LÍNGUAS JUVENIS E DOS ESTRANGEIROS NA AMAZÔNIA: DIÁLOGOS ENTRE O LOCAL E O GLOBAL NA PERFORMANCE DE BANDAS DE PUNK ROCK EM BELÉM DO PARÁ Introdução Este trabalho consiste numa leitura semiótica de um contexto que envolve línguas juvenis e dos estrangeiros, com análise de performances de integrantes que atuam em bandas de punk rock em Belém do Pará para identificar possíveis diálogos entre o global e o local, não apenas na sua língua e no seu produto musical, mas no seu modo de ser e agir na sociedade, como indivíduos que habitam a região amazônica. O punk surgiu como uma língua juvenil, como afirma Abramo (1994), como formas de elaboração e expressão de questões relativas à vivência da condição juvenil englobando várias linguagens, como um movimento de contracultura e de crítica à base ideológica do rock – feito para dançar sem questionar o sistema em que estava inserido – como uma variante do gênero, uma nova subcultura juvenil, trazendo um comportamento estético, musical, literário e social inusitados a um público jovem, inicialmente nos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Austrália, entre 1974 e 1977, espalhando-se pelo mundo. Optei pelo contexto de criação e atuação de músicos antigos, visto que o punk chegou a Belém no início dos anos 80, e que estão atuando há anos no movimento até os dias de hoje, considerando o sistema sígnico encontrado no objeto/sujeito de estudo, para além de letras grafadas, conforme doutrina estética dominante de sua época, a qual constitui uma influência decisiva na sua criação/atuação. Este estudo aponta convergências e/ou divergências na atuação de integrantes de bandas com relação ao subgênero musical estrangeiro adotado para o seu fazer artístico. Por se tratar de música urbana contemporânea cito como base teórica Cauquelin (2005) que afirma que a tendência das obras contemporâneas é não depender de formas préestabelecidas, pois assinalam ou compõem/expõem, no máximo, sugestões de ecos poéticos que podem ser percebidos por críticos e teóricos e pelo público; Mukarovský (1997) que se refere aos valores extra-estéticos como elementos que se relacionam numa cadeia/rede de signos/significantes/significados infindos e García Canclini (2006) que ratifica a afirmação sobre um entrecruzamento entre o global e o local na América Latina. Há pouca bibliografia na região que contemple esse segmento de música urbana na Amazônia, portanto em meus estudos utilizo recursos como audição de gravações musicais, pesquisa de campo e entrevistas semiestruturadas, os quais revelaram os vários aspectos linguísticos, sociais, culturais, entre outros presentes, inclusive, na performance desses grupos de músicos.
Performance e Performatividade Punk Zumthor (2014) cita Hymes numa espécie de resumo em três momentos para falar na atividade de um homem no seu grupo cultural: 1. Behavior, comportamento, tudo o que é produzido por uma ação qualquer; 2. Conduta, comportamento relativo às normas socioculturais, sejam elas aceitas ou rejeitadas; 3. Performance, uma conduta na qual o sujeito assume aberta e funcionalmente a responsabilidade. Optei por estudar, portanto a performance de músicos em bandas punks, pois, por mais que os integrantes descrevam sua produção como antimúsica, fazem-na com instrumentos e notas musicais, ritmo e andamento determinados. Em sua performance é também interessante o fato de oralizarem suas gírias e termos específicos do movimento punk, sua forma de protesto contra o sistema estabelecido. Féral (2009), ao descrever um performer, cita Schechner que define três operações semelhantes: 1. Ser/estar; 2. Fazer; 3. Mostrar o que faz. Sobre a obra performativa, em que o artista investe em si mesmo, a autora afirma que os textos evocam a “vivacidade” dos performers, de uma presença fortemente afirmada que chega, inclusive, a uma situação de risco real e implica em um gosto pelo risco. Num gig1 de punk rock, essa vivacidade e o gosto pelo risco são vistos por meio não apenas do vocal enfático ao cantar ou falar seu discurso que denuncia as mazelas de um local com um governo insatisfatório que, portanto, é repudiado, como pelo vigor com que tocam seus instrumentos, os quais servem como válvula de escape de sua ira, algo também percebido na sua expressão facial. A autora acrescenta, ainda, o conceito de performatividade principalmente como um aspecto lúdico do discurso sob suas múltiplas formas, sejam elas visuais ou verbais do performer, do texto, das imagens ou das coisas. Dentro deste conceito chamo a atenção para a estética punk, pois mesmo o músico fora do palco, ao caminhar nas ruas individualmente ou em grupo, sabe que está sendo observado e interage com a sociedade que o observa com sua imagem própria e diferenciada. Em entrevista, alguns punks em Belém afirmaram que a adaptação do visual ao clima local resultou numa composição um pouco diferente do punk estrangeiro com jaquetas de couro e arrebites2. Usava-se roupas mais leves, calças rasgadas e camisetas de algodão, mas ainda assim, o visual era agressivo e destoante com relação à sociedade local, sendo algo antissocial.
