Musicalização De Adultos Através Do Coro

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CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÒGICAS E DA SAÚDE ESPECIALIZAÇÃO EM MÚSICA: REGÊNCIA FERNANDO MARTINS MOURÃO OLIVEIRA

MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS ATRAVÉS DO CORO Como o coletivo influencia no processo de educação musical

Londrina 2007

FERNANDO MARTINS MOURÃO OLIVEIRA

MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS ATRAVÉS DO CORO Como o coletivo influencia no processo de educação musical

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à UNOPAR - Universidade Norte do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialistal em Música: Regência. Orientador: Prof. Ms. Vilson Gavaldão de Oliveira

Londrina 2007

FERNANDO MARTINS MOURÃO OLIVEIRA

MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS ATRAVÉS DO CORO Como o coletivo influencia no processo de educação musical

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado, apresentado à UNOPAR - Universidade Norte do Paraná, no Centro de Ciências Empresariais e Sociais Aplicadas, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Regencia, com nota final igual a _______, conferida pela Banca Examinadora formada pelos professores:

Orientador: Prof. Ms. Vilson Gavaldão de Oliveira Universidade Estadual de Londrina

Prof. Membro 2 Universidade Norte do Paraná

Prof. Membro 3 Universidade Norte do Paraná

Londrina, _____de ___________de 20___.

Dedico este trabalho aos Meus pais, à minha namorada Luana Correia Machado e ao meu parceiro Tiago Xavier e sua esposa que me incentivaram

muito

neste

curso

principalmente aos meus coros e coristas.

e

AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu professor orientador Vilson Gavaldão de Oliveira, que me acompanhou e aconselhou durante a pesquisa. Ao incentivo de minha família representados aqui pela minha mãe Lúcia M. Martins Mourão Oliveira e meu pai José Gonçalves de Oliveira pois sem eles, este trabalho não seria possível. Á minha namorada a Jornalista Luana Correia Machado, pela correção do texto e principalmente pelo suporte, ajuda e compreensão durante este período dos meus estudos.

“Uma importante função da música, então, é a oportunidade que ela dá para uma variedade de expreções emocionais – a comunicação pensamentos e idéias inexpressáveis, a correlação de uma grande variedade de emoções e música, a oportunidade de “let off steam” e possivelmente resolver conflitos sociais ...” Alan P. Merrian

OLIVEIRA, Fernando Martins Mourão. Musicalização de Adultos Através do Coro - Como o coletivo influencia no processo de educação musical. 2007. 62 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Música: Regência) – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Norte do Paraná, Londrina, 2007.

RESUMO

Ultimamente, vem se intensificando a prática do canto coral amador no Brasil, tanto nos meios formais de ensino, quanto em outros lugares como meios empresariais e centros culturais. Esta prática consiste em um processo de musicalização, no qual o trabalho tem o foco no coletivo como instrumento de expressão musical e social, fazendo com que os cantores consigam expressar-se no grupo e em grupo, através da música. Neste caso, o coro amador é um corpo social no qual ocorre um processo de descoberta musical em conjunto, em que cada parte constrói a sua musicalidade individual através das relações existentes neste grupo, contribuindo para a sonoridade do todo. No que se trata da musicalização de adultos através do canto coral, cabe ao regente atentar às ações do grupo, para que, a partir daí, apreenda elementos para utilizar neste processo, desde os elementos motivadores do grupo, até de que forma o conjunto contribui para os processos individuais do corista. Para essa discussão de como o coletivo contribui para o aprendizado do cantor e como se daria esta musicalização de adultos, é necessário fazer uma revisão do que já foi escrito sobre esta prática de ensino em geral. É importante também aplicar algumas ações em um grupo e coletar os dados para análise. Desta maneira, é possível saber como a ação conjunta dos indivíduos contribui para o aprendizado musical dos cantores e como o regente no seu papel de professor pode estimular esta interação.

Palavras-chave: Canto-coral, educação musical, sociabilização

OLIVEIRA, Fernando Martins Mourão. Adults Music Education on the Choir – How the collective does influence the music education process. 2007. 62 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduate in Music: Conducting) – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Norte do Paraná, Londrina, 2007.

ABSTRACT

Lately, choir sing practice, has become very usual on Brazil, such as in the formal ways of teaching as the informal places (enterprises, community and cultural centers). This practice consist in to a music education process, which have the focus on the collective work as a instrument of music and social expression, giving to the singes the possibility to express their selves on the group and in a group through the music. On this case the amateur choir is a social body which the processes of music self discovering happens by the group, on this each part build his own musicality throw the relations between the group. On the issue about adult music education on the choir, fit to the conductor to put attention on the group actions, in order to learn some elements that is going to be useful on the process, from the elements of motivation to the way that the assemble help the individual process. For this discussion about how the assemble situation helps the singer learning, and how the adult music education works on the choir, it’s require to revise the literature this issue and apply some actions on a real group in order to collect the results for analyses. By this way is possible to know how the collective contribute to the individual music learning of the singers and how the conductor, on his position of teacher can stimulate this interaction.

Key-words: Choir, music education, sociability

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................9 1.1 O CORO AMADOR ..................................................................................................9 1.2 METODOLOGIA........................................................................................................13

2 DESENVOLVIMENTO ...........................................................................................15 2.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO MUSICAL POR MEIO DO CORO ...............................15 2.2 O CORAL HOJE......................................................................................................22 2.3 EDUCAÇÃO MUSICAL ATRAVÉS DO CORO ................................................................25 2.4 O ENSAIO .............................................................................................................34 2.4.1 O Aquecimento Vocal.......................................................................................37 2.4.2 A Preparação do Repertório.............................................................................38 2.4.3 Finalizando o Ensaio ........................................................................................42 2.5 A INFLUÊNCIA DO COLETIVO NO PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO ................................43

3 CONCLUSÃO ........................................................................................................53

REFERÊNCIAS.........................................................................................................57

9

1 INTRODUÇÃO

1.1 O CORO AMADOR

Nas ultimas décadas, o canto coral tem se multiplicado para os mais diversos ambientes, desde as igrejas e escolas de músicas (onde historicamente se faz presente), até os meios empresariais e associações de classe. Estes grupos vocais, que vem surgindo ultimamente, atraem seus coristas, dando a eles a oportunidade de se expressarem em um coletivo. Nardi, na introdução do livro “El Director de Coro” (O regente de coro), coloca o coro como um representante da necessidade de uma expressão coletiva, que é inerente no ser humano (Nardi 1979, p.9-12). A educação musical que se dá nesse tipo de prática coletiva se constrói de maneira social, ou seja, numa relação dialética entre os conhecimentos individuais e a ação do conjunto, sendo que esta relação é o ponto principal no coro amador. Durant (1999), em seu artigo “What make people sing together” (O que faz as pessoas cantarem juntas), afirma que “aparte de exercer uma função musical, o coro exerce, sem dúvida, uma função social.” 1 O regente Junker (1999 p. 1), no encontro anual da Anppom em Outubro de 1999, comenta que:

No ambiente social, o canto coral tem acontecido como uma manifestação cultural onde pessoas de vários seguimentos da sociedade se reúnem com um fim comum, em busca de realização cultural pessoal que será manifesta através de experiência ou vivência da sensibilidade estética.

