Filosofia Kantiana Na Teoria Semiótica De C. S. Peirce

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PRESENÇA DA FILOSOFIA KANTIANA NA TEORIA SEMIÓTICA DE CHARLES SANDERS PEIRCE Por Elisson Ferreira Morato

A teoria semiótica de Charles Sanders Peirce (EUA: 1839-1914) tem fomentado inúmeras aplicações em anos mais recentes; no entanto, sua obra ainda resguarda aspectos pouco esclarecidos que, de algum modo, dificultam a recepção por meios acadêmicos e intelectuais. Preocupado com a maneira pela qual o homem apreende e interpreta o mundo, Peirce situa o processo das significações na consciência, oferecendo com sua obra uma teorização sobre o conhecimento humano. O fato descortina uma das bases de sua doutrina dos signos, base filosófica advinda das idéias do pensador alemão Imanuel Kant (1724-1804) contidas em sua Crítica da Razão Pura. O presente trabalho tem, portanto, o objetivo de analisar os princípios da semiótica de Peirce a partir dos postulados desenvolvidos na obra de Kant. A problemática do conhecimento, o que é e como se processa, tem suscitado a investigação filosófica desde a Grécia antiga atravessando cerca de vinte séculos de filosofia ocidental até os dias atuais. Importa para a crítica do conhecimento investigar se o homem pode conhecer efetivamente a verdade das coisas que o rodeiam, como pode fazê-lo e o que é possível experimentar de uma dada realidade. Independentemente das respostas apresentadas a essas questões, a tradição filosófica concebe o conhecimento como um produto advindo do contato humano com o meio exterior, ou da relação da consciência com a realidade externa. Logo, essa questão traz consigo a indagação sobre o que vem a ser a realidade. A qual pode ser entendida como um processo de significação, que encontra em Imanuel Kant e sua Crítica da Razão Pura, bases filosóficas mais sólidas que levaram Peirce a formular uma doutrina dos signos inspirada nos modos possíveis de apreensão da(s) realidade(s). Conhecer é o ato pelo qual um sujeito apreende um objeto, seja ele concreto ou abstrato. Em sua relação com o mundo, o indivíduo experimenta a cada instante uma gama de sensações (temperatura, sons, cheiros, texturas, formas, cores). Nessa interação, os objetos são apreendidos através dos sentidos como a visão, o olfato, o paladar, a audição, o tato, os quais captam estímulos que, posteriormente serão transformados, através do raciocínio, em representações. Segundo essa doutrina, a realidade do mundo exterior seria acessível apenas por meio de representações formuladas pelo conhecimento humano. Assim, a visão, olfato, paladar, tato e audição não permitiriam a apreensão das coisas tais como são em si mesmas, mas uma idealização mental delas. De maneira que os estímulos colhidos pelos sentidos permitiriam apenas a construção de uma idéia relacionada ao objeto observado. Logo, a realidade estaria fundamentada na capacidade humana de representar: o real é a idéia ou representação que dele faz o sujeito cogniscente e conhecer é, por sua vez, formular uma representação pela qual o indivíduo possa apreender um objeto. A representação é a faculdade de substituir o objeto por um pensamento relacionado a ele, a tal ponto que essa construção mental venha a ser tomada como o objeto em si. A Semiose é um processo de representação na qual o signo está ‘no lugar de’ e está em tal relação com o outro que por vezes é tomado como esse (cf. PEIRCE: 1972). Tal é a importância da capacidade de representar para a significação que o autor concede ao signo a segunda denominação de representação e como tal define, simultaneamente, o signo e a Semiose como algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa algo para alguém (op. cit: 94). O modelo de signo peirceano é triádico e ilustra em si o processo da Semiose: ele é formado por um fundamento, um objeto e o interpretante, sendo esse último elemento um