1 Gíria da língua inglesa que significa performance musical ao vivo. O termo foi adotado pelos punks com o sentido de não haver estrelas e nem a dicotomia: palco x público. 2 Pequenas peças de metal, em forma de cone, geralmente cravadas em jaquetas, pulseiras e cintos.
Sua linguagem, seu modo de agir revelam, portanto, elementos de identificação próprios. Um dos elementos mais importantes desses grupos é o fanzine3, um meio de comunicação entre os punks, que são espécies de revistas artesanais com informações sobre bandas, seus conteúdos, o cenário musical do gênero, entre outras. No caso das cidades brasileiras, contém uma visão macro da situação social econômica e política do país com algum tipo de conscientização. Punks que produzem esse material em Belém informaram que no Brasil os fanzines receberam outra conotação, a partir dos punks anarquistas, e o nome sofreu uma redução, passando a se chamar apenas ‘zine’.
Estrangeirismos na Amazônia Híbrida Caiafa chama a atenção para este caráter estrangeiro do rock, a partir de sua origem básica de mistura de diferentes referências, e que lhe dá a possibilidade de se acoplar às diversas linguagens e continuar sendo sempre rock. Em cada lugar em que chega, será a ‘mistura de um elemento de fora com um elemento de dentro’ [...] é este ‘estrangeirismo’ do rock que lhe permite ser adotado como uma linguagem internacional da juventude, estranha em uma sociedade pela sua condição etária. (ABRAMO, 1994 pp. 96-97)
O próprio termo ‘punk’ significa madeira podre, conforme dicionários e depoimentos de integrantes do movimento. A música punk, ou como seus integrantes a chamam, a antimúsica, que tem por lema o termo estrangeiro “do it yourself” (faça você mesmo) não exige grandes aparatos e virtuosismo e qualquer jovem pode fazê-la. Além do nome e do lema introduzidos no mundo todo, destaco mais três: ‘Patch’ = do inglês, remendo, ou seja, pedaços de panos com palavras de ordem ou nomes de bandas costurados nas roupas para cobrir seus buracos; ‘Point’ = do inglês, locais de reunião entre punks; ‘Pogo’ = termo de origem africana, uma dança da qual os punks se apropriaram como uma forma de extravasar seu ódio internalizado contra tudo o que os oprime. Este termo, além de substantivo, tornou-se verbo no Brasil, usado em expressões como, por exemplo: “Ela vai pogar no meio dos punks”. Em Belém do Pará, o punk rock se faz presente desde o início dos anos 80 e imediatamente adotou-se a língua portuguesa nas suas letras. A primeira banda surgiu por volta de 1982 com o nome The Podres, uma união do artigo ‘os’ em inglês com a palavra ‘podres’ em português. Seu nome mudou depois para Insolência Públika por causa de um trecho de uma canção da banda inglesa The Clash “This is a public service announcement” (Este é um anúncio de serviço público). O vocalista, ao ouvir esta frase numa fita cassete, entendeu algo como ‘insolência pública’. Percebemos, portanto, que o músico associou alguns fonemas da língua inglesa aos da língua portuguesa na tentativa de traduzir a expressão. 3 Termo que vem da língua inglesa: fanatic+magazine (revista de fã).
