Texto 3 - Langlois ; Seignobos. Introdução Aos Estudos Históricos.pdf

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PrhmiBre Bdition brBsilienne ,autorisb par I,hbaslase d" Gouvemement Provisoire de la ~ & ~ ~ Frangaise Rio de Janeiro, le 6 septembre 1944.

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Copyright EDITORA RENASCENGA S .A. S ~ O PAUL0

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.O titulo desta obra C claro. Entretanto, julgamos necessfirio explicar com nitidez o que quisemos e o que n5o quisemos fazer; porque, corn o meslno titulo "Introduq50 aos estudos hist6ricos" j f i se publicaram muitos e variados livros. Nbo quisemos, como W. B. Boyce ( I ) , apresentar um resumo da hist6ria universal, para uso dos que se iniciam e de leitores apressa,dos. Nfio quisemos acrescer de urn nfimero a jfi t5o abundante literatura .da chamada "Filosofia d a Hist6ria". Jfi muitos .pensadores, que, em sua maioria n6o sbo Mstoriadores de profissio, buscaram a hist6ria como ohjeto de suas rneditaqges, procuraram nela encontrar "similitudes" e ."leis':,; alguns chegaram mesmo a acreditar que haviam descoberto "as leis que presidem a0 .desenvolv~imentod a humanidade" julgando, dsste modo, "que haviam constituido a hist6ria como ciincia positiva. (2) Estas amplas construq6es abstratas inspiram, n50 apenas no ~hblico,mas at6 nos espiritos de escol, uma desconfianqa a priori, qu,e C invencivel: Fustel de Coulanges, escreveu seu Gltimo bibgrafo, era severo corn a Filosofia da hist6ria; demonstrava, em re?aq& a gstes sirtemas, a mesma averszo que os positivistas nutrem pelos conceitos purarnente metafisicos. ,Corri ou sem raz'io (sem razso, 6 indubithel), a Filosofia da histbria, por is50 ter sido cultivada apenas por homens bem informados, prudentes e de vigorosa e sadia intelig$ncia, caiu em descr6dito. Para os que dela desconfiam, como para os que a prezam e cultivarn, aqui fica a advertgncia: dela n5o cui,daremos aqui. ( 3 ) (1) W. B. Boyce, Iqztrodztction to the s t v d y of history, civil, eccles i a s f i c a h n d literary. London, 1884 in-8. ( 2 ) .Corn0 exemplo citamos P. J. Buchez em Introduction d la scknce de Z'hktoi~e, Paris, 1842, 2 vol., in-8. .(3) A hist6ria das tentativas feitas para compreender e e~plicar filoshficamente a hist6ria da hurnanidade foi ernpreendida, como 6 sabido, por Robert .Flint. Bste autor j6 deu a lume a Hist6ria da Filosofia da hist6ria nos paises de lingua francesa: Historical Philosophy i n France and Ffiench Belgium and S.rt
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hisrtbrica? 0 s que se ocupaln corn a histbria prktica, conhecem, mais ou menos inconscientemente, complicadas operaq6es d e critica e de construq$o, de anslise e de sintese. Mas os que se inicianl nestas quest6es, assim como a maioria das pessoas que n5o se deram, nunca, ao trzbalho de reiletir s6bre os principios do mCtodo das ciincias histbricas, ernprekam, para realizar tais operaq6es processos instintivos que, por n5o serem, em gel-al, processes racio'mis, s50 inid6ne.o~para atingir verdades cientificas. I3 indiscutivel, pois, a utilidade d e dar a conhecer e justifi,car logi~amen~te a teoria dos processos verdadeiranlente racionais, definitivamente firmados hoje em algumas de suas partes, ernbora incornpletos em pontos de capital inport5ncia. Portanto, a presente "Introduq50 ao estudos hist6ricos" foi concebida, n5o como urn resumo d e fatos assentados, ou como um sistema de idCias gerais relativas i hist6ria universal, mas como um' ensaio s6bre o mCtodo das ciincias histbricas.

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E m tese os tratados d&ste gknero s50 fatalmente, e ao mesmo tempo, obscuros e inGteis; obscuros, porque n5o hk nada inais vago que seu objeto; inGteis, porque C possivel tornar-se alpemhis,toriadur sem se haver preocupado corn os principios da metodologia histGrica, que tais tratados t i m a pretensso de expor. (5) 0 s argumentos destes adverdrios da metodologia parecee fortes. Podem re,duzir-se aos seguintes: Na verdade, muitos hk que empregain excelentes mCtodos e por toclos s5o ~onsideradoscomo bons er.uditos e bons h,istoriadores, sem haverem nunca estudado os principios de mCtodo ; reciprocamente,, nenhum dos que exrevem s6bre a teoria .dom6todo consepem

os mnateinkticos, e os cultores das .demais cikncias, antes de reali.zarem pesquisas originais, os m6todos das respectivas. cikncias? A critica !histbrica! Mas o melhor meio de aprendk-la C pratick-la. '(6) Experiinentemos espremer tudo que existe es,crito s6bre metodologia ihist6rica, inclusive o recente trabalho de

(4) Revue critique g h i s t ~ i l - eet de litteratzwe, 1892, I, p. 164. ( 5 ) Ibidem, 1888, 11, p. 295 - Cf. L e Moyen Age, X, 1897, p. 91:

"istes livros (0s tratados de mCtodo hist6rico) quase nPo sCo lidos por aqueles a quem poderiam ser fiteis, isto C, pelos amadores que empregam seus6cioS em pesquisas hist6ricas; quanto aos eruditos de profissPo o seu aprendizado se fez e 'se faz por transmissPo oral e pelo uso real dos instrumentos de trabalho. HP a considerar, ainda, que o mCtodo hist6rico 1150 ciifere do das outras cikcias de observa~goe que pode ser explicado em poucas palavras.. . " (6) Deve ter sido, sem dGvida, em virtude do principio de que o metodo hist6rico s 6 pode ser ensinado pel0 exemplo que L. Mariani deu, ingenua e jocosamente, o nome de "Corso pratico di metodologia delld sioriolm a uma disserta~Cos6bre um ponto particular da hist6ria da cidade de Fermo. V. A?-chivio della Societb r o m a m de sioria patria, XI11 11895; I, p. 132.

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Recu"6ecemos, porenl, que n n n tudo que por ai existe, a Sste respeito, 6 falso. - A imensa maioria dos eseritores stjbre o m&do de investigaGo hist6rica e s6bre a arte de escrever histbria a que os alemges e ingleses d l o o nome de Histo;rib slo superficiais, insipidos e ilegiveis, quando nZo ridicules. (8) \-I 0 s antigos, isto P, os anteriores ao s&ulo XIX, que foram pacientemente analisadas por C. P.D a u b u no t6mo (9) de sew C o w s dJ&des hirtoriques, nZo passam, na sua quase totalidade,. de simples tratados de retb,rica, mas de uma ret6rica envelhecida, onde os mais divertidos problemas s5o discutidos o m gravidade. (10) Daunou far gostosas pilherias a respeito dsles,

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critic, 6 a e 0 Lemos nele: .que a hist6ria nZo 6 em estudo, t%o f5cil quanta supSe o grande p a l i c o ; que ela est5 entrosada corn tddas as cisncias; que o verdadeiro historiador deve tudo raber; que a certeza hist6rica nunca pode ser atingida; que, para dela nos aproximarmos o mais possivel, devemos recorrer sempre i s fontes originais; que devemos estudar cuidadosamente os historiadores modernos, sem, contudo, aceitarmos como dogma o que afirmam. E 6 s6". Conclus%or Freeman "ensinava melhor o mktodo hist6rico pela priticp do que pela teoria que pretendia cnsinar ". Lt. Bouvard et Ptcuchet, de Flaubert. Trata-se de dois, imbecis, que, entre outros projetos, resolveram-se a escrever histbria P a r a ajudi-los, um de sets amigos lhes envia (p. 156) "regras criticas tiradas do Curso de Daunou ", a saber: " citar como prova o testemunho dar multid6es 15 condenlvel, pois elas n i o podem confirmar ou negar as. declar>c6es sue lhes foram atribuidas. Recusar as coisas impassiveis. Estar atento quanta A habilidade dos falshrios e ao interssse dos apologistas e caluniadores". A obra de Daunou contem uma quantidade ellorme d e truismos ainda mais c6micos do que tstes. (8) R. Flint (0. c., p. 15) se felicita por nHo :laver estudado a Iiteratura da Histdria, porque " a very large portion &f it is 'SO trivial and. superficial that it can hardly ever have been of use even to persons of the humblest capacity, and may certainly now be safely consigned to icindly oblivion". NLo obstante, R. Flint deu em seu livro urna lista sumhria dos principais monumentos desta literatura nos paises de lingua francesa desde as origens. Um resumo mais geral e completo (embora tambem demasiado sumario) desta literatura em todos os paises estP n o Lehrbuch der historichm Meihode, de E. Bernheim (Leipig, 1894, 111-8). P. 143 e segs. Flint (que conheceu algumas o b r a ignoradas par Eernheim) deteve-se no an0 de 1893 e Bernheim em 1894. A p&ir de 1889 os Iahrosberich~der Geschtmuisseruchaft paarsaram a publiar uma r6mula peribdica .%re 0s mais recmtes escritos de metodologia hist6rira. ( 9 ) Bste tdmo YII foi publicado em 1844. Mas o celebre Curso de Daunou foi professado no ColCgio de Fransa de 1819 a 1830. (10) 0 s italianos do Renascimento (,Mylaas, Francesm Patrizi. etc) 0s autores dos dois (Iltimol r6nilos depois dEles, procuram resol-

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mas nem por isso revelou proiundidade na sua monumental obra, onde apenas dC mostra de born senso, mas cujo valor n5o 4 maior que a de seus antecessores. (11) Quanto aos moderhos, i: bem verdade que nem todos souberam evitar os dois principais obstAculos dgste gcnero : a obscuridade e a trivialidade. 0 '~rundrissdes Historik de J . G. Droysen, traduzido em f ranc&scom o titulo Pricis de la science de Phistoire (Paris, 1888,. in-8) C muito mais pesado e gong6rico do que podemos imaginar. (12) Freeman, Tardif e Chevalier s6 dizem coisas elementares e previstas. Observamos, ainda, seus Smulos discutirem interrninavelmente quest6es d e nonada: se a hist6ria 4 uma arte ou uma ciencia, quais s5o os deveres da histbria, para que serve a histhria, etc. - Por outro lado, parece uma observa@o incontestavelmente exata a de que, do ponto de vista d o mPodo, quase todos os historiadores modernos s5o autodidatas, fonnados exclusivamente na prhtica ou na imitaqHo e frequentaqlo dos mestres anteriores. Mas, embora o excess0 de trabalhos relatives aos principios do mCtodo justifiquem a desconfianga geral a Bles votada e embora a maioria das pessoas do oficio hajam podido dispensar, sem prejuiros aparentes, o estudo aprofundado do mhtodo hisver quais sejam as relaq6es entre a histbria e a dialttica e entre a hist6ria e a ret6rjca; querem saber qua1 o nGmero exato de leis a que o ginero histbrico est5 sujeito; indagam se 6 c o n v e n r ~ t eque os historiadores relatern as trai@es, os atos de covardia, os crlmes e as desordens; investigam se 6 possivel, I histbria, vir vazada em outro estilo que n50 0 sublime; etc. Or dnicos livros de Histdria, gublicados antes do SCCU~O XIX, que revelam urn esf6rco originzl para abordar os verdadeiros pr* blemas, d o os de Lenglet du Fresnoy (M6thode pour itudier 19histoire9. (Allgemeine Gcschichtswissenscha~, Paris, 1733) e J. M. Cliladmius Lei~zip,1752). 0 de Chladcnius foi citado por E. Bernheim (0. c., p. i66). (11) A rigor, nem sempre deu provas de bom senso, pois podemos ler em seu C o w s dJktzuZeshistoiiqucs (VII, p. 105), a prop6si:o do tratado De Z'histoire, publicado em 1670, por Le Moyne, obra fraquissima, para n50 deprimi-la corn adjetivos mais fortes e onde os trams de senilidade ego visiveis: " NZo pretend0 adotar t6das as miximas e preceitos, que o tratado co~~tern; mas acredito que, depois do de Lucien, C o melhor que porsuimos; duvido, mesnio, que entre aqueles de que ainda nZo falamos Iiaja algurn que o porsa igualar em penetra~Lofilosbfica ou originalidade. " 0 julgamento do tratado De I'histoir-c foi feito corn maior equilibria por H. -- ChCrot. em seu Btztde sur la vie et les oeztvres d z ~P. Le Moyae, Paris, 1887, in-8: p. 406 e segs. (12) E. Bernheim declara, entretanto (0. c., p. 177), que, na sua opidZo, iste o p 6 s c u l ~6 0 bnico que l a u f der jetzigen H l e der Wissenschaft steht

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r e ~ e t i risso - 0s processes instintivos de trahabo, em ,histbria, ngo coincidem co11-10s racionais; uma preparaqgo se impije, *Ortanto, Para -que PoSSalnO'S resistir aos impulses instintivos. por Outras ~alavras,0s ~ ~ O C ~ S Sracionais, OS que nos levam a atillgir 0 conhecimento histbrico, s5o t'lo diferentes dos das demais ciellcias que devemos cdn~hecer-lhesas peculiaridades, para fugirmas tentaqso de aplicar i hist6ria os m6todos das dhCias j~ constituidas. Isto explica o fato de poderem 0s fisicos e matemiticos, muit0 mais d~ ~ U F0's historiadores, prescindir de u1-18 "introduq50J' aos seus estudos.. N ~ temos o necessidades de insistir nzuito &bre a utilidade da metodologia histbrica, uma vez que as ohjeqBes a feitas. side muito fracas. Mas conveln explicar os motives que ,

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INTRODUC~O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

estava dito, nesta laboriosa e equilirbrada compilaGo. Primeiramente, Bernheim trata arnplalnente de problemas metafisicos, que consideramos de nenhum interssse; por outro lado, nunca assume uma atitude critica, nem versa questSes prAticas, que reputamos valiosas. Depois, h i a considerar que, enlbora seja racional a doutrina do Lehrbuch, falta-lhe entretanto vigor e originalidade. Finalmente, o Lehfiuch nlo foi feito para a grande ptiblico; permanece inacessivel (tanto pela lingua, como pela forma) 5 imensa maioria do p6blico franc&. Isto C o bastante para justificar o desejo que nos impeliu a escrever 6ste livro, em lugar de nos limitarmos a recomendar, simplesmente, a leitura da obra de Eernheim. (18)

Esta "Introdu~Boaos estudos hist6ricosV nlo tern a pretenslo de ser, como o Lehrbuch der historischen Metlzode, urn tratado de metodologia hist6rica. (19) l3, apenas, um esb6qo sumPrio. Comeqmos a redigi-lo nos primeiros dias do an0 eseglar de 1896 - 1897, com o escopo de informar os novos estudantes da Sorlbonne do que slo e do que devem ser os estudos histbricos. f' J i nos haviamos certificado h6 muito, pela experihcia, da urgente necessidade de esclarecimentos desta espCcie. A maioria daqueles que ingressam no curso de hist6ria, fazem-no sern terem raz6es definidas para isso, ignorcindo quase sempre se t6m pendores para os trabalhos hist6ricos, cuja natureza n l o chegam a compreender bem. Em geral, s5o f6teis as razBes que levam os estudantes a ,pxocurar o curso de hist6ria: fazemno, algumas vezes pel0 motivo ingsnuo de haverem obtido boas notas em histbria, no curso secundirio (20), outras, p r q u e senten1 pelas coisas do passado essa espCcie de atraqlo romAnti(18) 0 que de melhor existe at6 hoje publicado, em franc&, sdbre o metodo hist6ric0, C uma brochura de Ch. e V. Mortet, La Science de

I'histoire, Paris, 1894, in-8, de 88 p., extraida do tBmo XX da Grande Elzcyclopidie. (19) Urn de n6s (Seignobos) propSe-se publicar futuramente urn tratado compieto de metodologia histbrica, desde que fique provado haver pbb!ico para &ste genero de publica~So. (20) Convem frisar que os estudos hist6ricos, como se realizam nos liceus, nPo exigem as mesmas aptid6es que os estudos hist6ricos

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ca que, segundo afirmam decidiu a vocaq8o de Augustin Thierry; outras, ahda, seduzidos pela ilus3o.de que a hist6ria 6 uma disciplina relativamente ficil. Ora, C absolutamente imprescindive1 que essas vocaq6es irrefletidas sejam quanto antes esclarecidas e provadas.

Havendo ji feito urna &rie de conferhncias como "Introbduq6es aos estudos histbicos", julgamos que, depois da revislo necessiria, poderiamos dar-lhes destine mais amplo e duradouTO. 0 s historiadores e eruditos de profiss50 nada tq50 a aprender neste livro, sem dGvida; mas C possivel que, dentre a e s , alguns se resolvam a tomar como tema de reflex50 certos pontos aqui expostos e que costurnam praticar maquinalmentc, o que serA, tambem para Cles, de algum proveito. Quanto ao phllico, que 16 as obras dos historiadores, n5o f i e seria tambem vantajoso mnhecer os processes pelos quais essas obras se fazem, de mod0 2 poder melhor aprecii-las e julgklas? NHo escrevemos. pois, como Bernhein, apenas para os es-pecialistas presentes e futuros, mas tambem para o pGblico que se interwa pela hist6ria. Isto nos obriga a ser concisos, ao mesmo tempo que claros e isentos de tecnicimos, dentro dos limites do possivel. Mas, n e s t s assuntos, a concis50 e a clareza d50 aparencia de supe rficialidade. Ser triviais ou obscuros, tal 6, como mostramos acima, a desagradAve1 alternativa em qzle nos encontramos. Sem pretenderrnos dissimular esta dificuldade, mas sem julg6-la, tambem, insuperivel, tentamos dizer daramente o que ternos a dizer. feitos na Universidade ou na vida. Julien Havet, que se dedicou mais tzrde aos estudos hist6ricos (critica) achava iastidioso, no liceu, o ,estudo de hist6ria: Penso que o ensino da hist6ria (nos liceus) f5o est6 organizLdo de mod0 a alimentar suficientemente o espirito clentgico Entre tddas as disciplinas que figuram nos programas dos liceus, 6 a hist6ria a Gnica que n5o confere ao aluno meios para controlar permanentemente o aproveitamento obtido; quando Bste aprende 'latim ou alem50, cada frase de uma vers5o presta-se para verificar o conhechento de m a d k i a de regras. Nos diversos rarnos das mate&ticas os resultados nunca vEm desligados das respedivas demonstraqSes; or problem, por outro lado, obrigam o aluno a repensar tudo par si mesmo. Onde est5o 0s firobkmns em hist6ria e que aluno de liceu jH tentou algurna vez, w r claramente, por esfdrco p r 6 ~ r i oo encadeamento dos fatos? (Bibliothkue de 1'8cole des chartcs, 1896, p. 84).

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A BUSCA DOS DOCUMENTOSS (HEUR~STICA)

A hist6ria se faz corn documentos. Documentos s50 0s t r a e ~ sque deixaram o s peirsmentos e os atos dos homens do passado. Entre os pensamentos e os atos dos homens, poucos h i que deixam traqos visiveis e Cstes, quando se produzem, raramente perduram: !basta urn acidente para os apagar. Ora, qualquer pensamento ou ato que n';o deixou traqos, diretos ou indiretos, ou cujos traqos visiveis desapareceram, est5 perdido, para a hist6ria: 8 como se nunca houvesse existido. Por falta de documentos, a hist6ria de enormes periodos do passado da humanidade ficar5 para sempre desconhecida. Porque nada supre os documentos: ontde 60h6 dwumentos nZo h5 hist6ria. Inumerhveis precauq6es sHo necess6rias para inferir legitimamente de um documento o fato que 6le traduz, como mostraremos mais adiante. Mas 6 desde logo evidente que, anteriormente a qualquer exame critic0 ou interpretasgo de documentos, C indispensbvel saber se Sles existem, quantos slo e onde se encontram. Se pretendo abordar urn pow0 de hist6ria qualquer (1) devo inf ormar-me preliminannente do lugar ou Ch. V. Langlois escreveu o livro I, o livro I1 at6 o capitulo VI, o apcndi~eI1 e esta Adverttncia; Ch. Seignobos, o fim do livro 11, o livro I11 e o aptndice I. 0 capitulo I do livro 11, o capitulo V do livro I11 e a c o ~ c l u s l oforam redigidas em comum. (21)

(1) Na pritica, como ocorre frequentemente, n l o nos propomos a tratar um ponto de hist6ria sem nos certificarmos previamente se exis-

tem ou n%o documentos que permitam estud5-lo. Inversamente, 6 o descobrimentd fortuito de um documento que sugere a ideia de aprofundara questPo hist6rica a que Cle interessa e leva o pzsquisador a coligirr outros documentos do mesmo g6nero.

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dos lugares em qu; se encontram 0s docmentos para trat&-lo, suponndo-se que eles, existam. Procu .os documentos C, pois, uma das principais partes d o trabalho .do historiador, a primeira, sem dhvida, do ponto de vista 16gico. N a Alemanha, deram-'lhe o nome de Heuristica (Heuristik) , c6modo por ser breve. HaverA neessidade de dernhtstrar a importhcia capital .da Heuristica? Ngo, evidentemente. E' f6ra de dlivida que, se ngo a exercemos bkm, isto C, se antes de iniciarmos u m traba1,ho histbrico 1150 nos apoderamos de t6das as informaq6es .possiveis, aumentamos as pssibilidades - nurnerosas sempre, por m&or que seja o cuidado - de o p r a r com dados insuficientes: rnuitas obras de erudiqiio ou d e histbga, elaboradas em .estrita conformidade com as regras do m4todo mais exato, nasceram viciadas ou totalmente se anularam, pela sim.ples circunsthcia material de ignorar o autor a existencia de documen.tos que esclareciam, completavam ou destruiam; aqueles que tinha em m2os e coin 0s quais se contentara. For outro lado, da sua especialidade, a superioridade a0 ferir um do historiador ou do erudito modern0 .s6bre o dos liltimos sCculos se rnanifesta nitida no fato de gossuir aquele mel.hores .rndos de informa$o que este. (2) A Heuristica C hoje mais .fAcil que outrora, embora haja dito o bom Wagner:

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Wie sch\\ler sind nicht die Mittel zu erwerben Durch die man zu den Quellen steigt! (3)

Tentemos expliar porque a coleta de docum,entos, dema.siado laboriosa em passado pouco remoto, continua ainda a ser rnuito penosa, apesar dos progressos realizados nos Gltimos cem anos e, ainda, coma esta operaqzo essential poderia, s a p s .a *mvos prograsos, ser ulteriormente simplificada.

os p+imeiros que se abalanqaram a escrever hist6ria .I remontando As f o n t s .encontraram-se e m situaq5o embaraqosa. (2) Consterna ver como os melhores eruditos antigos lutaram cofajosamente, mas sern resultados, para resolver dificuldades com que lamais se teriam defrontado se tivessem debaixo dos olhos documentac50 rnais completa.. . Contudo a mais brilhante sagacidade era impotente .para suprir o auxilio material q~ faltava. (3) Faust, I, s c . 3.

arquivos e dispersos o s documentos. H. H. Bancroft, que, cerca. de 1860, na CalifGrnia, se encontrou na mesma situaqzo que os primeiros pesqz~i,sadoresde outrora, resolveu do seguinte mod0 o problems. Sendo rico, adquiriu a qualquer preqo todos os dwume'ntos exktentes no mercado, impressos ou manuscritos ; negociou com familias ou corporaqbes em dificuldades financeiras a compra dos arquivos que possuiam, ou a permisszo de os fazer copiar por assalariados seus. .Isto feito, situou a cole@o em urn edificio ad hoc e a classificou. Teoricamente, nada d e mais rational. Mas este procedimento r&pido, 5 americana, s6 esta vez foi empregado com espirito de continuidade e com os E m outros temoos recursos que lhe asseguraram bom Exito. e lugares n%ohouve possibilidades de aplics-1o.e os fatos, infeliz.mente nHo se passaram assim. Na Cpoca do Renascimento. o s documentos da hist6ria antiga e da medieval estavam dispersos em inumersveis bibliotecas privadas e em muitos dep6sitos .de arquivos, quase todos intzcessiveis, sem falar dos que o solo ainda ocultava e de cuja existtncia ninguem suspeitava. Era, entzo. materialmente impossivel obter a lista de todos os documentos hteis para elucidar um assunto, como, por exemplo, a lista de todos os manuscritos d e uma obra antiga; e ,se, por milagre. uma tal lista fbsse conseguida, seria impossivel consultar todos 0s documentos nela descritos em viagens, despesas e entendimentos interrhinsveis. Dai (4) Veja Ch. V. Langlois, H. H. Banc9,oft et Cie., n& ""Revzce universitaire" 1894, I , p. 233. ..

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surgirern consequ~nciasficeis de prever e que, na iealidade, s e .:: . . produziraili: lo) os primeiros. eruditos e historiadores - para os .quais a Heuristica apresentava dif iculdades insuperiveis sebviraniase n5o de todos os documentos existentes, nem d p s . -niel'hores, mas dos que tinham ao alcance das miios? .sendo por isso ma1 inforniados; &ste modo, suas obras s6 devem ser tidas como interessantes na medida em que foram utilizados docu-. mentos ,h,oje gerdidos.; 2 O ) dos primeiros eruditos e liistoriadores os relativamente mais bem informados eram os que, gor . f6rqa de sua profiss50: tinhani acesso a valiosos dep6sitos de docunientos : bibliote&rios, arquivistas, religiosos, magistrados, cuja ordm ou Companhia possuia bibliotecas ou arquivos considersveis. (5) fi bem verdade que logo surgiram colecionadores, os quais, . : a p&o de our0 e niio raro por meios condeniveis, como o roubo, constituiram "gabinetes" ou colet5o de documentos originais e ,de cbpias, an6inados .talvez de intenq6es mais ou menos cientificas. Mas Cstes colecionadores europeus, numerosos a partir ,do sCculo XV, diferem radicalniente de H. H. Bancroft. Realinente, nosso californiano recolheu os documentos relativos t50-someiite a um assunto particular - a hist6ria de certos Estados do Pacifico - e teve a arnbiqiio.de os reunii- a todos. A maioria : dos colecionadores europeus adquiriu peqas, f r a p e n t o s de. t&da sorte, e um nhmero de documentos muito pequeno eiii relaq50 A niassa colossal de material hist6rico ao tempo existente. Alenn do mais, n 5 o foi com o prop6sito de os t o r k r publici juri que os Peiresc, o Gaignieres, os Clairambault, os Colbert e n~uitos outros retiraraiii da circulaqiio documentos ,que corriani o I-isco de se perdei-ein; ~at~sfaziarwse - o que j,i era louvivel - con1 comunici-los, rnais ou menos Iivremente, aos seus amigos. To: davia, a vontade dos c~lecion~dores - e de seus herdeiros C mutivel, n5o raro capric.hosa. fi pi-eferivel, sem dfivida alguma,

que os documentos se achem em coleqiio par,ticulares a estarem expostos a todos os acasos, absolutarnente subtraidos A curiosidade cientifica; mas, para que a Heuristica possa realmente realizar os seus fins, a primeira condiqiio C que tBdas as coleqbes de documentos sejam pziblicas (6) Ora, na Europa, a comeqar da Renascenqa as mais belas coleq6es privadas de docurnentos - ao mesmo tempo bibliotecas e museus - foram as dos reis. A partir do antigo regime, as coleqbes reais foram quase tddas abertas ao piiblico. Ao passo que as coleq6es particulares c o s ~ a v a mser liquidadas depois da niorte de seus autores, estas, ao contririo, jamais deixaran~ de acrescer-se: enriquecerarn-se, precisanien*te,com os despojos de t6das as outras. 0 Gabinete d e Manuscritos de Franqa, por exenlplo, criado pelos reis de Franqa e por 2les entregue a o pizblico, shavia absorvido, no fim do s&ulo XVIII, a melhor parte das cdeq6es que se formaram como obra pessoal dos eruditos e amadores dos dois sCculos anteriores. (7) 0 mesmo ocorreu em outros paises. A concentraqiio de documentos hist6ricos em grandes estabelecimentos pfiblicos, ou semiphblicos, foi o excelente resultado desta evolu@o eispontiinea. Mais favorivel e mais eficaz ainda para melhorar as condiq6es illateriais das pesquisas hist6ricas foi a arbitrariedade revolucioniria. Tanto a revoluq50 de 1789, na Franqa, como movimentos anilogos em outros paises, visaram ao confisco, pela violencia e an beneficio do Estado, isto 6, de t6da gente, de grande c6pia de arquivos privados e de coleq6es particulares: arquivos, enorme quantidade de bibliotecas e museus da coroa, ar-

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(5) 0 s antigos eruditos tinham consciencia de que as condic6es em que trabalhavam eram desfavoriveis. Sentiam intensarnente a insudiciencia dos instrumentos de pesquisas e dos meios de comparacPo. A tnaioria dcles nPo poupou esforqos para bem informar-se. Prova disso siio as volumosas correspondencias havidas entre eruditos dos Gltimos seculos, das quais nossas bibliotecas conservam muitas e preciosas peeas, e &stes relatos de pesquisas cientificas e de viagens para descoberta de documentos hist6ricos; que, sob o name de Iter (Iter italicum, Iter germanicurn, etc.) estavam outrora em moda.

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( 6 ) Notemos de passagem uma aberracso pueril, mas muito natural e freqiiente nos colecionadores: Sles sPo levados a exagerar o valor intrinseco dos documentos que possuem unicarnente pelo fato de os possuirem. Publicararn-se documentos corn grande luxo de comentirios, feitos por pessoas que os obtiveram por acaso e que MO lhes teriam dado - com razz0 - nenhuma importincia, se os houvessem compulsado em colecSes pfiblicas. Isto se explica, aliis, como grosseira manifestacPo de uma tendencia geral contra a qua1 C preciso estar sempre de sobreaviso: exageramos .facilmente a importincia dos documentos que possuimos, dos documentos que descobrimos, dos textos que publicamos, dos personagens e quest6es que estudamos. (7) Veja L. Deslile' - Le Cabinet des manuscrits de la Bibliottidquc Nationale, Paris, 1868-1881. 3 vol. in-4. Esta obra admirsvel serviu de modelo As hist6rias dos antigos dep6sitos de documentos, que ern nfimero considerAve1 tSm sido ultimamente publicados.

cer q;e as mutilaqBes f eitas pelos colecionadoresdo antigo regime e pelas operaq6es revolucionhrias s5o insignificantes em rela@o i s que prov&m de acidentes fortuitos e de efeitos naturais do tempo. Todavia, f b s e m elas dez vezes mais graves, seriam ainda cornpensadas par estas duas vantageis de primeira ordem, que nunca serh de mais salientar: lo) a concentraqgo em algunsdepbsitos, relativamente pouco numerosos, de documentos que outrora estavam disperses e como que perdidos em cem lugares diferentes; 20) o carhter p~blicodtstes depbsitos. Daqui por diante, o que resta dos documentos hist6ricos antigos, depois das grandes destruiq6es do acaso e do vandalismo, esth enfirn a seguro, classificado, comunicado e considerado como parte do patrim6nio social. 0 s documentos histbricos antigos est50, pois, reunidos e conservados hoje, em principio, em estabelecin~entos pfiblicos

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(8) Uma parte considerAve1 dos documentos antigos, que ainda circulam, provem de roubos cometidos, h6 muito tempo, nos estabelecimentos do Estado. A s precauc6es tomadas para evitar a repeticzo de tiris fatos sso hoje muito skrias . e, em quase todos 0s lugares, tPo eficazes quanto possivel. (9) Sabe-se que NapolePo I concebeu o pensamento quimkrico de rcunir em Paris os arquivos da Europa inteira e que, para comecar, chegou a enviar para 16 os do Vaticano, do Santo Impkrio, da Coroa de Castela, etc., que mais tarde tiveram de ser restituidos. Hoje, nPo haveria necessidade de proceder a confiscos. Mas os arquivos antigos dos notkios, como j6 ocorre em alguns paises, poderiam em tbda a parte ser centralizados em estabelecimentos pfiblicos. NPo se justifica que, em Paris, os ministhrios dos Negocios Estrangeiros, da Gberra e da Marinha, conservem papCis antigps, cujo Iugar natural seria nos Arcluivos Nacionais. Seria fkcil citar urn sem-nirmero de anomalias desta espkcie. que, em certos casos, s6 servem para embarawr ou mesmo impedir as pesquisas; porque &stes pequenos depbsitos, cuja existtncia C inGtil, sPo exatamente os que t&m regulamentos mais restritivos,

0s Arquivos Nacidnnis, de Paris, o 'Museu BriGnico, de Lundres, a Biblioteca MCjanes, d'Aix-en-Provence, cujos estatutos proibem terminantemente comunicaq6es externas, s e r b daqui por diante muito raros. (10) . .

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I1 Estando assentado que a maioria dos documentos hist6riros est9o hoje conservadm em estabelecimentos pfiblicos arquivos, Gibliotecas e museus tornar-se-ia ficil a Hjeuristica desdc que existisseln repert6rios gerais sistemiticos, alfab6ticos ou outros, ou ahouvesse bons inventirios descritivos de todos os dep6sitos de dacume'lbos extistentes, providos de indicaq6es remissivas bcm ordenadas, ou, ainda, se f 6sse possivel consultar em determinado lugar a col@o completa de t d o s istes inventirios e de seus indices. Mas a Heuristics 6 muito penosa porque, infelizmente, estas condiq6es est5o ainda longe de serem cdwenientemente realizadas. Primeiramente, hi dep6sitos de docurnentos - arquivos, bibliotecas e museus - cujo contefido nunca foi catalogado, em parte sequer, de sorte que ninguem sabe o que neles se encontra. Raros s5o os dep6sitos de que possuimos inveni5rios descritivos coinpletos e muitos os acervos que se conservam ainda em cklebres estabelecimentos, com apenas parte de suas coieq6es inventariadas, aguardando quem os queira ordenar e descrever. (11) Em segundo lugar, quanta diferenqa entre os inventirios j i feitos. H i os antigos, que nzo mais correspondem i classifica$io atual dos documentos e que s6 refundidos poder5o sex utilizados; h i os modernos, que, apesar disso, foram redigidos segundo ,processes superados, uns excessivamente minudentes, outros demasiado sumirios; uns $0 impressos, outros ma-

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(10) 0 servico international de empr6stimo de documentos ma.nuscritos funciona regularmente na Europa, sem qualquer 6nus para o pilblico, por interm6dio das chancelarias. Alem disso a maioria dos grandes estabelecimentos criaram o servico de emprestimos mutuos : esta via C tambem segura e, n50 raro, mais ripida que a diplomitica. Nestes Gltimos anos a questgo do emprCstimo, ou da, comunica$o fora dos de, p6sitos em que os documentos originais s50 conservados, tern figurado na ordem do dia de congressos de historiadores e bibliotec5rios. 0 s resultados obtidos at6 agora sZo satisfatcjrios. (11) 0 s g r c d e s dep6sitos, na maioria, n%o foram classificados; o comum C inventariarem-se os pequenos acervos, que exigem menos trabalho. Por k t e motivo 6 que muitos cartularios insignificantes foram publicados, ao passo que muitos outros, de primeira ordem por serem volumosos, estZo ainda ineditos. n

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mscritos, em registros ou fichas ; alguns 550 cuidados e defill6tivos, muitos terminados i s pressas, insuficientes e provis6rios. Saber distinguir, 'msta enorme e confusa literatura de invent6r.io.s impressos - para nzo falar dos outros - os que merecem e os que n5o merecem confianqa, em surna, aprender a dkles bem servir-se, exige um laborioso aprendizado. Finalmente, onde consultar comodamente os inventirios existentes? A maioria das grandes bibliotecas dPles s6 possui coleqijes incompletas; 1160 !hi, em parte alguma, repert6rios gerais. Bste estado de coisas C muito desagradhel. Realmente, para os pesquisadores, que n5o disp6em de vagares para joeirar por si pr6prios, de ponta a ponta, os dep6sitos e acervos, cujos documentos niio foram ainda inventariados, C como se tais decumentos n5o existissem. JA dissenlos: onde n5o h i documentos, n5o h i hist6ria. Mas a falta de bons inventkios descritivos dos depQsitos de documeritos equivale, na pritica, i impossibilidade de conhecer a existkncia dos documentos, a n5c ser por acaso. Afirmamos, portanto, que o progress0 da hist6ria depende, em g a n d e parte, dos prugressos realizados na elabo'raq50 do inventirio geral dos documentos Ihist6ricos, que ainda lhoje C fragrnenGrio e imperfeito. A iste respeito todos est5o de ac6rdo. P. Bernard de Montfaucon considerava o seu resumo de catilogos de bibliotecas intitulado Bibliotlzeca bibliotlzecarum manuscriptoruwz nova como "a obra mais fitil e 5nteressante que havia produzid3 em t6da a vida". (12) "No estado atual da ciincia, escrevia E. Renan em 1848, (13) n'ao h i trabalho rnais urgente que uin catilogo critic0 dos manuscritos das diversas bibliotecas. . . eis, na aparkncia, uma necessidade bem mesquinha,. . . todavia, as pesquisas eruditas continuarzo entravadas e intompletas at6 que Sste trabalho se realize de maneira definitiva." "Teriamos melhores livros s8bre nossa literatura antiga, diz M. P. Meyer (14) se os predecessores de Delisle - como admirador da Biblioteca Nacional de Paris - ,houvessem tido o mesmo ardor e a mesma diligincia em inventariar as riquezas confiadas aos seus cuidados. -

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(12) V. sua autobibliografia, publicada por E. de Broglie, Bernurd de Montfaucon et les Bemardins, I1 (Paris, 1891, in-8), p. 323. (13) E. Renan. l'Avenir de la Science, p. 217. (14) RomaniaJ XXI (1892), p. 625.

I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

Convem agora, em p6ucas palavras, indicar as causas e precisar as consequCncias de uma situaqdo deplorada desde que h4 eruditos e que s6 muito lentainente vem melhara~do. "Afianqo-vos, dizia E. Renan (15), que algumas centenas de milhares de francos destinados por um ministro de Instruqdo B elaboraqdo de inventkrios seriam muito mais bem en~pi-egados que trCs quartas partes das importhncias despendidas com as letras". Tanto em Franqa como em outros paises, poucos ministros h6, convencidos desta verdade e capazes de agir em con-. formidade com ela. Verdade C que, para ~roduzirbons inventArios, nem s6 o dinheiro C indispensSve1, mas mCtodos seguros para descriqdo dos documentos devem ser empregados e 6stes s6 recentemente foram firmados. Hoje ndo h6 mais, como outrora,. dificuldades sCrias a vencer para arregimentar trabalhadares competentes. Mas deixemos de lado Cstes obst6culos materiais: falta d e dinheiro e de homens. Uma causa de outra ordem deve ser considerada. Nem sempre os funtioq4rios incumbidos de adininistrar dep6sitos de docuqentos revelaram o mesino zclo que hoje mostram para dar a conhecer as fontes por meio de bons invent4rios. Levantar inventArios, a uin tempo exatos e sumSrios, como boje se faz, C trabalho.penoso, demasiado ~penoso,sem alegi-ias nem recompensas. Por viverem, pela natureza de suas funqGes, no meio de documentos, com a faculdade de os coflsultar a qualquer momento, sendo-lhes f6cil proceder a um acurado trabalho de seleqdo e, no curso d b s e trabalho, realizar descobertas, muitos funcion6rios conseguiram chegar a resultados interessantes. Todavia, preferiram trabalhar para si e ndo para o Estado, levando a cab0 a redaqiio de cat6logos como obra pessoal. Quem, recentemente, inaior nfimero de documentos descobriu, publicou ou comentou? Sem d b i d a alguma os funcion6rios d e depisitos de documentos. 0 fato, porem, de trabalharem con1 objetivos pessoais, tern retardado o prosseguimento do invent& rio geral dos documentos histhricos. As consequCncias da iinperfeiq50 dos inventirios descritivos sdo dignas d e nota. De um lado, jan~aisestamos certos de haver esgotado t6das as fontes de informaqCo: quem sabe o que contCm os dep6sitos e acervos n5o catalogados? (16) De (15) Loc. cit. (16) H. H. Bancroft, em suas men16rias intituladas CCLiteraryIn-

dustries" (New Yorl:, 1891, in-16) analisou sutilmente algumas consequtncias priticas da irnperfeiqzo dos processos de pesqilisa. " Suponhamos,

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outro, estamos obrigados, para obtel- o nlaior nfimero possivel de informaqBes, a tei- ui11 conheciinento aprofundado das fontes conferidas pela literatura atual da Heuristics e a consagrar muito tempo As pesquisas prelimin~res. Realmente, quem quer que pretenda recol~her documentos para tratar um ponto de ihist6ria, ter6 de comeqar pela consulta ~ d erepert6rios e inventkrios. (17). 0 s bisonhos realizam esta operaqdo capital de mod0 tdo desajeitado, com exasperante lentiddo e dispcndio inGtil de energias, que as pessoas experimentadas que assistem ao seu trabalho s%o levadas, segundo o temperamento, ao sorriso ou B compaixdo. 0 s que sori-iem ao verem os nebfitos, atormentados, andarem aos trambolhBos ho cipoal dos inventArios, ou perderem precioso tempo em se safarenl de dificuldades inais aparentes que reais, recordam-se, con1 piedosa ironia, que j6 diz Ele, que um h2bil escritor se resolva a narrar a hist6ria da Calif6rnia. Primeiramente, obteri alguns livros e os leri, tomando notas ; Cstes livros o levarPo a outros, que tle consultari nos dep6sitos phblicos da cidade em que niora. Alguns anos se passarlo, ao fim dos quais ilotar5 que nPo tem em mlos a decima parte, sequer, das fontes; far5 viagens, manteri correspondtncias, para finalmente, desesperado de esgotar a materia, consolar seu orgulho e sua consciEncia com esta rcflexPo que muitas vezes j i lhe ocorreu: que, na sua maior parte, os documentos que nPo pBde consultar pouca importfincia devem ter, como tantos outros que compulsou sem proveito. Quanto aos jornais e aos miriades de relatos oficiais do ~ o v t r n odos Pstados Unidos, os quais conttm, sem dGvida, fates intercssantes para a hist6ria californiana, tle nem de longe pensou em examini-10s do primeiro ao Gltimo; folheou alguns e nada mais; porque e s t i certo de que cada urn dEsses campos de pesquisa reclamaria muitos anos de trabalho e o compromisso de os ler a todos equivaleria a condenar-se a fadigas esmagadoras e interminheis. Quanto ao testemunho oral e aos manuscritos, colheri algumas anedotas inCditas, ae, sabor das conversas; seri informado, sob sigilo, de alguns pap& de familia; tudo isto Ele utilizari nas notas e peqas justificativas de seu livro. Fisgari aqui e ali alguns documentos curiosos nos Arquivos do Estado, mas como Ihe seriam necessirios quinze anos para percorrer criteriosamente as coleqBes dtsses dep6sitos, limitar-se-6 a borboletear sdbre elas. A scguir escreveri. Muito de indilstria deixari de advertir o pGhlico que n l o teve em mPos todos os documentos; ao contririo, dar5 especial relEvo Aqueles que conseguiu bem examinar, em vinte e cinco anos cle trahalho incessante.. . " (17) Muitos fogem i s pesquisas pessoais, atribuindo-as aos funcionarios incumbidos da adrninistraqzo dos depbsitos de documentos. Cf. Rouvard e Pe'q~chet,p. 158. Bouvard et Pkcuchet resolveram escrever a vida do duque de A n g o u l h e ; para @stefim " deliberaram passar quinze d ~ a sna biblioteca municipal de Caen com o escopo de realizar pesquisas. 0 biEliotcc61-io llies pi.? 2 disposiq5io hist6;-ins y r a l s e hrochuras. . . "

passaram por provas anilogas : todos tPm sua vez. 0 s que lamentam Sste desperdicio de tempo e de f6rqas pensam que ernbora at6 certo ponto inevitbvel - Cste estado de coisas nada tern de agradivel e a si pr6prios perguntam se n5o haveri urn meio de tornar menos doloroso o aprendizado da Heuristica, que, nfo h i .muito, tfo car0 lhes custou. Tendo-se em conta o estado atual do aparelhamento de pesquisas, nfo ser5o estas ainda extremamente dificeis, por maior que seja a expericncia dos pesquisadores? H i eruditos e historiadores que desperdigam o melhor de sua atividade e m buscas materiais. Deixando de considerar os documentos da hist6ria antiga, que, por serem menos numerosos e mais estudados, possuem mellhores repert6rios que os outros, certos trabalhoe, relativos A hist6ria medieval e A moderna, pressup6em n5o apenas a consulta assidua de inventbrios, nem todos acornpanhados de tibuas, mas imenscs e diretos expurgos em acervos de que 1150 h i inventLrios ou, se existem, s5o pCssimos. A experitacia j i provou exuberantemente que a perspectiva de longas pesquisas a fazer, coino rnedida preliminar e necessiria .para a realizaGo de obras de maior elevaq5o intelectual, tem afastado e continua a afastar da erudiq5o hist6rica excelentes espiritos. A alternativa C esta: ou operar con1 docurnentos muito provavelmeirte incompletos, ou absorver-se num labor infinito de expurgo, na quase totdidade dos casos infrutifero, cujos resultados qarecem jarnais compensar o tempo gasto. N50 serb realmente repugnante empregar grande parte da vida em folhear catilogos sem indices, ou eliminar, uma ap6s outra, as peqas que cornp6eln acervos de ~niscella~zea n5o catalogados, para obter informaq6es (positivas ou negativas) que poderiam ser conseguidas sem esfirqo, num momento, se os acervos tivessem catilogos e Pstes indices? A mais grave consequtncia da imperfeiqso das hstrurnentos atuais d a Heuristica 6, certamente, afugentar formosas inteligencias, conscientes do pr6prio valor e convencidas de que deve existir uma justa proporq50 entre o esf6rqo despendido e os resultados obtidos. (18) Se estivesse na natureza das coisas que a busca de documentos hist6ricos, nos dep6sitos p~blicos, f8sse necessariamente tfo laboriosa como C agora, nfo haveria outro remCdio (18) Eitas considera~6esj i foram desenvolvidas na Revue Uai-

versitaire, 1894, I, p. 321 e seg.

sengo, resignarmo-nos : ninguem se lembrar5 de lamentar as perdas inevitbveis de tempo e de trabalho que acarretam as escavq6es arquecl6gicas, sejam quais forern os resultados. Mas a imperfeiqfo dos instrumentos modernos jda Heuristica nada tem de necessbrio. Nos dtimos sCculos a situa@o era bem pior ; nada impede que urn: dia venha a ser inteiramente boa. Depois de havermos falado das causas e de suas consequPncias, chegarnos ao ponto em que convem dizer duas palavras sbbre os remklios. A nosso ver, o aparelhamento da Heuristica se aperfeiqoa corrtinuamente, de dois modos. Cada ano aumenta o nlSlmero de inventhim descritivos de arquivos, de bibliotecas e de museus, cuidadosamente elaborados pelos funcionArios dPsses estabelecimentos. De outro lado, poderosas sociedades cientificas, a expensas prbprias, incumbiram ,geritm de percorrer o s dep6sitos existentes e classificar todos os documentos de determinada e s w e ou relativos ao mesmo assunto: dbte modo a Sociedade dos Bolandisstas mandou executar, por seus rnissionarios, em diversas bibliotecas, um catilogo geral dos documentos hagiogrAficos e a Academia Imperial de Viena urn catilogo dos \ monumentos da literatma patristica. A sociedade dos Monurnenta Gerrnanicae historica instituiu. j i h i muito, grandes inquCritos do mesmo gtnero; sernelhantes trabalhos realizados em museus e bibliotecas da Europa inteira 6 que tornaram possivel, recentemente, a feitura do Corpus inscriptiowurn latinarum. Finralmente, virios govtrnos tomaram a iniciativa de ensua conta, cpessoas encarregadas de viar ao estrangeiro, inventariar documentos de seu intergsse ; a Inglaterra, os, Paises Baixos, a Suiqa, os Estados Unidos, etc., por exemplo, destinam subvenq6es especiais a seus agentes, que inventariam e transuevem, nos g r a d e s depbsitos da Europa, documentos que concernem 2 hist6ria da Inglaterra, d m Paises Baixos, d a Suip, dos Estados unidos, etc. (19) Coino prova do que 6 --

(19) I3 sabido que, desde a abertura dos Arquivos da Santa S6 ao pCblico, vkrios governos e sociedades cientificas criaram em Rorna

institutos, cujos membros se ocupam de inventariar e em dar a conhecer os documentos dtsses Arquivos, em colabora$io corn os funcion5rios do Vaticano. A Escola Francesa de Roma, o Instituto Austriaco, o Instituto Prussiano, a Misslo Polonesa, o Instituto da " Goerresgesellschaft ",sibios belgas, dinamarqueses, espanhbis, portuguCses, russos, etc., executaram e executam nos Arquivos do Vaticano consideriveis trabalhos de inventirio.

%! possivel realizar neste dolllillio coil1 celeridade e perfeiqiio, desde que haja dinheiro e pessoal competente bem dirigido, ai estA a hist6ria do Catdlogo Geral dos Manuscritos das Bibliotecas Pziblicas de Franca: iniciado em 1855, &te excelente catilogo descritivo conta em 1897 com circa de 50 volumes e breve estari concluido. 0 Corpus inscriptionunz latinaru~u tambCm estar6 terminado corn Inenos de 50 anos de trabalho. 0 s resultados o;btidos pelos Bolandistas e pela Academia Imperial de Viena 'n6o s5o menos convincentes. Daqui por diante basta&. certamente, fixar o preqo para dotar em curto pi-azo os estudos hist6ricos dos indispensAveis instrumentos de pesquisa. 0 illCtodo j5 estA firmado e seri fAcil recrutar pessoal habilitado. Bste pessoal seria, evidentemente, formado em grande parte de arquivistas e bibliotec6rios de profissHo, mas atam~bemde trzibalhadores livres que manifestassem real vocaqiio para a lfeitura de catAlogos e de indices de catilogos. Tais trabalhadores siio mais numerosos do que poderiamos supor sem mais exame. Niio quer isto dizer que catalogar seja f5cil: a tarefa exige paciincia, escrupulosa atenq5o e erudiqiio variad a ; mas niio s5o raros os espiritos que se comprazem em ocupaq6es desta ordem, que, alem de precisas, sHo manifestamente fiteis e suscetiveis de se realizarein de maneira completa. Na grande variada familia dos que tra%alham para o progresso dos estudos histhricos, formam um setor P pajte os que elaboram catAlogos descritivos e indices. No exercicio de sua ai-te, quando a ela exclusivainente se dedicam, adquii-em, como C natural, extrerna habilidade. At6 que todos os paises ~econheqamB conveniEncia e oportunidade de emnpreender con1 energia o invent4rio de seus documentos hi;t6ricos, um paliativo C indicado: dar aos eruditos e historiadores, principalmente aos que se iniciam, inforilles exatos do estado do material de pesquisa de que disq6em e inf ormi-10s regularmente dos aperf eiqoamentos verificados no instrumental. Durante muito tempo confiou-se na experiincia e no acaso; mas os conhecimentos empiricos, alem de se adquirirem com grande esfbrqo, sHo quase sempre imperfeitos. Tentou-se recentemente elaborar repert6rios criticos dos inventkios existentes, bem fundarnentados cadlogos de cat6logos. Poucos empreemdimentos bibliogrificos ~oderHoter, no mesmo grau que Cste, um car6ter de utilidade geral. . Mas eruditos e historiadores sentem frequentemente, em relaqiio 20s documentos que examinam, necessidade de infor-

I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS

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I~IST~RICOS

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mas6es que os inventirios descritivos n5o 1,hes podell1 ordiilariamente dar; seja, , p r exemplo, saber se tal documellto C ou n5o conhecido, se jA foi criticado, comeiltado, utilizado. (20) atas informaq6es podergo ser encontradas nas obras dos eruditos e historiadores anteriores. P a r a ter conhecimento dessas obras C precis0 recorrer aos "repertbrios bi'bliogrAficos7'propriamente ditos, j6 publicados, compostos de mod0 diverso e sob pontos de vista diferentes. 0 s repert6rios bibliogrificos da literatura hist6rica devem, pois, tanto quanto os 1-eperthrios de inventirios de docunientos originais, ser coilsiderados como instrumehtos indispens6veis da Heuristica. Dar a lista fundamentada de todos istes repert6rios (repert6rios de inventArios, repert6rios bibliogrificos xopriamente ditos) com a s anotaq6es convenientes de mod0 a pou$>ar tempo e evitar erros ao pGblico estudioso, constitui objeto daquilo que legitimamente ~oclemosdenominar "ciEncia dos repertbrios" ou "Bibliografia hist6rica". E. Berilheim tentou uma sisteinatizaqiio diste novo ram0 do saber humano, publicando um pequeno comgndio (21), que procuramos akpliar, '(22) havendo nossa edi@o saido a lume em tibril de 1896; todavia, s.em nos refei-irmos aos retoques nqessirios, muitas siio as adiq6es que Ihe devem ser feitas, uma vez que o aparelhamento bibliogrifico das ciincias ,llist6ricas .se renova, presentemente, com sui-preendente rapidez. Um -1ivro relativo aos repert6rios para uso de eruditos e hi,storiadores, em regra geral, estii velllo a partir do dia seg-uinte ao em que foi terminado. 111 - , O conhecimento dos repert6rios C Gtil a todos, assim como-para todos C laboriosa .a pesquisa preliminar dos documentos, embora em grau diverso de dificuldade. Algumas partes da histhria, h6 n~uitocultivadas, atingiram a um tal gi-au de maturidade que C possivel realizar a obra histhrica, de ~ r i n cipio ao fim, con10 trabalho de gabinete. Isto porque todos os do(20) Costumam os catilogos de documentos mencionar, mas nem sempre, se tal documento foi publicado, criticado, utilizado. A regra geralmente admitida 6 que o redator me~lcione as cjrcunstincias dkste g&nero, quando delas tenha conhecimento, sem assurnlr o enorme compromisso de se informar em cada caso que Ihe aparep. (21) E. Benlheim, Lekrbuch, dev hisforisclzelz Mrthodr, p. 196-202. (22) Ch. V. Langlois, Manuel de Bibliograpkie historique. Instrltlrzelzts bibliogrnplziqltes. Paris, 1896, in-16.

cumentos existentes j6 s h conhecidos e se acham conservados, reunidos e classificados em grandes publicaq6es especiais. 0 s estudos de histbria local ordinariamente s6 exigem pesquisas locais. HB monografias importantes que se baseiam em reduzido niirnero de documentos, reunidos no mesmo acervo, de tal modo que seria supCrfluo procurar outros em outros lugares. Ao contrBrio, uma despretensiosa monografia ou modesta ediq5o de texto, cujos exemplares antigos h6o s5o poucos e se acham disperses em v6rias bibliotecas da Europa, exige um sem-nhmero de consultas, entendimentos e viagens. Assim, tomando em considera$?io o fato de que a maior parte dos documentos relativos ii baixa idade-media ou A hist6ria moderna est5o ainda ia6ditos ou foram ma1 editados, podemos firmar o seguinte principio: hoje, para estabelecer um capitulo verdadeiramente ilovo da rhist6ria medieval ou moderna i-5 indispe'nrs&velfrequentar demoradarnente 0s grandes dep6sitos de peqas originais e haver, seja-nos permitida a express50, cansado os cat3ogos. Escolha cada qual, p i s , com meticuloso cuidado, o assunto para seus trabalhos e evite o krro imperdoivel de o eleger ao acaso. Certos .ternas, no estado atual dos instrumentos de pesquisa, s6 ,podem ser tratados Q custa de enormes joeiramentos, em, que a inteligincia e a vida se gastarn sem groveito; nem por isso .s5o mais interessantes que outros e dia viri, cedo talvez, em que o simples dato de se haverem aperfeiqoado os meios de pesquisa permitird abord6-10s com facilidade e kito. B prec i s ~escolher, deliberadamente e com pleno conhecimento de causa, certos assuntos hist6ricos de preferincia a outros, tendo sempre em conta os seguintes fatores: a exilstincia ou n5o de repert6rios de documentos ou repertbrio3 bibliogr6ficos ; o fato de gostarmos ou niio do trabalho de gabinete ou do trabalho de exploraq50 nos dep6sitos; de podermos ou n i o frequeiltar corn comodidade certos dep6sitos. "E' possivel trabalhar na provincia?" perguntou Renan no congress0 das Sociedades Cientifims, na Sorbonne, em 1889; e ile pr6pri0, ,p-udentemente, respondeu : "Pelo menos metade da obra cientifics pode ser feita como trabalho de gabinete. . . Seja, por exemplo, a filologia comparada: com uma dotaqiio de alguns milhares de francos e a assicatura de tr&s ou quatro puhlicaq6es especializadas, teriamos todos os instrumentos necessirios.. . 0 mesino C possivel dizer das idCias f ilos6ficas g r a i s . . . Muitos ramos do conhecimento poderiam assim ser cultivadgs de moda inteiramente

privado e nos mais afastados lugares." (23) Sem dGvida; mas h6 "raridades, especialidades, pesquisas que exigem grande aparelhamento". E' verdade que metade da obra hist6rica pode ser feita, daqui por diante, com o trabalho de gabinete, com reduzidas fontes; mas, frisemos bem, metade somente; a outra metade sup6e ainda a utilizaqiio das prikprias fontes, contidas em repertbrios e documentos, que s6 nos grandes centros de estudo se encdnctram; n5.o raro C indispenGve1, mesmo, visitar sucessivamente istes centros. Em resumo: ocorre com a hist6ria o mesmo que com a geografia; de certas partes da terra pssuimos documentos suficientemente completos e bem classificados, em publicaq5es manuseBveis, que nos permitem bem refletir e concluir sem maiores trabalhos, comodamente instalados em casa; ao passo que a menor monografia sbbre regi5o inexplorada ou pouco explorada supde considerBvel desgaste de f6rqas fisicas e grande disgndio de tempo. Escolher um tema de estudos, como frequentemente aconftece, sem indagar d a natureza e extens50 das pesquisas preliminares que ile exige, constitui verdadeiro perigo: muitos s5o os que se afogaram durante anos em semelhantes pesquisas, quando bem melhor poderiam haver empregado o tempo em trabalhos de outra espCcie. Contra Este perigo - muito mais grave para os que se iniciam, por serem inais ativos e cuidadosos - o exame das condiq6es atuais de Heun'stica em geral, e das noq6es positivas da Bibliograf ia histbrica,, C ,inquestionavelrnente salutar:

(23) E. Renan, Feuilles dCtachCes (Paris, 1892, in-8), p. 96 e segs.

