A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES JUVENIS ‘TRADICIONALISTAS’ GAÚGHAS NO SITE ORKUT
Elisabete Maria Garbin
[email protected] Lisandra Veiga dos Santos
[email protected] Orientadora: Elisabete Maria Garbin Departamento de Ensino e Currículo Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre/RS O advento da internet na contemporaneidade tem modificado e constituído modos de vida, para tanto houve uma disseminação de ciberespaços para a auto-narrativas, que são oferecidos em blogs, msn messenger, Yahoo messenger e o site de relacionamentos mais popular o Orkut. São espaços que na maioria das vezes proporcionam anonimato, mas que podem por outra via, dar visibilidade à identidade do participante, proporcionando, também, espaços para construção de inúmeras identidades, modos de ser, culturas que são compartilhadas em países diferentes e distantes geograficamente uns dos outros, o que é suplantado por Hall apud Garbin (2003, p.122)
As comunidades virtuais estabelecidas através da Internet se inserem nessa malha de globalização a qual permite que jovens de culturas distintas tornem-se onipresentes na Rede, falando sobre músicas de todo mundo, por exemplo. Esses ‘fluxos culturais’ entre as nações e o consumo global criam possibilidades de ‘identidades partilhadas’.
São muitas as possibilidades de pertencimento nas comunidades virtuais – no caso desse estudo, do orkut –, formadas a partir de temáticas diversas, as quais passam a ser ferramentas identitárias dos indivíduos vinculados a elas. Tais comunidades dão lugar a vários movimentos culturais como o hip-hop, como o rock, como punk, etc. Entretanto, a cultura gaúcha, que por ser marcadamente difundida apenas nos Centros de Tradição Gaúcha (C.T.Gs) vem ganhando território e seguidores através de comunidades criadas para sua divulgação. Percebe-se a partir dessas comunidades que seus membros, em maioria, são jovens que cultuam o tradicionalismo gaúcho e vêem nesses espaços formas de divulgaçãoconstrução de tais identidades culturais. ISSN - 1982 - 887X.
O objetivo principal desta comunicação - parte de um estudo maior sobre identidades juvenis em territórios culturais contemporâneos1 – é trazer o recorte de pesquisa2 em andamento que focaliza os modos como os jovens que cultuam o Tradicionalismo Gaúcho se narram e são narrados em comunidades do Orkut, ou seja, como se descrevem ou exibem suas preferências relacionadas ao tradicionalismo gaúcho, inseridos na cultura gaúcha. Objetiva-se estabelecer uma relação intrínseca das comunidades com a disseminação e a construção de identidades juvenis tradicionalistas, tensionando o multiculturalismo que se configura nos currículos escolares, que se dizem neutros ou que não valorizam a(s) cultura(s) do alunado no que decorre sua região, modos de ser. Entretanto, para esta comunicação, vou me deter especificadamente em analisar três categorias, a saber: as comunidades (com fóruns para debate entre os membros e com títulos que muitas vezes descrevem modos de ser); os perfis (com dados pessoais como gostos e costumes); e os álbuns (utilizados para divulgar as fotos e imagens dos membros), retirando apenas dois exemplares de cada categoria e com a devida permissão e consciência dos membros.
Narrando comunidades
A postagem de um jovem, na comunidade intitulada Eu sou gaúcho tradicionalista, traz em sua descrição a seguinte narrativa:
Eu venho de um lugar onde a gente ouve os velhos, acredita nos jovens e respeita o eterno. Eu venho de um lugar onde o canto é de campo e de rio, mas, sobretudo eu venho de um lugar onde o homem tem pátria, pensa e opina.’EU SOU GAÚCHO’ [ . . . ] Comunidade pra reunir toda indiada que aprecia a verdadeira tradição gaúcha e que respeita os nossos costumes. Pra quem gosta da lida campeira, de ir pra fora, andar à cavalo...e não abre mão de escutar a verdadeira música gaúcha...E também pra quem tem curiosidade e quer aprender um pouco mais sobre nossa cultura PORQUE SER GAÚCHO É UM ESTADO DE ESPÍRITO!!Se tu simpatiza, apeie e te aprochegue no mas pra o redor desse fogo que vamos discutir tudo relacionado a tradição gaúcha!!!E VIVA O RIO GRANDE!!!”
