórias de curto e longo prazo são usadas constantemente durante todo esse processo. Nesse modelo, os processos mentais de ordem superior são privilegiados na leitura e esta é entendida como um processo dinâmico na inter-relação de vários componentes utilizados para o acesso ao sentido. É justamente pela subordinação ao processamento superior, embora a necessidade dos estímulos gráficos não seja descartada, que os modelos descendentes são criticados. As pesquisas realizadas nas décadas de 70 e 80 procuraram mostrar que, no que diz respeito à leitura, as etapas do processo representadas nos modelos ascendentes e descendentes são complementares. É essa complementaridade que fica evidenciada nos modelos interativos de leitura. Dentre os modelos interativos estão os de Rumelhart (1984), Stanovich (1981; 1982) e Scliar-Cabral (1991). Aqui iremos aprofundar o último.

Atividade de Estudos: 1) Preencha o esquema que segue com as informações apresentadas na parte referente aos conceitos e modelos de leitura.

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O Modelo Integrado, Contextual, Interativo, Dinâmico e Criativo de Recepção e Produção O processamento de leitura é assim explicado: o leitor coloca na memória operacional a fatia extraída da folha impressa; a seguir, faz a segmentação provisória e o emparelhamento do item lexical com aquele que foi buscado na memória lexical e na semântica.

Scliar-Cabral (1991, p. 121-141) apresenta um modelo integrado, contextual, interativo, dinâmico e criativo de recepção e produção que, embora se detenha no processamento da cadeia da fala, pode ser extrapolado para o processamento da leitura. O processamento de leitura é assim explicado: o leitor coloca na memória operacional a fatia extraída da folha impressa; a seguir, faz a segmentação provisória e o emparelhamento do item lexical com aquele que foi buscado na memória lexical e na semântica. Em textos posteriores, a autora enfatiza que uma das diferenças essenciais é a separação das palavras em espaços em branco e o contraste entre as letras. Se houver compatibilidade, o processo continua e o subitem seguinte é buscado. Nesse processo, o leitor se vale tanto do que provém do texto impresso e foi descodificado quanto da informação contextual e do conhecimento prévio. A autora justifica a abertura de um espaço para o sistema lecto-escrito em seu modelo afirmando que (SCLIAR-CABRAL, 1991, p. 140): [...] existe um arquivo específico para o sistema grafêmico e para o léxico (significante ortográfico). Quanto aos componentes textual, sintático e os morfemas puramente gramaticais, a diferença dos sistemas decorre de a comunicação no sistema lecto-escrito ocorrer com a ruptura espaço-temporal entre emissor (quem escreve) e o receptor (o leitor), com toda uma gama de repercussões na forma como se dá a enunciação, os anafóricos, enfim, os elementos de coerência e coesão e respectivos marcadores gráficos que devem estar arrolados nos paradigmas.

O modelo de Scliar-Cabral se fundamenta nos seguintes princípios: integração e contextualidade; interação; dinamismo; gradiente dos processos automáticos aos criativos e sistemas de linguagem. O referido modelo é organizado em três sistemas: sistema periférico, executivo central e arquivo. Fora, agindo de forma a influenciar todos eles, encontra-se a afetividade. Passa-se, então, à apresentação do modelo com destaque aos aspectos voltados ao sistema lecto-escrito. Nesse modelo, é dada ênfase às conexões que se estabelecem entre as várias áreas no sistema nervoso central e para a intermodalidade. Isso explica tanto “[...] a possibilidade de canais de entrada distintos estarem associados a áreas motoras diferentes (sistema audiovocal, lecto-escrito, visogestual)” (SCLIAR-CABRAL, 1991, p. 133) como a possibilidade de haver intercomunicação entre sistemas linguísticos distintos como do audiovocal para o lecto-escrito e também o contrário. 122

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O fato de a memória semântica ser comum para todas as linguagens verbais é que explica a intercomunicação. Dessa forma, os significantes diferentes, por serem gerados por distintos canais sensoriomotores, apontam para os significados que estão estruturados na memória semântica, a qual é comum a todos. O sistema central se encontra no centro do modelo e é responsável por alocar a atenção, delimitar o problema que deve ser resolvido, especificar quais os procedimentos para a resolução do problema, selecionando-os, comandar os fatiamentos, realizar os cálculos temporais, integrar as consecutivas saídas e coordenar a ordem na qual deve ocorrer a realização dos processos. Um dos componentes desse sistema é o metaconhecimento linguístico, que exerce duas funções: rejeitar uma língua desconhecida e identificar variedades linguísticas. Quanto a esta última, vale ressaltar que aí se encontra uma diferença significativa entre os processos de recepção e produção, pois o homem é capaz de reconhecer diferentes variedades linguísticas, mas dificilmente será capaz de produzi-las. O arquivo, que se localiza na parte superior do modelo, é composto pelo componente cognitivo e pelos sistemas de linguagem. O primeiro é composto, basicamente, por esquemas que se reestruturam constantemente devido às informações que provêm das novas experiências. Fazem parte desse componente o conhecimento de mundo e o enciclopédico, bem como O arquivo, que o pragmático, o compartilhado, a memória episódica e as memórias se localiza na icônica e ecoica, estando todos ligados por linha pontilhada, o que parte superior aponta para um número aberto e ilimitado. Já os sistemas de linguagem do modelo, é se dividem em verbal, musical, matemático, semafórico e outros. O composto pelo sistema verbal, por sua vez, subdivide-se em lecto-escrito e audiovocal. componente No sistema lecto-escrito, encontram-se os seguintes elementos: grafêmico, cognitivo e pelos sintático, textual, morfológico, gramatical e lexical ortográfico. Como já foi sistemas de mencionado, a memória semântica, localizada no sistema audiovocal, é linguagem. comum aos dois sistemas. No que se refere a como a memória semântica está estruturada (SCLIARCABRAL, 1999; 2002a; 2002b), desde os experimentos de Lúria, na década de 30, tem-se a oposição entre a estratégia taxionômica e a funcional, mas sofreu várias implementações. Com desenvolvimento da Psicolinguística, no que se refere aos estudos sobre a memória, foram propostas diversas explicações não só quanto aos tipos de memória, de curto prazo, de trabalho e permanente; no caso da memória permanente se propuseram vários tipos (não vamos entrar na questão da representação, se existe representação ou não) como caso da memória taxionômica, do estudo dos ordenados, superordenados, dos infraordenadores, como a memória semântica estaria organizada até a proposta de se ter um protótipo em torno do qual se dá uma configuração semântica, isso de um lado. Do outro, na memória cognitiva, há vários tipos de memórias: episódica, esquemas, mais recentemente o que se denominou a memória de eventos.

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Quanto à última, debate-se muito o efeito da educação sistemática sofre as estratégias preferenciais dos indivíduos quando evocam os significados, ou seja, quanto mais letrado, mais escolarizado, mais ele usa uma estratégia taxionômica que se baseia numa reclassificação a partir dos traços semânticos dos itens em termos de coordenação ou subordinação, enquanto os menos letrados ou que têm um letramento menos desenvolvido fazem uma associação com a memória cognitiva, particularmente com o evento, com o contexto de uso daquele item, associado a uma imagem mais icônica, e não ao conceito mais abstrato. Scliar-Cabral (1997, p. 5-6) explica que a proposta da divisão entre um léxico mental, que arquiva os significantes de forma estruturada, e uma memória semântica, que organiza os significados básicos e virtuais em campos semânticos entrecruzados e vinculados ao conhecimento, “se torna necessária para elucidar questões como a sinonímia (inclusive a parafrástica), a homonímia e a polissemia”. Em indivíduos letrados há, ainda, um léxico mental ortográfico. Entretanto, a autora esclarece que, por defender um modelo integrado e contextual de processamento, “a atribuição da correspondência grafêmico-fonológica adequada não se deve apenas à existência do léxico mental ortográfico, mas também à informação morfossintática e semântica advinda do próprio texto. Além disto, esta informação é absolutamente necessária para desmanchar possíveis ambiguidades no caso dos homônimos”.

Ler é um processo receptivo, uma vez que o indivíduo recebe o texto produzido, cabendo a ele a descodificação, compreensão, interpretação e retenção da informação.

Ainda que a leitura e a escritura tenham em comum os mesmos sistemas linguísticos, apresentam diferenças significativas no que se refere ao processamento. Ler é um processo receptivo, uma vez que o indivíduo recebe o texto produzido, cabendo a ele a descodificação, compreensão, interpretação e retenção da informação. Vários conhecimentos são necessários para que ocorra a aprendizagem da leitura e também da escritura. A relação entre esses dois processos é fundamental, pois a escrita se apoia na leitura, entretanto, por ser um processo produtivo, escrever é mais complexo do que ler.