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CAP~TULO 11

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e'.AS CIRNCIAS AUXILIARES"

I

Supoilhamos que as primeii-as pesquisas, de que cuidamos no capitulo anterior, j5 hajam sido feitas con1 mCtodo e bons resultados: sen50 todos, pelo menos a maior parte dos documentos fiteis relatives a um assunto dado estHo reunidos. De duas uma: ou Esses documentos j& sofreram urna elaboraqHo critica, ou ainda est5o em estado bruto; certificamo-nos disso pelas pesquisas "bibliogr&ficas" que, como j& dissemos, fazem parte do inquCrito que precede qualquer operaqHo Mgica. No primeiro caso - isto C, quando os documentos j& sofreram uma elaboraqiio Ibgica, C indispenskvel saber se a critica foi convenientemente feita; no segundo caso - isto 6, quando os illateriais est5o em estado ibi-uto, C necesskrio critic&-10s. Nos dois casos, certos conhecimentos positivos, ~reliminares e auxilial-es, Vor-zknd Hulfskenntnisse, como C costume denominA-los, s5o t5o indispendveis quanto o h&bito de bem racionar; porque, se C possivel pecar, no curso das operaq6es criticas, raciocinando mal, tambem C possivel errar por ignorAncia. A ~rofiss50de erudito ou de histoi-iador assemelha-se A rnaioria das profiss6es: 5 impossivel exercE-la sem um certo lasiro de noq6es tCcnicas, a que nem disposiq6es naturais, nem mesmo o mCttdo, conseguiriam suprir. Em que, pois, deve consistir o aprendizado tCcnico do erudito ou do historiador? Em outros termos, mais usuais, emb r a muito imprbprios, coillo tentaremos mostl-ar: alem do conhecimento dos repertbrios, quais siio as "ciCncias auxiliares" da Hist6ria? Daunou, em seu Cours d'btudcs historiqucs (24), fez unla perguilts semlhante: "Qua estudos, diz Ele, deve fazer quem se destina a esci-ever histbi-ia, que conhecirnentos deve adquirir para iniciar ulna obra com alguma esperanqa de hoill ixito?" A11;eriormente a 6le, Mably, em seu Trait; de I'htude d e I'l~is(24)

VII. g. 228 e segs.

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INTRODUSLO AOS

ESTUDOS HIST~RICOS

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toilbe, tambenl reconhecei-a clue " h i estzldos pi-eparat6rios aos quais um historiador, d e nenhum modo, poderia exirnir-se". Mas Mably e Daunou, nestes livros, expenderam idCias que hoje pareceriam singulars. Parece-nos instrutivo assinalar exatamente a distgncia que separa o ponto de vista de ambos do nosso. "Primeirainente, afirmava Mably, deve-se estudar o direito natural, o direito piiblico, as ci6ncias morais e politicas". Daunou, homem de grande pontderaq50, secretirio perpktuo da Academia de Inscriq6es e Boas Letras, ao escrever mais c n ~menos em 1820, dividia em tres g6~1eros os estudos peliminares que deveriam ca~stituir,a seu ver "o aprendizado do historiador" : literbrios, f ilos6f icos e hist6ricos. Com relasHo aos estudos "liter&rios" Ue se estende ~o~piosamente; primeiramente "ter lido com redobrada atenq5o os grandes modelos". Que grandes modelos? Daunou "n5o hesita" em indicar na pri'meira linha "as obras-primas da poesia Cpica", porque "foram as poetas que ci-iaram a arte de 'ncarrai- e s6 imperfeitamente podem sabE-la os que diles nHo a aprenderam". Ler tambem os roinancistas, os romancistas modernos : "aes ensinar5o a situar os fatos e os personagens, a distribuir os detalhes, a conduzir habilmente o fio da narrativa, a interromp2-lo, a retom&-lo, a prender a atenqiio do leitor por uma inquieta curiosidade". Finalinente, ler os bons livros de hist6ria: "Her6dot0, Thucydides, X~nofonte,Polybio e Plutarco entre os gregos; Cesar, Salustio, Tito Livio e Tacito, entre-os latinos; e entre os modernos Maquiavel, Guichardin, Giannone, Hume, Robertson, Gibbon, o cardeal de Retz, Vertot, Voltaire, Rayilal e Rulhi6re. Niio petendo excluir os outros, mas i,stes bastariam para dar todos o s matizes que possam convir A hist6ria; porque entre os escritores dcles, impera grande diversidade de formas". E m segundo lugar, estudos filos6ficos : haver aprofundado "a idcologia, a moral, a politica". "Quanto 5s obras em que C possivel esgotar os conhecimentos desta ordem, Daguesselau nos indicou Arist6teles, Cicero; eu acrescentaria 0s melhores moralistas antigos e modernos, o s tratados de economia piiblica .editados a partir da segunda inetade do filtimo sCculo, bem como o que escreveram a re'speito do conjunto, de minlicias ou de aplicaq6es da cigncia politica, Maquiavel, Bodin, Loclte, Montasquieu, Rousseau, o pr6prio Mably e os lnais esclarecidos de seus discipulos e wmentadores". Elm terceiro lugar, antes de escrevv hit6ria "5 precise que a saibamos". "Jamais conseguirernos enriquecer tste g-~nerado saber

INTRODUCAO AOS se n5o comeqarmos por possui-lo tal con10 6le euiste". 0 futuro historiador j i leu os melhores livros de hist6ria e os cstudou como modelos .d,e estilo: "conseguiri ile ainda pride proveito se os ler uma segunda vez, desde que se proponha de mod0 muito particular a aprender todos os 'fates neles aarrados e a deixar-se penetrar por eles t5o intimamente que se torne impossivel esquecC-10s". ,550 estas as noqBes "positivas" consideradas h i oitenta anas como indis~pensAveisao historiador em geral. Contudo j i nessa Cpoca havia o sentimento confusode que "para adquirir o conhecimento profundo de temas particulares" outras noq6es ainda seriam liteis: "As quest6es que os historiadores devem abordar, afirmava Daunou, 'as peculiaridades que encontram, exigem amplos e diversos conhecimentos." Haveri necessidade de precisLlos ? Ei-los em poucas palavras : "f requentemente o conhecimento de muitas linguas, n5o raro noqdes de fisica e de matemitica". E acrescenta: "Todavia, para os casos a que aludimos, basta a quem queira consagrar-se a dissertaq6es hist6ricas possuir boa instruq50 geral, isto &, conhecimentos COmuns a todos OS homens de letras". Todos os autores que, como Daunou, tentaram enurnerar os conhecimentos proped6uticos ou as disposiqdes morais e intelectuais necessirias para "escrever hist6ria'",. foram levados a dizer trivialidades ou fazer exig-6ncias c6lnicas. Na opiniao de E. A. Freeman o historiador deveria saber tudo: filosafia, direito, finanqas, etnogfa,fia, geografia, antropologia, ciincias naturais, etc. NBo estari um historiador, en1 verdade, sujeito a deparar no estudo do passado questdes .de filosofia, de direito, de finanqas, etc.? EC uma vez que a cisncia financeira por' exemplo, C considerada indispensivel a quein trata quest6es atuais de finanqas, nBo serh coin igual razHo necessiria a quem deve manifestar-se relativamente a problemas financeiros do passado? "NBo hA um s6 assunto especial, declara E. A. Fi-eeman, que o historiador n60 possa ser 1.evado a ferir incidentemente: por consequ&~cia,quanto maior fbr o nlimero de ramos especiais do conhecimento qua Gle donine, tanto mais bein preparado estari para o trabalho profissional". B fora de qualquer diivida que nem todos os ramos do conhecimento s5c ig.ualmente liteis; alguns s6 muito raramente podem ser precisos: "Eu hesitaria em.dar ao historiador, como norma de perfeicBo? o co~selhode .tofn~r-seism quiillico completo, tenda em

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ESTUDOS HIST~RICOS

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vista a possibilidade de chegar urn momento em que a quimica pudesse auxilitlo em seus estudos"; mas outras especialidades est5o mais intimamente ligadas a hist6ria: "por exemplo, a geologia e todo o grupo das ci4ncias ilaturais que com ela se relaciona.. 4 claro que o historiador tfabalhar6 inelhor se conhecer geologia". (25) Houve tarnhem quem perguntasse se "a hist6ria C urn d k e s estudos a que os antigos denoninavam umbratiles, que exigiam apenas serenidade de espirito e nh5ibitos laboriosos" ou ainda se C condiq5o favorivel para o historiador ter-se irniscuido na vida ativa e haver cohttribuido para fazer a hist6ria de seu tempo antes de escrever a d o passado". Que se nBo perguntou? Torrentes de tinta se despenharam sbbre estas questi5es ma1 propostas, t6das sem interesse ou sem soluqBo e que, debatidas urn tempo enorme sem resultado, contribuiram consideravelmente para desprestigiar os escritos sbbre metodologia. Nada h i de especial a afirmar, a nosso ver, que n5o seja puro bom senso, com relaq5o ao aprendizado da "arte d e escrever hist6riaM,a nZo ser que Cste api-endizado devesse coasistir principalmcnte no estudo, t5o geralmente descurado at4 hoje, dos principios do mCtodo hist6rico. Al%s,n5o C o ''historiador literato", o historiador moralista, tal como Daunou e seus 6mulos o conceberam, que temos em vista: preocupamo-nos, aqui, exclusivamente com 0s historiadores e eruditos que se proponham a analisar os documentos para pre-

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(25) E. A. Freeman, The methodes of historical study (Londres, 1885, in-8), p. 45. A geografia foi durante niuito tempo, na Fran~a,considerada como cicncia intimamente ligada A historia. Ainda hoje temos uma- fusZo de hjst6ria e geografia e os mesrnos professores ensinam, em nossos liceus, hist6ria e geografia. Muitos insistem em pensar que esta xifopagia e legitima e se espantam corn a possibilidade.de um div6rcio entre duas: ordens de conhecimentos, que acreditam ligados por rela~6esnecesslrias.. Mas ficaria em maus lenc6is quem quisesse provar, por fatos da r-xperibcia e raz6es aceitAveis, que um professor de histbria, urn historiadol-, seria capaz de realizar obra tanto mais s6lida quanto mais conhecesse geologia, oceanografia, climatologia e todo o grupo das ciCncias geo-. grificas. Realmente, 6 fato provado que os estudantes de hist6ria se submetem corn impaciencia e sem proveito direto aos estudos de geo-. grafia que lhes s'io impostos pelos programas, ao passo que os estu-. dantes que prezam sincerarnente a geografia alijariam de boni grado a hist6ria. A uniBo artificial da hist6ria e da geografia remonta, entre x16s, a m a Bpoca em que a geografia, ma1 definida e ma1 constituida,, era tida por tBda a gente como disci~linasem imporfincia-. a urn ves.-. tigio, qug IlrFq slestruir, de um estado de c&as antigo.

I N T R O D U C ~ O AOS ES,TUDOS H I S T ~ R I C O S

p q a r ou realizar cientificamente a obra histbrica. Bstes necessidade de urn aprcndizado t k n i c o . Que se deve entender por .esta expressgo?. Seja u r n documento escrito. . Como utilizi-lo se nZo 0 sabernos ler ? Ate Frmlqois Champollion os documentos - egipcios, escritos em hieroglifos, foram, a bem dizer, letra morta. Admitimos sem dificuldade que, para nos ocuparrnos da hist6ria antiga da Assiria, deveriamos ter apren&ido a decifrar as escri.turas cunei.formes. De igual modo, se' pretend.emos rea.lizar trabalhos . originais parti11,do das fontes, no campo da hist6ria antiga ou no da hist6ria medieval, .C aconselh6vel aprender a decifrar as .inscriqBes e os manuscritos. Eis porque a Epigrafia grega e latina e a Paleografia da idade-mCdia, isto 6, o conjunto dos coi;Lhecimentos necessirios para decifrar as inscriq6es e 0s manuscritos. .da antig-uidade e da idade-.media, siio conhecidas como "ci6,ncias auxiliares" da hist6ria ou, melhor, ,colno estudos hist6ricos relatives A antiguidade e A idade-media. evidente, pois, que a paleografia latina da idade-mCdia deve fazer parte & lastro -de conhecimentos obrigat6rios dos medievalistas, do mesmo modo que devem os egiptblogos, necessariamente, conhecer a paleografia d o s hieroglifos. Acmtuemos, porem, uma difer6-a. Jamais alguem ter6 a idCia de destinarse & qiptologia, sem haver previamente adquirido conhecimentos paleogrhficos; nZ0 6 raro, ao contrArio, que empreendan~os estudos relativos a documentos locais da idade-mCdia sem havermos aprendido a dat&-los aproxi,madamente pelas ,f6rmulas que apresenta,m e a decif rar-lhes corretamente as abreviaturas ; C que a semelhang da maioria mdas escrituras da idade-media corn as escrituras modernas 6 por demais sensivel, o que nos leva A ilusHo de podermos resolver as dif-iculdades, vencendo o hiibito, por meios empiricos. Esta ilusho C perigosa: os eruditos que .se nbo submeteram a uma iniciaqgo paleogr6fica -regular recodlecem quase sempre que, de vez em quando, cometem erros gravissimos de decifraqgo, suscetiveis algun~asvezes de viciar fundamente as operaqges subsequentes de critica e de interpretaqgo., 0 s autodidatas, que, A f6rt;a de muito praticar, conseguiram informar-se dos 8principiosque uma iniciaqbo regular, confere, t&m a. Iamentar -0 enorme tempo perdido em t&t;am~~.tos ,

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Seja urn documento decifrado. Como nos servirnos dele, se o nHo compreendemos? As inscriq6es redigidas em etrusco e na lingua arcaica do cambodge sbo lidas, mas ning~~ern as compreende; ora, enquanto elas nbo forem compi-eendidas, serbo inliteis. I3 evidente que, para nos ocuparmos da hst6ria grega, devemos consultar documentos redigidos em lingua gr,ega e, consequentemente, saber grego. Verdade de L a Palice, dir6 alguem. Observemos, entretailto, que muitos agem, frequehtemente, como se disso nHo tivessem consciencia. Abalanqanl-se os m o p s a estudos de hist6ria antiga, tendo apenas uma tintura superficial do grego e d o latim. Quantos, sem haverem estudado o francts ou la~timda idade-mklia, acreditam que os sabem, porque conhecem o lati~n clissico e o francis modern0 e ousam interpretar textos cujo sentido literal lhes escapa ou, embora ,muit0 claro, lhes parece obscuro? S l o incontiveis os erros his.tbricos, cuja causa C um contra-senso ou uma interpretaq50 aproximada de textos formais, comtidos por trabalhadores que mal conhecem a gram&tica, o vocabulArio ou as sutilezas das li'nguas antigas. S6lidos est.udos filol6gicos devem logicamente preceder as pesqvisas hist6ricas, sempre que os documentos a serem utilizados nbo estejam redigi.d& em lingua moderna, nem possam ser esclarecidos sari .dificuldades. Co~.~sideremosum documento inteligivel. Seria ilegftilno tomi-lo .em consideraqiio antes de Ihe havermos verificado a autenticidade. Ora, para verificar a autenticidade e a precedincia de um documento, duas condiqBes .s5o necessjrias : raciocinar e safber. Em outras palavras, raciocinamos com daclos positives, que exprime,m resultados m'densados de -pesqui.sas anieriores, que 6 impossivel inl~rovisare que devemos, portanto, aprender. Di,stinguir uma carta autsntica de outra falsa seria en1 verdade impraticsvel ao mais arguto 16gic0, se isce d,esconliecesse os hhbitos de tal chancelaria, em tal data. ou 0s caracteres coinuns a t6das as cartas -de determinada esgcie, dc . autenticidade indiscutivel. Seria 21e ohrigado, como os primeiros eruditos, a estahelecer por si rnesmo, comparando grande nfim,ero de documentos, os traqos que diferenqam os que sbo certa.1nente autsnticos dos outros, antes de julgar um caso particular. Qua,rxto sua tarefa nbo teria sido facilitada s e existi,sse um corpo de doutrinas, urn tesouro de observeqSes acumuladas, urn si:stema de resultados obtido por obreiros que jA houvessenl feito, refeito e provado

comparaq6es miiludentes, a que 6le deveria entregar-se por si mesmo. Bste corpo de doutrinas, de observaqSes e de resultados, apt0 a facilitar a critica dos diplomas e das cartas, existe: 6 a Diplomftica. Direm~s,p i s , que a Diplomitica, como a Epigrafia, como a Paleografia, como a Filologia (Sprachkunde) (26), 6 urna disciplina auxiliar das pesquisas hist6ricas. A Epigrafia e a Paleografia, a Filologia (Sprachkunde), a Diplomitica con1 seus anexos (Cronologia tknica e Esfragistica) n b sgo as ilnicas disciplinas auxiliares das pesquisas hist6ricas. Seria pouco judicioso, realmente, empreender a critics de documentos literfries ainlda n5o criticados sem estar ao corrente dos resultados obtidos pelos que criticaram at4 o presente documentos do mesmo ginero; o conjunto dsstes resultados constitui urna disciplina Q parte, que se denomina: Hist6ria literkria. (27) A critica dos documentos figurados, como as obras de arquitetura, de escultura e de pintura, os objetos de viria espkie (armas, vestufrios, utensilios, moedas, medalhas, escudos, etc.) sup6e o conhecimento aprolfundado das observaqBes e regras que constituem a Arqueologia propriamente dita e seus ramos destacados: Numism5tica e Hkrddica. Estarnos agora em condiq6es de examinar com proveito a noqHo tzo ppcwco precisa de "ciincias auxiliares da histbria". Denoininamo-las, tambem, "ci6ncias auxiliares", "ciiincias satelites", mas nenhuma destas expressBes C realmente satisfat6ria. E m p-imeiro lugar, tbdas as chamadas "ciencias auxiliares" nso sso ci2ncias. A Diplomitica, a Hist6ria literiria, por exemplo, s5o simples repert6rios met6dicos de fatos, de que a critica se apropria e que, pela sua natureza, servem para facilitar a critica de documentos ainda ngo criticados. Ao contrkio, a Filologia (Sprachkumlde) C urna ciencia organizada, corn leis pr6prias. Em segundo lugar, C necesshio distinguir entre 0s. collhecimentos auxiliares - n5o propriamente de Histbria, mas de ~esauisashist6ricas - os qu,e cada trabalhador d,eve assimilar e os menos imnprtantes, de i u e basta conhecer o lugar em que A

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(26) A palavra "Filologia" tern sido tomada em sentido restrito, clue (he -n%o damos aqui. (27) A ",Historiografia" 6 um ram0 da "Hist6ria litedria"; 6 o conjunto dos resultados obtidos pelos criticos que at6 a q r a estudaram OR antigos escritos histbricos, como anals, membrias, cronicas, biografias, etc.

podem ser hauridos, para estudo no momento oportuno; os que deve~nser tratados habitualmente e os que podem permanecer em estado de simples informaqGes, coma provido virtual. Um medievalists deve saber ler e entender os tertos da idade-maia, mas de nada Ihe valeria acumular na mem6ria a maioria dos fatos particulares da Kist6ria lliteriria e da Diplom&tica, que figuram nos bolls Manuais-repert6rios d e "Eist6ria literiria" e de "Diplomitica". Finalmate, n5o hf conhecin~entos auxiliares da Hist6ria (nem mesmo pesquisas hist6ricas) em geral, isto 6, que sejam liteis a todos os trabalhadores para qualquer parte da Hist6ria em que operem. (28) Parece, portanto, que nPo h i resposta geral para a quest50 proposta no comiqo d6ste capitulo: em que deve coilsistir o aprendizado t6kico do erudito ou do historiador? .(28) Esta a f i r m a ~ I o6 verdadeira com urna ressalva apenas; porque existe um instrumento de trabalho indispensivel a todos os historiadores, a todos os eruditos, seja qua1 f6r o objeto de seus estudos especiais. A histbria, de resto, esti sab Cste aspecto no mesmo caso que a maioria das outras cisncias: todos os que fazem pesquisas originais, seja. em que dominio f6r, tEm necessidade de saber virias linguas vivas, isto 6, as dos paises em que se pensa, em que se trabalha. e que, do ponto de,vista cientifico, est%o 5 frente da civilizaq50 contemporgnea. Em nossos dias o exercicio das ciOncias n%o estb mais confinado em de$errninado e privilegiado pais, nem mesmo na Europa, mas tornou-se international. Todos os problemas, os mesmos problemas, szo simultaneamente estudados em t6da parte. Hoje 6 dificil, amanh5 seri impossivel, encontrar objetos de estudo que possam ser tratados sem o conl~ecimentode trabalhos publicados em lingua estrangeira. Jb agora, para a hist6ria antiga, grega e romana, o conhecimento do alemLo 6 quase t%o imperiosamente exigido quanto o do grego e do latim. Somente as questBes de hist6ria estritamente locais sPo ainda acessiveis iqueles para quem as. literaturas estrangeiras estLo fechadas. Para tstes os grandes proljlemas est%o interditos, pela, ridicula e miser5vel r a z h de que se acham, em presenca dos livros que dtles tratan, mas publicados em qualquer outra lingua diferente da sua, conlo se estivessem diante de liwos lacrados. A ignorHncia total das linguas que tGm sido at6 hoje as linguas ordinbrias da citncia (alem50, inglGs, franc&, italiano) C urna doenca que, com o tempo, tende a tornar-se incurivel. N5o seria demasiado exigir que todo o candidato As profissijes cientificas f6sse ao menos triljngue, isto 8, que entendewe, sem grande esf6rq0, duas linguas modernas alem da pr6pria. Eis urna obriga~Po de que os eruditos de outrora estavam dispensados (embora f6sse o latim a lingua comum d ~ s ~ s i b i o se) que as condi~ijesatuais do trabalho cientifico far% daqui

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CH. V. LANGLOIS

e CH.

INTRODU~AO AOS SEICNOBOS

Etn que collsiste o apiendizado tkcnfico do erudito ou do historiador? Depende. Depende da parte de hist6ria que ele pl-etenda est-udai-. inlitil conhecer paleografia para fazer peshuisas relativas A hist6ria da Revo:uqHs, ou saber grego para tratar um ponto de hist6ria da Franqa da idade-mCdia. (29) Estabeleqamos que, pelo menos, a bagagem preliminar de quem pretenda en1 hisibria produzir trabalhos originais deve comporse (excetuada a "instruqHo comum", isto 6, a cultura geral, de que nos fala Daunou) de todos os conheci,mentos capazes de conferir os meios de achar, entender e criticar os documentos. Bstes conhecimentos vai-iam coln a especializaqBo em um ou outro seter da hist6ria universal. 0 aprendizado tCcnico 15 relativamente curto e qfbcil para quem se ocupa de hist6ria moderna ou contemporiinea, longo e penoso, para quem se dedica A hist6ria antiga b u medieval. Substituir, coixo aprendizado do historiador, o estudo dos "grandes moclelos" litesbrios e filos6ficos pelo dos conhecimentos positivos, verdadeiramente auxiliares das pesquisas hist6ripoi- diante pesar cada vez mais sdbre os eruclitos de qualquer pais. Dia virQ, talvez, em que o conhecimento da principal das linguas eslavas ser6 necess6rio: j6 h6 eruditos que se impuseram o aprendizado do russo. h idCia de restabtlecer o latim em sua antiga dignidade de lingua universal 6 quirnkrica (V. a colec'io de Phoenix seu nuntius latinus internatiorzalis - Londres, 1891, in-4). Os eruditos franceses incapazes de Icr em inqlbq ou alein'io, estzo, por isso mesmo, em permanente estado de inferioridade em relacgo a seus colegas que conhecem tais idiomas, quer franceses, quer estrangeiros; seja qua1 f8r o merit0 que-possuam, est'io condenados a trabalhar com insuficientes elementos de informac'io, a trabalhar mal. Disso t&m.tles conscitncia. Por isso dissimulam como nodem tste defeito, con10 clualquer coisa de vergonhoso, a menos que dtle cinicamente se vangloriem; Inas vangloriar-se C, sem d-hoida, uma forma de manifesta vergonha. Pensamos n'io ser nunca demasiado insistir no fato de que o conhecimento prAtico das linguas estrangeiras C o principal guxiliar de todos 0s trabalhos histbricos, assim como de todos os trabalhos cientificos em geral. (29) Quando as " citncias auxiliares " foram introduzidas em nossos programas universitirios, Eouve estudantes, - ocupados com a bist6ria da Revoluc;'i~e absolutamente desinteressados da idade-media, clue adotaram como "citncia auxiliar" a Paleografia e gebgrafos que, sem nenhum intertsse na antiguidadc, adotaram a Epigrafia. B evidente que n'io haviam compreendido que o estudo das " citncias auxiliares" se rccomenda, nPo por si mesmo, mas por ser praticamente Gtil a quem se destina a certas especialidades. (V. Revue tmiversitaire, 1895, 11,

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p. 123).

ISSTUDOS H I S T ~ R I C O S

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cas, C um progress0 de data recente. Na Frabqa, durante a maior parte deste skulo, os estudantes de hist6ria s6 receberam educaqHo IiterAria, 2 maneira de Daunou; quase todos com isto se contentaram e nada enxergaram alem disso; alguns verificaram, corn pesar, a insuficiGncia de sua formaqHo quando j6 era demasiado tarde para remediar o ma1 ; ressalvadas ilustres exceq6es, os nlelhores dentre eles tornaram-se distintos literatos, impotentes para dazer obra de cihcia. 0 ensino das "ciCnccias auxiliares" e dos n~eiostCcnicos de investigaq50 s6 estava organizado para a hist6ria (francesa) d a idade-n18dia e em uma escola especial, a Escola de Cartas. Esta simples circunstiincia, asseprou, alCm do mais, a esta &cola, durante cinqiienta anos, uma s~~perioridade acentuada em relaqHo a t d o s os outros estabelecimentos franceses (e mesmo estrangeiros) de ensim superior: excelentes obreiros ai se formaram, que obtiveram muitos clados novos, ao passo que, alhures, discutiam-se langa e inutilmente os problemas. (30) Hoje, 6 ainda na Escola de Cartas que o aprendizado tCcnico do medievalista se faz con1 n~aiorproveito, de forma completa, graqas a cursos cmbinados, graduados durante tr6s anos. d e Filologia romana, de Paleografia, de Arqueologia, de Historiografia e de Direito Medieval. Mas as "ciencias auxiliares" sHo agora ensin~dasem t6da parte, corn maior ou menor amplitude; foram, mesmo, introduzidas nos programas universitArios. Por outro lado, os tratados ~didbticosde Epigrafia, de Paleografia, de DiplomAtica, etc., tern-se multiplicado nestes Gltirnos vinte e cinco anos. H5 vinte e cinco anos seria inGtil tentar obter urn livro que, nestas inatCrias, suprisse as deficiencias do ensino oral ; desde que existein cAtedras, surgiram manuais (31) que por si s6s talvez (30) Vejam-sc, a Gste respeito, as opiniBes de Th. V. Sickel e de T. Havet, citadas na Bibliothkque de 1'8cole des chartes. 1896, p. 87 Jri em 1854 o Institute austriaco "fiir iisterreichische Geschiclztsfo~=rchung" foi organizado pel0 modtlo da Escola francesa de cartas. Uma escola de cartas acaba de ser criada no " Iilstituto di Studi-Superimi" de Florenca. " W e are accustomed - escreveu-se na Inglaterra - to hear the complaint that there is not in this country any institution resembling the Ecole des chavtes." (Quarterly Review, julho 1896, p. 122.) (31) Caberia aqui enumerar os principais "manuais" publicados nos filtimos vinte e cinco anos. Dtles, porem, se encontrari uma lista, at6 1894, no Lelzrbuch de E. Bernheim, p. 206 e segs. Citemos apenas os grandes " manuais" de " Filologia" (no sentido amplo da expresszo alemZ " Philologie ", que compreende a hist6ria da lingua e da literat~tra,a epigrafia, a paleografia e tddas as nocBes auxiliares da critica

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CH. V.

LANGLOISe

INTRODU($O

CH. SEIGNOBOS

bastassem para urn estudo criterioso, se o ensino oral nHo fGsse indispens5vel pela efidcia particular que produz, g r a p s aos exercicios priticos. Quer tenhanlos ou nHo tido a sorte de haver feito um curso regular em estabelecimento de altos estudos, nHo illais nos assiste o direito de ignorar o que C indispeas5vel saber para enfrentar trabalhos hist6ricos. E m verdade j i ignoramos menos que os autores de h5 alguns anos. 0 sucesso dos manuais mencionados, cujas ediq6es se sucedem, 6 significativo a iste respeito (32). Eis, pois, o futuro historisdor armado de conhecimentos prkvios, dos quais nHo poderia prescindir sem se condenar, ou h inlpotcncia, ou ao risco de erros sucessivos. N6s o figurarnos a cciberto de erros (inGmeros, C bem verdade) gerados no conhecimento imperfeito da escrita e da lingua dos documentos, na ignorhcia de trabalhos anteriores, bem como dos resultados obtidos pela critica; estj. &le de posse de uma irrepreensivel cog~zitiocogniti et cognoscendi. Reconhecemos que esta suposiqHo C rnuito otimista. NHo basta, disso estamos certos, ter alguem seguido um curso regular de "cicncias auxiliares" ou haver lido atentamente os melhores tratados diditicos de Bibliografia, de Paleografia, de Filologia, etc., nem mesmo haver adquirido, por meio de exercicios prtiticos, alguma experibcia pessoal, para estar sempre hem informado e muito menos para ser infalivel. Primeiro, porque os que estudaram longamente documentos de determinado gCnero ou kpoca possuem, em rela$50 aos documentos d&se ggnero ou hpoca, noq6es intransmissiveis que lhes permitem em geral criticar com superioridade os documentos novos, dCsie gGnero ou Cpoca, que lhes 60ter i s mHos : nacla sujbstittii a "erudiqgo especial", recompensa dos especialistas que muito trabalharam (33). Alern disto, os pr6-

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de documentos) , de publicaclo recente : o Grundr-iss der indo-arischen Phi-

lologie und Altertunzskunde, publicado sob a direclo de G. Biihler; o Grundriss der iranisclzen Philologie, publicado sob a direclo de W. Geiger e de E. Kuhn; o Handbuch der classischen Altertumswissenrchaft, publicado sob a dire~gode I. v. Miiller; o Grundriss der gernzanischen Philologie publicado sob a d i r e ~ 5 ode H. Paul, cuja 2.a edicZo comecou a aparecer em 1896; o Grundriss der romanischen Philologie, publicado sob a direego de G. GrSber. Nestes vastos repertbrios encontraremos, ao lado de uma ddutrina breve, completas refer5ncias ~bibliogrkficas, tanto diretas como indiretas. (32) 0 s manuais franceses de Prou (Paleografia), Giry (Diplomitica) , Cagnat (Epigrafia latina) , etc., difundiram no pfiblico a

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AOS ESTUDOS HIST~RICOS

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prios especialistas se enganam. 0 s pale6grafos devem acautelar-se sempre para nHo incorrer em absurdos ; haverb filtrlogo cuja consci6ncia nHo registe um contra-senso? Eruditos bern informados deram A estampa, como inkditos, textos j i publicados e descuraram de documentos cujo exarne e divulgaqHo seriam preciosos. Passam os eruditos a vida a aperfeiqoar seus conhecirnentos "auxiliares", que, com razHo, jamais consideram perfeitos. Mas tudo isto nHo nos impede de sustentar nossa hip6tese. Fique ahem claro unicamente que, na pritica, n5o C possivel esperar de ninguem que seja absolultamente senhor de todos os "conhecimentos auxiliares" para trabalhar com documentos. Assim, nunca seria possivel comeqar. Cumpre saber, agora, como devemos tratar os documnentos, admitindo-se que j i tenhamos feito, com bom &xito, o indispensive1 aprendizado.

noes0 e o conhecimento das disciplinas auxiliares. Novas ediqdes permitiram ou permitirgo mantd-lo ao par dos progressos realizados, o que C muito necessirio, porque a maioria destas disciplinas, emlmra j i hem constituidas, se tornam mais precisas e se enriquecem dia a dia. (33) Que devemos entender a rigor, por estas "no@es intransmissiveis" a que nos referimos? No cerebro de uin especialista muito familiar aos documentos de certa especie, ou certa Cpoca, operam-se associacdes de idhias, surgem analogias ripidas do exame de um document o novo dessa esphcie, ou dessa Cpoca, e que jamais se produziriam em qualquer pessoa nlo e ~ ~ e r i m e n t a d amcsmo , esc~idadanos mais pcrfeitos tepert6rios. B que t6das as particularidades dos documentos nlo podem ser isoladas; h i as que escapam a qualquer classificaqLo em rubricas claras e que, por consequtncia, em nenhum repertbrio se encontram. boa, guarda-lhes a impress50 e uma Mas a mem6ria humana, quando excitacSo, mesmo fraca e longinqua, basta para fazer ressurgir a .noc%o.

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I N T R O D U S ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

determinada por leis fisicas, C bem conhecida. (36) 0 traqo psicol6gic0, ao contririo, C purarnente simb6lico: n5o C o pr6prio fato; n5o C, sequer,,,a impress50 imediata do fato no espirito da testemunha; C, exclusivamente, um sinal convencional da impress50, produzida pelo fato no espirito da testemunha. 0 s documentos escritos n5o ttm, portanto, valor por si mesmos, coino os documentos materiais; as6 possuem valor como sinais de operaqdes psico16gicas, complicadas e dificeis de destrinqar. A imensa maioria dos documentos que constituem, para o historiador, o ponto de partida de seus raciocinios, s5o apenas, em liltima andise, simples traqos de operaqdes psicol6gicas. Isto posto, para chegarmos de um documento escrito ao fato que C sua causa remota, isto C, para sabermos a relaq50 que prende o documento ao .fato, devemos reconstituir t6da a sCrie das causas intermediirias que produziram o documento. Devemos reelaborar mentalmente t6da a cadeia dos atos praticados pelo autor do documento, a par.tir do fato observado, por tle, at6 ao manuscrito (ou ao impresso), que temos hoje diante dos olhos. Esta cadeia, tomamo-la em sentido iper;so, comeqando pela inspeq5o do manuscrito (ou do impresso), para chegarmos ao fato antigo. Tais sZio o fim e a marcha da anilise critica. (37) Primeiramente, observamos o documento. Eski tle tal qua1 como no momento em que foi produzido ? N5o foi danificado ? Indagarnos como Sle foi fabricado, a fim de o reintegrarmos, se f6r preciso, em seu textu original e de lhe determinarinos a procedhcia. Bste primeiro grupo de trabalhos preliminares, que se executa em funq5o da escrita, da lingua, das formas, das fontes, etc. constitui o dominio particular da CRfTICA EXTIEXNA ou critica de erudiq50. A seguir intervem a CRfTICA INT E R N A : ela tem por fim, atuando por meio de raciocinios por analogia - de que a maior parte C tomada A psicologia geral - reelaborar os estados psicol6gicos por que passou o autor do documento. (36) NPo trataremos particularmente da Critica do5 documentos mater,iais (objetos, monumentos, etc.) naquilo em que ela difere na Critica dos documentos escritos. (37) Para expIicaqPo minuciosa e justificacPo lbgica desse m6tod0, v. Ch. Seignobos, " les conditions psychologiques de la connaissance en histoire ", na " Revue philosophique ", 1887, 11, p. 1.168.

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Sabendo o que o autor do documento disse, perguntamus: que quis 6Je dizer ? 2) acreditou tle no que disse? 3) tinha razdes para acreditar no que acreditou?

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Sorb &te Gltimo aspecto, o documento atingiu a um ponto em que pode ser reduzido a uma das operaqdes cientificas, das quais se constitui t6da cibcia objetiva : tornou-se um caso de observaq50; basta trati-lo pelos m6todos das cisncias objetivas. Todo documento vale exatamente na medida. em que, depois de ter sido estudado em sua gcnese, pode ser reduzido a .uma ob,servaqSo bem f eita. 2. Do que precede, duas conclusdes resultam: complexidade extrema e necessidade absoluta d a Critica hist6rica. Em cornparas50 coin outros intelectuais, o historiador se encontra em situaq5o inc6moda. N5o s6 porque nunca lhe C dado, como ao quimico, observar diretamente os fatos, como ainda porque sb rarissimamente os documentos de que deve servir-se sSo passiveis de observaqdes precisas. N5o disp6e ele dcsses processes verbais de abservaq50, cientificamente firmados, que nas citncias constituidas podem substituir as observaq6es diretas. E s t i em condiqdes mais ou menos semelhantes As do quimico, que conhecesse uma sCrie de experiencias unicamente pela descriq5o do auxiliar de seu laboratbrio. 0 historiador C forqado a tirar partido de relaqdes grosseiras, com que nenhum sibio se contentaria. (38) Muito imporitantes s5o as precauqdes que devemos tomar para nos servirmos dktes documentos, que constituern o linico (38) Mesmo o caso m i s favor6ve1, isto 6, aquele em que o documento foi regido por um " testernunho" ocular, estA ainda muito afastado do conhecimento cientifico. A noqLo do "testemunho" foi t o m da aos tribunais; traduzida em termos cientificos ela se reduziu & de "observador". Um testemunho C uma observac50. Mas, de fato, o testemunho hist6rico difere da observaqlo cientifida. 0 " observador " opera em conformidade corn as regras fixas e redige em linguagem rigorosamente precisa. Ao contrhio, o " testemunho" observou seu mCtodo e redigiu sem rigor de linguagem. Nem se sabe, tambem, se tomou as necessirias precauc.6es. 0 caracteristico do documento hist6rico C apresentar-se como resultado de urn trabalho feito sem mCtodo e sem garantia.

material cla ciincia hist6rica: C preciso eliminar os que il&nhuill valor apresentam e distinguir nos outros o que jii foi observado com fidelidade. Muito importante C, tambem, estar d e sobreaviso contra a tendincia natural do espirito humano, ,de proceder confusament e em questties on.de a mais exata precis50 C indispeiisiivel. T6da a gente adinite, em principio, a utilidade da critica; mas i s t e C um dos postulados incoi~troversosque dlficiltnente se..realizam h~ priitica. SCc,ulos se .pssaram, em idades de civilizaq5o brilhante, antes que as primeiras luzes da critica se manifestassenl entre os povos mais inteligentes da terra. Nein os orientais, nem a idade-media dela tiverain idCia nitida. (39). De Cpocas distantes at6 ahoje n5o poucos l~omensesclarecidos t&m descui-ado de precauqties elementares e iilcotlscientemente admitido falsog principios ao se servirem d e documentos para escrever histbria. ,4htda .hoje a maioria dos moqos, abandonajdos a si pr6prios, perduram nesses velhos erros. B que a critica C contriiria A inarcha normal d a inteligcncia. A tendhcia espont h e a do hoinein C ,dar f C As afirrnaqties que lhe s5o feitas e reproduzi-las sen1 mesmo as distinguir com clareza de suas pr6prias observaqties. N5o .C comum aceitarmos, na vida de cada dia, com hdifserenqa, sem qualquer verificq,50, informaq6es an6ilimas e sem garantias, espCcies de "docun~entos" de mediocre ou de mau quilate? Uma raz5p especial C necess6ria para nos dartnos ao trabalho d e examinar a procedcncia e o valor d e uin documento ,de hist6ria de antan.; muito ao contr5ri0, a n5o ser que haja uma inverossimilhanqa que toque As raias do es&ndalq e desde que o .documento nSo seja contraditado, 116s o absoi-vemos, dile nos apropriamos e apregoamo-lo aos quatro vento,s, afornioseando-o segundo a s necessidades. Todo homem sincero ter6 como certo qu,e urn violento esf6rso 6 necessh-io para .sacudir a ignavia critica, esta :forma tHo ~difundidade -frohid50 intelectual; precisa convencer-se, tambem, de que Cste esf6rqo deve ser constantemente repetido e de que quase sempre 4 i l e acom- panhado d e verdadeiro sof rimento.

0 instinto do homem, dentro d'kgua, pelos movimentos que deterrni'nla, tende a levri-lo ao afogainento; aprender a nadar C der histo(39) V. B. Lasch. .Das Emachan und die EntzpnZPnckclung visrhen Kritik iin Mittelalter, Breslau, 1887, in-8.

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adquirir o habito -de repriinir os inoviinentos espont&neos e executar outros. D e igual modo, o habito d a critica nHo C natural ; e preciso ser inculcado e s6 f6rqa d e exercicios reiterados kle se torna orghico. 0 trabalho hist6rico 6, pois, um trabalho critico por excelincia; t6,da vez que o einpreendermas, sen1 nos havminos prelin~iilarm,entedefendi~docontra o instiato, estamos irreinedia.ve1inente condeiiados ao af ogamento. Para estarmos prevenidos contra o perigo, nada .C mais eficaz do que fazernios uin exame d e consciincia e examinarinos as raz6es da ignavia, que nos cumpre combater at6 que tenhamos conseguido impregnar-nos de espirito critico. (40) fi tambem illuito salutai- afsenhorearmo-nos dos principios do mCtodo histbrico, decompondo-os teoricamente em operaqties sucessivas, um ap6s outro, como a seguir fareinos. "A histhria, coino qualquer outro gznero d e estudos, encerra erros de fato, que procedein principalmente d e falta de -atenqiio; mas est6 ela m2is exposta que qualquer outro raillo do conhecimento a tais faltas, oriundas da confus5o do espirito que produz anklises insuficientes e constr6i raciocinios falsos. . . ,Os historiadores fariam lnenos afirin'aq&s infundadas, -se lhes f6sse exigido que analisassem cada ulna :de suss afirmaq6es; aceitariam, sem dGvida, inenos principios falsos, se lhes fbsse imposto formular todos os seus principios; .fariam menor .nGmero de niaus raciocinios, se lhes f6sse exigido exprimir todos os seus raciocinios em boa forma."(4)

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(40) A raz'io profunda da credulidade natural C a pregui~a. f3 mais cBmodo acreditar que discutir, admitir que criticar, acumular documentos que os pesar. B tambem mais agradivel. Criticar documentos 6, 1-60 raro, sacrificA-10s. Sacrificar .um documento equivale a uma dolorosa perda para aquele que o conseguiu. (41) Revue philosophique, 1. c., p. 178.

CRfTICA EXTERNA ( Critica de erudiqso)

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CAP~TULO I1

CRfTICA DE RESTAURACAO ,

Alguem, em nossos dias, escreve um livro: manda A tipografia seu manuscrito; de prbprio punho corrige as provas e assina a ordem de impressbo. 0 livro, impress0 dtste modo, se apresenta como documento, ell1 excelentes condiq6es materiais. Seja quem f6r o autor e sejam quais forem seus sentimentos ou intenq6es, uma coisa C certa, e C precisamente o que nos interessa agora, - termos em m5os uma reproduqbo, tanto quanto posdvel exata, do texto original. E necessirio dizer "tanto quanto possivel exata", porque, na hip6tese d e haver o autor corrigido ma1 as provas, ou de os tip6grafos haverem observado ma1 suas correqces, a reproduqbo do text0 primitive, mesmo nesse caso muito favorivel, C imperfeita. N6o 4 raro que os tipbgrafos faqam os a~ltoresdizerem coisas diversas das que queriam dizer ~eque tstes ~6 muito tarde disto se apercebam. Trata-se ,de reproduzir uma obra, cujo autor j i morreu e da qua1 C inlpossivel remeter A tipografia o manuscrito a u t 6 graf o ? 11 o caso das "MCmoires d'outre-tombe" de Chateaubriand. E caso que diariamente ocorre com a correspondtncia intima de pessoas de projeqbo, afoitamente publicada para satisfazer a curiosidade popular, mas fundada em fragilimas peqas originais. Primeiratnente, o texto C copiado; a segui~,C "composto"

tipograf icmnente pela c6pi9, o que equivale a uma segunda cbpia ; fidmente, esta segunda c6pia (em provas) 15, ou deve ser, confrontada p r alguem (na falta do autor desaparecido) com a primeira cbpia, ou, melhor ainda, com os originais. As garantias de exatidbo sbo menores neste caso que no precedente; porque entre o original e a reproduqbo definitiva h i urn intermediirio a mais (a c6pia manuscrita) e pode acontecer que o original seja dificil de decifrar por outrem, que n2o seja o autor. 0 texto das Mem6rias e das correspond&cias p6stumas surge frequentemente desfigurado nas ediq6es que desde logo aparecem alteradas, por enganos de transcriqgo e de pontuaq50. (42) Cabe indagar, agora, em que estado os documentos antigos foram conservados. Na quase totalidade dos casos os originais estso perdidos ; dtles s6 existem c6pias. C6pias extraidas diretamente do original? Nbo, mas cbpias de c6pias. 0 s escribas que as executaram nbo erarn todos, como seria de desejar, honlens hibeis e conscienciosos; transcreviam com frequkncia textos que absolutamente nbo compreendiam, ou compreendiam mal, e nbo era costume, como ao tempo da Renascenqa carolingia, confrontar manuscritos.(43) Se nossos livros impressos, depois de sucessivos exarnes do autor e do revisor, aparecem como reproduq6es imperfeitas, que dizer dos documentos antigos copiados e recopiados durante sCculos com pouco cuidado, corn . risco de alteraq6es hovas em cada transmisbo? Uma precauqbo inicial se imp6e: saber, antes de nos servirmos de um documento, se o seu texto C "born", isto 6, se esth conforme, e ate que ponto, coin o manuscrito aut6grafo do autor. Quando o manuscrito C "mau", cumpre-nos melhori-lo. Agir de outro mod0 C perigoso. Se nos utilizarmos de um inau texto, isto C, de urn texto adulterado, pela tradiqbo, arriscaino-nos a (42) U m memlbro da Sociedade dos Humanistas Franceses, (fundada em Paris em 1894) entreteve-se em corrigir, no boletim da Sociedade, os erros condensveis da critica verbal, que Se encontram nas edi~ d e sde algumas obras p6stumas (principalmente nas Mkmoires d'oufre-tombe) ; mostrou, assim, que C possivel dissipar obscuridades nos mais modernos documentos, pel0 mesmo metodo que serve para restaurar textos antigos. (43) A respeito dos hPbitos dos copistas da idade-media, por cujo intermCdio a maioria das obras litesrias da antiguidade chegou at6 hossos dias, vejam-se as informa~Bes reunidas por W. Wattenbach, Das Schrilwesen mi Mittelaftter, Berlim, 1896, in-8.

INTRODUSLO AOS

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atribuir ao autor o que deve ser levado A conta exclusiva dos copistas. a Construiram-se teorias s8bre passagens viciadas por erros de t~anscriq60e que se desmoronaram corn a descoberta e restauraq6o do text0 original. Nem todos os "pastCis" tipogrificos ou errw de c6pia s60 apenas indiferentes ou ridiculos: hS os insidiosos, capazes de enganar o leitor.(44) Sempre se acreditou, ingenuamente, que us historiadores renomados se serviranl invariavelmente de "bans" textos, devidamente expurgados e restaurados. Puro engano. Durante muito tempo utilizarainse os historiadores dos documentos que lhes vinham ter As m5os, sem lhes verificar a pureza. Mais ainda: muito tempo se passou at'&que os p r k r i o s eruditos, cuja miss50 era publicar os textos, aprendessem a arte de os restaurar. Ainda hS pouco a ediqgo dos documentos se fazia pelas primeiras c6pias obtidas, boas ou mss, classificadas e coi-rigidas ao acaso. As ediq6es de textos antigos s6o hoje, em sua maior parte, "criticas". N5o faz, todavia, trinta anm, que comeqaram a vir a lume as primeiras "ediq6es criticas" das grandes obras da idade-mkdia, e o texto critic0 de dgumas obras da antiguidade clissica (de Pausanias, por exemplo) ainda estS por fazer-se. Nem todos os documentos hist6ricos foram puklicados, at4 agora, de mod0 a dar aos historiadores a certeza de que carecem, e muitos historiadores agern ainda como se ignorassem que um texto ma1 fixado n6o pode inspirar confianqa. Urn progress0 considerivel, todavia, foi realizado. Firmou-se o mCtodo adequado para o expurgo e restauraqgo dos textos, coma resultado das experiCncias acurnuladas de virias geraq6es de eruditos. N d u r n a outra parte do mktodo hist6rico esti hoje t5o solidamente alicerqada nem C t60 amplamente conhecida. 0 mhtodo estA exposto corn clareza em virias obras de vulgarizaq50 f ilo16gica. (45) Por essa raz'ao, contentarno(44) V. por exemplo CCCoquilleslexicographiques", que A. Thomas reuniu em "Romania", XX, 1891, p. 464 e segs. (45) V. E. Bernheim, Lehrbuch der historischeir Methode, p. 341-54. Consulte-se, tambem, I?. Blass, em Handbuch detr Klassischen Altertumswissnrschaft, de I. v. Miiller, 1, (1892), p. 249-89 ( c a n minuciosa bibliografia) ; A. Tobler, em Grundriss der romanischen Philologis, I (1885), p. 253-63; H. Paul, em Grundriss der germanischen Philoloqie, 1, (1896), p. 184-96. Leia-se em fiances, o paragrafo " Critique des teztes", em Minerva. Introduction d I'e'tude des classiques scolaires grecs

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nos com resumir-$e aqui os principios essenciais e indicar-lhes os resultados. I - Tomemos, como exemplo, um docunlento inCdito, ou que a h d a n5o haja sido editado em conformidade corn as-regras da critica. Como devemos (proceder para estabdecei- o melhor texto possivel? T r b casos devemos considerar : a ) 0 caso mais simples 4. aquele em que possuimos o original, o pr6prio authgiafo d o autor. Basta reproduzir o texto com inteira exatid5o. (46) Teoricamente, nada h i de mais ficil; na prAtica, esta operaq5o elementar exige uma atenq6o constante, de que ilem todos s5o capazes. Quem disso duvidar, que tente. 0 s cornpistasque nunca se enganain nem coinetem distraq6es s5o muito raros, mesmo entre o s eruditos ; b) Segundo caso: Perdeu-se o original: dCle s6 possuinios c6pia. Devemos acautelar-nos porque 6 provivel que esta c6pia esteja adulterada. 0 s textos se degeneram em conformidade com certas leis. Comeqamos por distinguir e classificar as causas e as formas ordinirias de diferenqas, que se observam entre os originais e as c6pias ; deduzimos depois, pela analogia, das regras apliciveis A restauraqPo conjectural, as passagens que, ell1 uma c6llia ct latins, de J. Gow e S . Reinach, Paris, 1890, in-16, p. 50-65.

A obra de

T. Taylor, History of the transmission of ancient books to modern finzes .

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ESTCDOS H I S T ~ R I C O S

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(Liver~ool. 1889. in-16) nada vale. - ..-JP (46) Esta regra- nPo C absoluta. Admitimos geralnlente que o editor tem o direito de uniformizar a grafia de um documento aut6grafo - desde que disso advirta o pGblico - t6das as vezes que, como ocorre corn a maioria dos documentos modernos, as fantasias gr6ficas do autor nPo apresentem intertsse filol6gico. V. as Instructioizs pour la publication des textes historiques, no Bulletin de la Comission royaIe d'histoire de Belgiqz~e, 5.= sCrie, V I (1896) ; tambem Grundsatze fiir die Herausgebe v o n Actenstiicken zui, Izeuren Gesclzichte, laboriosamente deliberadas pel0 2 . O e 3.O congressos de historiadores alemzes, em 1894 e em 1895, na Deutsche Zeitschrift fiir Geschitmissemcheft, X I , p. 200, X I I , p. 364. 0 s Gltimos congressos hist6ricos itdianos, realizados em Gtnova (1593), em Roma (1895), tambem discutiram esta materia, mas nada concluiram. Quais as liberdades que, legitimamente, se conferem a quem reproduz textos autbgrafos? 0 problema C muito mais dificil d o quc os leigos possam supor. A

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fz linica de um origirial perdido, estgo com certeza (porque s50 ininteligiveis) ou possivelmente corrompidas. " As alteraq6es do original, em uma cbpia, as "variantes de tradiqbo", con10 se denominam, sbo imputbveis ou B fraude, ou ao irro. ~Certoscopistas fizeram conscientemente modificaq6es ou supress6es. (47) Quase todos os copistas cometeram erros, quer de julgamento, quer acidentais. Erros de julgamento quando, sendo semicultos e semi-inteligentes, abalanqaram-se a corrigir passagens ou palavras do original, que n5o entendiam. (48) Erros acidentais quando leram mal, ou ma1 entenderam o que Ihes foi ditado, ou, ainda, quando involuntariamente incidiram em qualquer lapsus calami. As modificaq6es oriundas de fraudes, ou de erros de julgamento, s2o quase sempre mais dificeis d e retificar e mesmo de descobrir. Certos erros acidentais (omissbo de algumas linhas, por exemplo) siio irrepardveis no caso, que nos ocupa, d e ulna ctrpia linica. Mas podemos descobrir, sein grande esf6rq0, a n~aioriados erros acidentais, desde que conheqamos suas formas ordinbrias: confusbo d e sentido, de letras e de palavras, transposiqbo de palavras, de s i l a k s e de letras, ditografia (repetiqbo iniltil de letras e de silabas), haplografia (silabas ou palavras que deveriam estar dobradas e que s6 aparecem uma dez)., palavras ma1 separadas, f rases mal pontuadas, etc. Eiros d k t e s diversos tipos foram cometidos por escribas de todos os tempos e de todos os paises, qualquer que haja sido a escrita dos originais ou a lingua dos autores. Mas certas confus6es de letras s5o frequentes, nos casos em que umas c6pias sbo tiradas de originais redigidos em caracteres unciais e outras de originais em minlisculas. As confus6es de sentido e de palavras se explicam por analogias de vocabuldrio e de pronlincia, que diferem naturalinente em funqbo do original, eserito nesta ou naquela lingna, em uma ou outra Cpoca. A teoria geral da restauraqbo conjetural reduz-se, portanto, ao que estb dito acima, n5o se justificando um aprendizado geral desta arte. Aprendemos (47)

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a restaurar, n50 qualquer texto, mas textos gregos, textos latinos, textos franceses, etc., porque a restauraqgo conjetural de um texto pressup6e, alenl das noq6es gerais s6bre o processw da degeneresccncia dos textos, o conhecimento aprofundado: 1) da lingua em que o texto estsi redigido; 2 ) da paleograf ia correspondente ; 3 ) das confus5es (de letrus, de sentido e de palawm) a que os copistas de textos redigidos nu rnesrna liv.gua e escritos do rnesmo +nodo estavam ou estiio habituados. Nbo poucos repert6rios (alfaGticos e met6dicos) de "variantes de tradiqbo", de confus6es frequentes, de correq6es provfiveis, ttm sido elaborados para o aprendizado da correqHo conjetural dos textos gregos e latinos. (49) E' evidente que tais repert6rios 1-60 podem substituir os exercicios prgticos, feitos sob a direqgo de especialistas (SO), mas mesmo aos especialistas prestam Eles grande auxilio. Seria fAcil citar exemplos de restauraq6es felizes. As mais satisfat6rias sbo as que t h um carbter de evidEncia paleogrbfica, coino a correqbo clissica de Madvig ao texto das Cartas d e Stneca (89,4). Lia-se : "Philosophia unde dicta sit, apparet; ipso enim nomine fatetur. Quidam et sapientiam ita quidam finierunt, ut dicerent divinorum et humanorum sapientiam. . . " o que n5o tinha sentido. Supunha-se urna lacuna entre ita e quidam. Madvig ~figurouo text0 em maifisculas do arquCtipo desaparecido, 'no qual, segundo o uso anterior ao s6culo V I I I , as palavras nbo eratn separadas (scriptio continua) e as frases n5o eram pontuadas ; procurou verificar, a seguir, se o copista que teve pela primeira vez o arquCtipo em rnaiGsculas diante dos olhos, nga havia separado as palavras ao d

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Trataremos das interpola~%sno capitulo 111.

(48) 0 s escribas da Renascen~a carolingia e da renascenca propriamente dita preocuparam-se, a partir do s6culo XV, em apresentar textos inteligiveis. Cotno consequ@nciacorrigiram tudo aquilo que n%o eritendiam. DCste mod0 muitas obras da antiguidade foram por 61es irremediavelmente sacrificadas.

I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOs H I S T ~ W C O S

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(49) Estas colecBes estPo dispostas, ou pela ordem metbdica, ou . pela alfabktica. As principais sfo, para as duas linguas clissicas, alem da obra mencionada de Blass, as Adversaria critica de Madvig (Copenhague, 1871-74, 3 vol. in-8). Para o grego a celebre Comnzentatio palaeographica de Fr. Y . Bast, publicada em apCndice d ediGo do gramitico GrCgoire de Corinthe (Leipzig, 1811, in-8) e as Variae lectiones de Cobet (Leyde, 1873, in-8). Para o latim H. Hagen, Gradus ad criticen (Leipzig, 1879, in-8) e W. M. Lindsay, A n introduction to lafin textual emendation based on the text of Plautz~s (Londres, 1896, in-16). Urn redator do Bulletin de la Societe' des humanistes frangais formulou, nesta publica~Po, o voto de que uma colethea an5loga seja composta para o franc& moderno. (50) Cf. Revue critique, 1895, 11, p. 358.

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I N T R O D U C ~ O AOS ESTTJDOS H I S T ~ R I C O S

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maior ou menor pureza, a mesnla tradiqHo, devemos recorrer ainda ao mCtodo da cornparaqHo dos defeitos. Rste permite, de ordinirio, levantar sem grande esf8rqo un1 quadro geneal6gico completo (stetnm codrum) don exemplares conservados, que p6e claramente em relBvo a import%ncia relativa de cada um. N5o cabe aqui examinar as espkies dificeis em que, como consequtncia da supressla de grande niimei-o de intermediirios, ou em virtude de antigas combina~Sesarbitririas, que mesclaram 0s textos de virias tradkties distintas, a operago se torna extremamente laboriosa ou mesmo impratichel. Apesar de tudo, mesmo nestas conjmturas extren~as,o m4todo n50 sofre alteras50 : a cornparag50 das passagens correspondentes C um instrumento poderoso e o Gnico de que, para tais casos, disp6e a critica. Quando a arvore genealbgica dos exemplares estiver pronta, comparamos, para restaurar o texto do arquhtipo, as tradiqijes independentes. Se elas se harmonizam de modo a dar um texto satisfatbrio, niio h i dificuldade. Se elas diferem, temos que decidir. Se elas se conciliam para produzir urn texto defeituoso, recorremos, como se tivessemos uma Gnica c6pia, A emendatio conjectural.

Em principio, constitui condis5o muito mais favor6vel termos virias cbpias independentes de um original perdido do que uma s6, porque a simples comparagHo meGrsica dos espkcimes independentes basta, quase sempre, para dissipar as obscuridades que a luz incerta da critica conjectural nHo poderia penetrar. Coi~tudo,a abundk~ciade exemplares C mais um entrave que um auxilio, sempre que nHo houvermos tido o cuidado de os classificar, ou que os tivermos classificado mal: nada 6 menos seguro que as reconstituiq6es ao sabor da fantasia, fabricadas com cbpias, cujas relaqijes mGtuas do mesmo modo que as relaq6es entre elas e o arquktipo, nPo foram .previamente fixadas. Por outro lado, a aplicaq50 de mhtodos racionais determina, em alguns casos, um dispbdio fomidivel de tempo e de trabalho: Supohamos, como exemplos, que de certa obra existem centenas de exemplares nHo idtnticos; que as variantes de alguns textos mediocremente extensos (corno os evangelhos) se contam aos milhares; que anos de trabalho seriam necessirios a um homem excepcioilalmente ativo para preparar

uma "ediq5o critica" de tal romallce da idade-mCdia. Teriamos cwno certo, ao mersos, que o texto dtste romance, depois de tantos confrontos e de tanto trabalho, seria sensivelmente methor do gue se tivessemos para restaur5-lo apenas dois ou tr6s manuscritos? N5o. 0 esf6rqo material que certas ediq6es criticas exigem, como consequencia da extrema riqueza aparente dos materiais de que dispomos, n5o C de mod0 algum proporcional aos resultados. As "ediqijes criticas" feitas corn o auxilio de virias c6pias de u n ~original perdido devem dar ao pGblico os meios de controlar o stemma codicum elaborado e conter, em nota, a lista clas variantes rejreitadas. DZste modo, na pior das hipbteses, os doutos ai achargo, na falta de texto melhor, o indispensivel para reconstitui-lo. (5 1)

I1 - 0 s resultados da critica de restauraq50 - critica de expurgo e de consGrto - s5o inteirainente negativos. Quer por via de conjectura, quer .par via de comparaq50 e de conjectura, chegamos a obter, niio urn texto necessariament.e,bom, mas o melhor texto possivel, de documentos cujo original se perdeu.

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A principal vantagem C eliminar os lnaus espCcimes, adventicios, suscetiveis de provocar erros, e de assinalar como tais as passagens suspeitas. Mas n%o C precis0 dizer que a critica de resta~~raqHo nHo traz nenhum dado novo. 0 texto de uin documento, restaurado B custa de sacrificios enormes, ngo vale mais que o de urn documento anilogo, cujo original tenha sido conservado; muito pelo contririo, vale menus. Se o-manuscrito aut6grafo da Eneida n5o tivesse sido destruido, sCculos de colaq6es e de conjecturas teriam sido poupados e o texto da Eneida seria melhor do que 6. Isto C dirigido dqueles que se demasiam (51) Nossos eruditos desprezavam, n5o faz n~uito, esta precau~5o elemental; sob o pretext0 de evitarem assumir "ares de ~edante". B. Haureau publicou, em suas "Notices et extraits' de quelques munz~scf-its latins de la BibliothEque nationale" (VI, p. 310) urna peca em versos ritmicos " De presbyter0 et logico ". " Ela n50 6 inCdita, - escreveu tle M. Thomas Wright jL a publicou.. . Mas sua edigio 6 muito defeituosa; seu texto 6, em certos passos, inteiramente ininteligivel. Tivemos de corrigi-la, servindo-nos, para a corre~Bo, de duas cbpias, das quais, cumpre esclarecer, nenhuma C impecivel. . . " Segue-se a edid o , seln var-iantes. 0 contr6le 6 impossfvel.

no jog0 das "emendas" (52'), que o apreciam em si mesmo e que, no fundo, se sentiriam infelizes se nZo 'o pudessem exercitar. Enquanto n5o possuirmos o texto exato de todos os docuinentos histbricos, haveri lugar para exercitar a critica de restauraq5.0. No estado atual da cicncia, poucos trabalthos haver6 tZo iteis como os daqueles que dHo a-lume novos textos, ou depuram os j i conhecidos. Publicar, se,wndo a s regras da critics, documentos inaitos, ou at6 agora ma1 publicadus, 6 prestar essencial serviqo aos estudos histbricos. E m todos os paises, iniimeras sociedades cientificas consagram a esta obra capital a maior parte de seus recursos e d e sua atividade. Mas, por causa da imensa quantidade de textos a criticar (53) e dos minuciosos cuidados que as operaq6es de critica verbal (54) exi(52) "Textual emendation too often misses the m a r l ~through want to knowledge of what may be called the rules of the gaqnc" ( W . M . Lindsay, o. c., p. V ) . (53) Muitos indagam se vale a pena "fixar" e publicar todos os textos. " Entre nossos textos antigos (da literatura francesa medieval) afirmou J. BCdier, que devemos publicar? Tudo. Tudo? D i r i alguem com espanto. J i nZo hesitamos tanto, sob o peso dos documentos? Eis a razPo que lhes exige a publicaqio integral. Enquanto os manuscritos permanerecem diante de n6s, fechados e rnisteriosos, nZo cessarPo de inti-igar-nos, como se contivessem a chave de todos os enigmas. SerLo, para os espiritos sinceros, sCrio e m b a r a ~ o aos lances de induqzo. B necesssrio publics-los, ainda que nLo seja sen50 para nos livrarmos di51es. ou para permitir aos eruditos do futuro que dcles facam tkbua rasa.. . " (Revue des Deux Mondes, 15 fev. 1894, p. 910). Todos os documentos devem figurar em inventirios, j i dissemos, a fim de evitar que os pesquisadores estejam sob o constante receio de ignorar a existincia dos que lhes seriam Gteis. Mas, em todos os casos em que uma anilise sumiria baste para dar a conhecer o conteudo do documento, desde que a forma diste nenhum interesse ofereqa, a publicaqio in extenso de nada serviria. NPo ha motivo para afobaq6es: todos os documentos serPo um dia analisados; uma grande parte diles jamais serO publicada. raro tornam o seu trabalho mais (54) 0 s editores de textos ~ Z G longo e diiicil, supondo que C seu dever esclarecer as passagens com comentirios. Seria de grande proveito para iles, se 0s. economizassem, evitando ao mesmo tempo qualquer anota60 que nLo pertencesse ao V., a &ste respeito, Th. Lindner, " apareiho critico ", propriamente dito. Ueber die Herausgabe von geschichtlichen Quellen, nos Mittheilungen des Instituts fur oesteweichiclze Geschichtsforschung, X V I , 1895, p. 501 P segs.

gem, o trabalho de publicaq~ioe -de restauraqgo avanqa muito lentamente. Muirto tempo se passara, antes que todos os textos que interessam B histbria da idade-mCdia e dos tempos modernos tenham sido editados ou reeditados, secundum artem, mesnlo supondo-se que a marcha ldos trabalhos, relativamente r&pida nestes mGltimos anos, ainda mais se acelere. (55)

(55) Para provar isto, basta comparar o que tem sido feito at6 agora pelas mais ativas Sociedades, como a Sociedade dos Monumenta Gerrnaniac historica e o Istituto storico italiano, com o que lhes resta fazer. A maioria dos documentos mais antigos e mais dificeis de restaurar, que h i muito tempo vim exercitando a sagacidade dos erudiios, j i se encontram em estado relatiiramente satisfatbrio. Mas imeilsas tarefas inateriais estIo ainda por executar.