Portanto,

o

canto

coletivo

não

apenas

é

uma

forma

de

musicalização, ele pode assumir, também, uma função de socialização. Durant (1999 p. 5), no artigo mencionado acima, cita uma idéia de Cox acerca do grupo coral: 1

Tradução do autor

10

Uma das melhores coisas que acontece em grupos corais é que pessoas de todos os tipos condições e habilidades podem conseguir um senso de coletividade, concernimento. No contexto do coral isto pode ir além do que iria de outra maneira. Algumas vezes isto também ocorre com atletas. Dá às pessoas a oportunidade de trabalhar juntos em um objetivo comum. 2

É preciso comentar que isso não é mérito somente da prática coral em si. Merriam (1964), no livro Anthropology of music (Antropologia da Música), diz que a música é capaz até de resolver conflitos sociais, pois trabalha com a expressão emocional. No canto coletivo, essa característica psicológica se torna ainda mais evidente, justamente porque junto com a expressão estética ocorre um aprendizado social, no qual todos os coristas trabalham por um mesmo objetivo. Nardi (1979 p. 9) coloca que:

Não obstante, desde as primitivas formas musicais em que o canto individual e coletivo desempenha diversas funções, empregando-se como remédio espiritual e material, até as sociedades modernas, em que seu cultivo aumentou de forma notável, foi sempre um veiculo maravilhoso, conatural e imediato, das emoções do ser humano. No canto coral, esta característica se acentua por sua natureza particular. A simultaneidade de várias vontades determinadas a um mesmo fim, faz com que a projeção social do coro seja muito maior que a do canto individual.. 3

Acreditamos que o regente, neste caso, deva se portar como um mediador das relações sócio-musicais do grupo. O papel do líder neste contexto seria então garantir a boa qualidade das mesmas, propondo metas e fornecendo ferramentas para que isto ocorra de maneira fluente. De acordo com Robinson e Winold (1992), o condutor do coro deve ser um facilitador das situações de aprendizagens, criando um ambiente favorável

2 3

Tradução do autor Tradução do autor

11

ao desenvolvimento do grupo. Para isto precisa, além dos conhecimentos musicais, saber lidar com as dinâmicas do grupo. O regente como educador deve possibilitar um ambiente de diálogo no momento do ensaio, em que a troca de experiências promova o desenvolvimento dos coristas e do grupo.

É preciso que nosso ensaio seja um processo de diálogo que não reflita apenas um reforço de nossas certezas, mas, muito mais, que se constitua na expressão das diferenças. Revelar nas diferenças não uma fragmentação do trabalho, mas sim a multiplicidade de significações que, incitando ao jogo dialético, o fecunde, consubstanciando o todo. (Gavaldão e Peixoto artigo não publicado)

Podemos dizer então que as interações das diferenças pessoais dos cantores enriquecem em muito o trabalho coral. Motta (2003), em seu texto “Diversidade em Sala de Aula: um olhar para a prática de uma professora de música”, embora não fale sobre o coro especificamente, expõe uma idéia que se encaixa muito bem à prática de ensino do diretor de coro amador.

O desafio é ainda maior se, ao invés de desejar uma suposta homogeneidade em sala de aula, pensarmos que a diversidade é inerente ao ser humano, acreditando no potencial educativo da diversidade, do reconhecimento das diferenças pessoais e subjetivas dos alunos. Aí a ação educativa precisa ser concebida de forma totalmente diferente. (...) E quando for compreendido profundamente o que isto significa, aí perceberemos que a heterogeneidade, a diversidade, as diferenças são a maior riqueza que temos em sala de aula.

A heterogeneidade é uma característica muito presente em coros amadores, principalmente aqueles fora de uma instituição formal de ensino de música. Os coros de empresa, por exemplo, reúnem funcionários dos mais variados contextos e funções da empresa, engloba desde o patrão, até o funcionário mais simples.

12

Teixeira (2005), em sua dissertação de mestrado, mostra que no coro da empresa Magister de Porto Alegre participam desde um dos gerentes até alguns de seus subordinados, cantando juntos sem constrangimento. O fato de juntar várias pessoas de diferentes contextos e classes em torno de um objetivo comum acaba se tornando uma característica bastante presente nos grupos amadores de música. Merriam (1964) explica que uma das funções da música é estabelecer um ponto de coesão entre membros de uma sociedade, no qual possam participar de atividades que requerem cooperação entre os diferentes membros. No canto essa característica é mais abrangente, porque a voz é um instrumento acessível a todos. É devido a essa qualidade que Kodály propõe um processo de educação musical na Hungria, tendo como ponto de partida a prática coral. Kodály, educador musical húngaro que formulou a metodologia de ensino de música que foi implantada em seu país, considera a voz humana como “o instrumento mais acessível ao homem e o melhor meio para estudar e apreciar a música” (Szonyi 1976, p.33, apud Silva, 1983 p.60). Os grupos que surgem em diferentes contextos assumem funções específicas para seus participantes. Embora todos trabalhem com a realização emocional e estética, numa empresa este tipo de atividade corresponde a um momento de lazer, enquanto em uma igreja, tem um objetivo espiritual e litúrgico. Ruiz (2005), no Artigo “A Rede Cultural Numa Prática Coral Infantil: Uma Trajetória a Partir do Funk”, conta a experiência das crianças do colégio Santa Úrsula, cuja regente escolheu pesquisar o contexto dos alunos e dar ao coro uma função social. Assim, as características do coro foram se assemelhando cada vez mais com a comunidade dos seus integrantes e a partir daí foi colocado o repertório funk no cotidiano desse grupo vocal infantil.