1
Estudo em desenvolvimento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, na Linha de Pesquisa Estudos Culturais em Educação, sob orientação da Profª Drª Elisabete Maria Garbin. Esta pesquisa está vinculada também ao Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade (NECCSO), como integrante do projeto Culturas Juvenis em Porto Alegre: cenários de múltiplos desordenamentos, coordenado e orientado pela professora acima citada. 2 Pesquisa Financiada pelo CNPq/Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
ISSN - 1982 - 887X.
Remete-nos a uma descrição de um modo de ser jovem, de ser gaúcho, que é legitimado por aqueles que aderem à comunidade referida. Há inclusive uma juventude prescrita e referenda a uma importância e reconhecimento de uma “verdadeira” cultura gaúcha, apontando para um modo único de ser gaúcho. Nessa mesma comunidade encontra-se no fórum [espaço na comunidade, para discussões], eleições de “frases gauchescas mais lindas”, discussões acerca de “O que é ser tradicionalista”, nas quais encontram-se narrativas de como é “ser tradicionalista”, constam condutas como:
Para mim é ter aquele amor e respeito pela tradição do Rio Grande, sentir orgulho de usar a pilcha e não ter vergonha disso. Eu sou tradicionalista por que, não importa frio, chuva, vento, sol ou até mesmo q o céu caia la estarei eu de bota bombacha chapéu e reio, lidando com os meus cavalos e as vacas, se acordando cedo pra ir pra lida e vindo ao entardecer quando o serviço termina para matear solito, pensando na vida, me pilcho até pra ir na escola, todos os dias, só tiro a bombacha para dormir.Eu sou assim por que gosto da tradição deste "grande" Rio Gande do sul. Sou assim por que sou Gaucho, irei pelear até a morte pela tradição do Rio grande.Um quebra costela “coisas de gaúcho”
Percebe-se nos excertos que há uma valoração dos costumes e do cotidiano do gaúcho do campo, quer por sua vez prescreve o comportamento do gaúcho urbano. Para os membros dessa comunidade o gaúcho deve manter respeito pela “pátria”, ou seja, o próprio Estado do Rio Grande do Sul, cujo caráter é sagrado aos que cultuam o tradicionalismo gaúcho. Outra comunidade analisada chama-se: ”Amo ser prenda”, em sua descrição encontramos:
Prendas somos nós, nós que adoramos usar uma pilcha, seja um vestido de Prenda ou uma bombacha feminina!!!!!!! Podemos ser Prenda Campeira ou Prenda Artística! Mas Todas nós somos Prendas e AMAMOS muito tudo isso!!,
Essa cultura ultrapassa a questão de gênero, pois tanto homens participam e ditam condutas, como mulheres apontam para os modos de ser gaúcha, mulher. No fórum dessa comunidade, constam discussões acerca de faixas3, que as participantes relatam de maneira orgulhosa as suas experiências e traçam trajetórias na sua vida tradicionalista. Há espaços nessas comunidades para divulgação de eventos relativos ao tradicionalismo.
3
Faixas são premiações em concursos de prendas dos C.T.Gs, nos quais as meninas concorrem à provas culinárias, de história do Rio Grande do Sul e dotes domésticos. É atribuído um título e uma classificação, como por exemplo, 1° Prenda Juvenil, a menina é a primeira de todas as prendas da categoria juvenil.
ISSN - 1982 - 887X.