INTRODU~~O AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O ~

Seria absurdo procurar infarmaqBes nos pap& de algueiii que nada soube, nem p6de saber. E m presenqa de urn docmento C preciso, pois, indagar: "De onde proveio Cle? Qua1 o x u autor? A que Cpoca pertence?" U m documento, cujo autor, . data, lugar de origem, em suma, cuja procedEncia C totalmente desconhecida, de nada serve. Esta verdade, que parece elementar, s6 na atualidade foi plenamente reconhecida. A maioria dos docummtos xn~~dernos trazem a indicaqHo precisa de sua procedsncia : nos dias que correm, livros, ai-tigos de jamais, documentos oficiais, e m e m o exritos privados s50, em geral, datados e assinados. Grande parte dos docurnentos an rel="nofollow">tigoss50, ao contririo, ma1 localizados, anbnimos e sell1 data. A tendkcia esponthea do espirito humano C dar fC i s indicaq6es de procedikcia, quando elas existem. Na capa e no preficio de "Ch&timelzts", Vitor Hugo declara ser o autor daobra: logo Vitor Hugo C o autor de "Chiitincents". Eis, e m um museu, urn quadro 1150 assinado, mas em cuja moldura h i ulna placa, posta pela administraq5o da casa, onde se 16 o nome de Leonarclo da Vinci: Este quadro C de Leonarclo da Vinci. Deparamos sob o nome de S5o Boaventura, nos "ExtrtzitJ- des PoBtes Chrbtiens", de Clement, na maioria das ediq6es das "obras" de S2o Boaventura e em grande n h l e r o de manu,ritos da idade-mCdia, unl poema intitt~lado"Philomena" : 0 poems intitulado "Philomena" C de S5o Boaventura e "ai eilcontram~ospreciosas notas sbbre a prbpia alma" d6ste santo homem. (56) Vrain Lucas levou a Chasles aut6graf os cle Vercingetorix, de Cle6patra e de Santa Maria Madalena, devidamente assinados e rubricados (57); eis, pensou Chasles, aut6grafos de VercinR. de Golrrnont, Lei'Lafim nzystique (Paris, 1891, in-8) p. 258

(56)

(57) V. Gstes pretensos autbgrafos na Biblioteca Nacional (Paris). ,

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getorix, de Cle6patra e de Santa Maria Madalena. Estamos, lieste caso, em presenqa de ulna das formas mais gerais e, ao mesmo tempo, mais tenazes de credulidade pGblica. A experigncia e a reflex50 j6 evidenciaram a necessidade de reprimir Cstes inlpulsos instintivos de cotlfianqa. Os aut6grafos de Vercingetorix, de Cle6patra e de Maria Madalena tinham sido compostos por Vrain Lucas. "Philomena", atribuido pelos escribas da idade-m&dia, ora a S5o Boaventura, ora a: Luiz de Granada, ora a John Hoveden, ma a john^ Peckhan, n5o seri, talvez, de nenhum d6stes autores, mas n5o C ,-corn certeza, do primeiro. Miseriveis ti-abalhos foram ridiculamente adornados nos mais cClebres museus da ItGlia, sem o mais leve vestigio d e prova, com o glorioso nome de Leonardo. Por outro lado, C $em verdade que Vitor Hugo C o autor de "Ch&timentsJ'. Concluimos, pois, que as mais formais indicaC6es de proced6mia nun= bastam por si mesmas. S5o apenas presunq6es, fortes ou fracas: muito fortes, en1 geral, quando se trata de documentos modernos, quase sempre muito fracas, quando se trata de documentos antigos. H i postiqos, colados em o k a s insignificantes, para realqar-lhes o valor, ou em obras consider6veis, para glorificar alguem, ou ainda com a intens50 de mistificar a ~osteridade,ou por cem outros motivos, ficeis d e imaginar, cuja relaqgo j i se fez (583: a literatura "pseudo-epigrAficaY' da antiguidade e da idade-mCdia C enorme. H i , por outro lado, documentos inteiramente " falsos" ; os falsirios, que os f abricaram, dotaram-nos, naturalmente, de indiaq8es muito precisas de sua suposta procedtncia. Logo, C preciso controlar. Mas de que mado? Controlamos a ~ r o c e d h c i aaparente dos documentos, quando s5o suspeitos, pelo mesmo mCtodo que serve para determinar, tanto quanto possivel, a dos documentos desprovides de qualquer indicaqzo d e origem. 0 s processes s50 os mesmos nos dois casos e 1-150 hb, pois, necessidade de repetir o que foi dito. I - 0 principal instrumento da critica de procedGncia 6 a "anilise internan do documento considerado, feita com o objetivo de fixar todos os indices incapazes de dar esclarecimentos seguros quanto ao autor, e quanto a0 tempo e a0 pais em que Este viveu. (58) F. Blass enumerou os principais dktes motivos, ao falar da literatura pseudo-epigrsfica da antiguidade. (0..c., p. 269 e seg.)

I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

Exarninamos, primeiramente, a f o m a da escrita do docuinento : S5o Boaventura nasceu em 1221 ; se os poemas atribuidos a S5o Boaventura se 14em en1 manuscritos executados no sCculo XI, esta C uma excelente prova de que a atribuiq50 C infundada: qualquer docuniento de que exista uma c6pia em escrita do sCculo X I n5o pode ser posterior ao s6culo XI. Examinamos, depois, a lingua: certas formas s6 foram empregadas em certos lugares e em certas Cpocas. A maioria dos fals6rios pecam pelo que ignoram a Este respeito; certas palavras e construq6es modernas lhes escapam; jb foi possivel determinar que inscriq6es fenicias, descobertas n a AmCrica do Sul, eram anteriores a certa dissertaq60 alem'i sbbre urn ponto de sintaxe fenicia. Examinamos as f6rrnulas, s e se trata de atos pfiblicos. U m documento que se apresenta c m o u m diploma merovingio e qne n5o est6 vazado em uma das f6rmulas ordinbrias dos diplomas merovingios aut&nticos, C falso. Observamos, finalmente, todos os dados positives que se encontram em uni docurnento: fatos mencionados, alusBes a fatos. Quando b t e s docummtos sHo conhecidos e m outro lugar, atravCs de f m t e s que n6o +em ter estado A disposi@o de falsbrios, a sinceridade do ,documento se estabelece e a sua Cpoca C aproximadamente fixada entre o fato mais recenie de que o autor teve conhecimento e o fato mais vizinho iquele que Ele teria sem dfivida rnencionado, se o tivesse conhecido. Aproveitammos, tambem, da circunsthcia de que certos fatos sHo assinalados com predileqgo e de que certas opiniBes foram j6 emitidas, para reconstitui-r por conjectura a condiq50, o meio e o carbter d o autor. A an6lise in,tema de urn documento, desde que .haja sido feita cuidadosamente, nos dA, em g a d , noq6es suficientes, relativamente A sua pmedEncia. A ccmparaq60 met6dica entre os diversos elementos dos documentos analisados e os elementos correspondentes dos documentos similares, cuja procedbcia C certa, permitiu desmascarar grande nhmero de falsirios (59) e (59) E. Bernheim (0. c., p. 243 e SW.) dB uma lish considerLve1 de documentos falsos, hoje reconhecidos como tais. Basta citar, aqui, algumas inistificac8es famosas: Sanchoniathon, Clotilde de Surville, Ossiam. - Depois da publicaqzo do livro de Bernheim, alguns documentos cklebres, jamais suspeitados ate ,ent%o,foram suprimidos da lista dos clocumentos a consultar, v., principalmente, A. Piaget, ''la chlronique des chqwoines de Ncrcchcitel" (Neuchhtel., 1896: in-8).

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precisar as circunstiincias em que a maioria dos documentos sinceros foi produzida. Completamos e coonferimos os cesultados obtidos pela a i ~ l i s einterna, recolhendo tbdas as infornzago"es e x t e ~ i o r ~relas, tivas ao documento que est6 sendo criticado e que p o s s m encoatrar-se, dispersas, em documentos da mesma Cpoca ou rnais recentes : citaqfies, esclarecimentos 5iogrAf icos do autor, etc. fi significative que, As vezes, nenhulma ix-~~forrnaq'io dCste ginero existe: o fato de que um suposto diploma merovingio n5o foi citado por ninguem antes do skc~vloX V I I e s6 foi visto por um erudito d o skculo X V I I , marcado por j6 haver cometido fraudes, faz supor que o documento C moderno. I1 - Consideramos, at6 aqui, o caso mais simples, em que o documento em estudo C obra de urn s6 autor. Mas, in6rneros docurnentos receberam, em diferentes Cpucas, certas adiq6es que C iinperioso distinguir do texto primitivo, a fim d e n5o atribuir a X, autor do texto, o que C d e Y ou de Z, *us imprevistos colaboradores. (60) H i duas especies de adiqiio : a interpdaqiio e a continuaq'io. - Interpolar C inserir em urn texto palavras ou frases que n60 estavam no manuscrito do, autor. (61) As interpolaq6es s6o ordinariamente acidentais, devidas B neglig&cia dos copistas, e se explicam pela introduq50, n o texto, d e glosas interlinemes ou anotaq6es marginais; todavia, algumas vezes, foi volmtariamente que a l p e m acrescentou (ou substituiu) as f ~ a s e sdo autor outras de sua lavra, com a intenq5o de aformosear, completar ou realqar o texto. S e tivermos o manuscrito ern que a interpdaq'io voluntbria foi feita, as emendas e rasuras ser60 postas logo a descoherto. Mas, quase wrrtpre, o primeiro exemplar interpolado est6 perdido, e nas chpias, que dEle derivam, todos 0s traqos materiais de adiq'io (ou de substituiqgo) desapareceram. B inGtil definir o que s e j a n ~as "continuaq6es". Sabemos que muitas , crbnicas d a idade-mCdia foram "continuadas" por diversas m5os, sem que nenhum dos continuadores sucessivos tivesse tido o cuidado de declarar onde comeqou ou onde terminou o seu ~ r 6 ~ r trabalho. io As interpolaq6es e continuaq6es descobrem-se facilmente, no curso das operaq6es 1iecess6rias para restaura{ o conteudo de um

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(60) Quando as modificac6es do texto primitivo s5o do pr6prio autor, devem ser tidas como " correq6es ". A anklise interna e a comparaczo de exemplares de vPrias ediq6es do documento arpsam o fato. (61) V. F, Blass, o. c., p. 254 e seg.

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docfiinento de qtie existem virids exemplares, q ~ a n d oa1gun.s disses exmplares reproduzem o texto 'primitivo, anterior a qualquer adiqb. Mas quandu todos os exemplares remontarn a c6pias jS, ifiterpoladas oil continbadas, C forqoso recorrer A anilise ihterna. Tijdas as partes' do. docllillento revelam um estilo iiniforme? 0 mesino espirito o domina, do principio ao f i d N$o contein 8le contradic;6es, nexi apresenta hiatos na se$&icia das idbias? Na priltia, quando US continuadores ou interpoladores foram d ~ t a d o sde personalidade ou tiveram intenq6es bem definidas, il50 teinos dificuldade, por meio da anSlise, em isolar o documento primitivo, como se operissemas com uma tesou.ra. . Mas quanclo tudo C dilfuso 1-150 podemos . precisar befn os pontos de sutura; neste caso, C mais prudente canfessar a iinpotkcia em resolver, que m~ultiplicaras hipjteses. 111 - A obra da critica de procedincia n5o deve ser considerada concluida logo que o docmento tenha sido localizado, com precis50 ou aproxiinadamente, .no tem,po ou no espaqo, ou,. ainda, quan& benhamos obtido todos os esclarecimentos possiveis a respeito do autor. (62) Eis um livro: bastarii, para conhecermos a "procedincia" das infomaq6es, nele cantidas, isto 6, para estarnios em condiq6es de apreciar-lhe o valor, saber que foi composto em 1890, em Paris, por Fulano. Suponhamos que Fulano o haja copiado servilinente (sem mencionar esta circunsthcia). de uma obri anterior, escrita em 1850. Para as .partes decalcadas 1-60C Fulmo, mas o autor .de 1850, o Gnico que deve ser tido como responshvel. Ora, hoje em dia, o pl&gio, proibido pela lei e tido como desonroso, C raro: otltrora constituia um hkbito, admitido e sem puniq50. Muitos documentos histbricos, aparentemente originais, limitam-se a refletir (seln o dizerem) documentos mais antigos e, por este motivo, est50 os historiado~e~ expostos a .riscos singulares. Passagens de ~Eginhard,cronista do skulo IX, foram tomadas a SuetGnio: nada existe, nelas, que iilteresse A histbria do sCculo I X ; que t e r k acmteci:do, contudo, se o fato n5o fbsse percebido? Um a.contecirnento 6 afirmado trcs vezes, par tris cronistas ; mas ( 6 2 ) Pouco importa, em principio, que tenhamos on nso identificado o nome do autor. Podemos ler, todavia, na "Histoire littbi-aire de la F7-afire'' (XXVI, p. 388) : " Desprezamos os sermBes an6nimos: estas abias, muito faceis, nPo tCm i m p o r t g ~ i apara a hist6ria literifio, quando seus autores nPo s%o conhecidas ". Quando os seus autores SL nomillalmente conhecidos, tCm elas valor?

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estas trcs afirnlaqties, cuja concordkcia admirams, nIo passam de uma s6 se considerarmos que d d s dos cronistas copiaram do terceiro, ou que as narrativas paralelas dos tris fora1t-i hauridas na mesma fante. .Cartas pontificais e diplomas imperiais d a idade-mCdia contern tiradas e1oquent:es que n5o .devemos levar a drio: elas eram, coin efeito, de estilo, e C nos fmm~ulSriosde chancelaria que os redatores dessas cartas e disses diplomas as foram textual.mente capiar. Cumpre 2 critica de procedencia discernir, tanto quanto possivel, as fontes d e que se serviram os autores de docurnentos. 0 problema a resolver aqui n5o deixa de ter analogia corn Nos dois o d a .restaurai$io d e textos, d e que falamos at&. casos, realmente, procedemos partindo do principio' de que os espkcimes idcnticos tGm uma fonte comum: vSrios escribas, ao transcreverem um texto, n5o cometerfio exatamente os mesmos earos, ,nos mesmos lugares; viirios escritores, n~rran,doos mes- . mos fatos, a50 terfio, ao tratClo,s, o mean10 punto de vista, nenl dirfio exatamente as mesmas coisas, nos mesmos termos. Por f6rqa d a extrema com.plexidade dos acontecimentos ,histbricos C a b s o l ~ t ~ m e ninverossimil te que dois observadores independentes os hajarn descrito do mesmo modo. I3 aconselhAve1, p i s , que formemos familias de documentos, do mesmo mod0 que for-. mamos familias de manuscritos. Devemos, igualme'nte, ela'borar quadros genealbgicos. 0;s examinadures, ao corrigirem provas, percebern 5s vezes que as "c6pias" de dois caildidatos (situados um ao lado do outro) tiin um a r de familia. Se tivessem curiosidade em saber qua1 a que p r ~ d ~ u z.a i uoutra, chegariam .facil)mentea uma conclusHo certa, apesar dos pequenos artificios (leves modificaq6es, amplificaqbes, resumos, adi@es, supress6es, transposiq6es) de que foi fCrtil o plagikio, para afastar suspeitas. Seus erros comuns bastam para denunciar os dois culpados; a in+cia e, principahente, os erros pr6prios ao plagiiirio e que tern como fonte urns parti1culari:dade da cdpia do &.mplice, revelam o rnais culpado. Consideremos, de igual d o , dois docunl.eiltos aritigos : quando o autor d e um copiou do outro sem intermediirio, 6 geralmente fhcil estabelecer a filiaq50; abreviando ou airpliando, o plagiirio quase sempre s e trai, num ou noutro lugar. (63) ( 6 3 ) Nos casos mais favoriveis, chegou-se a determinar, pel0 exame das confusaes em que incidiu o plagiirio, at6 a especie de escrita, o

I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

Quqndo tr6s dmumentos revelam parentesco, suas relaq6es mlituas j i s50, em certos casos, mais dificeis de especificar. Sqjam A, B e C. Supoilhamos que A seja a fonte comurn: C possivel que A tenha sido copiado separadamente por B e por C ; que C d tenha canhecido a fonte comum p r inter&io de E ; que B s6 tenha conhecido a ~fontec m u m por intermkdio de C . Se B e C abteviararn a fonte comurn de duas maneilras diferentes, estas copias parciais s5o certamente independentes. Quando B e C .dependem um d~ outro, e s t m o s ddiante do caso maie simples, isto C, o do parigrafo precedente. Mas suponhamos que o autor mde C haja cornbinado A e B ; que, por outro lado, A j i tenha sido utilizado por B: as relaq6es genealbgicas se e n t r e m a m e se obscurecem. Muitcr anais cornplicados ainda s5o os casos em que nos achamos em presenqa de quatro, cinco ou mais documentos aparentados ; porque o nGmero de combinaq6es possiveis aumenta rapidamente. Contudo, desde que n5o haja intermediirios perdidos, a critica consegue desfazer as confusijes B f6rqa de aproximaq6es e de engenhosa pacibcia, pelo simples j6go de comparaq6es indefinidamente repeFidas. Alguns eruditos modernos (B. Krusch, por exemplo, que se ocupou principalmente dos escritos hagiogr6ficos da epoca merovingia), construiram recentemente, deste modo, genealogias de precis50 e solidez perfeitas. (64) 0 s resultad~sda critica de ~rocedCncia,enquanto esta .,e aplica em estabelecer a filiaqPo dos d o c u m ~ t o s ,s'io de duas espkcies. De um lado, ela reconstitui os documentos perdidos. Dois cronistas, B e C, utilizaram-se, cada tun de sua parte, de uma fonte comum, X, que n'io existe mais. I3 possivel ter uma idCia de X, destacando e ajustando os Tesumos contidos em B e em C, do mesmo modo que C possivel fazer uma idCia de um manuscrito perdido, cotejando as c6pias parciais que d&le f orarn conservadas. formato e a disposi~Pomaterizl do manuscrito-fonte, que tinha sob os olhos. As demonstra~6esda "critica das fontes" sPo por vezes apoiadas, como as da "critica dos textos ",pela evidhcia paleogrgfica. (64) 0 s trabalhos de Julian Havet, reunidos no tdmo de suas ObrlLs (Questions nziq-ovingiennes, Paris, 1896, in-8) sZo tidos con10 modelos. Neles se resolvem, de maneira impecivel, problemas muito dificei:;. A leitura das membrias em que L. Lisle se aplicou a elucidar questBes de procedcncia 6, tambem, muito rrov-ito
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Por outro lado, a critica de procedkcia anula a autoridade cie verdadeira multidso de documentos "aut&nticosJJJisto 6, de documentos de cuja falsificaq5o ninguem suspeitava, provaildo que &les s50 derivados e que valern tanto quanto valem suas fontes, e ainda, que absolutamente nada valem quando as fontes foram alteradas pela fantasia ou por f~asesde retbrica, corn 0 intuit0 de as tmnar mais belas. N a Alemanha e na Inglaterra, os leditores de documentos adquiriram o excelente h6bito de imprimir em caracteres mem r e s as passagens derivadas e em caracteres maiores as passagens origimais ou de fonte ignorada. Graqas a isto, patenteia-se de relance que renomadas cr6nicas frequentemente citadas (embora mal), s5o meras compilaq6esJ sen1 valor em si mesmas: foi d&te mod0 que se descobriu que as Flores Historiarum, do chamado Methieu de Westminster, a mais popular, talvez, das cr6nicas inglesas cla idade-media, forain quase inteiramente tiradas das obras originais de Wendover e de Mathieu de Paris. (65) I V - A critica da procedhcia p6s os historiadores a cobei-to de enormes erros. 0 s resultados por ela obtidos s50 surpreendentes. Quer elin~inandodocumentos falsos, quer denunciando falsas atribuiq6esJ quer determinando as contdiq6es em que nasceram documentos agora desfigurados pelo tempo, mes5o t50 grandes os diante comparaq50 de suas fontes (66), serviqos por ela prestados que chegou a conquistar o titulo de \ "critica", por excelkncia. Diz-se, frequentemente, que a um historiador falta espirito critico, quando nZo sente necessidade de $distinguirentre dois documerntos, quando jamais desconfia das atribuiq6e.s tradicimais, ,ou quando aceita, como se receasse

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(65) V. a edigio de H. R Luard (t. I, Londres, 1890, in-8) nas Rerum britannicnrunz medii m v i scriptores. - As Flores Historiarum de Mathieu de \Vestminster figuram no "Index" romano, por causa das passagens tiradas das Chronica nmjora de Mathieu de Paris, ao passo que as prbprias Chronicn nmjora escaparam 2 censura. (66) Seria instrutivo elaborar uma lista das obras histbricas ctlebres, como a Histoire de la Conque'te de Z'Angleterre par les Nornzands, de Augustin Thierry, quja autoridade foi inteiramente destruida a partir do momento em que a procedcncia de suas fontes foi estudada. Nada C mais divertido do que ver um historiador quando acaba de se convencer de que a teoria que concebeu foi erigida sdbre documentos falsos. Nada confunde tanto um historiador corno convencer-se de que se enganou, tomando poi- bons, documentos que nada valem.

I N T R O D U S ~ O AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

perder uma sC, delas, tBdas as informa@es, antigas ou modei-nas, boas ou mPs, venham de onde vieram. (67) B justa a observaq50. Mas C preciso que n50 nos contentemos con1 esta forma de critica, nem dela abusemos. preciso que dela n5o abusemos, porque a extrema desconf i a n p , nestas quest6es, tern efeitos qua.% t50 nocivos quanto a extrema credulidade. 0 P. Hardouin, ao atribuir a monges d a idade-mCdia as obras de Vergilio e de Horacio, era t50 ridiculo quanto a vitiina de Vrain Lucas. Aplicar os processos da critica de procedkcia, a torto e a direito, como comumente se faz, C unl ahuso. Se f6sse possivel desacredits-la, jb estaria ela desacreditada pelos ineptos que a n50 ssoubram utilizar, arguindo de falsidade excelel~tesdocumentos, entre 6s quais os escritos e a bula Unam Sa.~.ctam(68) ou de Hroswitha. de Ligu~inz~s estabelecendo filiaq6es imagin6rias entre certos "Anais", partindo de indices superficiais. - 8, pois, louv6vel reagir contra os que nunca duvidam da procedtncia dos documentos; mas 6 avanqar muito tomar interksse exclusivamente, como reaq50, pelos periodos da hist6ria cujos documentos s5o de ~ r o c e d k c i a incerta. 0 s documentos da hist6ria moderna e contenlporinea sSo t"a dignos de intertsse quanto os da antiguidade ou da idade-mCdia porque sua yroced6ncia aparente, embora seja quase sempre verdadeira, n5.o exclui delicados ~roblemasde atribuiqgo nem se furta aos preceitos da critica. (69) B preciso que corn ela n5o nos contenternos, porque a critica d e procedkcia, como a de restauraqso, C p ~ p r a t 6 r i a e seus resultados s5o negativos. 0 seu objetivo Gltimo C elin~inar as documentos imprestbveis, que s6 serviriam para confundir e levar ao erro; eis tudo. (67) hadas formas lnais grosseiras ( e mais difundidas) de falta de esDirito critic0 C a que consiste em uPilizar como documentos e corn o mesmo valor que os documentos, as efirmacSes que sbbre @les fizeram os autores modernos. 0 s bisonhos nHo distinguem suficientemente, nas afirma~6esdos autores modernos, o que foi acrescentado a s . fontes originais e o que delas provem (68) V. ama lista de exenipl~s no Hagzdb~~cltde E. Eernl~eiln, p. 283, 289. (69) I3 pela necessidade. de serem os documentos da hist6ria da antimidade e da idade-mCdia sub~netidos a rigorosa critica de procedencia que o estudo da antiguidade e da idade-mCdia passa por mais "cientifico" que o dcs tempos modernos. Um e outro se distinguem, apenas, pelas dificuldades preliminares.

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66

71

E l a ensina a i G o n o s utilizarmos dos maus documntos,

mas n5o nos ensina a tirarmos partido dos bons". '(70) constitui, pois, t6da a critica histhrica, mas apenas urn de NPo seus degraus. (71)

( 7 0 ) Revue Philosophique, 1887,. 11,. D-. 170. (71) A teoria da critica de procedencia estP hoje construida, tze varietur.: est5 minuciosamente exposta no Leh~buchde E. Bernheim, p. 242-340. Por isso fro tivemos nenhum escr6pulo em exp6-la abreviadamente. Em franc&, a introdu~Qode G. Monod aos seus Btztdes critiques rur Zer sources dz l'hisfoire rnh-ovingienne (Paris, 1872, in-8) contem considerac6es elementares (Cf. Revue critique, 1873, I, p. 308).

INTRODUCAO

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73

tos reunidos. S e assim n5o fizernlos e se tivermos, no futui-o, que separar do coiljunto as notas referentes a uin assunto dado. seremos obrigados a reler todos os cadernos. Isto se repetirh t6das as vezes que pi-ecisarmos de novas infoi-n~aqBes. 0 que, i priineira vista, seduz neste processo, 4 a aparincia de que se econoinjzam as refei-Cilcias; mas esta econonia C uma ilus50 p i s nlultiplica ao infinito as buscas ulte1-ioi-es e torna iinpossiveis as combinaq6es. Outros sentein bern a ilecessidade d e uma classificaq50 sisteinhtica; pol- concseguinte, prop6em-se a reunir os textos em quadros previamente fixados. Para tanto, fazem suas anotaq6es em cadernos, depois de haverem dado um titulo a cada phgina. Diste modo, associam-se todos os textos de cada espicie. Bste sisteina deixa a desejar, porque as intercalaq6es s5o inc6modas e o quadro de classificaq50, uma vez adotado, C rigido: 6 dificil cori-igir ou melhorar. Muitos bibliotechrios de outrora redigiain seus catiilogos diste modo, hoje absolutaillente condenado. Mencionaremos um processo imais bArbaro ainda, apenas pal-a que seja evitado. Gnsiste em registrar simplesmente os documentos na memhria, sein nada escrever. Houve quein o perfilhasse. Historiadores, dctados de excelenftte mernbria, inas preguiqosos, entregaram-se a esta fantasia: o resultante i que a inaioria d e suas citaq6es e de suas referencias s5o inexatas. A mem6ria C um sutilissiino aparelho registrador, nlas t5o traiqoeiro, que semelhante a ~ d h c i aC imperdohvel.

'2.

Graqas is operaqBes precedentes, os documentos, todas os documentos de urn certo gGnero, ou relativos a urn assunto dado, f oram, assim acreditan~os,"encontrados" : sabemos onde est 50 ; o .text0 d e cada um foi, sendo o caso, restaurado e cada qua1 foi submetido A critica de procedtncia: sabemos de onde proviei-am. Resta reunir e classificar metodicammte os materiais assim obbidos. Esta operaqso C a liltima das que p o ~ d m o schamar preparat6rias aos trabalhos d e critica superior (Interna) e d e construq5o. Quem quer que estude urn ponto de hist6ria 6 obrigado a cla~si~ficar previamente as fo'ntes. P6r em ordem, d e maneira a u m tempo raciunal e c6moda, os materiais obtidos, antes de diles nos semirrnos, C uma parte na a p a r h c i a muito modesta. mas na realidade muito importante da pi-ofiss'io de historiador. 0 s que aprenderam a realizh-la h, c~nse~iram s6, corn isso. uma grande vantagem : fatigam-se menos e obtim resultados melhores; os autros malbaratam o tempo e a s energias; n5o rai-o se asfixiam nas notas, resumos, chpias, na inGtil papelada que iles pr6prios d e s o d e d a m e n t e acumularam. Haverh quell1 n5o tenha ouvido falar distes ssres agitados, que revolvein, durante t6da vida, enormes massas de paphis, sem saberem onde situh-las, levantando, ao fazerem-no, densas nuvens de poeira que quase cegam. I - N5o ocultamos que, aqui, como em quase tudo o mais, 0 primeiro immpulso,o impdso naturd, n'io leva a bons resu!tados. 0 primeiro impulso da maioria dos homens, quando se trata de coligir textos, 6 anot6-10s un~s ap6s outros, na ordein em que foram conhecidos. Muitos eruditos de outrora (cujos papCis possuimos) e quase todos os nebfitos sein experiencia. trabalharam ou trabalham d o seguinte modo: tinham iles, ou t&m, cadernos e m que anotam, do princi~ioao fim e na ordem em que sHo encontrados, os textos que julgam interessantes. Bste processo 6 cIetestAve1. 13 preciso, senlpre classificar os tex-

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Todos admitem, hoje, a conveniihcia ein transpor os docuinentos para fichas. Cada texto i anotado em f6lha separada, m6ve1, provida d e indicaq6es de procedincia t5o precisas quailto possivel. As vantagens deste artificio s5o evidentes: a inobilidade das fichas permite classifich-las L vontade, ein um semniimero de combinaq6es diferentes, segundo as necessidades: C fhcil reunir todos os textos da mesilla espCcie e fazer, en1 cada grupo, as intercalaq6es exigidas pela deslcoberta de nov3s elementos. Para os documentos que oferecein i n t e r h e sob vhi-ios as*pectos e que, portanto, dcvem figurar em vhrios grupos, basta redigir em vhrios exemplares a s fichas que os contern, ou repr-esentar estas, tanltas vezes quantas f6r necesskio , por indicaciies reinissivas.

INTRODUCAO Alein disso, quando se trata de g r a d e s coleqdes de documentos, C materialmente impossivel classific5-10s e utilizzi-10s convenientemente a nHo ser por meio de fichas. 0 s estatisticos, os financistas e, mesmo, os literatos argutos de hoje, acham-se t5o certos desta verdade quanto os eruditos. 0 sistedna de fichas nHo deixa, tdavia, de apresmtar dguns inconvenientes. Zada ficha deve referir-se, con1 clareza, i fonte que formeceu os elrn~entospara redigi-la; logo, se analisamos unl documento em cinqiienta fichas distintas, devemos repetir cinqiienta vezes as mesmas referhcias. Dai a necessidade de escrever um pouco mais; C certamente por causa desta infima complicaqHo que muitos se obstinam em preferir o mCtodo defeitumo dos caidernos. Alem disso, por causa de sua mobiiidade, as fichas e f6lhas volantes estHo expostas a se extraviaren~e, se perdermos uma ficha, que fazer para substitui-la? Quase sempre, nem sequer notamos que ela desapareceu; e se, por acaso, notamos isso, o iinico remkdio ser6 refazer, do principio ao fim, t6das as operaqBes j6 realizadas. Em vedade, precauqBes muito simples, que a experi6ncia sugeriu, mas que nHo cabe aqui expor com minticia, permitem reduzir ao . minimo os inconvenientes do sistema. Recomendamos o uso de fichas de dimens50 unifome. resistentes; lembramos a necessidade de classific6-las imediatamente, em "camisas" ou em gavetas, etc. .Haja, porem, nesta materia, liberdade a cada um para criar h6bitos pessoais. Mas C precis0 ter desde logo em conta que estes hsi%itos t h uma influbcia direta nos resultados da atividade cientifica, na proporq5o em que forem prhticos e eficientes. "Estes arranjos pessoais de biblioteca, disse E. Renan. que sHo metade do trabalho cientifico.. ." (72). Nunca seF6 demais repetir. Tal erudito deve 'boa parte de sua legitima reputaqHo 5 arte que tem em coligir; tal outro esti, por assim dizer, paralisado pela sua in6pcia neste setor. (73) ( 7 2 ) E. Renan, Feuillrs defachkes, p. 103. ( 7 3 ) Seria proveitoso obter informaqBes s6bre os processos de trabalho dos grandes eruditos, principalmente dos que se dedicaram a consideriveis trabalhos de coleta e classificado. Encontramo-las em seus ~ ~ e, 95s vezes, s em sua correspondcncia. S6bre os processos de Cange, v. L. FeugGre, Etude sttv la vie et les ouvrages de Du Cange, (Faris, 1858, in-8), p. 62 t seg.

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75

Depois de ternlos anotado os documentos, quer in e x t e ~ t s o , quer abreviadamente, a n fichas ou fblihas mbveis, classificamo.las. Em que quadros? E m que ordem? claro que C uma quest50 de esp&ies e que a pretens50 de fixar regras para todos os casos seria descabida. Vejamos, contudo, algumas observaqdes gerais

I1 - Distingamos o caso do historiador, que classifica os documentos j6 examinados em .aTisia de uma obra hist6rica e o do erudito i u e comp6e urn "regesto". Regestos (de r e g e r e r e , consignar por escrito) e C o r p u s s5o coleqdes, metodicamente classif~icadas,de documenttos hist6ricos. 0 s docuinentos s5o reproduzidos in e x t e n s o em um c o r p u s , analisa&s e descritos em U ~ "regesto". I C o r p u s e regestos destinam-se a auxiliar os que trabalham na compilqHo de- documentos. Dedicam-se os eruditos a conciuir definitivamente certos trabalhos de pesquisas e de classificaqgo, graaos quais fica o piiblico, sem esf6rq0, d e d e logo bem in.f ormado. Podern 0s ldocumentos ser grupados segundq a Cpoca, o lugar de origem, o conteiido ou a dorma. (74) SZo as quatro categorias de tempo, d e lugar, de espkie e dme forma. Superpondo-as. 'obternos 5 vontade compartimentchs reduzidos. Suponhamos aue nos oropomos grupar todos os documentos de tal forma, de tal pais. de tal data a tal data (as cartas reais. na Franqa, sob o reinado de Felaipe Augusto) : P d o s os documentos de ( 7 4 ) V. J. G. Droysen, Pricis de la scierace dc I'histoire, p. 25: " A classificaqzo critica nLo se deve ocupar, unicamente, com o ponto de vista cronol6gico. Tanto mais variados sso os pontos de vista sob os quais a critica entende gmpar os materiais, tanto mais s6lidos s%o os pontos indicados pela interseczo das linhas". Hoje, j i n%ose grupam os documentos em corpus ou regestos, como outrora, tendo em considerac%oo fato de apresentarem o cariter comum de serem ou nLo inbditos. N o passado, os compiladores de Analects, de Relliqz~iae nmnuscrifitorum, de " tesouros de anccdota", de espicilegios, etc. publicavam todos os documentos de certo gtnero, que apresentavam o carater comum de serem inCditos e que lhes pareciam interessantes; ao contririo, Georgisch (Regesfa ch~.onologico-diplomatica), Brkuigny ( T a ble chronologique des dipl6mes, chartes et actes imprimts concernurzt I'histoire de France), Wauters (Table chronologique des chartes e t dipl6mes imprimis concamant l'hktoire de Belgique), classificaram em conjunto todos os documentos de determinada esptcie que apresentavam o cariter comum de haverem sido impressos.

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tal forma (inscriqGes latinas) ou de tal espkie (hinos latinos) em tal Cpoca (na antiguidade, na iclade-mtdia). Lembramos, para esclaracer, a existhcia de urn Corpzts inscriptionunz graecaruim, de um Corpus inscriptionzcwt lat.i?zarum, de um Corpus scriptorum ecc1esiastdco;um latinorunz, dos Regesta imperii de J. F. Bohiner e de seus continuadores, dos Regesta pontificum YOnulnorum de Ph. Jai"f6 e A. Potthast. Qualquer que seja o compartimmto escolhido, de duas uma: ou os documlentos que pretendernos classificar no interior dtsse compafi~imentos5o datados, ou 1-150 o s5o. Se s5o datados, como s50, por exemplo, as cartas einanadas da chancelaria de um principe, teremos o cuidado de colocar no alto de cada f i ~ h a data (traduzida para o calendhrio atual) do docu'mento que n d a se acha inscrito. Nada mais fhcil, depois disso, que classificar, por ordenl cronol6gica, tddas as fichas, isto 6, todos os documentos, que conseguimos reunir. A classificaq5o cronolbgica se imp6e, em principio, sempre que seja possivel. S6 uma dificuldade existe, de ordem prktica. Mesino nos casos mais favorhveis, alguns documentos perderam, acidentalmente, suas datas ; estas datas o autor do regesto deve identificar, ou, ao menos, tentar fa&-lo; longas e pacientes h s c a s s5o necesskias para tal fim. Se os documentos n5o s5o datados, C precisso optar entre a ordem alfahhtica, a orldem ggogrAfica e a ordem sisternbtica. A hist6ria do Corpzts das inscriqBes latinas ai esth pam mostrar que isto men1 sernpre 6 fhcil. "A ordem d e datas tor;nou-se impossivel, porque a maioria das inscriq6es n5o estavain datadas. A partir de Smetius, a divis50 se fez por classes, isto 4, as inscric6es religiosas, sepulcrais, inilitares, ~ Q i c a s bem , como as de cariter plibli'co ou ,particular, etc., se diferenqararn em raz5o d e seu conterido, sern aenhuma consideraqgo pela proced6ncia. Boeckh, embora preferisse, para seu Corpus iizscriptionum graec a ~ u ma ordem geogrAfica, era de opini50 que a ordem de inatCrias, at6 ent5o adotada, era a ilnica possivel para um Corpus latino. . . " Meslllo os que propuseram, na Franqa, a ordem geogrkfica "queriam fazei- uma exceq6o para os textos relativos A hist6ria geral de um pais e. sem diivida, do I m g r i o ; en1 1845, Zumpt defendeu urn sistema eclCtico d k t e gcnero, muito complicado. Em 1847, Th. Momnlsen s6 admitia a ordem geogr& fica para as inscriqSes dos municipios e, em 1852. ao publicar as Inscriq6es do Reino de NApoles, n60 havia ainda inudado intei-

ralnente de pensar. S6 quando foi incumbido da publicas50 do C. I. L., pela Academia de Berlim, C que, esclarecido pela expericncia, chegou a conclus5o de que se deveria ater Q orden1 geog r i f ica pura (75), rejeitando, mesmo, as exceq6es propostas por Egger para a hist6ria geral de uma provincia. Todavia, tendo en1 conta o cariter dos docurnentos epigrhficos, a ordeln dos lugares era evidenteineilte a h ~ i c aracional. Isto jh estava demonstrado hk cinqiienta anos; mas os colecionadores de inscriq6es 36 depois de dois sCculos rde tentativas em contrCrio C que se puseram de acbrdo. Burante dois sCculus fizeran-se coletsneas de inscriq6es latinas sem que se percebesse que "classificar as inscriq6es em raz5o da inatCria versada equivale a editar Cicero fragmentando seus discursos, seus tratados e suas cartas, a 'Tim (de ordenar as partes assim obtidas te'nrdo en1 conta a natureza de cada! assunto"; sem que ninguem notasse que "0s do cum entos epigrhficos pertencentes ao mesn1.o territhrio, situados uns ao lado dos outros, se explicarn mutuamente"; e, enfiin, sell1 que se cancluisse que "se C quase i m p r a t s v e l encadear poi01-dm1 de materia cem mil inscriq6es, cada qua1 referente a uilla categoria diversa, ao contrkio, muito fjcil P classifich-Tas'em, .i-azgo do lugar, pois cada documento tern urn lugar, e urn lugar bem determinado, na ordem geogrifica. (76) A ordem alfabhtica 6 muito cdmoda, quando a ordem cronol6gica e a ordem geogrAfica n6o convcm. Documeiltos hh, como os serm6es, os hinos e as canq6es profanas da idade-mCdia que 60estHo situados, con1 precis60, nem no tempo, nem no espaqo. Classificamo-10s pela ordern alfabCtica de kcipit, isto 6, pela o r d m dfabCtica das priineiras palavras de cada urn. (77) (75) J. P. Waltzing, Recueik ge'niral des inscrifitions katiaes (Louvain, 1892, in-8), p. 41. (76) J. P. Waltzing, o. c. Urna dificuldade resulta da a d o ~ 5 oda ordem geogrifica: 6 que a procedtncia de certos documentos 6 ignorada. Muitas inscriq6es, existentes em museus, para tstes sPo levadas n5io se sabe de onde. Esta dificuldade 6 aniloga 5 que results, para os regestos cronol6gicos, de falta de data nos documentos. (77) S6 h5 difiouldade em rela~50ioqueles que perderam seu i~zcipit. N o s6culo XVIII, Seguier consagrou grande parie de sua vida a elaborar um CatLlogo, por ordem alfab6tica de incipit, das inscriqBes latinas, em nfimero de cinqiienta mil, at6 ent50 publicadas: esmiu~oucerca de doze mil obras. Este ellorme trabalho permaneceu inCdito e inhtil. Antes de empreendermos t%o extensas compila~6es, manda a prudCncia gue nos certifiquemos de que o plano k racional e que o trabalho a realizar - tgo duro e ingrato - n'io seri desperdiqado.

INTRODUCAO A ordem sistenlcitica, ou diditica, nSo C recomendivel para a composiq50 de corpus ou regestos. AlCm de ser, sempre, arbitriria, provoca repetisbes e confusbes inevitiveis. Ademais, basta acrescentar i s coleq6es dispostas pela ordem crono16gica, geogrAfica ou alfalbhtica, b n s "indices", para que estejam em condiqbes de prestar t a a s as inforn~aqbesque as compilaq6es sistemiticas podem dar. Urna das principais regras da arte de fabricar os corpus e, os regestos ("a grande arte dos Corpw, que, na segunda metade do s&ulo XIX, atingiu t5o altoagrau de perfeiq50") (78) consiste em prover as colesbes, seja qua1 f6r o process0 de classificaq50, de t6buas e indices variados, capazes de facilitar-1hes o uso: t&buas de incipit nos regestos cronol6gicos que as possam admitir, indices de nomes pr6prios e de datas nos regestos por incipit, etc., etc. 0 s elaboradores de corpus e de regestos coligem e classificam para outrem, documentos 'que n50 lhes interessam diFetamente ou, pel0 menos, que nSo lhes interessam na sua totalidade e neste labor se absorvem. 0 s trabalhadores comuns apenas reunem e classificam os materiais hteis aos seus estudos particulares. D@ste fato decorrem diferensas. Por exemplo, a ordem sistehtica, prkviamente fixada, t5o pouco recomendivel para as grandes coleqbes, apresenta frequentemente, para os que trabalham para-si mesmos, com o objetivo de produzir monografias, um quadro de classificaqiio preferivel a qudquer outro. Mas s6 haveri van~tagemem observar sempre, rigorosamente, os hibitos materiais ditados pela experi6ncia aos cornpiladores profissionais: no alto de cada ficha, inscrever, sendo possivel,. a data e, para prevenir qualquer eventualidade, um titulo; (79) multiplicar as cross-referemces e os indices ; manter em dia (em fichas classificadas A parte) t6das as fontes utilizadas, para que n5o haja o risco de recomepr, por inadvertGncia, irduas seleqBes j i feitas; etc. A observiincia regular destas prAticas (75) V. G. Waitz, Ueber die Herausgabe und Bearbeitung von Regesten, na Historische Zeitschrift, XI. (1878), p. 280-95. (79) Na falta de ordem sistemitica ~reviamente fixada e na hip6tese de nZo caber ou n'io ter sido observada a ordern cronol6gica, C algunlas vezes vantajoso classificar provisoriamente as fichas, isto 6, os docurnentos, na ordem alfabetica das palavras escolhidas como rubricas ( Schlagworter). B o sistema chamado de " dicionirio

".

AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

79

contribui muito para tornar mais ficeis e mais dlidos os trabalhos de hist6ria de cariter cientifico. A posse de urn conjunto de fichas judiciosamente disposto (embora imperfeito), permitiu a B. Haurhau, at6 o fim de sua vida, no g h e r o muito especial de estudos hist6ricos que cultivava, o exercicio de uma supremacia incontestivel. (80)

-

(80)

V. Langlois, Manuel de bibliographic historigwe, I , p. 88.

INTRODUC AOS ~ OESTUDOS H I S T ~ R I C O S

A CRfTICA D E ERLTDICAO E OS ERUDITOS. 0 conjunto das opei-aq6es descritas nos capitulos precedentes (restauraqzo dos textos, critica de procedcncia, compilaq50 e classificaq50 dos documentos julgados bons) constitui o vasto dominio da critica externa ou critica de erudiqso. ( 8 1 ) A critica de erudiqzo, em todos os seus aspectos, sC, pode inspirar no grande pGblico, vulgar e superficial, um irreprimivel desprGzo. Alguns dou que a ela se dedicam est5o dispostos. por sua vez, a gl~ri~ficj-la.Mas h6 urn justo meio t e m o entre Este e x w s o de honrarias e Sste conceito de indignidade. A opinizo hrutal dos que inenospi-ezam as anklises minuciosas da critica externa e delas escarnecem, niio merece, sequel-, refutaqiio. S6 hA urn argumento para firmar a legitimi,dade dos exaustivos trabalhos da erudiqiio e tor&-10s dignos de respeito, mas. &te, sendo uin s6, 6 decisive: Eles s5o indis~pens6veis. Sem erudiqzo n5o h6 histbria. NO?^ sunt conte~mnenda quasi parva, disse S5o JerBniino, sine quibus magna constarc n o n possunt.(82)

,

(81) Tomamos aqui a express50 "critica de erudiqZo9' como sin6nima de "critica externa". N a linguagem w m u m chamamos evuditos, nPo apenas os especialistas da critica externa, mas tambem os historiadores que ~habitualmente comp6em monografias s6bre assuntos t6cnicos, de lmbito restrito, que pouco intercsse podem apresentar para o grande pfiblico. (82) Este argumento, fPcil de desenvolver, tem sido reavivado com frequsncia, como ainda agora foi feito por J. Bedier, na Revue dcs Deux hfondcs, 15 fev. 1894, p. 932 e seg. Muitos admitem, sem relutlncia, a utilidade .dos trabalhos de erud i ~ s omas, provocados, indagam se " a remiss50 de um texto", ou " a decifraq50 de um pergaminho g6tico" tonstitui " o supremo esf6rqo do espirito human0 " e se as faculdades intelcctuais que o exercicio da critica externa pressuptie. merecem ou n50 ''0 ruido aturdidor que se faz em t6rno dos que nZo as possuem". As peqas de ilma polsmica a , Bruneti&re, respeito desta questso, evidentemente seir? i m p o r t i ~ ~ c i aentre

81

Por outro lado, os .profissionais, cada vez mais ciosos dos seus trabalhos, ,1156 se contentaram e m !dA-1.0s.,coma apems necess6rios; exageral-am as suas virtudes e a sua importhcia. 130uve quan afirmasse que 0 s processes absolutamente seguros da critica de erudiqiio tinham elevado a hist6ria dignidade de "cihlcia exata"; que a critica de procedEcia "faz penetrar mais profundamente que qualquer ourbro ,estudo no conhecin~eilfto dos tempos passados" ; que o h6bito da critica dos textos afiila "a inteligencia hist6ricajn ou, mesmo, C capaz de conferi-la a quell1 a50 a possua. Tacitanente, difu11di.u-se a i!dCia .de .que a ci-itica de erudiq5o &range t6da a critica histbrica e que nada ~ n a i sh6 a fazer alem de restaurar e classificar docurn~ntos. Esta ilusiio, inuito ,difundida entre os especiali.stas, 6 t5o grosseira que ntio merece sei- expressamente cornbatida: 6, sem dlivida, a critica psicol6gica de interpretaqiio, de sinceridade e de exatidgo, e n5o a critica externa que "fa2 peneii-ar mais fundainente que qualquer outro estudo no conhecimento dos 'teillpos passados". ( 8 3 ) Um historiador que, ao come~ara escrever sBbre determiriado assunto histbrico, tivesse a sorte de encon:trai- todos o s domnentos de que necessi.tasse, j6 corl-~etamentte edi~tados, criticados quanto B procedcncia e classificados, niio estaria em inel11or.e~condiqBes, para realizaqzo do seu trabalho, do que se houvesse feito coin syas pr&p.rias m5os t6das as operaq6es pi-elirninai-es. I3 possivel, embora haja quem proclame energicamente oo coi~trkio,chegar algueiv B plenitude .da inteligkncia hist6.r.ica sen1 ,ter nunca, quer no se.ntido real conlo n~o'figurado, limpado a poeira dos docuinentos origimis, isto sem os haver descoberto e purificado por si ~ r 6 p r i o . $ precrso niio intergre,tar judaicamente, no sentido etimol6gic0, 'Cste conceito de Renan : "Niio creio que se possa adquirir uma noq5o clara da histbria, dos seus limites e do grau dIeconfian~aque C .precis0 ter .nas suas diversas oi-dens .de investigaqfio -sem o .h&bito,de naanusear os ; isto deve ser entendido simplesdocumentos originais" (&I)

,

que aconselhava a modCstia aos eruditos e Bouchei-ie, que insistia em que os eruditos devem ser sobenbos, se encontram na Revue des langues 1-0?iza7zes, 1880, t. I e 11. (83) Homens, cuja critica era do melhor quilate, desde que se tratasse de operaq6es de critica externa, nunca foram capazes de urn pensamento critic0 superior, nein, por conseguinte, de atingir 5 inteligtncia da hist6ria. (84) E. Renan, Essais de morale et de critique, p. 36.

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I N T R O D U C ~ O . A O S ESTUDOS I X I S T ~ R I C O S

N.as dois primeiros casos, in50 existe a quest50 de. saber se C ou a50 olportuna uma d.ivis5,i.odo trabalho. .Consi!deremos o terceiro. Um espirito Iucido verifica que os documentos necessirios para tratar uin ponto de hist6ria est5o em gssimo estado :. clispersos, estragados, de autenticidade discutivel. Deve, desde logo, o p t a r : ou abardona o assunto, por niio sentir nenhum prazer . nas operaqges materiais, de cuja necessidade esti a l x o l ~ t a r n c ~ certo, te :msque Ihe absorverianl i.nteirameilte a atividade; ou se decide a enf.rentar os traba1.h~~ criticos preparatbrios, slem ignorar que talvez o tempo Ihe baste para conlpleti-10s e que, portanto, estes sergo ~i;ilizados no futuro por outros, n%o por d e . Se nosso homem tomar iste filtinlo partido, tornar-se-h, sem que disso se aperceba, erudito de profiss50. Nada impede, C verdade, que, para escrever histbria, os autores de vastas coleqfies ,de .textos, ou os respons&veis por diq6es criticas, se'sirvam de seus pr6prios regestos e de suas pr6prias .diq6es; vemos, corn efseito, que muitos honvens dividem a sua atividadeentre a s tarefas preparatbrias da critica externa e os trabalhos mais elevados d a canstruq50 hist6rica : basta citar Waitz, M o m , s e n , HaurCau. Mas !his combinaq6es s5o muito raras, por varias raz6es. A prirneira destas 1-az6es 6 que a vicla C curta: h8 certos cat6180gos,certas ediqBes, certos regestos de grande diunen's80, cuja feitura C .material.mente Go ~laboriosa, que bastaria para esgotar as f6rqas do mais animow trabalhador. :A segunda 6 que as tarefas de erudiq2o n5o deixam, para muitas pessoas, de apresentar encantos; quase t6das nelas encontram, corn, o correr do tempo, uma singular ,doqura; por isso muitos que, a rigor, poderiam produzir cle outro modo, ilelas confinam a sua ativirdade. Haver8 vantagein em que, voluntiria ou involuntariarnente, se confinem o s trabalhadores ein pesquisas de erudi@o? Sim, indiscutivelmente. Nos estudos hist6ricos, coino na indcstria, os efeitos da divis5o do trabalho s5o os inesmos e muito favor h e i s : produq5o mais abundante, melhor, inais eq~ili~brada.0 s criticos versados, graqas a um longo hiibito, na restauraqgo de textos, conseguern r.estaurA-10s corn destreza e s,e,auriinp incomparAveis; os que se dedicam ~exc~usivamente B critica de ,pro.cedincia tcm in.tuiq6es que outros, ~&os experimentados nesta eslp'ecia1ida;de dificiql, jamais teriam; os que, durante t6da a vida, fazem invent8rios ou c m p 6 e n i regestos, realizam estas tarefas muitu mais facil.mente. melhor e mais depressa que os que a elas se entregam pela primeira vez. '

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Assim, deveinos considerar de uln lado, que nenhulll interGsse existe em que cada "historiador" seja u111 "erudito" rnilitante e, de outro, que entre os prbprios eruditos, empenhados nas operaq6es d e critica externa, certas categorias se fazem sentir. Do l n e s l ~ olnodo que, numa edificaqgo, n5u h i nellhulll i n t e r h e em que o arquiteto seja ao mesmo tempo operLrio e que todos os aper8rios tenham as mesnlas funqges. E n ~ b o r a as eruditos, em sua maioria, n5o se h a j a n at6 hoje especializailo, dedicando-se d e bom grado, por amor ii variedacle, e a executar a h a s de erudiq5o de vLria espCcie, seria f8cil citar os que sgo exclusivamente produtores de cathlogos descritivos e de indices (arquivistas, bibliote&rios, etc.), os que se entregam' s6mente 2 critica (restauradores e editores de textos), os que se linzitaill a fabricar regestos. "Enquanto n5o estiver assentado que a erudiq5o $6 tem valor em vista de seus resultados, n5o C possivel levar muito longe a diviszo do trabalho cientifico" (87), pois o progress0 das ci2ncia.s hist6ricas C correlativo A intensidade da especializaq50 dos que a cultivam. Se fijsse possiv-l que o mesmo homem se aplicasse a realizar, sucessivamente, t6das as operaqges hist6ricas, isto significaria, apenas, que o qliblico era pouco exigente: exigimos, hoje, dos que faze111 critica de documentos, cuidados t5o minuciosos e ltal perfciqzo em seus trabalhos, que develn iles possuir, realmente, verdadeira habilidade profissional. Tendo as ciCnc i s histbricas atingi20 j i o ponto de sua evoluqZo, en1 que as g-raades linhas jA estLo tracadas e as grandes descobertas feitas, cumpre apenas, agora, precisar us detalhes; teinos a impress50 d e que o conheciilleilto do passado s6 pode progredir por meio de inqukritos de extrema amplitude e de an6lises profundissimas, de que s6 os es~ecialistass5o capazes. Nada justifica n~elhor a distinqso dos trabalhadores em "eruditos" e "historiadores" (bem como a dos eruditos entre as diversas especialidades da critica de erudiq5o) que a circunst h c i a .seguinte: certas pessoas tEm vocaq5o natural para certas tarefas especiais. Uma das principais razdes de ser do ensino superior das ciCncias histbricas C, a nosso ver, o fato de que a escolaridade universithria permite aos inestres (supondo-se que sejam homens de experiencia) distinguir, entre os estudantes os que tim o germe de ulna vocaq5io de cruclito dos que apresenP

(87) E. Renan, L'Avenir de la Science, p. 230.

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tam unia inaptidso irremovivel para os trabalhos de erudiqso. (88) Criticus non fit sed nascitur : Quem nf o nasceu com certas disposiq6es naturais s6 pode esperar desgostos da carreira de erudito; o melhor serviqo que C possivel prestar aos moqos que hesitarn em nela ~ e n e t r a rC dissuadi-10s do intento. 0s homens que, at4 hoje, se consagram i s tarefas preparatbrias, preferiram esta espCcie de atividades a tbdas as demais, ou porque para ela tivessan pendor, ou porque, sabendo-a i~ndispensivel, a ela se resignaram; os que a escolheram por pendor t h , do ponto de vista moral, menos rx&rito que os que a receberam conlo imposiqfo ditada pela necessidade cientifica; tdavia, em sua rnaior parte, obtiveram mdhores resultados, porque trahalharam cam o entusiasano e a akgria gerados na propria inclinnqLo e 11.50 por simples cuinprimento d.e urn1 dever penoso. XI imperioso, pois, que cada quai eleja, no seu pr6prio interisse como no interesse geral, com pleno conheciinento de causa, a especialidade que melhor lhe convenha. Examinamos as condiqijes naturais que habilitam e os vicios reahente redibit6rio.s que desqualificam para os trabalhos de critica externa. A seguir diremos algumas palavras a respeito das disposiq6es clue 0 exercicio maquinal da profisdo de erudite gera. para executar bem os trahaI - A condiqfo lhos de erudiqfo C gostar diles. Om, os homens dotados de pre'dicados excepcionais de poetas e de pensadores, em suma, de poder criador. nfo se acomodam a estas tarefas tCcnicas da critics preparatbria: se s6o sensatos, longe de as desdenharem, enaltecenl-nas. mas fui-tam-se sempre a elas. para nLo incidirem no err0 de "cortar pedras con1 navalha", segundo a express50 popular. "'N60 tenho pmdores. esrevia Leibniz a Basm.~ue. que o exortara a comnor um imenso Corpus de documentos inCditos. relativos A 11ist6ria. do direito das gentes. n60 tenhn pendores para eiltreyarme a trahalhos de transcriczo.. . E niio acha vocO clue me esti dando um. conselho semelhante Aquele de all~uen~ que quilsesse casar seu anligo cem Lima rnulher (88) 0 professor de Universidade esti em condi~Bes favoraveis para descobrir e encorajar voca~6es;mas " 6 pelos esfor~osindividuais que o fim (a habilidade de critica) pode ser atingido pelos estudantes, como muito bem disse G. Waitz em urn discurso acadhico.; a parte imputivel ao professor, nesta obra, 6 pequena.. . ( R e v w critzqae, 1874, 11, p. 232): 9

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m6? Porque levar urn hon~ema absorver-se ell1 uilla obra que lhe tomari tbda a vida 6 casA-lo corn ela". (89) E Rennan, ao falar ~destes"imemsos trabalhos" preliminares "que posibilitaram as operaq6es de alta critica" bem como os ensaios de construqf o histbrica, disse : "Aquele que, com exigGr~ciasintelectuais mais agudas (do que os autores desta espkie de trabaIhos) praticasse tal ato de abnegaq50, seria um her6i. . " (90) Ernbora Renan haja dirigido a publicaq5o do Corpus inscriptionun4 seuvtiticarunz, e en~bora L e i h i z tenha sido o editoiJ das Scriptores reruvn Bru~zsvicensium, nem Leibniz, nem Renan, nem seus pares, tiveram o herokitno de sacrificar ii emdiq50 pura suas faculdades superiares. Excetuados os homens superiores (e aqueles que, infinitamente mais numerosos, injustaillente assim se julgam) quase t X a a gente, con10 j i afirmamos. acabava, com o tempo, por ceder 5 seduq5o provocada pelas 11%niicias da critica preparat6ria. I3 que o exercicio desta critica desperta e desenvolve tendhcias imito coinuns: o gb&o de colecionar e o g6sto d e decifrar enigmas. Colecionar C um prazer sensivel nZo apenas para as crianGas mas para todos, sejam quais forem os objetos a classificar, variantes de textos hist6ricos o u selos.. Decifrar enigmas, resolver pequenos problemas, pro~postos com exatidzo, constitui ocupaqHo atraente para muitos espiritos esclarecidos. Tbda descoberta d i prazer; ora, no dominio da erudiqso h5 inumer6veis descobertas a fazer, quer 5 flor da terra, quer atrav6s de enornzes o b s ~ u l o s capazes , de satisfazes tanto os que prezain como os que a60 prezam verlcer grandes dificuldades. Em todm os verdadeiros eruditos se inanifestou, en1 alto grau, o instinto de colecionar e decifrar e nZo p o ~ ~ c odisso s se aperceberam. "Tanto maiores dificuldades encontramos na emprisa a que nos atirainos, afirmou HaurCau, mais ela nos atrai. $ste genero de trabalho denominado bibliografia (a critics de procedencia. principalmente soh o aspect0 da pseudo-epi~ r a f i a ) janlais p d e r i a alm~ejaros ~loriosossufrLgios do piiMico.. . mas oferece ilma atracZo especial vara 0s que a Sle se con sap ran^. Sim. C sen1 dfivida um estuldo humilde. mas quantos outros Raveri capazes de compensar os sacrificios que en-

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(89) Citado por Fr. X. von TVeg-el-. Gcsrhichfa dcr dclrfschert .T3irfovio.u~abhie (Miinchen, 1885, in-8), p. 653. (90) E. Renan, o. c., p. 125.

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volvein, coin a e::c!aina@o : (91 ) Achei !" Julie11 Havet, "j i conhecido dos sabios da ~Europa", distraia-se "coin bagatelas na apar6ncia f rivolas, con10 decif rar criptogramas " (92). Instintos produndos e, apesar das pervel-sBes pueris e ridiculas clue apresentaln em alguns individuos~,altainente benCficos. Aciestas as formas mais rudiinentares do espirito ma de tudo cientifico. 0 s que ngo as possuem, nada podem pretender 110 Illundo da erudiq'io. Mas haveri seinpre muitos candidates as pesquisas de erudiqgo ; porque os ti-abalhos de interpretaqzo, de construqso e de exposiq50 requerem dons inais raros: todbs 0s que, depois d e asrelnessados pel0 acaso nos estudos hist6ricos, se sentirem desejosos de nesse dominio se tornarem Gteis, mas reconhecerei~lclue lhes faltain $dotes psicol6gicos e que s6 ColT muitas dificuldades podem redigir, n'io poderBo fugir A seduqgo de se entregal-em a0 labor simples e tranquil0 das tarefas PrePa~atbrias. * Mas ngo basta, para obter Exito nos trabalhos de erudiq50. que sintarnos prazer em os executar. SBO tarnbem n e c e ~ s h i a s qualidades a vonltade n'io pode ssuprir". Que qualidades? os que levantaram esta quest'io a d a respoilderam vaganlate : "qudidsdes de ordenl lnoral de preferhcia As de ondem Puramente intelectual, a ,paci$ncia, a probidade de ~ p i r i t o -. . " ~ ' seria i possivel ~ ser lllais prec?so? Moqos que nBo manifestam nenhuma repulsa a priori pelos trabalhos de critica exterlla estgo dispostos a preferi-los, revelanl-se, coin a que, experiencia, totalmente incapazes de os executar. Nada haveria de estranhivel no fato se se tratasse d e dCbeis mentais, Parque sua incapacidade para estes misteres seria apenas urns das rnanifeStaqGes de sua imbecilidade gel-al; ou, ai,nda, se f6sse case de ngo tel-an a e s tido n e n h m a forn~aqHot h i c a M~~ trata-se de holnens instruidos e intelige'ates. algulllas da vezes rnais inteligentes do que 0 camtun, isentos, tars a que aludimos. sgo aqueles a respeito de quem ouvinlos dizer : "Fulano trabdha -1; clue IjrodEz 6 um prin~orde inexatidzo". Seus !91) E. ~ ~ Notices ~zt crtroits ~ de, quelques e ~ ~n 1 ~ c v i~tlatins s de la Biblioth&pe mtionole, I ( ~ a r i s ,1890, ln-81, P. V. O"Cf. (92) Bib[iothEqlLe de I'Ecole dcs chavfes, 1896, P. 88. tras informaC.es de interessante biografia intelectual do helenista- pabib1ihgrafo Charles Graux, por E. 1-avisse (Q1~estiOns lebgrafo s~.ignewzent luztional, Paris, 1885, in-18, p. 265 e seg-1-

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ESTUDOs

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catAlogos, suss cdiq6es, scus regestos, suss lllonografias fol-l,,i.. de iin~ei-feiqdese nenhuma con fiailqa inspiralll : pol- mais qL1e faqan, nullca chegal-50, j i nBo dizemos a ulna corl-eqgo absoluta7 mas a um grau razoAve1 de correq2o. Foram atingidos pels "mol6stia da inexatidZofl de que historiador ingles Froude nos & um exemplo cClebre realmente t i ~ i c o - J. A - Froude era um escritor muit0 hem dotado mas sujeito a nada af il-mar que n5o f6sse eivado de err0 ; &firmonse, dGle, que el-a constitution?zally inaccurate. Havia ele, par exemplo, visitado a cidade de Adelaide, na Austr&lia: " v i , disse a e , na planicie, atravessada por urn r-io, uma cidade de 150.CXXO habitantes, dos quais nenhum con&ceu, nem conhecerh nun-, a rnenor inquietaqso relativa A obtenqHo de suss tres refeiqges di6rias"; ora, Adelaide esth edificada em uma elevaqgo, r~enhumrio a atravessa, sua po,pulaq5o era de 750.009 habitaltes e p a s a v a por ulna crise: de fome 11a em que F.l-oude a visitou. E assim por diante (93). Froude reconhecia perfeitamente a utilidade da critica e foi, mesmo, urn dos ~ r i n ~ e i r oa sestabelecer na Inglaterra o estudo da histbria fundado k s d ~ u n l e n t o soriginais, quer intEditos, quer p&licados. mas a estrutura d o seu espirito o tornava absolutalnente incaP ~ Zde purificar textos: ao contr~rio,sle os confundia e obscurecia, involuntariamente, quando neles mexia. Coma Q daltonismo, esta af-50 dos 6rggos visuais, que impede distinguir corretamente us discos vermel&os dos verdes, 6 redibitbria para 0s enpregados de estrada de ferro, a doenqa da inexatid50, ou doenqa de Froude, que nzo dificil de diagnosticar, deve ser considerada incompativel com o exercicio da profiss5o de emdito. A doenqa de Froude parece nHo haver sido nunca estudada pelos psic6logos ; n5o constitui, sem dGvida, uma entidade noso16gica especial. T6da a gente comete erros (por leviandade. inadvertktia, etc.) . 0 que C anormal C cometClos em grande quantidade, constantemente, apesar do mais perseverante esf6rqo para ser exato. e s t e fencmeno deve estar ligado a um afrouxamento da atenq5o e a uma excessiva atividade da iinagnaq'io involunthria (ou subconsciente) que a vontade do sujeito, instAvel e pouco vigorosa, n'io gode controlar. A in1agin.aq5~ involunt6ria mistura-se As operaq6es intelectuais para false&-las: (93) V. H. A. L. Fisher, na Fortnightly Review, ddezembro de 1893, p. 815.