Outro estrangeirismo presente em nomes de bandas está na criação da Baby Loyds, como uma maneira de dizer que os integrantes eram muito jovens. Curiosamente uma banda adotou o nome da polícia secreta alemã ‘Gestapo’, pois justamente por ser o punk antifascista, a banda o adotou com ironia, porém, mudou depois para Ato Abusivo. Segue o exemplo de uma letra desta banda, com uma temática que retrata uma realidade constante no Pará: Sul do Pará – Gestapo Fazendeiro mandou matar o líder dos Sem Terra Estrangeiro expulsou seringueiro do seu lugar Garimpeiro invade terra de índio só pra explorar o chão Sul do Pará, morte e perseguição. Além de retratar a realidade local a banda incluiu um trecho de Carimbó, gênero musical típico da região. Sobre a inserção do ritmo local na canção da banda, o autor Márcio Roberto Siqueira afirma “Tão punk como é uma banda de punk rock HC é o movimento que essa galera da cultura popular faz também de estar resistindo ali; então eu vejo assim: é resistência, pra mim é punk, merece o meu respeito!”. Retomando os zines em Belém, seus textos verbais e não verbais possuem conteúdos locais e globais, ou seja, há conteúdos de bandas belenenses, nacionais e de outros países, conforme a figura abaixo: Figura 1:Zine publicado por um fã em Rede Social
Numa análise da esquerda para a direita da imagem, este zine criado nos anos 90 traz informações sobre: uma coletânea com bandas internacionais da Holanda, França, E.U.A entre outros países; a banda local Delinquentes; uma banda de Natal – RN, visto que a comunicação com bandas do nordeste era constante; uma banda francesa; a banda mineira Atack Epiléptico, observando-se o termo Atack com um único ‘t’, num misto entre português e inglês; uma demo da banda Baby Loyds (escrito BABELOYDs, com o ‘y’ substituído pelo grafema ‘e’ talvez pela semelhança
de
sons
entre
as
duas
letras).
Há, portanto uma ‘hibridação’ na obra e performances estudadas até aqui, no sentido
de troca, mistura entre culturas diferentes, tal como a diversidade cultural relatada por Bhabha (1998) como intercâmbio de signos culturais, algo visível no seu processo de criação.
Conclusão O rock produzido no Pará tem leituras diversificadas, visto que a região amazônica é permeada por uma cultura híbrida e uma sociedade com diversos problemas econômicos, sociais, contradições políticas, dentre outros e o punk rock seria a vertente principal a questionar esse caos local e global ao resgatar a força política do próprio rock fazendo dele um instrumento de intervenção, fato constatado na performance e performatividade dos integrantes de bandas . Os músicos, portanto, assimilam elementos estrangeiros buscando adaptá-los ao seu contexto local e, apesar de adotarem alguns desses elementos, muitos rejeitam a língua inglesa, principalmente os da América Latina que optam por sua língua materna ou o esperanto considerado uma língua de resistência em oposição à língua do colonizador. Sua performance vai desde cantar/discursar em português a criar seus próprios zines, festivais e eventos beneficentes; em alguns casos mesclam outras células rítmicas às composições, às vezes regionais. Apenas bandas antigas adotam o título punk, hoje o rock que mais se aproxima do gênero é considerado hardcore, adotando-se a abreviatura ‘hc – expressão que significa algo executado de forma dura e extrema – variando, por vezes, o gênero que dizem executar, com nomes como fastcore, emocore, thrashcore, entre outros.
Referências Bibliográficas: ABRAMO, H. W. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. 1ªed. São Paulo: Editora Página Aberta Ltda, 1994. BHABHA, H. K. O Local da Cultura. Tradução de Ávilla, M; Reis, E.L.L; Gonçalves, G.R. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. CAUQUELIN, A. Teorias da arte. Tradução de Rejane Janowitzer. São Paulo: Martins, 2005. FÉRAL, J. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. Sala Preta. São Paulo, v.8, p. 197-210, abr. 2009. GARCÍA CANCLINI, N. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4ªed. Tradução de Heloísa Pezza Cintrão e Ana Regina Lessa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
MUKAROVSKÝ, J. Escritos sobre estética e semiótica da arte. Tradução de Manuel Ruas. Lisboa: Editorial Estampa, 1997. ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção e leitura. Tradução de Jerusa Ferreira e Suely Feneroch. 1ªed. São Paulo: Cosac Naify, 2014.