Mecanismos de Metástase e Angiogênese Marco Antonio Arap Renata Pasqualini Wadih Arap
INTRODUÇÃO
O termo câncer compreende uma vasta coleção de patologias com comportamentos di versos que dependem de vários fatores como sítio primário, condição clínica e imunológica do paciente e histologia do tumor, entre outros. Uma vez estabelec ido o diagnóstico de câncer, torna-se imperati vo o estadiamento e a caracterização histopatológica do tumor, uma vez que o tratamento e o prognóstico irão depender diretamente desses fatores . Alterações no genoma de uma específica população celular resultam em defeitos nos diversos mecanismos de controle da homeostase celular. Devido à complexidade dessa regulação, não é surpreendente que oncogenes e genes supressores sejam descritos para quase todos os circ uitos regulatórios do ciclo celular. como apoptose (ex. TP53, BCL2 e BAX) , comunicação celular (ex. caderi nas e integrinas), estabilidade genética (ex. telomerase) e resposta inflamatória (ex. ciclo-oxigenase 2). Essas alterações genéticas resultam. em última instância, na formação de um microambiente tu moral e peritumoral, cujo funcionamento é dependente da constante comunicação celular parácrina e autócri na (inter e intracelular, respectivamente). Apesar dos recentes avanços nas várias áreas do conhecimento que envolvem o diagnóstico e o tratamento de tumores malignos. a terapia anticâncer convencional ainda baseiase, principalmente, na possibilidade de ressecção cirúrgica e na eficácia das diversas modalidades de tratamento adj uvante e neo-adjuvante, que variam de acordo com cada tipo de tumor. O microambiente tumoral também influencia significativamente a resposta das células ao tratamento, portanto determina diretamente a eficácia da terapia antitumoraJI 2• Duas das principais características dos tumores malignos são a capacidade de divisão celular, que resulta num cresci-
mento do volume do tumor, e a capacidade de invasão de tecidos adjacentes e a distância (esta última denominada mctástase). Todos os eventos que envolvem a gênese, o desenvolvimento e crescime.nto dos tumores e a sua capacidade de invasão local e a distância ocorrem simultaneamente e são interl igados por complexos mecanismos moleculares, muitos ainda por serem esclarecidos. Portanto, para o desenvol vimento de terapias anticâncer mais eficazes, tanto para a doença localizada quanto para a doença metastática, faz-se necessário um melhor entendimento dos mecanismos mQleculares que regulam a biologia dos tumores. Aqui, descrevemos os mecanismos da angiogênese e da formação de metástases, dois dos eventos que mais caracterizam os tumores malignos. Esses dois fenômenos estão diretamente relacionados e serão discutidos separadamente, apenas com o objetivo de facilitar o entendimento. ANGIOGÊNESE H ISTÓRICO
O desenvolvimento e a proliferação das células durante o crescimento normal e fisiológico dependem diretafuente do adequado suprimento de oxigênio e de fatores de crescimento, além da retirada de resíduos tóxicos que poderiam comprometer a sobrevida celular. Já em 1955, Tomlison verificou que a difusão radial do oxigênio em tecidos sólidos ocorre em apenas 150 a 2ÜÜJ..lm a partir dos capilares. Sem adequado suprimento vascular, além desse limite ocorre a morte celular5. Da mesma follT!a que na organogênese e em situações de anabolismo fisiológico, por exemplo, durante o processo da cicatrização, a expansão tumoral depende.da proliferação de vasos e capilares, conhecida como angiogênese. Desde meados da década de 1940, quando Coman e Sheldon 7 espe-