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6 ela que preenche, por conjecturas, as lacunas da meinbria, anlplia e atenua os fatos reais, confude-os corn o que C invcnqzo pura, etc. . As crianqas, em sua maioria, tudo desnaturam d b t e modo; para elas tudo C ''mais ou menos"; revelamse incapazes de ser exatas ou es~rupulosas,isto 6, de dominar a =) imaginaq50. Muitos homens, nesta matCia, jamais conseguem ~deixarde ser cfianqas. Sejam quais forem as causas psico16gicas da doenqa de Froude, o mais sadio e mais ban equilibrdo homem esti expost0 a tentar sem resultados os mais siinples trabalhos de erudiqzo, se a e e s a50 consagrar o tempo aecessirio. A precipitaq5o 2, nates ass,untos, uma fonte inesgot5vel de erros. 1-15 razz0 em afirmar que a virtude capital do erudito C a paciCrrcia. N5o trabalhar rnuito depressa, agir como se houvesse sempre proveito a tirar da inarcha lenta dos trabalhos, abster-se em lugar de precipitar-se, sLo preceitos ficeis de enunciar, mas 6 preciso, para a eles conformar a pr6pria conduta, possuir um ternperamento calmo. As pessoas nervosas, "agitadas", sempre com pressa de terminar e variar as emprCsas a que se entregam, desejosas de deslumbrar e provocar sens%go, podem achar, el11 outras carreiras, motivo honroso e adquado para realizar suas tend6ncias; na da erudiq50, est5o condenados a enfileirar obras **> provis6rias, por vezes mais nocivas que iiteis, e que lhes causarLo, cedo ou tarde, skrios ahrrecimentos. -0 vei-dadeiro erudito possui sangue frio, C reservado e circunspecto; no meio da torrente da vida contemporhea que em t8rno de si arremete, mantem-se sereno, jamais se apressa. De que vale apressar-se? 0 importante C que o que f8r feito seja s6lid0, definitivo, in,_r corruptivel. Vale mais "limar durante semanas uma pequena obra-prima de vinte piginas", para convencer dois ou trts sAbios da inautenticidade de uma carta, ou esforqar-se dez anos para estabelecer o melhor texto possivel de um documento corrupto, que imprimir em igual tempo volumes de inedita mediocremente corrigidos, cuja revis50 tenha de ser feita no futuro, por eruditos ina:s escrupulosos, 5 custa de ingentes trabalhos. Seja qua1 f 6 r a especialidade que escolha no dominio da erudiq20, o erudito deve ser prudente e possuir uma f6rqa singular de atenq'io e de vontade: alem disso, ser dotado de certa maleabilidade de espirito especuIativo, agir com desintercsse completo e manifestar pouco pendor para a aqLo, porque deve ter deliberado trabalhar em vista de resultados remotos e ~ r o b l e 9 mAticos e, quase sempre, para outrem. - Tanto para a critica

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dos textos, como para a das forrtes, o instinto do decifrador de problemas, isto 6, urn espirito Agil, engenhoso, fecund0 em hipbteses, pronto a apreender e, mesmo, a "adivinhar" relaqijes, 6, por outro lado, muito Gtil. Para as tarefas de descriqzo e de compilaq50 (inventirios, catilogos, corpus, regestos), o instinto do colecionador, um apetite de trabalho excepcional, qualidades de ordem, de atividade e de perseveranqa, sLo absolutamente indispensiveis. (94) Tais sLo as disposiqijes que se requerem. 0 s exercicios de critica externa s5o de tal mod0 irduos, para os que nLo possuem estas disposi~$es, e os eesultados obtidos, em tais casos, apresentam t5o pouca relaqLo corn o tempo gasto, que a p r u d h t i a m n d a a cada um, antes de "entrar em erudiqHoJ1, que se certi~fiquecom redobrado cuidado, das prbprias aptidijes. A sorte dos que, ,par falta de conselhos opontunos e esclai-ecidos, se extraviaram e se esgotam em v50, C lamenthel, principalmente se estLo (95) convencidos de que teriain sido mais bem aproveitados a 1 outros misteres.

- Porque os exercicios de erudiq50, se adaptan? maravill~osamente ao temperamento de grande nfimero de alemHes, a obra de erudiqfio alem5, no skmlo X I X , foi considerivel e C na Alemanha que mdhm se observam as deformaqbes iinpressas nos especialistas, pela prhtica habitual dos exercicios de cri( 9 4 ) . A maioria dos eruditos de vocac50, possuem, ao inesmo tempo, aptid50 para resolver problemas e prazer em colecionar. Todavia, 4 ficil classifid-10s em duas categorias, segundo evidenciern preferkncia, quer pelos trabalhos da arte d a critica de restaura~Poou da critica de procedtncia, quer pelos trabalhos de cornpilac50 qu.2 sIo mais al~sorventes e menos nobres. J. Havet, tido como mestre nos problemas clc erudic50, recusou-se sempre a elaborar uma coletinea geral dos diplomas reais merovingeos, que seus admiradores dCle sempre esperaram; nessa ocasi5o manifestou, sem rebucos, " a pouca a t r a ~ 5 oque sdbre Cle exerciam as obras de grande fdlego" (Bibliothkque de Z'Ecole des chartes, 1896, p. 222). ( 9 5 ) Afirma-se comumente, ao contririo, que os exercicios de erudie50 (de critica externa) possuem sdbre os outros trabalhos histo'ricos a vantagem de estarem ao alcance dos mediocres e que as rnais modestas inteligsncias, desde que tenham sido convenientemente preparadas, PO,dem ncles aplicar-se com txito; mas seria preciso que tivessem, tambem. qualidades especiais. 0 t r r o consiste em acreditar, que com boa vontade e uma preparafio ad hoc t6da a gente, sem excec%o, e s t i apta a fazer operac6es de critica externa. Entre os que dela s5o incapazes, como entre os que nela se sentem em ambiente propicio, h i homeils inteligentes e n6scios.

INTRODU~AO AOS

tica externa. Frequentemente se elevam protestos, nas Universidades alemls ou ern t6mo delas, a respeito dos inconvenientes, para os eruditos, do fruto dos trabalhos d a erudiqio. Em 1890, Ehilippi, reitor d a Universidade de Giessen, clamava com veemcncia contra o abismo que, dizia Gle, se interpunha entre a critics preparatbria e a cultura geral; a critica dos tcxtos se perde en1 minhcias insignificantes; confronta-se pel0 prazer de conf rontar ; restauram-se, com precauq6es hfinitas, documentos sem valor; prova-se, com isto "que se d i mais valor aos materiais de estudo que aos resultados intelectuais". 0 reitor de Giessen V$ no estilo difuso dos eruditos alemles e na aspereza de suas p o l k i c a s um "efeito da excessiva preocupaqlo das pequenas coisas", que Cles contrairain. (96) No mesmo ano, a mesma referCncia era f eita, na Universidade de BasilCia, por J. V. Pflugk-Harttung. "A p a r k mais importante da ciCncia histbrica, diz este autor nas suas Geschichtsbetrachtungen (97),6 desprezada : sb se d5 valor a observaq6es microl6gicas, A correqgo perfeita de n~iilhciassem import5ilcia. A critica dos textos e das fontes tornou-se um esporte: a mellor infraqlo As regras do j6go C tida coino imperdoiivel, ao passo que ,basta a elas conformar-se para obter a aprovaqlo dos entendidos, seja qua1 f6r o valor intrinseco dos resultados. Malquerenqa e grosseria da parte dos eruditos entre si: vaidade &mica dos que fazem montinhos cle areia e julgam haver erigido mcintmhaq agindo mais ou menos como o carnponCs de Francfort, que dizia com satisfaqlo: "Alles was du durch jenen Bogenpfeiler erkennst, alles ist Frankfurter Land !" (98) Quanto a nbs, distinguimos trGs riscos profissionais, aos quais os el-udhs profissionais estlo expostos: o diletantismo, a hipercritica e a impotCncia. A in~potCncia: o hibito d a anilise critica tem, em certas inteligencias, urna aqlo dissd1vtnte e paralisante. Certos homens, naturalmente timoratos, verificam que, apesar do extremo cuidado que p6en1 nos seus trabalhos de critica, de publicsqgo, e de classificaqlo n l o podein evitai- que escapem alguns erros illsignificantes ; sua educaqlo critica, todavia, inspirou-lhes,

<98) J. v. Pflugk-Harttung,.~.c., p. 21.

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por Cstes erros, verdadeiro terror. Certificar-se de i n ~ ~ r o p r i e dades dCste gCnero em trabalho por Bes assinado, quando j& 1150 C mais tempo de desfag-los, causa-lhes ingente sofrilllento. Atingem a um estado m6rl)ido de angjstia e de escrlipulo que os inibe de fazer o que quer que seja, por temor das imperfeiq6es prov5veis. 0 examen rigorosum que a si mesmo infligem, imobiliza-0s. Infligem-no, tarnbem, Bs produq6es alheias e chegam a nada mais ver, nos livros de histbria, que os trechos justificativos e as notas - "o aparelho critico" - e, no aparelho, enxergarn apenas as f6lhas que C preciso corrigir. A hipercritica C o excess0 de critica que, tanto quanto a mais grosseira ignorhcia, culmina no 6rro. I3 a aplicaqlo dos processos d a critica a casos para os quais s50 absolutamente imnadequados. A hiperccritica est& para a critica assim como o bizantinisino estB para a sutileza. H i os que farejam enigmas por t8da a parte, mesmo nos lugares m d e Eles absolutamente n l o existem. ~Engendramsutilezas descabidas em textos claros, at6 torni-10s duvidosos, sob o pretext0 de purgi-10s de alteraq6es imaginirias. CrGem ver, em documentos autentico.~,vestigios de adulteraq6es. Singular estado de espirito! D e tanto desconfiar do instinto de credulidade chegam a vir5-lo pel0 avesso e de tudo duvidam. Cumpre notar que, tanto mais a critica dos textos e das fontes realiza progressos positives, tanto mais aumenta o perigo da hipercritica. Realmente, quando a critica de t6das as fontes histbricas ehouver sido cori-etanuente feita ( o que, para certos periodos da hist6ria antiga, ser5 u n ~acontecimento pr6ximo) o bom senso ordenar5 que n l o m i s se prossiga. Mas a isto n l o se resignarlo nluitos : surgirlo. quest6es sib?linas, como jB existem 4s6bre textos otimamente estabelecidos e os que as levantarm cairlo inevitavelmente n a hipercritica. "A caracteristica dos estudos hist6ricos e de seus auxiliares, as ciencias filolbgicas, afirmou E. Renan, C que, t l o logo hajam atingido a um relativo estado de ~ e r f e i q l o ,comeqam a decair:" (99) A causa disso C a hipercritica. 0 diletantismo: os eruditos de vocaqso e de profisslb manifestam ulna tendencia para considerar a crkica extcrna dos docun~ento~ como um j6go de astilcia, dificil, mas interessante (coino o j6go de xadrez) pela prbpria complicaqlo de suas i-e-

(96) A. Philippi, Ei~zigeBemerkungen iibcr dell. ~hilologische?t Unterricht, Giessen, 1890, in-4. Cf. Revue critiqzce, 1892, I , p. 25. (97) J. v. Pflugk-Harttung, Geschichtsbetrachtu?tgc~~, Gotlia, 1890,

in-8.

ESTUDDS H I S T ~ R I C O S

I

-e , XIV. (99) E. Renan, E'Avenir de la s c i c ~ ~ . c p.

INTRODUCAO gras. N5o buscain a raz5o de ser das cousas, permanecem indiferentes & pi-oipria histbria, no que ela tem de slub~ancial. Criticam por criticar ; para eles, a elegkcia do mktodo de investigaqHo C muito mais importante do que os resultados. Bstes virtu~ses1150 se adstringein a ligal- a seus trabalhos alguma idCia geral, a criticar sistematicamenrte, por exeinplo, todos os documentos relativos a uma s6 questCo, a Xm de 6em a entenderam; criticam indiferentmente-docunientos relativos a-quest6es dispares, norteados pela sb condiqgo de estarem tais textos gravemente corruptos. Transportam-se, com seu instrumento, a critica, a todos os dominios da histbria, onde u m problema angustiante possa solicitar sua dedicw50; resolvido u m enigma ou, pel0 menos, discutido, partem em busca de outros, ern novas regi6es. Deixam, coino legado, n5o urna obra coerente, mas urna coleqHo disparatada de problemas de vAria espCcie, que se assemelha, no dizer d e Carlyle, a urna loja de antiqubrio ou a um arquipC'lago de ilhotas. 0 s Idiletantes defendern o diletantismo corn argumentos plausiveis. Primeiramente, afirmarn, t ~ d oC importante; em hist6ria 1150 hb um s6 documento que niio tenha valor: "nenhuma obra cientifica C estCril, nenhuqla verdade C inGtil para a citncia. . . n5o hb, a n histbria, nenhum assunto mesquinho"; logo, "n5o C a natul-eza do assuto que valoriza um trabalho, C o mCtodo". (100) 0 que importa, em histbria, nCo s5o "as noq6es acuinuladas, (mas a gidtstica do cCrebro, o hbbito intelectual, o espirito cientifico, en1 suma". Mesmo que houvesse, enti-e os dsdos :hist6ricos, ulna !hierarquia de importkcia, ninguem teria o direito de declarar, a priori, que urn dwximento C '"infitil". Qua1 6, pois, nesta inateria o cr.tten:um de utilidade? Quantos textos, desprezados durante um .tempo enorme, n5o ganharam, de sGbito, ,relGvo extraordinArio, ou por serem enca,rados de outro modo, ou por f&qa de novas descobertas. "T6da exclusio,.,C temerAria: nHo hb pesquisa que possa de antem50 ser inquinada de estCril. 0 que nCo tern valor em si, pode t6-lo, colno meio necessirio. Dia v i d , talvez, em que, por jb estar a ciCncia constituida. ~oderHoser aliiados docurnentos e fatos indiferentes; mas n5o estamos ainda em condiq6es de discernir; o superfluo do necessArio e a linha de demarcaqso, segundo tudo faz crer, serh sempre dificil de traqar. Isto justifica os ,

(100)

Revue kistorique,' LXIII (1897), p. 32%

AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

9.5

trabalhos mais especializados e, na apareqcia, mais vazios. Que importa, na pior das hip6teses, se houver desperdicio de trabalho? "E' lei d a cikncia como de t6das as obras humanas", como de t6das as obras da natureza, "gizar a largos traqos, com grande margem de sup6rfluoW. NCo vamos refutar estas consideraq6es, at6 onde o podem ser. Renan, que discutiu a este res~eito, fixando com igual vigor os pr6s e os contras, encerrou definitivamente o debate, nos seguintes termos: "HA razCo em afirmar que muitas pesquisas s5o infiteis, no sentido de que absorvem tem,po que seria mais bem empregado em assuntos mais sCrios..." Muito embora n5o seja necessbrio ao trabalho ter conhecimento perfeito d a obra a executar, seria tadavia de desejar-se que os que s e dedicam s trdbalhos especiais tivessem urna id&a suficientemente clara do conjunto, pois C Cste que db valor As pesquisas. Tivessern ltantos e tHo dedicados trabalhadores, a quem a cicncia moderna deve seus mais acentuadas progresses, o conhecimento filos6fico daquilo que praticam e um tempo precioso teria sido poupado. I3 realmente IamentAvel b s e imenso desperdicio de f6rqas humanas, de que sHo causa a a u s k i a d e dire@o e a falt a de urna conscitncia clara do fim a atingir. (101) 0 diletantismo C incompativel corn urna certa elevaqHo de pensamento e com um certo grau de "perfeiqCo moral", mas nHo corn o mlCrito tiknico. Alguns criticos, das mais completos, g o simples prbticos, que jamais p d e r a m refletir no fim da arte que exercem. Seria perigoso, todavia, concluir dai que o diletantismo nHo constitui um perigo para a cicncia, considerada ew si mesma. 0 s eruditos diletantes, que trabalham ao sabor da pr6pria fantasia ou acicateados pela "curiasidade", atraidos mais pela dificuldade dos problemas do que por sua importdncia intrinseca, nZo fornecem aos historiadores (isto 6, aos trabalhadores, cujo oficio C combinar e valorizar em vista dos fins su~premos d a hist6ria) os materiais *de que estes precisam de modo mais premente; ao contririo, dHo-lhes outros, muito diversos. Se a atividade dos especialistas d a critica externa se arplicasse, exclusivamente, 5s qucst6es que estCo, de fato, a reclamar soluq50, (~101) E. Renan, o. c., p. 125 243. 0 mesmo pensamento foi mais de uma vez manifestado, em outros ter.mos, por E. Lavisse, em suas alo.cuqSes aos estudantes de paris (Qtlestzons d'etiseigneme~zt national, p. 14, 86, etc.).

INTRODUSAO

x fbsse disciplinlada e dirigida do alto seria sem duvida mais fecunda. A idPia de fugir aos perigos do diletantismo por uma "organizaqiio" racional "do trabalho" C j8 velha. H 8 cinqiienta ou mais anos falava-se j8, com insistGncia, em "contr6le", em "concentraq50 de ftlrqas" dispersas; sonhava-se com "vastas oficinas" organizadas segundo o modelo ditado pela grande indiistria moderna, onde 0s trabalhos preparatbrios de erudiq5o seriam executados .em grande escala, e m obedicncia aos inter2sses da ci6ncia. E m quase todos os paises, efetivamente, os governos (por intermcCdio de comites e de comiss6es hist6ricas), assim con10 a s academias e as sociedades cientificas tern trabalhado na atualidade, do mesmo n ~ o d oque, outrora, as congregaq6es m o n k ticas, para agrupar os eruditos profissionais e m vastas emprcsas coletivas, coordenando-lhes as atividades. Mas o problema da formaqgo de elencos da especialisltas ~ d acritica externa, para servirem sob a dire@o de hon~enscompetentes, estA ainda pendente de soluq50, pelas Sdificuldades que oferece. A "organlizaq50 do trabalho cientifico" 6, pois, assunto que continua na ordem do dia. (102)

-

I11 0 orgulho e a excessiva aspereza que manifestam os eruditos ao julgarem o s trabalhos de seus confrades s5o censurados com fregu6ncia, rapetimos, como uma marca tda sua exagerada "preocupaqiio das pequenas coisas", principaImente por aqueles cujos ensaios foram severamente castigados. E m verdade, h8 eruditos rnodestos e cor'datos: C uma quest50 ,de temperamento ; a "preocupaq50" profissional "das pequenas ,coisas" n5o .tern f6rqa para modificar, a este respeito, as diposiq6es naturais. "Este admirAvel Du Cange" como diziain os beneditinos era modesto ao excesso: "n50 C precis0 mais. afirmava Cle, falando de seu trabalho, que olhos e dedos para fazer a mesma coisa ou melhor'"; por principio, nunca censurava ninguein: "se estudo, C pelo prazer de estttdar, n5o para atormentar (102) Um de n6s (Langlois) prop6e-se expor em outro lugar, minudentemente, o que a Gste 1-espeito tein sido feito nos Gltimos trezeiltos anos, principalmente no sCculo XIX, para a organiza~Podos trabalhos histbricos, nos principais paises do mundo. Algumas informa~Ses referen4es a esta matCria j6 f&am reunidas por J. Franklin Jameson, T h e expertdlt7~7-rso f io~cigrz g o e ~ r r ~ ~ ~ r l iii c n ?behnlf s of hirtnry, no AjtnuaI Report o f the Anto-ican I~istorical Association for 1891, p. 38-61.

AOS ESTUDOS HIST~RICOS

97

os outros ou a inim mesmo." (103) 13 certo, todavia, clue a rnaior p a r k dos eruditos hahituou-se a tornar piiblicos, sem canteinplaq50, os menotes tdfisus, n5o rarb em tom arrogante e duro, clando mostras de um zelo impiedoso. Mas, tirante o que h,i de excessive rigor e de aspereza, nfo deixam de ter razz0 ell1 assim agir. 13 porque possuem - como os "sabios" propriamente ditos, fisicos, quimicos, etc. - um forte sentimento da verdade cientifica que adquiriram o h2bito de denunciar qualquer atentado ao mCtod6. Conseguem, d&te modo, impedir aos incapazes e czbotinos, que atualinente pululam por t6da a parte, o acesso A sua profissfio. &, entre os moqos que se destinam aos estudos histbricos, os que animaclos mais pelo espirito comercial que pelo cieiltifico e dominados pela ambiq5o de 6xitos positivos - assim refletem, com os prbprios bot6es: "A obra hist6r;ca pressupGe, para ser feita segumdo as regras do mCtodo, trabalhos e precauq6es infintitos. NBo acontece, todavia, aparecerenl obras histbricas, cujas autores revelam ter pecado de modc mais ou menos grave, contra essas regras? Ser5o Ues, por isso, menos prezados? Dar-se-8 o caso de serem sempre, os mais consciencioaos os que inqpiram maior consideraq50? A tbeleza formal da obra n5o poder6 suprir as deficiencias d o conhecimento superficial !do assunto? Ora, como o importante, aos olhos dGles, C obter k i t 0 imediato e tendo em conta que trabalhar ma1 C mais f8cil que trabalhar bem, acabam por concluir, capciosainente, que a maneira d e executar o traballho pode .hem suprir as defici6mcias da inat~Cria. Tudo se justifica, desde que, sem esf6rqo. possam ser tildos con10 eruditos. P o r que n5o haveria de s e r assim no doininio da histbria, como em tudo o mais na vida, onde os aplausos do piiblico n5o se dirigem, necessariamente, para os verdadeiros valores? Pois bem, C graqas A impiedosa severisdade dos eruditos que tais pensamentos niio poden1 medrar, porque os cabotinos s5o semlpre desmascarados. No findar do segundo impCrio, niio ihavia, em Franqa. en1 mathria de trahalhos histbricos, opini5o piiMica esclarecida. Pu'blicat7am-se iinpunemente maus livros de erudiq5o histbrica, que, n5o raro, traziam para seus autores ilegitimas honras. Foi ent50, que os fundadores da Revue critique d'histoire et de littemture resolveram reagir contra este estado (de coisas, que, com raz50, julgavam desn~oralizador. Para i s t e fim, fizeram puldi-

-

(103)

I,. Feagere, o. c., p. 55. 58.

camente a correqLo dos erros e dos embustes dos eruditos sem mCtodo e sem consciencia, de mod0 a tirar-lhes, definitivamente, qualquer veleidade de reincidirem no desejo de escrever hist6ria. Escalpelai.am os trabalhos dos falsos eruditos, irrvpiedosamente, n5o pel0 desejo s6dico de os verein confundidos, mas corn o firme prop6sito de criarem uma cencsura e, consequentemente, uma justiqa no dominio dos estudos hist6ricos. 0 s maus obreiros forarn, desde logo, acossados e, einbora a Revue n50 penetrassem fundamente as espessas camadas do grande pGblico, nio deixou, t d a v i a , de exercer urn salutar policiamenio em esfera relativamente ampla, de mod0 a inculcar na maioria dos interessados, por bem ou por mal, o h&bito da sinceridade e o respeito ao mCtodo. Nestes Gltirnos vinte e cinco anos o impulso inicial dado pela Revue se acelerou e propagou de modo impressionante, superando qualquer progn6stico otimista. Hoje, tornou-se muito dificil, no dominio dos estudos da eru'diqio, nio dizemos iludir, mas iludir por muito tempo. Daqui por diante tanto nas cigncias hist6ricas como nas ciZncias prapriamente ditas, nenhum 6rro c r i a r i fraizes, nenhuma verdade se perdub. Meses, anos talvez, podem passar-se, antes que uma experiencia d e quimica ma1 feita ou uma adiqio precipitada sejam concsideradas carno tais, mas os resultados inexatos, aceitos a titulo iprovisjrio, serio sernpre, cedo ou tarde descobertos, denunciados e eliminados, geralmente ern muito menos tempo do que podemos supor. A teoria das operaq6es de critica externa jS est6 firmada e j6 C t i o consider6vel o nGmero de especi~listasque a confhecem bem que, hoje em dia, s6 muito raramente pode urn cat6logo des~ritivode documentos, uma ediqio, um regesto ou unla monografia, ~deisarde ser imediatanla~teanalisado, dissecado e julgado. Nunca nos esqueqarnos disto: daqui por diante, cometeria imprudencia i l ~ ~ p e r d o i v d quem se arriscasse a ,publicar qualquer trabalho de erudiqio, seln haver antes tomado t g a s as cautelas capazes de o tornarem inatakvel, porque logo ou, quando muito, em breve tempo, seria 2 e dissecado e destruido. Certos ingenues, que ignoram esta verdde, ainda se aventuram, uma ou outra vez, sem preparaq8o bastante, a fazerem incurs6es no doininio da critica externa, recheados de boas intenqBes, aniinados da nobre vontade de "prestar serviqos ", convencidos mesino, pelas apargncias, de que 6 possivel proceder ileste setor, como en1 outros (no da politica, .par e x e q l o ) , por simples aproximaqLo, "sem conheciment ~ es ~ e c i a i s " ; sempre se arrependem disso anargamente.

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0 s mal-intencionados n5o se abalanqanl a tais empresas: Sabem que os ~trabalhosde erudiqLo, alem d e penosos, n5o d i o gl6ria a ninguern; est50, adeinais, absolutamente certos de que Gbeis especialistas, em geral sempre agressivos pa;a com os intrusos, lhes vir50 Q estacada; convenceram-se de que C iniitil tentar .penetrar os arcanos d a erudiqio, a n5o ser pela via exaustiva do trabalho constante funldado em bons mCtodos. Com a sua leal e rude intransigencia preservam-se, assim, os eruditos, de desagrad5veis contaotos, d e que n6o est5o ainda inteiramente livres os "historiadores", propriamente ditos. Realmente, os maus trabalhardores, temerosos da fiscaliza~$0dos eruditos, partem em busca de urn pGblico menos exigente e, para tanto, refugiamse de bom grado na exposiqiio hist6rica. Neste dominio s i o menos evidentes as regras d o mCtodo, ou, melhor, menos conhecidas. A o passo que a critics dos textos e a critica das fontes se fazem cientificamente, a s operaq6es sinteticas, em histbria, desenvolvem-se ao acaso. A confusio de espirito, a ignorihcia, a negligCncia, que podem t5o bem ser apontadas nas obras de erudiqio, permanecem at6 certo ponto mascaradas nas obras d e hist6ria, iludindo o grande pliblico, geralmente ma1 educado nesta matCria, (101) E m resumo, h.5 ainda, neste terreno, muito crime impune. Todavia, tendem a d'iminuir : dia vir6, e niio estar6 muito longe, em que os espiritos superficiais que fazem sinteses incorretas ser5o ridioularizados e mei~osprezados, como ocorre atualmente em r e l q i o aos falsos tknicos da critica preparat6riaY inconscientes ou incapazes. NLo estario j5, por acaso, roidas pela critica as obras dos mais dlebres historiadores do skulo XIX, hoje mortos, como Augustin T'hierry, Ranke, Fustel de Coulanges, Tai.ne, etc ? 0 s defeitos de seus mCtodos j6 foram apontados, definidos e condenados. Aos que nLo se deixam convencer, por outras consideraq6es, da necessidade de trabalhar honestamente, em hist6ria, valha ao menos a d e que n i o C mais possivel trabalhar mal' sern kemor de grandes vexames e dissabores, porque 115, por t6da a parte, olhos vigilantes a fiscaliz8-10s. (104) 0 s pr6prios especialistas da critica externa, t%o penetrantes quando se trata de trabalho de erudiflo, deixam-se enganar quase t%o facilmente como qualquer leigo, a n5o ser quando se imp6em o dever de desprozar a prior; qualquer sintese e examinam com rigor as incorre~Ses, as apa~egcja~ diluidas nas " id6ias gerais " e os artificios literirios.

INTRODUCAO nos

CRf'TICA

*S

I - Quando um zohlogo descreve a forma e o comprimento de um inGsculo ou um fisihlogo apresenta o traqado d e um movimento, podemos aceitar em bloco seus resultados, porque sabemos por que inCtodo, por que instrumentus, por que sistema d e notaq5o foram 2les obtidos. (105) Mas quando Tgcito, referindo-se aos Germanos, diz : Arva per annos tant, n5o sabenlos desde logo se iYe aprocedeu corretamente rpara informar-se, nem qua1 o sentildo em que tomou as palavras arvcc e ~lzutant;a bein d a verdade, devemos realizar urna qxraq5o preliminar, que nos 6 indispensAve1. Esta operaq5o C a critica interim. A critica tem poi- objeto discernir nos documentos o Cjue pode Ser aceito como verdadeiro. Ora, um do cum en to C o resultado de urna longa &rie de operaq6es, das quais o a ~ ~ t o -1er nhuma. informaq50 nos d6. Observar OLI arrolar os fatos, concebei- frases, grafar as palavras, sLo operaq6es distintas e necesskrias, que podem n5o ter sido feitas coi11 igual correqgo.

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ITLZIL-

(105) As citllcias de observaq50 exigem, tamhem, un~aespecie de critica. NPo admitimos, sem verificar;Lo, as observa~Ses de primcira visita; s6 aceitamos os resultados obtidos por pessoas que "sabem trabaihar ". Mas esta critica qne se faz em conjunto e de um s6 lance, diz respeito ao autor nPo aos seus trabalhos; P critica histbrica, ao contrkrio, ~iicurn'neopersr minuciosamente sBbre cada urna das partes do docuaento.

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Q

101

S'preciso, pois, annlisar o produto deste trabalho do autor para distinguir quais as operaqbes incorretas, a fim de recusarlhes os resultados. D&te modo, a ancilise C parrte indispenshvel cla critica; t6da critica comeqa pol- urna anklise. Para ser logica~nentecompleta, a andise deveria reconstituir t6da.s as operaq6es 1-ealizadas pelo autor e examinh-las uvvca a unza, a fiin d e concluir se cada urna foi feita corretamente. Seria dpreciso repassar todos os atos sucessivos que produziram desde o momento em que o autor viu o fato que o ~documei~to, C objeto do documento at6 o movimento de sua m50 no trabalho final de redaq50; ou, preferivelmente, seria preciso remmtar em sentido inverso, degrau a ,degrau, desde o movimento de sua 1x50 at6 $ observaq50. Bste mCtodo seria t5o longo e fastidioso que ninguem teria tempo, nem paciGncia, de o aplicar. ' A critica interna nbo 6, como a externa, um instrumento que se possa manejar pel0 simples prazer de manejh-lo; niio pretende ela conferir nenhum prazer direto, porque nbo resolve definitivamente nenhum problema. S6 a praticamos poi- necessidade e procuramos, seinpre, reduzi-la a uin minilno estritan~eiltenecesshrio. 0 mais exigente dos historiadores n5o vai alem de um mCtodo abreviado, em que t6das as operaq6es se concentra~nem dois grancles grupos :

I

INTERNA

ESTUDOS IIIST~RICOS

lo) a anklise do contehdo do documento e a critica positiva de interpretaq50, necessArias para firmar a certeza do clue o autor quis dizer ; 2 O ) a anAlise-das condiq6es en1 que o documento se pi-oduziu e a critica negativa, necesshrias para controlar as afirmaq6es do autor. Todavia, 2ste ~c1esdo;bramentod o trabalho critic0 s6 C praticado por urna elite. A tend2ncia natural, mesmo entre os historiadores methdicos, C ler os textos corn a preocupaq50 de i~leles encontrar informaq6es diretas, sem o cuildado de recriar mentalmente as operaq6es que se deveriam ter processado no espirito do autor. (106) Esta pl-Atica C desculpAvel para os documentos do sCculo X I X , escritos por homens, cuja lingua e maneil-a de pensar nos s5o familiares, nos casos em que urna s6 interpretaTaine parece haver procedido d0ste mod0 em " L e s Origines (14%) de la France Contenzporaine", t. 11, la Rkvolution; elaborou Ole extratos de seus documentos ineditos e inseriu grande nGmero dtles em sua obra, mas tudo parece indicar que nHo procedeu a urna anblise preliminar de tais documentos, para detei-minar-Ihes o sentido.

102

CH.

V. LANGLOIS

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CH. SEIGNOBOS

$50 C possivel. Torna-se, todavia, perigosa, nos casos em que os hAbitos de linguagem e de pensamento do autor se afagtam dos do historiador, que o 16, ou naqueles elm que o sentido do texto nHo C evidente, ou incontestivel. Sempre que, ao lermos um texto, n5o nos mpenhamos exclusivamente em o compreender, acabamos inevitavelmmte por 1e-lo atraves de nossas impressBes (107) ; deixamo-nos, geralmente, iludir por frases ou palavras contidas no documento, que parecem corresponder As nossas concepqBes prClprias ou ajustar-se 5s idCias a priori que temos dos fatos; sen1 que disso nos apercebamos, damos relive a estas frases ou palavras e com elas formamos um t e s t ~ imagidrio, em substituis5o ao text0 real do autor. (108) I1 - Neste caso, como sempre na, histhria, o mCtodo consiste em resistir ao primeiro impulso. preciso que nos im-

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(107) 0 alernLo tem uma paiavra muito precisa 'para definir Oste fen6meno : hinekleseu. (108) Fustel de Coulanges explica corn muita clareza o perigo diste me'todo. "Alguns eruditos comecam por forrnar uma opini50.. . e s6 depois disto C que Item os textos. Arriscam-se, assim, e rnuito, a ngo compreenderem os textos, ou J os compreenderem falsamente. Entre o texto e o espirito prevenido, que o 16, estabclece-se uma espCcie de ronflito: o espirito recusa-se a aceitar o que 6 contririo P sua idCia, e o resultado ordinirio dEste conflito C que o espirito ngo se renda P evidencia do texto, mas que tste ceda, adultere-se e arnolde-se 2 opiniLo preconcebida do espirito. lntroduzir id6ias pessoais no estudo de um texto constitui o mQodo subjetivo Acreditamos ver um objeto e k nossa pr6pria idkia que vemos. Acreditamos observar urn fato e Oste fato torna imediatarnente a c6r e o sentido que nosso espirito quer que Ele tenha. Acreditarnos ler urn texto e as frases dtste assurnem um significado particular, correspondente A opini%o anterior que d&le tivemos. Este mCtodo subjetivo C responsivel pelas grandes confus6es existentes em relacPo L 6poca rnerovingia.. . B que n%o bastava haver lido os textos, mas era indispensivel li-10s antes de formar uma conviccLo (Monnrchie franque, p. 31). Pelo mesnlo motivo Fustel condenava a pretensPo de ler urn documento atrav6s de outro; insurgia-se tle contra o uso de explicar a Germania, de TBcito, pelas Leis birbaras. V. na Revue des questions historiques, 1887, t. I, a lic%ode mCtodo, Ds l'anulyse des tcxfes historiqucs dada a ~ r o p 6 sito de um comentirio de Gregorio de Tours por Monod. " E' pela anilise exata de cada documento que o historiador deve comecar seu trabalho. A anilise de urn texto.. . consiste em estabelecer o sentido de cada palavra, em apreender o verdzdeiro pensarnento de quem escreveu.. E m vez de procurar o sentido de cada frase do historiador 5 o pensamento que nelas foi p6st0, &le (Monod) comenta cada frase com o auxilio do que se encontra, ou em Ticito, ou na lei s6lica.. . I3 preciso saber bem o que C a aniilise. Muitos falam dela, poucos a praticarn. Deve

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pregnemos dsste priilcipio, evidcnk, mas quase sempre esquccido: urn documento contem apenas as idCias d e quem o escreveu. A regra a seguir 6 , p i s , comeqar a entender o texto em si mesmo, antes de indagar o que dele pode ser aproveitado para a hist6ria. DZste moldo chegamos a esta regra geral do metodo: o estudo de qualquer documento deve comeqar por uma anilise de seu conteudo, sen1 outro objetivo que o de determin~ro pensamento real do autor. Esta anhlise constitui uma qeraq50 prdiminar, separada e independente. A expericncia aconselha, tanto para o nosso caso, como para os trabalhos de erudiq50, em geral, a adotar o sistema d e fichas. Cada ficha conterh a anklise, quer de um documento, quer de uma parte distiilta de urn documento, quer de um epis6dio de uma narraq50; a anAlise deveri indicar, nHo apenas o sentido geral do texto, mas, tanto quanto possivel, o escopo e a concepq50 do autor. Andaremos bern em reproduzir textualmente as express6es que nos pareqam caracteristicas do pensamento do autor. Vezes lhh, em que basta analisar mentalmente o texto: nem *sempre temos necessidade de escrever materialmente uma ficha d e cdmjunto; ldeveinos liinitar-nos a anotar os trechos que nos pareqam ~ t e i s . Mas, contra o perigo sempre presente de substituir o verdade'ro sentido do texto pela impressHo pessoal do leitor, s6 uma precauq50 segura existe, o que C imperioso erigir em regra: obrigarmo-nos a s6 fazer extratos ou anhlises parciais de uin documento depois de lhe havermos feito a anklise de conjunto ( l o g ) , sen50 material, ao menos mental. Analisar um documento C discernir e isolar t6das as idCias expressas ~ e l oautor. A anAlise se reduz, portanto, d cvitica de interpretat60. A interpretaGo passa por dois graus: o sentido literal e o sentido real. ela, por urn estudo atento de cada pormenor, separar em urn texto tudo o que nele se encontra; n5o deve acrescentar nada que nele nLo esteja contido." Depois da leitura dEstes excelentes conselhos seri instrutivo ler tambem a resposta de Monod (na Revue historiqzre) ; haver4, entLo, oportunidade de verificar que o pr6prio Fustel nern sempre praticou o mCtodo que recornendou. (109) U m especialista pode incumbir-se d a anilise; 6 o que acontece em relacPo aos regestos ou aos catllogos de atas; se o trabalho de a ~ l i s efoi corretamente feito por quern fabricou os regestos, s e r i inutil refaz0-lo.

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INTRODUCAO, CH.

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I11 - Determinar o selltido literal de unl texto C unla operag50 linguistics ; por isso a Filologia ( S p r a c h k u n d e ) f oi classificada entre as ci2ncias auxiliares da hist6ria. Para conlprea d e r um texto C precisg preliminaiymente, conhecer a lingua em que ele esta escrito. Mas o conhwimento geral da lingua 1150 C o bastante. Para interpretar Gr6goire de Tours n50 basta conhecer, de um rnoldo geral, o latiin; C preciso ainda uma interpretaq50 hist6rica especial para adaptar 2ste conheciinento geral ao latin1 de Gr6goire de Tours. A tendsncia natural C atribuir a cada palavra sempi-e o mes1110 sentido em qualquer lugar em que se encontre. Instintivamente, consideramos a lingua como um sistema fixo de sinais. Dsta fixidez 6 urn car&ter dos sinais criados expressainente para uso cientifico, como os da Algebra ou da nomenclatutra quimica; na notag'io cientifica cada express50 tem um sentido, Gnico, absoluto e invaritivel; traduz uma idCia analisada e definida com exatildso e s6 traduz unla, sernpre a mesma, seja qua1 f b r o lugar em que esteja colocada o u o autor que a 11aja empregado. Mas a lirngua vulgar, em que os dmumentcrs sso escritos, 6 uma lingua flutuarrte; cada palavra exprime uma idCia conlplexa e ma1 definida e apresenta sentidos mGltiplos, relativos e va~iAveis;o m e m o v d b u l o traduz vArios sentidos diferentes e assume um sentido diverso em um mesnlo autor, segundo a p i g 5 0 que esteja ocupando na frase; muda de sentido de um autor para outro, ou no curso do t e m ~ o . Ye1 significa sempre o u em latirn clAssico e s:iifica, e em certas 6pocas da idade-mkdia ; s u f f r a g i u m , que quer dizer sufrcigio em latiin clAssico, toma na idade-maia o sentido de auxilio ou socorro. $ n e c e d r i o , pois, aprender a resistir a Este i'nstinto, que nos leva a explicar tbdas as expressSes d e um texto pelo sentido cl&ssico, ou pel0 habitual. A interpretaqzo gramatical, cujo fund a m e n t ~s'io as regras gerais da lingua, deve completar-se pela interpretalso hist6rica, que tem como base o exarne do caso pal-ticular. 0 mCtodo corvsiste em estabelecer o sentido especial das palavras em u n ~docu~mento e repousa em principios inuito simples. 1.O - A lingua se transforma por urn evolver continuo. Cada Cpoca tem sua lingua pr6pria que deve ser tratada como um sistema especial de sinais. Para compreender um documento, devemos saber a l i n p a d o tempo, isto & o sentido das palavras, bem como das express6es ~eculiarescorrentes na Cpoca ell1 clue

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o texto foi escrito. A determinaeo do sentido de uma palavra se faz pela reuni5o das passagens em que ela aparece: quase sempre a continuaqso da frase nenhuma dGvida deixa quailto ao selltido de uma palavra anterior. (110) I3 nos dicionArios hist6ricos tais como o Thesaurzts linguae latinas ou os GlossArios, d e D u Cange, que encontramos os vArios sentidos de cada palavra, considerados e m sua mutaq5o hist6rica; cada palavra, nesses reperttjrios, C seguida de muitas e variadas frases, que a rontEm, con1 a/ indicagso do autor, o que ~ e r m i t efixar bein a Cpoca em que foram redigidas. Quando ocorrer o caso d e tratar-se de uma lingua morta, aprendida pelo autor do texto em escritos que se conservaram, sem que haja ele vivido a o tempo em que ela existia, como nos casos dos textos latinos da baixa ildade-mCdia, C medida de salutar prudzncia estar seinpre de sobreaviso quanto ao vercladeiro selltido das palavras, pois Este pode ter sido ernpregado arbitrariamente, por simples predileq50 estCtica ; p. ex. : consul (conde), capite census (censitArio) . 2 . O - 0 uso da lingua pode diferir de ulna regi'io para outra; devemos, pois, conhecer a lingua do pais em que o documento foi escrito isto C, os sentidos particulares uszdos no pais. 3 . O - Cada autor tem sua maneira pessoai de escrever, o que nos obriga, portanto, a estudar a lingua do autor, o sentido particular que &le dA &S palavras. (111) P a r a isso devemos socorrer-nos dos lCxicos especiais da li3gua de alguns autores, como Le-zicon Caesarianztm, d e Meusel, em que estso reunidas t6das a s passagens em que Ele empregou a mesina palavra. 4.0 - Uma express50 muda de sentido segundo a passagel11 em que se encontra; devemos, portanto, interpretar cada palavra e cada frase, n5o de mod0 isolado, mas tendo em con(110) Encontramos modelos prPticos deste processo em Dclocl~e, la Trustis et Pantrustion royal, Paris, 1873, in-6, e, ~rincipalmente,em Fustel de Coulanges. V.,em particular, o estudo s6bre as palavras mar.ca (Reche~chessur quelques problkmes &histohe, p. 322-356), inallus (ib., 372-402), - alleu (I'Alleu et le domuine rural, p. 149-170), - portio (ib., p. 239-252). (111) A teoria e um exemplo q k t e processo encontram-se em Fustel de Coulanges, Recherches sur quelques firoblkmes d'histoire (189-289) a prop6sito das informacBes de Tacito s6bre os Germanos. V., principalmente, p. 263-289, a discuss50 da celebre passagem referente a o mod0 de cultura dos Germanos.

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g ~ a sideraqio o sentido geral do trecho (contexto). I3 a ~ ~ e do contexto (112), regra fundamental de interpretaqso. Ela nos obriga a ler o treoho todo, antes de nos utilizarmos de uma de suas frases; proibe-nos, em um trabalho moderno, de amontoar citaqo"es, isto 6, fragmentos de frases arrancados de uina passagem, da qua1 ignoramos o sentido especial dado pel0 cont e x t ~ .(113) . , Estas regras, se f6ssem aplicadas (com rigor, cohstituiriam um m6todo exato de interpretaqio, que nio deixaria nenhuma possibilidade de erro. Exigiriam, contudo, um tempo enorine, para .hem serem aplicadas. Imaginemos que trabalho imenso seria precis0 para ldeterminar, por uma operaqgo especial, o sentido exato de cada palavra, na lingua do tempo, do pais e do autor, assim como no contexto. Todavia, C o trabalho que exige urna traduqio bein feita e que se executa com fidelidade para algu~nasobras antigas de grande valor literirio; para a massa geral dos documentos hist6ricos o process0 usado, na prittica, C o abreviado. Nem t6das as palavras est5o igualmente sujeitas a mudar de sentido; a girantde maioria delas cunserva, em todos os autores e em t6das as &pocas, urn sentido mais ou nlenos uniforn~e. Podemos, pois, contentar-nos com estudar, especialmente, apenas as express6es que, por sua natureza, estio expostas a assumir sentidos virios : lo as frases feitas, que, depois de fixadas, nio evolvem do mesmo modo que as palairas de que sZo c ~ m postas ; 20 e de nlodo principal, as palavras que designam coisas sujeitas, por sua natureza, a evolver : classes de homens (miles, colonus, servrts) ; instituiq6es (convent.us, justitia, jzbdex) ; (1 12) Fr~stelde Coulanges assim a formula : " Nunca deveinos isolar as palavras de seu contexto, pois correriamos o risco de enganac-nos cluanto 6 sua si,mificaqZo ". (Monan-chie franqzw, p. 228, i1.O 1 ) . (113) Eis como Fustel de Coulanges condena esta pritica: " NPo me refiro aos falsos eruditos que citam de segunda m5io e quando muito, se limitam a verificar se a frase que viram citada se encontra realmente no lugar indicado. Verificar as cita~6ese ler os trechos sPo coisas inteiramei~tediversas e as duas opera~Besconduzem quase sempre a resultados opostos ". Revue des questions historiqzhes, 1887, t. I . - V., tamben~,. (I'Alle?h.,, p. 172-198) a l i ~ I odada a Glasson, a prop6sito da teoria da comunidade das terras; C a discuss50 de 45 citaCBes estudadas em f u n ~ 5 o do contexto, pa.ra demonstrar que cenhuma tern o sentido que lhe atribui Glasson. Podemos comparar a resposta: Glasson, les Comm.unazcx et le domaine rural d 2'6poque franque. Paris, 1890.

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usos (privilCgios, eleiqBes) ; seniimentos, objetos usuais. Seria imprudente, em relaqgo a t6das estas palavras, presumir fixidez de sentido. E' uina precauqio indispensivel assegurarmo-nos do sentido em que sLo tomadas no texto a interpretar. ''Bstes estudos de palavras, afirma Fustel de Coulanges, t t m grande importiincia na citncia hist6rica. Urn termo ma1 interpretado pode ser a fonte de grande erros".(ll4) Realmente, bastou a iste autor aplicar metodicamente a critica de interpretasgo a uma centena de palavras, para renovar o estudo dos tempos merovingios. IV - Depois de termos analisado o documento e determi>nadoo sentido literal das frases, n50 estamos ainda certo~sde havermos apreemdido o verdadeiro pensamento do autor. Pode ocorrer que &le tenha tomado certas express6es em sentido figurado; isto zcontece de Tarios modos diferentes: pela alegoria ou pel0 sinzbolo, pela fackia ou pela mistificaqgo, pela alusio ou pelo subentendido, ou, ainda, por outras simples figuras de linguagem (metiforas, hi@rboles, litotes). ( I 15) Em todos tstes casos, C preciso ir alem do sentido real, que o autor voluntariainente &ssimulou. A questio, do ,pcinto de vista 16gic0, apresenta certas dificuldades: n5o existe um criterium exterior fixo para ldeterminar cam seguranqa um sentido figurado; a pr6pria es&ncia da mistificaqgo, que no skulo X I X se consagrou como um g6nero literirio, C apagar todos os indicios capazes de a denunciar. Na pritica, estamos moralmente convencidos d e que um autor nunca enlprega o sentido figurado, quando o seu principal objetivo 6 ser coinrpreentdido; corremos, pois, o pouco risco de o encontrar nos document~soficiais, nas cartas, ou nas narra@es hizt6ricas. (114) Tdda a originalidade de Fustel r e p u s a em sua critica de interpretaqPo; njio realizou Cle, pessoalinente, nenhum trabalho de critica Pxterna e sua critica de sinceridade de exatid50 foi prejudicada por uin respeito pelas afirrnasaes dos antigos, que ia at6 5 credulidade. (115) Uma dificuldade paralela se apresenta na interpreta~zodos movimentos figurados; nein t6das as representacces devern ser tomadas " ao pk da letra". Darius, no monument0 de Behistoun calca aos pks os chefes vencidos; C uma metsfora. As miniaturas da idade-media mostram personzge~~s deitados no leito, corn uma coroa na c a b e ~ a ;6 o sirnbolo de seu sangue real; k evidente que o pintor nem de longe pensou em derr~onstrarque tles dormissem de coroa.

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INTBODUSKO . El11 cada caso, porem, a forma geral do documento peimite presumir se est6 Cle ou nfio escrito ern sentido literal. h e m o s , ao contrsrio, estar vigilantes quanto ao ser~tido figurado, semlpre que desconkiemos ter o autor outras preocupaq6es dem da de ser compreenclido, ou verifiquemos que ele escreve para um pGLblico wpaz de entender suas alus6es e subentendidos, ou, ainda, q u a d o se dirige a iniciados (religiosos ou literatos) aptos a entenderem seus simbolos e suas figuras de linguagem. fi o caso dos textos religiosos, das cartas privadas e de t6das as obras literirias, que formam ulna grande parte dos documentos s6bre a antipidade. For isso a arte de reconhecer e de d&erminar o sentido oculto dos textos $eve sempre urn lugar de destaque na teoria da hermen2utica (116) (nome grego da critica de interpretaqso) e na exegese dos tezctos sagrados e dos autores clAssicos. 0 s diferentes modos de substituir um sentido literal por urn figurado s5o tfio variados e dependem de tantas condiq6es individuais que nfio Eoi ainda possivel fixar regras gerais para determinar essas su'bstituiq6es. S6 uin principio universal nos C licito formular: quando o sentido literal 4 absurdo, incoerente ou obscuro, ou, ainda, contririo +s idCias do autor, ou aos fatos que dele conhecemos, devemos presumir o sentido figurado. Para determinlar b t e sentido Idevernos proceder do inesmo mod0 que para estabelecer a lingua de um autor: comparamos as passagens, cujos trechos supomos escritos em linguagem figursda e procuramos descobrir se nZo haveri urn que pel0 seu contexto, nos permi'ia decifrar-lhe o sentido. Um e x e q l o cklebre d k t e process0 6 a descoberta do sentido aleg6rico da Besta. no Apocalypse. Mas como n5o existe um mgtodo seguro de soluq5o nfio temos o direito de afirmar que descobrimos t6das as intenq6es ocultas ou apontamos t6das as alus6es contidas no texto; e mesmo que acreditAssemos haver descoberto o sentido verdadeiro de uma expressHo, seriamos ~rudentesem nfio tirar conclus6es de uma interpretaqfio puramente conjectural. Inversamente, 6 precis0 evitar ver em t6da parte um sentido aleg6ric0, como os neoplat6nicos fizeram com a obra de (116) A. Boeckh, Encyclopaedie und Methodologie der philologischen Wissenschaften (1886) apresentou uma teoria da hsrmene^utica ii qua1 E. Bernheim limitou-se a fazcr refersncia.

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Plat50 ou os swedenborguianos com a Biblia. JB nos libertamos da hiper-herdneutica; mas Icjonvenl estarmos vigilantes contra a tendcncia de procurar aluls6es en1 tbda parte. Esta esp6cie de pessquisa, sempre conjectural, traz muito mais satisfaq6es de amor prhprio ao int4rprete d o que resultadob liteis & hist6ria. V - Quando, finalmente, obtivemos o verdadeiro sentido do texto; estA cmcluida a operaqfio de anAli.se positiva. 0 ,resultado C das a conheces as concefislies do autor, as imagens que Ihe povoavam o espirito, as noq6es gerais que the mode'Iavain ulna representaqfio pessoal do mundo. DCste modo atingimos as opini6esJ as doutrinas, os conhecimentos. Um sem-nlimero e infarmaq6es preciosas se aglm~erampara cohstituir urn grande grupo das cisncias hist6ricas (117) : as hist6rias das artes figuradas e das literaturas - a hist6ria das cisncias, - hist6ria .das doutrinas filos6ficas e morais - a mitologia e a hist6ria dos dogmas (i8n~propriarnente denominadas crenqas religiosas, pois o que se estulda s5o as doutrinas oficiais, sem a preocupaqfio de saber se elas s5o ou nfio cridas), - a hist6ria do direito, a hist6ria das instituiq6es aficiais (sem a indagaqfio de como se realizaram na pritica) - o conjunto das lendas, tradiqGes, opinitjes, concepq6es populares (chamadas imprecisamente crenqas) que se eilf eixam no nome genkrico ,de f olclore. Todos Cstes estudos exigem apenas a critica externa de proced,6nciaJbem como a critica de ii1terpretaq50 ;. requerem u n ~ grau de elaboraqfio menor que a hist6ria dos fatos materiais; por isso, constituem-se mais rapidamente num todo met6dico e . . ordenado.

(117) 0 metodo para, das concepq6es, extrair informa~6esreferentes aos fatos exteriores, faz parte da teoria do raciwinfo construtivo, v. limo 111.

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INTRODU~~O AoS

CRfTICA INTERNA NEGATIVA D E SINCERIDADE E D E EXATIDAO I - A an,Slise e a critica positiva de interpretagiio apenas atingem o trabalho interno que se processou no espirito do autor e n5o fazem corihecer inais que as id,&as que 6ste expendeu. Nsda ensinam d.iretarnente an relaq50 aos fatos exteriores. Mesmo no caso em que 6stes hajam sido observados pelo autor, seu texto in,dica somente como Cle os quis representar e n50 conlo ile iLealmen,teos viu e ainda inenos conlo iles realmente se passararn. 0 que urn autor exprime niio C forgosanlente o que acrediatou, poque pode ter mentido; o que acreditou n6o C forqosamente o que existia, por~quepode ter-se enganado. G t a s .proposiqks siio evi,dentes. Todavia, a m p r k e i r o impulso natural nos. leva a acei,tar como verdadeira qualquer afirmagiio contida em urn documento, o que equivale a -ad,mitir implicitarnente que nenhum autor haja mentido ou sido vitima de engano; e somos forqados a reconhecer que esta creduli.dade espoilt2nlea C inuito poderosa a ponto de persistir sempre, apesar da ex'~ri&ncia qucrtidiana, que nos exibe inumerkveis casos .de b r o e de inentira. A prktica obrigou os historiadores a refletir, pondo-os em presenqa de documentos que se contradiziam uns aos outros ; em face .diste conflito foram iles iilexoravelmente impulsion ~ d o spara a dGvida e, depois .de exames acurados, forqados a admitir o &rro ou a mentira; assim se h p 6 s a necessidade da critica negativa, para afastar as afirmag6es manifestamente n~entirosas ou err6neas. Mas o . i.nstinto de confimga C t50 indestrutivel que at6 hoje tem impedido m,esmo os especialistas em assuntos hist6rir-os a erigirein a critica interna das afirn~aq6es em mCtodo regular, como j6 fizeram 'para a critica interna d.e procedencia. 0 s histoi-iadores, em seus trabalhos, e mesmo os teSricos do mCtodo hist6rico (118), ainda se agarram a nogdes vulgares e fbrmulas vagas em vigoroso contraste com a termi(118)

Por exemplo, de Smedt, Tardif, Droysen e, meslno, Bernheim.

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nologia precisa d a critica das fontes. Limitam-se a examiilar se o autor foi em geral contemporrineo dos fatos e se diles foi testemunha ocular; se foi sincero e bem infornzado, se soube a verdade ou se a quis dizer; ou resumindo tudo em f6rinula, se C digno de f i . Esta critica superficial vale, certamente, muito mais que ii ausincia de critica e teln bastado para dar aos que a praticam conscii?ncia de uma superioridade incontestAve1. Mas, a rigor, niio passa do meio term0 mtre a crdulidade vulgar e um mCtodo cientifico. Aqui como em qualquer ci2ilcia, o ponto de partida deve ser a dGvida metbdica. (119) Tudo que niio est8 provado deve permanecer provisoriarnente em estado de dGvida; para afirmar uma proposiqiio C necessArio aduzir 0s argumentos que a tornem crivel. Aplicada As afirmaqdes de documentos a dlivida metbdica se transforma em desconfian~amto'dica. 0 historiador d.eve, a priori, descoafiar de qualquer afirn~aq50 :de um autor, porque Ale n5o sabe se ela 6 men*irosa ou err6nea. .Deve admiti-la coino mera presunqiio. Aceit6-la e repeti-la em seu nome C declarar -irnplicitamente que a considera como verdade cientifica. Isto constitui um fato decisivo e nenhum historiador tern o direito de o fazer sern que muito fortes razdes lhe assistam. Mas o e s ~ i r i t ohumano C de tal mod0 construido que tal fato ocorre sem que seu autor dile se aperceba (Cf. liv. 11, cap. I ) . 'Contra esta tendgncia perigosa o critic0 s6 tem um process0 de defesa. Para duvidar, nHo esperar que uma contradiqiio se apresente entre as afirmaqbes dos documei~tos,mas ldeve corvueEar por duvidar. N'unca deve esquecer a disthcia entre a afir;ma@io d e um autor, qualquer que ile seja, e uma ver- B dade cientificamente estabelecida, de modo a ter sempre conscicncia absoluta d a responsahilidade que assume quando reproduz uma afirmaqiio. Mesmo depois de nos termos decidido, em principio, a praticar esta desconfian~aantinatural, tendemos instintivamente a dela nos afastar a Ada momento. Nosso impulso natural C fazer. em bloco. a crfica de tMa a obra d e um autor ou d e um documento considerado no seu todo. Depois estabelecemos unla classificaqiio simplista, em que, de um lado, figuram os autores (119) Descartes, por viver em urn tempo que a hist6ria consistia, aindn. ern r~prcduzirnarmqbes anteriores, n90 *riu cnmo 2 ela aplicar a dGvida met6dica; recusou, mesmo, reconhecer-lhe o carhter de ciencia.

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dignos de fC ou de bons documentos, e, de outro, os autores suspei,tos ou os maus documentos. Isto feito, depois de havermos esgotado tbda nossa capacidade de desconfianqa, reproduzimos sem discuss50 t a a s as afirmaqo'es do "bom documento". Consentimos ern desconfiar de Suidas ou de Aimoin, autores suspeitos, mas afirmamos coino verdade indestrutivel tudo o que afirlnou Tucidides ou Gr6goire de Tours. (120) Aplicamos aos autores o procedimento judiciirio que classifica os testemunhos em aceitkveis e inaceitheis: ulna vez que aceitalnos urn testemunho sentimos-nos obrigados a admitir tddas as suas afirmaq6es; admitimos tudo que nos C dito a n5o ser que fortes razo'es para duvidar nos sejam apresentadas. Instintivamente tomamos o partido d o autor que aceitanzos como recomendkvel e chegamos como nos tribunais a dizer que o "dnus da prova" cabe a quem recusa um testemunho tido por bom. (121) A express50 authtico, tonlacla da linguagem judiciiria air,da aumenta a confus5o; refere-se ela tZo-somente $ procedincia (.120) 0 pr6prio Fustel de Coulanges n'io conseguiu vencer esta Limidez. A prop6sito de um. discurso atribuido a Clovis por Gr6goire de Tours, diz Cle: " N l o 6 possivel que tais palavras tenham sido realrnente pronunciadas. Mas n%o devemos, afoitamente, contra Gregoire de Tours, afirmar que n'io tenham sido ditas.. 0 mais prudente 6 aceitar o texto de GrCgoire." Monuschie franque, p. 66. 0 mais prudente, ou, melhor, ii 6nica posir$io cientifica C confessar que nada sabemos das palavras de Clovis, porque o pr6prio GkCgoire a s desconhecia. (121) Um dos historiadores da antiguidade lnais argutos em critica, Ed. Meyer, Die Entsfehung des Judenthums, Halle, 1896, in-8, ainda agora acaba de invocar Cste estranho argument0 juridic0 em favor d a s narra~ 8 e de s Neliemias. BouchC-Leclercq, em um intzressmte estudo intitulado "Le r4gne de Seleucus I1 Callinicus et la critique historique" (Revue des U9zive.l-sitks dz' Midi, abril-junho de 1897), parece, como reac'ao contra 2 hipercritica de Niebuhr e de Droysen, inclinar-se tambem para uma teoria anklogz. " Sob pena de cair no agnosticismo -.que para ela equivale ao suicidio ou na fantasia individual, a critica hist6rica deve dar uma certa dose de fC aos testemunhos que n%opode controlar, desde que n%osejam nitidamente contraditadospor outros de igual valor. " Bouch6-Leclercq tem razLo contra o historiador que "depois de haver recusado todos os testemunhos,. pretende tomar-lhrs o lugar e ver, pelos olhos dtles, coisa Ora, quando os " testeinteiramente oposta ao que Oles pr6prios viram i~lunhos? n'io bastam para dsr a conhecer cientificamente um fato, a ilnica atitude correta 6 o "agnosticismo", isto 6, a confiss'io de nossa ignorlncia; n l o temos o direito de escamotear esta confiss'io pel0 fato tle o zcaso ter feito desaparecer os documentos que contrariam Cstes testemunhos.

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e nZo ao conteudo ;dizer que um documento C autentico C afirmar exclusivamente que sua procedCncia C certa, nLo que seu conteu'do C exato. Mas a autenticidade produz urna impress50 de respeito que nos predisp6e a aceitar o conteudo sem discuss50. Julgamos que duvidar das afirnlaqo'es de um dacumel~toautkntico repercutiria como ato de presunq5o OU,pelo menos, nos crernos obrigsdos a s6 inquin~rde falso o testemunho de um autor diante de provas esmagadoras. I1 - G precis0 resistir metodicamente a istes instintos naturais. Um document0 (e coin maior raz5o a obra de um autor) n5o forma um bloco; Cle se comp6e de grande nGmero de afirmaq6es independentes, das quais algumas podem ser mentirosas ou falsas ao passo que as outras godem ser sinceras, e exatas. Cada urna 6 hprodutode uma operaq50 independente que ode ter sido correta ou incorretamente feita. N5o 'basta examin~rmos em bloco um documento, mas devemos examinar separadamente cada ulna, das afirmaq6es nile contidas; a critica s6 pode ser feita pela anilise. A critica interna funda-se, pois, em duas regras gerais: I ,:$

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1.O) Uma verdade cientifica n5o pode ser firmada pelo testevnunho. Para a4irrnar urna proposi@o C necessiirio que haja raz6es especiais que a faqarn admitir como verdadeira. Pode acontecer que a zfirmaqiio de um autor seja, em certos casos, urna raz5o suficiente; mas n5o podemos saber isso por antecipaq5o. A regra, pois, consiste em exawkarmos cada afirmaq50 para nos certificarmos de que ela C de natureza a constituir urna razgo suficiente para ser crida. 2.O) A critica de urn documento n5o pode ser feita em bloco. A regra consiste em analisarmos o documento em seus elementos, para separarmos tBdas as afirmaq8es independentes, de que 21e se compGe, e examinarmos cada urna separadamente. Frequentemente urna finica frase contem vkias afirmaq8es. 'Devemos isoli-las para criticS-las urna a uma. Em urna venda, por exemplo, devemos distinguir a data, o lugar, o vendedor, o comprador, o objeto, o preqo e cada urna das estipuIaqSes. Critica e anAlise fazem-se, na prAtica, ao mesmo tempo e, exceto os textos de lingua dificil, podem ser feitas juntamente Logo que tenhan~os coin anblise e a critica de interpretaq50.

