UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS - UEG CÂMPUS QUIRINÓPOLIS LICENCIATURA EM HISTÓRIA
SHEILA LUIZ DE SOUSA
O POVO CIGANO: SUA HISTÓRIA E SEU ESQUECIMENTO
QUIRINÓPOLIS 2018
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SHEILA LUIZ DE SOUSA
O POVO CIGANO: SUA HISTÓRIA E SEU ESQUECIMENTO
Trabalho de Conclusão (TC) apresentada à Universidade Estadual de Goiás (UEG), Câmpus Quirinópolis, como requisito para a obtenção do título de ‘Licenciatura em História’. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Jurucê Mattos Gonçalves
QUIRINÓPOLIS 2018
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SHEILA LUIZ DE SOUSA
O POVO CIGANO: SUA HISTÓRIA E SEU ESQUECIMENTO
NOTA: _________
Trabalho de Curso apresentado à UEG - Universidade Estadual de Goiás, Campus, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em História, defendido e aprovado em _____/_____/____, em Banca Examinadora constituída pelos professores:
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________ Profº. Dr. Rodrigo Jurucê Mattos Gonçalves (Universidade Estadual de Goiás) Orientador(a)
_________________________________________________________ Profº. Dr. Victor Passuello (Universidade Estadual de Goiás) 1º Examinador(a)
_________________________________________________________ Profº. Me. Marcos Vinícius Ribeiro (Universidade Estadual de Goiás) 2 º Examinador(a)
Quirinópolis - GO 2018
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DEDICATÓRIA
Dedico em especial a minha mãe Suzelena Luiza da Silveira, que se posicionou sempre em apoio aos meus estudos. A meus filhos Otávio Henrique de Sousa Silva e João Eduardo de Sousa Silva que foram sempre compreensivos nos momentos de maior dificuldade me apoiando e colaborando das formas que eles conseguiam. E a minha esposa Ester Martins Arantes Rosa, presente em cada momento de frustração e confusão durante esta pesquisa dedico a ela pelo apoio dado a mim durante os últimos dois anos deste curso. Estas pessoas com muito carinho, não mediram esforços para que se tornasse possível a conclusão desta etapa de nossas vidas. Dedico este trabalho também aos que fizeram parte desta árdua caminhada mesmo sem consciência de sua colaboração influenciando de alguma forma, para que me esforçasse cada vez mais no intuito de me tornar uma amante da pesquisa.
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AGRADECIMENTOS À Universidade Estadual de Goiás câmpus Quirinópolis, pela oportunidade de fazer о curso; ao corpo docente, direção е administração que oportunizaram а janela que hoje vislumbro um horizonte superior. Ao Prof. Dr. Rodrigo Jurucê Mattos Gonçalves, pela orientação, apoio е confiança depositados. Agradeço também ao Prof. Dr. Daniel Precioso por ter me proporcionado a participação em sua pesquisa como bolsista de Iniciação Científica.
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RESUMO
Buscamos problematizar o esquecimento da memória o fato de que pessoas pertencentes ao povo cigano terem sido aprisionadas nos campos de concentração nazistas, sendo exploradas e exterminadas. Buscou-se estudar a história do povo cigano que foi excluído de diversos acontecimentos da história. Sua história está marcada pela diáspora e perseguição, sendo um povo marginalizado e subalternizado na sociedade. Análises sobre a origem e a diáspora e preconceito contra o povo cigano não seriam suficientes, deste modo buscamos compreender as formações sociais para que se tornasse possível produzir uma análise confiável a respeito dos padrões de rejeição social. Constatamos que o povo cigano foi explorado, escravizado e perseguido durante séculos, e excluídos da História ou retratados de forma negativa. Nos livros didáticos e na matriz curricular não são citados. Há registros da perseguição e do período de prisão nos campos nazistas, mas isso não aparece no estudo da Segunda Guerra Mundial. Deste modo, a parcela destes que vivem em nossos países se mantêm as margens da sociedade, sem que sua história e modo de vida sejam conhecidos, abrindo margem para especulações e preconceito. Os próprios ciganos muitas vezes não conhecem sua origem ou não a revelam, temendo novas perseguições como as vivenciadas por seus antepassados.
Palavras-chaves: Ciganos, história, perseguição, esquecimento.
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ABSTRACT
We have tried to problematize the forgetting of memory by the fact that people belonging to the gypsy people were imprisoned in the Nazi concentration camps, being exploited and exterminated. We sought to study the history of the Roma people who were excluded from various events in history. Its history is marked by diaspora and persecution, being a marginalized and subalternized people in the society. Analyzes of origin and diaspora and prejudice against the gypsy people would not be enough, in this way we sought to understand the social formations so that it would be possible to produce a reliable analysis regarding the standards of social rejection. We find that the Gypsy people were exploited, enslaved and persecuted for centuries, and excluded from history or portrayed in a negative way. In the textbooks and in the curricular matrix they are not mentioned. There are records of persecution and prison terms in Nazi camps, but this does not appear in the World War II study. In this way, the share of those living in our countries remains the margins of society, without their history and way of life being known, giving rise to speculation and prejudice. Gypsies themselves often do not know their origin or reveal it, fearing new persecutions like those experienced by their ancestors. key-words: Gypsies, history, persecution, oblivion.
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LISTA DE IMAGENS
Im.
Legenda
Fonte
Pág.
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Mapa do Antigo campo de concentração KL Auschwitz II – Birkenau (Brzezinka). O Zigeunerlage (“acampamento cigano”) ocupava as duas fileiras de barracas identificadas com BIIe; atrás das quais ficava o hospital para prisioneiros, o crematório e as câmaras de gás. Entre fevereiro de 1943 e agosto de 1944, 21 mil ciganos foram mortos em Auschwitz.
FONSECA, Isabel. Enterrem-me em pé: os ciganos e sua jornada. São Paulo: Cia. das Letras, 1996, p. 287.
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O Dr. Robert Ritter (à direita da foto, de paletó e gravata) interroga uma cigana romani (à esquerda), acompanhando de um militar nazista (centro). 1936.
Wikimedia Commons. Disponível em: , acesso em 19 de outubro de 2018.
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Eva Justin (à esquerda) checa as “características faciais” de uma senhora cigana romani em seus estudos raciais. 1938.
Wikimedia Commons. Disponível em: , acesso em 19 de outubro de 2018.
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Sumário
INTRODUÇÃO
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1. ANÁLISE DAS HIPÓTESES SOBRE A ORIGEM DO POVO CIGANO
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1.1 A língua como parâmetro identificador
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1.2 A religião como comparativo
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1.3 Diáspora e preconceitos
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2. DA SECULAR SEGREGAÇÃO CIGANA AO “PORRAJMOS”: O HOLOCAUSTO CIGANO DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
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2.1 As ascensão do Nazifascismo de Mussolini e Hitler
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2.2 Porrajmos (“devoração”): o holocausto cigano
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CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Durante a graduação no curso de História, um questionamento tornou-se persistente, dentre os estudos que realizei. Nota-se a carência dos estudos direcionados a diversidade cultural, foi possível avaliar que a história de várias etnias e culturas são e estudadas e valorizadas, neste sentido podemos citar a quantidade de estudos recentes sobre a África e os africanos. Apesar de que estes também não possuíam o costume de registrar os acontecimentos de seu “povo”, mesmo com este agravante não são medidos esforços para conhecer sua história. Percebe-se que os livros didáticos apresentam na atualidade capítulos sobre a sua história. Neste estudo foi possível contemplar o pequeno interesse de historiadores e sociólogos para com a cultura e a história do “povo” cigano que esteve presente em diversos acontecimentos da história, no entanto passa por estes como inexistentes. Nosso objetivo é dar uma pequena contribuição ao estabelecimento da memória histórica cigana; colaborando para resgatar esse povo do esquecimento. É de bom tom esclarecer que quando falamos de ciganos neste estudo estamos trabalhando baseado em pesquisas sobre a cultura rom. Talvez por se tratar de uma parcela da sociedade que não possui um país de origem confirmado e que o hábito de nomadismo dificulte o estudo ou não desperte interesse por se tratar de um “povo” marginalizado no decorrer do tempo e de sua trajetória errante. Deste modo o fato propulsor desta pesquisa esta contido na insignificância de pessoas ciganas sofrerem perseguição durante sua história e terem como marca do ápice de sua eliminação os campos de concentração durante a II guerra mundial. É muito pouco serem citadas ou nem lembradas no decorrer do estudo da segunda guerra, deste modo se tornou necessário saciar a curiosidade e aprofundar o conhecimento sobre a possível origem deste povo e as causas que levaram a morte destes durante o Porrajmos (holocausto cigano). Apesar de parecer um fato relevante foi averiguado que nas instituições de ensino do Brasil, não estão incluídas na matriz curricular disciplinas que estudem ou se quer site à existência ou a contribuição deste “povo” no decorrer da história. Deste modo a parcela destes que vivem em nosso país mantém-se às margens da sociedade convencional. Sem que sua história e seu modo de vida sejam sequer conhecidos, assim abrem margem para mais especulações e construção de preconceito para com eles.
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Os próprios pertencentes desta etnia não conhecem de fato à origem ou participação de seus antepassados na história da humanidade, desta maneira iniciaremos o estudo com a intenção de resumir a possível origem dos ROM ou popularmente conhecidos por sua designação mais recorrente os ciganos. Esta monografia é composta de dois capítulos. No primeiro capítulo, discutiremos a respeito da possível origem do povo cigano. Buscamos dois aspectos diferentes sobre este quesito, o primeiro que se baseia em análise linguística como identificador da possível origem e o segundo pautado no comparativo religioso, ambos que ainda hoje deixa brechas em sua resolução, abordaremos também registros acerca da diáspora e perseguição vivenciada por eles. No segundo capítulo, tratamos da parte mais impactante para os pesquisadores: o “porrajmos” (holocausto cigano), quando explanaremos sobre a construção do fascismo de Mussolini e da ascensão de Hitler. Abordaremos uma pequena parte do sofrimento histórico dos ciganos antes e durante o regime nazifascista.