É preciso estar sensível aos movimentos do grupo, caminhar ao “sabor” dos alunos-cantores e com eles (o que é uma delícia e necessário), atentando para o que se está produzindo nesses percursos singulares – ou que se pode produzir a partir deles. Levar em conta as “redes que estão colocadas para além da sala de aula” requer abertura para aquilo que não está sob o controle do regente. ( Ruiz, 2005).

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É esta sensibilização colocada acima que permite ao regente descobrir a personalidade do coro e fazer com que a sonoridade do coro se desenvolva de forma única, assumindo desta forma um papel social no contexto em que está inserido. Portanto, além de ser um trabalho de educação, é um processo de aprendizagem social e esta face do canto coral não pode ser descartada, pois isto também contribui para o enriquecimento dos conhecimentos dos integrantes. Ainda é bastante escassa a literatura que discute este tipo de trabalho de musicalização, sendo necessário debater uma forma de ensino que atenda às necessidades do coro adulto, trazendo para o contexto brasileiro, considerando que musicalizar não é apenas alfabetizar musicalmente um grupo de pessoas. A prática do canto em grupo faz com que os indivíduos descubram e desenvolvam a sua própria musicalidade em relação a si mesmo e ao coletivo, alargando, assim, sua percepção e maneira de ver o mundo, dando aos participantes possibilidades de outras leituras do contexto que os cerca. Sendo assim, este trabalho se propõe a demonstrar que a ação coletiva é de fundamental importância para o aprendizado no coro. Através dela os processos se constroem e se consolidam. É de interesse nosso procurar entender como este processo atua, para que desta forma, possamos propor uma ação de educação musical que contemple a importância deste corpo de relações sociais.

1.2 METODOLOGIA

Para que se atinjam os objetivos da pesquisa, o procedimento metodológico adotado inicia fazendo uma revisão da literatura de interesse. Pela falta de disponibilidade de literatura específica no tema é preciso recorrer a outras áreas do conhecimento para que, entendendo as partes do tema, se construa a discussão que aqui se propõe fazer.

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Isso significa que através das diversas áreas, tanto dentro das artes como fora, iremos achar os elementos que estamos procurando para a compreensão das idéias colocadas neste trabalho. Não podemos falar em canto coral sem estudar as práticas que o precederam. Porém, a parte do histórico é apenas uma revisão de ações de musicalização que envolveram o coro, não sendo objetivo de este trabalho fazer um estudo histórico sobre o canto coral profundamente detalhado. Vygotsky é um autor que alicerça seus estudos no desenvolvimento do ser humano em sua coletividade. Sendo assim, ele se torna o mais indicado para a compreensão do processo coral e teremos por base este pensamento para estudar a forma como o coletivo influencia o aprendizado. Para a análise que se faz necessária nesta pesquisa, entendemos que é de grande importância o uso da literatura especializada no sóciointeracionismo, representado por Vygotsky, incorporando dela os elementos que contribuam na elucidação de questões ligadas ao canto coletivo. A leitura e compreensão da literatura na área da música e da regência é um dos fatores considerados. A primeira fase da busca destes livros é achar aqueles que tratam o coro com um olhar mais humano. Isso acontece porque o que é de nosso apreço, são as discussões ao redor do regente como educador e do coro como grupo social, produção que não é tão abundante no Brasil. Portanto, recorremos à literatura nacional e estrangeira. Muito da literatura brasileira acerca deste assunto foi encontrada em dissertações e periódicos, além de sites de universidades. Alguns deles são da área de regência coral, outros, porém, da prática musical coletiva em geral. Essas informações, se cruzadas com os livros específicos e regência, possibilitam a análise que é de interesse desta pesquisa. Tendo em vista a supracitada falta de bibliografia, todo o estudo se baseia em cruzamento de dados bibliográficos das diferentes partes relacionadas ao assunto e sobre os mais variados pontos de vista. Outro passo para essa construção que estamos fazendo é principalmente a reflexão sobre a prática do autor, porque o canto coral permeou todo o desenvolvimento musical, tanto vocal como instrumental, do mesmo.

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É importante analisarmos o que já foi escrito sobre educação musical, nas mais diversas áreas e também, os processos já documentados, como observações de outras situações de aula. Por fim, é importante verificarmos a importância da ação coletiva no fazer musical individual e como isto contribui para o aprendizado, propondo, inclusive, procedimentos a serem utilizados na prática coral.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO MUSICAL POR MEIO DO CORO

Desde os primórdios da história da música, o canto aparece com destaque. A voz é o primeiro instrumento humano de comunicação e de expressão artística.

O Coro é o mais antigo entre os grandes agentes sonoros coletivos. Antigos documentos do Egito e Mesopotâmia revelam-nos a existência de uma prática coral ligada aos cultos religiosos e às danças sagradas. (FONSECA, Eduardo. ultimo acesso: 06/12/2006)

Braz (2005), ao introduzir o texto “Música na educação de jovens, adultos e idosos”, coloca que:

A música desde os primórdios da humanidade esteve presente em todas as manifestações humanas de alegria, dor, esperança, fé, amor..., expressando-se das mais variadas formas e nos mais diversos grupos e em todas as etapas evolutivas.

16

Segundo o livro “The Choral Experience” (A Prática Coral) (Robinson e Winold 1992 p.5 - 16), o canto é tido como parte vital da cultura hebraica, sendo uma prática citada nos textos bíblicos. “Quando o rei Davi ascendeu ao trono de Israel, uma cultura musical sistemática se desenvolveu em torno do programa do templo” (Robinson e Winold 1992). A música nas sinagogas era executada por profissionais, integrantes do coro, pagos e sustentados pelo templo para exercerem sua função, “aos cantores profissionais eram fornecidos moradia e salário pelos seus serviços” (Robinson e Winold 1992). O canto acaba sendo então um elemento de grande importância para a dinâmica do templo. Para estes hebreus, era uma prática de adoração a Deus, na qual o coro entoa as melodias e a comunidade responde (forma antífona).

A participação da congregação nos cantos do templo se limitava a certas respostas, tais como "Amem" ou "Aleluia," ou certas fórmulas, "que sua misericórdia dure eternamente," etc..( Wikipédia 2006)4

Não

somente

na

cultura

hebraica

podemos

observar

esta

importância religiosa, mas na cultura grega, em que o canto pode ser encontrado nos festejos em homenagem as divindades, principalmente nos cultos a Dionísio e Apolo. Eram nestes festivais religiosos onde se apresentavam as tragédias, que esta prática era de fundamental importância, principalmente pelo fator psicológico que ele evoca. Cunha (2003 p. 16), ao analisar Nietzsche, diz que para este autor o coro é o elemento da peça onde a população se vê, e através dele transcende os limites da individualidade.