Assim como o processamento da leitura, o da escritura pode ser dividido em etapas. Inicialmente, será apresentada a perspectiva teórica adotada por Scliar-Cabral (2001; 2003). Para a autora, o que acontece inicialmente é a motivação, que leva o redator, por intenções pragmáticas, a escrever o texto. Depois, ocorre a seleção dos esquemas mentais, bem como a dos registros linguísticos que devem ser adequados ao gênero textual, ao receptor e objetivos, a fim de que o texto alcance seus propósitos. Feito isso, vem a fase de planejamento; depois acontece a linearização linguística. Interessa, aqui, especialmente, a escolha dos grafemas depois de selecionada a inserção do item lexical na frase. Nesse momento, o redator deverá

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selecionar que grafemas codificam a realização de determinados fonemas; no caso dos homófonos não homógrafos, urge observar o contexto, uma vez que este é competitivo e sua escolha depende do significado atribuído ao item lexical. Além disso, há outro fator que interfere na escolha: a variação sociolinguística, uma vez que o aprendiz, durante a aquisição de sua língua, esteve exposto a uma variedade que foi internalizada. Outro elemento que faz parte desse modelo é a monitoria, considerada um “processo metacognitivo que consiste em acompanhar de uma forma reflexiva a produção escrita” (Scliar-Cabral). A monitoria pode ocorrer em duas etapas: pari passu ou a posteriori. A primeira acompanha todas as etapas da produção escrita e acontece tanto durante a fase de planejamento quanto na de execução; a outra é feita ao final da produção do texto.

As reflexões apresentadas nesta seção com base em ScliarCabral pertencem as notas das aulas da disciplina Seminários de Psicolinguística, ministrada no I semestre de 2001, no curso de Pósgraduação em Linguística da UFSC, pela Dr.ª Leonor Scliar-Cabral.

Atividade de Estudos:

1) Ao longo do texto, você deve ter encontrado palavras que, ao



serem processadas, não tiveram acesso à memória semântica. Isso significa que se faz necessário ampliar a memória enciclopédica e também a rede de significados em sua memória de longo prazo. Por isso, retome o texto, destaque (pinte, sublinhe...) as palavras cujos significados não sejam dominados por você e faça uma definição para cada uma dessas palavras. Feito isso, retome o texto e analise como se dá seu processamento agora que ampliou seu léxico. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 125

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Outras Contribuições Acerca do Processamento Também Poersch (1986, p. 29-30) advoga que o processo de escritura pode ser analisado em etapas, sendo algumas, às vezes, simultâneas. O autor apresenta cinco etapas: estímulo externo ou interno; intenção de comunicar; codificação da mensagem; recodificação da mensagem e emissão gráfica da mensagem. A primeira está relacionada ao que quem escreve quer dizer, ou seja, à substância de conteúdo do processo comunicativo. Na outra etapa, ocorre o momento de definição da intenção da comunicação e a partir daí será elaborada, mentalmente, a princípio, a substância de conteúdo que ganhará forma e organização. A terceira etapa se refere à codificação na qual o produtor recorre a um sistema linguístico específico e, então, são selecionados os signos linguísticos adequados que serão produzidos de acordo com as regras específicas e apresentados linearmente. A recodificação da mensagem é a próxima etapa, que consiste na transformação dos signos orais em signos gráficos. Por fim, a mensagem é gravada em um suporte e fica aguardando um possível leitor. Assim, pode-se perceber que os modelos atuais de escritura, embora apresentem as etapas discretizadas, admitem certa recursividade, como se pode perceber também no modelo de Flower e Hayes (1981). Os autores ampararam sua teoria na análise de protocolos verbais de redatores proficientes. Nesse modelo, os processos não acontecem de forma linear: é o autor do texto quem estabelece o caminho da construção. O modelo inclui três unidades: a situação comunicativa – os elementos externos ao escritor (o tema, a audiência, o canal...); a memória de longo prazo – armazena os conhecimentos que o autor usa A memória de durante o processo de comunicação sobre o tema, a audiência ou os longo prazo e diferentes tipos de texto; os processos de escritura: planejamento os processos subdividido em geração, organização e estabelecimento de meta; de escritura, tradução e revisão, que é composto por leitura e editoração; existe acontecem também, neste módulo, o monitor, que controla esses três subprocessos.

no cérebro do escritor, a situação comunicativa contém elementos externos ao escritor, em especial, o problema retórico e o texto escrito. 126

Enquanto os dois últimos, a memória de longo prazo e os processos de escritura, acontecem no cérebro do escritor, a situação comunicativa contém elementos externos ao escritor, em especial, o problema retórico e o texto escrito. Finalmente, vale ressaltar que, para que o processo de composição aconteça, é necessário que todos os processos e subprocessos sucedam com normalidade. Este modelo está relacionado com outros, em especial com o de Flower, que parte da análise direta de textos de escritores para identificar dois tipos de prosa - a de escritor e a de leitor – que são caracterizados segundo função, estrutura e estilo.

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Kato (1995, p. 89-92) faz uma crítica ao modelo anterior e, a partir da reformulação dele, apresenta outro no qual o processamento é mais interativo e recursivo. As principais alterações acontecem nos processos de escritura. A geração deixa de estar ligada diretamente às instruções e a ligação passa a ser entre o contexto da tarefa e os processos de escritura. O subprocesso planejamento também sofre alterações, passando a ser denominado como processamento de ideias, já o termo planejamento passa a fazer parte do monitor, bem como o estabelecimento da meta e a editoração, a qual, para a autora, ocorre ao final de cada processo ou operação. Enfim, no subprocesso de revisão, no lugar da editoração fica a correção. Por último, será apresentado o modelo de Meurer (1997, p. 14-28), que leva em consideração tanto os aspectos linguísticos como os sociocognitivos do ato de escrever. Este modelo está organizado em módulos interligados dos quais fazem parte: fatos/realidade; história discursiva individual, discursos institucionais e práticas sociais; parâmetros de textualização; representação mental de fatos/ realidade por parte do escritor; monitor. Como no modelo de Scliar-Cabral (1991), a motivação é o primeiro passo; a partir dela, o escritor inicia o percurso de produção textual, formando uma representação mental, imagem ou representação dos fatos formados anteriormente na mente do escritor. Esta representação é controlada pelo monitor e seu funcionamento depende de: fatos/realidade; história discursiva individual, discursos institucionais e práticas sociais e dos parâmetros de textualização que são apresentados em número de sete. Os parâmetros são monitorados pelo escritor durante o processo de composição do texto. Comparado com o modelo de Flower e Hayes (1981), aqui também o monitor se mantém ativo em todo o processo de produção e é responsável tanto pela geração de ideias, como pelo planejamento, organização, execução e editoração das diversas partes do texto. Na rota inicial de produção de textos escritos de Meurer (1997), há ainda dois módulos que são denominados de estágio A e B. O estágio A é representado por duas subpartes: representação mental dos fatos/ realidade por parte do escritor e focos de atenção. É neste estágio que o escritor seleciona um enfoque, partindo da representação mental de certa realidade e passa, então, ao estágio B, no qual, através de representações linguísticas, tenta concretizar o que foi mentalizado. É aí que começa a surgir o texto escrito em sua primeira versão. O autor adverte que, em situações escolares, o texto em geral termina por aqui, mas para grande parte dos escritores este é apenas o começo, por isso, a necessidade de operações para a recomposição e polimento do texto, que são também discutidas pelo autor, mas que não serão enfocadas aqui. 127

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As Bases do Sistema Alfabético do Português do Brasil para a Descodificação e Codificação a) Um pouco mais de história: o contexto de surgimento do sistema de escrita alfabética Você já sabe, mas não custa relembrar: A escrita propriamente dita surgiu no Oriente Médio e na China há cerca de 6.000 anos. Destes dois focos principais, a escrita se irradiou para diversas outras partes da Eurásia. Vários povos investiram tempo e pesquisa (a seu modo) para a elaboração de um sistema de escrita. Interessa-nos, especialmente, o desenvolvimento do sistema alfabético. Antes de falarmos sobre ele, iremos recuperar um pouco da sua história, estabelecendo, assim, um link com o capítulo anterior. Há muita história antes, mas escolhemos como ponto de partida a civilização fenícia. Por volta de 1.200 a.C., os fenícios – que se apossaram da complicada escrita lexical-silábica dos egípcios - desenvolveram uma escrita mais simples, a partir das escritas logossilábicas, devido à necessidade de uma forma prática de escrita para que seu império comercial de então pudesse funcionar melhor. Nesse sistema, cada símbolo representava uma consoante. As vogais tinham que ser reconstituídas pelo leitor. Para cada consoante, foi escolhido um símbolo que previamente era um logograma, representando uma palavra de uso comum, e foi-lhe dado um valor puramente fonético, de acordo com seu som inicial. Com os gregos surgiu o alfabeto denominado de “alfabeto vocálico-consonantal”.