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1. ANÁLISE DAS HIPÓTESES SOBRE A ORIGEM DO POVO CIGANO
Iniciaremos aqui nossa análise sobre as possíveis origens do povo cigano, para iniciarmos trataremos da hipótese de que este povo seja originário da Índia, em seguida buscaremos compreender outra hipótese para análise o mito de que estes povos sejam descendentes das tribos perdidas de Israel. São muitas as hipóteses sobre a descendência deste povo, mas neste estudo trabalharemos somente com duas as que nos pareceu de interesse a reflexão, por se tratarem de possibilidades pautadas em estudos linguísticos e de um mito religioso.
1.1 A língua como parâmetro identificador
A primeira possibilidade a ser analisada é a de que o povo cigano tenha se originado na Índia, com a possibilidade serem descendentes de uma tribo nômade que não quis ou não pode se manter em sua terra natal. O interesse por esta teoria surgiu em primeiro momento na Holanda na Universidade de Leiden quando Istvan Vali notou semelhanças entre o dialeto cigano falado em seu país é a língua que estudantes originários de Malabar utilizavam para se comunicar, surgindo assim à necessidade de pesquisar tais semelhanças linguísticas. Vali produziu um levantamento de mil palavras a partir de entrevistas e posteriormente entre os ciganos descobriu que estes compreendiam seus significados, no entanto esta lista se perdeu no decorrer do tempo. Durante sua trajetória migratória o povo cigano passou por diversos países, mantendo o contato direto ou indireto com povos diversos, o primeiro registro impresso destes teria sido publicado no ano 950 na obra do cronista persa Hamza Al-Isfahani. Dentre os países que passaram ou viveram durante sua diáspora se encontram registros da passagem deste povo por países da Europa, um deles se trata da Alemanha país no qual sofreu o maior registro de perseguição da história, não só durante o regime fascista, mas em tempos que antecederam a este.
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No início do Século 15 estes “ciganos” migraram também para a Europa Ocidental, onde quase sempre afirmavam que sua terra de origem era o “Pequeno Egito”. Hoje sabemos que esta era então a denominação de uma região da Grécia, mas que pelos europeus da época foi confundida com o Egito, na África. (MOONEN, 2011, p. 09).
A necessidade
de expor este trecho é de colocar em evidência que nem mesmo o povo
cigano neste período sabia ao certo sua origem, ou apenas buscavam manter esta em segredo, mantendo assim a cortina de mistério utilizada ainda na atualidade cobre a cultura deste povo é que lhes protege de certa maneira. O mistério através dos séculos lhes havia protegido, mas também lhes havia trazido grandes problemas, como a rejeição dos acampamentos nas proximidades de cidades europeias que passavam. O tempo que podiam ficar acampados na proximidade da cidade era demasiado pequeno, pois logo as autoridades lhes davam dinheiro e animais sob a condição de que lá eles não voltassem, a população os temia preconceituosamente pela sua aparência, de pele escura remetendo a parte “impura” do mundo, os dotes místicos utilizados com a finalidade de ganhar dinheiro às músicas e danças sensuais também contribuíam para o preconceito, mas o fato aparentemente mais assustador seria a inconsistência quando descreviam suas origens, era raridade duas caravanas seguintes darem a mesma explicação para sua origem.
Além disso, podemos afirmar que a história dos lugares pelos quais passaram é conectada ao último lugar pelo qual estas famílias ciganas se assentaram, de modo que o discurso enredado pelos parentes tem um limite percorrido ligado ao parentesco mais próximo e com o qual ainda acionam um vínculo. (MEDEIROS e BATISTA, 2015, p. 207).
Pode-se notar que a consciência de origem do povo cigano não difere do modo como a conhecemos, é sabido que os imigrantes instalados no Brasil em sua maioria perderam o vínculo com o país de origem mais ou menos após a terceira geração os descendentes já não conseguem afirmar com certeza o país do qual é originário. No entanto, no século XVIII o interesse de diagnosticar a origem dos misteriosos ciganos tornou-se latente é possível, como já citamos anteriormente a semelhança foi notada na Universidade de Leiden por Istvan Vali no ano de 1753. Surgiu então às primeiras provas linguísticas que ligariam os ciganos a Índia.
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Um dos empecilhos para o diagnóstico mais próximo de uma exatidão da origem deste povo se trata de uma das suas leis internas, esta denomina, o que foi perdido deve ser esquecido, não se lamenta o que ficou para trás. Todavia as primeiras pesquisas publicadas sobre o tema só começaram a surgir na Alemanha, tendo como propulsor o escritor Christian Büttner em 1771, seguido por Johann Rüdiger em 1782, e posteriormente Heinrich Grellmann em 1783, notemos que as duas primeiras pesquisas possuem intervalos consideráveis dentre elas, o motivo para o distanciamento entre estes estudos não foi identificado, mas é possível levantar uma hipótese sobre este fato, pode-se questionar se neste período o interesse por este povo tenha cessado momentaneamente, ou o trabalho de Büttner tenha sido tão completo que não achassem necessidade de se questionar ou aprimorar. Somente onze anos após sua publicação surge então Rüdiger com a produção de um novo trabalho sobre o estudo linguístico dos ciganos, no ano seguinte Grellmann apresenta o seu estudo definitivamente estabelece como originários da Índia o povo cigano, pautado na análise linguística, em que estuda quase quatrocentas palavras ciganas e as compara com o hindi constatando que de cada trinta palavras, doze a treze eram de origem hindi, sustentado assim a tese da origem indiana do povo cigano. Se o povo cigano é originário da Índia, seriam latentes as semelhanças encontradas na cultura, porém, se não há ligações entre as culturas, existe a semelhança física entre estes povos. O ponto que mais diferem são os costumes religiosos, pois para os indianos a vaca e um animal sagrado e por tanto não deve ser sacrificado ou consumida a sua carne, na cultura cigana durante a presente pesquisa não foram encontrados estudos que registrem indivíduos com esta devoção ou costume alimentar, os indianos são de fato vegetarianos, no entanto o povo cigano cultiva outro hábito alimentar, fatos como este nos leva a questionar esta origem definida. A língua como parâmetro deixa em aberto algumas lacunas sobre a origem do povo cigano, as diferenças entre os ciganos e os indianos estão mais evidentes no comportamento social, um bom exemplo se trata das vestimentas femininas. Sabemos que as indianas utilizam o sári, uma peça essencial após a menina atingir a idade fértil. A objeção em usar o sári se considera uma desonra para a família entre a sociedade.
Já entre o povo cigano não foi
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constatado durante este estudo regras segundo a vestimenta feminina semelhante aos padrões indianos, é de costume entre eles que em suas comemorações as mulheres se enfeitem com vestidos coloridos maquiagem fortes e bastante joias, os cabelos geralmente longos ficam a mostra. É bom esclarecermos também que o romani não se trata de uma língua homogênea sendo que nem mesmo entre os ciganos de países diferentes seja possível uma comunicação. O romani ao decorrer do tempo vem sendo aprimorado e redefinido é possível afirmar que venham sendo agregadas a ele novas palavras referentes a cada país. É interessante esclarecer que entre os ciganos o romani não é uma língua mãe, esta forma de comunicação é comum para os Rom, no entanto como já mencionado, um rom brasileiro encontraria dificuldades em se comunicar com um cigano da Romênia. Entre as pesquisas estudadas muitos trabalhos sobre os Roms foram encontrados, no entanto a falta de interesse para com os ciganos, Calon que são conhecidos entre os ciganólogos como “ciganos ibéricos” e que comunicam se entre eles utilizando a língua caló, os Sinti mais comuns na Alemanha e se comunicam utilizando o Sintó. Deste modo ficam evidentes que as análises linguísticas deixam brechas, os estudos foram direcionados aos Rom deixando em aberto os demais citados.
1.2 A religião como comparativo
Esta comparação traz hipóteses diferentes para a origem do povo cigano, o povo romani teria iniciado o seu processo de diáspora, antes mesmo destes serem denominados como ciganos. Seus possíveis ancestrais teriam sido realmente exilados no Egito, e partiram em busca da terra prometida, seguiram pelo deserto, entre as tribos de Israel, consistindo assim as treze tribos escolhidas entre o povo gentílico, por seus ancestrais serem tementes ao senhor. No entanto, após a divisão da terra prometida foram desobedientes as tribos do norte quanto ao mandamento que não permitia a adoração de imagens, estes produziram para o culto uma imagem para simbolizar o deus único, assim como haveria acontecido durante a peregrinação pelo deserto, mas o castigo desta vez não teria sido o extermínio dos envolvidos
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como anteriormente é relatado na Bíblia. Para responder sob suas transgressões para com o senhor pagaram com um novo exílio causado pela invasão dos sírios.
No ano 722 a.e.c., os assírios invadiram o país e levaram cativa a quase toda a população, deixando só os camponeses, e levaram os israelitas ao exílio em outra terra que haviam conquistado: o reino de Hanigalbat-Mitanni, onde se falava um idioma muito similar ao romanês e cujas divindades principais eram Indra e Varuna. Esse país não era a Índia, mas ficava na alta Mesopotâmia. Os nativos dali são conhecidos na história como hurritas. (AVRAHAM, s/d., s/p.)
Desta maneira podemos supor sobre as possíveis origens do povo cigano e seus milênios de migração. A análise linguística como justificativa para a identificação do povo cigano como originários da Índia encontra uma justificativa parcialmente explicável neste trecho que identificam o local para o qual essa gente foi cativa. Identifica que a língua falada no novo exílio pode ter dado origem à língua cigana, mas também às línguas indianas.
É certo que o idioma romaní se formou inicialmente em um contexto indoeuropeu, porém as mesmas palavras "indianas" são comuns a outros idiomas que existiram fora do subcontinente, quer dizer, na Mesopotâmia. As línguas hurríticas constituem a base mais factível da qual todas as línguas indianas surgiram (basta analisar os documentos do reino de Mitanni para compreender que o sânscrito nasceu nessa região). As línguas de raiz sânscrita já se falavam em uma vasta área do Oriente Médio, incluindo Canaã: os horeus da Bíblia (hurritas da história) habitavam no Negev, os jebuseus e heveus, duas tribos hurritas, na Judéia e Galiléia. (AVRAHAM, s/d., s/p.)