I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

c ~ m ~ r e e n d i duilla, o fi-ase, analisruno-la e fazemos a critica de cada um de seus elementos. Dir-se-b que a critica consiste, Eogicamente, em um nlimero enorme de operaq6es. Descrevendo-2s com a minlicia necessbria para tornar compreensivel o mecanismo que a s anima, betn conlo a raz5o d e ser d e cada uma, damos a impress50 de que mergulhamos em um processo demasiado lento para ser praticado. l3 a mesma impress50 inevitbvel que produz t6da descriq50, pela palavra de um ato complexo na prbtica. Comparemos o tempo necessirio para descrever um movimento de esgrima e para executA-lo; comparemos a extens50 d a grambtica e do dicioii,irio com a rapidez d a leitura. Como qualquer arte pritica, a critica consiste no habit0 de certos atos; durante o aprendizado, antes da aquisiqso do hibito, somos forqados a pensar separadamente cada ato ankes de o realizar, decompondo-lhe os movimentos; d&ste modo, executamo-10s lenta e penosamente; mas, con1 a aquisiqgo do hilbito, os atos, que se tornaram instintivos e inconscientes, s5o fbceis e rbpidos. N5o se inquiete, pois, o leitor, com a lentid50 dos processos da critica e verb mais adiante con10 &les se abreviam na prhtica. 111 - Eis con10 se apresenta o problema da critica. Dada urna afirmaq50, proveiliente de um homem a quem ngo viinos operar, e dependendo o valor da afirmaq5o exclusivamente cia maneira pela qua1 Cste homem operou, determinar se as opeI-aq6es que realizou foram corretainente conduzidas. A simples prolpositura do problana nos mostra que n5o podemos esperar nenhuma soluq5o direta e definitiva; faltarlhe o dado essencial, que seria a maneira pela qua1 o autor operou. A critica adstringe-se, pois, a soluq6es indiretaa e provis6rias e se linlita a fornecer dados que exigem urna elaboraq50 ulterior. 0 instinto natural nos compele a julgar o valor de urna assei-tiva em funq5o de sua forma. Supoinos saber, ~ ' p r i m e i r a vista, se um autor C sincero ou se a narraq5o C exata. 13 o que se chama o "sinal de sinceridade" ou a "impress50 de verdade". 1E' urna impress50 irresistivel, mas n5o passa de urna ilui5o. Nenhum critCrio exterior existe para verificar a sinceridade ou a exatidso. " 0 sinal d e sinceridade" C a apar6ncia da convicqa'o: um orador, um ator, um hbbil mentiroso o ostentam mais facilmente, ao mentir, do que o homem indeciso quando diz aquilo que cr6. 0 vigor da a f i r m a ~ 5 onem sempre prova o vigor da convic~Ho. mas apenas a habilidacie ou a a11ci5-

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cia. (122) D o mesmo mod0 a abundgncia e a precis50 dos pormenores, ernbora deixem viva impress50 nos leitores desavisados, nunca podem garantir a exatid50 dos fatos (123) ; apenas nos ajudam a concluir quanto a o grau de imaginaq50 do autor, quando C sincero, ou quanto A extens50 do seu descaranlento, quaildo insincere. Em presenqa de urna narraq5o circunstanciada costumalnos dizer : "coisas d b t e gcnero nZo se inventam". X? certo que n5o se inven,tam, mas transportam--se facilmente de um personagem, de um pais, ou de um tempo, a outro. Nenhum cariter exterior de urn documento, portanto, deve ser desprezado pela critica. 0 valor das afirmaq6es de uin autor depende, unicamente, das condiqbes em que Cle operou. S6 de um meio disp6e a critics para atingir seus objetivos : examinar essas cmdiq6es. Mas n5o se trata de reconstituir tbdas; basta responder a esta pergunta: o autor operou corretamente ou 1-60! A quest50 pode ser atacada d e dois mcdos. 1) Quase sempre, pela critica d e procedCncia, conhecemos as condiq6es gerais em que o autor operou. l3 provhvel que algumas delas tenharn influido sbbre cada urna d e suas operaq6es particulares. Devemos, portanto, comeqar por estudar as informaq6es que possuimos, referentes ao autor e Q composiq50 do documento, com a preocupaq50 d e procurar nos hiibitos, nos sentimentos e na situaq50 pessoal do autoi-, ou nas circunsthcias da composiq50, todos os motivos que o possam ter inclinaao a proceder incorretamente ou, ao contrario, a proceder com correq5o excepcional. Para apreender Cstes motivos possiveis t indispensivel que a atenq5o para Cles se volte antecipadnnzente. Q Gnico processo 6, pois, elaborar um questiondrio geral das causas d e incorre~50e aplica-lo Qs condiq6es gerais (122) As Mem6rias de Retz nos dPo, a &ste respeito, urn exemplo convincente : 6 a anedota dos fantasmas encontrados por Retz e Turenne. 0 editor de Retz, na colecPo dos Glandes Escritores de Franca, A. Feuillet, demonstrou, t. I, p. 192, que esta histbria, contada t%ovivamente, nPo passa de uma mentira do princlpio ao fim. (123) Urn born exemplo do fascinio que pode exercer uma narrac50 circunstanciada 6 a lenda das origens da Liga dos tr&s cantBes suiqos primitives (Gessler e os conjurados de Griitli), que foi fabricada no sCculo XVI por Tschudi, tornou-se clkssica a partir da publicacIo do " Guilherme Tell ", de Schiller e que tanto trabalho tem dado para ser estkpada. (V. Rilliet, Origines de la Confkdkntion S ~ i s s e , Genebra, 1869, in-8).

I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

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de composiq50 do documento, para descobrir as que foram capazes de tornar as operaq6es incorretas e viciar os resultados. Mas dtste mod0 s6 conseguirernos obter - mesmo nos casos excepcionalmente favor&veis, em que as condiq6es de procedencia sejan~ suficientemente conhecidas - meras indicaq6es gerais, insuficientes para a critica, porque ela deve sempre operas s6bre cada afirmaq5o particular. 2 ) A critica das afirmaq6es particulares s6 se pode realizar por u n ~Gnico processo singularmente paradoxal: o estudo das condiq6es unive~saisde compsiq5o dos docummtos. As informaq6es que n50 puderam ser obtidas pelo estudo geral d o autor devem ser fornecidas .pel0 conhecirnenrto dos processos necessirios do espirito huinano, porque Estes, sendo universais, encontram-se forqosamente, em cada caso parti~u~lar.Sabernos em que casos o , h m e m em geral C inclinado a alterar voluntariaTrata-se de exarninar, para mente ou a deforinar os fat-. cada afirmaf50, se ela se enquadra em um dos casos em que 6 possivel esperar, segundo os hibitos normais da humanidade, que a operaqiio tenha sido fei,ta incorretainente. 0 procedimento ,pr6tico ser& daborar um q u e s t i o ~ r i odas causas habituais de incorreqzo. DQte modo, tbda a critica se reduz a elaborar e preencher dois question6sios - um, referente A s condiq6es gerais de cornposiq5o do documento, das quais resultam os motivos gerais de desconfianqa ou de confianqa - outro, referente As condiq6es especiais de cada afirmaqgo, das quais decorrem os motivos especiais de desconfianp ou de confian$a. Bste duplo question6rio deve ser redigido prdiminarmente, de modo a orientar metodicamente o exame do documento em geral e de cada afirmaqzo em particular. Ora, como ele C o mesmo para todos os documentos, C util formulb-lo uma vez por t6das. IV - 0 questionArio critic0 encerra duas sCries de questbes, que correspondem As duas d r i e s de aperaq6es pelas quais o documento se constituiu. -4 critica de interpretaqso db a conhecer, e>:clusivamente, o que o autor quis dizer. Resta detern~inar: 1) o que &le realmentte acreditou, porque pode n6o ter sido sincero; 2) o que Gle rea1,mente soube, pm-que pode ter-se enganado. Podemos, portanto, distinguir uma critica de sinceridade, ldestinada a determinar se o autor do documento n5o menitiu e uma critica de exafidiio, destinada a determinar se Ole n5o se enganm.

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N a prhtica, s6 muito rarainente temos necessidade de saber o que um autor acreditou; a 1150 ser que pretendamos fazer um estudo especial de seu carAter, o autor nHo nos interessa diretamente, pois n5o passa de um intermedi6ri0, de que nos servimos para alcanqar os fatos exteriolres que nos narra. - '0 objetivo da critica C determinar se o autor apresentou Estes fatos com exatidso. S e nos deu infomnaq6es inexatas, pouco importa que a causa tdisso tenha sido a meptira ou o 4rro; complicariamos inutilmente a opera@o procurando distinguir os motivos. Como, na p~&tica,n5.o h5, necesslidade de fazer separadamente a critica de sinceridade, o mais aconselh6vel 6 abreviarmos o trabalho reunindo em um Gnico question5,rio todos os motivos de inexatidso. Mas ser6 mais claro expor separadamente, em duas sCries, as quest6es a considerar. A primeira sCrie servir6 para esclarecer se h6 al,gum inotivo para desconf iarmos cia sinceridade da af irrnaq5o. Perguntaremos se o autor se encontrava em uma das condiq6es que normalmente inclinam u m homem a ser insincere. Cumpre-nos indagar quais s5o essas condiqks, d e m d o geral para o conjunto de urn documento, d e mod0 particular para cada u r n das afirn1aq6es. A rasposta C a experi2mia quen: nos d6. T A a mentira, grande ou pequena, tern por causa a intcnq5o particular d o autor de produzir em seu leitor uma impress50 particular. 0 question6rio reduz-se, assim, a uma dista das intenq6es que, em geral, podem c o n d ~ z i rum autor B mentira. d Eis os casos inais importantes. 1 . O caso: 0 autor visa a uma vantagem pr6tica; pretende enganar o leitor do do cum en to para leT$-lo a um ato, WI para d6le afast5,-lo; d6, conscientemente, uma informaqzo falsa. Dizemos, ent60, que o autor tern intertsse em mentir. G o caso da maioria dos atos ~f~iciais.Mesmo nos documentos que n5o foram redigidos por urn motivo prAtico, tbda informaqgo interessada corre o risco de ser mentirosa. Para determinar quais sejam as informaq6es suspeitas, cumpre-nos indagar q ~ ~ teria al podido ser o objertivo do autor, em geral, ao escrever o conjunto do documento e, e m particular, ao redigir cada uma das afirmaq6es particulares que o comp6en1. Mas devemos resistir a duas tend6ncias naturais. - U m a C procurar o i n t e r h e que teria o autor em mentir, o que nos levaria a procurar o inter b s e que na's teriamos tido, se estiv4ssemos em seu lugar ; muito ao contr6ri0, devemos indagar qua1 o interesse que o pra'pvio

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que 115.0 queriain aceitar o cargo, por se julgarein indigk~sdile; pela conzparaqiio .de virios casos semelhantes ficou pateilte q t e se .tratava cle simples f6rmula protocolar. Todavia, ainda hoje existem eruditos que procedem como os Beneditinos do sCculo X V I I I , cuja preocupaq5.o era procurar nas f6rmulas das chancelarias de um principe informaq8es relativas A Sua piedade ou A sua liberalidade. Para reconhece~1ilosestss f6rmulas sociais, devemos proceder a dois estudos simultii.neos: um, dedicado ao autor, para sabermos a que espCcic d e phblico s e ldirigia, visto que em um mesino pais h& ordinariamente vGios piiblicos superpostos, ou justapostos, cada qua1 com seu c6digo de moral, ou de inter6sses diversos dos demais; outro, dedicado ao pfiblico, para saberinos em que consistiam seus costumes e sua moral. 6 . O caso: 0 autor procurou agradar o piiblico por meio d e ar.tificios literirios, deformando os fatos para os tornar rnais belos, segundo sua c o n c ~ 5 . ode beleza. Devemos, ent50, descobrir o ideal do autoc, ou de seu tempo, e desconfiar das. passagens que possam ter sido adulteradas em beneficio dOsse ideal. Podemos prever o s g6neros habituais debdeformaq50 literiria. - A deformaq5o orat6ria consiste em atribuir aos personagens atitudes, atos, sentimentos e principalmente palavras nobres ; 6 es,ta uma disposiq50 natural nos moqos que se iniciam. nQ arte d e escrever e nos escritores meio riisticos: 4 a caracteristica comum dos cronistas da idade-rnCdia. (126) - A deformas50 Ppica einbeleza a narrgqgo, acrescentando-lhe pormenores pitorescos, discursos atribuidos aos personagens, algarismos e, por vezes, at6 nomes d e personagens ; por isso torna-se perigosa. pois a aparente precis50 de minhcias dS a ilus5o da verdade. (127) - A deformaq5.o dramatics consiste ern agrupar os (125) 0 pr6prio Fustel de Coulanges foi procurar, nas f6rmulas das inscricges em honra aos imperadores, a prova de que o regime imperial era do agrado do povo. "Lendo as i n s c r i ~ k s ,vemos que os sentimentos nelas manifestados sPo sempre os de quem teve seus interhses satisfeitos e est5 reconhecido . . Const~ltemosa cole~Pode Orelli. As expressBes que mais frequentemente ai se encontram 50.. . " E a enum e r a ~ 5 odos titulos de respeito dados aos imperadores ;:mina con: tste aforisma desconcertante : " Seria conhecer ma1 a natureza humana acreditar que, em tudo isto, s6 existia adula~Po". - NPo hi, realmente, s6 adula~%o, mas tambem f6rmulas vszias. (126) Suger, na Vie de Louis VI, 6 um modtlo do ghero. (127') Tschudi, Chronic~cmHelveticum, 6 um exernplo digno de m~.nc%o.

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INTRODU($O

AOS ESTUDOS

HIST~RICOS

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fatos para aumentar-lhes a fbrqa de drainaticidade, concentrando em um s6 momento, um s6 personagem, ou um s6 grupo, fat,os que deveriam ser considerados dispersainente. Dos autores que assiin pi-oceclem dizemos que pretendem "ser mais verdadeiros que a verdade". S esta a deformaq5.0 inais perigosa, porque provem de escritores artistas, como Herhdoto, TAcito ou os histoi-iadores italianos d o Renascimento. - A deformaqSo lirica exagera os sentimentos e as emoqBes do autor e de seus amigos, para fazblos parecer mais intensos; encontramo-la nos estudos que re tend em reconstituir "a psicologia" de- uin personagem. A deforinaq5.0 li,terAria quase nbo aparece nos documentos de arquivo (einbora exista na maioria das cartas do s&culo X I ) ; altera, porem, profundamente, todos os textos literkios, inclusive as narraqBes dos 'historiadores. Ora, nossa tendcncia natural 6 acreditarinos, d e boa mente, nos escritores de talent0 e admitii-mos com mais facilidade uma afirmaqiio que se apresenta em forma elegante. Contra esta tendellcia deve reagir o critico, a quell1 imumnbe obsei-var m z p r e esta regra paradoxal : quailto mais uma afirmaq5.0 C interessante, do ponto de vista artistico, tanto illais raz6es haveri para ser posta em diivida. (128) >Devemos desconfiar de t6da narraqSo pitoresca, muito dramitica, ein que os personagens assumen1 atitudes nobres ou manifestan sentiinentos muito intensos. Esta primeira sCrie de quesitos 110s conduzirA a urn resultad0 providrio; coin 21e estamos habilitados a discernir as afirmaq6es que possiveln~ehtesejam inentirosas. V - A segunda sCrie de quesitos servir5 para examinar1110s se existe motivo que nos leve a desconfiar da exatid5.o das afirmaqges. Ter-se-ia o autor encontrado em uma das circunsGncias que conduuen~o homem ao engano? D o mesmo mod0 que procedemos ein mathria de sinceridade, cumpre-nos estabelecer estas condiqBes, e m gm-21, para o conjunto do documento e, em particular, para cada ulna das af irmaqBes. A pritica das ciencias constituidas nos ensinti as cmdic6es do conhecimento exato dos fatos. S6 um process0 cientifico (126) Aristbfanes e Dem6stenes sPo dois exempIos bem elucidativos do poder que tEm 0s grandes escritores de paralisar a critica e perturbar o conhecimento dos fatos. S 6 no fim do sCculo XIX C que se chegou a confessar, desassombradamente, a falta de sinceridade de ambos.

existe para conhecer um fato: a observa~iio; C indispensilvel, portanto, que cada afirmaq50 repuse, direta ou indiretamente, em uma observaq50 e que esta ,tenha sido feita corretamente. Podemos elaboi-ar o questiodrio dos motivos de grro, partindo da expel-iC.ncia, que nos iadica os casos mais habituais d e erro. l o caso: 0 autoi- estava em condiq6es d e obsefvar o fato e julgou tC-lo realmente observado; mais foi impedido no seu intento por algum motivo interior, de que n5o teve consciCncia, como uma alucinag50, uma ilus5o ou ~ u msiinples preconceito. inhtil (e seria tambem impossivel) detq-n-minar qual destes motivos seja o respons&vel pel0 b r o ; ,basta saber se o autor foi levado a observar mal. N5o C possivel saber se uma afirmaq5o particular foi o resultado de uma alucinaq50 ou de uma iluao. Quaildo muito em alguds casos extremos, verific m o s , quer por informaq6es, quer p r cornparaq6es, que certos autores t&n propens50 geral para Cste genera de Crro. Maiores possibilidade~s 116 em saber se ulna afirmaq50 6 fruto de u n ~preconceito. Encontranlos, na vida ou nas obras d e urn auto% o traqo de seus preconceitos dominantes; 6 nosso dever indagar, em face de cada afirmaq5o particular, se ela n5o provem de u,ma id6ia preconcebida do autor, relativa a unla espCcie de honlen8s ou de fatos. Esta indagaq5o se confunde, em parte, corn a que fizeinos relativamente aos motivos da mentira: o interCsse, a vaidade, a simpatia ou a antipatia geram preconceitos que alteram a verdade, tanto quanto a inentira volunt6ria. Podemos, portanto, ater-nos i s questbes j5 propostas para reconhecer a sinceri&dd.de. Uma, porkm, deve ser acrescentada. 1 0 autor, ao fazer urna afirmaq50, nSo teria sido inconscientemente levado a deform&-la, por estar preocupado em responder a uma pergunta3 E' o caso de t6das as afirmnq6es o%tidas por "enquete", interrogat6rio ou question&rio. M e s n ~ ofora dos casos em que o interrogado procura agradar a quem faz a pergunta, amoldando a resposta ao que julga ser do g6sto dCste, deveinos considerar que tbda pergunta, por si mesma, sugere a resposta ; ou, pelo menos, impBe a necessidade de ajustar os fatos a u n ~quadro previamellte fixado por quell1 1150 os viu. Portanto, C indispensivel submeter a uma critica especial cada afirmaq50 obtida por interrogat6rio e esclarecer qual a pergunta formulada e que preconceito poderia ter ela gerado no espirito de quem a respondeu.

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2' caso: 0 p t o i - est6 ma1 colwado para observar. A prktica das cigncias nos ensina as condiq6es d e unla obsmvaq50 correta. 0 observador deve estar situado de forma a ver exatamente; n5o deve ser impelido 3por nenhuln interCsse p-Ltico, nen!hum desejo d e chegar a um resultado determinado, nem deve ter qualquer idCia preconcebida do resultado. Deve tomar suas anotaq6es, no momento exato em que o fato ocorre, con1 uin sisteilla de n o t a ~ 5 opreciso; deve indicar, c m precisgo, o mktodo adotado.. Estas condiqbes, obrigat6rias nas cjCncias de observaqgo, nunca s5o inteiramente satisfeitas pelos autores de documentos. Seria, portanto, inlitil indagarmos se houve possibilidades de incorreqbes ; semprc as h.d (e 6 isto, justamente, que distingue u n ~documento, , de unm observa~Eo). Resta-nos, apenas, indagar as causas evidentes de Crro nas condiq6es de observaqgo: se o ohservador estava em situaqSo em que nso podia ver bem, ou n5o podia entender (por exemplo, um subalterno que pretendesse contar as deliberaq6es secretas de um conselho de dignatkios) ; - se sua atenq5o n5o estava quase anulada pela necessidade de agir (por estar em um campo de batalha. v.g.) , ou muito f rouxa por n5o lhe interessarem os fatos ;- se 1-150Ihe faltava experiCncia especial, ou inteligsncia geral, para compreender os iatos ; se nSo analisou mal suas impressbes, nem confundiu fatos diferentes. 0 principal 4 saber quando i3e tomou notas d o que viu ou ouviu: a Gnica observaq50 exata 6 a que C redigida imediatamente depois de ter sido feita; C Cste o Gnico procedimento admitido nas ciCncias constituidas ; uma impress50 notada mais tai-de n5o passa de uma le.wcbranca, sujeita a confundir-se com outras, na mem6ria. A s Mewo'rias, escritas muitos anos depois dos fatos, via de regra, mesmo, no fim da cari-eira cio autor, introduziram na hist6ria inumer6ve'is erros. E preciso erigir em regra o preceito de que devemos tratar as '~newzdriascorn especial desconfianqa, coino documentos de segunda m50, apesar d e sua aparCncia de testemunhos contempor2neos. 3 . O caso: 0 autor afirma fatos que teria podido observar mas que nem sequer se deu ao trabalho de ver. Por preguiqa~ ou negligCncia, forneceu informaq6es que imaginou por conjectura, ou mesmo ao acaso, e qtie verificamos sei-em falsas. Esta causa de Crro, muito frequente, embora d e l a nem sempre nos apercebamos, deve ser suspeitada em todos os casos em que o

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CH.

V.

LANGLOIS

e

CH.

INTRODUCAO

SEIGNOBOS

autor tenha sido obrigado, para satisfazer a uma imposiq50 imediata, a obtei- dados qEe pouco o interessavanl. Incluem-se neste ginero as respostas a perguntas forn~uladas por autaridades (basta ver como se respond en^, hoje, 9s inquCritos oficiais) e as narragBes por,menorizadas de cerimbnias ou atos pfiblicos. -4 tentaq5o de escrever a nlarrativa pel0 prog-ama antecipadamente confheciido, ou pelo procedimei~.tohabitual do 'ato, 6 mtlito forte. Quantos relatos n50 existem, de sess6es d e &ria q & e , purblicados por rep6rteres que a elas absolutamente G o assistiram. Suspeitamos on, nlesmo, acreditamos haver identificado imagi,naq6es anslogas em alguns crot~isfasda idade-media. (129) A regra, portanto, deve ser a de desconfiarmos de narraq6es deinasiado conf ormes a f drmulas.

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0 fato afirmado C de .tal natureza que n%o pode4 O caso: ria ter sido conhecido pela simples wbservaq50. Pode tratar-.se de u.in 'fitto ocdto cpor exemplo, um segredo de alcova) ; ou d e um estado interno, que n5o podenlos ver, como um sentimento, uin motivo, (uma hesitaq5,o interior; ou de uin. fato coletivo llnuito extenso ou duradouro: urn fato cornum a todo um exCrcito, v.g., urn uso comum a todo urn povo ou a todo urn dculo, um dado estatistico obtido pela adiqgo de numerosas unidades ; ou, ainda, de um ju!ganlento de conj~mto,.referente ao cariiter de uln homen~,ou a urn grupo, a urn .us0 ou a urn acmtecimento. 'Tudo isto resulta d a soma de muitas obs.ervq6es: o autor sb poderia ter atingEdo o re~ul~tado final partindo tdos dados resul,tanks das olbservaq6es e ordenados mediante operag6es lhgicas, como a abstraqgo, a generalizaq50, o raciocinio e o cilculo. .Estamos, pois, em presenqa de duas quest6es distintas: os elementos de que dispomos levanl-nos a crer que o autor haja operado com elementos insuficientes? Teria 6le operado incorretamente con1 03. dados que possuia? Coin referincia .As Incorreq6es proviveis de unl autoi-, podemos obter infortnaq6es g-erais; examinando-lhe a obra podemos concluir s . b r e a s u a manei.ra de operar, bem como verificar at6 que ponto era capaz de abstrair, raciocinar e generalizar ; do mesmo modo infoi-:mano-nos dos erros que costumava comecter. - Para estabelecer o valor dos dados, cumpre-nos criticar cada af irrnaq50 em particular : devemos 'figurar as condiq6es em que se encontrava o autor e verificar se p6de obter os dados '

(1129) For exernplo a- narrativa da eleiSLo de OtZo I, nas Gesta

Ofionis, de Witukind.

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necess~riosA sua afirmaqgo. Esta precauq50 6 indispensivel para todos os casos em que entrem grandes nfimeros, ou que se refiram a o s usos de urn povo; porque P possivel clue o autor haja obtido os algarismos por um process0 conjectaral de d l culo (,case ordi.nArio em rela@u ao n h e r o de combatentes, ou de .martes), ou tenha seunido algarismos garciais, dos quais nem todos eram exatos; h6 muitas possi.bilidades, tambem, de que Cle haja estendido a todo um povo, a todo um pais, ou a todo .um periodo, o que deveria ser verdadeiro exclusivainente para um pequeno grupo que ile conhecia. (130) VI - E'stas duas. pri,meiras s&ries ,de indaga~ties,relativas B sinceridade e A e.xatidlo das afir1naq6es do documento, pres.snp6em que o .prCl,prio autor haja observado o fato. - ~ s t a C a c6ndiq5o comurn das observaq6es em t6das as ci6ncias constituidas. Mas em hist6ria a penGria de obsemrago'es diretas, mesmo mediocremente feitas, 6 tHo grande, que nos resignamos em aproveitar documentos que nenhuma outra ciincia aceitaria. (131) Tamernos, ao acaso, uma narraq50, mesmo de urn contemporiineo, e veremos que os fatos observados pelo autor nunca formam mais que uma parte do conjunto. E m quase todo documento, a maioria das afirmaqBes nHo procede& diretamente do autor, mas reproduzem afirmaq6es de outrem. 0 general, ao descrever a batalha que acaba de dirigir, comunica, nso as suas pr6prias observaqeies, mas as de seus oficiais; sua narrativa j i constitui, em grande pa&e, um "documento de segunda mHo." (132)

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AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

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(130) Por exemplo, os algarisrnos referentes 2 popula~20, ao comCrcio ou ? riqueza i dos paises europeus fornecidos p l o s ernbaixadores venezianos do sCculo XVI e as descri~6esdos usos dos Gerrnanos por Tacito. (131) Seria interessante examinar o que ficaria da hist6ria romana ou da hist6ria merovingia se nos restringissernos aos docurnentos que traduzem uma observaq50 direta. (132) Vernos assim porque n2o definimos e estudarnos separadamente o "docurnento de prirneira m i o ". A quest50 foi ma1 proposta, na prPtica, pelos historiadores. A d i s t i n ~ i odeveria consistir nas a,fil*.nzngbes, n%o nos documentos. N5o C o docurnento que C de primeira, de segunda ou de terceira m50, C a afirnmgdo. Aquilo a clue chamamos um " documento de priineira m2o " 6, quase sempre, composto em grande parte de aiirma~Ses de segnnda inio, referentes a fatos que o pr6prio autor ignorava. Chamamos "docurnento de segnnda m20" o que nadn contern em prirneira mio, por exemplo, Tito Livio; mas esta 6, seln dGvida, distin~2odemasiado grosseira para servir de guia na critica das a f irma~Ses.

INTRODUGXO AOS

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Para cr.i,ticar ulna afirmaq50 ,de segunda m50, n5o basta examinar as condiqks em que o autor d o documento opei-ou: este autor 4 apenas. u.m instru.inen,to de transmiss50; o verdadeiro autor da afirmaq5o C o que 1,he forneceu as inf'ormq6es. Devemos pois inverter os elementos na critica, e indagar se o autor da informaq50 ,pi-ocedeu correhrnente; e, na hi,@tese -de tambein iste haver obtido a informaq50 de um terceiro - o que constitui o caso mais' frequente - nosso dever C remontar de intermedikrio at6 chegarmos ao autor original da afirmaq50 para, ent50, verificarmos se Cste foi um lbom observador. Logicanente esta procura d o ob,servador-fonte n5o 2 inconcebivel; as antigas coleq6es de tradiq6es Arabes nos dZo, d:este modo, a cadeia dos sucessivos respons&veis por urna tradiq5o. Mas, na priitica, quase sempre a carencia de dados nos i,mpede de chegarmos at4 o wbservador; a observaq5o paslsa a ser an6nima. Surge, enk50, urna quest50 geral. Que devemos fazer, .para criticar u r n a afirmaq5o anbni~na? N5o se trata i~nicamente.de "documentos anGnimos", cuja redaq5o integral foi fei-ta por n5o se sabe quem-; o problema abrange, t m b e m , o caso de uni autor conhecido, em relaqZo a cada uma das afirmaq6es que fez, mas cuja ;fonte C ignorada. A critica opera, principalmente, pela representago mental das condiq6es .,de trabalhho! do autoi- ; coln referencia a uma informaqso anbnima ela se sente desarmada. Resta-lhe, em tais casos, urn ilnilco processo: examinar as condiG6es gerais do documento. - Podemos examinar se existe um car6ter comum a t6das as afirinaq6es d o documento, denunciador de que t6das provCm .de pessoas dominadas pelas mesmas paix6es ou, pi-econceitos ; neste caso, a tradiq5o seguida pel0 autor C "colorida" ; a tradiq5o de Herbdoto t e n urna cbr ateniense e urna cbr dClfica. -fi precis0 que diante ,de cada um dos, fatos desta tradiq5o indaguemos se nZo foi Cle deformado pel0 intefesse, pela vaidgde, ou por preconceitos de grupo. Procuraremos tambem saber, fazenda abstraq5o d o autor, se Cste n50 teria sido. levado a deformar os fatos, ou, ao contrkio, s e n50 chegaria a observg-10s corretan~ente, conlpelido por um motivo g-era1 e inconscieilte, cornurn a todos os homens .do teinpo; ou do ~ a i ell1 s que foi feita a observaqgo. Exanp1,ificando: quais teriain sido os processos de informas50 e os pi-econceitos dos gregos em relac50 aos citas no tempo de Her6doto. De t%as esta.s indagaq6es gerai,s a mais iltil .C a que se i-ef ere. A transmiss50 das af irrnaq6esb an6ni.m.a~~ denominada '

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ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

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tradi~do. T6da afirinaq50 de seguada m5o s6 tem valor na medida em que reproduz sua fonte; tudo que foi acrescentado constitui uma alteraqgo e deve ser eliminado; igualmente, t6das as fontes intermediiirias s6 valem como c6pias da afii-maqZo original, que resulta diretamente da observaq50. A critica tem necessidade de 'saber se estas transrniss6es sucessivas conservaram, ou deformaram, a afirmaq5o primitiva; principalmente, se a tradiq5o captada no documento era escrita ou oral. A eucrita 4ixa a afirmaq50 e faz que sua transmiss50 seja fiel; ao contrgrio, a afirmaq5o oral C urna impress50 sujeita sempre a 'deformar-se na mem6ria do prbprio observador, de ntistu.1-a corn outras impress6es; ao passar, oralmente, por intermedigrios, eIa se deforma em cada transmiss50 (133) ; ora, como s5o infimeros os motivos capazes de a deforinar, n50 C possivel apontar corn seguranqa, nem corrigir, cada deformaq5o. A tradiQo oral constitui, por sua natureza, urna alteraqzo continua;- por - isso as ci6ncias constituidas s6 admitem a transiniss50 escrita. N,e&uma .razZo t6m os historiadores para procederem de outro modo, pelo menosquando se trata de estabelecer urn fato particular. Devemos, portanto, nos documentos escritos, procurar as a f i m q 6 e s recolhidas ,da ,bradiq5o oral e declar5-las suspeitas. A k t e respeito, nluita dificuldade teremos em abter diretamente inforrnaq6es seguras; p i s os au.tores que se abeberam na tradiq5o oral evitam confess&-lo. (134) 'Teremos de contentar-nos, portanlto, corn um processo iaair&o: provar que n5o poderia ter havido ti-ansmiss5o w i t a , o que equivale a dizer que a transmiss50 se fez oralmente. Devemos, pois, indagar : nessa +oca (a que nps interessa) e new grupo de homens, existia o h&b,ito de consignar poi- escrito os fatos deste g k e r o ? Se a resposta f6r negativa, o fato se reproduziu pela tradiqHo oral. A forma mais coi~lu.mde tradiq5o oral C a lenda. Ela se produz nas agropamentos humanos que s6 p s s u e m - a palavra (133) A defo:-maqlo C muito menor nas impress6es traduzidas em forma regular como versos, mkirnas ou provkrbios. (134) Chegamos a bons resultados, algumas vezes, pela observaq'io da fornza da frzse. Is?o acontecc cluando no meio de narrativas pormcnorizadas, de origem evidenternente lendsria, deparamos uma men~Bo breve e ska, redigida no estilo dos anais, o que denuncia ter sido copiada dc docurnento escrito. B o que acontece corn Tito Livio (v. Nictzsch, Dic r o ~ ~ ~ i s cAnnalistik,. he . . Lcipzig, 1873, in-8) e corn GrCgoire de Tours (v. Tambell, Gteyoron Torrrs. Leipzig, 1S68, in-3).

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V. LANGLOIS

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INTRODUCAO

SEIGNOBOS

coin0 meio de transmiss5o das id6ias ; isto ocoi-re nas sociedades bbrbaras, ou nas classes pouco cultas, coino a dos camponeses o u so1,dados. 0 que ent5o se ti-ansnaite oralmente e assume a forma len.d&ria6 .o conjunto dos fatos. HA, na origem de cada povci, um periodo lendhrio: na Grlkia, em Roma, em todos os 9 .povos germiinicos ou eslavrrs, as .nlais remotas lembranqas do povo formam um rosbrio d e lendas. 0 povo, mesimo nas ,dpocas civilizadas; continua a elaborar suas len.das com os acoa-' tecimentos que o maravilham. (135) A lenda se constitui pela tradiq5.o exclu.sivamente oral. Mesmo depois que um povo saiu ,do periodo lend&-io, f ixando fatos pela escrita, a tradi~qao oral continua; mas seu dominio se restringe: reduz-se a lenda aos fatos n5o registrados, ou cpor bserem secretos em sua natureza, ou porque n5o mei-eqam ser-perpetuados pela exrita como os at09 intihos, as palavras, os pormenores dos aco~tecimentos. fi a anedota. Foi baiizada como "a lenda dos civilizados". Forma-se como a lenda, con1 lembranqas confusas, alus6es, interpretaq6es errheas, imaginaq6es de t6da espCcie, que se fixam em certos personagals ou acontecimentos. No fundo, lendas e anedotas n5o passam de crenqas popum lares, arbitrariamente atribuidas a personagens hist6ricos; pertencem ao folclore, n50 $ hist6ria. (136) Devemos, pois, precaver-nos contra a tentaq5o de considerarmos a lenda como uina associaq50 de- fatos exatos e de erros, de que possamos, pela anblise, separar "parcelas" de verdade histbrica. A lenda ~ O T ma urn bloco em que talvez haja alguma parcela de verdade histbrica, e que pode, mesmo, ser analisado em seus elementos; mas de nenhum meio dispamos para saber se 6,stes provcm d a realidade ou da imginaq5o. T6da lenda C, ssgundo a express5o de Niebuhr "uma miragem produzida por um objeto invisivel, sob o impPrio de uma lei de refraq5o desconhecida". (135) 0 s acontecimentos que maravilham o povo e se transmitem pela lenda nPo s%c, ordinariamente, os que nos parecern mais importantes. 0 s herhis das cansties de gesta $50 ma1 conhecidos historicamente. 0 s contos kpicos da Bretanha n5o se referem aos grandes acontecimentos histhricos, como fazia crer a cole~50 de VillemarquC, mas a obscuros epishdios locais. 0 mesmo acontcce com as sagas escandinavas: referem-se, na sua maior parte, a disputas entre camponeses da IsI%ndia ou das Orcadas. (136) A teoria da lenda 6 uma das partes mais avan~adasda critica. E. Bernheim, (0. c., p. 380-90) resume-a .bem, dando-lhe ainda a biblio-

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AOS ESTUDOS I I I S T ~ R I C O S

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0 nlais t6sco dos processos de anhlise consiste em recusar, em uma narraq5o IendAria, os prmenores que .pl-ecem iinpossiveis, miraculosos, contra'dit6rios ou absurdos e conservar coino hist6rico o residuo razobvel. Assiin agiram os protestan,tes racionalimstas no s ~ c u l ~XVIII, o ao tra!arem das quest6es bilblicas. B o mesmo ,que amputar o .ma;ravil~hosode um c m t o de .fadas, supri:mi.r o gat0 de botas ~para'transformaro .nlarquCs de Carabas en1 personagem hist6rico. - U m metodo mais a p u - , rado, emb,oix igualmemte perigolso, consiste emi com~paeai-as diversas lendas para p6r em evidcncia o fundo 8histb.rico comum. - Grote (137), a propbsito da tradiq5o grega, demonstrou a im.pssibilidade de extrair cia lenda qualquer informaq50 segura (138), seja qua1 f6r o process0 adotado, Devemos, pois, -resignar-110sa confsiderar a lenda como o produto cla imaginaq5o de uin porno; nela lpodenlos buscar as c0ncepq6~s~ do povo, nunca .o's fatos exteriores a que Gle assistiu. A regra, portamto, consiste em recusar t6da afir.w@o de origem IendAria; mas n5o se trata, apenas, d e narraq6es de forifla lendbria; uma narraq5o ,de aparCncia histt6r'i.ca mas fabricada co,m dados extraidos da lenda, coino os prinleiros capitulos de Tucidides, deve ser, tambem, hepudiada. Nos casos de ftrans.miss50 escrita, basta saber se o autor reproduziu a fonte sem. a alterar. Bste tipo de pesquisa pertence 5 crifica das fontes, na medida em que os textos podeim ser cum,parados. Mas quando a fonte desapareceu, a critica interna C a finica possivel. - Devemos indagar, preliminarmenite, se o autor ,teve meios de obter informaq6es exatas, poi.s, em caso contrhrio, nenhum valor terb sua afirmaqio. - Depois, deveinos procurar saber, em geral, se Cle,tinha o hAbito 'de alterar as fontes e em que sentido e, em particular; com re.ferCncia a cada uina de suas.afirmaq6es de segunda m50, se estas podell1 ser aceitas como exatas ou tidas coin0 sim1ples arranjos. Descobrimos b t e s ari-anjos pela forma. Urn trecho vazaclo em estilo estranho, que se destaca do conjunto, 4 um fragment0 de do~cumentoanterior; tanto mais a reprodu~zoC servil, mais o (137) Histoire de la Gri.ce, trad. fr., t. 11. P d e m o s comparar Renan, Histoire du peuple d'Ismi;l; t. I, Paris, 1887, in-8. IntroduqZo. (138) - 0 que nPo impediu Niebuhr de erigir s6bre a lenda romana seferente .$ luta entre patricios e plebeus uma constru~Ioque depois foi precis0 destruir, nem Curtius, cinte anas depois de Grote, de pr0cura.r fatos kist6ricas na lenda grega..

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idades atxirbaras e nos espiritos apaixonados. (139) Manda-nos a prudEncia, portanto, restringir Cste critkrio aos casoj em quc sabemos, com exatidso, qual o conceit0 que o autor f o r n ~ ~ vdo a pGblico para o qual escrevia. 3.a - E r a o fato afirmado indiferente ao autor, de mod^ que nenhum interesse tinha Cste em deformb-lo? B o caso dos fatos gerais, usos, instituiq6es, o'bjetos, personagens, que o autor menciona incidentemente. Uma narraqHo, mesmo mentirosa, nHo pode compor-se exclusivamente de mentiras ; o autor, para localizar os fatos, tern necessidade de envolvC-10s em circunstAncias exatas. Tgis circunstiincias absolutamerite 1150 o interessavam e t6da gente de seu tempo as conhecia. Mas, para n6s, s5o instrutivas, porque verdadeiras, pois o autor, relativamente a elas. n5o teve intenqHo de enganar-nos, 2.0 caso - 0 fato 6 de natureza a tornar o Crro improvavel. Por numerosas que sejam as possibilidades de Erro, hS fatos de tal maneira evidentes que C quase impossivel vi-10s erra: damente. Cumpre-nos pois indagar se o fato era fhcil de ser constatado : 1.O) D'urou tle muito tempo, de mod0 a poder ter sido observado corn frequ6ncia (p. ex. : um monumento, um homem, um costume, um acontecimento d e grande duraq5o) ? 2.O) E r a Ele de tal forma extenso que muitas pessoas o poderiam ter visto (uma batalha, uma guerra, um costume de unl povo inteiro) ? 3.O) Teria sido Cle express0 em termos tso gerais Que uma observaq50 superficial seja o bastante para apreendblo ( a existtncia ern geral de um homem, de uma cidade, de um povo, de urn costume) ? SZo fatos como Cstes, de tal forma visiveis. que formam a parte s6lida do conhecimellto hist6rico.

3 . O caso - 0 f ato 6 de natureza tal que n5o poderia ter sido afirmado se n50 fbsse exato. U m homem n5o afirma ter visto ou ouvido um fato inesperado e contrbrio aos seus h&bitos, a nHo ser que tefiha sido forqado a admiti-lo, premido pela obmservaq~o: Un1 fato que parece inverossimil a quem o narra tem muitas probal>ili,dades de ser e:cato. Devemos, portanto, indagar se 0 fato a f i r n ~ a d oestava am contradiqHo corn as deinais no-, (139)

B frequente a afirmaqPo :

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0 autor n5o teria ousado escrever

ccusa, sc nzo f6sse verdadeira." Bste raciocinio n5o pode ser aplicado i s sociedades poucc civilizadas. Luiz VII ousou que JoPo-Sem-Terra havia sido co~denadopelo julgavento de seus pares. tal

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q6es existentes no espirito do autor, se C um fen6meno de espCcie por ile ignorada, urn ato OLI utn us0 que lhe parecesse ininteligivel, se C uma express50 cujo significado esteja acima de seu entendimento (con10 a s palavras de Cristo nos Evangelhos ou as respostas de Joana d'Arc nos interrogatbrios de seu processo). Devemos, contudo, estar de sobrea~isocontra a tendcncia que nos leva a julgar pelas nassas as noq6es do autor : quando homens habituados a acrediltar no maravil;hoso nos falam d e monstros, de milagres ou de bruxos, nada h6 nisto tudo, para iles, de inesperado e o critCrio de que aqui falarnos n5o pode ser aplicado. V I I I - Chegamos, finalmente, ao termo desta descri@o das operaq6es criticas; foi longa porque houve necessidade de descrever, uma a uma, as operaqBes que na prbtica aparecem simultaneamente. Vejamos, agora, como devemos proceder diante do caso concreto. Se o texto C .de interpretaqso discutivel, o exarne se decomp6e em dois atos: o primeiro consiste em ler o texto, para fixarIhe o sentido, antes de procurar tirar dele qualquer informaq5o; o estudo critico dos fatos contidos no documento forma o segundo ato. Para os documentos, cujo sentido C evidente - *ressalvadas as passagens de sentido obscuro, que devemos estudar separadamente - podemos proceder ao exame critico logo na primeira leitura.' Comqaremos reunindo as in:formqBes gerais referentes ao d'ocumento e ao autar, corn preocupa@o de procurar as condiq6es que tenham podi8do influir na produq5o do documento: a Cpoca, o lugar, o fim, as perigcias da composiqHo (a condiq5o social, a phtria, o partido, a seita ou a fa~nilia,oq interisses, as paixijes, os preconceitos, os Mbitos de linguagem, os processos de trabalho, os ineios d e inforinaqHo, a cultura, as qualidades ou as deficiencias de espirito do autor), a natureza e a forma da transmiss50 dos fatos. T a a s estas informaq6es nos sHo fornecidas, convenientemente preparadas, pela critica de procedincia; reunimo-las, ordenando-as mentalmente pelo question6rio critico geral, jb elaborado por aquele setor da critica; mas devemos, desde logo, sssimilBlas bem, porque C indispensbvel que as tenhamos seinpre no espirito durante todo o desenvolver das operaq6es.

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DCste mod0 preparados, abordamos o documento. A medida que lemos, andisamo-lo mentalmente, deslruilldo tidas as combinaq6er do autor, eliminando tddas as formas literhrias, para chegarmos ao fato puro, que devemos forrnular em linguagem absolutamente simples e precisa. Libertamo-nos, dgste modo, do respeito artistic0 e da subn1iss"a 3s idhias do autor que tornariam a critica impossivel. Assim analisado, o documento se reduz a urna longa sCrie de concepq6es d o autor e de afirmaq6es de fatos. A respeito de cada afirmaqzo indagamos se houve possibilidade de mentira ou de erro ou possibilidades excepcionais de sinceridade ou de exatid%, atendo-nos ao questionhrio critico elaborado para os casos particulares. Devemos ter sempre presente ao espirito Sste questionirio. A principio 5le 110s parecer5 embaraqante, ou mesmo pedante; entretanto como seremcs obrigados a aplicA-lo mais de cem vezes em uma Gnica p5gina de documento, acabaremos por ud-lo inconscientemente; ao lermos um tredho, todos os motivos de confianqa ou desconf ianqa nos aparecereo nun1 momento reunidos em uma impress20 global. Atingimos ao ponto em que a anAlise e as quest6es critkas se tornaram instintivas em n6s. Adquirimos, para sempre esia desenvoltura do espirito, metMica e analitica, desconfiada e irreuerente, que, +om frequencia, 6 denominada "0 senso cri:ic~", mas que n5o passa do hdbito inconsciente da critica.

DETEKMINA~AO DOS FATOS PARTICULARES A analise critica resume-se exclusivamente em constatar concepq6es e af irmas6es, fazendo-as acolnpanhar de notas sbbre a probabilidade dos fatos afirmados. Rwta-nos exanlinar conlo C possivel extrair delas os fatos hist6ricos particulares com os quais a ciCncia. ConcepqBes e afirmac6es s5o duas . .se constitui espkies de ,resultados que precisam ser t:ratados dois. Ilktodo.s dif erentes; I - TBda concep~50,quer seja expressa por escrito, quer por uma representas50 figurada, C um fato certo, definitivamente adquirido. Se a concepq80 chegou a ser manifestada C porque foi realmente concebida (se nHo pelo autor, que talvez haja reproduzido uma f6rmula sem a compreender, ao menos pel0 criador da f6rmula). Um finico caso basta para dar a conhecer a existhcia de urna concep~80,um h i c o documento C suficiente para provCla. A anilise e a interpretaqHo bastam, portanto, para levantar o inventArio dos fatos que formam a matkria das hist6rias das artes, das cikncias, e das doutrinas. (10) - A critica externa incumbe localizar Cstes falos determinando a Cpoca, o pais e o autor de cada concepq%o. A dura$io, a extensgo geogrifica, a origem e a filiaqgo das concepc;6es cornpetem A sintese hist6rica. A critica interna nHo cabe aqui; o fato C sempre extraido, diretamente, d o documento. Podemos agora dar inais urn passo. As concepq6es, em si mesmas, sHo meros fatos psicol6gicos ; mas a imaginaeo ngo cria seus objetos; toma sempre da realidade os elementos que os constituem. As descris6es de fatos imaginsrios sCo feitas corn os fatos exteriores que o autor observou em t6mo de si. Podemos, pois, tentar separar esses materiais de conhecimento.

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Tambem os fatos particulares de que se comp6em as his-

tdrias das formas (paleografia, linguistica) podem ser estabelecidos diletamente pefa anfifise do documento.

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J6 houve quem se utilizasse de obras literhrias, poemas Cpicos, romances e peqas de teatro (141), para esclarecer periodos e fatos de documenta~50minguada, assim procedendo, tarnbem, em relaq6o Q antiguidade e Q determinaq50 de usos da vida privada. 0 processo niio C ilegitimo, desde que se subordine a varias restriqfies, que, infelizmente, estamos sempre sujeitos a esquecer. 1.0) N5o podenlos aplid-lo aos fatos sociais interiores, Q inoraI, ao ideal artistic0 ; a concepq50 moral ou estCtica de um doct~mentoexprime, quando muito, o ideal pessoal do autor; nfo temos o direito de estender a conclus5o Q moral ou ao gbsto estCtico de seu tempo. Para isso C precis0 no minimo comparar dif erentes autores do mesmo periodo. Pode a descriq50 dos fatos materiais resultar de uma 2.O) combinaqzo pessoal do autor, produzida em sua imaginaqfo com elementos tirados da realidade. Neste caso s6 nos C licito afirmar a existgncia separada de cada elemento irredutivel, forma, matkria, car, niimero. Quando o poee nos fala de portas de ouro, ou de armaduras de prata, isso n b quer dizer que de se referisse a portas feitas de our0 ou a armaduras feitas de prata; devemos acreditar, isto sim, que se associam em sua mente os conceitos de porta, armadura, our0 e prata. Temos que descer, portanto, pela anAlise, at6 o elemento que o autor. -forgosamente, tirou da experisncia (o'bjetos, sua destinaqgo, atos usuais, etc.). 3.0) A concepq6o de um objeto ou cle um ato prova que Ele existiu, mas n5o que tenha sido frequente; talvez se trate de um objeto ou de um ato tinico, ou, pelo menos, adstrito a um pequeno circulo; os poetas e romancistas tfm o hhbito de servir-se de modelos tirados de um n~undoexcepcional. 4 . O s fatos conhecidos por fste processo n5o est5o localizados, nem no tempo, nem no espaco: o autor pode have-10s tomado em outra Cpoca ou em pais que 1150 seja o seu. TWas estas restriq6es podem ser assiln resumidas : antes de colhermos, de uma obra literkria, uma informaq50 qualquer A (141) A Grecia Primitiva foj estudada nos poemas hombricos. reconstitui~5.0 da vida privada da idade-m6dia teve como base, principalmente, as cang6es de gesta (V. Ch. . ' 1 Langlois, les Travaztz s w 1' histoire de la socie'tk franpise at6 moyen 6ge Caprks les sources litte'raires, na Revile H i ~ t o r i ~marco-abril, ~~?, 1897).

relativa A sociedade em que =iiveu o autor, devemos figurar, por comparaq50, que valor teria para n6s uina informas50 da alleslna espCcie, extraida de um de nossos romances contemporineos, se quisCssemos esclarecer-nos a respeito de nossos costumes atuais. Como ocorre com as concepq6es, os fatos exteriores assim obtidos podeni estabelecer-se com um iinico documento. Mas apresentam-se de tal inodo vagos que s6 comparando-os com outros semelhantes podemos obter dtles informaq6es aproveitkveis; das operaqfies desta espkie incumbe-se a sintese. Aos fatos resultantes de concepq6es podemos associar os fatos efieriores indiferentes ou muito gerais, que o autor exprimiu quase sem neles pensar. hgicalnente n50 nos assis.te, -6 bem verdade, o dirleito de os declarar certos, porque sabemos que hk homens que se enganam mesno em relaqfio a fatos cuja verdade se imp6e por si mesnla, ou mentem ao se referirem a fatos indiferentes. Mas Cstes casos s50 t50 raros que rnuito pouco risco correnlos ao admitirmos c m o certos os fatos desta natureza, e i n h r a firrinados por uin Gnico documento; ma prAtica C 2ste o processo usado para as '6pocas ma1 conhecidas. E' pelo texto ~ n i c o ,d e Cesar, ou d e TBcito, que ttm sido descritas as instimiqBes dos Gauleses ou dos Gerinanos. Bstes fatos, t5o fkceis de conlstatar, impuseram-se aos autores de descriq6es do mesmo modo que as realidades se impfiein aos poetas.

I1 - Contrai-iamente, em nenhuma hip6tese a afirmaq5o de um unico d ~ c ~ l l i ~relaiiva i ~ t ~ ,a urn iato exterior, (142) bastar5 para estabelecer eaI fato. As condiq6es em que se produziu a afirmaq50 s50 de tal modo ldesconhecidas e tantas as passibilidades de mentira e de Srro que nunca podemos estar certos de terem sido evitadas tbdas estas pcrssibilidades. 0 exame critic0 n5o conduz a soluq6es definitivas ; indispenskvel para evitar erros, n5o nos leva, todavia, por si s6, a verdade. A critica n5o pode provar nenhum fato: mostra-nos, apenas, as probabilidades. 0 mhximo de auxilio que nos presta consiste em decompor os documentos - em afirmas6es, colando em cada uma delas uina etiqueta reveladora do seu valor provhvel: afirmaq50 sein valor, afirmaq50 suspeita (fortemente ou f racamente) , af irrnaq5o provAwl ou muito provfivel, af irrnaq5o de valor desco~~hecido. (142) Damos aqui o nome de fato exterior - em oposi~Zoa o termo concepc8o (que traduz um fato interno) - a todo fato que se passa na realidade objetiva.

De todos Gstes resultados um finico C definitivo: E' ntdla a afirmaca'o de urn autor qzLe na'o p6de bewt izformar-se d o fit. to afirmado; devemos rejeitA-la, como rejeitamos urn documento ap6crifo. (143) Limita-se a critica a destruir informac;6es ilus6rias, nunca Ihe C possivel criar outras, certas. 0 s tinicos resultados firmes a que a critica pode chegar sHo negatiuos. T d o s os resultados positives por ela apresentados s50 duvidow s e nHo podem ir aIem dEste esclarecimento : "HB probzbilidades favaraveis, ou desfavor&veis, B veracidade desta afirma$50.'' Mas fado isso n50 passa de rneras probabilidaidm : urna afirbmaq50suspeita p d e ser exata, urna sfirmaqlo provAvel pode ser falsa; vemos isso cada dia, com ahundsnda de exemplos ; alem do mais, nunca chegamus a conhecer cornpletamenbe as condiqbes da observaq50, para sabemos se ela foi bem feita. Para degarrnos a urn resultado definitivo. urna tiltima operaqiio nos C necessaria. Depois de submetidas 4 critica. as afi~rmaq6esse apresentam cgmo prov5veis su improv5veis. Mas,' por mais prov5veis que sejam. qudndo tomadas i soladamente, nunca passario de simples probabilidades: nio temos o direito de dar passo decisivo que as transformar6 em proposiqbes cienti£icas ; uma proposi$io cientif ica C urna af irmago indiscutivel e estas estlo muito Ionge de o serem. Constitui principio universal em tbda cikcia de observaqzo que nunca nos C possivel chegar a uma conclusio cientifica mediante urna rinica observaqCo : para afilrrnarmos uma [email protected] ter condatado o fato em muitas observaqbes independentes. A hist6ria, coin seus processes imperfeitos de observaqzo, tern menos direito que qualquer outra ciGncia a furtar-se a b t e principio. Mesmo no caso rnais favor&vel, urna afirrnaqio hist6rica nunca deixar6 de ser fruto de urna observaqzo mediocremente feita; k indispensive1 que outras observaq6es a confirmem. Qualquer cizncia se constitui pela comparaqHo de v5rias 0bserva~6es:os fatos cientificos s i 0 pontos de concord2ncia de nmiatasobservaq6es diferentes. (144) Cada observaqHo esti su-

(143) A maioria dos historiadores esperam que a falsidade de uma lenda seja Drimeiramente demonstrada para, s6 entPo. rejeitaremna: quando niio se conservaram documentos que a contradigam, admitem-na pmvisoriamente; t assim que muitos procedem, ainda hoje, principaImente em relaqzo m s cinso primeiros s6culos de Roma. Rste nrocesso, infelizmente ainda generalizado, contribui para impedir que h i s ~ r i ase constitua em cicncia. (144) Para a justifica~Po 16gica deste principio em histbria, v. Ch. Seignobos, Rcvlle philosophiq?.~,julho-agosto de 1587. A certeza

a

jeita a probabibilidades de Crro que nHo poden30,s eliminar iMeiramente; mas se a maioria das observa~8ess%o ccmcordantes 06 quase Lnposdvel que esta concor&ncia se opere pela incidhcia no mesmr) Erro; a raz5o niuito ,mais provivel da concordkcia deve residir no fato de terern os observado~esvisto a mesma realidade e haverern-na desmito todos com e m t i d b . 0,s e~-TOS pessoais tendem a divergir.e as observaq6es exatas a concordar. Aplicado i histbria, .&ste prkcipio concluz hGltima sCrie de operaqdes, intermediiria entre a critica puramente analitica e as operaqaes d e sintese:, a -comparaq50 da afirmagio. . Comeqamos por classificar os resultados da anilise critica de m d o a reunir as afirmaq8es relativas. a utri mesiilo fato. Materialmente, a operag80 se torna .fBcil, corn o process.0 de fichas (quer notemos uma, afirmaqgo em cada f icha, separadamente, quer destin,emos a todo um fato uma Gnica fizcha, na qua1 notaremos tBdas as afirma~6esa Gle referentes, $ medida que as formos encontrando). A a m p a r a 6 0 pde em evidsncia o estado de n o s s r i o n h e cimentos pertih?n:tes ao fato; a conclus5o definitiva depende da relac50 entre as afirmag6es. Incumbe-nos, pois, estudar separadamente os casos qae possam ocorrer. I11 - 0 mais frequente, exceto para a hist6ria contemporAnea, 6 os documentos relatives a ,um fato .conterem m a h i ca afirmagio. Tddas as outras cisnciag em semelhante caso, suboi-dinam-se a uma regra invariivel : uma observaqzo isolada 1150 pode ser perfilhada pela d(6ncia; admite-se, quando muito, que ela seja citada, mencionmdo-se neste caso, obrigatoriamente, o nome do observador, mas nenhuma conclus5o C possivel tirar dela. 0 s historiadores nZo tGm ne&u.m motivo confessAvel -para procederem de outro modo. Quando, ao estudarenl urn fato, ocorrer o easo de s6 disporem de urna afinnag50, feita embora por penoa de honestidade indiscutivel, nada deveriam. afirmar, mas, como procedem os naturalistas, apenas mencionar a afirmqSio (Tucidides afirma, Cesar diz que) ; nenhum direito lhes assiste de passar alem d6stes limit,es. Na realidade, ~ ~ o d oconservam s o habito, que remonta ii idade-media, de afirmar protegidos pela autoridode de Tucidides ou de Cesar; nio raros chegam a traduzir a afirmag80' daqueles autores ern -

cientffica completa s6 se obtem pda concordlncia de observac6es con: seguidas por me'todos diferentes; encontrqse, exatamente, no ponto de cruzamenk de duas vias diferentes de pesquisas.

INT~ODUGO AOS ESTUDOS express6es pr6prias, sen1 qualquer refertncia & fonte, como se tles m e m o s f alasscln. Enttregues G s t e ~ ~ ~ o sde.1o11, ~lelillulll freio cientifico, $ credulidade natural, chegam os historiadores a admiti?; f;un,dad,os simples e in.su'ficiente presunqbo de uill documento. linico, q ~ ~ a l q u eafir.maqbo r que nbo vveha a ser cont.ra&tada por outro docu.mento. Kesplta, d2ste fator, a consequincia absur.da de que a historia 6 mais afirmativa e parece mais bem co~l.sti:tuida,quando se refere a periodos descoi~hecidos em que urn s6 estritor aparece, do que em relaqHo aos fatos conhecidos por milhares de ,dowumentos contradit6rios. A s guerras mCdicas, de que s6 Herbdoto nos d6 noticia, assim como as aventuras de Fredegonda, narradas unicamente por GrCgoire de Tours., est5,o .menos sujeitas a ~disc~ussbo do que 0s. acontecimei1tos da Re~mluqbo,descritos por cent.enas d e contempor2neos. Para libertar a hist6ria'desta condiqHo vexathria, uma revoluqHo no espirito ,dos hi,storiadores C indispens6vel.

IV - Q u a d o nos defron.tamos corn v6rias afirmaq6es i-eferentes ao mesmo fato, duas 'hip6teses apenas sbo possiveis : ou ~2.0cont.radit6rias ou coi~corda?tes. Para nos ~ e r ~ t i f i . c a r ~ ~ ~ o s de que sHo realmente contradit6rias devemos verificar, ~ r e l i m i nal-inente e com absoluta segui-anga, e se referem ao llzesiilo fato; duas afirmaq6es aparentemente contradithrias podem ser apenas paralelas ; p d e m 115.0 referir-se exatameilte aos nlesinos momentos, aos mesmos lugares, Bs mesmas pessoas, aos rnesmos epis6dios de uin acontecimento : ~ o d e m diste , modo, ser anbas exatas. (145) Todavia, se .tal a o r r e r , nbo devem6s concluir c;ue uma confirme a ouhra; a d a qual participa d a categoria das af irlmaq6es Gnicas. Se a contradiqHo 6 verdadei,ra, uma, pelo menfos, das duas afirmaq6es, C falsa. Uma ten'dgncia natural $ conciliaglo nos leva, entio, a procurar um meio termo. Bste espirito de conciliaqbo C contr5.rio ao espirito cientifico. Se um diz que 2 e 2 sbc 4 e outro que 2 e 2 sHo 5, nHo devemos dizer que 2 e 2 sso 4 e rneio; deveillos examinar qual dos dois tell1 razbo. B esta a miss50 da critica. Quase sempre, destas afirmaq8es contmra&t6.rias, Uma ao menos 6 suspeita; deveinos afast6-la, se a que esti em conflito com ela f6r prov5vel. Se a outra tambem fbr suspeita, devemos abster-nos d e concluir; tarnbem devemos abster-noi de conduir qua'ddo v6rias afirmaq6es suspei-

-Bste (145)

0.

c., p. 421

caso 6 estudado, corn urn horn exemplo, por Bernheim,

ITIST~RICOS

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tas concorxlam, ,mas estHo em contradiqHo com uma Gnica, n60 suspeita. (146)

V - Ainda que v6rias afirmaq6es conmdem, 6 pl-eciso resistii- & tendtncia natural d e crer que o fato est6 demonstrado. 0 primeiro impulso 6 contar cada documento c-o uma fonte de informqbo. Sabemos bem que, n a vida real, ocorre frequentemente que urns copiem dos outras; que urna s6 narrag5o sirva a muitos narradores, que vArios jornais publiquem a mesma correspond6ncia, que v6rios rep6rteres entrem em entendi~mentopara atrihuir a um, dentre tles, a redaqzo de ulna noticia que cada qual far5 publicar, separadamente. Defrontamonos corn v6rios documentos, ou com v5rias afirmat$es, mas.. haver6 tantas observaq6es quantos s60 0s dm~mentose as observaqijes? E' fora de dGvida que nHo. Uma afirmaqHo que reproduz outra n'io constitui observaqbo nova. Ainda que uma obse~aqHofdsse reproduzida por cem autores diferentes, nem por isso deixariam essas cein c6pias ~derepresentar urna linica dbservaqiio. Contk-las como c e n , equivaleria a contar coins cem documentos cem exemoplares impresses de urn lnesmo livro. Mas o respeito aos "documentos hist6ricos" 6, n50 ram, nlais forte clo que a evidincia. A mesma afirmq50 redigi~da em virios documentos separacfos, por autores diferentes, d& a ilusPo de vhrias afirmaqBes; urn mesmo fato relatado em dez documentos diferentes parece firillado por dez ohser17a~6esconcordahttes. Devemo; desconfiar desta impresszo. Uma concordiincia s6 6 concludente quando as afirmaq6es concordantes exprimem observa@es independentes umas das outras. Antes de chegarmos a uma concord2ncia, devea qualquer conclusHo, relativa~~~ente mos examinar se o fato exprime, realm&nte, uma concordhcia entre ohservqi5es independentes; isto compor~taduas operaqces.

