Difusão tecnológica e regime macroeconômico Por Antonio Prado 19/06/2007
Aqui, nada é espontâneo. O caminho que a criação científica percorre, da invenção para a inovação, é longo, errático e arriscado. A cultura do sucesso tende a revelar ao mundo a história das grandes invenções com glamour. Uma espécie de caravana de milagres. Em um passe de mágica, o mundo se vê mergulhado em uma nova era, seja ela do carvão, do petróleo ou do hidrogênio. Poucos atentam para o fato de que uma invenção pode dormir décadas até tornar-se uma inovação tecnológica. Ou que uma pesquisa científica pode simplesmente fracassar, ou que uma invenção pode nunca vir a se tornar mais que um conceito. E que uma inovação pode ser superada por outra antes mesmo de pagar os custos de seu desenvolvimento. Viver é perigoso e a destruição criativa faz da concorrência via inovações a vida ainda mais perigosa. Todos os estudiosos de Joseph Schumpeter aprendem que o motor do desenvolvimento econômico é a inovação, seja ela de processos, produtos, mercados ou financeira. Mas em sua mesma Teoria do Desenvolvimento Econômico aprendemos que, se é a inovação que realiza as mudanças estruturais no ambiente econômico, é o crédito que move a adoção de inovações e que retira a economia de seu fluxo circular. Kalecki, em suas equações simples, torna cristalino o fato econômico fundamental que é o crédito. Se período econômico após período econômico for gasto apenas a renda gerada, a economia permanece estagnada. A inovação muda o mundo e o crédito alavanca a inovação. Dê-me crédito e moverei o mundo, diria o tipo ideal criado por Schumpeter, o empresário inovador. Mas ceder crédito a tipos tão arrojados e criativos é, também, em si, uma aventura simelliana. Exige método e arte. Animal spirit, não apenas do
empresário, mas do capitalista que banca seus sonhos. É um crédito tão arriscado que poucos países do mundo deixam isso apenas para o espírito animal do mercado. A pesquisa científica e tecnológica é co-financiada por agências públicas. Nos EUA, onde proliferam os arautos do mercado auto-regulado, os NIH -Institutos Nacionais de Saúde, a NASA e o Pentágono bancam as pesquisas e garantem mercado com seu poder de compra. O Pentágono, com orçamento de US$ 600 bilhões, apóia o desenvolvimento da base tecnológica americana, desde aerosóis até a Internet. Acredite quem quiser ser enganado que a volta por cima que os EUA deram nos anos 90 foi resultado de políticas liberais. Não foi. O crédito é fundamental no processo de inovação. Mas nem todas as inovações são inovações revolucionárias: há as que ocorrem já dentro de paradigmas estabelecidos - são inovações derivadas ou inovações incrementais. Quem imita ou recria já caminha por uma estrada desbravada. Mas nem por isso deixa de correr riscos. A difusão de um paradigma tecnológico não é uma decorrência natural da força avassaladora, iluminista, de uma solução técnica comprovadamente mais eficiente. Ninguém sucateia seu parque produtivo apenas porque há uma solução tecnológica melhor à disposição. Descartar um investimento já realizado é uma decisão dramática. Só será realizada se os ganhos com a nova tecnologia forem suficientes para cobrir as perdas com o sucateamento prematuro da anterior, ou se a sobrevivência da empresa está em risco iminente e ela, então, inova ou morre. Keynes esclareceu que as decisões de investimento são complexas, mesmo quando não consideradas as mudanças tecnológicas. O cálculo da taxa de retorno sobre o capital produtivo investido deve considerar o preço de oferta do bem de capital e o fluxo de rendimentos esperados durante a vida útil do equipamento. E esta taxa de retorno deve ser comparada à taxa de juros real de curto prazo. O empresário considera a oportunidade de comprar ativos reprodutivos ou de comprar ativos não produtivos. Se a taxa de retorno sobre o investimento for inferior à taxa de juros monetária de curto prazo ou à taxa de juros implícitas de outros ativos financeiros ou reais, o empresário não irá investir. Em ambiente de mudança tecnológica esse cálculo é ainda mais problematizado, pois o empresário pode ter a expectativa de que o preço de oferta do bem de capital será cadente (hipótese bem concreta no paradigma microeletrônico) e que sua produtividade será maior, permitindo um fluxo de rendimentos futuro superior, o que atua como um fator adicional de adiamento do investimento. Ou, simplesmente, é incapaz de perceber as oportunidades de uma nova tecnologia. Regime macroeconômico deve sancionar paradigma tecnológico e a regulação, estabilidade para prosperar padrão de acumulação
Esta última questão é bastante interessante. As teorias de difusão de novas tecnologias consideram ser a difusão intensiva em tempo. Uma tecnologia nova se difunde em um padrão epidêmico, de difusão de informações, portanto envolve aprendizado. Vários são os tipos, o de aprender observando, aprender usando, aprender fazendo. Mas esse aprendizado não é uma questão banal. Uma observação adequada exige que o observador esteja cognitivamente apto ao ato de observar. Perceber uma oportunidade tecnológica exige domínio sobre um espaço lingüístico específico. Muitas vezes o empresário sequer entende a linguagem adotada nos manuais técnicos. Às vezes ela não é entendida nem nas filiais de grandes corporações, quanto mais nas pequenas e médias empresas. Acesso às revistas tecnológicas, feiras de equipamentos e softwares, sites na Internet, serviços governamentais e cursos são fundamentais para aprender a observar. Conhecimento, cultura e educação. Aprender a usar é ainda mais difícil. Um computador pode ser comprado junto com softwares básicos e ser usado em apenas 10% das suas potencialidades, assim como uma MFCN - máquina ferramenta a comando numérico. O uso criativo exige capacitação tecnológica. O uso paupérrimo das inovações pode impedir a sua difusão intrafirma, se ocorrer a percepção de que a novidade é apenas um brinquedo muito caro. Aprender fazendo exige amplas equipes de P&D e operários altamente qualificados. Todas essas formas de aprendizado demandam um sistema de inovações ativo e eficiente. Vemos que, mesmo na presença de um regime macroeconômico amigável às decisões de investimentos, elas podem não ocorrer no tempo e volume necessários, devido às complexidades do processo de aprendizado tecnológico. Mas se um regime macroeconômico adequado ao investimento, em inovação ou não, não é condição suficiente para que um paradigma tecnológico deixe de ser apenas uma promessa de mudança estrutural, é condição necessária para que ele se difunda. O regime macroeconômico deve sancionar o paradigma tecnológico, assim como o modelo de regulação deve garantir a estabilidade social e política para que um padrão de acumulação amadureça e prospere. E, mais uma vez, aqui nada é espontâneo. Antonio Prado é economista, doutor pela Unicamp e professor do Departamento de Economia da PUC-SP (licenciado). Foi coordenador da Produção Técnica do Dieese nos anos 90 e é chefe da Representação da Presidência do BNDES em Brasília.