Os árabes e os hebreus nunca sentiram a necessidade de marcar as vogais devido à peculiar estrutura morfológica de suas línguas, que são do grupo semítico, assim como os antigos fenício e aramaico. 128

Os árabes e os hebreus nunca sentiram a necessidade de marcar as vogais devido à peculiar estrutura morfológica de suas línguas, que são do grupo semítico, assim como os antigos fenício e aramaico. Nas línguas desse grupo, as conjugações se dão através do correto preenchimento de um esqueleto de três consoantes por certo grupo de vogais, portanto, pelo contexto pode-se deduzi-las claramente. Já o grego, uma língua indo-europeia como o português, não tem paradigmas vocálicos tão fixos como o das línguas semíticas, o que levou à criação das letras para as vogais, adaptadas a partir de consoantes fenícias que não tinham utilidade para o grego. Além disso, outra mudança do grego foi a de escrever da esquerda para a direita, pois o fenício, assim como o árabe e o hebraico moderno, era escrito da direita para a esquerda. Inicialmente, contudo, os gregos se utilizavam do sistema

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denominado “boustrophédon” (arado), em que uma linha ia da esquerda para a direita e a seguinte da direita para a esquerda e assim por diante. Os etruscos foram os antecessores dos romanos no domínio da península itálica. Mesmo Roma lhes foi subalterna. Dos gregos, os etruscos tomaram muitas coisas, entre elas o alfabeto vocálico-consonantal, inventado pelos gregos, que era de fácil adaptação a qualquer língua. A Etrúria se extinguiu, Roma se ergueu, mantendo, ligeiramente modificado, o seu alfabeto. Enfim, a descoberta de que cada símbolo representa um som mostra que o homem consegue trabalhar de forma consciente com a organização fonológica da língua. Igualmente as crianças precisam fazer esta “descoberta” para poder aprender a ler e escrever no sistema alfabético. Sintetizando-se a história da escrita, pode-se perceber que o homem, desde a inexistência da escrita, passou por diferentes sistemas. Inicialmente, o pictográfico, depois o ideográfico, o logográfico, o silábico até chegar ao alfabético. Este último, descoberto no século X a.C., marcou profundamente a história da humanidade e até hoje é ensinado nas escolas das culturas que o adotam.

b) Os princípios do sistema alfabético para o português do Brasil Neste material será dado enfoque ao sistema alfabético do português do Brasil cujas regras de descodificação e codificação foram formalizadas por ScliarCabral (2003). O seu conhecimento é capital para que o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, na escola, aconteçam de forma reflexiva. A autora explica algumas descobertas importantes que o estudo dos referidos princípios proporcionaram (SCLIAR-CABRAL, 2003, p. 20-21): A formalização dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil, que me consumiu anos de reflexão, permitiu-me a descoberta e/ou confirmação de teorias linguísticas tais como a quase total transparência para a descodificação (exceção feita, basicamente, para os grafemas “e” e “o” e três valores do grafema “x”); as intuições fonológicas dos codificadores, neste caso, começando pelo português de Portugal, com Gonçalves Viana, como, por exemplo, a representação ortográfica dos arquifonemas |R| e |S|, o efeito da oposição entre vogais posteriores e não posteriores e parcimônia para contemplar o acento gráfico, reconhecendo a forma não marcada do vocábulo canônico em português, [...]; ratifica a proposta se Mattoso Câmara Jr. de rever processos de derivação, como possíveis composições, como é exemplo o comportamento do prefixo “trans-”.

Os princípios do sistema alfabético do português do Brasil estão organizados em dois grandes grupos: as regras de descodificação (que dizem respeito à leitura) e as de codificação (relacionadas à forma como grafamos as palavras). 129

Neurociência: evolução e atualidade

Os princípios do sistema alfabético do português do Brasil estão organizados em dois grandes grupos: as regras de descodificação (que dizem respeito à leitura) e as de codificação (relacionadas à forma como grafamos as palavras). Antes de apresentarmos as regras, é necessário fazer um breve estudo sobre as consoantes e vogais do nosso sistema e seus valores representados por fonemas, no caso da descodificação, e por grafemas quando há necessidade de grafar as palavras, fazendo a representação do fonema.

Se você não lembra mais que é fonema e grafema, retorne ao capítulo 3 e confira lá a explicação.

Para a compreensão das relações entre fonemas e grafemas, é preciso, primeiro, uma revisão de como os fonemas estão organizados e classificados no Português do Brasil. Para tal, apresentamos, a seguir, dois quadros: um relacionado ao sistema vocálico e outro referente ao quadro fonêmico das consoantes. É importante lembrar que esta é uma forma de “representar” os fonemas de nossa língua, entretanto, nossos alunos chegam às escolas cada um falando de acordo com sua variante sociolinguística, o que justifica a compreensão entre o sistema oral e escrito. Esta compreensão permite, por exemplo, ao professor, construir hipóteses para a codificação, levando o aprendiz a perceber que existe uma única língua escrita; entretanto, ao ler, o fará de acordo com sua variante sociolinguista, assim que tiver domínio do código. Além disso, permitirá, no caso do espaço escolar, que o professor compreenda por que os alunos em fase inicial de alfabetização escrevem como falam, em um continuum, ou seja, não há ainda a percepção dos espaços em branco.

Caro pós-graduando, o quadro 1 representa todas as vogais existentes no português do Brasil, observe que apesar de possuir cinco grafemas para representar as vogais, há 12 valores sonoros para esses grafemas, dentre estes, 7 são orais e 5 nasais.

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As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Capítulo 4

Quadro 1 - Sistema Vocálico do PB

- posterior -arredondado (anteriores)

+ Orais +alta -alta -baixa +baixa

+posterior - arredondado

+posterior + arredondado

i

u

e

o

ε (pé)

a

‫( כ‬pó)

-orais (nasalizadas) +alta

ĩ

ũ

-alta



õ

+baixa

ã Fonte: Sistema vocálico do PB, conforme modelo de Quicoli (1990), com acréscimo das vogais nasalizadas. (SCLIAR-CABRAL, 2003).

Neste quadro, fique atento à classificação das vogais em [+ anteriores] e [- anteriores] porque este fator é determinante para muitas das regras para lermos e escrevermos palavras.

Para compreender a classificação das consoantes, é importante saber como está organizado o nosso aparelho fonador, pois é dele que partem os termos que são usados para a denominação de cada um dos fonemas. Observe o aparelho fonador abaixo e depois tente colocar nele o quadro das consoantes. Irá perceber, por exemplo, que [p] e o [b] são produzidos tocando lábio no lábio, por isso, são chamados de bilabiais, ou seja, esse é o seu ponto de articulação.

Para compreender a classificação das consoantes, é importante saber como está organizado o nosso aparelho fonador, pois é dele que partem os termos que são usados para a denominação de cada um dos fonemas.

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Neurociência: evolução e atualidade

Figura 30 - O aparelho fonador

Fonte: Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2012.

Quadro 2 - Sistema Fonêmico das Consoantes +ant -cor (labiais)

+obstruinte

-son

-cont

(surdas)

(oclusivas)

+son

+cont (fricativas) -Obstruinte +nasal

+ant +cor (anteriores)

-lateral -cons (semivogais)

-ant -cor -post (posteriores)

t

k

b

d

g (galo)

-son

f

s

∫(chá)

+son

v

z

ʒ (já)

m

n

R (rosa)

ր(vinho) ʎ (velha)

l r(caro) j (pai) Fonte: Scliar-Cabral (2003), conforme modelo de Lopez (1979), com acréscimo das semivogais, exemplos e termos comparativos (entre parênteses) à nomenclatura de Mattoso Câmara Jr. (1975).

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-ant -cor -post (posteriores)

p

(+vocálico) +lateral

-ant +cor (posteriores)

w (teu)

Capítulo 4

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Para auxiliar na leitura e compreensão do quadro, apresentamos, abaixo, uma lista com os termos e sua respectiva explicação: Modos de articulação: •

Oclusivos: “sons produzidos com um bloqueio completo à corrente de ar em algum ponto do aparelho fonador...” (CAGLIARI, 2001, p. 122) [p,b,t,d,k,g].



Nasais: “sons produzidos com um bloqueio à corrente de ar na cavidade oral, com concomitante abaixamento do véu palatino, o que permite a saída do ar pelas narinas” (CAGLIARI, 2001, p. 122) [m, n, ր].



Fricativos: “sons produzidos com um estreitamento em qualquer parte do aparelho fonador (da glote até os lábios), de tal modo que o ar fonatório, passando por essa parte, produza fricção” (CAGLIARI, 2001, p. 122) [f,v,s,z, ∫,ʒ, R].



Laterais: “são os sons que bloqueiam a passagem central da corrente de ar na parte anterior da cavidade oral, permitindo um escape lateral. [...] No caso da lateral palatal, a corrente de ar passa por trás dos últimos molares, saindo por entre a parte externa dos dentes e a bochecha” (CAGLIARI, 2001, p. 123) [l, r].



Vibrantes: “[...] entendem-se os sons produzidos por batidas rápidas da ponta da língua ou do véu palatino, em geral, 3 ou 4. Esse tipo de consoante também é chamada de vibrante múltipla [...]. Quando ocorre apenas uma batida rápida da ponta da língua contra os dentes ou alvéolos dos dentes incisivos superiores, o som tem o nome de tepe (ou vibrante simples...)” (CAGLIARI, 2001, p. 123) [R, r]. Lugares de articulação:



Labial: “é o som produzido com um estreitamento ou fechamento produzido pela aproximação dos lábios...” (CAGLIARI, 2001, p. 124) Bilabiais: [p,b,m], Labiodentais [f,v].



Coronal: “os sons coronais são produzidos com o ápice ou a lâmina da língua elevada acima de sua posição neutra. Considera-se posição neutra o lugar onde se articula a vogal [ε], como em “café”. [...] na produção de sons coronais o ápice ou a lâmina da língua se eleva em direção à parte posterior dos incisivos posteriores entre a região da arcada alveolar e o palato duro [...]. Consoantes dentais, alveolares, alvéolo-palatais, retroflexas e palatais são [+cor]. Todas as outras consoantes são [-cor]” (MORI, 2001, p. 164) [+cor]: [t,d,s,z,n,l, ∫, ʒ].