Ao findar o período de cativeiro na mesopotâmia é possível que o povo cigano tenha migrado para índia e lá tenha permanecido. Mesmo que não fosse o seu país de origem se estabeleceram por gerações e mantiveram como em toda sua diáspora contato com o meio em que esteve localizado. É preciso levar em consideração que o povo cigano durante a migração já se tratava de um povo monoteísta e sua consciência religiosa esteve resguardada em sua memória cultural através das gerações mantiveram a fé em um Deus único. E a consciência de serem exilados em outro país como punição dos erros de seus antepassados. Após o período em que estiveram cativos que pode ter durado gerações a língua falada pode ter
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adquirido características do local da diáspora. O único povo que pode ser comparado aos ciganos em aspecto religioso são os judeus, pois estes também vigiam aos mandamentos do antigo testamento chamado por eles de Torá. Assim chegamos a outro ponto factual passível demonstrativo da falta de semelhança religiosa entre indianos gadjé (morador; pessoa de hábitos sedentários; não cigano) e os ciganos, é notável que estes quando partiram da Índia rumo a Europa-oriental mantinham seus preceitos religiosos mesmo habitando em lugares que a bíblia não era usada ou permitida. Vivendo entre povos politeístas estes se mantiveram imutáveis quanto a sua religião monoteísta. Há registros segundo os quais estes declaravam obedecer aos mandamentos do velho testamento, de modo que quando chegavam à Europa Ocidental acreditavam ter encontrado um ambiente estável para seu exílio, a tolerância religiosa poderia evitar possíveis perseguições.
O mesmo sucedeu a seus irmãos judeus. É significativo o fato de que a maior parte de ambos os povos, Judeus e Rom, encontraram um refúgio seguro na Europa escita-sarmática por muitos séculos: efetivamente, o centro de ambas as culturas foi a Europa oriental, particularmente Hungria e Rússia. (AVRAHAM. s/d., s/p.)
Antes de continuarmos é necessário esclarecer o nome dos clãs ciganos, que são citadas nos documentos analisados durante a pesquisa. Três nomenclaturas diferentes que denominam grupos diferentes entre o povo cigano: os Rom, os Sinti e os Calon. Um dos grandes problemas dos estudos direcionados aos ciganos é a falta de interesse para com a história e cultura dos Sinti e Calon, os estudiosos priorizam pesquisar os ciganos que se julgam originais, ou seja, os que buscam seguir a risca os antigos costumes. Deste modo tudo que difere a cultura dos Rom não aparece nos estudos como cultura ou História do povo cigano. Voltemos ao período de exílio dos ciganos na Europa oriental, tempo este que possibilitou a preservação das tradições e costumes deste povo. A possibilidade de expressar seus costumes e assim ensinar às novas gerações as tradições dos ancestrais sem sofrer perseguições permitiu que aspectos como sua língua a expressão religiosa é o nomadismo se mantivesse preservado. Em comparação à migração para outras partes da Europa lhes trouxe
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incontáveis prejuízos culturais, a proibição de manifestar sua cultura os prejudica de maneiras extremas, pois sua prole aprende a história e os costumes ouvindo-os e vivenciando-os, o povo cigano se tratava de uma sociedade ágrafa e não registra seus costumes em material escrito. Os jovens conhecem a história pela oralidade as músicas por muitas vezes cantadas em romani são lamentos pela perseguição ou a histórias dos antepassados e suas experiências de vida. A religião como parâmetro não difere do estudo do campo linguístico, este também abre lacunas e as perpetua, pois além da hipótese citada neste. Existem várias outras com fundamento religioso é possível que se trate de mitos que venham se solidificando no decorrer dos anos entre o povo cigano e a sociedade sedentária, ou seja, não pertencentes ao povo cigano. Sem que se possa identificar qual grupo social tenha produzira estes mitos. Todavia, nota se que mesmo a semelhança linguística e outras formas de afirmar a origem do povo cigano demonstram o interesse de estudiosos em definir a origem de um povo sem nação, que vem através dos séculos se multiplicando e espalhando em todo o globo. É comum que estudiosos que iniciem suas pesquisas a respeito dos judeus ou ciganos esbarrem em semelhanças culturais entre estes, mas os ciganos se diferenciam dos judeus em muitos de seus costumes um destes e o sentimento de nação.
Os judeus reagiram à perseguição e diáspora com uma monumental indústria da memória. Os ciganos – com sua peculiar mistura de fatalismo e espírito ou humor – tornaram o esquecimento uma arte. Em termos históricos, os ciganos jamais tiveram uma ideia ou uma palavra para si próprios enquanto grupo. Em lugar de uma nação, reconhecem diferentes tribos e, mais localmente as extensas famílias ou clãs. (Fonseca, 1996, p. 308)
Mesmo que estes sejam todos ciganos, em todos os países no qual estão instalados demonstram variações nos seus costumes e língua, o romani que é utilizado como padrão comparativo se modifica em cada nação, elementos da língua falada pelos nativos sedentários são mesclados com o “romani original”. É possível afirmar que se baseando somente na análise linguística não seja possível afirmar com certeza esta origem, um passo importante para esta conclusão se dá na
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eliminação do preconceito o qual tem gerado inúmeros prejuízos para este povo de cultura abundante. Compreender e respeitar seus costumes e conhecimentos facilitaria a pesquisa e o convívio para com os nômades ou seminômades pertencentes a este povo. O estudo de sua história tem sido prejudicado diretamente pelo receio de confiar em pessoas não pertencentes a sua cultura. Sendo que estes por diversos momentos de sua historia permitira se confiar em “gadjés”( sedentários), no entanto a experiência não haverá de sucesso.
1.3 Diáspora e preconceitos
Busquemos a compreensão dos preconceitos aplicados aos povos ciganos, atentemos para o fato de o desconhecido sempre assusta as pessoas, não é de se estranhar que estes causassem aversão nos locais por onde passavam, é que como mecanismo de defesa as comunidades criassem lendas contra os viajantes estranhos. E neste sentido que Norbert Elias e John. L. Scotson em seu importante trabalho intitulado: “Os estabelecidos e os outsiders” abordam as relações sociais entre os indivíduos demonstrando a força dos estabelecidos e o poder que uma comunidade já “antiga” possui de segregar novos moradores sejam eles de qual for a etnia, religião, ou grupo social. Assim o povo cigano viveu e vive. Apesar do trabalho de Elias e Scotson ter sido escrito em um recorte temporal diferente do abordado neste capítulo, o conceito de outsider permite-nos abordar os preconceitos instituídos sobre o povo cigano. Estes aparentavam ser um povo estranho por falarem uma língua própria. Ademais, fisicamente as pessoas destes grupos migratórios não se assemelhavam com os residentes dos países em que chegavam. Antes mesmo de se estabelecerem na Europa Oriental passaram por outros lugares e aprenderam outras culturas diferentes, algumas até foram integradas a seus costumes como a “magia” praticada por integrantes dos clãs que estes povos trazem com eles.
É também importante notar é que os nobres israelitas eram muito apreciados nas cortes dos reis pagãos, e como tinham um dom profético particular, muitos israelitas entraram na classe dos magos da Pérsia, assim como outros se dedicaram à adivinhação, à alquimia e coisas similares. Sem esquecer que a arte da magia mais comum entre os ciganos é o "tarô", uma invenção judaica. (AVRAHAM, s/d., s/p.).
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Esta prática que na atualidade parece inocente, para a inquisição no século XV tratavase de magia negra e o povo que aparentemente divertia a população passou a ser perseguido. No entanto apesar de serem vistos e julgados por muitos como bruxos, estes praticavam esta arte somente com o intuito financeiro assim como as atrações circenses conhecidas, a fim de arrecadar dinheiro para suas provisões se apresentavam nas praças das cidades, mas lá não fincavam acampamentos somente nas proximidades.
Podemos assim nos perguntar se a relação dos ciganos com o ambiente urbano é algo novo. Pois em certa medida, ao olharmos em termos históricos, podemos dizer que os ciganos sempre tiveram uma relação mais direta com o ambiente citadino, no sentido, que é neste que pode-se encontrar as chances de ganhos materiais/econômicos. (BATISTA e MEDEIROS, 2015, p. 228).
De fato a ligação do povo cigano com a cidade aparenta ser meramente comercial, não é comum que se encontre um acampamento de ciganos dentro de uma cidade. No início os grupos ciganos se instalavam nas cidades, mas devido seu comportamento divergente dos padrões sociais aceitáveis, assim surgiu a proibição de lhes hospedar. Em uma grande maioria de vezes, estes não poderiam nem mesmo acampar próximos às cidades, deste modo eles eram mantidos afastados. Só se misturavam a população durante suas negociações e retornam ao acampamento onde se sentiam melhor e não incomodavam. Lendas das mais absurdas foram criadas sobre o povo cigano, acusava-os de assassinato de virgens e crianças com a finalidade de coletar o sangue para rituais macabros. As acusações se tratavam das mais medonhas atrocidades, é possível afirmar que as pessoas temiam eles como temem a feras silvestres. As hipóteses de que havia probabilidades de que seriam como ratos e transmitissem doenças também foi usada para diminuir, humilhar e perseguir. Estes que permanecia em seus costumes vagando de cidade em cidade desmontando e montando os acampamentos.
Teriam ficado sujeitas a todas as pressões que essa comunidade era capaz de exercer e de fato exercia sobre os desviantes. Teriam sido desdenhadas, ridicularizadas, difamadas e humilhadas por um fluxo constante de comentários, sussurrados ou ditos em voz alta, onde quer que aparecessem. Teriam ficado expostas à plena força dos mexericos depreciativos, que são
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uma das grandes armas e um dos prazeres das comunidades estreitamente unidas; e, se necessário, teriam sido levadas aos tribunais. Em suma, sua vida ter-se-ia tornado completamente insuportável, até que elas se resignassem a uma existência de outsiders desconsiderados ou se mudassem para outro lugar. (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 119).
Dentre os mitos sobre a crueldade dos ciganos existe um que é bastante intrigante é remete ao roubo de crianças, “sequestros”. Este mito teve origem na Europa, a lenda era justificada pela quantidade de pessoas diferente entre os grupos migratórios, mais existe contido nesta lenda um fato social, as mulheres de séculos atrás não deviam manter relações sexuais antes do casamento. Mas eventualmente uma ou outra cometiam esta falha, tão logo á prova do erro eram as crianças geradas das “escapadas” de “donzelas”. Deste modo os patriarcas precisavam sumir com a prole de suas filhas. A roda dos expostos era uma opção, mas estas podiam ficar muito distantes dificultando assim a discrição necessária para o ato. Desta maneira outra opção que não fosse o infanticídio seriam os ciganos que caso estivesse de passagem levariam consigo o bastardo, era comum pagar para estes levarem a criança com eles, normalmente eram estas crianças criadas como ciganas. Mais estes fatos eram destorcido de modo a se criar a lenda pejorativa citada anteriormente, esta é uma das muitas lendas disseminadas com o intuito produzir cada vez mais rejeição entre a sociedade.