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lo) Com2e$amos por investigar se a s afimaqBes s'io independentes ou se, ao contrArio, n% passam de re~rodt1r,6eqcle uma observaqHo Gnica. Bste trabalho pertence, em parte, A-critica externa das fontes. Mas a critica das fonte limita-se a es,tudar as relaqces existentes entre os documentos escritos ; d6 por fi'ado o seu trabalho, a partir do momento ern que houver (146) Devernos rejeitar, de inicio, o processo infantil, que consiste em contar os documentos de um lado e do outro e decidir pela maioria; a afirrnaclo de urn Clnico autor, informado sBbre urn fato, C evidentemente superior a cem afirmaq6es de pessoas que dtle nada sa$em. H i muito, ji, que a regra esti formulada : Nun numerentur, sed ponderentur.

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estabelecido que iais passagens de um autor foram tomadas de outros. As passagens copiadas ou reproduzidas devem sex- desprezadas sem discussFio. Mas o mesmo trabalho deve ser feito em relaqio 5s afirmaqBes nlo escritas. Devemos comparar as afirmaqbes relativas ao mesmo fato, para saber se provem de observadores diferel~tesou, ao menos, de observacBes diferentes. 0 principio 4 anilogo ao da critica das fontes. 0 s pormenores de um fat0 social sHo tantos e t5o variados e hii tantas maneiras diferentes de ver o mesmo fato que dois observadores independentes n e h u m a possibilidade 6 m de verem do mesmo modo todos os avpectos do fato observado; quando duas afirmaqks apresentam os mesmos pormenores, na mesma ordem, a conclusPo 6 que derivam de unla observaq50 comum; as observaqBes diferentes divergem sempre em alguns pontos. FI-equentemente podemos tirar partido de um principio a PGori: se urn fato era de natureza tal que n6o poderia ter side observedo ou rdatado sen50 por um Gniw observador, somos forqados a inferir alue t6das as fontes defluem dessa observaqlo iinica. (147) &tes principios permitem reconhecer inGmeros casos de observaqBes diferentes e mais ainda casos de observaq6es reproduzidas. Resta-nos examinar os a s b s duvidosos, que s'io em grande nfimero. A .tendencia natural C contA-10s como indepe'nfdentes. Isto consiitui o inverso do que seria cientificameri'te correto: enquanto a independsncia das afirmaq6es n'io estiver provada, 60temos o direito de admitir que sua concord2ncia seja concludente. Sb depois de termos estzibelecido a relacso existente entre as afirmaq6es 6 que podemos contar as que G o verdadeiramente diferentes e examinar se s i o concordantes. Ainda q u i C precis0 desconfiar do primeiro impulso: na verdadZ a concordtncia concludente n5o 6, como poderiamos naturalmente supor, uma semelhanqa completa entre duas narraqBes, mas urn ponto de cruzamento entre duas narraqbes diferentes, que apenas em alguns pontos se assemelhan. A tendhcia natural C considerar a concordtncia como urna confirmaqio, tanto mais proNLo cabe aqui o estudo das dificuldades especiais que a (147) aplicaq5o dCstes principios apresenta. Como exemplo, podemos citar o fato de introduzir o autor variaqSes na afirmaeo que tomou de outro e cuja origem ocultou, corn a finalidade de enganar o pfiblico ou o de haver combinado pormenores provenientes de duas observaqi5es.

4.,p

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bante esta quanto mais completa f6r aquela; contrariando Gste impulso devemos adotar a regra paradoxal de que a concordsncia prova muito mais quando se restringe a poucos pontos. 0 s pontos de concordiincia destas afirmaq6es divergentes C que constituem os fatos hist6ricos cientificamente estabelecidos. 2") Antes d e ~oncluirdevemos certificar-nos de que as observa@es diferentes de urn mesano fato s60 completamente independentes, pois pode dar-se o caso de ter agido uma s6bt-e as outras, de modo que a primeira houvesse determinado as seguintes e, neste caso, a concordsncia nCo mais seria concludente. Devemos estar alerta em relaqio aos seguintes casos: 1 . O cmo: As observaq6es diferentes foram feitas pel0 mesmo autor, que as consignou, quer em um Gnico documento, quer em virios ; cumpre-nos, neste caso, tomar as necessdrias cautelas para nos assegurarmos de que o autor refez, realmente, as observaqBes, ao contrArio de li.n~i#tar-se a repetir uma observaqio zinica.

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2.O cmo: H d v5rios observadores, mas um s6, dentre hies, foi incumbido de redigir um documento linico ; 6 o caso das atas de assembl&ias; devemos verif icar se o documento ' representa exclusivamente a afirrnaqso do redator ou se a redas50 foi controlada pelos outros observadores. 3 . O caso : Vsrios observadores redigiram suas observaq6es em documentos diferentes, mas em concIiq6es semelhantes ; devemos aplicar o questiodrio critic0 para saber se 60estiveram todos sujeitos As mesmss causas de inentira ou de err0 (mesmo interesse, mesma vaidade, mesmos preconceitos, etc.). S6 sPo indiscutivelmente indepenldentes as observar,6es contidas em documentos diferentes, quando feitas por autores diIerentes, pertencentes a grupos diferentes e que tenham operado em condiqbes diferentes. Vemos, pois, que os casos de concordhcia plenamente concludente sio raros, exceto para os pesiodos modernos. A possibilidade de provar urn fato hist6rico depeisde do nfimsro de dooumentos independentes conservados, relativos a esse fato; ora, como depende do acaso que os documentos se tenham conservado, vemos, por ai, qua1 a parte do acaso na constituiq50 da hist6~ia. 0 s fatos que podem ser estabelrecidos s5.0, principaltnente, os extensos e duradouros (denominados, 5s vezes, fates gerais),

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c h o os usos, doutrinas, instituig6es, grandes aconte.cimentos; isto porque s50 mais fAceis de ~ b s e r v a re de provar. Todavia, o mCtodo hist6rico nHo & por si mesmo, importante para estabelecer fatos breves e limitados (shamados fatos particulares), como uma palavra, um ato momendneo. Basta que v6rias pessoas hajam assistido ao fato, o tenham notado e que seus escritos tenhamn chegado at6 n6s. Conlhece~losa frase que Lutero proferiu na Dieta de Womms; sahemos que nZo disse o que a tradiqzo h e atribuiu haver dito. e s t e concurso de condiq6es favor6veis se torna dia a dia mais acentuado, merc6 da melhor ~rganizag50dus jornais, do traballho dm taquigrafos e dos dq6sitos de documentos. Em relag50 A antiguidade e A idade-mCdia, o conheciinento histbrico se restringe aos fatos gerais, pela penfiria d e documentos. Para o pel-iodo contemporiineo, pode 61e estender-se cada vez mais aos fatos particulares. 0, p6blico cr6 o contririo; desconfia dos fatos coatempor2.neos, em relaggo aos quais vE ciroularem narragSes contradit6rias e acredita sem hesitasgo nos fatos an>tigos, que nenhu'ma contradiqgo apresentam. Sua con.fianqa chega ao mkirno nos pontos da histt6ria em que nenhunia possibilidade de conhecimento cede existe e seu cepticismo cresce A medida que os meios de sarber aumentam. V I - A concord4ncia entre os documentos conduz a conResta-nos estudar o ac6rdo clus6es nem sempre definitivas. entre os fatos para completarmos ou retificarnlos as conclus6es. VArios fatos que, considerados isoladamente, s6 podem ser imperfeitamente provacios, podem confirmar-se uns aos outros, de m o d ~a d a r uma certeza global. 0 s fatos que os documentos apresentam isoladarnente podem ter estado algumas vezes tgo aproximados na realidade que nos C possivel ligar uns aos outros. Pertencem a Gste g6nero os atos sucessivos de urn mesmo homem, ou de um mesmo grupo, os hibitos de um mesmo grupo em Cporas vizinhas, ou de grupos semelhantes na mesma &ma. Cada urn d6stes fatos pode C :berm verdade, produzir-se sem o outro; a certeza de que urn ocorreu n%o nos autoriza a afirmar o outro. Todavia, o ac6rdo entre v6rios dPsses fatos, cada qual imperfeitamente provado, nos confere uma espccie d e cer-teza; em sentido estrito 6les nZio se provam uns aos outros, mas confirmam-s8e. (148) A dfivisda que pesava s6bre cada u m ,d6les se (148)

Indicamos, aqui, apenas o principio do metodo de confirma-

$50; suas aplicacbes exigiriam um longo estudo.

145

dissipa; chegamos a urna espCcie de certeza produzida pelo encadeainenLo dos fatos. D6ste #mode, p d a comparag"a de cohtlus6es ainda duvidosas, estabelecemos urn conjunto moralmente certo. y o itinerhio de urn soberano, os dias e lugares d e passagan se conf irmam, quando se encadeiam de maneira a f ormar urn todo coerente. \Uma instituiggo ou umn costunle de urn povo pode estabelecer-se pelo ac6rdo de informaq6es, cada urna apenas provivel, 1z1as ref erentes a .lugares cxl .mmentos dif erentes. Bste mCtodo C de aplicasfo dificil. 0 a&rdo C uma noqso muito nzais vaga do que a comcord2ncia. Ngo ~odernosafirmar, em gerzl, quais os fatos ~uficientem~en~te ligados entre si de mod0 a formnarem um conjunto, cujo acBrdo seja concludente, nem determinar. antecipadamente a duraqgo e a extens50 do que constitui urn conjunto. Fatos referentes a cinqiienta anos passados e a cem l6gvas de disfiacia poldergo confirmar-se de mod0 a estabelecer um costume cle uizi povo (por exemp!~, o s Gerinanos) ; nada provariam, todavia, em uma sociedade heterog6nea e de r&pi(da evolug5o (v.g. a sociedade francesa entre 1750 e 18001 na Als6cia e na Provenqa). Cumnpre-nos, neste passo, esttudai- as relaq6es entre os fatos. Isto j i constitui o coiiiEqo da consti-usso I1ist6rica : passamos, d6ste d o , das operagfies analiticas As operaq6es sintCticas.

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V I I - Falta-nos estudar, entretanto, o caso do desacBrdo existente e ~ t r eo s fatos estahelecidos pelos documentos e os estabelecidos por outrcls processes. Pode acontecer que uiii fato obtitdo por co1iclus5o hist6rica esteja ,em contradiqh com um conjunto ~ d efatos historica~nentecoiihecidos, ou corp o conjunto de nossos conhecimentos relativos A humaniclade, funclados na observas'io direta, ou, ainda, com uma lei cientifica firmada pelos rn6todos regdares bde unla ci6mia constituida. Nos dois primeiros casos, o fato s6 colide com a histbria, a psicologia ou a sociologia, ci6ncias ainda .ma1 constituidas; dizemos d6le. portanto, que C inve~ossivvcil; se, porem, est5 em conflito com a cicncia, s6 poclemos admiti-lo como milagre. Como deveinos proceder frente a fato inverossimil ou miraculoso? Admiti-lo-emos depois do exame dos documentos ou o rejeitaremos desde logo como impossivel? A inverossivvcilhan,-a ngo 6 uma quest50 cientifica; varia com os individuos; cada qual acha inverossimil aquilo que 'n6o est6 habituado a ver; para urn campon6s i p o rante o telefone 6 muito mais inverossimil do que uma aparigzo ; rei do Si5o rec~~sou-se a acreditar na exist6i1cia d o gelo.

I N T R O D U ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

Deveinos determinar a quervc o fato parece inverossimil. Serj. a massa desprovida de cultura cientifica? Para ela a ciCncia 6 mais inverossimil do que o milagre, a fisiologia do que o espiritismo; sua noq'lo de inverossiinilhanqa nenhum valor Serh Q honlem cientificamente culto? Trata-se, apresenta. ent50, de inverossiinilhanqa para um espirito cientifico, o que, com maior precislo, significa que o fato C contriirio aos dados da ciencia, que 11i desacdrdo entre as obser.vaq6es diretas dos s5bios e as informaq6es indiretas dos doc~men~tos. Como dirimir Cste conflito? A quest50 n5o apresenta grancle inter4sse pratico; quase todos os documentos que nari-aim fatos miraculosos j i forain declarados suspeitos por fbrqa de outras pesquisas e cada um deles seri invalidado por u n ~ acritica correta. ,Mas a quest50 do milagre inflainou tantas ~ a i x g e s que convem indicar coino deve ser ela encarada pel0 historiador. (149) A crenqa geral no maravil~hosoreaheou de fatos miraculosos os docuinentos de quase todos os povos. Historicamente o diabo esti muito mais solidamente provado do que Pisistrato: nem uin s6 contemporineo de Pisistrato deixou o testeinunho de o haveruvisto ; milhares de "testemunhas oculares" declaram ter visto o diabo; muito poucos fatos histbricos foram estabelecidos com tanta abundhcia de testeinqunhosindepentdentes. Contudo, nLo hestamos em rejeitar o diabo e em admitir Pisistrato. I3 que a existencia do diabo C inconciliivel com as leis de tbdas as ci4ncias constituidas. Para o historiador, a soluq2o do conftlito C evidente. (150) As observaqBes contidas nos documentos hist6ricos nunca podem contrabalai~qar a s dos shbios contei~~poi-keos ( j i mostramos porque). 0 m6todo hist6rico indireto nunca podera valer tanto quanto os mGtodos diretos das ciencias de observaqBo. Se os seus resultados est5o em desacdrdo com os destas C o mNCtodo histcirico que deve ceder; 1150 pode 2le pretender, cam seus (149) 0 P. de Smedt consagrou a ,esta quest50 uma parte de srus "Principes de la critique historique" (Paris, 1888, in-12) (150) A solu~Pode cada caso C diferente para as ciEncias de observ a ~ P odireta, principalmente as ci6.ncias biol6gicas. A cikcia nPo conhece o possivel o u o impossivel; conhece, apenas, fatos correta ou incorretamente observados; fatos declarados impossiveis, como 0s aer6litos, foram reconhecidos como exatos. A pr6pria n q I o de milagre C metafisica; pressup8e -uma concepgio global do mundo, que supera os limites da observac;Zo. V. Wallace, Les nziracles et le moderne spiritrfolisme, trad; do inglCs, Paris, 1887, i n 4 .

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rwursos imperfeitos, controlar, coatrditar ou retificar os resultados dos outros mCtodos; deve, ao contrArio, empregar os resultados dsstes para retificar 0 s seus. 0 progresso das cibcias diretas -modifica, algumas vezes, a interprehq50 histbrica; ui11 fato estabelecido pela observa~Lodireta serve para compreender e criticar docurnentos; os casos de estigmas e de anestesia nervosa observados cientificamente permitiram adinitir narras6es hist6ricas de fatos anilogos (estigmas de alguns santos, possessos de Loundun). Mas a hist6ria n5o pode servir ao progresso das ci6ncias diretas. Mantida, por seus meios indiretos de informaGo, disttncia da realidade, limita-se a aceitar as leis estabelecidas pelas ci6ncias que tGm contact0 direto com a realidade. Para que f6sse possivel recusar uma dessas leis, seriani necessirias novas observaqijes diretas. EJ uma revoluq'lo que pode ser feita, 'mas unkamente no cen'tro; a histbria nlo tern poderes para tomar tal iniciativa. A soluqiio C menos ficil, para os fatos em desac6rdo unicamente com um conjunto de conhecimentos histbricos, ou com os embrides das ci4ncias do homem. Vai ela depender da opini2o que tenhamos do valor d6sses conhecimentos. Podemos, ao menos, -firmar como regra pritica que, para contraditar a histbria, a psicologia ou a sociologia, devemos apresentar documentos muito &lidos.

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LIVRO I11

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CONDICOES GERAIS DA CONSTRUCK0 13IST6RICA A critica dos documentos nos d5, apenas, fatos isolados. Para or-gani::i-10s em unl corpo de citncia, devemos proceder a uma s6rie de operaq6es sintkticaa 0 estudo d&es processes de construq50 hist6rica forlna a segunda metade da Metodologia. A constru=50 n'io deve ser dirigida pel0 plano ideal da ciincia, que dc jariainos seguil-; depende dos materiais reais de que dispomos. Seria quimCrico propormo-nos um plano, cujos materiais nZio se prestassem a realizi-lo; isto equivaleria a pretenderrnos construir a torre Eiffel com pedras tbscas. 0 vicio fundamental das fi,losofias d a hist6ria C esquecerem esta necessidade pritica. I - Encarernos, primeiramente, os materiais da hist6ria. Qua1 6 sua f o m a e sua natureza? E m que s5.o eles diferentes dos materiais das outras cihcias? O s fatos hist6ricos provcm d a an5lise critica clos documentos. (Eles dai saem cortados aos bocadinhos, em afirmaq6es elementares; porque ulna Gnica frase contem virias afi~maq6es e, n5o raro, aceitamos umas e rejeitamos as outras; cada uma destas afirmal8es constitui um fato. 0 s fatos histhricos apresentam o car5ter comuin de serem todos tirados de d o m e n t o s ; todavia, s'io acentuadamente dispares. l o ) Representam Eles fea8menos de nahreza muito diferente. De um mesmo documento extraimos fatos de linguagem

cescrita e falada), de ,estilo, d e doutrina, de costumes, de ac&z teci~~lenios.A inscriqgo de Mesha nos revela fatos da lingua moabita, a crenqa no deus Kamos, as prhticas de seu culto, episbdios da guerra dos Moabitas contra Israel. Todos Sstes fatos est5o mesclados, sern se distinguirem sequer.pela sua natureza. d t a nlistura de fatos heterogSneos C um dos caracteres que diferenqan~a hist6ria das outras ciEncias. As ciincias de observaq'io direta escolheln os fatos que pretendem estudar e, sistematicamente, limitam-se a observar fatos de uma s6 espCcie. As ciincias.documentkias recebm os fatos observados apenas pelos autores dos documentos, que os apresenrtam em, desordem. Para eliminar esta desordem C preciso proceder a uma triagem e agrupar os fatos por espkies. Mas para realizar a triagenz seria necessSrio saber. coln precisgo, o que em hist6ria deve constituimr uma espkcie de fatos ; para agrupar tais fatos haveria necessidade d e urn principio d e classifica~a"~ apropriado aos fatos hist6ricos. Ora, em relaq5.o a istes dois assuntos capitais, n5.o chegaranl ainda 0s ,historiadores a forlnular regras precisas. 2.O) 0 s fatos hist6ricos se apresentam em graus muito diversos de generalidade, desde os muito gerais, colnuns a unl povo inteiro e coln sCculos de duraq'io (instituiqSes, costumes, crenqas) at6 os mais fugitivos atos de urn hoinem (urna palavra ou urna atitude). Constitui isto uma diferenqa a mais, em relaq'io 5s ci2ncias 9de observaGo direta, que partem regularmente de fatos particulares e trabalhanz nletodicamente por condensClos em fatos gerais. Para formar grupos C preciso reduzir os fatos ao mesmo grau de generalidade, o que nos obriga a procurar o grau de generalidade a que podemos ou devemos reduzir as diferentes espkies de fatos. E 6 Este, exatamente, urn dos pontos s6bre o qual. n5.o se enkendem os historiadores.

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3 O ) 0 s fatos hist6ricos est'io localizados: ocorreram em unla Cpoca e um pais dados; se lhe retiramos a mew50 d o tempo e do lugar em que se produziram, perdem o cariter hist6rico e s6 podem ser utilizados para o conhecimento d a humanidade universal (como acontece com os fatos do folclore, cuja proced&ncii ignorarnos] . Esta necessidade de localizar C tambem ignorada, pdas ciEncias gerais; limita-se i s ci6ncias descritivas que estudam a distribuiq5.0 geogrifica e a evo!uc5o dos fen8me-

por meio de perguntas, como ocorre qas demais cihcias. (152) Mas, qua1 seri a maneira de for8mularestas perguntas em urna cienria t5o diferente das outras? E' este o problema fundamental do mktodo. S6 o poderemos resolver comeqando poideterminar o cariter essential doa fatos hist6ricos7 que os difkrensa dos fatos das outras ci&ncias. As ciencias de observaqzo direta operam stibre objetos reais e completos. A ciencia mais vizinha d a histbria, por seu objeto, a zoologia descritiva, procede examinando um animal real e inteiro. Ohservamo-lo, realmente, em seu conjunto, dissecamo-lo, de forma a clecompBlo em suas partes; ora, a dissecq8o C urna ancilise, em sentido pr6prio (avahvel~r, significa dissolver). Podemos, depois, reunir novamente as partes, reconstituindo o todo, de mod0 a observarmos a estrutnra do conjunto; isto C urna sintese real. Podemos ver os rnovimelltos reais que constitvem o fuacionamento dos 6rg5os, de mod0 a verificarmos a reaq5o reciproca das partes do organisrno. Podemos comparar os conjuntos reais e ver em que pantes iles se assemelham, de maneira a classifici-10s segundo suas semelhanqas reais. A ciencia C u'm mnhecimento objetivo fundado na anAlise, na sintese e na comparaq50 reais; a vista direta dos objetos guia o cientista e Ihe dita as perguntas a formular. ~m-hist6rianlada hA de semelhaite. - Costumamos dizer que a hist6ria C a "visZo" dos fatos passados e que procede por "anilise"; s5o agenas duas -metiforas, perigosas se a respeito delas nos iludimos.(l53) Em hist6ria. nada vetnos de real, a nZo ser papel escrito e, algvmas vezes, monumentos ou produtas fabricados. 0 historiador nenhum ~ b j e t otem para analisar realmente, nenhum objeto que possa destruir ou re-

nos. B ela que imp6e A hist6ria a obrigaq50 de estudar separadamente os fatos dos diferentes paises e das diferentes Cpocas. 4.O) 0 s fatos extraidos dos docurnentos pela anilisc critics se apresentam acompanhados de urna indicaq5o critica s6bre a sua proibalidade. Em todos os casos em que n5o cheganlos A cer;teza completa, t 6 1 h sas vezes em que o fato C simplesnlci~te provivel - corn mais forte raz5o quando 6 suvpeito - o traba1,ho da critica o entrega ao historiaclor com uma etiqueia que n5o temos o direito de retirar e que o impede de entrar para a cicncia definitiva. At6 os fatos que, comparados a outmros, acabarn por ser estabelecidos, passam por esta mndiq50 transitbria, como os casos clinicos que se acumulam nas revistas medicas antes de serem suficientemente provados e, assim, tornarem-se f atos cientificos. D b t e mod0 a construq50 hist6rica deve fazer-se corn urna massa incoerer~tede pequeninos fatos, urna espkie de poeira de conhecimentos pormenorizados. Esta massa se constitui de materiais heterogi?neos, que diferem por seu objeto, sua situaqzo, seu grau de generalidade ou de certeza. Para classifici-los, a pritica dos historiadores nEo conseguiu estabelecer urn mCtodo pr6prio; a hist6ria, nascicia de um gEnero IiterArio, continua a ser a menos met6dica das cicncias. I1 - Em qualquer ciei~cia,depois de termos encarado os fatos, for~nulamossistematicamente perguntas (151) ; t6da ci6ncia 6 formacla de urna sCrie de ~espostasa uma sCrie de perguntas met6dicas. Em t6das as cicncias de observaq5o direta, embora nisso n5o hsuvessemos pensado antecipadamente, os fatos dbservados sugerem perguntas e nos obrigam a precisi-las. Mas os historiadores, n5o se subordinam a esta disciplina; habituados a imitar os artistas, muitos nem pensam, sequer, em esclarecer o que procuram: apanham nos documentos as passagens que mais os impressionaram, quase sempre impelidos por um motivo pessoal, reproduzem-nas alterando-lhes a linguagem e acrescentando-lhes reflex6es de t6da sorte, tal como lhes surgiram desordenadamente no espirito. A bist~jria,sob pena de perder-se na confus50 de seus materiais, deve estabelecer como regra indeclin5vel proceder sempre

(152) Fustel de Coulanges en:rnviu esta necessidade. No prefkcio de seu trabalho Recherches sur quelques probldmes d'histoire (Paris, 1885, in-B), declara que vai apresentar suas pesquisas ''sob a forma primeira que assumem todos os meus trabalhos, isto C, sob a forma de perguntas que a mim mesmo proponho e que me empenho em esclarecer (153) 0 pr6prio Fustel de Coulanges parece ter-se enganado neste ponto. " A histbria 6 urna ci6ncia; nada imagina, tudo ve" (Monarclzie franque, p. I). " A histhria, como qualquer cisncia, consiste em constatar fat@ analid-los, compari-los, estabelecer nexos entre tles.. . 0 historiador.. procura e acha os fatos pela observa~Zominuciosa dos textos, como o quimico encontra os seus nas expericncias pormenorizadamente feitas". (Ib., p. 39).

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(151) A hipbtese, nas cicncias experime~tais, 6 urna forma de pergunta, acompanhada de uma resposta provis6ria.

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construir. "A anhlise hist6rica9' ngo C mais real que o ato de ver os fatos-llist6ricos; C um sinlples process0 abstrato, urna operaqfio purainente intelectual. A anhlise de um documentto consiste em procurar mentalrvtsnte as informaq6es nele contidas, para critic&-las urna por uma. - A anhlise de um fato consiste em distinguir mentulmente us diferentes pormenores dssse fato (epis6dios de um acontecimento, caracteristicos de urna instituiq5o) para fixar sucessivamentte a a t e n 6 0 em dada uin dsstes pormenores; dizemos que esta operas50 consiste em examinar os diversos "aspectos" de urn fato; ainda m a metbfora. - 0 espii-ito hwnano, naturalmente confuso, espontaneamente s6 pode ter confusas impress6es de conjunto; para esclarecslas, devemos indagar quais as impress6es particz~laresque forinam urna impress50 de conjunto, a fim de precisi-las, estudando-as m a por uma. Esta operaq5o C indispenshel, mas C preciso n5o exagerar-lhe a importincia. N5o constitui ela uim mCtodo objetivo, que nos permita descobi-ir objetos reais, inas apenas um metodo subjetivo, que nos faculta apreendei-mos os elementos abstratos que formam nossas impressijes. (154) Pela pr6pria natureza de seus materiais, a hist6ria C imperiosamente subjetiva. Seria ilegitimo estendermos a esta anilise intelectual de irnpress6es subjetivas a s regi-as da anA1ise real de objetos reais. A hist6ria deve, portanto, fugir A tentaq5o de imitar o mCtodo das ci6ncias biol6gicas. 1 0 s fatos hist6ricos sko t%o diferentes dos das outras cigncias que, para estud6-los, C indispensbvel um mCtodo diferente de todos os outros.

I11 - 0 s documentos, fonte finica do conheciinento hist6rico, nos informarain em relac50 a trss categorias de fatos, 1.0) S i i e s vivos e objetos materiais. 0 s documentos nos d2o a conhecer a existtncia de s2res huinanos, de condiqaes inateriais e de o.hjetos fabricados. Todos 2stes fatos forarn fen6menos materiais que o autoi- do doc&rnento apreendeu materialmente. Mas para n6s s % ~agora, , fen8menos puramente inteleduais, lfatos vistos "ati-avCs da iinag,inaq50 do autoi-", ou, _q_

4 '% (154) 0 car&ter subjetivo da hist6ria foi nitidamente acentuado por urn fil6sof0, G. Simmel, Die Probleme der Geschichtsfihilosophie, Leipzig, 1892, in-8.

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I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

153

para sermos rnais exatos, simples inzagens representativas das hpress6es do autor, imagens que em n6s se produzem por analogia com as dele. O Templo d e Jerusalem foi um dbjeto material visto por rnuitos, mas ngo, ? podemos mais ver; podemos, isto sim, e apenas isto, formar dGle urna imagem aniloga A formada na mente das pessoas que o viram e descreyeram. 2.O) Atos dos homens. 0 s documentos nos dHo noticia de atos (e palavras) dos homens de outrora, os quais, por sua vez, constituiram fatos materiais vistos e observados pelos autores, mas que, para n6s. n5o passam de lembranqas dos autores, representadas unicamente p r imawens subjetivas. As punha9 ladas vibradas em Cesar foram vistas, a s palavras dos assassinos ouvidas quandu pronunciadas, mas, para n6s, isto tudo n5o passa de rneras imagens. - Todos os atos ou palavras apresentain o caracteristico comum de provirem de um individuo; a imaginqZio s6 o s pode representar come atos individuais, segundo a imagern daqueles que a observaq50 direta nos revela. Sgo, porern, fatos que abrangein os homens em sociedade e, e m sua maior parte, sgo realizados por vbrios individuos, ao mesmo tempo; nZo raro s50 o resultado dos esfor~oscornbinados de vbrios individuos, para realizarem urn fim cornum; deno'minam-se, neste caso, atos coletivos. Todavia, quer para a imaginaqfio, quer para a observaqgo direta, reduzem-se sempre a unla m a d e atos individuais. 0 "fato social", tal como admitem vbrios soci6logos, C urna construq20 filoshfica, n2o urn fato hist6rico. 3.O) Motivos e concep@es. 0 s atos humanos nHo t s m sua causa em si mesmos; hb, sempre, um motivo que os deterrnina. Esta palavra vaga designa, ao mesmo tempo, o impulso, que nos leva a realizar urn ato e a representaga'o consciente que temos dsste ato, no momento de realizh-lo. S 6 podemos imaginar rnotivos no cCrebro do homem, sob a forma de representaq6es interiores va'ps, anilogas As que temos de nossos pr6prios estados interiores. P a r a exprimi-las, temos forqosamente de servir-nos de palavras, quase sempre metaf6ricas. Estamos, em tal caso, diante de fatos psiquicos (vdgarmente chamados, sentimentos e idCias). Nos documentos sles se revelam sob trGs aspectos, constituindo tr& espkies: lo - motivos e concepqBes dos autores que os exprimiram; Z' - rnotivos e id&as que os autores atribuiram a seus conteinporiineos, a cujos atos assistiram; 3O - motivos que n6s mesmos supomos existirem nos

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CH. V. LANGLOIs

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I NTRODUGAO AOS EsTUDOS

CH. SEIGNOBOS

atos relatados nos documentos e que ribs repres&tamos se,aundo a imagem dos nossos.. . Fates materiais,. atos hu,manos in.&viduais e coletivos, fates psiquicos,- cis t ~ d o s0s objetos d o conhecimen~t~ histbrico; nio se observam diretamente; slo, todos, imaginados. os historiadares -- quase t0d0.S sem disso, terem consci-ia e acredi.tando ,)@ que observam realidades - operam eempre e apenas s&rbre imagens. -

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IV - Gomo, pois, supor f a t o s que nzo sejam inteiramente imaginsrios? 0 s fatos imaginados pel0 historiador szo, forsosamente, subjetivos; isto constitui uma das raz6es para que se negue h hist6ria o carAter d e cihcia. Mas subjetivo n5o C sin6nimo de irreal. Uma lernbranqa 6 apenas uma imagem, mas longe c s t ~ ,de ser uma quimera, pois c a representaqgio de uma realidade passada. fi verdade que o historiador, trahalhando corn documentos, nlo tem I& sua disposi@o lembranSas pessoais ; mas pode - e 6 0 qUe redmente w o r m - conskruir imagens pel0 odelo lo d,e suas lembranqas. Pode supor que os fatos: desaparecidos (,o,bjetos; atos, .motives ) , observados outrors pdos autores dos docu,mentos, sgio semlhantes aos fatos contempo-. a que ele .,Pr&rio assistiu e cuja lembranp E' 0 postulado de tbdas as cicncias ,documentkias. a rAne0s7

se

atual, na,da seria possivel entender dos documentos. Partindo desta semelhanca, o historiador constroi uma imagem d o s fatos histbricos antigos, parecida .corn a lembfanla dos fatos a. que pessoalmente assistiu. trabalho, que se processa inconscientemente, 6 para a: hisf6ria uma das principais fontes de Crro. coisas passadas, que temos de imaanar, n l o - s50 completamente semelhantes As coisas presentes, que assistimos ; nunca vimos um hornem semelhante a Cesar OU Clevis, nem passamos pelos mesmos estados interiores que eles passaram. Nas ciencias constituidas trabalhamos tambem com fatos vistos par outros observadores e cuja representac50 deve ser por n6s construida por .analogria; mas sstes fat0s Se definem em terinos precisos, que indicam os 'elementos invarihveis que devem .entrar na imagem. E~ fisio-. logia, v. g., aS'n0~6es6 t 5 0 firmadas corn niti.dez bastante para. que a mesma palavra desperte em todos os naturalistas uma. imagem semelhante de um 6rgio ou de um movimento. A ra250. esth em que cada no@o, designada por um nome,

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HIST~RICOS

155

mttodo de observaqlo e de abstraglo que precisOu .ma.da '&or e descreveu todos os caractetes COmuns desta no~go. que um conhecimento se aproxima de fates s, es invisiveis, as no~Bes tornam-se mais confusas e a S6 podemos exprimir 0s fates humanos, lingua menos precis&. inclusive os rnais vulgares, coma condiqbes sociais, mdivos e sentimentos, par meio de termos vagos (re;, guerreiro, coW'Lbbter, eleger). Para 0s fenbmenos mais ~0.mplexosa lingua 6 de tal modo indecisa que n5o nos & possivel chegar a um ac6rdo ,equer em rela,-% aos elanentos necessMos do fen8meno. Q~~ 6 uma tribe, um ex&rcit~, uma inddstria; um mercado, uma revolu+o? - A histbfia, neste passo, participa do vago d e thdas as ci&n.cias da humanidade, psicolbgicas OU s ~ i a i s . Mas seu proeesso indireto de representag50 por h a g e n s toina este vago ainda mais perigo~o - Nossas imaqens bist6rieas deveriam, a. menos, reprcduzir 0s traqos essenciais. das imagens clue se produziram no espirito dos observadores diretos dos fates Passados : era, os termos em que $les vazaram Suss imagens. nl" nos podergo dar, nunca corn a exafidio desejada, 0s elementos essenciais constitutivos dessas imagens. descrfios em termOS que nHo nos que n i o representp-los watamente, eis os dados da histbriaOra, historiador, &rigado a construir representq6es.de s6 f m n ~ a rsuss gens de fates., deve preucupar-se, sempre, imagens corn element~sexatos, de mod0 a imaginar 0s fates corno os teria vjsto, se a e p r 6 p r i ~pudesse observ&-10s. (155) ara criar uimageml, tern Gle necessidade d e mais do ,que lhe podem fornecer 0s docwnenkos. ExPerimentemos figurar, a n6s mesmos, urn :cormbate Ou uma cerim6nia, s e r v i n d o ~ ~ odos s dados de uma narraqgo, pOr 'mais minuciosa que seja, e veremos quanta €oisa 6 i n d i s ~ s A v e 1acrescelltarlhe. Esta necessidade 6 materialmente sensivel naS restauraF-es de monumentos fundados em descri~6es(par exem~lo,a do .teemplo de Jerusalem), nos quadros que pretendem desenho,~dos j0rnai.S ilustrados. sentar cenas histbricas, T6da .imagem histbrica contern, portanto,. Urns f ~ dme ~ de fantasia. 0 historiador 1-150 pode dimin&-la, mas pode cal-

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(155) $ a mesma afirmaQo feita por Carlyle e Michelet, em cloquente. Sste, tarnbem, o sentido da famosa frase de' : c E~ quero lnostrar coma isso ocorreu na realidade" ( f v i - ~es .

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INTRODUCAO cular os elemeritos reais que entram nas imagens e, sbbre Qtes,. erigir a sua obra; estes elementos s5o os que 6le conseguiu nos documentos. Se, por exemplo, para comprender a batalha de Cesar e de Ariovisto, tiver necessidade de reconstituir .mentalmente os -dok exkrcitos, dever6 ter o mn&&no cuidado de nada concluir e_m relac50 ao a s p d o geral com que istes se apresentam ao seu e s ~ i r i t o ;seu raciocinio deve operar, ex.clusivamente, com os pormenores reais que figuram nos documentos. V - 0 problema do mCtodo hist6rico estii, pois esclarecido. Com os traqos esparsos nos documentos, formamos imagens. Alguma-s destas, de cariter ,material, apresentadas pelos , m n u mento,s fjgurados, repi-esentirn direta-~nent,eurn dos aspectos reais das coisas passadas. A maioria - e t%as as imagens de fatos psiquicos se incluem neste caso - siio formadas i semelhanqa de figuras desenhadas outrora e, prin~ipa~mente, de fato{ atuais, que observamos. Ora, a ve~dadeC que as ,coisas passadas s6 em parte se assemelham As atuais e que o .interSsse da jhistbria esid exatamente na;s diferenqas e n5o nas semelhanqas. .Corn0 pod'emos, pois, representar nentalmlente Cstes diferenies traqos., se nenhum mod@!o temos que nos fadlite reproduzi-10s ? Nunca pudemos ver nenhuma horda semelhante aos guerreiros francos? nem experimentamos, pessoalmente, sentimeiltos que empolgaram Clovis ao partir para a guerra contra os visigodos. Como nos ser5 possivel imaginar tais fatos, de maneira a conform&-10s A realidade? N:a pritica, as coisas se passam. do seguinte modo.: logo que urna frase de um .documento C lida, uma imagem se f o r c ~ a em nosso espirito, por uma operaqgo espontihea, s6bre a qua1 1-150 temos 'domnjnio ; esta imagem, produzida por u,ma andogia superficial, de 01-di'&r.io grosseiramente falsa; cada um de n6s pode achar. nas ~ r 6 p r i a slembranqas a maneira absurda por que concebeu, ao primeiro contacto corn a histhria, 0s personagens e as cenas do passado. 0 traba1.h~da histbria consiste em retifitcar gradualinente nossas imagens, substituindo, unl por um os traqos falsos pelos exatos. JB vimos pessoas de cabelos cuivos, escudos, franciscas (ou desenhos dgstes objetos) ; aproximamos EsQes elementos, para corrigir nossa primeira . imagem dos gue,rreiros f rancos. A imagem hist6rica, d36stemodo, acaba por ser uma combinaq50 de dementos tirados d e experiencias diferentes. NCo nos -basta, kodavia, a .representa@o mental dos Gres e dos atos isolados. 9 s atos e os homens participam de um

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AOS ESTUDOS HIST~RICOS

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conjunto, de uma sociedade e de uma evoluq50; devernos, tambem, figurar ;.s relaqBes entre os homens e os atos (riaq6es, governos, leis, p e r r a ) . Mas, .para imalginarmos relaq6es, devenlos conceber u,m conjunto. Ora, os documentos s6 nos apresentam fatos iwlados. 0 historiador C, p i s , forqado, tam%en~aqui, a recorrer a um process0 &jetivo. Imagyua 6le ulna sociedade ou uma evoluq5o e, nesse quadro imaginado, .sirtua 0s elementos fornecidos pelos documentos. Portanto, enquanto a classificaq50 biol6gica se processa em urn conjunto real, observado obj etivamente, a cl~ssificaq50hist6rica s6 se pode realizar em um conjdnto subjetiyamente imaginado. S6 podemos observar e conhecer a realidade passada, comparando-a com a atual. Para termos. uma id&a das cond.iq6es em que se produziram os fatos ,passados, devemos procurar comhecer, pels observa@o da humanidade presente, as condiq6es em que se produzem os fatos anAlogos do presente. A !hist& ria se I-esumiria, dCste inodo, ern ulna aplics~5odas ciCncias descritivas d a humanidade (psicologia descritiva, sociologia, ou ciincia sociai) ; .mas t6,clas estas, tamben1, sso ciencias ainda ma1 constituidas e a falta de seouranqa b em suas afirnlaq6es retarda a constituiq50 de uma cihcia h.ist6rica. Todavia h& condiq6es da vida hurnana t5o necessirias e evidentes que a mais rudimentar observaqgo bastaria para fixar: S5o as que .dizem respeito a tbda a humanidade; derivam da organizac50 fisiol6gica que criou as necessidades materiais dos homens ou da organizaq50 psicol6gica diste que Ihe criou hibitos e conduta. Tais condiq6es podem ser previstas em um questionirio geral que servir6 para todos os casos. Do mesmo mod0 que a critica hist6rica e pela mesma razCo - a impossibilidade de observar diretamente - a construqCo hist6rica C forqada a empregar o mktodo do questiodrio. 0 s atos humanos, que forrnam a histbria, diferem de uma &oca ou de um pais para outro, como diferem os homens e as sociedades; o objeto pr6prio da hist6ria consiste exatamente em estudar essas diferenqas; se os hornens tivessem tido sempre o mesmo gov&rno, ou houvessem falado a mesma lingua, nCo haveria 1natCria com que construir a hist6ria dos governos ou das linguas. Mas estas diferenqas est50 situadas entre os limites das condic6es gerais da vida humana, s5o simples variedades de certas formas de agir o u de ser, comuns a t6da a humani-

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fatos conhecidos. $ (ou deve,ria ser) a terceira operaGo; corn ela se avolulna par unl trabalho Ibgico, a massa dos conhedmentos hist6ricos. Ainda agora n5o ten~os mais, em nossa frente, que urn aiervo d e fatos justapostos em quadros. Devemos condens'a-10s em fo'rtnulas e tentar .destacar-lhes os caracteres. gerais e as relaq6efs.. I3 a quarta operaqLo; ela nos conduz i s conclus6es 61fimas da hist6ria e coroa a construq5o hist6rica do ponto de vista cientif.ico. Mas como o conhecimento histbrico, complexo e embmsoso p6r n a t ~ ~ r e z aapreseilta , dificuldades excepcionais para ser transmitido, resta-nos ainda estabeleaer o s processos para expor os resu1,tados da kistbria. VH - Zsta d r i e de operaqijes, f k i l de conceber, tern sido senlpre executada de modo imperfeito. Tem-na entravado dificuldades materiais, c;ue as teorias metodol6gicas nbo tonlarain em conside~aq50, mas que C preferivel encararmos de frente, para concluirmos se devem ser tidas como insuper5veis. As operac6es hist6ricas sPo t5o numerosas, desde a desco- . berta do documento at6 A. f6rmula final de conclusbo, r d a q a m precauq6es t60 minuciosas, aptidijes naturais e hkbitos t5o diferentes, que em nenhum d e seus aspectos urn Grnico homem pode executar, por si mesmo, fodo o trabalho. A histbria, menos que qualquer outra ciincia, pode dispensar a ,divisLo do trabalho; ora, menos que qualquer outra, ela a pratica. Eruditos ha, que se especializaraln em escrever hist6rias gerais, em que constroem os fatos ao sabor da ~ r 6 p r i aimaginaqgo (156) ; tais "construtores" trabalham con1 materiais, cuja validade n5o se deram ao tra.ba1h.o dLeprovar. (157) I? que a divis5o do trabalho implim uma cooperaq50 entre os trabalhadores e em hist6ria esta cwoperaqZio p6o exi,ste. Cada qua1, a nZo ser 'nas operaq6es preparat6rias de cftica externa, procede sob o influx0 da inspiraqk pessoal, s u n m&todo com,um, sem a preocupaq5.o do cunjunto .em que seu trabalho .deve, afinal, in,tegrar-se. l3% a considerar, tambem, o fato de qu.e nenhum hi.storiad'or p d , corn segxranp. utiiizar-se (dos resultados do trabalho .do outro,' camo acontecc nas ciencias. constituidas, pois n5o Ihe C possivel (156)

Curtius, em sua

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HistSria Grega"; Mommsen, em sua " Hist6-

" Hist6ria Romana " (antes do Impkrio) ; Lamprecht, , e m sua ria da Alemanha".

(157)

Basta citar, aqui, Augustin Thierry, Michelet e Carlyle.

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saber se foram obtidos por processos dignos de confianqa. 0 s mais escrupulosos negam-se a admitir qualquer trabalho referente a documentos que nHo tenha sido refeito por 6les mcsmos ; 6 a atitude de Fustel de Coulanges. (158) Esta exigencia s6 pode ser satisfeita para os periodos mal, conhecidos, cujos documentos, atualmente conservados, se encerram em alguns volumes; contudo, 0 pensainento duminante, que chegou a erigirse em dogma, 6 que um historiador n5o deve nunca trabalhar com material de segunda m5o. Quase todos trabalham com material de segunda mbo, por necessidade, quando os docurnentos sbo demasiado numerosos para que possam ser lidos, mas ninguem confessa que assim procede, por temor do esciindalo. Seria preferivel confessar desabusadanlente a realidade. Uma ciencia t5o complexa quanto a histbria, onde C precis0 acumular ordinariamente milh3es de fatos, antes que uma copclus5o possa ser formulada, n50 pode edificar-se s6bre Este perpCtuo recomqar. N5a fazemos a constru@o hist6rica com documentos, do mesmo mod0 que n5o "escrevemos a hist6ria com manustri.tos", pela meslma e simples razbo, que se resume em uma razgo de tempo. Para conseguir o process0 da ci6ncia deveinos combinar os resultados de milhares d e trabalhos de pormenor. Co-no dev-emos, pois, agir, visto que a maioria dos trabalhos sZo feitos por m6todos suspeitos, sen50 mesnlo incorretos? A confianqa universal nos levaria ao S r o , do mesmo modo que a desconfianq universal h ~ reduzirk s i impotincia. E s , pois, uma regra que ao menos nos servirb de guia: Devemos ler o s trabalhos dos historiadores com as mesmas precauqijes criticas de que nos cercamos quando ~lemosdwumentos. 0 instinto natural nos impele a procurar conclusBes em tais trabakos e a adoti-las como verdades indiscutiveis; devemos reagir contra tste impulso e buscar, mediante uma an2ise continua dos trabalhos que exarnin~mos, simplesmente 0s fatm, as provas, os fra,gnectos, em resumo, 0s materiais. Devemos 1-efaza o trabalho do autor, mas isto polder& ser feiQ depressa, pois o que exige muito tempo C retlnir os materiais; finalmente, s6 aceitaremos as conclus6es que estiverem demonstradas.

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(158) V. no P. Guiraud, Fzlstel dc Coz~lan.gcs (Paris, 1896, in12) p. 164, observa~6esmuito judiciosas a respeito desta preten~so.

IN TROD US^^ liLrio. 2.O) Vida privoda: A. Einprego do tempo (higiene, cuidados com o corpo e vestuSrio, refeiq6es). B. Cerimonial social ( f unerais e casame'ntos, f estas, protocolo). C. Divertimentos (exercicios e caqa, espetScu!os e jogos, reuniBes, viagem). I V - COSTUMES ECONOMIC~S. 1.O) Produgiio: A. Cultivo do solo e. criaqio de aninlais dom6sticos. $3. Exploraqio de minerais. 2.O) Transformqdo. Transportes e ilzdzistrias (161) : processos tknicos, divisio do trabalho, vias de comunicaq50. 3.O) Couute'rcio : troca e venda, crCdito. 4.O) RepurtigZo : regime da propriedade, trammissio, contratm, repartiqiio dos produtos.

V - INSTITUICOES SOCIAIS. 1.O) Fauvcilia: A. ConstjtuiqBo, autoridade, condiqiio da mulhei- e dos filhos. B. OrganizaqZio econ6mich. ( 162) Propriedade familial, sucess6es. 2.O) EducagZo e inst~ztgiio (fins, processos, agentes), 3.O) Clusses sociais (principio de divisHo, regras das relaqBes) ,

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V I - INSTITUICOES POBLICAS (obrigat6rias) : 1.O) Institzticbes politicas : A. Soberano (pessoal a seu serviqo, meios de atuaq5o da sua autoridade). B. Administra@, serviqos (guerra, justiqa, f inanqas, etc.) . C. Poderes de eleiqio, assembliias, corpos eleitorais (poderes, modos de atuaqio) . 2.O) Instituigbes eclesicisticns (mesmas quest6es). 3.O) Insti= fzriro"es i7al.e?-?zucio?tnis : -4. Diplomacia. B. Guerra (usos de g u e n a e artes militares). C . Direito privado e comkrcio. 0 grupamento dos fatos, em razz0 de sua natureza, se conibina corn o grupamento em razio do tempo e d o lugar em que se pi-oduzirain, de mod0 a permitir, em cada ramo, a criaqHo de seqces cronol6gicas, geograficas ou nacionais. A hist6ria d e urna espkie de atos (a lingua, a pintura, o govCrno) se subdivide em hist6ria de ~eriodos,de paises e de naq6es (histbria da lingua grega na antipidade, hist6ria do govGrno francb no sCculo X I X ) . 0 s mesmos principios servem para decidir a ordem em que os fatos devem ser classificados. A necessidade de aprel (161) 0 s transportes, frequentemente classificados no comkrcio, constituem m a espkcie da indcstria. (162) A propriedade C urna instituicZo mista: econ6mica, social e plitica.

AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

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sentar os fatos uns depois dos outros torna ebrigat6rio o us0 de uma regra met6dica ' de sucess50. Podemos expor, segundo urn critCrio de continuidade, quer todos os fatos que ocorreram em urna s6 Cpoca, quer todos os fatos de L ~ nlesino I pais, quer todos os fatos de urna s6 espkie. Tbda mat6ria hist6rica podc ser distri~buidaFor tr6.s eepkies dle ordein diferentes: 0rdel-l: cronoldgica (ordem dos tempos), - ordem geog7~bfifica(ordem dos lugares, que quase sempre coincide com a ordem das naq k s ) , - ordem das espkies de atos, denominada ordinariamente ordem lbgica. $ impossivel seguir exclusivamente urna destas ordens: em t6da exposiqio cronol6gica C preciso discernir as questBes geogrificas das 16gicas, passar de um pais a outro, ou de urna espCcie de fatos a outra e inversamente. Mas 4 imperioso, sempre, decidir qual ser5 a ordem dominante, a que as outras se subordinario, como subdivis6es. Entre estas tres ordens a esr-olha 6 delicada; diferentes motivas podem ,deternlinar a decisso por urna delas, sendo necessBrio niio esquecer nunca qual a es&ie de pi~blicopara o qual o historiador trabalha. Esta matCria diz respeito ao mCtodo de exposiqio, cujo desenvolviinento nio cabe aqui, pois 'seria muito longa a apresentaqio de sua teoria. I1 - Logo que comeqamos a triar os fatos hist6ricos, pnra classificfi-los, deparamos urna quest50 que tem provocado ardentes debates. Todo ato ,human0 6 , por natureza, urn fato individual, passageiro, que s6 pode ser pr,oduzido em um Gnico momento e um Gnico lugar. Em sentido real, todo fato C Gnico. Mas todo ato de um homem estS de tal mod0 ligado a ou>tros atos disse mesmo homem, ou a atos de outros homens pertmcentes ao mesmo grupo que, ki15o raro, acontece ser o conjunto d e tais atos designado por ui- 56 nome; Gstes atos semelhantes, que se agrupam irresistivelmente no espirito humano, denominam-se hAbitos, usos, instituiq6es. N l o passam de construqdes do espirito, mas impBem-se com tal f6rqa A inteligencia dos homens que muitos dEles se tornam regras obrigat6rias; fstes hibitos sio fatos coletivos, durSveis no tempo, extensos no espaqo. Podemos, pois, considerar os fatos hist6ricos sob dois aspectos opostos: ou naquilo que t2n1 de individual, de particular, de passageiro, ou no que d m de coletivo, de geral, de duradouro. No primeiro caso, a hist6ria se apresenta como a narraqio continua dos acidentes que ocorreram com os homens do passado; n o

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C H . SEIGNOBOS

segundo, ela constitui um quadro dos hAbitos sucessivos da humanidade. Neste campo travou-se, na Alemanha principalmente, a batalha entre os partidirios da hist6ria da civilizaq5o (Culturgeschichte) (163) e os historiadores de profiss50, que permaaeceram fiCis A tratliqio da antiguidade; hti Franfa, houve luta entre a hist6ria das instituiq6es, dos costumes e das idbias e a histbria politica, apelidada com desdem pelos seus adverdrios "a hist6ria-batalha". Esta oposiqio se explica pela diferen~ados documentos que os trabalhadores dos dois partidos tinham o hibito de consultar. 0 s historiadores, que se ocupavam principalmente da hist6ria politica, s6 enxergavam os atos individuais e passageiros dos governos, em que C muito dificil perceber um traqo geral. Nas hist6rias especiais, ao contixirio (exceto a das literaturas) os documentos s6 apresentam fatos ~gerais,como urna forma de linguagem, um rito religioso, ou ulna regra de direito; s6 por um esfbrqo de imaginal50 C possivel representar o homem que empregou tal fwma grainatical, realizou tal rito, ou praticou tal regra. NZo ltelnos que tomar partido aesta controvCrsia. A construq5o histbrica completa pressup6e o estudo dos fatos sob os dois aspectos. 0 quadro dos hhbitos de pensamento, de vida e de as50 dos homens 6, evidenbemente, urna parte capital da hist6ria. Contudo, depois de havermos reunido todos os atos de todos os individuos, para dtles extrair o que t6n1 de comum, s6 ficaremos com urn residuo, que n5o temos o direito de desprezar, porque Gste residuo C que constitui o elemento propriamente histbrico; isto porque a maioria dos atos C formada pelos atos de um Q o m m ou de um grupo d1ehornens em um momento dado. Em um quadro reduzido aos fatos gerais d a vida politica n50 haveria lugar para a vit6ria da Farsdia ou a tomada da Bastilha, fatos acidentais e passageiros, mas sem os quais a hist6ria das instituiq6es de R m a ou da Franqa n5o seria inteligivel. ,4 hist6ria C, portanto, ~brigadaa combinar o estudo de certos fatos particulares com o dos fates gerais. Tem, .par isso, um cariter misto, indeciso entre urna ci2ncia de generalidades Para a hist6ria e a bibliografia d&ste movimento v. Ber(163) nheim, o. c., p. 45-55.

INTRODUSHO

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e urna narrago de aventuras. A dificuldade de classificar tste hibridismo em urna dcs categorias do pensamento human0 t frequentemente q r e s s a por urna pergunta pueril: a hist'riria C urna arte-ou urna cii?pcia?

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I11 - 0 quadro geral que apresentamos aciina pode servir de questioniirio para determinarmos t&s as esp6cies de hibitos (usos ou institui~6es)cmn que pdemos tentar construir a Mst6ria. Mas antes de aplicarmos k t e quadro geral ao estudo de um grupo qualquer de h&bitos histbricos, como a lingua, a religiio, os usos privados ou as" instituiq6es politicas, cumpre-nos, sempre, resolver urna quest50 p&via: A quem devem ser atribuidos os Gbitos que vamos estudar? Sem dGvida, eram comuns a um grande n h e r o de individuosl e 6, exatarnente, A cole~5odos individuos de hAbitos iguais que darnos o nome de grupo. A primeira condiq50, pois, para estudar um hibito, consiste em deternzinar o grupo que o ~raticou. A tste respeito devemos, desde logo, resistir ao primeiro impulso, pois, quase sempre, tle nos leva a um estado de negligtncia que pode arruinar t6da a constru<@ohist6rica. Niossa tendencia natural nos conduz a representar o grupo em funs50 do modtlo da q & i e animal, como um conjunto de . homens, todos semelhantes. Tomamos urn grupo ligado por um carAter aparen.temente nitido, uma naq50 subordinada a um m s m o govtrno of ilcial (romanos, ingleses, ,f ranceses) , um povo que se exprime na mesma ,lingua (gregos, gerrnanos) e procedemos como se todos os rriembros dtsses grupos s'e assernelhassem e m todos os pontos e tivessern os mesmos usos. Ein verdade, nenhum grupo real, nem mlesmo uma sociedade centralizada, constitui um conjunto homogEneo. Em relaq5o a uma grande parte da atividade humana - a lingua. a arte, a ciencia, a religiio, a vida econbmica - o grupo C flutuante. Que C o grupo das pessoas que falam grego, o grupo crist50, o grupo da citncia moderna? Att os grupos dernarcados por uma organizaq50 oficial, os Estados e as Igrejas, constituem unidades supe~ficiaisfonnadas por elementos heterogtneos. A naq5o inglesa compreende escoceses e irlandeses; a igreja cat6lica comp6e-se de fiCis esparsos por todo o mundo e em iudo diferentes exceto na religi50. N,enhum grupo existe, cujos membros tenham os mesmos hSbitos, sob todos os aspectos.

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INTRODUCAO .0 meSnlQ llomem 6, ao mesmo tempo, membro de. vkrios grupos e em cada grupo tem~compa~lrheiros diferentes. Urn canad.ense franc& C nleixbro d c Estado brithico, da Igreja catblica e do grupo de lingua francesa. 0 s gm~posmisturam-se, assim, uns aos outros, de mod0 tal que C inlpossivel dividir a humanidade em sociedades nitidamente distintas e justapostas. Encontramos, nos documentus histhricos, nomes de grupos empr-egados por conte:mpor~neos,mn,uitos dos quais tirades de circunstAnc.ias superficiais. Em vez de adotar estas fioq6es supenf i,ciais, devemos . s~bor~dinar-nos Q regra be as criticar, de precisar a natureza e a extensilo do grupo, fonnulando as seguintes perguntas: De que hcvmens se compunha o grupo que estudamos? que ,el0 0,s unia? quais os seus hsbitos comuns? por que eslp6ci.e~.de atividade diferiam des? S 6 ,depois de havermos revondido a estas pel-guntas estaremos em :condiqBes de saber quais os h6bitos do grupo que - pelas vantagens quc apresentam em relaqbo ao nosso objetivo - podem figurar em nosso quadro ,de lestudos, cuja elabora@o dever5 nortear-se pel0 principio de que a cada esp+ie de f a t o deveri corresponder urna espCcie de gntpo. Para e s t ~ ~ d 0s a r hibitos intdectuais (lingua, religiLo, arte, ci6ncia) tomaremos, nLo urna n a e o politics, mas o grupo das pessoas que tiveram em comum Zsses habitos, para estudar os fatos ecoi~dmicostoinaremos um grupo ligado por interesses econ6micos; reservaremos o grupo politico para o estudo dos fatos sociais e politicos; eliininaremos, completa e definitivamente, a id6ia d e raga coino elemento de classificaqHo. (164) 0 grupo, ainda em relaqLo aos pontos em que C homog2ne0, nLo o C inteiramente; divide-se em subgrupos, cujos membros dif erem por alguns hibitos secundirios ; urna lingua se divide em dialetos, urna religi5o em seitas, urna naqso em provincias. (164) Nso 6 mais necesshio demonstrar a inanidade da noqPo de raqa. Este nome servia para designar grupos vagos, formados pela naqfio OII pela lingua; as raws dos historiadores (grega, romana, germsnica, ck!tica, eslava) sb o nome tinham de cornum corn a raqa, entendida em seu sentido antropol6gic0, isto 6, considerada como urn grupo de homens dotados hereditariamente dos mesmos caracteres. A noq50 de ray4 corn a acep~soque Ihe davam os historiadores chegou ao absurdo, con1 o abuso que dela fez Taine. Uma boa critica a respeito d&ste assunto encontranios em Lacomte, o. c., capitulo XVIII, e em Robertson, The Sa-rolz and the Celt, Londres, 1897, in-8.

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- Inversamente, um q u p o se assemelha a outros,

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de mado a poder a Gles seT comparado; em urna classificaq~ode conjunto, podemos reconhecer "familias" de linguas, de artes, de povos. Cumpre-nos, pois, formular estas perguntas: Como se subdividia o grupo que estudamos? Em que conjunto poderia 6le ser incluido? Torna-se agora possivel estudarmos metodicamente um hAbito, ou at6 urn conjunto de hAbitos,ern t& tempo e urn lugar da,dos, baseando-nos no quadro que a c k a demos. Nenhuma dificuldade de m6todo apresenta a operaqLo, para t6das as espkies ,de fatos que se revestem de for.mas de hkbitos individuais e voluntirios: lingua, arte, ci&ncias, concepq6es, usos privados; basta constatar em que consi.stia cada hAbito. C,umpre, apenas, distinguir o pessoal que criava ou mantinha os h6bitos (artistas, sdbios, filbofos, criadores d a moda) .da massa que os recebia. Mas quando chegamos aos h6bitos sociais ou politicos (a que chamamos instituiq6es), deparainos contdiq6es novas, que gerain urna inevitivel ilusLo. 0 s nlembros de um mesino grupo social e politico nHo t&n apenas o h6bito de atos semelhantes, mas agem uns stsbre os outros por atos reciprocos. 01s h&bitos tornam-se relq6es entre si; quando sLo h6bitos antigos, foi-mulados em regras ofi.ciais e impostos obrigatotrianlente poi- uma autoridade matei-:ial, mantidos por !pessoal especializado, assuinem urna tal iinport%mia na vi!da que d60, aos que os pr.aticam, a iilzpress50 d'e realidades exteriores. 0 s homena, que .se ;especializararn ,em uma ocupaq90, ou funqLo, que se tornou o %bit0 doininante de suas vidas, d5o a impressdo de agruparem-se :em categorias distintas-(classes, corporaq6es, igrejas, governos) ,e estas categorias' parecem s6res reais ou, pelo menos, 6rgLos incumbidos, cada um, de uma funq5o em um ser real, que C a s0ciedad.e. For analogia corn o corpo de um animal ch,eganzos a descrever a "estrutura" e o "funcionamento"de urna sociedade + e at6 sua ('anatoinia" e. sua "fisiologia". Tudo is'to nLo passa de simples metsfora. Constituem a estrutura os costumes e as regras que repartem as ocupaqBes, os lazeres e as func6es entre os Ihamens: formam o funcionamento as atos habituais, pelos quais cada homem se p6e em relaqso com os outros. Se acharmos cbmodo empregar tais termos, nso devemos esquecer que servem para designar simples hibiltos.

INTRODUGXO AOS

Todavia, o estudo das instituiq6es nos obriga a formular problemas especiais, relatives As pessoas e 5s funq6es que exercem. E m rela@o As instituis6es econ6micas e sociais, devemos procurar saber como se fazia a divis5o do trabalho e das classes, quais eram as profissBes e as classes, camo se recrutavam c quais as relaq6es que anirnavam a vida das diferentes profisdes e classes. - Para as instituiq6es politicas, consagradas por normas obrigat6rias e sujeitas a urna autoridade material, estabelecem-se duas series novas de indagaq6es : l o ) Qual era o pessoal dotado d e autoridade? Quanldo a autoridade e s t i dividida C indispensiivel estudar a repartis50 das funq6es, analisar o pessoal em seus diferentes grupos (principal e subordinado, central e local) e distinguir cada um dos corpos especiais. Para cada esp0cie de governantes devemos perguntar: como eram recrutados os detentores do poder? Em que consistia sua autoridade oficial? Quais os meios reais de aqio de que dispunham? 2.O) Quais eram as regras oficiais? Qual a forlna de que se revestiam (costumes, ordens, leis, precedentes) ? Qual o seu conteGdo (regras de direito)? Qual a forma por que se a~licavam(processo)? E, principalmente, em que as regras diferiam d a priitica (abusos do poder, exploraqio, conflitos entre os agentes, regras nCo observadas). Depois de haverrnos determinado todos os fatos que constituem uma sociedade, resta-nos repor esta sociedade no a n j u n t o das sociedades do m e m o tempo. ' Nisto consiste o estudo .das instituiq6es internacidncais, intelectuais, econ6micas e politicas (diplomacia e usos de guerra) ; seus probiemas sHo os mesmos que os d o estudo das instituiqties politicas. A isto deveriamos acrescentar o estudo dos h5biltos comuns a vQrias sociedades e das relaq6es que nio assumem urn carbter oficial. B esta, todavia, uma das partes menos avanqadas da construqio hist6rica.