signo aperfeiçoado que se forma na mente do indivíduo. O signo passa a ser, então, a representação que o sujeito cogniscente opera quando em contato com o objeto: uma vez que o indivíduo apreende uma coisa, ele a (re)constrói mentalmente como um representação. Um dos aspectos mais conhecidos do pensamento kantiano é a dissociação feita entre a coisa em si, ou número, e o fenômeno, vindo esses conceitos a constituir um problema fundamental na crítica do conhecimento. Na acepção de Kant (1958-56) os números são os objetos em si mesmos, inapreensíveis pelo conhecimento humano, tendo sua existência corroborada apenas pela depreensão de seus fenômenos. Ainda que o fenômeno pressuponha a existência de seu objeto, é por meio do primeiro que podemos montar uma idéia relacionada ao segundo. Apreendendo uma realidade fenomênica, formamos uma idéia relacionada à coisa em si mesma que, no intelecto, ocupa o lugar do objeto, o que leva este filósofo a afirmar que as coisas existem nas representações dos fenômenos não em si mesmas ou em suas relações (op. cit: 50). O que se conhece efetivamente é o fenômeno, através do qual o objeto ganha uma espécie de existência no pensamento. Por conseguinte, para haver conhecimento é preciso que haja um fenômeno percebido pelo sujeito congniscente. Todas as sensações possíveis de serem experienciadas pelo corpo se relacionam com um dado objeto, do qual vem a ser um fenômeno. Os sentidos, por sua vez, absorvem esses estímulos que, na mente, sofrem uma elaboração que os tornam indícios de que algo foi posto à percepção. Trata-se de uma organização de estímulos promovida pelo entendimento: as sensações das coisas apreendidas são elaboradas de modo a gerarem um conceito definido do objeto, uma representação que é, conforme enunciado anteriormente, a única maneira possível de conhecimento das coisas. A relação entre o sujeito e o mundo, entretanto, não permite uma representação do objeto isenta de certas condições especiais. Não basta o simples contato com a realidade para que ela encontre na mente do sujeito uma formulação. Nesse processo atuam, de maneira decisiva, a Intuição, a Sensibilidade e o Pensamento. Kant apresenta a Intuição como sendo o contato direto que o sujeito trava com o objeto, contato que leva a uma representação imediata, mas anterior a qualquer pensamento organizado. Na relação intuitiva, o indivíduo não concebe uma idéia mais complexa, como um conceito ou uma associação de idéias relacionada ao objeto da percepção. O conhecimento intuitivo, por conseguinte, é frágil e passageiro, limitando-se apenas ao exato momento da percepção. Mesmo as sensações mais vagas, os estímulos mais brandos conduzem, quase que imediatamente, a uma elaboração. A Intuição, por sua momentaneidade, quase não ocorre isoladamente, já que se agrega à Sensibilidade, outra faculdade necessária à consumação do Pensamento. A Sensibilidade atua como outro meio de acesso ao objeto fenomênico. É a capacidade de receber representações segundo a maneira pela qual elas nos afetam. Uma imagem, por exemplo, provoca tristeza, comoção ou desejo, podendo ocorrer o mesmo no contato com uma música ou com a percepção de algum estímulo no corpo. Os objetos, portanto, provocam afetações no sujeito que, de algum modo, reage aos estímulos percebidos. Nessa relação é importante também a Intuição, que remonta ao contato imediato com o objeto, ao passo que a Sensibilidade age no modo como o fenômeno afeta o indivíduo cogniscente. Uma vez apresentado à mente, a coisa fenomênica provoca reações ainda instintivas, que são uma espécie de matéria amorfa anterior ao trato proporcionado pelo pensamento. Assim, pode-se compreender a sensação como a impressão que um objeto provoca na mente, levando-a a articular uma representação do mesmo. No processo cognitivo, o Pensamento seria a instância que organiza o conjunto de sensações, as quais são afetações resultantes da apreensão dos objetos. Do mesmo modo que as faculdades da Intuição e da Sensibilidade, o Pensamento não é um compartimento estanque no qual vêm a desaguar as impressões colhidas no contato do sujeito com as realidades