A opinião interna de qualquer grupo com alto grau de coesão tem uma profunda influência em seus membros, como força reguladora de seus sentimentos e sua conduta. Quando se trata de um grupo estabelecido, que reserva monopolisticamente para seus membros o acesso recompensador aos instrumentos de poder e ao carisma coletivo, esse efeito é particularmente pronunciado. Isso se deve, em parte, ao fato do diferencial de poder de um membro do grupo diminuir quando seu comportamento e seus sentimentos contrariam a opinião grupai, fazendo-a voltar-se contra ele. (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 39).
Desse modo e possível avaliarmos que o contesto social da época uso fluía do nomadismo do povo cigano, e também de sua boa vontade, valendo se desta como mais uma das armas para reduzir seu prestigio junto à comunidade. Por serem nômades não se atinham a empregos “normais”, buscavam as artes e outros meios como o ato de esmolar. Existiam também muitas acusações de furto, de fato estes cometiam delitos, entretanto, não se tratavam de ações isoladas cometidas somente pela comunidade cigana, delitos cometidos por moradores também eram atribuídos aos ciganos pautados na má fama dos mesmos.
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Quase nada sabemos dos ciganos honestos, mas que também devem ter perambulado pela Europa naquela época. As únicas fontes históricas sobre ciganos quase sempre são processos judiciais que, por definição, tratam exclusivamente de pessoas criminosas ou supostamente criminosas e praticamente nada informam sobre as atividades profissionais das pessoas honestas. Por sinal, já então - pelo menos na Holanda e provavelmente também em outros países - os mascates e outros que exerciam profissões ambulantes, como artistas, amoladores de facas e tesouras, sapateiros e outros, precisavam de uma licença municipal, renovável periodicamente. E esta licença, da mesma forma como a licença para mendigar, costumava ser dada apenas aos cidadãos nativos e negada aos estrangeiros. (MOONEN, 2011, p. 38).
Certa vez questionada sobre a falta de interesse por trabalho, justificaram que fazia parte de sua pena. É possível notar que os ciganos por serem estrangeiros se tratavam de excluídos da população é não lhes sobravam muitas opções honestas para sobreviver. É, portanto nem esmolar lhes era permitido deste modo seguiam Europa afora praticando pequenos delitos para suprir suas necessidades. Não é de nosso interesse neste estudo estabelecer que os ciganos fossem inocentes destas acusações citadas, entretanto em boa parte delas os ciganos eram injustiçados. Mesmo que estes fossem impossibilitados de exercer profissões “dignas” continuavam seu percurso em busca da sobrevivência, sofrendo punições severas contra simples delitos, os ciganos eram conhecidos por muitos como “ladrões de galinhas,” adjetivo este indicativo dos hábitos criminosos destes que buscavam o seu sustento. Em países como a Holanda, caso o cigano fosse apanhado em flagrante ou confessasse seu delito a pena para os homens se tratava de mutilações como perda de parte da orelha, marca a ferro, açoitamento; inicialmente as punições eram comuns também a criminosos não ciganos (sedentários), posteriormente novos editais especificavam melhor as quais punições eram reservadas aos ciganos. O aumento da criminalidade cigana se deu devido ao impedimento dos mesmos de exercer qualquer tipo de trabalhos honesto, como já foi dito acima, a consequência do impedimento é que agora para sobreviver estes não mais esmolavam, por muitas vezes se juntavam a outros meliantes não ciganos para a prática de furtos a mão armada de forma que sua marginalização aparece como forma de sobrevivência.
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Cada uma das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda) de então tinha autonomia política e jurídica, pelo que não existia uma política anticigana unificada, nacional. Cada província tinha sua própria legislação mas, apesar disto, as legislações sempre eram semelhantes e muitas vezes uma província copiava ou adotava a legislação de outra. (MOONEN, 2011, p. 41).
No decorrer de sua diáspora em vários momentos e lugares são banidos, mutilados, explorados. Um bom exemplo da politicas anticiganas aplicadas na Espanha os ciganos deveriam se estabelecer em no máximo sessenta dias após a publicação do edital caso não fosse cumprida a ordem seriam punidos com castigo físico, para os que assentassem residência seriam estes marcados com a mutilação de parte da orelha. A reincidência no nomadismo permitia a qualquer pessoa que capturasse um cigano ou sua família os escravizasse, podendo assim explorar sua força de trabalho ou apenas os vender. A proibição de agrupamentos ciganos começa a se intensificar impedindo que cada vez menos pudessem viajar, seja para qualquer lugar, a proibição afeta até as menores famílias sendo que mais de dois ciganos não poderiam viajar juntos. O banimento da cidade ou da província não era a única forma usada pelos países europeus necessitados de se livrar da “praga” cigana, a condenação a trabalhos forçados para os homens era bastante comum, utilizavam estes como remadores nas galés como forma de condená-los por seus delitos, a pena de morte também foi bastante utilizada nesta tentativa de erradicar os ciganos, as mulheres e crianças geralmente eram poupadas da morte, mas deportadas às colônias espanholas, francesas, entre outras. Não foi possível constatar as reais causas do início da diáspora deste povo, no entanto com esta pequena parcela de sua história já possível levantar a hipótese de que estes inicialmente estivessem em fuga de algum de seus algozes, e que o medo de se tornarem cativos novamente tenha alimentado a necessidade de migrarem. Como já e de nosso conhecimento os costumes do clã são considerados leis por estes de modo que o costume nômade possa ter si perpetuado entre gerações até que não importasse mais o motivo da migração se tornando um costume a ser respeitado. É possível observarmos no decorrer da diáspora cigana a grande ferramenta para os maus-tratos e perseguição esteve diretamente ligada ao preconceito de modo que a
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intolerância aparece como o maior sinal da ignorância humana demonstrando tão qual a humanidade que se esforça para se tornar civilizada sempre encontra formas de justificar as atrocidades cometidas contra seus semelhantes. Os exemplos citados no decorrer deste capítulo não abrangem a totalidade da história do povo cigano, nem tão pouco o quanto estes foram degredados, pois seria muita pretensão definir com exatidão a história deste povo enigmático, os demonstrativos e comparativos citados neste tem por função demonstrar uma insignificante parte de sua trajetória e de sua perseguição. Que em vários momentos de sua migração contribuirão para a cultura mundial agregando e doando conceitos. No entanto não está citada em parte alguma quando se estuda a história da humanidade como pessoas contribuintes, apenas como uma mazela de modo que necessitavam serem contidos/extinguidos gerando assim todos os tipos de prejuízos para os representantes da cultura cigana.
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2. DA SECULAR SEGREGAÇÃO CIGANA AO “PORRAJMOS”: O HOLOCAUSTO CIGANO DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Aspectos de segregação racial e social estão presentes na História da humanidade desde a Antiguidade. Para analisar estes fatos é preciso conhecer os pontos de vista dos diferentes envolvidos: a submissão dos segregados é o sentimento de soberania dos segregador. Durante a Segunda Guerra Mundial, os alemães sentiam-se soberanos e buscavam a pureza de sua raça “ariana” de modo que políticas de higiene racial foram instauradas. No entanto estas políticas de segregação sobre o povo cigano não podem ser consideradas como singularidade alemã, pois em outros países da Europa, há séculos os ciganos eram perseguidos e segregados da sociedade sedentária. É possível notarmos que o povo cigano na Dinamarca sofreu a perseguição e o extermínio por motivos torpes, em muitas das vezes causado pela ganância de não ciganos, que desejasse qualquer dos seus bens materiais, mesmo se tratando de pessoas humildes e possuíssem apenas sua carroça e algumas joias.
Na Dinamarca, a perseguição aos ciganos inicia a partir de 1554: é proibido hospedar ciganos e quem matá-los pode ficar com suas propriedades; as autoridades locais que permitirem a presença de ciganos tornam-se responsáveis pelos danos por eles causados (MOONEN apud. Fraser 1992: 112-121; Gilsenbach 1994).
Famílias inteiras eram assassinadas e seus bens usurpados. A recorrência destas leis de perseguição à população cigana era constante, de modo que estes não possuíam a dita liberdade tanto almejavam com a migração. Segundo Frans Moonen, esse era um mecanismo de segregação:
Muitas vezes a sociedade não-cigana cria mecanismos de manutenção de fronteiras para isolar a minoria cigana em áreas especialmente para ela reservadas, confinando-a longe do convívio dos membros do grupo majoritário, em bairros ou ruas especiais para ciganos, como as “Gitannerias” na Espanha. (MOONEN, 2011, p. 7)
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Portugal não tratava a população cigana de modo diferente. Em um alvará de 1579, era decretada a expulsão dos ciganos do reino, no prazo determinado de trinta dias para que fosse cumprido o decreto. No entanto eram permitidas a algumas famílias consideradas produtivas permanecer no país, com algumas condições e obrigações para que fosse lhes permitido o direito de residir no país, do sedentarismo que passava a ser obrigatório a proibição ao uso de roupas típicas, etc. Os ciganos que ainda se encontravam usufruindo da vida nômade continuavam a serem perseguidos açoitados e expulsos do país. No ano de 1592, outro alvará expedido obriga a todos os ciganos em Portugal a se tornarem sedentários e fixarem residência. Caso a ordem não fosse acatada, a pena de morte deveria ser aplicada sobre os transgressores. Nestes países citados anteriormente encontravam-se políticas de segregação que de alguma forma pareciam mais brandas, pois a população cigana possuía a opção de se submeter à vontade dos governantes e sobreviver sobre o julgo do segregador, situação que em outros países, como na Inglaterra, não era permitida aos ciganos.