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cularam sobre a proliferação celular a pat1ir da observação de hiperemia ao redor de tumores implantados em camundongos, a angiogênese tem sido ativamente estudada por vários grupos. Um dos primeiros estudos, realizado em melanomas, permitiu a classificação da vascularização em dois principais tipos de vasos: os que supriam apenas a periferia do · tumor, associados à freqüente necrose central observada em tumores de crescimento rápido, e vasos que pareciam penetrar a intimidade do tumor, responsáveis pela real vascularização da intim idade do tumor. Posteriormente, a análise detalhada da ul tra-estrutura revelou a existência de três tipos principais de vasos: os derivados de capilares, com paredes delgadas; os sinusóides, desti tuídos de endotélio e recobertos por células tu morais, e finalmente v:1sos maduros, de aparência normaiJ7 A partir do início da década de 1970, quando a direta relação entre angiogênese e crescimento tu moral foi proposta 15·16, muitos trabalhos confirmaram a angiogênese como condição fundamental para o crescimento tanto do tumor primário quanto das metástases dele originadas. Em 1974, Liotta e coi.~J concl uíram que o desprendi mento, a embolização e a dissemi nação celula res são eventos subseqüentes à vasc ularização do tumor primá1io. Estudos mais recentes relacionaram a mielossupressão decorrente de quimioterápicos como a doxorrubicina à supressão da angiogênese 36, suportando o conceito de que tumores usufruem de mecanismos homeostáticos para o próprio desenvolvimento. O conhecimento sobre a fi siopatologia e os mecanismos da angiogênese tem, portanto, avançado muito durante as últimas seis décadas. No entanto, importantes questões ainda permanecem sem resposta, como por exemplo estágios na evolução dos neovasos que poderiam ser utilizados como alvos em terapias anticâncer. MECANISMOS MOLECULARES DA ANGIOGÊNESE
O processo da angiogênese inicia-se com a formação de brotos originados de células endoteliais de microvasos capilares que proliferam, migram e penetram o estroma do tecido, em geral na direção da fonte originári a das moléculas determinantes do processo. Posteriormente, os brotos capilares se desenvolvem e se transformam em capilares madurosL'. A indução da angiogênese é mediada por inúmeros fatores provenientes ta nto de células tu morais quanto não tumorais, como, por exemplo, células endoteliaisu, linfócitos-T26 , mastócitosJ0, macrófagos 35 ·H e suas citocinas21. Muitos fatores derivados dessas e de outras células são conhecidos, como o fator de necrose tumoral a (TNF-a.), a interleucina 8 (IL-8), endotelinas, angiotropinas e moléculas pertencentes à família dos fatores de crescimento de fibroblastos (FGF), dos fatores de crescimento epidérmico (EGF), dos fatores de crescimento de endotélio vascular (VEGF) e dos fatores de crescimento endotelial derivadQ de plaquetas (PDGF), entre outros. Algumas das características mais importantes dos vaso?. formados na angiogênese tumoral, diferentes ·da vasculatura resultante da angiogênese fis iológica do crescimento e da cicatrização são: a presença de um maior número de fenestrações intercelulares, a associação anormalmente fro uxa entre
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pericitos e o endotélio tumoraF9 e a expressão significati va ele marcadores que são inex istentes ou quase indetectáveis no endotélio de vasos sanguíneos nonnais 33·J 1, como av-integrinasJ·5 e receptores para certos fatores de crescimento". Essas diferenças fazem com que: I) o interstício tumoral seja mais acess ível a tnoléculas e células ci rculantes e 2) o cnclotélio tu moral possa ser-usado como alvo parã terapi a tumorespecífica.l·1931 . De fato, novas modalidades de tratamento anticâncer, dirigidas de acordo com as características mole ~ culares expressas nas células tumorais e em seu endotélio, foram avaliadas em modelos animais, a ]XIl1ir da utilização ela tecno logia de apresentação de bacteriófagos (P//(fge disp/ay) .