Perfis: uma construção mutante de identidades juvenis
Com relação aos perfis, foram analisadas descrições de dois membros das comunidades anteriormente detalhadas. No perfil da internauta que se nomeou Franciele, a narrativa encontrada versa sobre: Venho de um lugar onde a gente ouve as pessoas, acredita nos jovens, respeita os mais velhos, eu venho de um lugar onde o canto é de campo e de rio, mas, sobretudo, eu venho de um lugar onde o homem tem pátria, pensa e opina. Com muito orgulho eu sou GAÚCHA”
Acerca da narrativa referida podemos afirmar que vem carregada de uma ‘conduta padrão’ dos indivíduos, para que os mesmos sejam chamados de “gaúchos/as”. Seus gostos denotam forte ligação com a cultura gaúcha – dança de invernada, música nativistacompõem o perfil analisado outras comunidades ligadas ao tradicionalismo que reforçam seu modo de ser vista pelos membros do site Orkut. Outro perfil é o do internauta Duda, no qual consta a seguinte descrição na forma de poema:
Meu Mundo de Domador Eguada arisca, manhã cedo, geada grandeEstância linda junto ao marco da fronteiraEstampa rude de boinita retovadaNo trote largo da petiça piqueteiraNegro amarante que abre o peito no potreiroÊra cavalo! olha a mangueira pilungamaO tio nicácio saltou queimado pra o mateLidou com as tranças e se amaziou com a própria cam
Ao analisar o poema, constatam-se claramente a presença de artefatos da cultura gaúcha, símbolos típicos de uma conduta ligada ao cotidiano do gaúcho do campo, tais como o cavalo, os “arreios”, os rodeios. O indivíduo em questão identifica-se com essa referencia de tradicionalismo, de modos de ser, e o incorpora na sua descrição de sujeito, sua preferência pela cultura tradicionalista, marcando espaços virtuais dentre seus pares membros do Orkut.
Álbuns: imagens culturais
Álbuns são espaços que os membros possuem para divulgar imagens e fotos. A seguir foram retiradas, com consentimento dos integrantes, imagens que fazem a leitura de uma cultura tradicionalista gaúcha juvenil.
ISSN - 1982 - 887X.
(figura1)
A imagem extraída do perfil de uma jovem, na qual ela exibe danças gaúchas e escreve abaixo da foto: ”Sou do sul”, título de música que discorre sobre o orgulho de ser gaúcho. As próprias ações do sujeito, bem como as imagens, são construtoras de identidades que muitas vezes são lidas num contexto errôneo, legando a tais culturas o status de subculturas ou até mesmo na sua excessiva valoração de hegemônicas.
(figura 2)
Imagem retirada do perfil do jovem Duda. Lê-se na legenda da foto: ”Eita baile bom” que se refere apenas a foto. Apresenta jovens dançando vestidos de maneira típica tradicionalista e explicita a preferência, dentre os jovens, pela dança que é motivo de animação e atividade exercida em grupo, características prementes da juventude. ISSN - 1982 - 887X.
(figura 3)
Imagem também retirada do mesmo perfil do jovem, no qual nota-se a presença do cavalo – símbolo da cultura gaúcha – e de outros jovens que também participam das chamadas “cavalgadas”, ou seja, indivíduos que percorrem trajetos juntos a cavalo. É importante salientar para a importância do cavalo para a cultura gaúcha, ele é incorporado desde a mais tenra idade no indivíduo, para que associe aos costumes do gaúcho do campo. As imagens exibidas são totalmente integrantes dos perfis e constituem uma das formas de identificação cultural. Nesses perfis existe uma quantidade numerosa de outras fotos que também referendam ao tradicionalismo.
Conclusões parciais
Pelas análises iniciais é possível identificar que uma das vias de disseminação de informações na internet é o site Orkut, no qual se pode conhecer e agregar dados dos mais diversos tipos de cultura, tanto de países vizinhos, quanto os mais longínquos constituir identidades através das comunidades. Esse site faz parte do que é referendado como a cibercultura, ou seja, uma cultura da Internet, de um mundo virtual, um mundo cuja interatividade se faz a cada segundo, com uma infinidade de pessoas. Segundo Lévy (1999, p.111): “O próprio fato do processo de interconexão já tem, e terá ainda mais no futuro, imensas repercussões na atividade econômica, política e cultural. Este acontecimento transforma, efetivamente, as condições de vida em sociedade”, ou seja, transformam-se as relações sociais, e adota a pluralidade de culturas. Nas comunidades que são favoráveis e contribuem para a disseminação do tradicionalismo gaúcho, são encontrados modos de ser ISSN - 1982 - 887X.