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Neurociência: evolução e atualidade



Anterior: “os sons anteriores são produzidos com uma obstrução na parte anterior do trato vocal, numa região situada entre os lábios e a arcada alveolar.” (MORI, 2001, p. 164) [+ant]: [p,b,f,v,m, t,d,s,z,n,l, r]. Vozeamento:

Classificam-se os sons com base na oposição surdo/sonoro. Os sons produzidos com vibrações das cordas vocais são chamados de sonoros (+son). Já os surdos são aqueles produzidos sem vibração das cordas vocais (-son). As vogais são sons sonoros, mas consoantes podem ser surdas ou sonoras. Observe esses pares mínimos: pato, bato; faca, vaca; chá, já; cato, gato. Agora que você já conhece os fonemas e sua respectiva classificação, fica mais fácil ler e compreender as regras que serão apresentadas a seguir.

Como Lemos as Palavras da Mesma Maneira: as Regras de Descodificação As regras de descodificação dizem respeito ao processamento da leitura.

A conversão dos grafemas em fonemas é feita pelo leitor levando em conta sua variedade sociolinguística e este aspecto não pode ser desconsiderado por quem está envolvido no processo de ensinar a ler. 134

As regras de descodificação dizem respeito ao processamento da leitura, discutido anteriormente. Interessa, aqui, a primeira fase, na qual o leitor reconhece e identifica as letras que representam os grafemas e seus valores; a partir daí, dá-se a busca das palavras e seu acesso. A conversão dos grafemas em fonemas é feita pelo leitor levando em conta sua variedade sociolinguística e este aspecto não pode ser desconsiderado por quem está envolvido no processo de ensinar a ler. A autora desdobra as regras de descodificação em quatro subgrupos: as regras de correspondência grafo-fonêmica independentes do contexto; as regras de correspondência grafo-fonêmica dependentes do contexto grafêmico; as regras dependentes da metalinguagem e/ou do contexto textual morfossintático e semântico; valores imprevisíveis para o grafema “x” e a leitura de “muito”. O primeiro subgrupo é constituído de grafemas que correspondem, independente da posição em que ocorrem na palavra, ao mesmo fonema. Na tabela abaixo (SCLIAR-CABRAL, 2003b, p. 44), são apresentados quais os valores dos grafemas que se incluem neste subgrupo.

Capítulo 4

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Tabela 1 – Valores dos grafemas, independentes do contexto

Grafema

Valor

Exemplos

Grafema

Valor

Exemplos

p

/p/

pato

B

/b/

bola

t

/t/

tatu

D

/d/

dado

f

/f/

café

V

/v/

uva

ss

/s/

massa

Ç

/s/

moça

sc

/s/

desço

Ch

/∫/

chave

j

janela

Nh

/ ր/

linha

rr

/ʒ/ /R/

carro

ü

/w/

sagüi

ó

/ ‫כ‬/

óculos

Õ

/õ/

põe

á

/a/

água

À

/a/

à

â

/ã/

lâmpada

Ã

/ã/



Fonte: Scliar-Cabral (2003, p.44).

O trema ainda se mantém a leitura deste grafema, pois está em muitos materiais que ainda não tiveram a revisão dentro do novo sistema ortográfico.

O segundo subgrupo sofre influência do contexto grafêmico. Assim, para atribuir valor ao grafema, é necessário observar as letras que o precedem ou seguem e/ou a sua posição no vocábulo. A autora reuniu as várias situações em vinte e três regras. Como exemplo, será apresentada a regra D2.1 (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 83), a qual sistematiza, entre outros aspectos, a leitura da letra “s” em contexto intervocálico, dificuldade comum entre os aprendizes do nosso sistema escrito: “o grafema ‘s’ se lê como a transposição à realização do fonema /s/, quando estiver em início do vocábulo [...] ou quando, em início de sílaba, estiver depois das letras “n”, “l” ou “r” [...]; o grafema “s” se lê como a transposição à realização do fonema /z/ quando estiver entre as letras que representam as vogais ou semivogais [...]”.

Para atribuir valor ao grafema, é necessário observar as letras que o precedem ou seguem e/ou a sua posição no vocábulo.

Há, também, um conjunto de regras dependentes da metalinguagem e/ou do contexto textual morfossintático e semântico que regulam a leitura: da sílaba 135

Neurociência: evolução e atualidade

mais intensa; dos ditongos decrescentes seguidos ou não de s; dos ditongos orais fechados, por oposição aos abertos. O ponto-chave, neste subgrupo, é a descodificação das letras “e” e “o” na metafonia verbal, cujas regras foram internalizadas desde cedo pela criança em seu processo de aquisição da linguagem. Para sua utilização, basta apenas a aplicação de conhecimentos morfossintáticos. Dessa forma, se o vocábulo “gosto” for indicado como verbo (não como substantivo) em um contexto como: “Eu gosto de maçã!”, o “o” será lido com o valor de / ‫כ‬/. Isso acontece “em virtude da harmonia vocálica entre o radical /o/, com a vogal temática subjacente da 1ª conjugação /a/.” (SCLIARCABRAL, 2003 a, p. 115). Por fim, são apresentados os valores dependentes exclusivamente do léxico mental ortográfico: 1) Os três valores atribuídos à letra “x”: /∫/, /s/ e /k(i)s/ em contextos entre letras que representam vogais, com exceção da letra “e”, como em “abacaxi”, “máximo” e “fixo”, e entre ditongo /aw/ e vogal como em “auxílio”. 2) O vocábulo “muito” que é marcado para ser pronunciado como ditongo nasalizado. Diante de um sistema transparente para a leitura, como é o nosso, é importante a compreensão das regras de descodificação para simplificar o ensino de língua materna.

Atividade de Estudos:

1) A fim de verificar se você compreendeu mesmo a organização

dos princípios do sistema alfabético para a descodificação, realize o exercício que segue: Abaixo você encontrará várias palavras. Leia-as com atenção, observando o grafema sublinhado. Depois, agrupe-as conforme os valores e suas relações: a) independentes do contexto; b) dependentes do contexto escrito (regras) e c) imprevisíveis (memorizadas). TENHO, DEUSA, AUXILIADORA, CRUCIFIXO, CALMA, CASCA, CÓLICA, GANSO, PANELA, CAFÉ, BARRO, EXCEÇÃO, FAZER, TÓRAX, XÍCARA, CHAVE, ALMOÇO, CINEMA, CINCO, CURSO, JATO, TETO, SAPATO, ZEBRA, SALA, RESPEITO, DESCE, EXISTE, FROUXA, NORMA, SINO, MATA, SEDEX, EXAUSTO, AZARES, CINTO, NASCI, ABACAXI, GOSTO (verbo), DOÍDO, ESTÁ, HÉLICE.

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Capítulo 4



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A Escrita das Palavras: a Conversão de Fonemas em Grafemas O processo Considerando Contextos e de codificação Necessidade de Memorização é inverso ao O processo de codificação é inverso ao apresentado anteriormente, pois nele acontece a conversão da realização dos fonemas em grafemas a partir da variedade sociolinguística praticada pelo falante. Para converter fonemas em grafemas, o redator poderá ou não levar em conta o contexto, o que explica a existência destes cinco subgrupos: regras independentes do contexto; regras dependentes da posição e do contexto fonético; as alternativas competitivas; as regras dependentes da morfossintaxe e do contexto fonético e a derivação morfológica. No primeiro subgrupo se incluem as variantes alofônicas determinadas pelo contexto fonético, não percebidas pelo redator de

apresentado anteriormente, pois nele acontece a conversão da realização dos fonemas em grafemas a partir da variedade sociolinguística praticada pelo falante. 137

Neurociência: evolução e atualidade

forma consciente e os ditongos abertos /εj/ e / ‫כ‬j/. Analisando a tabela a seguir (SCLIAR-CABRAL, 2003b, p. 78), é possível notar que, na codificação, há menos possibilidades de atribuir um valor do que na descodificação. Portanto, já se pode ir percebendo que escrever é mais complexo que ler. Tabela 2 – Conversão dos fonemas aos grafemas, independente do contexto

Fonema

Grafema

Exemplos

Fonema

Grafema

Exemplos

/p/

p

pato

/b/

b

bola

/t/

t

tatu

/d/

d

dado

/f/

f

faca

/v/

v

uva

/m/

m

mato

/n/

n

nata

/ր/

nh

linha

/l/

lh

bolha

/ εj /

éi

anéis

/ ‫כ‬j /

ói

dói

O segundo subgrupo é formado por dezesseis regras dependentes só do contexto fonético. Um grupo delas é organizado levando-se em consideração que o fato de as vogais e semivogais serem posteriores ou não posteriores influi na grafia das consoantes. A regras C2.1 explica que a realização da consoante /k/ se transcreve com “c” antes de vogal posterior, oral ou nasalizada e com “qu” antes de vogal não posterior, oral ou nasalizada como em “cola” e “quinto”. A regra C2.2, parecida com a anterior, formaliza a grafia do fonema /g/ que antes de vogal posterior, oral ou nasalizada se transcreve com “g” e diante de não posterior, oral ou nasalizada, com “gu”, como em “sagu” e “guerra”. Já a regra C2.4 explica a conversão do fonema /s/ em início de vocábulo e entre a semivogal /j/ e as vogais [-post] e [+post] como em “foice” e “feição”; a regra C2.8 elucida a conversão do fonema /ʒ/, ou seja, antes de [+post] grafa-se com “j” e, antes de [-post], grafa-se com “j” ou “g” e a explicação é completada pela regra C3.7. As regras, que versam sobre a conversão do fonema /R/ no grafema “rr”; do flape alveolar /r/ na letra “r” e do arquifonema |R| na letra “r”, auxiliam para explicar estas grafias que constituem uma dificuldade para o aprendiz, sobretudo, a codificação do encontro consonantal com flape /r/. A última regra apresenta uma forma prática de aplicação, ou seja, salvo no contexto entre vogais, o fonema /R/ sempre se escreve com um “r”. As regras C2.13 e C2.14 explicam como as semivogais /j/ e /w/, respectivamente, devem ser grafadas. Scliar-Cabral (2003a, p. 139) alerta quanto à primeira regra que se “[...] trata de uma das codificações mais complexas e 138