Em 1554 é publicado um novo decreto especificamente sobre ciganos, desta vez bem mais rigoroso: novamente é proibida a entrada de ciganos na Inglaterra e é decretada a pena de morte para aqueles que forem encontrados um mês após a publicação do decreto. (MOONEN, 2011, p. 43)
Apenas duas opções se mostravam disponíveis á morte ou a deportação, no entanto o uso da palavra deportação parece para o pesquisador um tanto confusa sendo que esta deve ser feita para o país de origem, de modo que voltamos ao paradigma do início do trabalho: para onde deportar o povo cigano? Em alguns casos a deportação era feita para os países de nascimento dos ciganos, deixando em aberto para o pesquisado a conclusão de que no caso de nascidos na Inglaterra os ciganos eram simplesmente expulsos ou assassinados. De modo geral além da perseguição e segregação racial, a população cigana em toda a Europa sofreu também o extermínio, justificado unicamente por ser cigano, á caça aos ciganos foi estimulada por governantes com o intuito de erradicar os incômodos ciganos. A escravidão também foi uma forma de subjugá-los, prender e vender um cigano não era considerado com um ato criminoso. Na Romênia os ciganos foram mantidos nesta condição até 1856. No
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entanto muitos continuaram trabalhando para seus antigos donos praticamente nas mesmas condições anteriores à abolição.
O governo inglês pagava ao transportador uma certa quantia, e chegando ao destino o transportador poderia vender os sobreviventes a quem os quisesse e pagasse mais. Qualquer semelhança deste “tráfico branco” da Inglaterra com o “tráfico negreiro” não é mera coincidência. Só que o tráfico branco foi varrido dos livros históricos [...]. (MOONEN, 2011, p. 44).
Para os envolvidos na segregação do povo cigano os acontecimentos relatados pareciam corriqueiros, pois o desdém por estes indivíduos geralmente era comum entre os populares e aristocratas. O sistema criado na Europa para separar a população cigana e semelhante em demasia a política de apartheid utilizado na África do sul de 1948 a 1994, pelo partido nacional, no qual uma minoria branca sentia-se superior ao negro, de modo semelhante à população sedentária sentia-se em relação aos nômades ciganos. Não é de nossa intenção comparar ou reduzir o sofrimento destas etnias violadas. Usou-se até o presente momento de situações semelhantes como meio comparativo, para que o leitor possa atribuir com sua consciência crítica à devida dimensão do que foi a vida cigana desde suas primeiras aparições na Europa. A discriminação com este povo e a perseguição veio os obrigar a se manterem em constante movimentação até certo ponto de sua história. No entanto no decorrer desta os interesses para com este povo se modificaram, á exploração da força de trabalho e o tráfico destes seres humanos justificada pela rejeição dos indesejados ciganos permitiu que a comercialização fosse utilizado tanto com fins lucrativos quanto para livrarem os países dos atrozes ciganos. De modo geral é preciso observar que a escravidão ocorreu em um contexto diferente da escravidão dos negros africanos escravizados. Para a população cigana destes países, a situação de subalterno era já algo corriqueiro em sua vida. Gramsci em sua discussão acerca da subalternidade direciona-se à classe proletária, e traz fatores que demonstram a capacidade do subalterno superar esta situação. Com algumas mediações, podemos problematizar a questão cigana de subalternidade, que durante toda sua história não demonstrou interesse de se assimilar aos costumes sedentários que poderiam fornecer-lhes ferramentas para a superação da subalternidade. Essas mediações são necessárias porque Gramsci trata de uma classe social, e nós de um grupo étnico. Mesmo
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assim, o conceito de subalternos nos permite problematizar a situação subalternizada, a qual frequentemente os ciganos são submetidos. Gramsci estabelece que a situação subalterna é fornecer mecanismos para a sua superação, por meio de intelectuais orgânicos que defendessem sua classe de forma crítica e consciente. No entanto, o povo cigano começou a trabalhar estas atitudes há bem pouco tempo, muito depois do recorte histórico de nosso trabalho. No período trabalhado eles não possuíam o interesse de se adequar a sociedade por meios que lhes possibilitassem a superação de condição subalterna. Mas, é de nosso conhecimento que a segregação dos ciganos também atingia a educação, saúde e outros setores que refletiam diretamente em suas vidas. Não existia o interesse de promover a inclusão dos ciganos ao convívio social, de modo que mesmo se estes possuíssem o interesse de se armar dos mecanismos citados por Gramsci, não lhes era permitido, e os ciganos sempre responderam à subalternidade de formas inorgânicas, nada ou muito pouco organizadas. Situação que difere neste ponto dos judeus que durante algumas épocas e lugares, como durante o Renascimento e o Iluminismo, quando conseguiram conquistar a sua ascensão social. Já para os ciganos as políticas criadas durante toda sua história os afastam dos residentes por um motivo ou outro. A justificativa de que os ciganos seriam criminosos em potencial produziu diversas formas de repressão. Na Alemanha, às portas do século XX foi criada uma agência de censo devido à necessidade dos governantes de saberem quantos ciganos restavam, para que se tomassem medidas mais produtivas contra “a praga cigana”.
Em 1899, foi criada na Alemanha a agência de informação “Central para o Combate da Moléstia Cigana” (Nachrichtendienst in Bezug auf die Zigeuner), sob a coordenação do investigador criminal Alfred Dillmann, com o objetivo de registrar os ciganos. (GUIMARAIS, 2015, p. 354)
Os ciganos passaram a ser registrados segundo suas origens familiares, como já citados no capítulo anterior, estes registros podem ter facilitado a localização e a dominação alemã do povo cigano, tratados como a “praga cigana”. Outros órgãos públicos foram criados e juntos reuniram informações sobre mais de trinta mil ciganos alemães. A coleta de dados sobre os considerados impuros ciganos foi de suma importância, pois permitiu que mais um dos planos de perseguição e dominação fossem traçados. Em 1933, quando os nazistas chegaram ao poder, trinta e quatro anos se passaram desde a criação da agência de informação “Central para o Combate da Moléstia Cigana”. Portanto é possível constatar que os arquivos
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sobre a população cigana tenham se ampliado. Durante estes trinta e quatro anos à perseguição e o levantamento de dados nunca cessaram. Entre 1925 e 1926, o governo da província alemã da Bavária editou uma lei que obrigava o povo cigano tornar-se sedentário e
condenou a dois anos de trabalhos forçados ciganos não regularmente empregados. Em 1929, esta lei passou a ser válida em toda Alemanha. Deste modo, na ascensão do nazismo de Hitler estas informações se tornaram úteis para o projeto nazista de extermínio. O principal instrumento de extermínio empregado foram os campos de concentração. Estes imensos complexos de encarceramento possibilitavam a manutenção social dos indivíduos e grupos indesejados que supostamente “ameaçavam” a sociedade, segundo a concepção nazista, cada qual por seu motivo singular em um projeto de “reordenamento racial e político” da sociedade:
O projeto nazista previa um reordenamento racial e político da Europa que envolvia a perseguição e a aniquilação de judeus e ciganos, assim como a repressão e assassinato de oponentes políticos ou ideológicos, homossexuais, grupos cristãos e deficientes físicos. (GUIMARAIS, 2015, p. 351)
Neste sentido, o projeto nazista de “reorganização”, implicava na aniquilação em massa de etnias, de grupos não heterossexuais e dos grupos políticos opositores ao fascismo, sobretudo à esquerda e os democratas.
2.1 As ascensão do Nazifascismo de Mussolini e Hitler
Buscaremos a seguir expor a ascensão do fascismo, e a apropriação de Hitler de parte deste sistema político e a formulação do regime nazista. No período que sucedeu a Grande Guerra (1914-1918), os países europeus que mais se sentiram prejudicados foram a Itália e Alemanha. Sendo que a Itália mesmo estando entre os países vencedores, não colheu os frutos que desejava e saiu da batalha com uma enorme crise política, social e econômica. Para a Alemanha o fim da guerra trouxera prejuízos financeiros praticamente irreparáveis. O tratado de Versalhes responsabilizou a Alemanha por causar a grande guerra, portanto arcaria assim com os prejuízos materiais causados através de multas exorbitantes. E
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restrições quanto a seu sistema militar, sendo obrigado reduzir seu arsenal e contingente militar. Tanto na Itália, como na Alemanha, operários tentaram após a guerra fazer uma revolução socialista. A derrota destes movimentos revolucionários, em ambos os países, abriu o caminho para o desenvolvimento do fascismo. A Itália, também prejudicada pela participação na guerra, sofreu uma forte crise social, política e econômica como consequência das ações beligerantes. O crescimento do comunismo a partir da Revolução Russa de 1917, e à recorrência de guerras civis, proporcionaram o cenário perfeito para que Mussolini disseminasse na Europa os ideais de seu partido político. Fundado por ele em 1919 inicialmente como um movimento político, mais apresentado formalmente em 1921, na forma de partido com o financiamento de industriais e banqueiros, Mussolini dissemina os ideais de seu partido, propagando uma ideologia que tinha como objetivo submeter o conjunto da classe trabalhadora à burguesia e ao sistema de exploração capitalista.
Tanto na Alemanha como na Itália, os trabalhadores eram convidados a ver em seus compatriotas capitalistas não os beneficiários de um sistema social baseado na exploração interna, mas sim colegas proletarizados (ou em vias de proletarização), vítimas de um sistema de exploração internacional. (KONDER, 1977, p. 12 - grifos originais do autor)
Desse modo, produzia-se um falso sentimento de “igualdade”, mesmo que os proletários fossem os mais prejudicados com o sistema de governo, pois ele não dava a liberdade de expressão e não reconhecia a sociedade como composta por classes sociais com interesses divergentes. A manipulação das massas era, portanto essencial para que o sistema se mantivesse ativo e atingisse seu objetivo de recuperação financeira interna do capitalismo.
Por este motivo Hitler fez com que uma série de rádios idênticos fosse produzida, o cidadão operário poderia ter seu próprio rádio em casa para ouvir as notícias e os pronunciamentos de seu führer. É importante evidenciar que a manipulação das massas não se dava através apenas da disseminação de ideologias, o sistema fascista também fazia uma forte utilização do autoritarismo e da repressão. Para os fascistas, essa era forma pela qual a Alemanha e a Itália poderiam exercer o papel de grandes potências.