4

Tradução do autor

17

Para afirmar sua importância na sociedade grega, vale citar um trecho do texto Arte Poética de Aristóteles:

Daí resulta que a tragédia se compõe de seis partes, segundo as quais podemos classificá-la: a fábula, os caracteres, a elocução, o pensamento, o espetáculo apresentado e o canto.... A quinta parte compreende o canto: é o principal condimento (do espetáculo) (25/04/2006 p.9, p11.).

Não só em momentos religiosos, mas se observarmos a antiga Grécia, veremos que as artes são um fator essencial na educação, sendo o coro uma ferramenta integrante dessa arte junto com o teatro, pois, através das artes e do ensino delas, valores morais, políticos e artísticos são aprendidos. Platão (1997 p. 64), no livro II de “A República”, quando fala sobre a educação do guardião da cidade, cita, através do diálogo proposto entre Sócrates Adimanto e Glauco, a música como uma das principais formas de se educar:

Sócrates – Mas que educação lhes proporcionaremos? Será possível encontrar uma forma melhor do que aquela que foi descoberta ao longo dos tempos? Ora, para o corpo temos a ginástica e para alma, a música.

Posteriormente,

as

instituições

religiosas

ocidentais

também

utilizaram o coro. Na idade média apareceu o canto gregoriano e os grupos aprendiam e reproduziam suas ricas melodias dentro da instituição católica. Neste período, o ritmo das canções era construído tendo como base o texto e as músicas eram cantadas sempre em uníssono, desempenhando a função de gerar um ambiente propício aos cultos e a oração.

Neste caso, a música da igreja tem função nítida: criar uma atmosfera propícia a meditação espiritual, a transcendência da alma para o encontro de Deus (CASNOK, 1992 p. 8).

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Aqui, o canto também exerceu a função de educar as pessoas nos princípios da religião e da moral, sendo que o ensino formal das artes na Idade Média se dava para atender funções litúrgicas. Este tipo de educação acontecia nos mosteiros, junto a outras disciplinas aprovadas pelos livros monásticos católicos. Paralelamente à igreja, temos os trovadores e troveiros, na França, os Minnesanger, na Alemanha, entre outros que executavam a música profana, que no final da idade média começava a sair do anonimato.

Essa vivência musical que encerra no anonimato tanto compositores quanto ouvintes começa, nos séc. XI e XII, a ser modificada pelo aparecimento dos trovadores, menestréis e jograis. (CASNOK. 1992 p. 13).

Esta prática acaba prenunciando o renascimento, principalmente por algumas características que serão uma forte marca da renascença, como a poesia centrada no homem. Neste período, no qual a igreja católica se vê incomodada pelos princípios humanistas, o coro aparece, não somente no meio eclesiástico, como também, com muita intensidade, no meio profano. Isso ocorreu devido à ideologia que se fazia presente na Renascença, quando o ensino das artes passa a ser feito fora desses ambientes pontificais, fazendo com que a composição não tivesse apenas fins ecumênicos, mas passasse a ser valorizada como obras com fins estéticos. Quando Beyer (1993 p. 9) faz uma análise histórica sobre a educação musical, ela comenta que:

Com a volta do humanismo na renascença, valoriza-se mais a composição com fins artísticos. Obviamente esta ênfase traz conseqüências para a formação dos alunos, que vão estudar numa espécie de internato de professores e alunos na faculdade, o que permite o fortalecimento da relação “mestre”/”aprendiz” ou “discípulo”.

19

Com o aparecimento das religiões protestantes, surgidas com o movimento da Reforma, desencadeado por Martin Luther em 1517, surge um tipo de ensino nessas instituições, que disponibiliza a todos o fazer e aprender música. Aqui começa a aparecer o coro amador da forma como é conhecido hoje. A maneira como isto funciona na igreja luterana fica bem evidenciada na obra “Livro de Ouro da História da Música”, de Carpeaux (2004, p. 40-2), quando ele fala sobre a reforma. O autor afirma que uma das características deste movimento, liderado na Alemanha por Martin Luther, era fazer música para todos, ou seja, compor uma obra “sacro-popular” que pudesse ser cantada por toda a comunidade. No Renascimento, aparece a figura do virtuoso, que se consolida no Barroco. Esses cantores e instrumentistas são aqueles que dominam de forma excepcional o seu instrumento. No meio vocal, surgem os castrati. De acordo com o dicionário Grove de Música, os castrados tinham cirurgicamente os testículos removidos antes da puberdade, para que o registro da voz infantil fosse mantido, tornando-se dessa forma uma voz muito ágil e expressiva, atendendo às necessidades dos compositores da época. Sua fluência no bel canto fez com que esses cantores se tornassem muito famosos na época da contrareforma e na ópera barroca (Sadie, 1994, p. 165 e 177). Os castrati serviam de referência para a população, não só pelo fato de terem se tornado muito conhecidos, mas principalmente, pela sua qualidade e virtuosismo. Sua educação era bastante rigorosa e contemplava não somente a música, mas também outras áreas da educação, como Letras. No século XVI temos a colonização brasileira. Foram trazidos os jesuítas para que ensinassem aos povos indígenas as tradições e os costumes europeus. É o primeiro contato do Brasil com este mundo artístico vindo através de Portugal. Embora o meio de evangelização mais utilizado pelos jesuítas tenha sido o teatro, é correto dizer que o canto exercia também grande importância, principalmente porque era utilizado em conjunto com as artes cênicas, “a ação dos jesuítas no campo da música tinha uma finalidade eminentemente catequética, e visava, sobretudo, os indígenas” (Kiefer 1977).

20

A partir de então, até a chegada da corte portuguesa no Brasil, o ensino de música era confiado aos mestres de capela que vinham da Europa, ou que se formavam aqui. A presença do coro foi significativa nas obras litúrgicas do século XVIII e XIX. Compositores, como o padre José Maurício Nunes Garcia (um dos mais importantes mestres de capela de sua época), escreveram uma vasta obra para canto, onde se vê claramente a influência do classicismo europeu. Com a vinda de D. João VI, vieram também artistas europeus, incrementando e trazendo novas tendências para a música brasileira em geral, tanto instrumental quanto vocal, fazendo com que se desenvolvesse bastante. Aparece o teatro de revista, obra cômica com cunho político e ampla participação da música vocal e da dança; a ópera, representada por Carlos Gomes, e uma série de transformações que vêm desencadear na música do século XX. Neste momento, o coro estava imerso nas modificações artísticas que vinham ocorrendo. Era principalmente utilizado pela igreja, com os mestres de capela, e depois da chegada da corte portuguesa, apareceram também os conservatórios. No século XX, o canto coletivo chega à escola pública, através de uma proposta de educação musical em massa criada por Villa-Lobos, durante a ditadura de Getúlio Vargas, mais especificamente o período do estado novo 1937 a 1945, tento por base o método de ensino Kodály. A proposta de Villa-lobos e a de Kodály se assemelham em alguns aspectos. Um deles é o uso da música vocal no sistema de ensino tornando-a disponível a todos. Outro é a preservação e valorização da identidade cultural do país. O texto de Ricardo Goldenberg, publicado no site Samba e Choro, fala sobre vários princípios em que as propostas de Villa-Lobos e de Kodály se coincidem.