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opacas do português, uma vez que o ditongo nasalizado fica obscurecido na escrita, já que as letras “m” e “n”, quando em final de vocábulo, representam simultaneamente a nasalidade e a semivogal /j/”. Para grafar a semivogal /w/, o princípio da distribuição das vogais também deve ser levado em consideração. Outro ponto que aparece entre as dificuldades de grafia de alunos de vários níveis de ensino é o ditongo nasalizado /ãw/. O primeiro aspecto que deve ser observado é a tonicidade, que pode ser completado pela morfossintaxe, ou seja, a que classe gramatical, verbo ou nome, a palavra pertence. A regra C2.15, subdividida em outras seis, regula que acento de intensidade poderá ser grafado nas vogais e em que condições. A última regra desse subgrupo aborda a grafia das vogais nasalizadas sob três aspectos: o uso do til em “ã” e “õ”; a nasalização da vogal, em final de sílaba não final de vocábulo, na qual se explica a grafia de “m” diante das consoantes [+ ant, -cor] como em “tempo”; a nasalização das vogais em final de vocábulo, por exemplo, “ruim”, “batons”.

Atividades de Estudos: 1) Leia com atenção o texto que segue e depois realize as tarefas solicitadas: EMERGÊNCIA É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão. - Bom dia... - Como assim? Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado: - Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho? Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta, 139

Neurociência: evolução e atualidade

com um falso riso descontraído: “Até aqui, tudo bem”. O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa. - Obrigado. Não bebo. Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar voo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! No rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela. Mas o pior está por vir. De repente ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz. “Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás”. - Emergência? Que emergência. Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem emergência. Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo. - Isto é apenas rotina, cavalheiro. - Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai meu santo. “No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos”. - Que história é essa. Que despressurização? Que cabina? “Puxe a máscara em sua direção. Isso acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente”. - Respirar normalmente?! A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças – e ele quer que a gente respire normalmente?! “Em caso de pouso forçado na água...” 140

Capítulo 4

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- O quê?! “... os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e...” - Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes! - Calma, cavalheiro. - Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem! - Cavalheiro, por favor. Fique calmo. - Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por quê, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul. - Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada. - Só não quero mais ouvir falar de banco flutuante. - Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante. Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça. - É que banco flutuante foi demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do Oceano Atlântico! A aeromoça diz que lhe vai trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo: - Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa! Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, 141

Neurociência: evolução e atualidade

abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração. De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante. - Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de... Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto: - Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente! Fonte:VERISSIMO, Luis Fernando. Emergência. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1981.

a) Localize, no texto, 10 palavras em que estejam presentes codificação independente do contexto. Destaque nelas os grafemas que são exemplos desta situação. b) No texto, você irá encontrar situações em que a grafia é dependente do contexto grafêmico ou da posição do grafema. Sua tarefa é localizar exemplos referentes aos fonemas ou casos enumerados e, partindo, deles, explicar a regra de codificação: a) /k/ __________________________________________________ b) /g/ __________________________________________________ c) / ʒ /__________________________________________________ d) /l/___________________________________________________ e) /s/___________________________________________________ f) /∫/___________________________________________________ g) /r/___________________________________________________ h) /R/__________________________________________________ i) Grafia das vogais nasalizadas ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 142

Capítulo 4

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___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________

Até aqui você aprendeu que há situações como em “pata” que não temos problemas algum para escolher que grafemas irá representar qual fonema, pois para representar o fonema /p/ existe apenas o grafema “p”. Depois, você estudou que há situações em que não é necessário decorar a grafia das palavras, pois há uma regra que pode generalizar a situação. Um exemplo disso é a grafia de deixa com “x” e não “ch” para representar o fonema /∫/. Agora, iremos entrar na parte mais complexa da grafia: os contextos competitivos, ou seja, situações em que um mesmo fonema pode ser representado por dois ou mais grafemas, o que acarreta a dúvida na grafia. As alternativas competitivas constituem a maior dificuldade ortográfica na aprendizagem do sistema escrito. Em casos como o do fonema /s/, que apresenta o maior número de possibilidades de conversão, “[...] é necessário selecionar no léxico mental ortográfico o item que emparelhe semântica e morfossintaticamente com a forma fonológica” (SCLIAR-CABRAL, 2003a, p. 151). Situações dessa natureza podem ser resolvidas e compreendidas se houver um ensino inteligente da gramática que considere: 1) O papel do significado quando os dois itens forem da mesma classe gramatical. Assim, a grafia de “paço” ou “passo”, “sessão” ou “seção” só pode ser resolvida em um contexto no qual o sentido possa ser atribuído pelo redator, uma vez que as duas situações se apresentam diante de vogal [+post]. 2) A morfologia, especialmente, a derivação. Já a codificação do fonema /ʒ/ em “viagem” e “viajem” se dá de forma diferente, pois, no primeiro caso, tem-se um substantivo derivado do radical “via-“ acrescido do sufixo “-agem”; em “viajem” (terceira pessoa do plural do presente do subjuntivo do verbo viajar), temse uma derivação da primeira pessoa do singular do presente do indicativo. Outra dificuldade encontrada na aprendizagem dos contextos competitivos é a realização do fonema /z/ entre vogal oral ou semivogal e vogal oral ou nasalizada, pois é possível grafar tanto com “s” quanto com “z”. Em situações como a grafia de “quiser”, “fizer”, “inglesa”, “beleza” e “lapiseira”, novamente o ensino da morfologia auxiliará na resolução da dúvida levando-se em conta: a forma primitiva do perfeito; os femininos pátrios; os substantivos abstratos femininos que usam o sufixo “-eza” e os derivados de radicais atemáticos terminados em “s” como “lápis”.

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Neurociência: evolução e atualidade

A conversão do arquifonema |W| pode ocorrer em quatro diferentes situações nas quais se escreve competitivamente: 1) “o” ou “u” nos ditongos crescentes orais; 2) “u” ou “l” em ditongo decrescente em sílaba interna como em “calda” e “cauda”; 3) “o”, “u” ou “l” em final de vocábulo nos ditongos decrescentes como em “mau” e “mal”; 4) “o” ou “u” no ditongo seguido do arquifonema |S| como em “ateus”. Destes casos, o mais complexo é o terceiro, visto que “[...] é particularmente difícil decidir quando escrever ‘mal’ ou ‘mau’, pois, dada a semelhança semântica, somente os conhecimentos de morfologia e de sintaxe podem resolver.” (SCLIARCABRAL, 2003b, p. 95). No exemplo dado na situação 2, novamente a atribuição do sentido irá auxiliar na escolha de que letra usar na conversão do arquifonema em questão. Outro contexto competitivo é o das vogais orais [+alt] postônicas seguidas ou não do arquifonema |S| que podem ser grafadas com “e”/”i” ou “o”/”u”. Em uma situação como em “descrição” e “discrição”, a realização das vogais pretônicas orais [+alt] é livre, podendo ser pronunciada tanto com [e] como com [i]. Casos assim são comuns entre os homônimos não homógrafos (vocábulos com a mesma pronúncia, mas grafia distinta), daí a necessidade de um ensino que, além do significado dos radicais, também contemple a significação de alguns prefixos que constituem pares mínimos na escrita como é o caso de: “dis-”/”des-”, “e-”/ “i-”, “anti-”/ “ante-”, “en(m)-”/ “in(m)-”. Por exemplo, é fácil distinguir descrição e discrição, anti-horário e antebraço, emigrar e imigrar apenas considerado seu prefixo e o significado que ele imputa à palavra.

Nos contextos competitivos é que não há necessidade de memorizar todos os vocábulos, a fim de armazená-los no léxico mental ortográfico.

Este subconjunto de regras sinaliza que o ensino dos contextos competitivos requer um profissional que trabalhe os conhecimentos gramaticais e o significado de forma a auxiliar o aprendiz a resolver suas dúvidas, compreendendo que conhecimentos são necessários para tomar a decisão certa em cada situação. O que se percebe nos contextos competitivos é que não há necessidade de memorizar todos os vocábulos, a fim de armazenálos no léxico mental ortográfico, pois há muitas dúvidas que podem ser resolvidas com o auxílio da informação semântica, da informação morfológica ou do radical, no caso dos termos cognatos.

