ALTERAÇÃO DA COAGULAÇÃO EM PACIENTES PICADOS POR SERPENTES DO GÊNERO CROTALUS NA BAHIA. JUCELINO NERY DA CONCEIÇÃO FILHO; MARIA DAS GRAÇAS R. BARBOSA; SÔNIA HELENA S. SANTOS
ALTERAÇÃO DA COAGULAÇÃO EM PACIENTES PICADOS POR SERPENTES DO GÊNERO CROTALUS NA BAHIA. ___________________________________________ Conceição Filho, J.N.; Barbosa, M.G.R; Santos, S.H.J. Centro de Informações Antiveneno (CIAVE). Salvador, Bahia.
INTRODUÇÃO Os acidentes por animais peçonhentos são de notificação obrigatória no Brasil e constituem cerca de 20% das ocorrências registradas pela rede de centros de informação e assistência toxicológica existente no país. O ofidismo, por sua vez, corresponde a 6% do total1, 2, tendo as serpentes do gênero Crotalus como o segundo gênero de maior ocorrência3, 4, 5, 6. O veneno destas serpentes constitui uma mistura complexa de proteínas e polipeptídeos que interferem em diferentes processos fisiológicos(5). Estudos mostram que pacientes picados por Crotalus durissus apresentam distúrbios na hemostasia, sendo comuns as alterações nas provas de coagulação3, 4, 5. Esta atividade é atribuída a um componente tipo trombina, isolada por Raw e col. em 1986, o qual induz à hipofibrinogenemia através da ativação do sistema fibrinolítico6, 7, 8, 9, 10, 11. As provas de coagulação estão entre os exames complementares importantes nos acidentes ofídicos3, 4, como o tempo de protrombina, a tromboplastina parcial ativada, a dosagem de fibrinogênio e o tempo de coagulação. Em geral, a determinação do tempo de coagulação tem caído em desuso, devido aos inúmeros interferentes, sendo substituído pelo tempo de protrombina e tempo de tromboplastina parcial. Entretanto, por apresentar forte associação com os níveis séricos de fibrinogênio, fácil execução e baixo custo, este exame ainda é muito utilizado em nosso país no diagnóstico e acompanhamento dos casos de acidentes botrópicos, laquéticos e crotálicos3, 5. O método freqüentemente utilizado é o de Lee-White12, 13 cujo valores normais variam de 7 a 9 minutos. Os resultados obtidos entre 10 a 30 minutos são considerados ”prolongados” e acima de 30 minutos, “incoagulável”. OBJETIVO Este trabalho tem como objetivo estabelecer a incidência de alteração do tempo de coagulação no momento da admissão do paciente nos acidentes crotálicos registrados pelo Centro de Informações Antiveneno da Bahia (CIAVE) e mostrar a necessidade de se incorporar este exame laboratorial ao protocolo de atendimento a este tipo de paciente, uma vez que consiste num exame de fácil realização e baixo custo, além de factível para qualquer unidade de saúde.
Trabalho apresentado no 3º Encontro Nacional de Acidentes com Animais Peçonhentos, em Porto Alegre-RS, em agosto de 2004, na forma de pôster.
METODOLOGIA Através de um estudo retrospectivo, foram analisados todos os acidentes crotálicos registrados pelo CIAVE num período de 5 anos (1998 a 2002), a partir das fichas de atendimento do Centro. Foram consideradas apenas as determinações do tempo de coagulação realizadas na admissão do paciente, ou seja, antes da soroterapia. RESULTADOS No período de 1998 a 2002, o CIAVE registrou 30.633 ocorrências por diferentes agentes tóxicos no estado da Bahia, com uma média anual de 6.126 casos. Deste total, onze por cento corresponderam a ofidismo. As serpentes do gênero Crotalus foram responsáveis por 311 registros (8%) destes acidentes (Gráfico 1), com uma média anual de 62 casos.
N o. de C asos
100 75 50 25 0
1998
1999
2000
2001
2002
Ano de Ocorrência
Gráfico 1. Ocorrência de acidentes crotálicos no período de 1998 a 2002. O tempo de coagulação (TC) foi determinado laboratorialmente em 65,7% dos pacientes, utilizando-se a técnica de Lee-White (Quadro 1). Esta técnica consiste nos seguintes passos: 1. coletar 02 mL de sangue por punção venosa, com o mínimo de traumatismo local e evitando-se formação de espuma; 2. Acionar o cronômetro e colocar, imediatamente, 1 mL em cada um dos 02 tubos de vidro secos, com dimensões de 13mm x 100mm; 3. Levar os tubos em banho-maria a 37ºC; Trabalho apresentado no 3º Encontro Nacional de Acidentes com Animais Peçonhentos, em Porto Alegre-RS, em agosto de 2004, na forma de pôster.