fenomênicas. Essa faculdade guarda em si uma série de procedimentos responsáveis pela formatação das sensações levando ao entendimento de um objeto qualquer. De acordo com o autor da Crítica da Razão Pura, o entendimento de uma coisa se dá graças às categorias, as quais são um corpo de regras ou conjunto de conceitos básicos capazes de dar organização para as representações mentais. Os indícios semióticos do mundo objetivo são organizados através de certos conceitos fundamentais, necessários ao entendimento ou conhecimento dos objetos fenomênicos. As categorias, nessa perspectiva, são conceitos através dos quais se pensam as coisas e se referem à maneira pela qual os fenômenos são recebidos pelo indivíduo. O conhecimento dos objetos, portanto, se monta através da assimilação de indícios que são filtrados segundo categorias específicas às quais possam pertencer, possibilitando, em seguida, o pensamento organizado por representações, ou signos propriamente ditos. Retomando um postulado kantiano, o que o indivíduo apreende no contato com o objeto são apenas indícios das coisas em si mesmas: os fenômenos. Com a assimilação desses dados, é articulado um conceito, o qual consiste na representação mental do objeto, o que ocorre graças à ação da Intuição conjugada à Sensibilidade e das categorias, de forma a se chegar ao Entendimento, que é uma representação que substitui, no pensamento, a coisa posta em contato com o indivíduo. Essa composição filosófica é familiar à doutrina semiótica de Peirce. Depreende-se a importância das noções de Intuição, Sensibilidade, e Entendimento nas três modalidades pelas quais, segundo Peirce, as realidades fenomênicas chegam à consciência, sendo elas: a Primeiridade, a Secundidade e a Terceiridade (op. cit: 136), que são classes de fenômenos usadas na categorização dos signos. As categorias têm um papel importante na classificação dos processos semióticos, uma vez que permitem a apresentação dos fenômenos, possibilitando o estudo de sua natureza básica e, conseqüentemente, das representações sígnicas. Na obra de Peirce, as categorias permitem uma especificação satisfatória dos fenômenos segundo modalidades de signos e de Semioses distintos. A exemplo da Intuição, Sensibilidade e Pensamento, as três modalidades básicas para os processos semióticos não são uma função isolada, pelo contrário, a Primeiridade está contida na Secundidade essas duas, conjugadas, integram a Terceiridade, o que merece um esclarecimento mais delongado. Em consonância com a noção kantiana de conhecimento intuitivo, Peirce elabora uma espécie de categoria que vem a chamar de Primeiridade. As sensações vagas que não chegam a gerar uma reação na mente, não sendo capazes de gerar um signo definido que as represente, são tidas como pertinentes a essa primeira categoria. Os estímulos da Primeiridade não chegam a se constituir enquanto signos, mas apenas como Quali-signos (op. cit: 100), uma primeira ordem de fenômenos sem uma representação mais complexa. A Secundidade pode ser ilustrada como sendo a sensação provocada por um estímulo, categoria na qual se tem a descrição da relação entre consciência e mundo exterior. Na Crítica da Razão Pura essa noção teria como fundamento a definição de Sensibilidade, uma vez que o contato com o fenômeno leva a uma resposta, uma reação por parte do indivíduo, e dessa maneira, os objetos são dados na conjugação de uma ação com uma reação. A obra de Kant também deixaria prescrito que a Primeiridade depende de uma Secundidade para existir, ou vice-versa. As sensações primitivas da Intuição, o Quali-signo peirceano, levam imediatamente a uma resposta, passando do campo da Primeiridade para o da Secundidade. Por meio da Intuição, o fenômeno alcança a Sensibilidade, de modo que esta ainda fica dependendo dos estímulos intuitivos. Associando esses conceitos a nomenclatura peirceana, a Primeiridade consiste em uma categoria preenchida por signos caracterizados como estímulos vagos, signos primitivos que logo encontram uma forma mais evoluída,