Bacteriófagos (ou simplesmente fagos) pertencem a um grupo de vírus bacterianos com fi ta única ele DNA envol ta dentro ele um longo capsídeo protéico cilíndrico (Fig. 9.1). A classe Ff de f:1gos é a mais estudada e os fagos pertencentes a essa classe utilizam a ponta do pilo como receptor, portanto infectam especificamente E. coli que contém o plasmídeo F. Bacteriófagos não promovem a morte da bactéria hospedeira, e durante a infecção ocorre a replicação ela fita de DNA vira!, resultando na formação de uma nova fi ta ún ica de DNA. A tecnologia de apresenwção de fagos foi descrita em 1985 41 e inicial mente desenvolvida para o mapeamento de sítios de ligação de anticorpos através do estudo da interação de bibliotecas de fagos que expressam peptídeos randomizados com imunoglobulinas i mobil izad:1s~ . Essa tecnologia tornou-se uma potente ferramenta par:1 o estudo de interações protéicas-19·J 1e é comumente utilizada para a seleção de peptídeos, anticorpos e proteínas recombina ntes capazes de ligação específica in vitro31 . Uma de suas grandes vantagens é a capacid:1de de detectar a dispon ibilidade de receptores nos tecidos não só baseando-se em sua expressão, como t:1mbém nà·acessibil id:1de a um probe circulante. A construção da bi bl ioteca de fagos consiste na fusão e expressão de polipeptídeos randomizaclos na proteína de superfície piii de bacteriófagos filamentosos M 13. Bibli otecas com enorme variedade ele permutações (até 109 polipeptídeos) podem ser expressas na superfície das partículas ele fago, permi tindo o estudo de interações específicas entre esses peptídeos e seus receptores em cul tura de célul:1s e tecidos in vitro. O estudo do painel consiste basicamente nos seguintes passos: exposição ela bibl ioteca ele fagos-peptídeos à proteína em questão; remoção dos fagos não ligados; recuperação e propagação dos fagos ligados através da infecção bacteri:1na; sucessivos rounds são normal mente re:1lizados para a obtenção da seleção ele peptídeos que se ligam à proteína em questão. A utilização in vivo dessa tecnologia foi inicialmente descrita em 1996.1-l, quando peptídeos com afinidade seletiva pelo endotélio do rim e do cérebro fora m identificados em· animais de experimentação. A seleção in vivo (Fig. 9.2) consiste in icialmente na injeção endovenosa ela biblioteca de f:1gos -no animal de experimentação (usualmente o camundongo), devi0
Fig. 9.1 - Estrutura do bacteriófago. As proteinas que constituem o fago estão apontadas (setas). A proteina p/11 é o sítio mais comum para a apresentação de peptídeos.
damente anestesiado. Os fagos devem permanecer circulando por cinco a 10 minutos e o camundongo é então perfundido com solução salina tamponada com fosfato ou meio de Dulbecco modificado (DMEM) através de cateter inserido no ventrículo esquerdo. Deve ser realizada secção completa da veia cava inferior, para permitir a drenagem do líquido de perfu são. Após a perfusão, os órgãos de interesse são recuperados, pesados e homogeneizados. Após três lavagens com DMEM, os fagos que apresentaram ligação específica e não foram retirados na lavagem são recuperados através de infecção do homogeneizado com solução contendo E. co/i em fase de multiplicação logarítmica. Após a infecção, diluições seriadas da solução são pipetadas em placas de Petri , contendo LB/agar e antibióticos apropriados. O resto da cultura bacteriana permanece em incubadora por aproximadamente 12 horas (usualmente durante a noite). No dia segui nte, a quantificação da afinidade dos fagos é realizada pela contagem das colônias bacterianas nas placas de Petri em relação aos órgãos de interesse. Os fagos são precipitados da cultu ra bacteriana que permaneceu em crescimento e utilizados para os sucessivos rounds da seleção in vivo. Geralmen te, três rounds são suficientes para a seleção de fagos-órgão e tumor-específicos, no entanto outros rounds podem ser realizados. Após o enriquecimento desejado do conj unto de fagos para um certo órgão ser obtido, aproximadamente 50 clones dos últimos dois rounds de selação são seqüenciados. Essas seqüências são comparadas entre si para a identificação de peptídeos semelhantes. Uma observação comum é que a mesma seqüência de tri peptídeos que apresenta a afinidade pelo órgão em questão aparece situada dentro de diferentes fagos recuperados. A selelividade dos clones é então validada pela comparação individual da sua capacidade de ligação a outros órgãos e também da ligação de um fago que não contém peptídeo32 . Esse estudo foi o primeiro passo na seleção e identificação de marcadores endoteliais. Desde então, a identificação de pares receptores/ligantes foi descrita para vários tecidos murinos, como rim, pulmões, pele, pâncreas, intestinos, útero, adrenal, retina e músculos. O processo de seleção in vivo traz consigo desafios devido à grande quantidade de variá-