Atividade de Estudos: 1) Uma das maiores dificuldades para a codificação se deve às alternativas competitivas. Sua tarefa é localizar em materiais 144

Capítulo 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

utilizados por você palavras que ilustrem as três situações distintas e discutir cada uma delas:





a) Explicadas pela informação semântica:

_____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________



b) Explicadas pela diferença morfológica: _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________



c) Dependentes do léxico mental ortográfico: _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________

As Contribuições dos Estudos Psicolinguísticos para Detectar Problemas de Processamento Até aqui você pode compreender que a aprendizagem da leitura e da escrita depende de uma série de fatores, entre eles, o processamento e a compreensão de como o sistema alfabético do português do Brasil está organizado. Com os conhecimentos produzidos pela psicolinguística, aliados às contribuições das neurociências, é possível realizar diagnósticos que permitam aos educadores traçar um perfil dos alunos que recebem no que tange às dificuldades de aprendizagem e uma reflexão sobre as metodologias e materiais usados para o ensino da leitura e da escrita. Vale ressaltar que aqui não se faz referência apenas aos anos iniciais, pois há alunos que chegam aos anos finais sem domínio pleno da leitura e da escrita. Diagnosticar é o primeiro passo para o desenvolvimento de ações que sejam eficazes. 145

Neurociência: evolução e atualidade

a) Instrumentos de diagnóstico Uma das primeiras ações é conhecer mais sobre a infância do aluno analisado e suas relações familiares, especialmente no que tange ao contato com material escrito, tarefas escolares, desempenho em anos anteriores, momento em que entrou na escola, situação na educação infantil. Para isso, pode-se elaborar um questionário que pode ser aplicado em uma visita domiciliar, a fim de conversar com a família. Aliado a isso, sugerimos duas ações: a) aplicação da bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral; b) análise de textos escritos. A bateria de testes tem, como objetivo, segundo Scliar-Cabral (2003b, p.119): [...] detectar sintomas mais evidentes sobre desvios na recepção oral e escrita e respectiva produção, a fim de que o professor possa encaminhar o aluno para exames mais acurados pelo especialista. Assim, se o aluno apresentar dificuldades no teste de recepção oral, deve ser encaminhado para exame audiométrico pelo fonoaudiólogo e/ou otorrino; se não apresentar dificuldades no teste de recepção oral, porém articular mal os gestos fonoarticulatórios, deverá ser encaminhado a um fonoaudiólogo. Se não apresentar nenhum problema no teste de recepção e produção oral, mas se sair mal nos testes de descodificação dos grafemas ou codificação dos fonemas, poderá ter problemas específicos de leitura e escrita, quer congênitos, quer de aprendizagem, que deverão ser examinados pelo especialista. Se o aluno se sair bem nos testes de descodificação e codificação, mas apresentar baixos escores nos testes de compreensão, seu problema não está no reconhecimento ou produção da palavra escrita, mas sim em aspectos semânticos e/ou cognitivos mais gerais.

Aqui se fará uma breve descrição dos testes que compõem a referida bateria, mas aconselhamos que você consulte a obra referendada, a fim de ter acesso a todo o matéria: cartelas de aplicação, detalhamento das condições de aplicação, fichas de anotação e orientação de análise de resultados. Vamos, então, a um panorama: ao todo são nove testes a serem aplicados os quais são apresentados nesta ordem: •

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Testes de recepção oral, subdivididos em recepção auditiva dos traços fonéticos do português do Brasil e em compreensão de frases, cuja complexidade e extensão são crescentes. O primeiro visa a detectar se o indivíduo percebe os traços fonéticos que diferenciam os vocábulos no português do Brasil e o segundo verifica se o indivíduo apresenta problemas de processamento em sua memória imediata e operacional.

Capítulo 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita



Testes de produção oral também subdivididos em produção oral de itens e de frases. Estes testes objetivam detectar se o indivíduo comanda os gestos fonoarticulatórios da sua variedade sociolinguística.



O objetivo do teste Invenção a partir de uma sequência é examinar se os esquemas narrativos estão bem desenvolvidos.



O teste Reconto da história “O galo vaidoso” verifica tanto se os esquemas narrativos estão bem desenvolvidos (habilidades cognitivas de ordenação) como avalia as capacidades da memória imediata e operacional.



Emparelhamento de palavras e frases escritas com gravuras visa a avaliar a habilidade de o indivíduo perceber a oposição entre grafemas em pares mínimos. Este teste é subdividido em emparelhamento de itens e de frases escritas.



Produção a partir de gravuras é o teste que tem como finalidade averiguar se o indivíduo transpõe para a escrita suas representações fonológicas. Este também é subdividido em produção escrita de itens e frases.



Teste de correspondência fonológico-grafêmica testa se as regras de codificação dos fonemas em grafemas foram internalizadas de uma forma controlada, uma vez que se trata de pseudopalavras. O teste está organizado a fim de detectar quatro dificuldades: de percepção da distinção do traço fonético em um par mínimo e sua codificação fonêmica; de percepção dos traços gráficos; adivinhação ou alfabetização pelos nomes das letras; falta de domínio das regras de codificação dependentes do contexto fonético.



O teste de correspondência grafêmico-fonológica foi elaborado a fim de detectar cinco dificuldades: de articular o traço que diferencia os pares mínimos; de perceber as distinções ocasionadas pelo traço de rotação ou combinatória de outros traços; adivinhação ou nome da letra; falta de domínio da regra de correspondência grafêmicofonológica; problemas fonoarticulatórios.



Teste de leitura em voz alta e de compreensão de palavras. O de leitura em voz alta visa a confirmar o desempenho nos testes anteriores quanto à descodificação e o de compreensão , como o próprio nome indica, verifica se o indivíduo compreendeu o que leu.

Este conjunto de testes irá permitir ao educador ou profissional da área de problemas de aprendizagem traçar um perfil do sujeito, tanto quanto às suas dificuldades para aprender a ler e escrever, como

Este conjunto de testes irá permitir ao educador ou profissional da área de problemas de aprendizagem traçar um perfil do sujeito, tanto quanto às suas dificuldades para aprender a ler e escrever, como também possibilitará o levantamento de conhecimentos já construídos pelo aluno e que, muitas vezes, são desconsiderados ou esquecidos em seu processo escolar. 147

Neurociência: evolução e atualidade

também possibilitará o levantamento de conhecimentos já construídos pelo aluno e que, muitas vezes, são desconsiderados ou esquecidos em seu processo escolar. Outro aspecto importante, na aplicação da bateria, é a quebra de rótulos indevidos atribuídos ao aluno. Muitas vezes, o aluno é considerado disléxico, mas a aplicação revela que o que ele apresenta não é esse problema, mas outro que está relacionado às questões de aprendizagem do sistema escrito. Diante disso, é importante, antes de afirmar que o aluno tem um outro problema, que seja feito um diagnóstico sério. A bateria é um bom instrumento, mas não consegue abarcar todos os problemas de escrita, por isso, sugerimos que sejam coletados textos do aluno tanto em situação normal de aprendizagem (os cadernos são um bom material para análise) e em situação em que ele seja solicitado a produzir, por exemplo, uma narrativa com base nos quadros de sequência do teste 3 da bateria. Mas pode ser outra sugestão de produção a ser negociada com o sujeito a ser investigado. Um dos primeiros aspectos a serem considerados nos textos do aluno é se as necessidades básicas para alfabetização foram alcançadas. Para que você tenha ciência disso, apresentamos uma síntese comentada do que Lemle (1998) apresenta em sua obra. A ideia de símbolo: “a ideia de símbolo é complicada. Uma coisa é símbolo de outra sem que nenhuma característica sua seja semelhante a qualquer coisa simbolizada”. (LEMLE, 1998, p.7) Dá exemplo de símbolos: sinais, placas, dedos, bandeira, etc. “Uma criança que ainda não consiga compreender o que seja uma relação simbólica entre dois objetos não conseguirá aprender a ler”.(LEMLE, 1998, p. 8). A discriminação das formas: “As letras, para quem ainda não se alfabetizou, são risquinhos pretos na página branca. O aprendiz precisa ser capaz de entender que cada um daqueles risquinhos vale como símbolo de um som da fala. Assim sendo, o aprendiz deve poder discriminar as formas das letras. As letras do nosso alfabeto têm formas bastante semelhantes e, por isso, a capacidade de distinguilas exige refinamento de percepção”. (LEMLE, 1998, p. 8). A autora dá exemplo das letras: p/b; b/d; n/m; l/a/o. Aqui podem ser recuperados os estudos sobre fenômeno da rotação discutidos na área de psicolinguística e neurociências. “[...] Só será capaz de escrever aquele que tiver a capacidade de perceber as unidades sucessivas de sons da fala utilizadas para enunciar as palavras e de distingui-las conscientemente uma das outras. [...] a análise [...] é bem sutil: ela deve ter consciência dos pedacinhos que compõem a corrente da fala e perceber as diferenças de som pertinentes à diferença de letras”. (LEMLE, 1998, p. 9). Na bateria de testes, os testes 7 e 8 são contemplados com palavras que permitem 148

Capítulo 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

identificar problemas com a rotação de traços. Por exemplo, na cartela 1 (abaixo), o “q’ de “qudo” apresenta rotação de traço em relação ao “p” e ao “b”. Podendo, assim, ajudar a identificar esse tipo de problema.

pudo

Budo

qudo

lopa

pude

A discriminação dos sons da fala: o aprendiz precisa ter consciência da percepção auditiva. É preciso saber ouvir diferenças: pé/fé (consoante inicial com modo de articulação distinto); toca/doca (surdo e sonoro); vim/vi (nasalidade/ oralidade). A cartela 1, apresentada anteriormente, mostra esta oposição entre o fonema /p/ de “pudo” e o fonema /b/ de “budo”. Além desses testes, também os testes 1,2, 5 e 6, cujas cartelas são organizadas com pares mínimos, permitem identificar problemas dessa natureza. Entre os pares mínimos selecionados para o diagnóstico, estão, por exemplo, faca/vaca, queijo/queixo, bote/pote, concha/ coxa, três/trens.