possibilitada pela ação cognitiva que seria definida como um Sin-signo (ibidem) que envolve um Quali-signo, ou antes, vários Quali-signos (ibidem). Desse modo, depreende-se que o SinSigno é uma formulação constituída por Quali-Signos. As duas categorias anteriormente explanadas resultam em uma outra, subseqüente: a Terceiridade, que consiste já no pensamento por signos. O elemento aqui constituído por via da Primeiridade (Intuição) e Secundidade (Sensibilidade) é chamado de Legi-signo, a significação formada por Quali-signos e Sin-signos. Uma vez que se trata do pensamento traduzido em linguagem, o Legi-signo é dotado de significação graças à atuação de convenções sociais, lingüísticas e culturais. Retomando o conceito de Intuição, ela só é possibilitada quando é o indivíduo que sofre afetação pelo fenômeno. Sendo anterior ao raciocínio, a Intuição, enquanto um fenômeno cognitivo frágil e passageiro, só pode ser pensada através da Sensibilidade ou do Entendimento. Apenas depois da apreensão intuitiva, quando a consciência do indivíduo articula uma reação é que a Intuição pode ter sua existência comprovada. Não há, pois, Intuição sem Sensibilidade, do mesmo modo que, na doutrina de Peirce, a Primeiridade, mera qualidade de signo, só existe enquanto pensada pela Secundidade, uma espécie de signo que leva à consciência da Primeiridade. A Terceiridade, por sua vez, fornece o entendimento necessário à consumação das categorias anteriores. Trata-se de um conjunto de elementos em dependência recíproca: não há Entendimento sem Sensibilidade nem este sem Intuição, nem Terceiridade sem Secundidade ou este último sem Primeiridade. Essa ordem pode ser invertida de modo a se afirmar que não há Primeiridade sem Secundidade e/ou Terceiridade, ou Intuição sem Sensibilidade e/ou Entendimento. Com a inter-relação mantida pelas três categorias dos fenômenos, Peirce apresenta uma primeira tricotomia na qual vincula o signo, ou representação, a ele mesmo, estabelecendo, assim, a natureza de um fenômeno semiótico em si. A tríade Quali-signo, Sinsigno, Legi-signo caracteriza três modos possíveis de apreensão das realidades, de modo que essa tricotomia ilustra a Semiose sem a preocupação de relacioná-la a um objeto dado a percepção. É uma categoria que permite entender a primeira fase do conhecimento semiótico, na qual operam signos primitivos, mas indispensáveis a uma elaboração mental. O mais frágil e mais primitivo dos signos, o Quali-signo, é uma qualidade de impressão de um objeto: é a impressão imediata que um objeto provoca na mente de um sujeito cogniscente. Uma exemplificação eficaz dessa qualidade de signo e de seu efeito a priori é a sensação de vermelhidão. Uma grande tela vermelha que fosse colocada a nossa percepção geraria impressões vagas e passageiras relacionadas a ela. Impressões que só se dariam por percebidas e apreendidas com a ocorrência de um signo mais evoluído: o Sinsigno. O Sin-signo é um representação que existe em função do anterior sendo, nessa perspectiva, uma elaboração de um Quali-signo, a sensação provocada pelas impressões do Quali-signo. O Sin-signo é um processo de reação e, ao mesmo tempo, é essa reação. Diante da tela vermelha, por exemplo, poderíamos sentir excitação, tristeza, ou qualquer outra gama de reações. O Legi-signo é um signo que se porta como que estipulado por uma lei, ou como sendo, necessariamente, essa lei. Muitas vezes, as reações diante dos objetos podem ser culturalmente motivadas. Essa elaboração convencionada nos mostra que os dois signos anteriores encontram uma formulação que é convencionada e legislada. A cor vermelha, por exemplo, pode ser usado em um semáforo como a representação de um estatuto que ordena um motorista que pare, ainda que, a priori, o vermelho não tenha essa função. Os Legi-signos são aqueles elaborados a partir de reações advindas de sensações vagas, os Quali-signos, e transformadas em uma idéia cristalizada. Trata-se do pensamento traduzido em linguagem, seja ela verbal ou não verbal.