veis que nele estão envolvidas. Apesar dessas dificuldades, o método apresenta importames vantagens. Primeiro, peptídeos expressos no fago são identificados através de avaliação funcional, que deve ser específica e ultrapassar os mecanismos naturais de degradação. Segundo, peptídeos que reconhecem proteínas de superfície plasmáticas e/ou inespecíficas são depletados do conjunto total de peptídeos. Finalmente, a seleção in vivo de peptídeos mostrou ser capaz de identificar receptores endoteliais expressos seletivamente em tumores. Esses receptores, específicos do endotélio tumoral, podem servir como marcadores tumorais moleculares, alvos para terapias dirigidas e até para o mapeamento da vasculatura normal e tumoral. TERAPIA ANTICÂNCER D IRIGIDA E ANGIOGÊNESE
Uma das maiores conquistas resu.ltantes da identificação de marcadores endoteliais tumorais é o desenvolvimento de terapias anticâncer órgão-dirigidas. Dados recentes obtidos em nosso laboratório têm mostrado vantagens na utilização de compostos quiméricos, formados por peptídeos órgão-dirigidos associados a peptídeos pró-apoptóticos ou compostos quimioterápicos, no tratamento de vários tipos de tumores e na ablação ou retardo do desenvolvimento tumoral em modelos animais. Na tentativa de desenvolver uma terapia menos traumática a indivíduos portadores de patologias prostáticas, utilizamos peptídeos que apresentavam ligação específi ca ao· endotélio vascular prostático no tratamento de camundo ngos transgênicos que desenvolve m tumores prostáticos malignos (adenocarcinomas) de forma espontânea (TRAMP). Após a seleção dos peptídeos através da tecnologia de apresentação de fagos, estudamos sua habilidade em dirigir preferencialmente à próstata um composto biologicamente ativo, capaz de induzir apoptose9 . O resultado foi a destruição do parênquima prostático e o retardo no aparecimento dos tumores. no grupo de camundongos tratados com a quimera ativa'. Em outro exemplo da utilização de marcadores moleculares de angiogênese na terapia anticâncer dirigida, utilizamos uma quimera formada pela ligação da droga anticâncer doxor-
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Recuperação dos lagos
·~
Lígação in vivo dos lagos
Perfusão e/ou lavagens
Vaso sanguíneo
Aumento da afinidade dos lagos
Fig. 9.2 - Caracterização do processo de seleção in vivo de fagos. Inicialmente, a biblioteca de fagos é injetada em veia da cauda do camundongo. Após tempo preestabelecido de circulação, o órgão ou tecido em questão é coletado e os fagos ligados são recupera dos e amplificados através de infecção com E. coli em fase logarítmica de crescimento, sendo então novamente injetados, dando-se início ao round seguinte da seleção.
rub ic ina ou de peptídeo pró-apo ptótico'J às seqüências CNGRC (cisteína-asparagina-glici.na-arginina-cisteína) e RGD4C (arginina-glicina-ácido aspártico envoltos num peptídeo duplo-cíclico). identi ficadas a partir de uma biblioteca de fagos, no tratamento de tumores de mama implantados no tecido subcutâneo de camundongos. O composto apresentou aumento na eficácia e redução na freqüência de efeitos cola-. te ra i s;·~.
Alguns dos fatores de crescimento quase que exclusivamente expressos no endotélio vascular tumoral, como a aminopeptidase NJJ. as metaloproteases de matriz46 e as integri nas a.v~3 e a.v~5 17 • participam também na regulação do processo da angiogênese 5•11• A aminopeptidase N (também conhecida como CD 13) tem papel fundamental na angiogênese. Ela mostrou-se presenre no endotélio vascular tumoral e indetectável em todas as outras estruturas endoteliais estudadas. Seus antagonistas suprimiram o desenvolvimento de tumores de mama em modelos animais e suprimiram a angiogênese num modelo experimental de neovascularização retiniana induzida por hipóxia·;J_ Uma das maiores dificuldades na elaboração e implantação de novas terapias anticâncer é a transição entre os estudos em animais e o tratamento anticâncer de humanos. Todos os trabalhos até aqui descritos, que identificaram receptores no endotélio vascular através do uso da apresentação de fagos, foram realizados em modelos animais. A primeira vez q~e essa tecnologia foi utilizada em humanos com o objetivo de mapear o endotélio foi por nós descrita recentemente!. Através da utilização da tecnologia de fagos em indivíduos com morte cerebral, verificamos que peptídeos circulantes contendo mais de 47 mil seqüências de oligonucleotídeos
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apresentaram afi nidade pelo endotélio vascular de diferentes órgãos, numa distribuição não-randômica. Ainda mais, certos peptídeos circulantes ligaram-se especificamente a receptores conhecidos do enc.lotélio vascular de órgãos dos quais os peptídeos foram recuperados. Um dos exemplos de peptídeo que apresentou afinidade seleti va pelo endotélio vascular da próstata mostrou-se muito semelhante à interleuc.ina-11 (IL11 ) e atualmente está sendo estudado como possível ferramenta no tratamento do adenocarcinoma de próstata. O mapeamento do endotélio vascu lar oferece. portanto, muitas aplicaç!3es clínicas em potencial, tanto para a terapêutica anticâncer quanto para doenças benignas como a hiperplasia prostática e a endometriose. Acredi tamos que em última instância poderá ser possível a realização de um perfi l molecular da vasculatura dos diversos órgãos em diferentes condições e. se esse objeti vo for alcançado, visualizamos uma nova modalidade de terapia-dirigida de doenças, baseada no perfil vascular do endotélio do órgão ou tecido afetado.