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Mussolini podia ter um jeito de palhaço, mas o movimento que lançara e dirigia se mostrava capaz de tomar o poder, de liquidar a esquerda, acabar com as greves e impor a ordem ao país: ele demostrara na prática (aparentemente) a superioridade de seu idealismo, os seus mitos patrióticos e voluntaristas sobre o materialismo dos marxistas [...] pouco se notava a admiração que o Duce inspirou, na Alemanha, já na primeira metade dos anos vinte, um jovem político que mais tarde se tornaria muito importante: Adolf Hitler. (KONDER, 1977, p. 42)
Sendo assim a admiração de Hitler por Mussolini não pode ser considerada como mera acaso, pois ambos compartilhavam do sentimento do autoritarismo absoluto que caracteriza o fascismo e do interesse de reconstrução de sua nação como uma potência imperialista dominante. Mussolini, mesmo que não ciente, influenciou Hitler para a construção do plano de dominação da Alemanha. Hitler filiou-se ao Partido Alemão dos Trabalhadores (Deutsche Arbeiterpartei, DAP), em 1920, após participar de uma de suas reuniões, ocasião na qual atuava como espião militar, desde então galgou espaço entre os seus companheiros e se tornou o dirigente responsável pela propaganda do partido. Em 1921 assume o comando do partido, alterando seu nome e sigla. Agora se chamaria Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, NSDAP). Em geral o caminho percorrido pelo militar parecia promissor e foi mesmo após a tentativa frustrada de golpe de Estado tramada por ele, em Munique, em 1923. Ato pelo qual cumpriu uma pena de seis meses de prisão. Após uma das derrotas do seu partido político, seu nome foi recomendado ao cargo de Primeiro Ministro, por parte da burguesia. E no ano de 1933 ele foi nomeado com primeiro ministro.
Hitler procede imediatamente a uma série de mudanças radicais no ordenamento do país: suspende os direitos civis, declara o estado de exceção em defesa do Povo e do Estado; através do apoio dos católicos, consegue plenos poderes já independentes do presidente, que morreria pouco depois, abrindo caminho para que Hitler unisse os cargos de primeiro ministro e presidente sob a denominação de führer, o líder. (SILVA, 2000, p. 188-189)
Por hora buscou-se resumir a carreira politica desta personalidade histórica, anteriormente avaliamos a concepção do fascismo e sua influencia sobre o responsável pelo
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regime nazista, que nada mais seria do que uma releitura e um novo desenvolvimento da matriz fascista de Mussolini. É valido afirmar que ambos os sistemas de governo usava de força e repressão para lidar com os populares, no entanto na Itália de Mussolini não houve perseguição iminente aos judeus, na Alemanha de Hitler já iniciara seu governo perseguindo os judeus, ciganos, homossexuais, comunistas, socialistas e democratas, de modo que absorveram toda fúria do führer e de seus aliados. Posteriormente Mussolini sede a posição de Hitler e adere à perseguição racial e a criação de campos de concentração também na Itália. Ambos exploravam motivos irracionais para oprimir esta parte da população, responsabilizada por todos os males que assolavam a Itália e Alemanha, seguindo a ditos populares “E possível afirmar que o irmão mais velho, acabou por ceder à birra do irmão menor com os brinquedos mais potentes”. Ou que apenas tenha sido convencido de que a mistura das “raças” fossem realmente prejudiciais à população. Baseavam-se em conceito mirabolantes e até fantasiosos, no entanto estes conceitos causavam serias consequências políticas e sociais. A teoria da raça parte do pressuposto de que o acasalamento de cada animal exclusivamente com os da sua espécie é a “lei de ouro” da natureza. Esta lei só poderia ser violada em circunstâncias excepcionais, como, por exemplo, o cativeiro, que justificariam o cruzamento de raças. A natureza, no entanto, vingar-se-ia e opor-se-ia a isso por todos os meios, quer provocando a esterilidade dos bastardos, quer limitando a fertilidade dos seus descendentes. (REICH, 1988, p. 75)
Após o fim da Republica de Weimar, em 1933, a Alemanha passava por dificuldades financeiras causadas pela I Guerra Mundial e pelos empréstimos que precisara fazer com os Estados Unidos para honrar com seus compromissos do pós-guerra. A ascensão de Hitler e sua forma de governar se mostrara produtiva, em diversos aspectos “melhorando a vida da população alemã” de modo que havia até reduzido o impacto da Crise de 1929, momento no qual todos os países envolvidos com a economia dos Estados Unidos, sofreram o efeito da quebra da bolsa e da desvalorização da moeda americana. Nos anos seguintes a 1933, a economia alemã dava sinais de recuperação da crise, em 1938 estava 25% acima do que estava em 1929, graças à indução econômica que Hitler promove, concentrando recursos nas grandes empresas monopolistas ─ civis e bélicas. O
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índice de empregos volta a subir e as indústrias começam a demonstrar sua recuperação. Para o “alemão médio”, as medidas políticas de Hitler, demonstravam “melhorias”, portanto é completamente compreensível que a população alemã tenha sido facilmente ludibriada ou até mesmo que tenha aderido nestes conceitos racistas.
A sociedade nazista aboliu os conceitos de certo e errado, de bem e de mal, no seu sentido mais primário, mais elementar, aboliu a ideia de que matar inocentes era crime, ele instituiu um extermínio burocrático, de forma que milhares de pessoas podiam se tornar criminosos simplesmente assinando ordens ou repassando as atrás de suas escrivaninhas muito longe dos próprios campos de extermínio. (COGGIOLA, 1995, p. 213)
Lendo a citação anterior é provável que se perguntem: e a Liga das Nações o que fazia para impedir estes acontecimentos? Após a primeira guerra a Liga das Nações, havia tomado medidas que impedissem o armamento da Alemanha, consequentemente de partirem novamente ações beligerantes, no entanto o expansionismo de Hitler agiu inicialmente em segredo.
No ano de 1935, Hitler anunciou publicamente aquilo que já vinha sendo feito às escondidas: a Alemanha retomaria urgentemente um programa de rearmamento [...] A liga das nações protestou, mas Hitler não deu atenção e iniciou o recrutamento militar obrigatório. A ideia da segurança coletiva, que implicava soluções que envolvessem o conjunto de todas as nações do continente, faliu. E com ela a Liga das Nações, que praticamente deixava de ter funções, pois cada nação buscava um acordo e separado. (PEDRO, 1994, p. 11)
O processo de armar-se novamente levado a cabo pela Alemanha de Hitler, também ganhou a simpatia de parte expressiva da burguesia de outros países ocidentais, uma vez que viam nele uma barreira ao “avanço do comunismo” e da ascensão da classe operária. A invasão da Etiópia, em 1936, pela Itália deixou a já frágil Liga das Nações desmoralizada. Portanto sem meios para inibir os desejos expansionistas da Alemanha que anteriormente já havia demonstrado seu desprezo pelas medidas do tratado de Versalhes. Além da Liga das Nações, os Estados Unidos também assistiam impassíveis as ações racistas do nazismo, sem expressar por muito tempo qualquer interesse em impedir as barbaridades
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em desenvolvimento. O Vaticano esteve a par de todos os acontecimentos e se manteve imparcial. Em geral todo o mundo tinha conhecimento das ideologias raciais de Hitler e seus aliados. Somente a União Soviética vinha se opondo ao expansionismo nazista, tanto na Guerra Civil da Espanha, entre 1936 e 1939, ajudando materialmente o governo republicano derrubado pelas Falanges fascistas de Franco; quanto se opondo à anexação por Hitler, em 1938, dos Sudetos, região da então Checoslováquia. Mas a maioria das potências ocidentais já via a ascensão hitleriana com simpatia, fazendo vista grossa, ou então, por receio, deixando-o agir livremente para evitar um conflito que se avizinhava.
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2.2 Porrajmos (“devoração”): o holocausto cigano
Por ora, acompanhamos alguns aspectos do ideal fascista absorvido e desenvolvido de forma mais radical por Hitler na Alemanha. Já observamos também exemplos de como os ciganos sobreviviam na Europa nos períodos que antecederam ao momento na qual estes sofreram o maior genocídio de sua história, durante o holocausto nazista, momento de extermínio e exploração nos campos de concentração nazistas. Expliquemos também que a palavra “porrajmos” é utilizada por ciganólogos e pela população cigana para denominar o extermínio cigano no holocausto, pois buscam não igualar suas perdas às dos judeus exterminados em condições similares. A palavra porrajmos possui variações na sua grafia, mas todas têm o mesmo significado: “devoração”. Como justificativa os envolvidos no holocausto cigano, durante seus julgamentos no famoso Tribunal de Nuremberg, instituído pelos países “aliados” logo após a II Guerra Mundial para condenar países que cometeram crimes contra a humanidade, negaram que a perseguição contra estes havia sido por motivos raciais. No entanto existem provas irrefutáveis que estes, assim como os judeus, foram exterminados apenas por não serem de “sangue alemão” e por serem aqueles que deveriam desaparecer segundo o redesenho nazista da sociedade.
Documentos e ensaios “científicos” da época comprovam, sem sombra de dúvida, que não somente os judeus, mas também os ciganos eram considerados membros de “raças” diferentes consideradas perigosas, porque poderiam contaminar a pureza racial “ariana”. Para esta justificativa “racial”, a Alemanha pôde contar com vários médicos, biólogos e antropólogos. (MOONEN, 2011, p. 67)
Moonen nos mostra neste e em outros trechos de seu trabalho como é possível provar que o regime nazista se apropriava da população cigana seguindo não só a justificativa de que estes seriam associáveis, mas também por interesses de atingir a “pureza” da “raça germânica” supostamente corrompida. De modo que para purificar a população alemã se tornava válida toda e qualquer medida. A esterilização dos povos perseguidos foi uma das
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primeiras ações de controle, pois impedia a reprodução dos indesejados ciganos e de outros grupos étnicos que não estão em discussão neste trabalho. As mulheres eram forçadas a fazer laqueaduras, os homens ciganos foram usados como cobaias para o aprimoramento da castração química. Outros experimentos foram praticados utilizando dos aprisionados.