Eles compartilhavam objetivos e, em alguns casos, propostas de solução. Em locais e situações diferentes, estabeleceram uma filosofia educacional baseada nos seguintes princípios: 1.A musica é um direito de todos. (...)

21 2.A educação musical é necessária para o desenvolvimento pleno do ser humano. (...) 3.A voz cantada é o melhor instrumento de ensino porque é acessível a todos. 4.Musica folclórica de alta qualidade deve ser utilizada no ensino musical. (...) 5.Aprendizado musical é mais significativo quando realizado em um contexto de experimentação. (...) 6.Os professores de música devem ser especialmente preparados para a árdua tarefa da educação musical. (...) Apesar dos dois compositores compartilharem os mesmos pressupostos básicos, as duas experiências de educação musical se desenvolveram de forma distinta e deram resultados completamente diferentes. O sistema de Kodály foi bem sucedido e disseminou-se amplamente, ao passo que o de Villa-Lobos estagnou e foi praticamente esquecido. (2002, acesso: 12/04/06)

O canto orfeônico fez com que o Brasil cantasse através da musicalização nas escolas, que tinham o intuito de fazer as pessoas sensíveis à música através da voz e do repertório nacional. Vale dizer que esta idéia de preservação cultural não é exclusividade do canto orfeônico, mas na época havia todo um movimento nacionalista no qual vários escritores e pintores procuravam utilizar elementos do folclore nacional como material a ser utilizado na composição de suas obras.

Todo esse movimento, todo o escândalo que segue a Semana de Arte Moderna tem um objetivo definido: reafirmar e divulgar as grandes reivindicações dos jovens artistas brasileiros ligados ao movimento modernista, muito bem sintetizado pelo líder do grupo, Mário de Andrade: direito permanente à pesquisa estética, atualização da inteligência brasileira, estabelecimento de uma consciência criadora nacional, pela unânime vontade de cantar a natureza, a alma e as tradições brasileiras, a daí, banir para sempre os “postiches” da arte européia” (Neves, 1981: p37)

Goldemberg (2002) afirma que Vila Lobos “acreditava que se todos estudassem música nas escolas, estar-se-ia contribuindo para transformá-la numa vivência cotidiana e formando um público sensibilizado às manifestações artísticas.”

22

Este movimento musical implantado no governo Vargas foi extinto do currículo nacional e foi substituído pela disciplina de educação artística na LDB de 1971, não havendo continuidade na prática de educação musical nas escolas. Sendo assim, a população e os coristas dos dias atuais não são musicalizados e o canto coletivo continuou sendo característico dos mesmos espaços (escolas, igrejas e conservatórios).

2.2 O CORAL HOJE

Após a década de 80, presenciamos o surgimento de diversos coros nos mais diferentes meios, das mais diferentes modalidades, como coros de empresa, coros cênicos, grupos vocais à capela. No Brasil, a maioria destes são conjuntos amadores. Uma prova desta efervescência de grupos vocais amadores, está na produção dos diversos festivais pelo país, nos quais a diversidade tem sido um elemento constante e enriquecedor das apresentações. Citando alguns festivais na região do norte do Paraná, temos o festival Unicanto de coros em Londrina, o Encontro de Coros de Ibiporã, o encontro de coros promovido em agosto pelo Coral Hugo Gonçalves (Cambé), o encontro realizado pelo SESC (Apucarana), o Festival de Coros de Paranavaí e também o Festival Internacional de Coros de Maringá. Os festivais de música, como o de Curitiba e o de Londrina, contemplam também esta atividade, com cursos e apresentações na área, demonstrando que o movimento coral está crescendo muito e se diversificando cada vez mais. Mas o que seria o movimento coral na atualidade? Em cada contexto ele assume características diferentes. Para Junker (1999), os coros no contexto empresarial acontecem porque a empresa busca grupos que tenham uma atuação artística na empresa ou tem o objetivo de representar a instituição em atividades sociais internas.

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Na dissertação de mestrado de Teixeira, esta prática tem a finalidade de gerar um momento de lazer que quebre a rotina do funcionário, se tornando quase uma terapia. No coro de empresa, o lazer tem várias atribuições, não é somente quebrar uma rotina, mas também uma atividade prazerosa, qualquer uma que seja, que tenha como centro o indivíduo e seus gostos, podendo promover ações de socialização com outros. Este tipo de atividade se encaixa em programas de qualidade de vida, com o objetivo de melhorar a relação entre o funcionário e a empresa através de atividades esportivas culturais e de integração, diminuindo os níveis de estresse e melhorando, consequentemente, a produtividade do indivíduo. Conte, professor da FAE business School em Curitiba, em um artigo para a revista FAE Business (2003 p. 34), cita as oito categorias para se avaliar a qualidade de vida, propostas por Richard Walton (1973). Dentre estas categorias a atividade coral se encaixa, principalmente, na questão que aborda a integração entre os trabalhadores e a organização e a criação de um senso comunitário. Aqui, o atrativo do coro é justamente o momento de bem estar e de integração que ele causa nas pessoas do local de trabalho, que muitas vezes é estressante. A musicalização neste ambiente é uma ferramenta que possibilita esta função. Além do lazer e da socialização numa empresa, um coro pode ter uma função religiosa e litúrgica, como acontece em coros dentro de igrejas. Porém, hoje em dia, estes não são apenas grupos litúrgicos, mas acabam desenvolvendo, também, um repertório popular. Os coros religiosos se tornam elementos de integração dos setores dos templos em que estão inseridos, promovendo uma maior socialização, se transformando em um ponto de convergência das partes da igreja que abrigam o coro. Como já dito, os coros incorporam não somente os repertórios característicos de cada religião, o repertório regional popular também é incluído nestes trabalhos, demonstrando que um coro não é estagnado em uma única função. Ele é dinâmico, podendo assumir várias facetas, sem perder suas características contextuais.