“Essas três capacidades [...] São as partes componentes da capacidade de fazer uma ligação simbólica entre sons da fala e letras do alfabeto. A 1ª é a capacidade de compreender a ligação simbólica entre letras e sons da fala. A 2ª é a capacidade de enxergar as distinções entre letras. A 3ª é capacidade de ouvir e ter consciência dos sons da fala, com suas distinções relevantes na língua.” (LEMLE, 1998, p. 9).

Consciência da unidade palavra: “[...] o importante, na ideia da unidade palavra, é que ela é o cerne da relação simbólica essencial contida numa mensagem linguística: a relação entre conceitos e sequências de sons da fala. Temos, portanto, na escrita, duas camadas sobrepostas de relação simbólica: uma relação entre a forma da unidade palavra e seu sentido e a sequência de letras que transcrevem a palavra.” (LEMLE, 1998, p. 11). Esta relação, na prática escolar da alfabetização, torna-se uma questão polêmica: “[...] alguns acham essencial que todas as palavras utilizadas nas primeiras etapas da alfabetização sejam conhecidas pelo alfabetizando. [...]. Outros acham que pode ser bom aprender palavras novas e brincar com sons desprovidos de sentido, pois isso ajuda o aprendiz a compreender a ideia de que as letras representam os sons da fala, e não diretamente o sentido.” (LEMLE, 1998,, p. 12). “O tipo de dificuldade na depreensão de unidades vocabulares que se observa muitas vezes [...] são umavez, nonavio, minhavó, ou seja, falta de separação onde existe uma fronteira vocabular.” (LEMLE, 1998,, p.10). Quanto a esse aspecto, Scliar-Cabral (2003 149

Neurociência: evolução e atualidade

b) chama atenção para o fenômeno sândi que pode ser externo ou interno o qual pode ser observado no teste de leitura em voz alta. “A alocação errada de fronteiras vocabulares onde não existe acontece, por exemplo, com palavras femininas que começam com [a] – minha miga, em vez de minha amiga – ou com palavras masculinas que começam com [u] – o niverso, em vez de o universo.” (SCLIAR-CABRAL, 2003b, p.10-11). o alfabetizando também deve reconhecer sentenças que são representadas por letra maiúscula para indicar o início e o ponto, o término. Mas isso não precisa acontecer logo no início, “[...] pois o aprendiz pode aprender a tomar consciência dessa unidade no decorrer de suas primeiras leituras.”(SCLIAR-CABRAL, 2003b, p. 2). A organização da página escrita: desde o início do trabalho de alfabetização, deve ficar estabelecida a compreensão da organização espacial da página: “[...] a ideia de que a ordem significativa das letras é da esquerda para a direita na linha, e que a ordem significativa das linhas é de cima para baixo na página.”(SCLIAR-CABRAL, 2003b, p. 12). Isso é primordial, “[...] pois dessa compreensão decorre uma maneira muito particular de efetuar os movimentos dos olhos na leitura”. Ler um texto é diferente de olhar uma gravura, e isso é novo para o alfabetizando. Vale reafirmar que o incremento das capacidades permite os saberes básicos para a alfabetização. Se uma dessas capacidades ainda não foi alcançada pelo aprendiz, é importante, primeiro, investir no desenvolvimento dela. Além desses problemas iniciais, podem ser detectados outros sobre os quais iremos apresentar uma revisão de problemas de escrita tanto relacionados ao momento inicial de aprendizagem como os que se seguem no curso da compreensão de como o sistema está organizado. A discussão sobre os erros está organizada por categorias e estas, algumas vezes, aparecem subcategorizadas. •

Transcrição fonética: pode ser também descrita como aluno escreve como fala, o que revela que este se encontra no processo inicial de alfabetização. Dentro dessa categoria, podem ser encontrados problemas como: –– O aluno escreve i em vez de e, porque fala [i] e não [e]; por exemplo: dipois, eli, di. Vale destacar que a tonicidade explica este fenômeno, uma vez que a troca ocorre geralmente em final de palavra cuja sílaba é átona. A mesma explicação pode ser atribuída em casos em que o aprendiz escreve u em vez do o, pois fala [u] e não [o], por exemplo, abraçu, bisnetus, titiu, brincando. –– O aluno escreve duas vogais em vez de uma, por usar na sua pronún­ cia um ditongo; por exemplo: rapais (rapaz) feis (fez). Neste último exemplo, além do problema de ditongação, pode-se observar o uso do “S” em contexto competitivo.

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Capítulo 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

–– Escreve uma vogal em vez de duas, porque usa na sua pronúncia um monotongo; por exemplo, caxa (caixa). Entretanto, em casos como mato (por matou) ou pergunto (por perguntou) a questão vai além da monotongação, é um caso em que há uma redução da desinência verbal e também pode ser incluída nos estudos de morfologia verbal. –– Não escreve o r por não haver som correspondente na sua fala; por exemplo: mulhe (mulher) lava (lavar). Aqui também é preciso ficar atento e verificar se não se trata de um caso de morfologia verbal ou é uma variedade sociolinguística. O mesmo raciocínio pode ser aplicado em casos nos quais o aluno não escreve s, por exemplo: vamu (vamos). –– Não escreve o r, pois pronuncia a vogal que o antece­de de forma mais longa, englobando o som do r; por exemplo: poque (porque). –– Escreve r em vez de l, pois faz essa troca quando fala; por exemplo: praneta (planeta). Casos com este podem ser explicados consultando a tabela das consoantes. Entretanto, antes de decidir que tipo de problema existe neste caso, vale a pena considerar outras duas hipóteses: par mínimo ou variedade sociolinguística. –– Escreve u em lugar de l; por exemplo, sou (sol) sauva (salvar). Além disso, aqui pode se tratar de contexto competitivo nesta posição, por isso, é importante não isolar o erro, mas relacionar as ocorrências dentro do texto. –– Escreve li ao invés de lh, por dizer [li] e não [l]; por exemplo: almadilia (armadilha) ou coelio (coelho). Observando a tabela de consoantes já estudada, é importante considerar que esse tipo de erro não é gratuito, há uma relação com a seu modo e/ou ponto de articulação, pois /l/; /r/; //; /j/;/w/ são (+vocálico), + lateral, -lateral, -cons. –– Usa somente a vogal para indicar o som nasalizado, suprimindo a consoante m e n, que não pronuncia; por exemplo: ode (onde); curraiva (com raiva). No primeiro caso, além de não pronunciar, pode ser o caso em que o aluno pronuncia, mas não sabe ao certo, como marcar a nasal, uma vez que em português isso pode ser feito com “m”, “n” ou til. Já no caso do segundo exemplo, é preciso considerar também a hipótese de segmentação. Pela razão anterior, não usa o til; por exemplo, em eitau (então), nesse caso, revela o ditongo, pois pronuncia “u” o que revela que escreve como fala. Já no caso de vocao (vulcão), ocorre a supressão de letra, acoplada à hipercorreção e a não indicação de nasal, neste caso, não se sabe se é falta de percepção ou esquecimento. Daí a necessidade de um exame detalhado de vários textos produzidos pelo mesmo sujeito investigado. 151

Neurociência: evolução e atualidade



Hipercorreção: A hipercorreção é muito comum quando o aluno já conhece a forma ortográfica de determinadas palavras e sabe que a pronúncia destas é diferente. Passa a genera­lizar essa forma de escrever; por exemplo, como muitas palavras que terminam em e são pronunciadas com i, es­creve todas as palavras com o som de i no final com a le­tra e. Outra generalização é referente à letra u, que aparece ora escrita com o ora com l, neste caso, por exemplo, a criança grafa “Blumenal”. Observando os textos de alunos, Cagliari (1999) apresenta como exemplos: dece (disse); jogol (jogou); conseguio (conseguiu); sootou (soltou).



Modificação da estrutura segmental das palavras: Alguns erros ortográficos não refletem uma transcri­ção fonética, nem de fato se relacionam diretamente com a fala. São erros de troca, supressão, acréscimo e in­versão de letras. Nesse caso, mais uma vez, aconselhamos consultar a tabela com a classificação das consoantes, pois isso ajuda a compreender a lógica dos problemas há pouco comentados. Embora tenham aproximação dentro da categoria, vale agrupá-los de acordo com uma explicação específica:



–– troca de letras: voi (foi) à verificar o traço [± son]

save (sabe)ou bida (vida) à analisar /v/ e /b/ quanto ao modo de articulação. anigo (amigo) à pode ser rotação de traço: aqui é importante verificar se essa capacidade já foi desenvolvida. Nesses casos, há que se levar em conta se as trocas se dão entre pares mínimos ou, se é o caso de rotação de traços, é preciso considerar que o sistema alfabético é econômico antes de rotular como um caso de dislexia. –– supressão e acréscimo de letras: macao (macaco); sosato (susto). •

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Juntura intervocabular e segmentação: Quando a criança começa a escrever textos espontâneos, ­verifica-se que costuma juntar todas as palavras. É o que já apresentamos na quarta capacidade de alfabetização. Isso ocorre porque a criança percebe a fala como um contínuo e o transfere para a escrita. Entretanto, ao escrever, é preciso atentar para o espaço em branco entre as palavras. Quando está em processo inicial de aprendizagem, é comum encontrar frases escritas assim: ‘‘eucazeicoéla” (“eu casei com ela’’); “jalicotei” (‘‘já lhe contei’’) ou a escrita de expressões como: “mimatou” (“me matou”). Nesse caso, também comum em adultos, como na escrita de “derepente” (de repente); “agente” (a gente), é preciso considerar a distinção entre a palavra lexical e a palavra gramatical (esta, por ser, muitas vezes, átonas e pequena, não é considerada uma palavra, sendo acoplada à palavra lexical).