Auge da prática do extermínio para a purificação da raça, o regime nazista buscou anular as diferenças e as ameaças ao seu projeto homogeneizador, eliminando os opositores políticos e as “raças inferiores” que, de acordo com critérios elaborados pelos alemães, eram identificadas e estendidas por um número determinado de gerações que supostamente carregariam a “marca” dos antepassados e colocariam em risco a construção do homem ariano puro. (GUIMARAIS, 2015, p. 357-358)
Os campos de concentração surgiram como forma de aprisionar os indivíduos contrários ao nazismo, no entanto apenas prender o grande contingente gerava prejuízos financeiros, caso não os utilizassem para fins lucrativos, portanto o trabalho forçado se fazia iminente aos prisioneiros. O primeiro campo não aprisionava os inimigos raciais e sim inimigos políticos. Nas imediações de Berlim aprisionara comunistas e sindicalistas. Na realidade não há nada que justifique a barbárie existente nos campos de concentração. O extermínio do povo cigano comparada ao genocídio judeu pode parecer a muitos como irrelevante, no entanto se levarmos em consideração que estes já eram assassinados por motivos fúteis, quando houve o extermínio cigano a sua população já se tratava de uma minúscula parcela da população mundial. Cerca quinhentos mil ciganos foram exterminados entre crianças e adultos. Não é possível que se chegue a um número exato das baixas causadas pelo porrajmos, pois muitos morriam antes mesmo de chegarem aos campos e guetos, assassinados pelos esquadrões móveis, de modo que não há registros fidedignos do holocausto cigano.
A invasão da União Soviética, em junho de 1941, marcou a transição de perseguição para extermínio em massa de judeus e ciganos. Unidades do exército regular e a polícia, mas particularmente os Einsatzgruppen SS, começaram os fuzilamentos em massa de ciganos (e judeus, e russos e pacientes hospitalares) na Rússia, na Polônia e nos Bálcãs. As mortes eram justificadas pelo velho argumento de que os ciganos eram espiões – e chegaram a talvez 250 mil. Ninguém sabe ao certo quantos foram mortos pelos esquadrões móveis. (FONSECA, 1996, p. 291-293)
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A perseguição racial dos ciganos pelos nazistas teve início no ano de 1934, apenas um ano após a subida dos nazistas ao poder. Mais tarde, os ciganos passaram a ser confinados em “Zigeunerlager”. Durante a presente pesquisa, observamos que esta palavra de origem alemã foi citada repetidas vezes pelos estudiosos. Questionamos se possivelmente seria o nome de um campo de concentração, ou de um gueto cigano. Por fim buscamos seu significado, que no sentido direto da palavra quer dizer “acampamento cigano”. Mas não qualquer “acampamento”. Zigeunerlager eram blocos de encarceramento no interior da famosa rede de campos de concentração Auschwitz-Birkenau, localizada na região sul da Polônia, que o governo nazista construiu a partir de 1940 para dar cabo da chamada “solução final”. Auschwitz foi construído na vila polonesa Birkenau, que significa “floresta de bétulas”, traduzido para o alemão “Brzezinka”. Vide a Imagem 1 do mapa na próxima página. Antes disso, em 1936, o objetivo era “limpar” as ruas de Berlim antes do início dos jogos olímpicos marcados para aquele ano. Portanto, uma circular autorizava a prisão de todos os ciganos na Prússia, de modo que estes foram duplamente castigados, pois a localização de outro Zigeunerlager, construído anteriormente, próximo a um despejo de esgoto e de um cemitério, no subúrbio de Berlim. Para os ciganos essa situação era demasiadamente incomoda, pois estes possuem superstições sobre os cemitérios e minuciosos costumes de limpeza. Ademais disso, fica evidente que houve mais de um “acampamento cigano”, além daquele construído em Auschwitz-Birkenau. Neste período de 1936, ainda não estava concluída a tese de que estes indivíduos se tratavam de associáveis ou “transviados sociais”, criminosos natos. Esta só foi produzida posteriormente como fruto das pesquisas do doutor Robert Ritter, psicólogo infantil, que catalogou os Em e os Sinti como “espécies” diferentes por cor de pele, olho, cabelo e estatura física. Seus estudos incluíam até moldes feitos com cera derretida, utilizando dos rostos dos indivíduos pesquisados como matriz para essa cópia mais próxima da exatidão. Ritter catalogou 30 mil genealogias do povo cigano, e seus estudos decidiam o destino das “raças inferiores”. Ele não trabalhava sozinho, entre seus colaboradores Eva Justin era a que mais demonstrava interesse nos Em e colaborava fielmente a causa nazista. Neste período ela ainda era uma simples enfermeira. Com sua colaboração, Eva tornou-se uma antropóloga especializada no chamado racismo científico.
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Imagem 1 – Mapa do Antigo campo de concentração KL Auschwitz II – Birkenau (Brzezinka). O Zigeunerlager (“acampamento cigano”) ocupava as duas fileiras de barracas identificadas com BII-e; atrás das quais ficava o hospital para prisioneiros, o crematório e as câmaras de gás. Entre fevereiro de 1943 e agosto de 1944, 21 mil ciganos foram mortos em Auschwitz.
Fonte: FONSECA, Isabel. Enterrem-me em pé: os ciganos e sua jornada. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996, p. 287.
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Segundo Isabel Fonseca,
Eva Justin fingiu ser missionária para conseguir acesso aos ciganos que viviam em liberdade. Em seus influentes relatórios recomendava que fossem esterilizados todos os ciganos puros ou mestiços, inclusive os educados e assimilados; a educação escolar de ciganos era infrutífera e devia ser interrompida. Muitas vezes depois de uma visita o entrevistado e às vezes toda a sua família eram removidos para um campo. (FONSECA, 1996, p. 289-290)
No decorrer dos estudos em que auxiliou o Dr. Ritter, Eva Justin desenvolveu o desejo de se tornar doutora. Para atingir seu objetivo se valeu do material que á ela estava disponível. Deste modo também iniciou uma pesquisa a respeito da população cigana. Justin isolou da família 39 crianças em uma espécie de orfanato, para o estudo sobre a suposta inadaptabilidade social de crianças ciganas. Sua pesquisa teve a duração de seis semanas, nas quais as crianças receberam a educação “adequada”, isoladas de qualquer contato com adultos ciganos. Contudo, Justin chegou à conclusão de que a educação recebida pelas crianças de nada havia adiantado, de modo que se tratava de “delinquentes” em potencial. A “tese” foi defendida em 1943, na Universidade de Berlim. Poucos dias após a obtenção do diploma, as 39 crianças ciganas do orfanato, as cobaias de sua pesquisa e que até então tinham sido poupadas, foram deportadas para Auschwitz; somente quatro sobreviveram (MOONEN, apud. GILSENBACH, 2011, p. 70).
Dentre os carcereiros dos campos também se encontravam ciganos ou descendentes distantes de ciganos. Curiosamente não há como sabermos o motivo de sua integração ao corpo militar nazista, é possível levantarmos suposições, acerca de que estes se prontificavam a fazer parte deste horror no sentido de último ato de desespero em busca da sobrevivência.
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Imagem 2 – O Dr. Robert Ritter (à direita da foto, de paletó e gravata) interroga uma cigana romani (à esquerda), acompanhando de um militar nazista (centro). 1936.
Fonte: Wikimedia Commons. Disponível , acesso em 19 de outubro de 2018.
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Imagem 3 – Eva Justin (à esquerda da foto) checa as “características faciais” de uma senhora cigana romani em seus estudos raciais. 1938.
Fonte: Wikimedia Commons. Disponível , Acesso em 19 de outubro de 2018.
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No livro “Enterrem-me de pé”, de Isabel Fonseca, encontram-se testemunhos de um dos sobreviventes que trabalhou como coveiro no gueto, o senhor Abram Rozenberg. Ele tinha a função de trazer os corpos dos ciganos para serem enterrados no cemitério judaico. Segundo Rozenberg, a maioria dos corpos que chegavam até ele, possuíam marcas de estrangulamento, outros completamente esmagados com braços e pernas quebrados. Por fim, Rozenberg conclui que
os “Kripo”, uma unidade militar, ordenavam que os ciganos
enforcassem uns aos outros. Veremos outro depoimento chocante do mesmo senhor a seguir.