METÁSTASE Dentre toda<> as características dos tumores malignos, talvez a que mais influencie a evolução e o prognóstico da doença seja a presença de metástases. Definida como sendo a presença de células tumorais em outros tecidos do organismo que não-o sítio primário do tumor,_usualmente a presença de metástases envolve a circulação de células tu morais por vasos linfáticos ou sanguíneos!4 . Para que células tumorais sejam capazes de desenvolver-se numa me'lástase, elas devem sobreviver a uma série de interações com os mecanis-
mos homeostáticos do hospedeiro que são potencialmente fatais. Portanto, não é surpreendente ser relativamente rara a freqüência de metástases dentro do imenso uni verso de tumores malignos descritos no ser humano. A aquisição das características fenotípicas que permitem a invasão tecidual e a formação de metástases resulta da ativação ele genes promotores e da inativação ele genes supressores de invasão teciclual. Entretanto, a cápaciclacle de in vasão não é exclusiva ele células neoplásicas. Ela é também observada em células embrionárias e leucócitos, e o mecanismo utilizado é semelhante em todos os casos. Desde o início dos estudos sobre a evolução do câncer, o processo de formação das metástases foi dividido em fases que são essenciais e interligadas em todos os tipos de tumorcs18. Inicialmente, a célula neoplásica deve se multiplicar c, para isso, utiliza nutrientes provenientes do microambiente do tecido onde está local izada. Esse processo ocorre por difusão c é suportado pelo conceito que tumores em desenvolvimento podem utilizar mecanismos homeostáticos do hospedeiro36. Entretanto, conforme discutido anteriormente, o oxi gênio obtido por difusão alcança aproximadamente 15Üf1m e, portanto, é capaz de suprir um tumor de até I ou 2mm de diâmetro13. A partir daí, a angiogênese é necessária para a sobrevivência das células e para o crescimento do tumor. O passo seguinte na formação de metástases é o desprendimento das células do tumor primário. Para isso, as células tumorais dependem da regulação negativa de molécu las de coesão e adcsinas, como por exemplo as E-caderinas 22 ·-'~, e da capacidade de motil idade celular. A motil idade celul ar é determi nada por alterações no citoesqueleto e por resposta a fatores como trombopl astinas~9 e de automotilidade 10·~s. Após a migração tec idual , as células devem entrar na circulação do hospedeiro. Uma vez que caem na circ ulação, a grande maioria padece em decorrência de vári os fatores, como sua deformabili dade, seu poder de agregação e moléculas de adesão expressas em sua superfície. Além destes, fatores do hospedeiro como macrófagos, plaquetas, cé lulas Hatural killers e a própria turbulência do sangue di ficultam a sobrevivência das células neoplásicas na circulação. As que sobrevivem devem aderir a receptores presentes nos pericitos ou nas células do endotélio e/ou a moléculas da membrana basal do órgão-alvo, como as proteogl icanas e o colágeno tipo IVfi.s_ Em seguida, as células devem sair do vaso e penetrar o parênquima do órgão-alvo. Entre as enzimas envolvidas na in vasão tecidual estão as metaloproteinases de matriz, produzidas por células neoplásicas e também por células do tecido conectivo6A 3 • Após a adesão e o extravasamento celular, deve ocorrer a proliferação celular para o desenvolvimento do tumor. Para isso, as células sofrem influência autócrina, endócrina e parácrina de fatores de crescimento, além de serem capazes de burlar os mecanismos de defesa do órgão-alvo. Uma vez que a metástase alcança o diâmetro l-imite de difusão do oxigênio, inicia-se novamente o processo de angiogênese da mesma forma que no tumor primário, dessa forma permitindo a sobrevivência e o crescimento da n'letástasc. As células da metástase podem então sofrer processo semelhante ao do tumor primário, dessa forma caracterizando o que conhecemos por metástases de metástases.