Capítulo 4

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Ainda no que diz respeito à compreensão do que é uma palavra, muitas vezes, a criança transcreve sua pronúncia da juntura intervocabular; por exemplo: vaibora (vai embora); aínsima (ai em cima). Para complementar casos dessa natureza, vale considerar que os grupos tonais do falante, ou conjuntos de sons di­tos em determinadas alturas, é um dos critérios que a criança utiliza para dividir a sua escrita. Por fim, devido à acentuação tônica das palavras, po­de ocorrer uma segmentação indevida, ou seja, uma separação na escrita que ortograficamente está incorreta; por exemplo: A gora (agora); A fundou (afundou). Independente de se tratar de juntura ou segmentação, o trabalho do educador é levar a criança a compreender que: não se escreve como se fala; a palavra é uma unidade independente de seu tamanho. •

Forma estranha de traçar as letras: A escrita cursiva apresenta grandes dificuldades, não só para quem escreve como para quem lê. Em estudos de caso realizados com alunos de séries finais do ensino fundamental, temos encontrados muitas formas estranhas de grafar letras cursivas como o s (minúsculo) que se confunde como o r (minúsculo). A grafia do n também pode levar a confusão com m ou mesmo sugerir um problema de rotação de traço. O que se detectou também é que o aluno não conhece todas as letras e, muitas vezes, desconhece os dígrafos. Nesse caso, tem dificuldade em escrever “nh” ou “lh” e chega a confundir o h com n.



Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas: Aprendendo que devem escrever os nomes próprios com letras maiúsculas, alguns alunos passam a escrever os pronomes pessoais também com letras maiúsculas; por exemplo, Eu. Por outro lado, em textos de alunos de séries finais, tem-se detectado o desconhecimento das regras de uso das letras maiúsculas. Um caso comum é o de nomes próprios, os quais aparecem, muitas vezes, escritos com minúscula, como esses exemplos ilustram: jacinto, cristiana. aliada a isso está a compreensão de que as sentenças se iniciam com letra maiúscula depois de ponto.



Acentos gráficos: Aqui há três problemas a serem considerados: a omissão de sinais quando as regras da língua assim o indicam, por exemplo: biblia, fisica, e (é), constituidos, simbolos, maquina; a presença de sinais de acentuação em sílabas átonas, o que sugere desconhecimento dos princípios que orientam a acentuação gráfica; a presença de sinais de acentuação em sílabas tônicas que não levam acento, o que sugere desconhecimento das regras de acentuação gráfica.



Sinais de pontuação: Estes sinais também não são ensinados logo no início e raramente ocorrem nos textos espontâneos. Às vezes, alguns alunos usam sinais como ponto ou travessão para isolar palavras: “Era. uma. Vez.” ou “Era153

Neurociência: evolução e atualidade

uma-vez”, fruto de ensinamentos obtidos em outras atividades, que o aluno estende para os textos. Aqui, ao tentar ensinar o que é a unidade palavra, o professor acabou por utilizar um recurso que não integra as formas de grafar palavras, além de não explicitar as funções dos sinais de pontuação. Em textos de alunos de séries finais, podem-se identificar problemas dessa natureza, como releva este trecho de um dos relatórios produzidos: Em seguida, temos a categoria dos sinais de pontuação. Os maiores desvios cometidos pelo sujeito foram no uso da vírgula, dos dois pontos e na supressão do ponto final, como nos exemplos a seguir: “[...] encontramos nos Vedas: orações, hinos dirigidos aos deuses, instruções de como usar os hinos [...] que fundamentam os ritos e as cerimônias.”; “[...] Outra descoberta importante foi feita em 1729 pelo inglês Stephen Gray (1666-1736) Ele percebeu que as cargas elétricas [...]” ; “[...] As religioes que não tem são orientadas e alimentadas espiritualmente, pela tradicao oral que passa de pai para filho.”. Entendemos que o uso inadequado dos sinais de pontuação pode gerar falta de compreensão do texto por parte do leitor.



Problemas sintáticos: Alguns erros de escrita que aparecem nos textos revelam problemas de natureza sintática, isto é, de concor­ dância, de regência, mas que, na verdade, denotam mo­dos de falar diferentes do dialeto privilegiado pela orto­grafia. Aparecem construções estranhas que refletem es­ tilos que só ocorrem no uso oral da linguagem: ‘‘eles viu oram urubu’(‘‘eles viram outro urubu’’); dois coelio (dois coelhos).



Acertos: é importante que os acertos sejam considerados, pois eles revelam o conhecimento científico construído pelo sujeito, o que é fundamental para avançar em sua aprendizagem. Além disso, é importante comparar se a mesma palavra aparece escrita de diferentes formas. Por exemplo, em um mesmo texto, pode aparecer a grafia “em cima”, “emcima”, “encima”. O que isso sugere? Que trabalho pode ser feito pelo professor em termos reflexivos sobre a organização do sistema de escrita. Nos estudos que realizamos com alunos desde 2004, temos percebido que o número de erros fica, no máximo, entre 25% do total de palavras produzidas pelo sujeito. Isso nos leva a perceber que o aluno mais acerta do que erra. Por que, então, a escola ainda dá tanta ênfase ao erro?

Por fim, vale resgatar o que foi apresentado sobre codificação, a fim de verificar que problemas de escrita ou erros são decorrentes da não internalização das regras dependentes do contexto grafêmico. São exemplos disso: camdiã, tamto; limgua, tenpo; segidore, queigo, consege; arenpendida; deicha.

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Capítulo 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Já no que tange às alternativas competitivas, as quais sabemos que são de difícil aprendizagem, é importante verificar se estão presentes nos textos, entre elas podem estar grafias como: serto; relójio; bebesinho; faser. Esses problemas podem ser solucionados pela informação semântica ou pela morfológica e, por fim, é preciso identificar que palavras precisam ser armazenadas no léxico mental ortográfico.

Atividade de Estudos:

1) A fim de verificar a sua compreensão acerca dos problemas de

escrita, apresentamos 3 textos produzidos por alunos dos anos finais do ensino fundamental. Leia-os com muita atenção.

Texto 1: Era um lindo dia de sol, eu queria fazer algo para a natureza; então eu pencei em plantar uma árvore. Pegei duas mudas e plantei, regei, coidei bem delas... Pasouce um dias, meses, e finalmente minhas árvores cresceu. Então coloquei minha rede entre elas e descansei. cuide bem da natureza, pois é dela que precisamos! (D. F. – 14 anos Sexo: F) Texto 2: Num belo dia goao plantou uma arvore e depois plantou mas uma. Cuidava das arvores todo dia regava e adubava. Algums dias depos as 2 arvors estavam grandes e bonitas. Ele amarou 2 cordas e Pendurou sua rede ali Para descansar. (L. F. D. – 14 anos Sexo: M) Texto 3: [...] nino como era experto pensou em plantar 2 arvores, Seus amigos não entendião porque ele ia todo dia no bosque, um dia seus amigos Maria e Juca o ceguiram e viram ele regando as arvores, com o tempo as arvores creceram, Nino colocou uma rede para descansar. Quando se centia cansado ia la para olhar para o céu. (L. F. V. M. - 15 anos Sexo: M) Agora, faça estas atividades:

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Neurociência: evolução e atualidade

a) Um levantamento dos acertos de cada texto e depois construa uma relação de conhecimentos já construídos sobre a organização do sistema de escrita do português. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ b) Destaque os problemas de codificação, faça um diagnóstico e agrupe os problemas por categoria. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ c) Faça um balanço entre acertos e erros. Depois, produza um texto para entregar a esses alunos com orientações sobre as questões de codificação. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________

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Capítulo 4

As Contribuições Teóricas das Neurociências e da Psicolinguística para a Compreensão do Processo de Ensino-Aprendizagem da Língua Escrita

Algumas Considerações Se você retomar aos objetivos apresentados no início deste capítulo, irá perceber que conseguimos alcançá-los, pois realizamos a descrição do processamento da língua falada e escrita. Isso permitiu compreender como as palavras faladas e escritas são processadas e que elas se aproximam quanto ao processo de recepção (ouvir e ler) e ao de produção (falar e escrever). Também estudamos as bases linguísticas e psicolinguísticas da organização do sistema alfabético do português do Brasil, o qual está organizado de forma distinta para a leitura (sendo esta mais transparente) e para a escrita. Nesse caso, é preciso ter claro em que situações a aprendizagem sistemática deve ocorrer, a fim de que as regras da língua escrita sejam depreendidas. Outro tópico apresentado foi o das contribuições dos estudos psicolinguísticos para detectar problemas de processamento, para tal, apresentamos instrumentos de coleta de dados e categorias de análise. Assim, os erros não serão colocados todos dentro de um mesmo balaio, mas organizados conforme sua especificidade. Isso facilita o desenvolvimento de atividades para solucionar problemas de codificação. Por fim, você foi convidado a aplicar os conhecimentos adquiridos para a compreensão de um caso de dificuldade de aprendizagem de escrita. Temos consciência da quantidade de informações apresentadas, mas o desafio é esse mesmo: conhecer a teoria para compreender o que ocorre na prática. Agora, é com você!

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Neurociência: evolução e atualidade

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