jovem, que devem ser exatamente àqueles prescritos para que se adeque ao grupo e/ou cultura. São normas que são defendidas, exibidas à exaustão por esses jovens, sempre ressaltando o orgulho de pertencer a cultura gaúcha. As narrativas em comunidades e em perfis comprovam que esses modos de ser medeiam regras pessoais, costumes e conferem ao jovem status de “gaúcho”. As análises dos perfis e dos álbuns levaram, num primeiro momento a uma confirmação da função desses recursos, construir identidades que sejam legitimadas através desses artefatos. Nota-se que através de fotos, comunidades, comentários em discussões há plena exposição de idéias e posições culturais, e que muitos deles trazem para a “realidade” esse modo de ser gaúcho tradicionalista, não por serem alienados e levados a ser na sua totalidade, mas sim por gostarem e se identificarem com a cultura. Logicamente, é admitido o fato de esses jovens serem influenciados pelos pais, escola e circulo de amizade, entretanto, o que realmente se quer é provar que a cultura gaúcha já se aliou a cibercultura de maneira harmônica e transita do virtual ao real sempre mantendo suas características fundamentais. Segundo Freitas (2002, p. 20) ”Todos esses marcadores identitários, apesar de adquirirem só um significado e um sentido discursivamente, apresentam uma materialidade inquestionável”, existem de maneira real e legitimada na comunidade gaúcha. O constituir-se gaúcho(a) advém do sentimento de pertencimento que as comunidade dão ao membro, bem como do que Freitas aponta (2002, p.23) ”Eu só posso me considerar gaúcha/o, se partilho da idéia de gauchidade, dos sistemas de representação que criam o/a gaúcho/a, com todas as suas práticas discursivas e não-discursivas.”, quando se aceita aderir a uma comunidades, postar esse ou aquele comentário e exibir fotos com a intenção de reforçar essas identidades. A cultura juvenil que estamos considerando nessa comunicação é a matéria prima, seu comportamento, sua características, enfim seu modo de se comunicar através de auto-narrativas, e posicionamento cultural. Está se tratando de cultura juvenil no sentido que Feixa apud Garbin (2003, p.119) afirma:
O termo culturas juvenis (Youth Cultures) está sendo usado (...) como um conjunto de formas de vidas e valores característicos e distintos de determinados grupos de jovens, a maneira como tais experiências são expressas coletivamente mediante a construção de seus estilos de vida distintos, localizados, fundamentalmente em seu tempo livre ou em espaços de interstício da vida profissional.
E é inspirada nessa definição de culturas juvenis que esta comunicação está balizada.
ISSN - 1982 - 887X.
Bibliografia BIANCHINI. Amanda. Amo ser prenda. Comunidade. Disponível em: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=37544225>. Acesso em: 9 Abril. 2008.
<
FAGUNDES. Duda. Perfil analisado. Disponível em: < http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=5005575458229746397>. Acesso em: 9 de Abril de 2008. FREITAS, Letícia R. Aprendendo a ser gaúcho. Porto Alegre: UFRGS, 2002.177 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002. GARBIN, Elisabete M. Culturas Juvenis, Identidades e Internet: questões atuais. Cultura, Culturas e Educação. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro. N° 23. p. 119-135. Maio/Junho/Julho/Agosto de 2003. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. MALLMAN. Conrado. Eu sou gaúcho tradicionalista. Comunidade. Disponível em: < http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=6590902>. Acesso em: 8 Abril.2008. SOARES. Franciele. Perfil analisado. Disponível em: < http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=12819268354814703954>. Acesso em :9 de Abril. 2008.
ISSN - 1982 - 887X.