O padrão de envol vimento linfático de um tumor depende claramente da via de drenagem do órgão primário. Células malignas podem invadir canais linfáticos diretamente, podem passar de vasos sanguíneos para linfáticos e vice-ve rsa, mostrando que existe uma comunicação veno-linfáLica complexa nos linfonodos e ~ m outros tec idos '~. Um dos exemplos mais clássicos de doença metàstática é o câncer de próstata. Há muito foi reconhecido que o sítio preferencial de formação de metástases no adenocarci noma de próstata são os ossos, principalmente ossos pélvicos c da coluna vertebral. No entanto, o fator que determina essa preferência, ou seja, o fator que determina o local (órgão ou tecido) aonde células neoplásicas circulan tes vão se ader ir c proliferar, tanto no ade nocarcinoma de prós tata quanto em outras neoplasias, não é conhecido. Em 1889, Pagct descreveu a teoria de seed ond soi/ (semente e solo), e concluiu que as células neoplásicas (sementes) tinham uma afinidade especial por ambientes encontrados em órgãos e tecidos específicos (solo)'0 . É fácil imaginar que as células neoplásicas circul antes não reconhecem moléculas e receptores no interstício ou nas células do órgão-alvo, mas sim em seu endotélio, nos pericitos ou ainda na membrana basal de seus vasos sanguíneos ou linfáticos. Baseados nessa premissa, acreditamos que o endotélio de cada órgão ou tecido tem receptores, células e propriedades diferentes, seja ele tumoral ou nãot. 2 • 3~·J • Ainda mais, uma vez que a angiogêncsc tu moral difere da fisiológica, o endotélio tumoral apresenta um repertório de moléculas e receptores diferentes dos encontrados nos vasos do órgão de origem do tumor. Uma das diferenças entre o endotélio do órgão primário, do tumor c de suas metástases é a expressão em diferentes níveis de moléculas e receptores presentes no endotélio normal. Quando h;í um aumento significativo da expressão de moléculas específi cas no tumor ou na metástase, existe o reconheci mento do sistema imu ne que; em última análise, pode ser quanti fic;tclo pela concentração sérica de an ticorpos fo rmados contra essa determinada molécula. Em publicação recente, mostramos que o repertório de anticorpos circulantes de pacientes com câncer de próstata pode ser caracterizad·o através da tecnologia de fagos~s. Esses anticorpos, puri fi cados de pacientes com adenocarcinoma de próstata, foram reconhecidos de forma específica por peptídeos expressos nos fagos. A proteína que desencadeou essa resposta foi reconhecida e está sendo estudada como marcador de doença avançada, já que se mostrou inversamente relacionada à sobrevi da dos pacientes 2x. Além di sso, poderá tornar-se alvo na utilização de terapias anticâncer dirigidas. Após o tratamento de pacientes portadores de doença maligna, a recorrência tumoral é a questão mais importante. Entretanto, em alguns casos é observada recorrência muitos anos após o tratamento do tu mor primúrio. Acredita-se que células tumorais podem permanecer quiescentes e viáveis, no entanto os mecanismos que determinam essa fase do ciclo celular não são conhecidos. Uma das possíveis explicaçõe-s para a ocorrência de metástases longo tem po apos o tratamento do tumor primário é o envolvimento das células em tecido conectivo, mantendo-as relati vamente pouco vascularizadas, permitindo a proteção contra os mecanismos ele de7
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fesa e contra os age ntes q u imioterápicos~ • Outra possível razão para o aparecimento de metástases longo tempo após o tratamento do tumor primário é o equilíbrio entre a divisão celular e a apoptose27 , o que manteria o tumor num volume constante e suficientemente pequeno para não ser detectado pelos métodos diagnóst icos existentes atualmente. Num determinado momento, o número de célul as em divisão celular passaria a ser maior que o de células em apoptose, permitindo novamente o crescimento do tumor.
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FUTURO
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O estudo da angiogênese e a caracterização do mecanismo de formação das metástases ainda têm mu ito a ser explorados; no entanto, o emprego de novas técni cas e a otimização de métodos antes uti lizados para outras fi nalidades permitirão os avanços necessários para a compreensão desses fenômenos e para a melhora da terapia anticâncer.
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