Na segunda tricotomia, tem-se o signo em sua relação com o objeto. O Ícone aparece como um tipo de signo que se aproxima, em semelhança, do objeto que representa, guardando a mesma aparência que ele, de modo que esses dois elementos mantêm uma relação direta enquanto mantiverem a mesma aparência. Uma fotografia é um exemplo bastante apropriado. O Índice ou Indicador não contém, necessariamente, semelhanças, mas traços que evidenciam a existência de um objeto. O Índice leva a constatação da existência de um objeto, não tendo uma relação direta com ele. Esse segundo signo é uma espécie de conseqüência do primeiro: se o Ícone e seu objeto possuem traços de semelhanças, no Índice essas semelhanças são apenas dedutivas. O que o difere do Símbolo, signo cuja semelhança com o objeto que representa é previamente estipulada por uma lei, uma convenção social que gera o último integrante da segunda ramificação de signos. O Símbolo é um signo que se forma por meio de um pensamento organizado que lhe estabelece uma função representacional determinada. Derivado de um entendimento ordenado, o Símbolo se encaixa na categoria da Terceiridade, uma vez que, na consciência, ele substitui seu objeto em todos os aspectos. Uma bandeira, um brasão, a estátua da justiça, por exemplo, não tem qualquer semelhança com aquilo a que se referem, a não ser em um contexto sócio-histórico determinado. A bandeira substitui uma Pátria ou uma nação, um brasão pode ser usado para representar uma entidade governamental ou uma família nobre, a estátua de uma mulher com os olhos vendados e a balança em uma das mãos se apresenta como a personificação da justiça. Nos exemplos anteriores, as realidades são percebidas através de imagens convencionadas. Para a assimilação de tais objetos pela consciência é necessária a criação de um signo capaz de substituir um objeto abstrato. Para o preenchimento da tricotomia seguinte, Peirce reporta a relação da representação com seu interpretante. Os signos da terceira ramificação se relacionam com a faculdade do entendimento articulado através da associação de conceitos ou idéias estruturadas de maneira sofismática. O Rema (op. cit: 102) aponta se seu objeto é tal ou tal coisa oferecendo alguma característica dele. Esse tipo de signo, inevitavelmente, informa algo sobre o objeto, ainda que não seja essa a sua função. Um substantivo (homem, Sócrates, filósofo) ou um adjetivo (inteligente, nobre, mortal) aponta para a particularidade de alguma coisa, no entanto, não é função dessas palavras, enquanto signos remáticos, veicularem essa carga informativa. O Dicente ou Discisigno (ibidem), elemento posterior, é um signo que descreve ou indica uma situação sem categorizá-la como falsa ou verdadeira. Esse elemento pode ser ilustrado como sendo uma proposição ou uma premissa, por exemplo: Todo homem é mortal. Na constituição do Dicente, nota-se que o Rema é um componente fundamental: o Dicente é montado com vários signos remáticos. A proposição é formada de vários termos e, por sua vez, é por meio desses discisignos que ela formará o elemento seguinte: o Argumento. O Argumento (op. cit: 102) é um representação que porta uma lei, um juízo ou raciocínio, efetivando o processo do conhecimento com uma conclusão silogística. Como um axioma, o Argumento conjuga um termo isolado (homem) que é o Rema, como uma proposição (Todo homem é mortal), que é o Dicente, de modo a gerar um raciocínio por meio de um silogismo: Todo homem é mortal. Sócrates é um homem. Logo, Sócrates é mortal. O axioma, que, na teoria de Peirce, é também um signo, proporciona outro exemplo de como os elementos de cada tricotomia se constituem a partir da junção dos que o

antecedem: o Argumento não é um representação independente, pelo contrário, ele é constituído por Remas e Dicentes. Reunindo os três elementos básicos de sua classificação de signos, o semioticista americano apresenta uma tabela ilustrativa na qual relaciona o signo com ele mesmo, seu fundamento, com seu objeto e com seu interpretante. Todos os nove tipos são distribuídos segundo a categorização de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. TRICOTOMIAS /CATEGORIAS Primeiridade