4. A partir do 5º minuto, observar a ocorrência de coagulação primeiramente em um dos tubos, inclinando-o de minuto em minuto, até o momento que se possa incliná-lo até a posição horizontal sem que o sangue escorra; 5. Registrar o tempo da coagulação no 1º tubo, passando a observar o segundo tubo, inclinando-o de 30 em 30 segundos, até a formação do coágulo. 6. Marcar o tempo decorrido. O tempo consumido para a coagulação no segundo tubo é considerado o TC do paciente.
QUADRO 1. A - Tubo com formação de coágulo; B - Tubo com coagulação parcial; C - Tubo com sangue incoaguláveL, apresentando sedimentação de hemácias. A agitação e o manuseio excessivo dos tubos alteram a coagulação, tornando-a mais rápida. Por este motivo, utiliza-se mais de um tubo, permitindo condições de mais tempo de repouso para o último tubo. A determinação do TC deve ser realizada de forma rigorosa, conforme a técnica, evitando interferência dos fatores que podem alterar sensivelmente o resultado, como a temperatura do banho-maria, o diâmetro dos tubos utilizados, a quantidade de sangue utilizada, a freqüência e a intensidade da agitação nos tubos, além da presença de bolhas de ar no sangue. Observou-se alteração da coagulação sanguínea em 70,6% dos pacientes, onde 24,2% apresentaram coagulação entre 10 a 30 minutos, enquanto 46,4% tiveram TC incoagulável.
Trabalho apresentado no 3º Encontro Nacional de Acidentes com Animais Peçonhentos, em Porto Alegre-RS, em agosto de 2004, na forma de pôster.
47%
29%
NORMAL PROLONGADO
24%
INCOAGULÁVEL
Gráfico 2. Distribuição dos resultados da determinação do tempo de coagulação (TC).
CONCLUSÃO Os resultados encontrados por este trabalho estão de acordo com os dados levantados na literatura sobre os distúrbios no sistema de coagulação causado pelo veneno da Crotalus durissus. Evidenciam, ainda, a importância da determinação do tempo de coagulação nos acidentes crotálicos. Por se tratar de uma técnica de baixo custo e fácil execução, este exame pode ser executado em praticamente todas as unidades de saúde, devendo ser incorporado ao protocolo de atendimento às vítimas de picada por estas serpentes.
1.FIOCRUZ/CICT/SINITOX. Estatística Anual de Casos Envenenamento. Brasil, 1999. Rio de Janeiro, 2000, 100 p.
de
Intoxicação
e
2.____. Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil, 2000. Rio de Janeiro, 2002, 96 p. 3.CARDOSO, J. L. C. et al. Animais Peçonhentos no Brasil: Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes. São Paulo, Ed. Sarvier, 2003, 470 p. 4.ANDRADE FILHO, A.; CAMPOLINA, D.; DIAS, M. B. Toxicologia na Prática Clínica. Belo Horizonte. Ed. Folium, 2001, 368 p. 5.FNS/MS. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. Brasília. 2a. Ed., Fundação Nacional de Saúde, 2001, 120 p. Trabalho apresentado no 3º Encontro Nacional de Acidentes com Animais Peçonhentos, em Porto Alegre-RS, em agosto de 2004, na forma de pôster.
6.SCHVARTSMAN, S. Plantas Venenosas e Animais Peçonhentos. São Paulo. Ed. Sarvier, 1992, 288 p. 7.RAW, I. et al. Isolation and Characterization of a Thrombin-like Enzyme from the Venom of Crotalus durissus terrificus. Braz. J. Med. Biol. Res. Vol. 19, Nº 3, p. 3338, 1986. 8.FURTADO, M. F. D.; SANTOS, M. C.; KAMIGUTI, A. S. Age-related Biological Activity of South American Rattlesnake (Crotalus durissus terrificus) Venom. J. Venom. Anim. Toxins incl. Trop. Dis. Vol. 9, Nº 2, p. 186-201, 2003. 9.SANO-MARTINS, I. S. Hemostatic Disturbances During Envenomation by Brazilian Poisonous Snakes. J. Venom. Anim. Toxins. Vol. 3, Nº 1, p. 63, 1997. 10.TOMY, S. C et al. Studies on Blood Coagulation in Patients Bitten by the South American Rattlesnake Crotalus durissus. J. Venom. Anim. Toxins. Vol. 3, Nº 1, p. 151, 1997. 11.AMARAL, C. F. et al. Afibrinogenemia following snake bite (Crotalus durissus terrificus). Am. J. Trop. Med. Hyg.; Vol. 29, Nº 6, p. 1453-5, 1980. 12.LIMA, A. O. et al. Métodos de Laboratório Aplicados à Clínica – Técnica e Interpretação. Rio de Janeiro, 7a. ed., Ed. Guanabara Koogan, 606 p., 1992. 13.RAVEL, R. Laboratório Clínico: Aplicações Clínicas dos Achados Laboratoriais. Rio de Janeiro, 4a. ed., Ed. Guanabara, 450 p., 1988
Trabalho apresentado no 3º Encontro Nacional de Acidentes com Animais Peçonhentos, em Porto Alegre-RS, em agosto de 2004, na forma de pôster.