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O canto coletivo também acontece com a finalidade da produção estética em si, ou seja, do aprendizado de uma expressão artística, sendo que muitos grupos acabam se profissionalizando. Aqui, o movimento coral é, também, uma escola que forma platéia e músicos. Eu mesmo (autor), desenvolvi o interesse pela profissão (regente) a partir do canto coral. Vários cantores se profissionalizam, tornando-se regentes, cantores e professores de música tendo como ponto de partida esta prática musical coletiva. Um exemplo de coro “atípico” é o coro em que trabalho. Este grupo é formado dentro de uma família, ou seja, seus integrantes são a mãe as duas filhas os dois genros e os netos. O objetivo é a realização estética e emocional através do canto. Além de coros de empresa, coros eclesiásticos e coros em que a musicalização é o foco (que este último pode acontecer tanto em associações culturais ou de classe, escolas e universidades, quanto em ambientes autônomos), temos o aparecimento dos coros cênicos. Junker (1999) define o coro cênico como um grupo cujo ”repertório consiste em grande parte de peças incidentais onde estórias são contadas tais como: Óperas, operetas ou cantatas cênicas. Porém estes grupos não ficam restritos a este tipo de repertório somente”. No Brasil, parece ser uma característica cada vez mais comum incluir a dança e a performance corporal em apresentações culturais. Um dos pioneiros nesta empreitada é o maestro Samuel Kerr, junto com Naum Alves de Souza e posteriormente com Reinaldo Puebla, diretor cênico especializado em coros, e o compositor Marcos Leite. Esta vertente musical talvez se explique pelo fato de que nossa música tem grande influência da cultura indígena brasileira e da africana, nas quais a música e a dança não se separam. Porém, esta não é a única influência. O movimento de revista, que foi muito expressivo na cultura popular, representado inicialmente pela comédia de Martins Pena, também era um momento no qual o teatro e o canto se juntavam. Tivemos outros movimentos cênicos típicos do Brasil, como a mágica, que segundo Freire (1999) “é um gênero operístico brasileiro do século XIX

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que se achava esquecido pela literatura especializada em história da música brasileira, talvez por se configurar como um gênero mais popular”. Tudo isso influenciou os coros cênicos dos dias atuais. Este tipo de trabalho é representado por coros como o Coral Argentum do Rio Grande do Sul, o vocal Gogó a Brasileira de Curitiba e o coral Unifesp. Todos estes tipos de coros são dinâmicos com relação ao repertório, embora um tipo se sobressaia em relação a outro, justamente tendo em vista os objetivos do grupo. A maioria dos coros amadores diversifica bastante o seu programa, criando uma heterogeneidade, que não está apenas nas diferenças entre os grupos, mas dentro de cada grupo.

2.3 EDUCAÇÃO MUSICAL ATRAVÉS DO CORO

Kodály deixa bem claro que o fato da voz ser um instrumento musical natural a todos, faz com que esta tenha maior capacidade de socializar a expressão musical. Pautado na premissa de que música é um direito de todos, Kodály elegeu o canto como instrumento primeiro de seu método, que tem como um de seus objetivos possibilitar o contato com a música a qualquer pessoa. O canto coletivo no Brasil acontece dessa forma, ou seja, acaba tendo o intuito de socializar a expressão musical, principalmente porque ultimamente vem crescendo em muito este tipo de prática fora do ambiente formal de ensino. Quando uma empresa busca uma atividade coral, a requisita na qualidade de gerar um momento de lazer aos seus funcionários. O estudo de caso de Teixeira (2005) é bem enfático com relação a isto, como já foi comentado anteriormente. Durrant (1999) também explicita esta funcionalidade. Para que esta prática se aplique é necessário que as pessoas sejam capazes de, conscientemente, dominar as ferramentas que envolvem este fazer artístico. Como a maioria daqueles que procuram o coro não tem uma ação musical desenvolvida e precisam se educar neste sentido para poder obter alguma realização estética, isto acaba fazendo com que o maestro se torne um educador

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musical, responsável pelo aprendizado desta linguagem artística que será vivenciada pelos integrantes do coro. Gavaldão (artigo não publicado), ao discernir sobre o perfil dos coros amadores brasileiros escreve que:

Em decorrência desse perfil dos coros brasileiros, o trabalho do regente coral no nosso país é constantemente de passar informações musicais, algumas vezes básicas, independente do coro ser infantil, infanto-juvenil, adulto ou de terceira idade, exatamente pela falta de educação musical no ensino regular em nossas escolas, pela carência de profissionais qualificados para ministrarem aulas em escolas privadas, e a ausência de uma prática vocal já desenvolvida em casa, desde a infância.

Este mesmo autor coloca ainda que:

Por mais amadores que sejam os cantores, todos trazem uma vivência musical adquirida, empiricamente ou não, seja de casa, seja da escola, dos ambientes sociais que freqüenta. Essa experiência não deve nem pode ser desconsiderada pelo regente. Em nenhum momento do ensaio deve ser subestimada a capacidade de expressão do cantor, buscando desenvolver seu potencial criativo ao máximo, em prol de uma interpretação autêntica.

Ou seja, o fato de um coral que se inicia ser amador, não quer dizer que os cantores são desprovidos de experiência musical. Ocorre que sua vivência musical ainda não foi sistematizada e conceituada através de um processo de ensino. O canto coral tem por característica permitir a qualquer pessoa que queira expressar-se musicalmente o acesso a essa linguagem artística. Desta forma, o coro se torna um instrumento de expressão artística ao alcance da população em geral, justamente porque o pré-requisito para esta prática é a voz (que é inerente ao ser humano) e uma percepção desenvolvida musicalmente.

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O Regente deve ter consciência dos processos envolvidos no trabalho, o que saber qual o seu papel como educador frente a este coro, coordenando as suas ações de forma a permitir o desenvolvimento em conjunto dos cantores.

O educador é aquele que “toca” nos afetos, que interfere nos esquemas de representação do grupo, que amplia os horizontes culturais se despojando de uma “cultura museológica”, incluindo outros sons, outras vozes, outros gestos; é aquele que conduz processos de ressignificação, de deleite estético e construção do pensamento em rede. (Ruiz 2005 p. 70)

É o regente que vai gerar um ambiente propício para que os cantores construam as ferramentas necessárias para uma produção artística que se encaixe e transcenda o padrão de qualidade do coro. Elas serão adquiridas coletivamente, através das experiências inter-pessoais dos integrantes do grupo.