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IV - Bste trabalho permite t r a p r o quadro da vida huma,na em dado momento; confere o conihscimento de um estado d a sociedade (em alem50, Zzcstand). Mas a histdria n i o qs& limita a estudar os fatos simultiineos tornados em repouso (isto .&, no seu estado estdtko). Estuda tambem os estados .da mciedade em xno~men.tosdiferehtes e constata as , difrenqas kxistentes - entre Ues. 0 s hfibitos dos homens e

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suas condiq6es materiais altei-am-se de uma C p c a para outra. Ainda quando parecem conservar-se, nLo permanecem exatamente os mesmos. I3 preciso, p i s , -deter estas transformaq6es; nisto se resume o estudo dos fatos sucessivos. ~DestasalteraqBes, as que mais i n t e r k e apresentam para a construq50 histbrica s%o as que se produzem em um mesmo sentido (165), de tal mod0 que, por uma d r i e d e diferenqas graduais, um uso ou uin estado de sociedade se transforma em um use ou um estado diferente, ou, para falar sem met5foras, quando os homens d e determinada &poca praticam urn hfibito muito diferente d e outro seguido por seus ancestrais, sem haverem atravessado mutaq6es violentas. B a evolug6o. A evolu@o se produz em todos os hibitos humanos. Basta, portanto, para estudQ-la, retomar o questionbrio aue serviu para levantar o quadro da sociedade. Para cada um dos fatos, condiqBes, usos, pessoal investido de autoridade, regras oficiais, imp&-se a indagaqso: Qual tem sido a evoluqio dEste fato? 0 estudo comportar5 vArias operaq6es : 1.O) determinar o fato, cuja evoluq%o queremos estudar; 2O) fixar a duraqio do tempo em que ela se realizou; devemos escolher o p d o d o de .tempo, tendo em conta que, hele, a transformaq50 deve ser evidente, sem prejuizo do liame que deve existir entre o ponto d e partida e o de uhegada; 3O) estabelecer as etapas sucessivas Ida evoluqCo; 4O) procurar saber por que meio ela se operou.

V - Uma sCrie, ainda que completa, dos estados de tirdas as sociedades e d'e t8das as suas evoluq6es, n i o (bastaria para esgotar a matQia da hinsit6ria. Ficariam perdidos muitos fatos rinicos, de que absolutamente n5o pphderiamos pescindir, por serem indispenshveis para explicar a formaqLo d m estados e o comep das evoluq6as. G m o estudar as instituiq 6 s ou a evoluqZo da Franqa, sem falar da conquista das GBlias por ,Cesar e da invasdo dos BQrbaros? Esta necessidade de estudar os fatos Gnicos gerou a afirmativa ,de que a histbria h6o pode ser uma citncia, y r q u e (165) HB desaccrdo quanto ao fato de caber no dominio da hist6ria o estudo das transformaq5es em sentido inverso, isto 6, das oscilac6es suscetheis de fazer as coisas retornarem ao ponto de partida.

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INTRODUSAO ltbda ciGncia tern por objeto o geral. A hist6ria esth, a tste respeito, em igualdade de condiq6es corn a cosmografia, a geologia, a citncia das espkies aninlais; a hist6ria n5o visa ao conhecimento abstraio das relaq6es gerais entre os fatas, mas ao estu~do explicntivo da realidade; ora, a realidade s6 existe uma vez. IHA u a a s6 evoluqEio da terra, da vida animal d a humanidade. Ell1 cada uma destas evoluqges os fatos que se sucede'ram foram o produto, n5o de leis abstratas, mas do concurso, a cada momento, de vhrios fatos de diferente espCcie. Bste concurso, a que nos habituamos a dar o nome de acaso, t5 que produz uma sCrie d e acidentes que determinam a marclla particular d a evoluq50. (166) A evolu$io s6 s e torna inteligivel pel0 estudo dos acidentes; a hist6ria esth, sob este aspecto, no meslllo grau de progress0 que a geologia ou a paleontologia. Dtste inodo a histbria cientifica pode retomar, para utiliA-10s no estudo &a evoluq'ao, os acidentes que a hiut6ria tradilcional ramlheu poi- simples raz5o literhria, apenas porque feriam a iinaginaqgo. Poderemos, ent50, procurar os fatos que agiram sbbre a evoluc50 de cada um dos h5bitos da humanidade; cada acidente serh classificado na data em que ocorreu e na evoluc5o sbbre a qua1 tiver exercido influtncia. Bastar&, a seguir, reunir os acidentes de todo gtnero e clmific&los pol- ordeln cronol6gica e de pais, para obterinos o quadro de cdntjunto da evoIuq5o histbrica. Jh entgo, acima das hist6rias especiais, em que os fatos sso classif icados por categorias puramente abstratas (arte, religigo, vida privada, instituiq6es politicas), teremos construido uma hist6ria concreta comum, a hist6ria geral, que ligal-5 as diferentes hist6rias especiais, mostrando a evoluqEio de conjunto que domitlou t6das as evoluq6es especiais. Cada urna das espCcies de fatos que estudamos separadamente (religigo, arte, direito, constituiqzo) n5o forma um mundo feuhado, em que os fatos terianl evolvi,do por uma espCcie d e f6rqa interna, como os especialistas est5o inclinados a imaginar. A evoluq50 de unl uso ou de uma infstituiq50 (lingua, religizo, Igreja, mstado) n5o passa de simples met6-

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(166) A teoria do acaso foi construida de mod0 decisivo por Cournot, no seu trabalho Colzsidkrations s w la ~nmche des idkes et des tvknements duns les temps nzoderlzes, Paris, 1872, 2 vols. in-8.

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fora, pois uin uso C uina abstraq50; uina abstraq5o n5o evolve. Bg sentido pr6prio, s6 os sDres evolvem.

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Quando ocorre ulna transformaGo em unl uso, C que os homens que o praticam inudaram. Owa, os homens 1150 est5o divididos ein compartimentos estanques (religidsos, juridicos, econ6micos) em .que se processam fen6menos interioses isolados ; u m acidente que lhes modif ica o2 estado, tambem lhes akera os hAbitos, embora diversos em sua natureza. A invas5o dos BQrbaros agiu ao mesmo tempo s6bre as linguas, a vida privada e as instituiq6es politicas. N5o nos C possivel, pois, compreender a evoluq50, se nos encerrarmos em um ramo especial da hist6ria; o especialista, para aprofundar realmente a histbria, mesmo quando age dentro do setor a que particularmente se dedica, deve ol~har bem d o alto o campo dos acontecimentos conluns, sobrepondo-se aos muros que lhe confinam a especididade. UIII dos principais rn6rito.s de Taine consiste em haver declarado, a prq6sito da literatura inglesa, que a evoluq5o IiterAria depende nso de acontecimentos literkrios, mas de fatos gerais. A hist6ria geral dos fatos Gnicos se constituiu antes que as hist6rias especiais. Formou-se d o residuo de todos os fatos que n5o puderam ser incluidos nas histbrias especiais e se foi reduzindo A medida qua os ram'os especiais se foram formando e adquirindo autoriomia. Como o s fatos gerais s5o principalmente d e natureza politica e porque C dificil organizh-10s em um ramo especial, a hist6ria ~geral esteve sempre confundida con1 a histbria politica (Stnntengeschichte). (168) Dtste modo, os historiadores politicos foram arrastados pelas circunstiincias, a ponto de se transformarem, tambem, em campe6es da h i s t 6 ria geral, referindo e conservando em suas construq6es todos os fatos gerais (inigraq6es de povots, reforrnas religiosas, in(167) Lamprecht, em um longo artigo, W a s ist Kzdtzwgeschichte, publicado na Deutsche Zeitschrift fur Geschichtswissensclmft, nova siric, t6mo I, 1896, pretendeu fundar a hist6ria da civilizaq5o s6bre a teoria de uma alma coletiva da sociedade, capaz de produzir fen6menos " social-psiquicos " comuns a t6da a sociedade e diferentes em cada period~. I3 uma hip6tese metafisica. (168) 0 nome de hist6ria national, introduzido por prcocupaq6es patribticas, designa a mesma coisa; a hist6ria da nac%o se confunde de fato corn a histbria d o Estado.

INTRODUCAO venq6es e descobertas) necessBrios para compreentder a evoluGo. Para construir a Gst6ria geral, devemos buscar todos os fatos capazes de explicar, tanto o estado de uma sociedade como uma de suas*~evoluq6es,porque b t e s fat6res hist6ricos foram influenciados , p r tais fatos. Devemos buscar os fatos de t8das as ordens como o deslocamento de populaq6es, inovaq6es artisticas, cientificas, religiosas e tknicas, renovaq'io do pessoal dirigente, revoluqCies, guerras, descobrimentos d e paises, etc. 0 que importa C que o fato tenha tido uma a550 decisiva. Cumpre-nos, pois, resistir A tentas50 natural de distinguir os fatos em gra!nfdes e pequenos. Repugna-nos adinitir que grandes efeitos possam ter pequenas causas, que o nariz de Cle6patra tenha podido agir s6bre o hpCrio romano. Esta repugnsncia 6 metafisica e nasce de urna idCia preconcebida da direq5o do mundo. E m t6das as ci6ncias de evoluq'io enconti-am-se fatos individuaie que sgo o ponto de partida de um conjunto de granldes transformaq6es. A l p & cavalos trazidos pelos espanh6is geraram rebanhos enormes que se cspalharam por t6da a AmCrica do Sul. fEm uma inundaq50, u n tronco de grvore pode barrar a corrente e transformar o aspecto de um vale. Na evoluq50 humana deparamos grandes transformaq6es que n5o tiveram outra causa inteligivel a 1-150 ser um acidente individual. (169) A Inglaterra, no dculo XVI, mudou trEs fezes de religi5o pela morte de seus principes (Henrique, Eduardo, Mania). A impordncia deve medir-se n50 pel0 fato inicial, mas pelos fatos que d d e resultam. NZo devemos, a priori, negar a a ~ Q dos o individuos e repudiar os fatos individuais. Ao cont&rio, cumpre-nos examinar se o individuo estava .em situago de agir fortemente. Isto pode ocorrer em dois casos r 1.0) quando a a550 de' alguem agiu como exemplo s8bre uma considerAve1 massa de homens e criou uma tradiqzo, o que ocorre com frequhcia no dominio da arte, da cizncia, da religigo e da tknica; ZO) quando alpem, estanldo de posse do poder, tinha capacidade para dar ordens e imprirnir dir&o na massa dos homens, comlo acontece com os chefes de govtrno, do 0

(169) V. Cournot, o. c., I, p. IV.

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~ C r c i t oou da Igreja. 0 s episcklios da vida de um homem tornam-se, ent50, fatos importantes. Devemos, portanto, no quadro da histbria, atribuir- urn Iugar aos personagens e outro aos sco'htecimentos. V I - B uma necessidade, em todo estudo de fatos sucessivos, fixar certos pontos d e destaque, alguns como que limites de principio e de fim que constituem verdadeiros marcos crono16gicos. Dentro destes marcos situam-se os periodos; C antigo, na histbria, o emprzgo destas medidas d c tempo. Delas temos neces~sidade, 1-450 apenas quando tratamus de hisitbria, geral, mas ainda quando nos preolcupamos cam hist6rias particulares, desde que os fatos estudados sejam durheis a ponto de tornar sensivel a evoluq50. 0 s elementos preponderantes C que servem d e limites aos periodos. Erm relac50 $s hist6rias especiais verificamo's, pnimeiramente, a s aIteraq6es de h&bitos que devem ser considerados como mais ~ r o f u n d a s ;cada uma ciestas alteraqbes passarB a ser considerada com,o data, no process0 de evoluq'io; a seguir, procurarmnos saber quais us acontecimentos que as produziram. 0 acont&imento que produziu a forma550 ou a modificaqzo de um hAbito passa a ser o com6qo ou o fim de urn periodo. estes acontecimentos preponderantes s'io, por vezes, da mesma espCcie que os fatos, cuja evoluq5o estudamos, isto 6, fatos literQios na histbria IiterBria, politicos na hist6ria politi'. Mas quase seinpre s5o de espCcie diferente e, neste caso, deve a hist6nia especial socorrer-se da gerql. Em relaq5o A hist6ria geral, 0s. periodos devem ser definidos tendo-se em conta a evoluq5o de vBrias espBcies de fatos: encontramos acontecimentos que, ao mesmo tempo, marcam um periodo em Grios ramos (invas5o dos BBrbaros, Reforma, Revoluq'io Francesa) . Podemos, entgo, construir periodos comuns a vBrios ramos d a evoluq'io, todos com o principio e o fim deliinitados pelos mesmos acontecimentos que produziram modif icaq6es secun,dBrias. 0 s periodos construidos d$ste modo, isto 15, em razZio dos acontecimentos, tern duraq50 desigual. N5o nos devemos impressionar corn esta falta de simetria; um periodo nfio deve constituir-se de urn nhmero fixo de anos, mas d o tempo em que se processou uma parte distinta da evoluqso. Ora, a evo-

luqlo n l o atua em movimento regular; ela desliza durante uma longa shrie de anos sem modificaqlo apreriivel, para depois sofrer, em curto prazo, transformaqbes r5pidas. Desta ,diferenqa tirou Saint Simon a distinqlo entre periodos org6nicos (de modif icaqbes lentas) e criticos (de modificaq6es rkpidas) ,

RACIOCf NIO 'CONSTRUTIVO I - 0 s fatos hist6ricos contidos nos docunlentos nlo bastam nunca para responder inteiramente i s nossas indagaqbes; muitos problemas ficam sem soluqlo direta e sentimos, n5o raro, a falta de dados necessdrios A loorn~sliqlodo quadro completo dos estados da sociedade, das evoluqBes ou dos acontecimentos. Domina-nos a necessidade irresistivel de -preencher lacunas. Quando, nas ciCncias de observaqlo direta, conlstatamos a falta de um fato, no decurso de u.ma skrie, buscamo-lo por meio de uma nova observaqlo. Em hist6ria, onde Cste recurso n50 , existe, tentamos descobrir a verdade pelo exercicio do raciocinio. Partimos dos fatos conhecidos pelos documentos para dcles inferir fatos novos. Bste processo d e conhecimento C absolutamente legitimo, desde que o rxiocinio seja correto. A experihcia, todavia, demonstra que de todos os processos de conhecimento hist6rico o raciocinio C o de mais dificil aplics@o e o responsdvel pelos mais graves erros. Para utilizi-lo, imp6e-se-nos o dever de cercarmo-nos ,de severas precauq6es a fim de evitarmos o perigo constante que ele oferece. 1.O) Nunca devemos misturar um raciocinio com a anilise de um documento; sempre que nos permitimos introduzir em um texto qualquer coisa qu,e o autor ai n l o haja g s t o expressamente, arriscamo-nos a completi-lo vic.iosamente, atribuindo ao autor aquilo que 6le nfio qui,s dizer.

20) Nunca devemos confundir os fatos extraidos diretamente do exame dos documentos com os remltados de um raciocinio. Quando afirmarmos um dato, conhecido exclusivamente pel0 raciocinio, nlo devemos deixar a mais remota poasiibilidade de que se creia que a afirmaqlo est5 expressa no documento, mas cabe-nos a obrigaqlo ddc declarar por que processo foi ela obtida.

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INTRODUC;~O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

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30) Nunca devemos deixar-nos' conduzir p r um raciocinio inconsciente ; sLo infimeras as possibilidades de q u e seja incorreto. !Basta bztbituarmomos a p6r o raciocinio em forma; em um raciocinio fal,so, a proposiq5o geral C de tal mod0 monstruosa que a, sua si.mpl,es apr,eseflta$io nos causa horror.

50) lNunca devemos tomar uma conjectu~ae tentar transformbla em certeza. A primeIra impress50 sempre maiores probabilidades de ser exata; refletindo s a r e uma conjectura, familiarizamo-nos com ela e acabamos por achi-la bem fundamentada; ora, o que na realidade ocorreu C que com ela nos habituamos. 0 mali5gro C comum aos homens que mditam longamente sBbre poucos textos. duas formas de nos servirrnos do raciocinio: uma negativa e outra positiva; vamos examid-las separadamente. rxiocinio negative, tambem uhamado "argumenI1 to do siIEncio", parte da auskcia de indicaq6es s6bre urn fato. (170) Da verificq50 cle que um fato :fro foi mencionado em nenhum documento, inferimos que tie n5o existiu; tste argumento s e aplica a qualquer esgcic d e , fatos, uses .de todo g6nero, evolu<6es e acontecimentos e tern como fundamento uma impress50 que na vida se exprime por uma b c u ~ 5 ofamiliar: ,se isto houvesse acontecido, forqosamente que. o saberiamos. Esta frase sup& uma proposiq50 que deveria ser assim f ormulada: "se o fato tivesse existido, deveria forqosamente haver urn documento que dele falasse". Para tennos o direito de raciwinar d b t e modo, seria prec i s ~que todo fato houvesse sido observado e notado por escrito e que t6das as notaq6es tivessem sido co?.sservadas; ora, a maionia dos documentos esicritos .estA perdida e a maioria dos fatos que se passam n5o 6 objeto de notago escrita. Para a maioria dos casos, pois, o raciocinio seria falso. A regxi 6, (170) A' discuss50 dCste argumento, muito empregado outrora em hist6ria religiosa, preocupou bastante os antigos autores que escreveram sbbre metodologia e ainda agora tern um lugar de relCvo nos Principes de la Critique Historique, do P . de Smedt.

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portanto, atermo-nos aos casos em que as condiq6es de um born miocinio se acham realizados.

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4 O ) Se o raciocinio 6 sucetivel de d&ar qualquer sombra de dutida, por mais remota que seja, devemos- abster-nos de concluir ; a operaqfo deve ficar s& a forma de mera conjectura, nitidamente distinta dos. resultados definitivamente adquiridos.

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10) N5o basta que n5o existam documentos mencionando o fato; C imperioso que tais documentos nunca tenham existido. 1Na hip6tese de se haverem perdido os documentos, h ~ d a podemos concluir. 0 argumento do sil&cio deve, pois, ser empregado com tanto menos frequbcia quanto maior f6r o nGmero de d m m e n t m perdidos ; sua utilidade 6, portanto, muito menor para a antiguidade do que para o s6culo XIX. - Sornos -muitas vezes tentados, para iulgirmos a esta restriq50, a admitir que os documentos perdidos nada continham de interessarite; se se perderam, dizemos, C que n50 valiam a pena de serem conservados. Na realidade, todos os documentos manuscritos estZo merci? de acidentes, vultosos ou de pouca monta, e .s6 o acaso pode determinar que se percam ou conservem.

20) fi indispens&vel que o fato tenha sido de natureza a ser forqosamente observado e iuotado. Da verifica~50 de que urn fato n5o foi notado nLo e possivel concluir que nZio tenha sido visto. A partir do manento e m que organizarmos um serviqo para colecionar uma determinada espkie de fatos, constatar m o s como b s e tipo de fatos C mais frequente do que sup& nhamos e quantos casos passaram despercebidos ou, pel0 menos, nenhum traqo escrito deixaram,. o que acontece corn os terremotos, os casos de raiva, ou de baleias arremessadas A costa. - Por outro lado, ialimeros fatos, embora sobejante conhecidos dos contempor&neos, nZo foram notados, pelo simples motivo de lhaver sua divdgaq50 sido impedida pela autoridade local. 33 o que acontece em relac50 aos atos secretos dos governos e aos reclamos das classes inferiores. Bste silgncio, que nada prova, causa forte impress20 1-3s historiadores irrefletidos e C a origem do sofisma t5o difundido "dos bons velhos tempos". Nenhurn documento relata os ~ b u s o sdos funcionirios ou as lamentaq8es ou protestos do povo: a aparEncia C de que tudo correu nornlalmenke e que ningueln sofreu. - Antes de adinitirmos o sil2ncio como prova, deveriamos indagar: Este fato 1150 poderia ter deixado de figurar, propositadamente, em um dos documentos que possuimos? N%o C a ausCncia absoluta de documentos s6bre urn fato que deve servir de prova, mas o silcncio s6bre 6ste fato em urn documento em que deveria ser mencionado.

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INTRODUS~~OAOS ESTUDOS HIST~RICOS

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hacionalidade dos fundadores. Por isto, somos forqados a servir-nos de uma proposiq50 minudente. 2.O) P a r a que uma proposiq50 geral seja minudente, C indispelldvel que o fato hist6rico particular seja corhecido em seus pormemres; porque sb depois de o liavermos conhecida C que devemos buscar uma lei empixica geral que nos perrriita sBbre Cle raciocinar . Cumpr e-nos, p*to9 comeqar por estuda~ as condiq6es particulares do caso (a ~ i h a < i i ode Salam?m, os hibitos dos gregos e dos fenicios) ; n5o devernos examinar urn pormenor, mas urn conjunto. No raciocinio hist6ric0, portanto, dois elementos s5o necessirios: 1.0) uma proposiqio geral exata; 2.O) um conhecimento pormenorizado de um fato passado. - Agiremos mal, se aclmitirnlos uma proposiq50 geral falsa, se acreditarmos, por exemplo, como Augustin Thierry, que t6da aristocracia tern por origem m a concpista. Agiremos mal, tambem, se pretendermos raciocinar p a r t i d o de um pormenor isoladz (um nome de cidade). A natureza dCstes erros indica as precauq6es a tomar : 1) Espontaneamente, tomamos por base de raciocinio "verdades d e senso cornurn", que formam ainda quase todo nosso conhecimento da vida social; ora, em sua maioria, tais "verdades de senso comum" s5o parcialmente falsas, uma vez que a citpcia da vida social n5o estii inteiramente construida. E o que as torna principalmente perigosas 6 o fato de que as empregamos sem termos consci&ncia do que acima ficou dito. A mais segura precauqiio a tomar consiste, sem dGvida, em formular sempre a pretensa lei que serviri de base ao nosso raciocinio: Estamos certos de que t6das as vezes que tal fato se produzir, tal outro, inevitavelmente, tam'bem se produzir6. S e a proposiq50, traduzida em t e m o s aplic.&veisao fato concrete, £81-evidentemente falsa, logo disso nos certificaremos; se f6r muito geral, veremos quais as cmdiq6es novas que devem ser acrescentadas, para #to;-&-la exata. 2) Espontaaearnente, procuramos tirar consqutncias do mais simples fato isolado (ou melhor, a id6ia de cada fato desperta logo em nbs, por associaq50, a id4ia de outros fatos). 33 o prncesso natural da hist6ria 1iterLria. Cada epis6dio d a vida de urn autor fornece mat6ria para raciocinios; construimos, por conjectura, t6das as influtncias que tenham d i d o agir sbbre Ue e acabamos por admitir que elas assim tenham agido. Todos os ramos da hist6ria que estudarn uma s6

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q k c i e de fatos, isdada d e t6das as demais (lingua, a r t s , direito privado, religizo), estiio expostos ao mesmo perigo, porque sb se interessam por fragmentos d a vida humana e nio pel0 cdwjunto. Ora, s6 podem eer sblidas as conclusdes que repousam no conjunto dos fatos. N5o basta urn sintorna para fazer urn diagn6stic0, mas muitos d6les s5o necess6rios. A precauGo deve consistir em evitar o estudo de urn fato isolado, ou de um fato abstrato. 0 s hornens devem ser considerados em relac50 i s principais condiqBes de suas vidas. Devemos convencer-nos d e que puquissimas vezes se realizam t6das as condiqbes d e um raciocinio certo; conhecernos muito ma1 as leis da vida social e sb muito raramente os pormenores precisos de um fato hist6rico. Quase sempre os raciocinios nos conferem u m a simples presun60 e n5o a certeza. Todavia, ocorre com os raciocinios o mesmo que com os documentos. Quando v6rias presunq6es se reunem no mesmo sentido, confirmam-se e acabam por produzir a c e ~ e z alegitima. A hist6ria preenhe urna parte de suas lacunas por uma acumuIaqPo de raciochios. VArias diurdas subsistem quanto i origem fenicia de v5rias cidades gregas, mas nenhuma ha em rela@o presenqa dos fenicios na G&ia.

INTRODUCAO

CONSTRUCAO DAS FORMULAS GERAIS I - Se houvessemos classificado em inn quadro metbdico todos os fatos hist6ricos estabe1,ecidospela anblise dos .documentos e pel0 raciocinio, teriamos abtido urna descriq5o racional de t6da hist6ria; o trabalho de constataGo estaria acabado. Deve a histbria, com isto, dar por finda a sua tarefa? A quest50 tem .side vivamente debatida e n5o C possivel fugir a ulna so1uq50, poiS trata-se de urna quest50 prbtica. O s eruditos, habituados a coligir todos os fatos sem qualquer preizr2.11cin pessoal, tendem a exigir, principalmente, urna c01,eqPo de fatos completa, exata e objetiva. 0 direito de participaq50 na histbria 6 igual para todos os fatos 11ist6ricos ; conservar uns cop0 mais importantes e afastar outros c m o m.enos iwortantes, seria fazer uma eswlha subjetiva, varisvel ao sabor .da fantasia individual; a hiutbria n5o deve sacrificar nenhum fato. A esta concepq5o muito racional n5o podemos opor sen50 uma difi.culdade material; mas s6 ela C suficiente, porque constitui o rnotivo priitico .de tSdas as cihcias: & a impossibilidade .de construir e de comunicar um .saber cmpleto. Urna :histhria, em que nenhq.lm fato f 6smsesacrificado, deveria conter todos os atos, todos os pensarnentos, t6das as aventui-as de todos os hornens em todos os diferentes momentos. Isto constituiria u m conhecimento c m p l e t o que a ninguern seria dado atingir, sento por falta de materia1,ao rnenos por falta de tempo.. 13 o que ji acontece con1 as cdeq6es miito volurnosas de documentos: as coleq6es de debates parlamentares contgm t6da a histbria das assemblCias, mas, para conhec6-las t&das, seria precis0 tempo muito maior que o da vida de urn hornerri T6da cigncia deve dar-se c o d a das condiqzes .pr5ticas da vida, ao menos na medida em qoe se destina a ser urna ciC.ncia .real, uma cihcia suscetivel de ser aprendida. Tbda concepqZio c a p . de impedir que uma cicncia seja aprendida impede tamb e m que ela se constitua.

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A cicncia C uma economia de tempo e de esforqos, obtida p r um processo que torna os fatos sapidamente cognosciveis c inteligiveis; consiste, principalmente, em recolher lentamente urna qualidade mde fatos de pormenor e em conden&-10s em fbrl 'mulas facilrnente utilizAvei~ e incontestAveis. A histbria, .,mais atravancada de pr,m.enmes do que qudquer outra cihcia, deve escolher entre duas soluq6es: ser completa. e incognoscivel, ou ser cognoscivel e incompleta. T a a s as outras ciencias escolheram a segunda, abreviando e conden~samlo,preferindo o risEO de mutilar e de, cornbinar anbitrariamente o s fatos, ii .certeza de nZm poder, nern compreendblos, nem comunich-10s. 0 s eruditos preferiram encerrar-se nos periodos antigos, nos quais o acasso, que destruiu quase t6dss as fontes de infornlaqBes, lhes tirou a responsabilidade de escolher os fatos, privando-os, ao rnesmo tempo, de quase todos os meios de comhecer. A histhria, para constituir-se como ci&ncia, deve elaborar fatos ,brutes. Deve condensb-10s sob forma rnanzlse6ve1, em f6rmulas descritivas, qualitativas e quantitativas. Deve ;buscar, entre os fatos os liames que forrnam a conclus5o <ima de qualquer cicncia. . .

CAP~TULO IV

AOS ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

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I1 - 0 s fatos .humanos, complexes e variados, n5o-podem reduzir-se a algumasl f 6rmulas simples, . como os fatos quimicos. A histbria, como ,t6das as cicncias da vida, tem necessidade de f 6rmulas descritivas para exprimir o cariiter dos dif erentes f enbmenos. A f6rmula deve ser curta e precisa; curta, para ser facilmente utilizhvel e precisa, para dar urna idCia exata do fato. Ora, a precis50 do conhecimento em mat4ria humdm s6 pode ser o'btida pdos pormenores caraderisticos, porque s6 6les fazem compreender os motivos pelos quais urn fato difere dos outros, %em corno os elementos que d5o a cada fato urna fisionomia peculiar e inconfundivel. Existe, .pois, oposiqZo entre a neces~sidadede abreviar. que nos leva a procurar f6rtnulas concretas. e a - necessidade de precisso, que nos dbriga a criar fbrmulas pormenorizadas. As f6rmdas rnuito curtas tornam a ci&ncia vaga e iludria, ao passo que as muito longas cornplicam-nn e a tornam inctil. S6 podemos evitar esta alternafiva por um compromisso continuo, cujo principio dorninante C comprimir os fatos pela supress5o de tudo que n50 seja esbitamente necessirio ii sua

perfeita compreensZ.o, deixando, todavia, uma equilibrada margem de elasticidade para inclus5o dos pormenores caraderisti; cos, que definam afisionomia do fato principal. Esta o p e r q ~ o dificil , em si mesma, tortla-se m&s cmplicada ainda pel0 estado em que s5o encontradob os fatos que devem ser condemados em fbrmulas. Em razHo da natuleza dos~ documentos de que s i o extraidos, apesentam os mais vari+ios. graus de precis50 : desde a narraC;o pormenorizada dos menores episMios (batalha de Waterloo) at6 simples menq5o d e ulna palavra (vittjria dos austrasia~osem Testry) Possuimos uma ,quantidade . de pormenorcs infinitamente variadm s6bre fatos da meGma natureza, segundo os d ~ u , m e n t o s d que e SHO tirados, dos quais uns nos & uma descri$o completa dos Son-, tecirnentos e outros limitam-se a faza. simples men@O. Como, pois, organizar em urn memo conjunto, conhecimentos de t50 difel-ente precis'no? - Quanto aos fatos cotuhecidos unicamente por uma palavra geral e vaga, nHo nos 6 licit0 tentar lerji-10,s a urn grau menos geral ou menos preciso, a n5o ser que descam-. bemos para o romance histbrico, em que nq6es vagas s5o com$etadas com pormenores puramente conjecturais. Foi o que fez Augustin Thierry ao cscrever Rdcits mkrovingiens. E' sempre f & i l reduzir 0s fatos conhecidos pormenoriiadamente a m grau rnais geral, mutilando-lhes as minGcias caracteristicas. M,, 0 resultado reria reduzir tBda a histbria a uma vaga e amor-. f a massa de geQeralidades, uniformes para todos os tempos, mm exceqlo, wenas, d m nomes pr6prios e das datas. ConstituiTia,,,!em duvida, uma perigosa simetria, reduzir todm OS fatos go mesm.0 grau de generalidade, para apiesentg-10s no mesmo estado em que se encontram os mal conhecidos. E' imperioso, pois, nos caaos em que os documentos contenham pormenores, que as fbrmulas descritivas conservem sempre o s traqos .caracteristicos dos f atos. ,Para construir estas f6rmulas, devemos retorllar ao questionirio d e grupamento, responder a cada uma das perguntas. e a seguir comparar as respostas. Depois, cumpre-nos resumi-, -1as em uma f6rrnula tHo &nsa e t5o precisa quafito possivel, tendo sempre a cautela de dar a cada palavra urn sentido rig& rosamente. fixo e imutAve1. Trabalho de estilo, dirS alguem. Todavia, n5.o se trata de urn simples process0 de exposi@o, necessirio .A boa compr:eens50 dos leitores, mas de uma precaugZoh s k i a q u e o autor deve komar em rela@o a si pr6prio. Para

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lidar com fatos t5o fugidios e flutuantes como os sociais, uma lingua fiime e precisa constitui valioso e indispensivel instrumento ; nenhum Gstoriador ser& completo se n5o tiver uma linguagen~precisa. +Devemos ,empregar termos concretos e descritivos, +rque apresentam xmpre um sentido daro. A prudhcia 'ms aconseha a s6 designar 0s grupm caletivos por nomes cdetivos (realeza, Estado, democracia, Reforma, RevoluqTio) e a evitar personificar abstrsq6es. * Muitas vezes julgamos estar utilizando uma simples metifma e deixamo-nos arrastar pela f6rqa das palavras. 0 s ter.mos abstratos exercem grande fascinio, e conferem B proposi~50urn aspect0 cientifico. Mas isto MO passa de aparcncia, sob a qua1 vislurnbramos os m4todos escolisticos ; a palavra, sem urn sentido concrete, torna-se uma n0qH0 puramenrte verbaI (como a virtude dormitiva, de que nos fala Moliire). Enquanto as noq8es sdbre os fen6menos sociais n5o for m reduzidas a f6rmulas verdadeiramente cientificas, seri maie cientifico exprimi-las em termos de experiencia vulgar. Para construir a f6rmula, cumpre-nos saber, preliminarmente, quais 0s elementos que nela devem entrar. B preciso, a -., k t e respeito, distinguir os fatos gerais (:h&bitos e evolu~6es) dos fato~s6h6cos (.acontecimentos). - %

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111 0 s fatos gerais consistem em atos frequentemente repetidos e a m u n s a muitos bornens. Convem determinar-lhes o cqhter, a extens50 e a dura~a'o. Para formular o car&ter, reunimos todos os traqos que constituerm o fato (Gbito, institui~50)e o tornam distinto de qualquer outro. Reduzimos a uma s6 fbrmula todos 0,s casos individuais muito semelhantes e desprezamas. as variaqijes individuai,~. Esta concentraq5o se faz sem esfbrqo, tdnto para o s hibitos de forma (lingua, escrita) como para todos os h69itos intelectuais. Ji foram todos expressos em f6rmulas, pelos homens que os praticaram,, cumprindo-nos apenas recolht-las. 0 mesmo acontece em rela~5oa t6das as instituiqss consagradas em regras expressamente formuladas (regulamentm, leis, estatutos privados). As hist6rias especiais foram as primeiras a elaborar fdrmulas met6dicas. Todavia, ativeram-se aos fatos superficiais e convencionais, n5o ehegardo a atingir os atos riais ou. os pemsamentos reais: na lingua buscaram as palavras escri-

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b fuadadores, apbstolos), quer como dirigentes d e movimentos, chefev d e Estado, de partid~s,de exkrcitos. - Sfio os akontecimentos que produziram transformaq6es nos .hibitos ou nos estados das sociedades. Para con~truir a fbrmula descritiva der .urn personagem histbrico, devemos buscar-lhe os traqos dominantes na pr6pria biografia e nos pr&prios hlibitos. Na biografia, acharemos os fatos que lhe determinaram a carreira, que lhe formaram os vhibitos, que Ihe determinaram os atos pelos quais agiu sabre a swiedade. S&o suas condiq6es fisial6gicas (corpo, t e m ~ a mento, estado d e saude) (172), as aq6es educativas que sofreu, as condiq6es sociais em que viveu. A histbria da literat~lra habituou-nos a pevquisas dsste gtnero. 8 Entre os hhbitos de um homem, C precis0 per em rel&vo suas ccmcq~$es fundammtais na ordem doa fatos lem que atuou, sua. concepq5o d a vida e seus conl~ecimentos,seus gostos dominantes, suas oct1paq6es habituais, sua maneira de conduta. Corn tstes pormenores infinitamente vari6veis fixamos o "car4ter" do personagem; o conjunto d e seus traqos caracteristicos forrna 0 seu "retrato" ou, usando uma express50 em moda, a sua "psicologia". Bste exercicio, ainda hoje muito prestigiado, data do tempo em que a histbria era um gZnero literhrio; C muito duvidoso que possa tornar-se urn process0 cientifico. N5o dispomos de um mCtodo seguro para resumir o cariite~d e um homem, enquanto vivo, corn muito rnais raz5o nLo podemos traqar o de urn personagem morto e d o qua1 s6 ternos informaq6es indiretas, tiradas de documentos. As controvCrsias s6b,bre a interpretaqzo d a conduta de Alexandi-e s5o urn bom exemplo desta incerteza. S e quisermos, todavia, arriscar-nos a procurar a - f6rmula de um cariiter, cumpre-nos fugir a duas tentaq6es naturais: 1) Nuilca devemos construir o mrster c m as deolaraq6es d o pr6prio personagem; 2) 0 estudo de personagens imaginlirios (drama e romante) nos habituou a procurar urn liame Mgico entre 09 diversos sentimentos e os diverqsos atos de um ~hoinem; urn mrliter, em literatura, C sempre fabricado de mod0 lbgico. (172) Miohdet desacreditou estudo das influtncias fisiol6gicas pel0 abuso que delas fez na 6ltima parte de sua obra Histoire de France; todavia, tal estudo 6 indispens6vel para compreender a direqPo da vida de urn personagem.

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INTRODU~~O ADS ESTUDOS HIST~RICOS

191 N5o devemos transpor para o dominio dos homens reais esta prwura de urn carkter coerente. Assim procedendo, estaremos menos expostos ao i r r o ; o que nos compete, ao contr6n0, C proceder em conformidade com o que observanzos na vid4 m d e vemos frequentelnente i-numeros traqos que n50 podem ser encerrados em uma f6rmula coermte. Mas a austncia de documentos, por suprimir os t r a p s capazes d e nos causar embaraqos, nos incita a par em ordem os que permanecem em forma de carhter de teatro. E i s porque os grandes ho~nensda antiguidade nos parecenz bem mais 16gicos que nossos contempo&neos. Como construir a f6rmuIa d e um acontecimento? Uma necessidade irresistivel d e simplificaqiio nos leva a r m i r , sob um nome Gnico, uma enorme massa de pequenos fatos apanhados em bloco e entre os quais sentimos confusamente urn liame (uma batalha, urna guerra, uma reforma). 0 material assim reunido contp6e-se de todos os atos que concorreram para urn mesmo resultado. Eis como se forma a noq50 vulgar de acontecimento; infelizmente, porern, n5o dispomos de procedimento maJs cientifico. 0' que nos compete fazer, portanto, C grupar os fatos pelo; seus resultados: os que n5o deixaram resultad0 visivel desaparecem e os outros se integram em alguns conjuntos, que sso os acontecimentos. Para descrever um acontecimento, devemos precisar: '1.O) seu cara.ter; 2.O) sua extensso. 1.O) SZo traqos caracteristicos e peculiarissimos que distinguem urn carhter de outro; um carhter se afirma n5o apenas pelas condiq6es exteriores de data e d e lugar, mas principalmente pelas causas diretas que o produziram e pela forma que o traduz. Eis as indicaq6es que a fbrtnula deverh conter: um ou viirios homens, corn tais disposiq6es interiores ( c o n c e ~ 6 e s e nlotivos do ato), operando em tais condiq6es materiais (local, instrument?), praticaram tais atos, que tiveram como efeito tal modificaq50. - P a r a determinar os motivos dos atos n%o temos outro process0 sen50 comparar os atos, de um lado, com as declara~o'esde seus autores e, de outro, com as das pessoas Contudo, uma d6vida quase sempre que d6les participaram. perdura: 6 o terreno d a polCmica entre os partidos; cada qua1 considera nobres 0s atos de seu partido e vis os do adverdrio. Mas atos dexritos sem justificaq50 seriam ininteligvcis.

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INTRODUS~O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

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2O) A extensso do acontecimento deve ser indicada n o lugar ( a regi5o em que se produziu, 'bem como aquela em que seus efeitos se fizeram sentir) e no tempo (o momento em que comeqou a realizar-se e aquele em que o resultado foi atingido) V - As f6rrnulas descritivas de caracteres, por serem exclusivamente qualitati~ras, s6 podern dar uma idCia abstrata dos fatos; a quantidade 15 dement0 necessirio para fixar a importiincia que tais fatos tiveram na realidade. N5o C indiferente que um uso tenha sido praticado por centenas ou por milhdes de homeas. Para formular a quantidade, dispomos de virios processes, cada qua1 mais imperfeito, que preenehem os fins a que se destinam d e maneira cada vez menos precisa. Ei-los, na ordem de precis50 decrescente. 1.O) A medida constitui processo absolutamente cientifico, porque algarismos iguais designam valoras rigorosamente exatos. Mas para isso precisamos d e uma unidade comum e s6 a temos para o tempo e para os fatos materiais (comprimentos, superficies, pesos). A indicaq5o de algarismos de produqz'ao e de somas de dinheiro constitui a parte essencial dos fatos econ6micos e f inanceiros. Mas os fatos psicol6gicos f ogem a qualquer medida. ' ZO) 0 censo, que C o processo da estatistica, aplica-se a todos os fatos que tern em a m u m um carher definido e de que nos servimos para conti-10s. 0 s fatos, dtste modo reunidos em um mesmo nfimero, n5o s5o d a mesma ap6cie; pudem ter de comum, apenas, um s6 carAter, abstrato (crime, processo), ou convencional (trabalhador, a p s e n t o ) ; o nfimero indica, exclusivamente, em quantos casos urn cariter foi encontrado ; n50 designa, de mod0 nenhum, um total homogeneo. - fi uma tendkncia natural confundirmos o nGmero e a medida e imaginarmos que conhecemos os fatos con1 precis50 cientifica porque pudemos encerrklos em urn nlimero; devemos acautelar-nos conpa esta ilus5o e n5o tomar o nGmero correspondente ao censo de uma popula@o, ou de urn extrcito, como medida de sua impor&ncia.(l73) - 0 cenm nos dH entretanto, uma indicaq'io

necessdria para construir a f6rmula de um grupo. Mas 6le se restringe aos casos em que nos 4 possivel conhecer t6das as unidades de uma espkcie contidas e m limites dados. Antes de iniciarmos um censo retrospective, cumpi-e-nos certificar-nos de que 0s docwnentos s5o suficientemente completes, isto 4, se d e s est5o incluidas as unidades a recensear. En-i relaq5o a o s nGmeros lllencioilados nos documentos, devemos manter uina atitude de descollf ianw. 3.0) A estinzativa C um censo incomplete, realizado e m uma porqHo restrita do campo, n a suposiq5o de que as proporq6es ser5o as nlesmas no resto do c a m p . I3 um expediente que se imp6e com frequencia em histbria, quando os documentos s50 desigualmente abundantes. 0 resultado serB duvidoso, sempre que ii60 estivermos certos de que a porq5o recenseada 6 exatamente semelhante as outras.

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(173) Neste .&ro i.ncidiu Bordeau (Z'Histoire et les Historiens, Paris, 1888, in-8) que pretendeu reduzir t6da a hist6ria a uma sCrie d e dados estatisticos.

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4.O) A conzparagiio C um censo restrito a algumas unidades tomadas em diferentes lugares do campo; calculams a proporq'io dos casos em que o rarhter dado se encontra (digamos 9070) e admitimes que a proporq50 serB a mesma para o conjunto; quando houver vArias categorias, estabelecemos a proporq50 entre elas. Este processo C aplicivel, em histhria, para os fatos de qualquer esplkcie, quer para estabelecer a proporq5o das diferentes formas, o u dos diferentes usos, em urn period0 ou uma regi50 dados, quer para determinar nos grupos heterogeneos a proporq50 dos inembros de espkies diferentes, DB-nos a impress50 aproximada d a frequ2ncia dos fatos e a proporq50 dos elementos de uma sociedade; pode at6 mostrar quais as espCcies de fatos que se encontram con1 mais frequ6ncia reunidas e que, por conseguinte, parecem ligsdas. Mas para que possa ser aplicado corretamente C necessirio que os elementos de comparaq5o representem o conjunto e n5o apenas uma parte dUe, pois neste caso haveria o risco de defrontarmos uma exceq5o. I3 nosso dever, postanto, escdhC-10s em pontos inuito -9diferenttes e em condiq6es tam!bem muito diferentes, de modo que as exceqdes possam contrabalanqar-se. N5o basta tomi10s e m pontos afastados, por exemplo, nas diferentes fronteiras de urn pais, porque' o pr6prio fato de ser fronteira constitui uma condi@o exceptional. 5O) A generalizagiio reduz-se a um processo instintivo de simplificaqzo. Uma vez que tenhamos notado um certo cari-

ier em um objeto, estendemo-lo a todos os outros objetos mais ou menos semelhantes. Em q a l q u e r mat6ria humana em que os fatos se apresentem sempre complexos, generalizamos inconscientemente, estendemos a urn povo inteiro os habitos de alguns individuos; do mesmo mod0 atribuimos a um longo period0 os h6bitos constatados em um momento dado. A generalizaqso 6, em histbria, a mais ativa de t6das as causas de trro e atua s6bre qualquer rnatkria, tanto 110 estudo dos usos e das institui@es, como na apreciaq50 da anoralidade d e urn pova(174) Seu fundamento 6 a idCia confusa de que todos 0s fatos contiguos, ou semelhantes em algum ponto, s5o semel~hanttesem todcs os pontw. N a verdade, n'io passa de uma comparaq'io in~onscientee ma1 feita. Podemos, portanto, tornbla correta, fazendo-a preencher a s condiqbes d e uma comparaq50 bem feita. Devemos exanzinar os casos, coin base nos quais queremos generalizar, e formular a pwgunta: Que direito temos de generalizar? ou mell~or, que razSo temos para presumir que o carkter constatado neste caso serA encontrado em milhares de outros? Qua1 o rnotivo que nos leva a crer que Cstes casos sejam semelhantes A m a i a geral? A linica razbo admissivel s e r i a de que os casos sejam representativos do conjuato. Dtste modo encontramo-nos em face do process0 met6dico d e comparaq5o. Eis como nos cumpre operar: l o ) devemos precisar o campo em que acreditamos poder generalizar (0-que implica admitirmos a semelhanqa de todos os casos), delimitando o pais, o grupo, a classe, ou a +oca objeto da generalizag50. A prudcncia nos ac~nsel~ha a n60 alargarmos o campo a ponto d e confundirmos uma seqbo com o conjunto (um povo grego ou germinico com o conjunto dos Gregos ou dos Germanos). 2O) Devemos certificar-nos de que os fatos abrangidos pelo campo sbo semelhantes nus pontos que pretendemos generalizar; portanto, temos que desconrfiar dos nomes vagos que designam grupos muito diferentes (Cristbos, Franceses, Romanos). 3 O ) Devemos certificar-nos de que os casos ~quev50 servir d e e base A generalizaq50 sbo padr6es representativos. B indispensivel que ties estejam verdadeiramente contidos no campo, pois pode dar-se o caso de tomarmos, com~oesp6cime de um grupo, indispens5vel homens ou fatos pertencmtes a outro grupo. (174)

V. um bom exemplo em Lacombe, o. c., p. 146.

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que nHo sejam exce.pciontais, gresumindo-se a exceq5~para todos os casos produzidos. ell1 condiq8es excepcionais ; os autores de documentos tendem a notar, mde prefertncia, aquilo que os surpreende; por consequhcia, os casos excepcionais ocupam, nos documentos, um lugar desproporcionado ao seu nlimero real ; isto constitui ulna das principais fontes de irro. 4.0) 0 nGmero de espkimes necess6rios j. generalizaqbo deve ser tanto maior, quanto menores forem os motivos de semelhanqa entre todos os casos tornados no campo. Tal nGmero poderi ser pequeno em rela@o aos pontos em que os homens tendem a assemeljhr+e fortemente, quer por [email protected] ou conven~50 (linguas, ritos, cerimbnias), quer por efeito dos costumes ou d e regulamentos obrigat6rios (instituiqijes sociais, ou politicas, nos paises em que a autoridade 6 obedeci,da). DeverA, contudo, ser maior em relaqbo aos fatos en1 que a iniciativa individual tern predominio (arte, citncia, moral) ; para a conduta privada t6da gene~alizaq50 sera ordinariamente impossivel. .

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VI - E m citncia alguma as f h u l a s descritivas constituem o termo liltimo do trabalho. Falta-nos, ainda, classificar os fatos d e rnodo a enfeixk-10s num todo, em que se patenteiem as relaqbes que entre .si mant@m; - chegamos, assim, 5 s conclus~esgerais. A hist6ria, por f 6 r p da imperfeilc5.0 da sua rnaneira d e conhecer, tern necessidade, tambem, de uma opera@o preliminar, para determinar a seguranqa dos conhecimentos obtidos. ( 175) 0 trabalho critic0 limitou-se a dar-nos uma massa d e notas isdadas, relatims ao valor do conhecimento que obtivemos pelos documentos. Compete-nos, agora, reuni-las. Para isso, tomaremos urn grupo completo d e fatos classificados em um s6 (175) Parece-nos inGtil discutir aqui se a hist6ria deve, segundo a -tradi@o antiga, exercer ainda uma outra .fun~50,qua1 seja a de julgar os acontecimentos e os homens, isto 6 , se deve, depois da descri~zodos fatos, emitir um_ juizo de aprova@io ou desaprovac50, quer em nome de um ideal moral, geral ou particular (ideal de seita, de partido, de n a ~ z o ) ,quer do ponto de vista pritico, examinando, como Polibio, se os atos hist6ricos foram bem ou ma1 combinados em razz0 do desfecho que tiveram. Esta adiq5o poderia ser feita em qualquer estudo descritivo: o naturalists poderia exprimir sua simpatia ou sua admira~50por urn animal, clamar contra a ferocidade do tigre, ou elogiar o devotamento da galinha aos seus pintinhos. Mas C evidenteque em histbria, como em qudquer outra materia, Cste juizo- C estranho a ciCncia.

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CH. SEIGWBOS

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quadro - urna esp&ie de fatos, um pais, urn periodo, um acontecimento - e resumiremos o resultado da critica dos fatos particulares, para olbtermos urna f6rmula de conjunto. $ nosso dever considerar : 1 ) a extensgo ; 2 ) o valor de nosso conhecimento.

1) Procuraremos determinar as lacunas existentes nos documentos. $ ficil, swindo o questionhi0 geral de grupamento, constatar as esp5cies de fatos em rela@o As quais niio temos inforrnaqbes. Para as evoluqbes, n5o nos ser5 dificil saber quais os elos que faltam na cadeia das transfomaqbes sucessivas ; para os acontecimentos, cumpre-nos determinar os episbdios, grupos de atores ou rnotivos que fogem ao nosso conhecimento; procuraremos esclarecer-nos tambem, em relaq5o aos fatos, cujo aparecimento, ou cujo terino nHo podemos de'terminar bern. Devemos traqar, ao menos mentalmente, o quadro daquilo que ignoramos, para aquilatarlnos da distsncia entre nosso co'ntl~ecimentoreal e o conhecimento cornpleto do assunto. 0 valor de nosso conhecirnento depende do valor dos documentos que p~ssuimos. A critica atribuiu um valor para cada caso de pormennr; agora, 4 necesGrio resumir-lhes os resultados, em traqos /breves, para operarrnos corn o conjunto dos fatos. De ~ n d eprovem nosso conhecimento? & observacgo direta? da tradiqHo ascnta? da tradiqHo oral? Possuirnos vii-ias tradiqBes diversamente coloridas, ou apenas uma? Temos dccurnentos de espkie diversa, ou de urna s6? As informacbes sHo vagas ou precisas, minudentes ou sumirias, literhias ou positivas, of iciais ou conf idenciais ? Uma tend6ncia natural 110s leva a desprezar, na confstruqHo, os resultados da critica e a esquecer o que h6 de incomplete ou duvidoso em nosso conhecirnento. Um forte desejo de aumentarmos o mais possivel a massa de nossas informaqbes e de nossas conclusbes nos impele a libertar-nos de t6das as restriqbes negativas. Arriscamo-nos, portanto, a formar corn impress6es fragrnentQrias e suspeitas urna impress50 de conjunto, como se possuissemos urrl quadro cornpleto de dados. Esquecerno-nos facilmente da exist6ncia de fatos, que os doc u m e n t ~ngo ~ descrevem (0s fatos econ6micos, os escravos na antiguidade) ; exageramos o valor dos fatos conhecidos (a arte grega, as inscriq6es romanas, os mosteiros da idade-mCdia) .

2)

INTRODUSLO AOS

ESTUWS H I S T ~ R I C O S

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Instintivamente, aquilatamos da importiincia de um fato pela qualidade de documentos que dEle falam. Deslembrarnos a natureza particular dos documentos; quando sPo todos da mesma procedS,ncia, nHo nos apercebemos de que, nUes, os fatos devem ter sofrido as mesmas deformaqbes e que por terem urna o,rigem comum 1150 podem ser controlados; conservamos, com docilidade, a c6r da tradiqHo (romfia, ortodoxa, aristocr6tica) . Para fugirmos a estas tendincias naturais, basta que nos impon,ha.mos a regra de passar ern revista o conjunto dos fatos, bem, corn0 o conjunto da tradiqPo, antes de p-ocedermos a qualquer ensaio de mndusio geral. V I I - As f6rrnulas descritivas traqam o car6ter de cada urn dos pequenos grupos de fatos. Para chegarrnos a uma conclus5o de conjunto, devemos reunir todos Gstes resultados de pormenor em urna f6rnlula de conjunto. Devemos comparar, nzo minikias isoladas ou caracteres secunddrios (176) mas grupos de fatos que se assemelhem por urn conjunto de caracteres. F o r m q o s , d2ste modo, um conjunto (de instituiqbes, de grupos humanos, de acontecimentos) . Determinamos-lhe - em conformidade com o mQodo acirna indicado - os caracteres prbprios, a extensso, a duraqHo, a quantidade ou a imporacia. Ao forrnar grupos cada vez mais gerais, desprezamos, em cada novo grau de generalidade, os caracteres diferentes e conservamos apenas os coinuns. Devemos parar no ponto em que s6 hajz de c o m m os caracteres universais d a hurnanidade. 0 resultado consiste em condensar em urna f6rmula o car6ter geral de urna ardem de fatos, come o de urna lingua, de urna reIigiHo, de urna arte, de urna organizaqgo :oon6mica, de uma sociedade, de um govcrno ou de um acontecimento complexo (como a InvaGo ou a Reforma). Enquanto estas f6rmulas de conjunto estiverem Goladas, a conclusHo n5o poderd ser completa. E como 1150 podemos aproximii-las mais, para fundi-las, somos levados a compar6-las, numa tentativa de classificaq50. Essa classificaqHo pode .ser tentada poid dois processos. 1.O) Podemos comparar as categorias semelhantes de fatos especiais, como a lingua, as religibes, as artes ou os gover(176) A compara~kentre dois fatos de pormenor pertencentes a conjuntos muito diferentes (Abd-el-Kader e Jugurtha, Nap0160 e Sforza) constitui um process0 de exposi~Lo sedutor, mas nunca urn meio de chegar a uma conclusZo cientifica.

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INTRODUCXO AOS

C H . SEIGNOBOS

A o historiador. tanto quanto ao quimico, ou ao naturalists, n i o compete investigar a causa primeira ou as causas finais. Na realidade, nenhum verdadeiro historiador perde h o j tempo ~ para discutir, sob forma teolhgica, a teoria da Providencia na hist6ria. Mas, a tendcncia para explicar os fatos histbricos, mediant e causas tmhscendentais, persiste nas mais modernas teorias em que a metafisica se disfarqou sob formas cientificas. 0 s historiadores do s&ulo XIX sofreram t i o fortemente o inrfluxo da e d u q 5 o filosbfica que a maior parte d6les, a l p m a s vezes sem disso terem consciGncia, trouxe para a construqio hist6rica v6rias f6rmulas metafisicas. Passaremos, pois, a enumerar tais sistemas e a mostrar o c a r b t a metafisico d'e que se revestem, como advertGncia aos historiadores refletidos, para que deles descon f iem. A teoria do car&ter racional da hist6ria repousa Gbre a idCia de que todo fato thistjrico real 13 tambem "racional", isto 6, conforme a um plano de conjunto inteligivel; ordimriamente, admitimos como subentendido que todo fato social tem sua raz i o de ser no desenvolvimento da sociedade, isto 6, que aca'ba sempre por trazer beneficio para a sociedade; isto nos leva a procurar, como causa d e qualquer instituiqio, a necesidade social, sob o influx0 e para satisfaq50 da qua1 a instituieo surgiu. (178) $ a idCia fundamental do Hegelianismo, senlo no prbprio Hegel, ao menos em seus discipulos historiadores (Ranke, Mommsen, Droysen, 'Cousin, Taine e Michelet). fi nem mais nem menos. sob um disfarce laico, a velha teoria teolbgica das causas finais, que pressup8e urna P r o i i d h c i a empenhada em diriyir a humanidade segundo o mdhor de seus intercsses. Sem dhvida C um a prior; consolador, mas nada tem de cientifico; a observaq50 dos fatos hist6ricos n6o nos demonstra que as coisas se hajam sempre passado pela forma mais vantajosa para os homens, nem pela maneira mais racional, nern que a s instruq8es tenham tido outra causa alem dos interesses dos que as criaram; a impress50 que nos fica 6. sem diivida, bem outra. Da mesma fonte metafisica procede, tambem, a teoria hegeliana das idkias que se redizam sucessivamente na histbria, por intermCdio de povos sucessivos. Popularizada na Franqa (175) Dtste mod0 explica Taine, em Les origitres de la France cozztemporaine, a formaqk de privilegios no antigo regime, como compensaq%oa servicos que teriam tornado possiveis tais privilkgios.

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ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

por !Cousin e Michelet, esta teoria passou de moda ate na Alemanlha; mas mnseguiu prolongar-se, principalmente na Alem'anha, sob a fforma de miss50 hist6rica (Beruf) atribuida a povos ou a personagens. Bastarb esclarecer aqui que as metiiforas "idCia" e "miss50" implicam urna causa antropom6rfica transcendente. Da mesma concepqgo otimista de urna direqio racional do mundo deflui a teoria do progresso continuo e neoesGrio da humanidade. Embora gerfilhada pelos positivistas, n50 passa de mera hip6tese metafisica. No sentido vulgar, "progresso" C urna express50 subjetiva que serve para designar as transformaq6es que se processam no sentido de nossas preferincias. Mas - embora tomando o termo no sentido objetivo que Spencer Ihe atribuiu (um acrescer de variedade e de coordenac50 nos fe'n8nlenos sociais) - o estudo dos fatos hist6ricus n k revela urn progresso universal e continuo d a humanidade, e sim vcirios progressos parciais e intermitentes; ademais nenhuma nz5u nos alssiste para atribuirmos 2sses progressos parciais e intermitentes a uma causa permanente, inerente ao conjunto da humanidade, mas, ao revCs, tudo nos leva a convencer-nos de que s5o fruto de urna &rie d e acidentes locais. (179) . VQrias tentativas d e explicaqio, vazadas em moldes mais cientificos tiveram origem em hist6rias especiais (de linguas, de religiGes, do direita). Estudando separaaamente a sucessio dos fatos da mesma esptkie, os especialistast verificaram a volta regular das mesinas sequincias de fatos e exprimiram W e fen8meno em f6rmulas, muitas das qaais foram tidas como leis (por exemplo, a lei da persistencia do acento t6nico) ; C fora de dlivida que nio se trata de leis, no sentido verdadeiro, mas de simples leis empiricas, pois mostram a squencia dos fatos sem explicii-la, urna vez que f oram f ormuladas sem o conhecimento das causas determinantes dos fen8menos que traduzem. Todavia, impressionados pela regularidade de tais sequ&ncias,oos especialistas comeqaram a considerar a evolu@o d m usos (de urna palavra, de um rito, de urn dogma, de urna norma juridica) como um desenvolvimento or&nico andogo a o crescimento d e urna planta e, servindo,

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(179) Encontramos uma boa critica citada de Lacombe.

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I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS -HIST~BICOS

-se de metdforas, passaram a falar da "vida das palavras", d a "morte dos dogmas", do "crescimento dos mitos". D'epois, esquecendo-se de que t8das estas coisas niio passavam de puras abstraqGes, admitiram - sem urna afirmaqiio explicita - urna f6rqa inerente & palavra, ao rito, B norma, responsdvel pela evoluq2o de cada um d&tes elementos. 33 a teoria do desenvolvimento (Entwickelu9zg) dos usos e das instituiq6es; l a q a d a na Alemanha pela escola "hist6rica", dominou t6das as hist6rias especiais. Somente a hist6ria .das linguas conseguiu libertar-se dela. (180) - Ao mesmo tempo que se consideravam os usos com seres dotados de vida p r b r i a , personificava-se a sucess20 de individuos que cornpunham os corpos &a sociedade (,realeza, igreja, senado, parlamento), atr2buintdo-lhe urna vontade continua, tida como causa atuante. - U m mundo de d r e s irnaginarios se originou assim por detris dos fatos 1hist6rias e substituiu a Providencia na explicaqgo dos fatos. Para nos preservarmos desta rnitologia ilusbria, urna regra nos basta: s6 ,deveinos buscar as causas de um fato hist6rico depois de havermos figurado este fato de maneira concreta, sob a fobma de individuos que agem e pensam. Se formos forqados a empregar substantivos abstratos, curnpre-nos evitar qualquer metifora capaz de confundi-10s com os seres vivos. Comparando as evoluq6es das diferentes espkcies de fat* em urna sociedade, a escola "hist6rica" chegou a constatar a solidariedade (Zusa~wmenhang). Mas, em lugar de se determinarem as causas desta pela anilise, o que se fez foi supor uma causa geral permanente que deveria residir na pr6pria sociedade. @a, camo era ,+&bit0 permnificar a sociedade, o resultado foi atribuir-se a esta um temperamento especial, ~ r mg6nio pr6prio da naqso ou da raqa, que se manifestava 'ms diferentes atividades sociais e que lhes explicava a sdidariedade. (181) Tudo isto a50 passava de urna hip6tese sugerida pel0 mundo animal, onde cada espkie apresenta caraderes permmentes. (180) V. as insofism5veis declaraeBes de um dos principais 'representantes da ci&ncia de linguagem, em Francs, Henry, in - Antinomies lingzbistiques, Paris, 1896 - in-8. (181) Lamprecht, no artigo citado, .depois de haver cornparado a s evolu~6e.sartistica, religiosa e econ6mica, na Alemanha da idade-mhdia, e de haver constatado que C possivel dividir c@a uma delas em periodos de igual dura~50, explica as transforma~6es simultPneas de urna sociedade, pelas transforma~bes da "alma social" coletiva. -Ei$, pois, outra forma da mesma hipbtese.