Representação em si Quali-signo

Secundidade

Sin-signo

Terceiridade

Legi-signo

Signo com o Objeto Ícone Índice ou Indicador Símbolo

Signo com o Interpretante Rema Dicente ou Discisigno Argumento

As categorias organizam os signos de modo a possibilitar uma descrição de como eles atuam no processo do conhecimento. Através dos sentidos as coisas são apreendidas na forma de impressões, reações ou pensamentos (primeira tricotomia); nessa percepção formam-se signos mais complexos que relacionam o fenômeno percebido ao objeto que os motivou (segunda tricotomia); estes signos, por conseguinte, são organizados de modo a possibilitar o raciocínio lógico a partir daquilo que foi assimilado (terceira tricotomia). O conhecimento de uma realidade fenomênica, conforme o processo semiótico, inicia-se com as impressões vagas e consolida-se com o pensamento desencadeado em signos gerando o entendimento baseado na concatenação lógica entre representações. Cumpre enfatizar que o signo não é uma classe de objetos, pelo contrário, é o que o objeto representa na mente humana durante o processo semiótico. Logo, a significação consiste em um processo cognitivo: o signo não tem sua existência no mundo exterior, mas apenas na consciência de quem percebe um fenômeno. A ação cognitiva não traz o objeto em si à mente, mas permite uma representação dele. O signo, portanto, é resultante de um fenômeno, não permitindo o conhecimento do objeto em si mesmo, fato que leva Kant afirmar que tudo que é representado por um sentido é sempre um fenômeno (op. cit: 57). No processo semiótico, a realidade exterior pode ser compreendida como um montante de signos possíveis, o que justifica a postura de Peirce em conceber uma visão pan-semiótica do mundo, segundo a qual, todas as coisas, materiais ou imateriais, são signos relacionados a objetos que não são efetivamente conhecidos pela consciência, tal como já havia predito o autor da Crítica da Razão Pura. Na ânsia de tentar descrever todos os signos possíveis e as relações a que eles estão sujeitos, Peirce levou sua teorização a um alto nível de complexidade tornando quase impossível que ela fosse devidamente explorada de maneira sucinta. O processo semiótico, tal como descrito pela teoria peirceana, aparenta um processo cognitivo já especulado por várias gerações de filósofos anteriores a esse autor. O problema do conhecimento, aparentemente tão antigo quanto a filosofia ocidental, obteve com Imanuel Kant uma valiosa gama de considerações que, porventura, teria servido como base para as idéias de Peirce.Talvez um dos grandes méritos desse autor seja o de traduzir pressupostos filosóficos em uma teoria sistemática capaz de esclarecer o processo do conhecimento por meio de Semioses. Conhecer, nessa perspectiva, é gerar signos que, na consciência hão de ocupar o lugar dos objetos. Entretanto, não seria limitar o pensamento peirceano se o tomássemos como uma base teórica para refletir sobre a essência da linguagem humana. Linguagem baseada nas representações resultantes de nosso estar-no-mundo e na partilha dessa experiência com outros homens.

Linguagem que, em seu uso, sua manifestação, sua função, sua natureza, existe numa correlação com o conhecimento, com nossa assimilação da realidade e da reflexão sobre ela.

REFERÂNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: KANT, Imanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. de Rodrigues de Mereje. 2ª ed. São Paulo: Brasil Editora, s.d. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. Trad. de Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1972.

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