Como líder de uma experiência comunicativo-educacional, o condutor do coro deve ser treinado como um facilitador – aquele que é capaz de criar e controlar um tipo especial de ambiente de aprendizado que evoque respostas empáticas dos participantes da vivência coral. (ROBSON e. WINOLD. 1992 p. 44).

A importância do professor reside, principalmente, no fato de ele ser responsável pela estimulação do “campo interativo” onde acontecerá este conjunto de ações partilhadas que visam o desenvolvimento musical do grupo e, conseqüentemente, dos indivíduos.

É fundamental destacarmos que importante no processo interativo não é a figura do professor ou do aluno, mas é o campo interativo criado. A interação está entre as pessoas e é neste espaço hipotético que acontecem as transformações e se estabelece o que consideramos fundamental neste

28 processo: as ações partilhadas, onde a construção do conhecimento se dá de forma conjunta. (MARTINS, 1997 p. 121)

Ruiz (2005p. 67) concorda com a idéia de que é função do regente trazer situações que permitam o questionamento e o debate, propiciando os processos de desmonte e ressignificação de conceitos culturais musicais e extramusicais. Para Zacharias (22/01/2007), o professor é aquele que “tem o papel explícito de interferir no processo, diferentemente de situações informais nas quais a criança aprende por imersão em um ambiente cultural. Portanto, é papel do docente provocar avanços nos alunos e isso se torna possível com sua interferência na zona Proximal”5 As relações do grupo também mediam os processos dialéticos de apropriação dos conhecimentos. Para Vygotsky (1998 p. 71), além da escola (no nosso caso o coro), os signos e os instrumentos em uso se portam como facilitadores do aprendizado. Podemos dizer, então, que o maestro exerce uma função de mediação das relações dos integrantes do coro, tanto com o conhecimento, propondo desafios e atividades que venham facilitar a construção coletiva da obra em questão, quanto entre os participantes do grupo.

Desse modo, cabe ao educador facilitar situações para uma aprendizagem autodirigida, com ênfase na criatividade, em lugar da padronização, da planificação e dos currículos rígidos presentes na educação tradicional. Mais do que programas que visam resultados precisos e imediatos, é preciso contar com princípios metodológicos que favoreçam o relacionamento entre o conhecimento (em suas diversas áreas), a sociedade, o indivíduo, estimulado, e não tolhendo, o ser criativo que habita em cada um de nós. (Brito. 2001)

Rego (1995 p.110), em sua análise sobre a perspectiva histórico social da educação, diz que, sobre o ponto de vista de Vygotsky, o professor é quem 5

Grifo contido no texto

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se encarrega de promover a fluência deste intercâmbio de experiências e processos no grupo, através do dialogo e da cooperação entre todos os membros deste corpo coletivo. Logo, se promove uma ação pedagógica que prima pelo esclarecimento que virá a melhorar a manipulação da linguagem musical, em que o cantar se torna uma constante troca, possibilitando uma prática mais crítica, assumindo então, o papel que cabe a este tipo de iniciativa educacional. Na dissertação de mestrado de Cunha (2006 p. 69), “o educador musical tem sob sua responsabilidade a educação musical do aluno, e é através dele que as práticas comuns da sociedade, como falta de reflexão e audição musical inconsciente, podem ser transformada em esclarecimento e criticidade.” Desenvolver este senso crítico do corista envolve uma série de ações, como possibilitar o diálogo, a audição dos colegas e de si próprio, fornecer ao cantor o referencial de produção vocal, tanto em grupo quanto solo. Conseqüentemente, o próprio cantor vai adquirindo a capacidade de se auto perceber, para que com o entendimento dos assuntos referentes à linguagem musical consiga se auto corrigir. Quando o corista não consegue se utilizar desta percepção, por mais que o regente ajuste a execução do cantor, dificilmente haverá entendimento do que estava errado e o que foi corrigido. E quando o regente passa a assumir o papel descrito nos parágrafos acima, se torna um orientador, aquele que guia o corista pelo percurso da aprendizagem em que este se insere, levando o cantor a compreensão dos fenômenos inseridos na sua prática.

O papel do professor não é, pois, o de transmitir informações, mas fazer-se agente da significação que a elas os alunos atribuem. O professor é um perguntador, desafiador e elaborador de problemas que, desafiando o aluno, estimula suas operação6 mentais sobre os saberes do mundo, levando-o a interagir com eles através de ações operatórias que o levam à reconstrução, à síntese, à contextualização, e, dessa forma, o estudante age relacionando, comparando, classificando, ordenando, avaliando, julgando, deduzindo e induzindo (Antunes 06/01/2007).

6

Erro contido no artigo

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Cabe ao educador propor situações que desafiem o cantor, porém, é necessário que sejam fornecidos, também, os instrumentos vocais para que o cantor possa efetuar o que foi sugerido. A técnica vocal pode ser entendida neste contexto como um instrumento a ser utilizado durante o processo, auxiliando a prática educacional e artística, preservando a saúde do aparelho vocal e promovendo a auto descoberta da voz e de suas sonoridades.

A técnica vocal pode proporcionar uma maior qualidade sonora e uma melhor afinação. É possível se direcionar o trabalho técnico de forma aplicada à interpretação estilística de repertórios corais diversificados. De forma eficaz e saudável, o cantor pode: aprender a variar a sonoridade de sua voz em todos os registros, atingindo grande quantidade de “cores sonoras”; desenvolver um amplo espectro de dinâmicas; e adquirir a habilidade de executar passagens melismáticas com grande agilidade e leveza. (Fernandes, Kayama, Östergren, 2006 P. 37).