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Tal hip6tese acabou, pois, por tornar-se insuficiente, uma vez que, para explicar como a m e m a sociedade mudou de cariter de uma Cpoca para outra (0s gregos entre o VII e o IV skulo, 0s ioxleses entre o X V e o X I X ) era precis0 fazer intervir a a@o d e -usas exteriores. Por 'outro lado, tomou-se absolutamente caduca depois que se v e r i f i m que t6das as sociedades hist6ricas s2o grupos de homens sem unidade antropol6gica e sem carectei-es comuns hereditirios. Ao lado destas explicaqks metafisicas ou metafbricas, surgiram teiltativas para aplicar, A pesquisa das causas, em hist6ria, o process0 cldssico das citncias naturais: comparar sCries paralelas de fatos sucessivos para averiguar os que se apresentam sempre conexw. 0 ''m6todo comparative" foi tentado de vsrios modos. - Alguns pesquisadores tOn-~aramcomo olbjeto de estudo um porrnenor da vida social (um uso, urna instituiqzo, urna crenqa, urna norma) abstratamente definido e, a seguir, compararaq as evoluqbes nele processadas nas diferentes sociedades para deternlinar a evoluq5.o comum, que deveria subordinar-se a urna causa geral. D b t e mod0 formaram-se a linguistics, a mitologia e o direito cornparado. - Outros se propuseram (na Inglaterra) a tornar mais precisa a comparaq50, aplicando-1he o mCtodo estatistico; a sua maneira de trabalhar consistia em comparar sistematicamente tddas as sociedades conhecidas e elaborar a estatistica de todos os caws em que dois usas se encontrassem juntos. EJ o principio das tibuas de concordbcia, de Bacon. - 0 vicio de todos 6stes processos reside em que a operaqiio se faz sabre noq6es abstratas, em parte arbitrsrias, algumas vezes por simples comparaqiio de palavras sem o conhecimento d o conjunto das confdiq6es em. que os fatos se produziram. Poderiamos imaginar um mhtodo mais comreto que, em lugar d e fragmmtos, comparasse conjuntos, isto & sociedades inteiras, quer tomando a m e m a ,socidade em dois momentos de sua evoluqiio (a Inglaterra no sCculo XIX), quer considerando as e.voluqtks de conjunto .de viirias sociedades, contemporineas umas das outras (rnglaterra e Franqa) ou pertencentes a Cpocas diferentes ( R m a e Inglaterra). Tal m 6 t d o poderia dar-nos c e ~ e z a snegativas, -patenteando que - um fato n5o .2 o efeito necesdrio de outro, pois nem sempre aparecem ambos Egados (por exemplo a emancipaqk das mulheres e o crist .

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INTRODUCBO AOS tianismo). Nunca, porem, poderiamos por Ue chegar a resultados psitivos porque a concomitiincia de dois fatos em vdrias sCriss a50 indica, com seguranp, que eles sejam causa um do outre, nem que sejam ambos efeitos da mesma causa. A pesquisa metbdica das causas de urn fato exige uma a&lise das cm-diq6es em que tle se produziu de modo a perditir-nos isolar a condiq5.0 necesskia, que C a causa do fato estudado. Tal pesquisa pressupbe, portanto, o c d e c i m e n t o completo dessas condiqges. Ora, em hist6ria, C impossivel chegar a tste conhecimento. 0 que nos cump-e fazer, pois, C renunciar a atingir as causas por um m6todo direto, como nas outras citncias. Na realidade, todavia, os historiadores servem-se frequentemente d a nos50 de causa, hdispen&vel, w m o jA demonstramos, para formular os acontecimentos e construir os periodos. 0 con~hecimentoque Cles t&m das causas prevem, quer dos autores de ~docurnentosq u l abservaram 0s fatos, quer por analogia com a s causas atuais, que cada um de n6s pode obdervar. T6da a histbria dos acontecimentos 6 um encadeainento evidente e incontestAve1 de acidentes, cada urn dos quais C causa deterainante de outro: 0 golpe de lanqa de Montgomery foi a causa da morte de Henrique 11, e esta morte foi a causa da ascenq5o dos Guises ao poder, que, por sua vez, foi a causa da rebeli6o do partido protestante. A observaq60 das causas, pelos autores de documentos. restringe-se ao encadeamento dos fatos acidentais por eles observados; a rigor, 60estas as causas conhecidas com mais seguranqa. Por isso, a histhria, ao contrkio das outras ciencias, conhece melhor as causas dos acidentes particulares que as das transformaq6es gerais, porque jb encontra, nos documentos, o trabalho f eito. Para hvestigar as causas dos fatos gerais, a constru@o hist6rica s6 disp6e da analogia entre o passado e o presente. 0 h i c o meio que ~ o s s u ipara deterrninar as causas que explicam a evoluq'io das sociedades. passadas C a observaqgo direta das transformaq6es das sociedades atuais. Como tste ,gtnero de estudos ainda n5o estd constituido, s6 podernos indicar aqui os principios que o regem: 1 ) Para atingir a s causas da solidariedade entre os h&bitos diferentes de uma sociedade, C precis0 ultrapassar a forma abstrata e conventional que os fatos assumem na li'nguagem do do-

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ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

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cumento (dogma, regra, rito, instituigio) e remontar aos centros reais e concretos, que d o sernpre os hornens, que pensam ou agern. S6 Cstes condensam as diversas espkies de atividade que a lingua separa pela ahtra@o. Portanto, a solidariedade, que procuraxnos esclarecer, a que se manifesta entre os hkbitols diferentes de uma sociedade, deve ser buscada nos t r a p s dominantes da natureza, ou da condiq'io, dos homens, porque tstes traqos se imp6em em t6das as manifestaqbes das diferentes atividades que aqueles exercein. - Devemos dar atenq'io ao fato de que a solidariedade n'io se manifesta com igual intensidade ern t6das as espkcies de atividade: 2le serd mais forte naquelas em que cada individuo depende estreitamente dos atos da massa (vida econhmica, social, politics) e mais fraca nas intelectuais (artes, ciencias), onde a iniciativa dos individuos se exerce mais livremente. (182) 0 s documentos mencionam a maioria dos hdbitos (crenqas, costumes, instituiqbes) em bloco, sern distinguirem os individuos ; contudo, na mesma sociedade, os hAbitos diferem muito de um homem para outro. I3 imperioso distinguir estas diferenqas, sob pena de explicanmos os atos dos artistas e dos s&bios pelas crenqas e hdbitos de seu principio ou de seus fornecedores. 2) Para atingirmos as causas da evoluq6o devemos remontar aos Gnicos s k e s capazes de evolver: os homens. T d a evoluq5o tem por causa uma transformago nas condiqbes materiais ou nos h5bitos de certos homens. A observaq50 nos revela duas esecies de transformaqfio: ou os homens s'io os mesmos, mas mudam a maneira de agir ou de pensar, quer voluntariamente, por imitaq60, quer coativamente; ou os homens que praticavarn o antigo uso desaparecerarn e foram substituidos por outros que n6o mais o praticam, quer por serem alienigenas, quer por haverem sido educados de maneira diversa. Esta renovaq60 de geraqbes parece ser, atualmente, a lnais ativa causa da evoluq5o. Somos propensos a acreditar que o znesrno aconteceu no passado: a evolu@o se processou na medi'da ern que as pessoas da geraq5o seguinte se deixa~ainou n60 influenciar na sua Eormaq50, pelas geraq6es anteriores, irnitando-as com a maior ou menor intensidade. (182) 0 debate da mais dificil quest50 da hist6ria foi iniciado pelos historiadores da literatura, ao procurarem descobrir um liame entre as artes e o resto da vida social.

HZ, ainda, uin problema a oonsiderar. Dar-se-5. o caso de serem os ~homens,e assim t e r m sido, sempre, dotados dos mesmos elementos naturais de a @ ~ diferindo , uns dos outros, exclusivamente, par suas condico'es d e vida (educargio, recursos, govirno) ? Neste cam o fundamento da evoluqso seria a exist k i a de transformaq6es qeradas nestas condico'es. Ou, pelo contdrio, o que h i s5o grupos de homens hereslitariamente diferentes, que nascem c m tendincias para atividades diferentes e com aptid8es para evolver dif erentemente, de tal sorte que a evoluq5o seria produzida, ao menos em parte, por acrCscimos, diminuiq8es ou deslocamentos df sses grupos ? - E m relaqso aos -0s extremos, como a diversidade exis~tenteentre a s raqas branca, amarela e negra, as diferenqas de aptidso parecem evidentes; nenhum p v o negro conseguiu civilizar-se. a, E,ois, provgvel que diferenqas heredit5.rias de mmor imporGncia tenham contribuido para determinar os acontecimentos. A evoh@o Ihistbrica seria, em parte, produzida por causas fisid6gicas e antropol6gicas'. Mas a histbria n5o disp6e de nenahum processo seguro para determinar a aq5o destas daiferenps hereditSrias entre os homens e nHo pode ir alem da fixas50 das suas condiq6es de exist4ncia. Bste problelna da hist6ria n5o pode ser resdvido pelos processes histbricos.

Falta-nos estudar uma questso de evidente interisse pritico. Sob que forma se apresentam as obras histbricas? Estas formas s50, na realidade, muito numerosas; virias j i se revelam obsoletas, nem t6das sso legitimas e at4 as rnelhores encerram inconvenientes. Devemos averiguar, pois, n5o apenas sob que forma as obras h.istbricas se apresentam, mas, ainda, entre os tipos de exposiqso existentes, quais os verdadeiramente racionais. Por "o'bras hist6ricas" designamos, aqui, tbdas as que se destinam a expor os resultados de qualquer trabalho de construqso hist6rica, seja qua1 f 6 r a sua importiincia ou extensso. Excluem-se, naturalmente, os trabalhos de critica de documentos, simplesmente preparatbrios da construq5o histbrica, de que falamos no livro 11. 0 s historiadores ,podem diferir, como at6 agora t4m diferido, em rela@o a &os pontos essenciais. Hoje, como sempre, nso d o capazes de conceber do mesmo mod^ o fim da obra hist6rica e, portanto, n5o s5o concordantes, nem quanto A natureza dos fatos que escolhem, nem quanto & maneira de dividi-10s e orden&-los, ou de apresentslos e provi-10s. - Seria aqui 0 lugar de mostrar como "a maneira de escrever .hist6ria2' evolveu desde suas origens. @$retanto, como a histbria da maneira de escrever hist6ria ain,da nHo atingiu um grau satisfatbrio ( 183), teremos de contentar-nos com indicaq6es muito (183) Para as Cpocas antigas, consultar as boas hist6rias da liferatura grega, romana e da idade-mCdia, que contkm capitulos consagrados aos "historiadores". Para o period0 moderno, consultar a Introdus50 de G. Monod, ao t. I da Revzce historique; a obra de I?. X. v. Wegele, Gcschichte L r dezctschen Historiographic ( 1885), alem de restringir-se $ Alemanha C mediocre; algumas "Notas sBbre a hist6ria da F r a n ~ ano sCculo XM" foram publicadas por C . Julliam, como Introdus50 aos seus "Extibits des historiens frangais du X I X " sihcle" (Paris, 1897, in-12). A hist6ria da historiografia moderna ainda esti por fazer. V. o ensaio parcial de E Bernheim, o. c., p. 13 e segs.

gerais, relativas A segunda metade do &ulo XIX, cujo conhecimento reputamos indispensivel .para urn claro entendimento do estado de coisas contemporHneo.

I - A hist6ria foi concedida, primeiramente, como a narraqZo de acontecimentos memoriveis. Guardar a lembranqa, 'ou propagar o conhecimento de fatos gloriosos, ou irnportantes, quer se refiram a um homem, a uma familia ou a um povo, tal era o objeto da hist6ria no tempo de Tucidides e de Tito Livio. Paralelamente, a hist6ria foi desde cedo considerada como uma coletgnea de precedentes e o seu codecimento foi tido como uma preparaqgo priitica para a vida, principalmente para a vida politica (inilitar e civil). Polibio e Plutarco escreveram para instruir ; animou-os o desejo de tracpr normas de aqgo. - Portanto, a mathria da hist6ria na antiguidade cl6ssica se constituia, principalmente, de acidentes politicos, fatos de guerra e revoluq8es. 0 quadro ordinArio da exposiq50 hist6rica (em que os fatos se ordenavam cronologicamente) era formado pela vida de urn personagem, pelo conjunto ou por um period0 da vida de um povo; houve, na antiguidade, rarissimos ensaios de hist6ria gerat Coma o historiador tinha em mira, agradar ou instruir, ou agradar e instruir, ao mesmo tempo, a hiskbia; era um g-bero liter6rio; ninguhm manifestava grande escrfipulo em relaqzo As provas; os que trabalhavam con1 documentos escritos nZo tinham o cuidado de distinguir, no $exto, o que havia de original e o que nile f6ra acrescido; reproduziarn as narraq8es de seus antecessores, ornando-as de pormenores e, nZo raro (sob o pretext0 de tornii-las precisas), de algarisrnos, de discursos, de reflexBes e de torneios de linguagem. Podemos bem aprender o process0 de que se serviam, sempre que tivermos oportunidade de comparar a obra dos historiadores gregos e romanos, Sforo e Tito Livio, por exemplo, com a s fontes de que se utilizaram. 0 s escritores do ~ e ~ a s c i m e n timitaram o diretamente 0s. antigos. Para Ues, tam%&, a histbria se resutnia numa arte literiria corn tendincias apologCticas ou com pt.etens6es diditicas, quando niio, como ocorreu. com frequincia na Ltilia, em um meio'para obter favores do principe ou, 'ainda, em urn simpIes tema para declamaqgo. E isto durou muito. Em pleno sCculo X V I I a obra de M,Czeray se apresentava vazada nos puros lnoldes da antiguidade cliissica.

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Entretanto, na literatura histbrica do Renascimento, merecern aten@o especial duas novidades, de espirito incontrastavelmente medieval. De urn- lado, vemos persistirem as vantagens de um quadro, desconhecido na antiguidade e que deve ter sido criado pelos historiadores cat6licos d a baixa idade-m6 dia (~usCbio,Osbrio), muito ao sabor dessa Cpoca, e no qual, em lugar da hist6ria de um homem, de uma familia, ou de um povo, vernos desenhar-se a histbia de tBda a humanidade at6 ent5o conhccida. - De outro, deparamos urn artificio material de exposisgo, que deve ter tido origern em uma pr5tica vigente nas escolas da idade-m&ia (as glosas) e cujas consequ6ncias foram de suma importiincia. D b t e modo, nasceu o hibito de acrescentar notas aos textos, nos livros de hist6ria impressos. (184) As notas permitiram distinguir a narra@o histbrica dos docunlentos que a conf irmavam, f acilitaram a remiss50 As f ontes e o esclarecimento do texto. 0 artificio d a anotaqgo comeqou a ser praticado nas coleq6es de documentos e nas dissertaq8es criticas; a seguir estendeu-se, lentamente, As outras obras hist6ricas. Um segundo #period0 se inaugura no sCculo XVIII. 0 s "fil6sofos~~ deixaram de concaber a hist6ria como o estudo dos acontecimentos considerados em si mesmos, para encari-la como a investigaqzo dos hibitos dos homens. DGste modo, passaram a interessar-se, ngo apenas pelos fatos de ordem politica, mas, principalmente, ,pela evoluq8o das citncias, das artes, dos costumes, das industrias, etc. . . Montesquieu e Voltaire personificaram estas tendibcias. 0 "Essai sur les moeurs", C o primeiro esMqo e, sob alguns aspectos, a obra-prima da hist6ria assim compreendida. A narraqgo pormenorizada dos acontecimentos politicos e militares continuou a ser tida como o fundamento da hist6ria; entretanto, gerou-se o hibito de fazi-la acompanhar, quase sempre sob a forma de complemento ou de a@ndice, de um resumo dos "progressos do espirito humano". A express50 "hist6ria da civilizaqgo" apareceu antes do fim do skulo XVIII. Ao mesmo tempo, os professores universitArios criaram, na Alemanha, principalmente em Gottingen, para as necessidades do ensino, a forma nova do manual de histe~ia, compilaqiio (184) Seria interessante determinar quais os mais antigos livros impressos, onde se observam notas 2 maneira moderna. Alguns biblibfilos, que oonsultamos, nada nos souberam dizer a iste respeito, por nu,nca lhes haver ocorrido a idCia aqui sugerida.

metbdica de fatos, cuidadosamente justificados, sem pretens6es 1iterBrias nem outras de qualquer esp6cie. JB desde a antiguidade existiam colq6es mde fatos hist6ricosy formadas, quer com o intuit0 de servirem interpretasso de textos literkrios, quer pela simples curiosidade em relago i s coisas antigas; mas as misceliineas de Atenea e de Aulo Glio, as compilaq6es mais vastas e mais bem ordenadas, que datarn d a idade-media e do Renascimento, de modo algum podem ser comparadas aos "Manuais cientificos", cujos modelos foram elaborados pelos professores alemiies. Por outro lado, Cstes professores contribuiram para esclarecer a idkia geral e confusa que os fil6sofos tinham de "civiliza$io ", organizando urn rarno especial de estudos para cada grupo de fatos homogeneos: d b t e mod0 constituiu-se a hist6ria das linguas, a das Iiteraturas, a das artes, a das religities, a do direito, a da vi,da econ6mica, etc. Corn &tes novos processos ampliou-se muito o dominio da hist6ria e a exposiq50 cientifica - objetiva e simples, passou a fazer concorr6ncia As formas antigas -orat6rias ou sentenciosas, patri6ticas ou filosbficas. Concorrhcia a principio timida e obscura, porque o comCqo do seculo XIX se caracterizou por um renascimento litersrio, que contagiou a literatura histbrica. Sdb o influxo do movimento romiintico, os historiadores procuraram processos de exposi@o mais vivos que os de seus predecessores, destinados a entusiasmar, a "comover" o pfiblico, a dar-lhe urna impress50 poQica d e realidades desaparecidas. Alguns, fazendo embora adaptaqGes, esforqaram-se por conservar o colorido dos documentos originais. "Encantado com as narraq6es conternporiineas, escreveu Barante, deliberei compor uma histrjria sequente, onde impere o mesmo intertsse que as anima": tal atitude implica na supress'ao de qualquer critica e na conserva@o do que foi esteticamente dito. Outros acharam que a descrisLo dos fatos passados dweria produzir, em quem a lesse, emos'ao idktica A experimentada pelos espectadores reais dos acontecimentos narrados. "'Thierry, diz Midielet, louvando-o, quando nos fala de Klodowig, traduz o espirito rec6ndit0, a emosLo da Franqa recentemente invadida.. . " Michelet definiu o problema hist6rico como "a ressurreiq50 da vida integral nos organismos interiores e profundos". A escolha do assunto, do plano, das provas e do estilo t dominada, em todos os historiadores romiinticos, pela preocupaqiio do efeito, que certarnente 1-150 6 uma preocu-

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pas50 cientifica. Alguns historiadores resvalaram neste plano inclinado a 6 o ."romance hist6rico". Sabemos bem em que consiste k t e .&ero, que, do abade Ba&61emy e de Chateaubriand at6 M6rimCe e Eroers, se mostrou tLo pr6spero e que muitos tentam, presentemente, mas em v'ao, reavivar. Seu escopo 6 "reviver o passado", em quadros dramiiticos, artisticamente fabricados com cores e pormenores "verdadeir~s'~. 0 vicio evidente do process0 estB no fato de nHo possuir o leitor um rheio de distinguir entre as partes tiradas dos documentos e as imaginadas, cumprindo tam;bem levar em conta que a maior parte dos documentos utilizados n'ao s'ao exatamente da mesma procedkcia, o que nos leva a concluir que, embora seja cada pedra verdadeira, o mosaic0 6 falso. "Rome au sikcle 6 A w guste, de Dezobry, "Rkcits nzeroviqiem", #Augustin Thierry, bem como outros quadros esboqados na mesma & p a , s'ao trabathos elaborados segundo o figurino do ~rincipioque acabamos de expor e apresentam os inconvenientes dos romances hist6ricos propriamente ditos (185). Pademos dizer, em resumo, que at6 o ano de 1850, aproximadamente, a hist6ria n5o passou, tanto para os historiadores como para o pliblico, de um g6nero 1iterBrio. Uma excelente prova do que afirmamos reside no fato de que era hAbito dos historiadores reeditarem suas obras com v5rios anos de permeio entre uma e outra edi@o, sem nada lhes acrescentarem e sern que o pfiblico condenasse essa prBtica. Ora, qualquer obra cientifica deve ser constantemente refundida, revista e atualizada. Os, sBbios propriamente ditos n5o tGm a pretens'ao de daran 4s suas abras uma forma ne varietur, nem de serem lidos pela posteridade; n5o visam 5 imortalidade pessoal; basta-lhes que os resultados de suas pesquisas, retificados ou mesmo transforrnados por pesquisas ulteriores, sejam incorporados ao conjunto dos conhecimentos que constituern o patrimhio cientifico da humanidade. Nfinguem I t Newton ou Lavoisier; basta ?i gl6ria de Newton ou de Lavoisier que sua obra tenha contribuido para determinar a rnassa enorme dos trabdhos que swbstituiram os seus e que, cedo ou tarde, ser'ao por sua vez substituidos. -

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(185) fi evidente que os processos romkticos destinados a produzir efeitos de c8r local e de " ressurrei~50'', quase sempre pueris nas m'aos dos mais hPbeis escritores, tornam-se absolutamente intoleriveis quando empregados pelos mediocres. V. um born exemplo (critica' de urn livro de Mourin, por 7Monad) na Revue critique, 1874, p. 163 e segs.

INTRODUSAO AOS Sb as obras de arte ostenrtam eterna juventude. E o pfiblico sabe muito bem disso; a nenhum espirito ocorrerS estudar hist6ria natural em Buffon, sejam quais forem os m6ritos do estilista. Mas o m s m o phblico estuda histbria, com agrado, em Augustin Thierry, em Macaulay, em Carlyle e em Michelet e os livros dos grandes escritores que versaram assuntos hist6ricos se reimprimem, sempre os mesmos, cinqiienta anos depois da morte .de seus autores, como se nenhum conhecimento novo tivesse a humanidade adquirido em ti50 longo tempo. Estd patente que, para muitos, a forma, e m Gstbria, sabreleva o fundo. e que a obra histhrica C sempre, n6o exclzlsivarnente, mas principalmente, uma obra d'arte. (186)

I1 - HA cinqiienta anos, mais ou menos, C que se desembaragaram e constituiram as formas cientificas de exposig5.0 histhrica, em harmonia con1 a conce#io geral de que a finalidade d a hist6ria 1150 6 agradar nem estabelecer normas prAticas de conduta nem comover. mas silnplesmente saber. Distinguirernos desde logo: 1) as monografias; 2) os trabalhos de cargter geral. 1 ) Servirmo-nos da monografia, quando nos propomos elucidar urn ponto especial, um fato ou um conjunto limritadode fatos, por exemplo, um trecho da vida ou Qbda a vida de alLguem, um acontecimento ou uma s6rie de acontecimentos situados entre impossivel enumerar os v&duas datas aproxirnadas, etc.. . rios tipos de assuntos que podem ser versados em monografias, porque a matCria histbrica pode seccionar-se indefinidamente e ser tratada por um nGmero infinito de maneiras. Mas todos os seccionamentos nSo s5o igualmente judiciosos e, embora haja quem afirme o contrkio, hh, em histbria, assuntos de monografizs que s5o estGpidos e monografias que, feitas, reduzem-se (186) B um lugar comum, mas nem por isso deixa de ser trro, afirmar, em sentido contririo, que as obr= dos eruditos perduram, a o passo que os trabalhos dos historiadores envelhecem, de modo que os eruditos conseguem lograr uma reputacPo mais s6lida do que a dos historiadores: " j i nPo lemos o padre Daniel, mas sempre lemos o padre Anselmo". Mas as obras dos eruditos envelhecem, tambem, e 0 fato d e nem tbdas as partes da obra do padre Anselmo terem. sido substituidas (por isso ainda nos servimos delas) nPo deve iludir ninguem: a imensa maioria das obras dos eruditos, como a dos sibios propriamente ditos, sfo provis6rias e estHo condenadas ao esquecimento.

ESTUDOS H I S T ~ R I C O S

sempre a desperdicio de trabalho. (187) As pessoas de espirito mediocre e sem penetragso, frequentemente denominadas 66 curiosas" empenham-se corn fervor na soluq5o de quest6es insignif icantes ( 188) ; por isso, parwe-nos um Cltimo crit6ri0, para formularmos urn priineiro juizo do valor intelectual de um historiador, ler a lista dos titulos das monografias por 61e produzidas. (189) (0dom de descobrir os problemas importantes, o pendor para com iles se preocupar, assim como a capacidade de resolv6-los, SHO os elementos que, em t6das as ciencias, caracterizam os homens de primeira orclem. Admitamlos, contudo, que o assunto tenha sido escolhido de maneira rational. T6da monografia, para ser Gtil, isto C, plenarnente utilizgvel, deve submeter-se a t r i s regras: 1 . O ) nenhuni fatq histbrico extraido de bcumentos deve ser apresentado sem estar acolmpanhado da indicaqso dos documentos de que proveio, bem como de urn. julgamenrto do valor de tails documentos (190) ; 2 . O ) C indispensbel seguir, tanto quanto pos(187) 0 s estudiosos d e questBes hist6ricas tentam, em vlo, iludirse a tste respeiot : " nada, no passado, h interessante ". - " E se n6s escrevZssemos a vida do duque d'AngoulCme, disse Phcuchet. - Mas, era um imbecil! - Que importal 0 s personagens de segundo plano ttm, algumas vezes, enorme influcncia ". ( G . Flaubert, o. c., p. 157). (188) Como as pessoas de espirito mediocre tendem a preferir ?s assuntos i n ~ i ~ i f i c a n t e sexiste, , em relaclo a tstes, urna concorrCncla ativa. Notamos, com frequtncia, a apari~50 simultAnea de virias monografias referentes a o mesmo assunto e constatamos, quase-sempre, em tais casos, que os assuntos preferidos sPo absolutamente sem import5ncia. (189) Nem todos os assuntos capazes de constituir interessante objeto de monografia podem ser satisfatoriamente versados; alguns hi, em que nem podemos pensar, pela precariedade das fontes. B por isto que os bisonhos, at6 os mais inteligentes, se mostram tlo desnorteados ao escolherem os assuntos de suas primeiras monografias, sempre que n%o tenham sido bem aconselhados, nem favorecidos pela fortuna. Muitos se embaracam num cipoal de dfividas e dificuldades, a ponto de desanimarem. Seria levar o rigor a o extremo e praticar ao mesmo tempo uma injustica, pretender julgar alguem pela lista dos assuntos de suas priwzeiras monografias. (190) Na pritica, convem dar, no principio do trabalho, a lista das fontes que servirb para a elaboraGo completa da monografia (com as necessirias indicacces mbibliogrificas referentes aos editores, 5 natureza dos documentos e, quando se tratar de manuscritos, Q cota de cada um) ; alem disso, cada a f i r m a ~ l oespecial deve ser provada; o pr6prio texto do documento deve ser transcrito, quando possivel, a fim de que o leitor possa controlar a interpretaGo ( p e p s justificativas) ; isto sendo possivel, 6 aconselhivel fazer, em nota, a anilise do texto ou,

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CII. V. LANGLOIS

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CH. S E I G N ~ B O S

sivel, a ordem cronoltigica, p i s foi nela que os fatos se produziram e por ela podemos estabelecer as causas e efeitos; 3 O ) C necessSrio que o titulo da monografia de a conhecer, corn precisfio, a natureza do assunto nela tratado; devmos reagir contra o emprego de titulos incompletos ou de fantasia, que s6 servem para estabelmecer confu&o nas pesquisas bibliogr3icas. uma outra regra deve tambem ser lembrada; h i quem repita, com f requencia, a afirmaglo : "uma monografia s6 6 Gtil quando esgota o assuneo ", entretanto ninguem pode contestar -a legitimidade de um trabalho provis6ri0, f e i b com os documentos mais A m50, desde que se declare, com rigorosa precisso, qua1 o materbl utilizado. Basta-nos, por outro lado, um pouco de bom senso, para nos convencermos de que, em uma monografia, o aparelho da demonstraglo deve ser a um s6 tempo, completo e simples, isto 6 , reduzido ao estritamente n&es&rio. A sobriedade imp6e-se: t6,da a pompa de erudig50, cuja economia ~possa fazer-se sem inconvenientes, deve ser tida como odiosa. (191) As mdhores m~nografias,em histbria, chegam muitas vezes, como resultado de um exaustivo trabalho, A constataqlo d a impossibilidade de saber. Devemos resistir ao depelo menos, dar o titulo do documento, com sua cota, ou com a indicaprecisa do lugar em que foi publicado. A regra geral 6 dar a o leitor meios com que possa saber, exatamente, as razSes que levaram o autor a adotar tais conclusBes para cada ponto da anllise. 0 s netifitos, neste ponto semelhantes aos antigos autores, n%o observam, naturalmente, t6das estas regras. B muito ,frequente, em lugar de citarem o texto, ou o t i t d o do documento, limitarem-se a aludir vagamente a urna cota, ou a dar urna indicac50 geral da colet5nea em que se encontram os textos, o que nada adianta ao leitor para verificar a natureza e exatidgo dtstes. Eis, ainda, am desleixo dos mais grosseiros e que se observa constantemente': os nehfitos, ou as pessoas pouco experimentadas, nso compreendem bem porque se firmou o hlbito de colocar notas na parte inferior das plginas; nos livros que l&em observam urna enfiada de notas; crtem-se obrigados a fazer tambem, nos que escrevem, a mesma coisa; suas notas, porem, sgo posticas e puramente ornamentais; n%o servem nem para produzir provas, nem para permitir ao leitor o contrhle das afirmac6es. - Todos tstes processos sZo inadmissiveis e devem ser vigorosamente combatidos. (191) Quase todos os ne6fitos tendem a perder-se em fastidiosas e superfluas digressSes, acumulando clados e comentirios, que nada t t m de comum com o assanto principal; se meditassem um pouco a &ste respeito, n%o lhes seria diiicil reconhecer que tal defeito provem, principalmate, ou de urna tendsncia ao mau gosto, contra a qua1 n%o reagem, ou de urna ingkua, sen50 ridicula vaidade; tudo isto, em Gltima anklise, significa falta de disciplina mental.

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INTRODUS~O AOS ESTUDOs HIST~RICOS

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sejo de coroar, como frequentemente acontece, com conclusBes subjetivas, ambiciosas e vagas, uma monografia que absoiutamente ngo comporta resultados categGricos. (192) A concluSZO regular de m a boa rnonografia traduz-se no balanqo dos resultados por ela abtidos e do residuo que permaneceu na abxuridade. Uma mmografia conduzida dCste modo pode envelhecer, mas n5o se corrompeA, e seu autor liunca t e r i que envergonhar-se da obra que produziu.

2) ,Os trabalhos de carAter geral podem destinar-se aos especialistas, ou ao ptiblico. A. As obras gerais destinadas principalmente aos especiali~stasse apresentam boje em dia sob a forma de "repert6rios", de "manuais", e de "hist6rias cientificas". Em um repertdrio acham-se r e ~ n i ~ d omuiros s f atos j& verif icados, pertencentes a urn certo g k e r o e fdispostosem ordem cbmodz, de maneira a serem facilmente encontrados, Quando se trata de fatos datados com precisgo, a ordem indicada C a cronol6gica: assim se procedeu para a elaboraGo dos "Anais" da histbria da Alemanha, onde urna breve menqgo dos acontecimentos, dispostos pelas datas em que ocorreram, vem acompanhada dos textos que 0s explicam, seguidos de criteriusas remissdes 2s fontes e aos trab&os de critica; a coleqgo intitulada Jahrbiicher der deutschen Geschichte tem por fim elucidar t50 completamente quanto possivel os fatos da hist6ria da Alemanha, em todos os p n t o a em que poss'arn aer abjeto de discusslo e de prova cientifica, com exclus50 das consideragijes gerais, bem como de tudo que seja do dominio da apreciqlo. Quando se trata de fatos m d datados, ou simultAnes, que n l o podem ser dispostos em limha aequente no tempo, a ordem alfabhtica imptie-se. Temos, entlo, os dicionirios; h i os de v5rias especies: dicionSrios de instituiges, dicionirios biogxificos, enciclopedias histbricas, como a Reale Eucyklopredie, de Pauly-Wissowa. Tanto estes repert6rios alfaGticos, como os Jahrbiicher slo, em principio, cole~ijesd e fatos acompanhados das respectivas pro(192) I3 comum lermos expressSes como estas: " Vivi muito entre os documentos dtste tempo e desta es&ie. Tenho a impress50 de que tais conclus6es, que n50 posso demonstrar, s50 exatas." De duas, uma: ou o autor pqie indicar os motivos de sua impress50 e, neste caso, podemos apreciClos, ou nPo os pode indicar e, neste outro caso, seu trabalho de nada vale.

I N T R O D U C ~ O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

vas; se, na pstica, nem sempre aparece completo o conjunto dos textos que devem corroborar as afinnaqdes, ou se as refer&cias aos fatos G o trazem o cunho de rigorosa exatidso, s6 temos a lamentar tal desarmonia entre a doutrina e a realidade. (193) 0 s nza~zuaiscie?ztificos tambem podem ser considerados repertbrios, visto que consistem em livros onde os fatos consagrados sLo expostos em ordem metbdica, sob forma objetiva, seguidos sempre das respectivas provas, sem qualquer ornamento literbrio. 0 s autores distes "Manuais", - cujos espkimes mais numerosos e mais perfeitos foram compostos nas Universidades alan'is - t6m como objetivo Grrico o levantal rnento de urn minucioso invengrio dos conhecimentos at6 agora obtidos, a fim de tornar mais fbcil e mais rbpida aos estudiosos a assimilaqso dos resultados da critica e de propiciar-lhes, ao mesmo tempo, um ponto de partida para novas pesquisas. Jb existem manuais desta esp6cie para a maioria dos ramos espxiais da hist6ria da civilizaq50 (linguas, literaharas, religiso, direito, AlterthG7mer, etc.), para a hist6ria das instituiqbes e para as diversas partes da hist6ria eclesiktica. Basta citar 0s nomes de Schoemann, Marquardt e Mommsen, de Gilbert, de Krumbacher, de Harnack, de Moller. Estas obras nada tirn d a aridez da lnaioria dos "manuais" primitivos, publicados na Alemanha h i mais ou mems urn skulo e que nLo passavam de indices com a menqbo dos documentos e dos livros a consult a r ; nelas, a exposiqLo e a d i p s s 5 o devem, necessariamente, ser concisas, mas nem por isso deixam de ter amplitude suficiente para atrair e mesmo interessar vivamente os leitores cultos. Bstes preferem-nas a qnaisquer outros trabalhos con&meres, afinnou G. Paris. (194) "Depois de termos saboreado pAginas tso suEstanciais e tfo densas de fatos, na aparhtia absolutamente despersonalizados, mas que tan& pensamentos sugerem, nLo nos sentimos bem ao k m o s outros livros. saidos em;bora da pena de ilustres escritores, mas onde a matCria, in(193) Tal disparidade tende a desaparecer. As mais recentes co1e~Sesalfabeticas de fatos hist6ricos (Reale Encyklopedie der classischen Alterthumswissenschaft, de Pauly-Wissowa, Dictionmire des antiquite's, de Daremberg e Saglio, Dictionary of national biography, de Leslie Stephen e Sidney Lee), s%odotadas de urn amplo aparelhamento de provas. E, principalmente, nos dicionirios biogrPficos que o uso de n%o apresentar provas tende a persistir; v. A.Zlgemeine Dezltsche Biographie, etc. (194) Revue critique, 1874, I, p. 327.

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terrompida simetricamente segundo as necessidades de urn sistema e ~oloridapela fantasia, se 110s apresenta sob um aspect0 de fisfarce, onde o autor nos intercepta, a cada passo. . . o espetiiwlo que nos quer fazer compreender, mas que ago nos permite, sequer, ver." 0 s grandes "manuais" histbricos, simCtrims aos tratados e aos manuais das outras cihcias (mas corn a complicaqLo das provas) devem ser e sLo constantemente melhorados, retificados, corrigidos, e postos em dia: isto porque constituem, por definiqfio, obras cientificas e nso obras de arte. 0 s primeiros repert6rios e os primeiros manuais foram compostos por individuos isolados. Cedo, porem, reconheceram todos que um k&o homem 1150 pode compor corretamente e menos ainda dominar, como C necessArio, enormes coleqBes de fatos. A tarefa foi dividida. 0 s repert6rios sHo executados, atualrnente, por colaboradores associados (0s quais, nem sempre, pertencem ao mes'mo pais, ou falam a nlesma lingua). 0 s grandes manuais (de I. v. Miiller, de G. Grober, de H. Paul, etc.) compkm-se de coleqbes de tratados especiais, cada qua1 redigido por urn especialista. 0 principio da colaboraq50 C excelente, desde que se realizem as seguintes condiqbes: 1.O) a obra coletiva deve ser de natureza tal que possa resolver-se em grandes monografias independentes, embora coordenadas ; 2.O) a seq5o confiada a cada colaborador deve ter uma certa extensso; se o nfimero de colaboradores f6r inuito grande e a parte de cada um muito reduzida, fica muito atenuada ou se anula a liberdade ou a responsabilidade de cada urn. Nern poi- se terem multiplicado os manuais metbdicos, perderain a sua raz5o de ser as hirthrias destinadas a apresmtar a narraqso dos aco-vtecimentos que se produziram uma sQ vez, ou dos fatos gerais que dorninam o conjuntd das evoluqbes cspeciais. ,Par imitaqLo do que jb ocorrera com as monografias e os manuais, introduziram-se tambem neste ginero de pesquisas os novos processos cientificos. A reforma consistiu, predominanternente, na rencncia aos ornalnentos literbrios e $s afirmaq6es sem provas. Foi Gmte qvem criou o primeiro modelo da "histbria" assiin concebida. Ao mesmo tempo, certos quadros, outrora bem aceitos, cairam em desuso: assim aconteceu com as "Hist6rias Universais" de narraqLo continua, tLo conceituados, por diferentes motivos, d a idade-m6dia at6 o s6culo XVIII. Schlosser e Weber, na Alemanha, e Canth, na Itblia, deram-nos, no s4culo XIX, os filtimoi espkimes de tais obras.

INTRODUG~O AOS ESTUDOS HIST~RICOS

Bste quadro foi abandonado, de urn lado, p o r motivos' histbricos, pois deixou-se de considerar a humanida.decomo urn con-. junto subordinado a uma iinica evolut$io e, por outro, por motivos prAticos, pois reconheceu-se a irnpossibilidade de reunir em uma iinica obra t5o esmagadora massa de fatos. As hist6rias universai.~que ainda ee publicam em colaborq5o (cujo tipa mais representativo C a cole@o Oncken) -seresolvem, comr, os 'grandes manuais, ein sgbes independentes, cada quai tratada por um autor dif erente. 0 s historiadores, porem, acordaram atualrnente em adotar. a divisgo por Estados chistbrias nacionais) e por C,pocas. (195) B. N5o h5 raz5o te6rica para que as obras dgstinadas pri,ncipalmmte ao piiblico sejam concebidas com espirito diverso do que anima a s destinadas aos especialistas, nem redigidas dif.erentemente, urna vez que se faqam algumas simplificaqbes e supress.k, que por si memas se impbem. E. reailmente, j5 vArios existem, claros, substanciais e agradiveis, onde nada -C afirmado sem apoio t k i t o em sblidas referkcias e onde os pontos firmados pela ci4ncia se evidenciarn com precis50, ~discretanente iluqtrados. 0 : s %ranceses, -graqas a s sluais qualidades naturai,~de sutileza de espirito e de exatidso, mostram-ee insuperAveis nos tr8baIhos deste g k e r o . Certos artigos de revista, certos livros de vulgGizaq5.0 superior, entre n6s publicados, em que se acharn habilmente condensados os resultados d e enorrne quantidade de trabalhos originais, causarn admiraq5o aos prbprios especialistas, que, com suas pesadas monografias, os tornararn possiveis. Nada C mais perigoso, eritretanto, do que a vulgarizaqFio. Realmente, a maioria dos livros vulgarizaF5o n5o se conformam ao ideal modern0 de exposieo histbrica ; ao contrsrio, exibem corn f requencia, sobrevivencias dos ideah antigos, como o da antiguidade, o do Rebascimento e 0 dos romsnticos.

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(195) 0 hibito de acrescentar As "histbrias ", isto 6, 5 narracPo dos acontecimentos politicos, urn resumo dos resultados obtidos pelos historiadores especiais da arte, da literatura, etc., ainda persiste. A idCia dominante C a de que urna "Hist6ria da Francan nPo seria completa, se r15o incluisse ca~itulos.re?.ativos?I hist6ria da arte, da literatura, dos costumes, etc., na Franca Entretanto n%o 6 a exposicPo, sumaria das evolucScs especiais reveladas pelos especialistas fato d e segunda mPo - que cabe numa " Hist6riaV cientifica; ao contririo, a que aqui cabe C o estudo dos fatos gerais, que dominaram o conjunto das evolu~Bes~ especiais.

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A explicaqQo'6 f k i l . 0 s defeitos das obras histbricas destinadas ao pGblico incompetente - def'eitos algumas vezes encrrmes, que desacreditaram, para grande nGmero de bons espiritos, o prbprio g k e r o da vulgarizaq50 - s5o consequi5ncias da preparaq5o insufi'ciente ou da mb educaq5o litelaria dos "vulgarizadores

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Urn vulgarizador estb dispensado' de pesquisas originais; deve, entretanto, conhecer tudo o que de importante foi publicado s6bre o assunto que pretende versar; deve, como se diz geralmente, "estar ao corrente" da matCria e repensar por si mesmo as conclus6es dos especialistas. Se n5o fez, pessoalmente, estudos especiais d b r e o tema que vai desenvolver, C precis0 que trate de infonnar-se bern e ista leva tempo. Para o vulgarizador profissional, C forte a tentagio de estudar superficialmente umas poucas monografias recentes, cosblas apressadamente ou combinar a troche excertos, adornando, tanto quanto possivel, essa para torni-la mais atraente, com "idCias gerais" e atrativos estranhos,. A tentaq.50 se torna ainda rnais forte pelo fato de os especialistas se d~esinteressaremdos trabalhos de mlgarizaq.50, quase sempre re'ndoms e de o grande pGblico 1150 distinguir bem o vulgarizador honesto do cabotino. Em resumo, h& pessoas, por mais absurdo que isto pareqa, que n50 hesitarn em resurnir para outrem o que G o chegaram a entmder, bem como em ensinar o que ignoram. - Assim se explica a existencia, nas obras de vulgarizacgio ~histhica,de nwnerosos e inevit&veis defeitos, que as pessoas instruidas notam sempre com urn prazer mesclado de piedosa ironia, porque sb elas os podem descobrir : pligios, refer6ncias inexatas, nomes e textos estropiados, citaqbes de segunda m50, hiptrteses sem valor, compar a q k s superficiais, afirmaqbes imprudentes, generalizaqbes pueris; e tudo isto C dito, bem como as mais falsas e contestbveis opiniijes, nurn tom de serena autoridade. (196) (196) E dificil imaginar como podem transformar-se, em m%os de vulgarizadores negligentes e canhestros, os mais interessantes e seguros resultados da critica .moderna. Mais do que ninguem sabem disso o s que tiveram oportunidade de ler as "composi~Bes" improvisadas dos candidatos aos exames de hist6ria: os defeitos mais comuns da vulgarizaclo de mau quilate atingem ai os lindes do absurdo.

, Por outro lado, homem abdutamente rbern informaclos, autores de excelentes monografias destinadas aos especizlistas, atentam visivelmente contra o m4todo cientifico, quando escrevem para o fiblico. 0 s alem5es s5o contumazes nesta falta. Citemos Mommsen, Droysen, Curtius e Lamprecht. que Cstes autores, ao dirigirem-se ao pcblico, pretendem influenciL -lo. 0 desejo, que os anima, de produzirem urna impress50 forte, leva-os a afrouxarem, de certo modo, o rigor cientifico e a incidirem nos inesmos e condena1do.s Wbitos da antiga hisMriografia. Minuciosos e escrupulosus quando se trata de fixar porrrlenores, mudam de atitude ao tratarem de quest6es gerais e, como o coinum dus homens, abandonam-se a m seus pendores naturais. Tonlam partido, condenam, aprovam,; dCo colorido 2 nnrra@o, af ormoseiam-na de &ios m o b s . Permitenz-se, nzemo, o lux0 e a liberdade de emitirem consideraq6es pessoais, patribticas, morais e metafisicas. E, como coroamento de tudo isto, empenham-se, cada qua1 com o talent0 de que dispdem, em construir obras de arte; 0s pouco talentosos, quando assim agenz, s5o sempre ridicules, ao psso que os ibem dotados perdem muito de seu mkrito, deixando-se arrastar pela prewupaG o do efeito. Isto a50 significa, C evidente, que a "forma" n5o tenha impodncia e que o historiador, desde que se faqa entender, tenha o direito de usar de urna linguagem incorreta, vulgar, 0 devdem da retbrica, dos fatos brilhantes e crua e frouxa. 1 das flores d e papel n5o exclui o g6sto de urn estilo puro, firme e sadio. Fustel de Coulanges foi um autor de mCrito, muito ernbora tivesse, durante tbda a vida, recomendado e praticado a caqa 5 methfora. Ao contrkio, havemos sempre de repetir que o historiador, dada a extrema complexidade dos fenamenos que deve tratar, n5o tem o direito de escrever mal. Deve sevlzpre escrever bern, sem, contudo, usar de linguagem domingueira.

I - Ao historiador incumbe reunir e dispor os docurnentos, ,de maneira a to&-10s utiliziveis. Ora, urna quantidade enorme de acidentes fortuitos contribui para que os documentos se conservem ou se percam. Na constituiq50 da histbria o acaso tern, portanto, um papel predominante. A quantidade "'$2;- ~8ocumentosexistentes n5o pode ser aumentada; o tempo, apesar de t6das as prxauq6es que hoje rigorosamente se tomam, a diminui cada vez mais; nunca poder6 ser ela aumentada. A hist6ria dispGe, pois, de urn estoque limitado de documentos, o que limita, por, sua vez, os progressos da cikncia histbrica. Quando todos os documentos forem COnhecidos e houverem passado pel0 crivo das operaq6es que OS tornam utilizAveis, a o'bra da erudiq5o estarh concluida. Para alguns periodos antigos, onde os docum~entoss5o raros, j6 C possivel prever que, dentro de urna ou duas geraq6es, nada mais haverA a fazer. 0 s historiadores ser5o obrigados a concentrar-se cada vez mais nos periodos modernos. A hist-&;a n5o poder5, pois, tornar realidade o sonho que, no sCculo XIX, levou os romdnticos a se absorverem: com t5o grande entusiasmo, nos estudos histbricos: ela n5o revelarh o mistCrio das origens das sociedades; e, por falta de documentos, os prim8rdios da evoluq5o da humanidade permanecer50 para sempre obscuros. 0 historiador n5o recolhe por m5os prbprias os materiais necess6rios A histbria, pela observaq50, como ocorre no dorninio das outras cikncias: o seu trabalho se faz com fatos transmitidos por observadores de outros tempos. Em histhria, o conheciinento n5o C obtido, portanto, por processos diretos, como nas outras ciCncias, inas indiretos. A hist6ria n5o C urna ciCncia de observaq50, mas urna ci&ncia de raciocinio. Para utilizar os fatos con1 que deve operar, abservados em condiq6es desconhecidas, deve a hist6ria submetC-10s a rigorosa critica; ora, a crit
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APBNDICE I

religiBes, economia politics, etc.) assumiram neste s&culo a forills de cisncias hist6ricas.

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(199) A hist&ia e as ci6ncia.s sociais estgo em dependincia redproc?; progridem paralelamente, rnediante uma permuta continua de servlcos. As cihcias sociais dgo o eonhecimento do presente, de que a hist6ria se utiliza para compor os quadros do passado e formular raciocinios exatos em r e l a ~ I oaos documentos; a hist6ria contribui com preciosas, informa~Bes no dominio da evoluq50 dos fatos, necesssrias B . cornpreens50 do presente.

I - 0 ensino d a hist6ria 6 recente na educaqso secund5ria. Antigamente, era ela ensinada exclusivamente aos filhos dos reis e dos grandes personagens, a fim, de prepari-10s para a arte de gcwernar, segundo a tradiqbo antiga; era, pois, uma ciGncia sagrada, reservada aos futuros mentores do Estado, uma ciCncia..de principes, nHo de governados. As escolas secundirias organizadas a partir do sCculo XVI, eclesiisticas ou laicas, cat6licas ou protestantes, 950 incluiram a hid6ria em seu plano de estudos, ou s6 a admitiram co1110 subsidio ao estudo das lihguas. antigas. E r a esta, na Franqa, a tradiqso dos jesuitas; retomou-a a Universidade NapoleHo. S 6 no s k u l o XIX, sob o impkrio de fortes correntes de opinigo, conseguiu a hist6ria participar dos programas do curso secundArio. Embora haja conquistado, nos planos de estudo, um lugar de maior rel6vo ,na Franqa do que nos paises ingleses ou, mesmo, na Alemanha, nem por isso deixou de ser tida como disciplina acess6ria ; nHo chegava a constituir um curso especial, nem sempre era regi.da por professor especializado (como j& acontecia com a filosofia) e as notas nela atribuidas pesavam muito pouco fio conjunto dos exames. 0 'ensino hist6rico permaneceu .por muito tempo prejudicad0 em consequencia destas origens. Ministrado, por iin,posiqHo superior, por professores formados intelectualmente no .estudo exclusivo d a literatura, nHo podia, naturalmente, ocupar um lugar de prestigio no sistema. clissico de ensino, fund'ado no estudo das formas e indiferente' ao conhecimento dos fatos

a noq5o daquilo, cuja ignoriincia era de mau tom, variava mui,to, d e d e os nomes dos reis merovingios e das ,batalhas d a guerra dos sete anos at6 a lei sfdica e 5 abra d e S5o Vicente de Paulo. 0 ~ e s s o a limprovisado que, para obedecer ao programa, foi obrigado a improvisar o ensino da histhria, n5o possuia nenhuma idCia clara, quer d a raz5o de ser dcste, quer de seu papel na educaq5o geral, ignorando, ao mesmo tempo, os processos t h i c o s indispen&veis para ministri-lo. D6ste modo, privado de tradiqGes, de preparaqdo pedag6gica e, ate, de instrumentos de trarbalho, o ~ r o f e s s o rde hist6ria d a m a impress50 de ter sido transportado para os tempos anteriores ao advento da imprensa, em que ao mestre incumhia dar aos discipulos todos os fatos que constituiam a matCria estudada; os m6todos que adotou foram, realnlente, os vigentes na idade-mCdia. Munido de um caderno, em que escrevera a sCrie dos fatos a ensinar, lia-o diante dos alunos, n5o raro dando a impress50 de que improvisava; era a "li$io", a viga-mestra do ensino hist6rico. 0 conjunto das IiqGes, determinado no programa, formava
Dam-se ao aluno urn limo, o "comp&dio d e hist6ria" (200) ; mas o comp&dio, redigido do mesmo modo que o curso do professor, n5o combinava com o ensino oral, de maneira a servir-lhe de instrumento; na realidade, dobra=-o; e, quase sempre, dobrava-o mal, por ser ininteligivel para o aluno. 0 s autores de com@ndios ( p r k i s ) , (201) adotando os processos tradicionais dos epitomes (abrege's), procuravam reunir o maior nlimero possivel de fatos, escoimando-os de todos os porrnenores caracteristicos e resumindo-os em expressdes mais gerais e, portanto, mais vagas. 0 que ficava, pois, nos livros elernentares, era u m residuo de nomes pr6prios e de datas ligados por f6rmulas uniformes; a hist6ria se apresentava como uma sCrie de guerras, de tratados, de reformas e de revoluq6es, que s6 se diferenqavam pelos nomes dos povos, dos soberanos, dos campos de batallhas e dos nGmeros designativos dos anos em que ocorreram. Assim se fez, at6 o fim do Segun.do Imgrio, o ensino de hist6ria em todos os estabelecimentos f ranceses, laicos ou eclesiisticos, salvo .algurnas louviveis e raras e x q 6 e s , p i s s6 um prafessor dotado de invulgares qualidades de iniciativa e de energia poderia escapar B rotina da redas50 e do resumo.

I1 - Nestes Gltimos anos, o movimento geral de reforma d o ensino, originado no MinistCrio e nas Faculdades, acabou por comunicar-se 5 instruqZo secundiria. 0 s professores de hist6ria conseguiram libertar-se da constrangedora vigilhcia que o govCrno d o impkrio fazia pesar s6bre o ensino e disso se aproveitaram para experimentar m6todos novos. Nasceu uma pedagogia histbrica, que veio a phblico, com a aprovaqdo d o MinistCrio, nas discuss6es da Sociedade para o estudo das quest6es de ensino secundArio, nos artigos da Revue de Penseigwement secondaire e d a Revue Universitaire. Tal pedagogia recebeu consagraq50 oficial nas InstrugGes, que acompanharam os programas de 1890; o relat6rio referente 5 histbria, obra de Ernest Lavisse, passou a ser o diploma protetor dos (200) 0 mesmo uso foi adotado nos paises a l e d e s sob o nome de Leitfaden (fio condutor), nos paises ingleses sob o nome de text-book. (201) Deve-se excetuar o Pre'cis de I'histoire moderne, de Michelet e fazer justi~a a Duruy, pelo esf6r~oque manifestou em seus livros escolares, mesmo os primeiros, no sentido de tornar suas narra~Ses interessantes e instrutivas, o que em grande park conseguiu.

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costumes? 0 s motivos dos atos? A s condiqk de urn costume? Como escolher os epis6dios de urn acontecimento? E os exemplos de um costume? Como explicar o encadearnento dos fatos e a evoluqbo? Que linguagem devemos empregar ? Em que medida devemos servir-nos dos termos concretes, dos abstratos e dos tknicos? Como verificar se o aluno entendeu os termos e assimilou os fatos? Temos meios para organizar exercicios ativos, que permitarn ao aluno realizar um trabalho pessoal com os fatos que lhes fornecemos? Que instrumentos devernos dar-lhe? Como dwe ser o livro escolar, para tornar possiveis os exercicios ativos? Para expor e justificar ,a soluq5o de cada urna destas quest6es nbo seria demasiado urn tratado especial. (204) Limitarnos-emos, aqui, a indicar a principios gerais, a cujo respeito parece haver acbrdo, atualmente, entre os estudiosos franceses. Ninguem pede mais 5 hist6ria liqbes de moral ou belos exemplos de conduta nem cenas dram5ticas ou pitorescas. Todos concordam em que, para btes fins, a lenda 6 preferivel 5 histbria, porque apresenta urn encadeamento de causas e de-efeitos mais conforme ao nosso sentimento de justiqa, personagens mais perfeitos e mais herhicos, cenas mais belas e emocionantes. Desapareceu a tendsncia de nos utilizarmos da hist6ria para exaltaqbo do patriotismo, como ocorre na Alemanha; todos compreendem o que h5 de ilbgico em tirar, de urna s6 cisncia, aplicaqbes opostas, em funq5o dos paises e dos partidos; um tal conceit0 equivale a convidar cada povo a mutilar a histbria, quando nbo a alter&-la, no sentido de suas prefercncias. IE* evidente que o valor da cicncia reside na verdade, e nada mais do que a verdade C possivel .pdir A hist6ria. (205) 0 papel da hist6ria na educaqso nbo C ainda suficienternente cornpreendido por todos os que a lecionam Mas todos os que meditam a Este respeito s5o udnimes em encarar a hist6ria como urn instrumento de cultura social. 0 estudo das (204) J5 tentei, em urn curso na Sorbonne, realizar uma parte dsste trabalho (Ch. Seignobos). (205) Entretanto, constatamos que, A pergunta formulada em julho de 1897 aos candidatos do curso de bacharelado: "para que serve o ensino da hist6ria7', 80% dos candidatos responderam, ou porque estivessem realmente convictos do que afirmavam, ou porque os animasse o condenPvel desejo de agradar: "para exaltar o patriotismo " (Ch. VLanglois).

sociedades do passado faz que os alunos entendam, com exemplos prAticos, o que 6 uma sociedade, familiariza-os corn os principais fenhmenos sociais e com as diferentes espkies de usos e de instituiqbes, cujo conhecimento, pela observaqbo da realidade atual, 6 muito dificil e desaconselhado pela prAtica; mostra-lhes, pela comparaqbo de usos diferentes, os caracteres dssses usos, sua variedade e suas semelhanqas. - 0 estudo dos acontecimentos e das evoluq6es torna-lhes familiar a ideia da transformaqgo continua das coisas humanas, dvaguarda-os do m6do injustific6vel das mutaqks sociais ; retifica-lhes a noqbo de progresso. - Tbdas estas aquisiq6es tornam os alunos mais aptos $a participarem da vida pGblica; o estudo da hist6ria se impbe, por isso, nas smiedades democr5tica.s. A regra da pedagogia hist6rica consistirii, portanto, em procurar os meios e os processos que com maior eficikcia permitam ver os fenbmenos sociais e compreender-lhes a evoluqbo. Antes de adnGtirmos um fato devemos procurar saber, em primeiro lugar, qua1 a as50 educativa que
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IV - Para tornar efetivo um ensino verdadeirarnente racional, n5o basta constituir uma tteoria da pedagogia histbrica. E' imperioso renovar o material e os processos existentes. A hist6ria comporta, necessariamente, o conhecimento de urn grande nGmero de fatos. 0 professor da histbria, reduzido ao uso da palavra, a um quadro negro e a epitomes que nbo passam de simples quadros cronolbgicos, encontra-se em situaqbo idhtica A de um professor de latirn que nZo dispusesse de textos nem de dicion6rio. 0 aluno de hist6ria tem necessidade de um reperitbrio de fatos thistbricos, do mesmo mod0 que um aluno de latim tem necessidade de um repertbrio de palamas latinas; o que ele precisa C de cole~6esde fatos e o s livros escolares nbo passam de coleqbes de palavras. 0 s fatos se apresentam sob duas formas: gravuras e livros. As gravuras mostram os objetos materiais e o aspect0 exterior e servem, principalmente, para o estudo da civilizaqbo material. Houve quem tentasse, h5 j i muito, na Alemanha, dar ao aluno urna coleqbo de gravuras combinadas, para o en-

adolescentes; Zstes devem ser ensinados em linguagein cornemp o r h e a . Foi todavia, sob a inspiraq5.o dessa idkia que, em pela livraria Hgchette. 0 , s processos de trabalho .dos alunos se ressentem ainda da criaq5o . tardia do ensino da hist6ria. Na maioria das .classes de hist6ria dornina~nainda os processos que s6 permitem ao aluno desenvolver uin trabalho receptive: o curso, o resumo, a leitura, a liq5o oral, a redaqiio, a reproduq50 de mapas. E', aproximadamente, a mesma situagio do aluno de Iatim que. se limitasse a .declamar as liqBes -de gramAtica ou os textos dq autor, sem fazer tradu@o nem versiio.

professores e 0 PG:se farso, paralelamente, Zi m d i d a que bl,lico se forem &ndo conta, com nitidez crescente, da fun@o do ensin; hist6rico n a educaq5o social-

mular a s pesquisas cientificas. N5o o movia o arnor A citncla. As Faculdades de Direito, de '~edicina,etc., deviam eer, em.

A Escola Normal Superior destinava-se a formar os futuros

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que por ela se formassem homens de indiscutivel 'nLo apenas como professores,. pensadores o u escritores, mas ainda como eruditos. ,Mas devemos reconhecer que Sles venceram os O ~ S ~ & C U ~ p0r O S si mesmos, lutmdo nio sb a 'f&a de rneios .materiais, como ainda com os erros do sistema escolar; s6 deo que pretendem ser";

pesquisas s6bre assuntos dimficeis". (210)

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nem para suprimir. Portanto, nada modificou, mas acrescenQuanb A Escola de Cartas criada durante a ~ e s ~ a ~ r a ~tau. ~ ~ Coroou , 0 edificio um pouco disparatado que existia,. podi% ser considerada, sob certo- aspecto, como m a escola escriando a "Escola PrAtica de Altos Btudos" que se instalou na pecial semelhante As outras, destinada em teoria'a formar biSorbonne ( 1868). : bliotecArios e aquivistas, sem dfivida Gteis funcion6rios. Mas, desde logo, o ensino profissional ai se l-eduziu a0 minim$.e a filologia) tinha sua raz5o de ser - segundo 0 pensamento dos Escola se or,-izou de maheira muito original, tendo em .iista que a criaram - na preparaq80 dos m q o s para realizarem pes0 aprendizado racional e integral dos moqos que se propunham quisas originais de carAter cientifico. Nada de preocuPaq6es estudar a hist6ria da Franqa na idade-rnaia. Os alunos da profissionais, nada de vulgarizaq50. Ninguem a deveria buscar Escola de Cartas n60 seguiam nenhum curso de "histbria cla 0 intuito de se informar dos resultados da ciencia, mas, idade-m6dia9', mas aprendiam tudo que 6 nekessArio para traa0 contrArio, os que a ela fessem, deveriam estar a n h a d o s ba1,har na SO~U@O de problemas ainda pendentes da histbria da do mesmo espirito do estudante de quimica, que, a0 entrar no idade-mkdia. Foi, p i s , na Escola de Cartas, como conseque.ncia de uma anonlalia acidental, que os "ccinhecimentos. pr&vios" e auxiliares das pesquisas hist6ricas comeqaram a ser &ternaticamente ensinados. J& tivemos ocasiHo d e mostrar 0s resull tados d6ste regime. que j& se fazia M muito tempo na Escola de Cartas, no doinio restrito da hist6ria da Franqa, na idade-maia.

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'Pouco a Pouco foi-se impondo a necessidade de criar exi-. g k u a s distintas, tendo-se em conta o nfimero e a varjedade da clientela que buscava a s Faculdades. Dos c w i d a t o s A licenciatura passou-se a exigir, apaas, que p r o v a s s a ~ s s u i rboa cuItura geral, facultando-se-lhes a Prova suplementar de que tinham aptid6es para ,psquisas oriA0.s candidates ao titulo de licentia docenti, jg licenciados, exigia-~e: lo) a prova formal de saberem, par experiencia, que 6 estudar urn problema histhrico, hem coma de possuirem os conlhecimentos t6cnico.s n,eces&rios aos estudos e+ie ; zO} a prova de aptidi5es ,pedag@cas. Aos dem+s 'estudantes, 0s que a nada se candidatavim, nem a0 titulo de licenciado, nem ao de professor substitute, e clue buscavam simplesmente uma iniciaq50 cientifica - os antigas programas G o p r e ~ i a r na existsncia destes estudantes exigia-se apenas que demonstrassem aproveitamento n a liqGeS.Isto realizado, um grande impulso teve 0 ensino superior, Porque 0s programas, C O ~ OC sabido, governam 0s estudos..

Ngo hi, hoje, quem n5o reconhep que "0 exame Para &tenego de diploma produzir6 excelentes frutos, desde que se conserve o rigor atual". (213) ,

:

v - Em res-o, 0 atrativo dos cUrSOs preparat6rios aos ex-es, que conferem graus superiores, faz afluir 5s Faculo dades grande n h e r o de estudantes. Mas a ~ r e ~ a r a @Para 0s graus super-ores era, no antigo regime de exames, uma necessidade da prepara$io que as Faculdades concebia* coma conveniente para elas, 6teis aos seus alunos e a0 bem da

Revue historique, LXIII (18971, p- 96. (212) V. Revue internationale de I'enseignement, fev- 1893; Reun,iversitaire, j d o 1892, outubro e novembro de -1894 e julho 1895; bem corn0 Political Science Quurterly, set. 1894Desenvolvi em OutrOs (213) R m e historique, loc. cit., p. 98 V- Revue ifiternat** .escritos 0 que aqui me contento corn mencionar. nafe de I'enseigttement, nov. 1897 (Ch. V. Langlois). (211)

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~ o N H E C I M E N T O S PRfiVIOS

OPERACOES ANALf TICAS

cap. .

I - CondicBes gerais do conhecimento hist6fico

CRf TICA INtTERNA

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