Foi no outono, não me lembro exatamente o ano [1941], quando as nove, dez da manhã chegou um vagão, e junto com meus ajudantes retirei uma caixa com corpos. De repente, ouvimos um choro de criança. Impulsivamente saltamos de lado, mas depois de um segundo me aproximei da caixa e abri a tampa. Uma criança cigana pequena caiu lá de dentro. Estava tendo convulsões. Cortei com um canivete a corda que ainda estava no pescoço dela. A criança se debateu mais um pouco, mas logo recobrou a consciência. Não conseguíamos entender o que dizia. Estávamos discutindo como esconder a criança, quando apareceu Sztajnberg, e o chefe do cemitério, junto com Hercberg, o chefe da prisão e os dois mandaram a gente levar a criança para o hospital do gueto. Eles logo caminharam à Kripo, que tirou a criança do hospital. No dia seguinte, já morta, ela foi trazida para o cemitério. Tinha sido brutalmente assassinada. Era uma menina de uns três, quatro anos. (FONSECA, 1996, p. 295-296)
A morte era iminente a todo instante. A desnutrição era propositalmente causada muitas vezes por médicos estudiosos da “higiene racial”, que praticavam nos guetos ciganos suas experiências, pela quais levavam a definhar e desenvolver patologias para serem “analisadas”. Vejamos o caso da “noma”, uma doença que se trata de um tipo raro de gangrena, esta afeta a boca e rosto, a qual se tornou uma epidemia que afetou as crianças do gueto cigano. Um dos médicos nazistas que se interessou pelas peculiaridades humanas foi Josef Mengele. Ele mantinha uma coleção de exemplares de gigantes, anões, pessoas com cor de olhos diferentes e de gêmeos, estes eram seu principal “atrativo”. Mengele também adquiriu um estranho interesse pela “raça” cigana. Durante a epidemia de noma, situação na qual as crianças apresentavam feridas na face e sinais de lenta decomposição de sua carne, Mengele extraiu disso uma teoria racial:
É bem sabido que a noma é causada por subnutrição e extrema debilidade; no entanto, Mengele encontrou uma explicação racial para a doença. Observando um pequeno “feixe de ossos” – um menino cigano sofrendo de
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noma avançada – Mengele perguntou a outro prisioneiro: “Você acredita que esse menino tem dez anos de idade?”. Ele atribuía decrepitude da criança ao fato de fazer parte desse tipo de raça e não um estado iatrogênico fatal – em outras palavras estado provado por médicos. (FONSECA, 1996, p. 300)
Mengele possuía em especial uma paixão para com os organismos dos gêmeos, fato que em muitos casos fazia com que as mulheres ciganas apresentassem seus filhos com estaturas físicas semelhantes como sendo gêmeos. Era de conhecimento de todos nos campos que os gêmeos de Mengele recebiam melhores alojamentos e suprimentos. Os escolhidos por ele eram tratados como “animais de estimação”. Ilusoriamente era possível para as desesperadas mães suporem que isto poderia salvar seus filhos, no entanto para Mengele não havia a necessidade de preservar estas vidas, pois em favor da pseudociência nazista, ele não hesitava em sacrificar um ou mais de seus “exemplares”. Mengele matou com um tiro, ou como ele diria, “sacrificou” seu par de gêmeos favorito, um par esplêndido de meninos ciganos de sete anos de idade, só pra resolver uma “disputa” [...] (havia a suspeita de tuberculose). “tem de estar aí”, insistiu Mengele com um de seus prisioneiros médicos. Voltou uma hora depois, “agora falando com mais calma”. E disse: “você tinha razão. Não há tuberculose”. Nesse lapso de tempo, havia matado os meninos e examinado seus pulmões e outros órgãos. (FONSECA, 1996, p. 299-300)
Esta não foi à única ocasião em que ele “sacrificou” um par de gêmeos em nome de seus interesses medicinais, pois suas experiências muitas vezes levavam suas cobaias à morte. Cirurgias experimentais como unir dois gêmeos como se estes fossem irmãos siameses, ferir um para identificar se o outro sentiria a mesma dor. Mengele pretendia dissecar catorze crianças ciganas, para isso ele próprio injetou clorofórmio no coração das crianças, tentativas de mudar a cor dos olhos por meios cirúrgicos com injeção de substâncias no globo ocular, enfim, uma série de falsos experimentos “científicos” que no fundo reafirmavam o objetivo de massacrar os povos tidos como inferiores. Como dito anteriormente, o medo da morte era constante, esta poderia vir por mãos de um irmão, médico ou de um militar. Ou até mesmo pelas doenças “encontradas” ou estimuladas, nos campos ciganos e guetos. As mais comuns eram Febre tifóide ou tifo, escorbuto, disenteria, sarna, além de piolhos e erupções cutâneas. O tratamento medicinal para estas enfermidades se tratavam de experimentos, já em outros casos os ciganos não possuíam acesso a medicamentos. No caso da sarna a experiência
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de tratamento consistia em mergulhar o corpo do enfermo em duas banheiras alternadamente, banheiras que continham uma mistura diferente de sal e ácido. Caso o paciente não resistisse não existia qualquer problema. Pois os guetos e campos ciganos se tratavam de um “bufê de cobaias”. Mengele quando recebeu a ordem para a execução da “solução final” para o povo cigano ficou desapontado. Não se enganem em supor que fosse por afeto aos internos. Ele já havia recomendado tais medidas, mais provavelmente esperasse ter mais tempo para seus experimentos.
A política nazista para os ciganos era de fato cheia de contradições, [...] As deportações para Auschwitz não foram o começo de uma categorização racial dos ciganos (apesar de na maioria dos casos elas representarem a sua conclusão). (FONSECA, 1996, p.289)
As políticas raciais do regime nazista sempre envolveram os ciganos, evidência disso são os diversos guetos que serviam para aprisionar ciganos e judeus, neste período. O primeiro para ciganos foi criado em 1936, e posteriormente Bialystok, Lódz, Cracóvia, L’viv, Varsóvia, e Radom, usados para aprisionar ciganos e judeus juntos. Destes campos citados, pode-se dizer que o mais perigoso para o povo cigano antes de Chelmno e Auschwitz, foi Lódz, local no qual eram feitas as experiências com o povo cigano. O campo não durou mais que dois meses. Posteriormente, em 1941, Chelmno foi criado na região centro-oeste da Polônia, 50 quilômetros distante de Lódz. Este se tratava de um campo experimental de extermínio, não de uma “prisão”, ou campo de trabalho forçado. O extermínio anterior se tratava do fuzilamento das pessoas consideradas “indignos da vida”, mas este método era considerado por muitos um método desumano, reduzindo assim a moral dos militares perante a população não afetada, portanto se iniciaram os testes para uma “morte mais humana”, e econômica. Para este feito se iniciaram os testes com gás Zyklon B. As cobaias mais uma vez deviam ser os indivíduos “indignos da vida”: ciganos, homossexuais, judeus, portadores de necessidades especiais (deficientes físicos e mentais), doentes terminais ou incuráveis. Entre estes os primeiros a conhecer o poder do gás ainda em fase de teste foram 250 crianças ciganas que foram retiradas de seus pais e levadas para testar esta arma “mais humana”. É interessante observar que até mesmo no momento da execução dos indesejados, existia um tipo sádico de ilusão para os futuros exterminados. Estes eram transportados para Chelmno
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iludidos de que seriam alimentados e ganhariam passes para irem trabalhar no leste. Eram convencidos de tomar um banho antes de comer. O que realmente acontecia era que já no corredor para entrarem na câmara de gás estes desconfiavam. Então os militares entravam em ação para obrigar sua entrada. Os internos dos campos que recolhiam os corpos após a execução, e os oficiais alemães não tinham contato direto com as vítimas do gás Zyklon B. Outro meio de extermínio que chamava menos atenção da população eram caminhões cobertos com lona e lacrados, o escapamento era direcionado para o interior na carroceria, de modo que a fumaça produzida com o funcionamento do motor assassinava os prisioneiros sufocados, deste modo se economizava mais. Os chamados “caminhões da morte” também foram bastante utilizados. No campo de Auschwitz-Birkenau a situação dos ciganos era um pouco diferente do restante dos campos. Neste ambiente era permitido aos ciganos manterem sua família unida, sendo que homens e mulheres crianças conviviam diariamente juntos. Seus bens, como cavalos, dinheiro e joias, até quase o fim estiveram com eles.
Perto do fim, jovens ciganos uniformizados foram enviados para trabalhar no campo principal, e um grupo de duzentas mulheres foi mandado para fora do campo, para nivelar o solo e carregar pedras em suas saias. O ciganos só foram selecionados uma vez: quando o campo inteiro foi liquidado seguindo ordens superiores de Berlim. Mas então apenas quatrocentos dos 23 mil ciganos estavam vivos. (FONSECA, 1996, p. 298)
A sensação que remete esta informação é a de que neste campo a condição do povo cigano tenha sido de menos terror. O trabalho forçado só foi imposto a este posteriormente. No entanto se tentarmos por alguns segundos e nos transportarmos mentalmente para o sentimento de ser um cigano livre, sem amarras ou cercas a seu arredor, estar ali preso já era torturante, sendo impossível supor que teriam a liberdade novamente ou ao menos sobreviveria a todo aquele horror. Para entender a dor deste povo é preciso que quando se analisa sua história, o leitor se sinta parte dela, parte presente e impotente, assim como os ciganos.
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CONCLUSÃO
Durante a caminhada acadêmica foi me proporcionado o conhecimento de vários conceitos sociais e históricos, no entanto sempre me chamou mais atenção os excluídos da História. Neste sentido buscou-se exaustivamente o tema para este trabalho, pautado na consciência de que para a satisfação intelectual, devia-se tratar de um tema que abordasse os excluídos. Deste modo iniciou-se a pesquisa: a curiosidade sobre o povo cigano tornava-se cada vez maior, tomei conhecimento da possível origem destes e busquei me aprofundar. Desta forma cheguei à conclusão de que não seja possível através dos meios utilizados por sociólogos, linguistas, ou por cientistas, concluir com exatidão o país de origem destes. O processo migratório foi demasiadamente extenso e marcados por idas e vindas, escravidão e liberdade. Este povo doou traços de sua cultura e agregou conhecimentos externos a sua própria cultura e, neste sentido, podemos falar da língua romani que não se trata mais de uma linguagem uniforme. A religião do povo cigano pode ser sim diferente dependendo de quais sociedades estes estão inseridos ou de suas ligações familiares, de modo que todos os estudos realizados deixaram claro que o povo cigano permanece em constante reconstrução. Foi permitido também conhecer as diferenças entre o povo cigano, de modo que inicialmente era suposto pela pesquisadora que os ciganos eram um povo uniforme. Esta ideia foi dissolvida logo no começo da pesquisa, pois foi possível notar que entre o povo cigano existem costumes que os diferenciam. Descobriu-se também a desvalorização da cultura cigana por estudiosos ciganologos, que distinguem apenas os Rom como povo “legitimamente cigano”, deixando de lado os outros representantes deste povo. Nosso foco central neste trabalho foi demonstrar as barbáries que o povo cigano vem sofrendo através dos séculos e durante a ditadura nazifascista. Sem dúvida, durante o porrajmos o sofrimento foi exorbitante. No entanto se levarmos em consideração que esta parte da História só expôs com maior ênfase o que já acontecia constantemente contra este povo subalterno. É possível a compreensão da forma como muitos ainda vivem. Evitando ao máximo o convívio social com os gadjé (morador; pessoa de hábitos sedentários, não cigano), é possível supor que seja como forma de se proteger. As relações com o povo sedentário devem ser mantidas apenas no âmbito comercial. Existem exceções, mas de modo geral a regra é cumprida. Ainda na atualidade, o povo cigano sofre com o preconceito e a discriminação,
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deste modo alguns se mantém no anonimato e negam suas origens, já outros buscaram os mecanismos indicados por Gramsci para a superação da condição de inferioridade. O povo cigano sofreu tanto quanto os judeus durante a Segunda Guerra Mundial, mas não aparecem na História do conflito como os judeus, os quais têm sua trajetória retratada em inúmeros filmes (FINKELSTEIN, 2001), por exemplo. Hoje, o povo cigano tem abandonado um de seus costumes de valorizar o esquecimento sobre o passado, para lutar pelo reconhecimento, o respeito por seus mortos durante o holocausto e por sua memória coletiva. O esquecimento induzido sobre a história de um povo é uma das formas de alimentar sua histórica subalternidade. E a recuperação de sua memória coletiva, é um modo de superar a subalternização imposta. Este trabalho foi apenas uma pequena contribuição para esta luta do povo cigano, agindo como demonstrativo das condições de segregação, perseguição e esquecimento. Desta forma trouxemos o tema para o debate acadêmico, buscando contribuir para a desmistificação de alguns preconceitos instituídos.
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