De acordo Figueiredo (1990 p. 76), “a técnica vocal deve ser entendida como um recurso na prática coral. Deve facilitar a emissão e o controle da voz através de exercícios constantes e aplicação sistemática.” Nesta dissertação de mestrado, ele aborda a técnica vocal como um conjunto de procedimentos a ser estudado com bastante cuidado e que não deve ser menosprezado e nem tratado separadamente do repertório. A falta do uso pode gerar problemas na saúde do aparelho fonador que virá, conseqüentemente, a dificultar a produção e quando abordada distintivamente em relação as peças do coro, não ajuda na construção de uma relação consistente entre os vocalizes e a sua aplicação nas canções. Quando os exercícios vocais e respiratórios são utilizados sempre que necessários, independente do momento do aquecimento, fazem com que os coristas entendam a aplicação da técnica em favor da prática, tornando o ensaio mais interessante. Na pesquisa de Teixeira (2005 p. 111), o regente do coro da empresa Letho comenta que é mais interessante aplicar a técnica vocal durante o

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ensaio do que somente no aquecimento e deixar para os alunos aplicarem no repertório. Tanto os exercícios vocais quanto o repertório devem gerar interesse no aluno. Para isso, é preciso que o professor considere o contexto dos cantores e através disto retire os materiais que melhor atraem a atenção e a curiosidade do grupo. Quando uma pessoa adulta aparece para cantar no coro, chega cheia de vícios causados pelo uso da voz, dependendo da profissão que exerce, do meio em que vive, das músicas e dos cantores que toma por referência, isso pode gerar diferenças de emissão vocal, além das diferenças biológicas de uma pessoa para outra. Nesta situação, a técnica vocal deve acontecer no sentido de fazer com que o coralista descubra a sua voz e aprenda a utilizá-la de forma a satisfazer suas necessidades, tanto no coro quanto fora dele. Este processo de descoberta acontece de forma dialética do espaço intra-pessoal com o espaço extra-pessoal, ou seja, através da imitação a pessoa começa a utilizar-se de um padrão vocal, processa este padrão, adapta-o a suas sensações para poder externá-lo posteriormente. Os construtivistas dão à imitação um papel importante no processo de aprendizado. Segundo Vygotsky, é através desta que o aluno desmonta e reconstrói os conteúdos. Em seu estudo de desenvolvimento proximal, a mimese precede o momento em que o aluno internaliza os conhecimentos. Mimese é aqui entendida como a imitação que se assemelha porém não precisa ser cópia fiel da ação original; como diria Aristóteles, é uma reprodução verossimilhante. Portanto, o regente do coro deve estar atento à sua produção vocal, pois esta tem fundamental importância pedagógica na educação musical através da voz, principalmente considerando que o professor deve ser o mais experiente, possibilitando uma troca de informações que ajude o aluno a transcender a si mesmo. Segundo Fernandes, Kayama e Östergrem, (2006. p. 39), a relação do regente com a técnica vocal deve ser bem íntima, ele deve ser tão bom cantor quanto professor de canto. O maestro é um dos referenciais para a execução do coralista.

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Preparar vocalmente um grupo de cantores amadores é uma tarefa árdua, que exige do regente, além da atenção as condições técnicas de seu grupo, um bom conhecimento de técnica vocal

Para eles, o maestro deve assumir o seu papel como professor de técnica vocal do grupo, se quiser atingir um alto nível na performance artística. Coloco aqui que este nível de execução aprimorado é o resultado do trabalho como um todo, ou seja, um trabalho de educação musical, no qual elementos como a técnica vocal servem de facilitadores do ensino da teoria e do desenvolvimento da percepção, que possibilitará ao cantor interpretar as músicas de acordo com as características estilísticas de cada peça. Assim, os exercícios não apenas acabam por atrair o interesse dos coristas, como a técnica vocal passa a ter um sentido claro na execução das atividades, sendo uma ferramenta em constante construção, que irá facilitar a execução das obras artísticas. Desta forma, se cria a motivação necessária para que o aprendizado ocorra e seja contínuo, sendo a motivação, segundo Neves e Boruchovitch (2004 p.79), um ponto chave para o desenvolvimento da pessoa e que “impulsiona o aluno para estudar, iniciar os trabalhos e perseverar neles até o fim.” A escolha do repertório é fundamental para que o trabalho ocorra efetivamente. Deve ser empático ao contexto e gosto do aluno e ao mesmo tempo promover a audição de músicas que estão para além do cotidiano do cantor.

É preciso estar sensível aos movimentos do grupo, caminhar ao “sabor” dos alunos-cantores e com eles (o que é uma delícia e necessário), atentando para o que se está produzindo nesses percursos singulares – ou que se pode produzir a partir deles.(Ruiz 2005 p. 71)

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Devemos considerar que apesar da existência de inúmeras peças para coral, o regente tem de ser capaz e estar disposto a contribuir para a composição deste material, ou seja, fazer arranjos e até mesmo compor, se isto for necessário. Quando o maestro se propõe a tal serviço, pode sanar dificuldades do coro através dos próprios arranjos ou composições, que serão confeccionados já tendo um objetivo pedagógico pré-estabelecido. A escolha de canções do gosto do corista é uma peça chave para o bom rendimento e quando gera a simpatia do cantor para com o programa favorece uma reação empática do coro. Assim, se contribui com um tipo de motivação que, de acordo com Neves e Boruchovitch, (2004 p. 79), impulsiona o aprendizado do sujeito fazendo com que o indivíduo realize as atividades por considerá-las interessante e geradora de satisfação. Porém, somente um conjunto de peças sugerido pelo grupo faz com que este não transcenda seu próprio contexto. Uma boa seleção de músicas para o repertório do coro, quanto esta traz peças que, além de serem do agrado do coralista, serve como ponto de partida para a audição de outras sonoridades, expandindo, assim, a percepção do grupo. Lima (2002), no relato de sua experiência no Morro do Avaí apresentado no SPEM demonstra na pratica como a escolha musical pode ser definitiva para o processo. Já no primeiro encontro ela tratou de interessar os alunos através do repertório pedido por eles e à medida em que a professora foi utilizando os elementos musicais fornecidos pela turma, foi sentindo a abertura para novas experiências musicais, possibilitando um ensino que transcendesse o cotidiano das crianças e adolescentes daquele grupo. Figueiredo (1990 p. 21) escreve que as músicas a serem cantadas pelo grupo, devem reforçar os aspectos técnicos a serem construídos, dando sempre uma aplicabilidade direta aos conceitos ensinados. Embora não trate de educação musical através do coro, mas sim através de um grupo instrumental, a pesquisadora Cristina Tourinho observou em sua dissertação de mestrado que os alunos da turma de violão em grupo rendiam melhor quando os estudos partiam de atividades que incluíam um repertório do gosto do grupo.

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Todas estas experiências reforçam a idéia de que a escolha de um repertório que cause reações simpáticas por parte dos alunos é um elemento essencial para o bom andamento da prática de ensino musical.

2.4 O ENSAIO

Este é o momento em que tudo acontece. Nele, se dão boa parte do relacionamento entre coristas e o aprendizado que definem a qualidade do produto final: a performance.

A performance, o objetivo final dos cantores de corais em qualquer nível, é assim melhor compreendida quando concebido como uma comunicação de proposições e “insights” descobertos e internalizados durante o período da preparação do ensaio. (Robinson, Winold. 1976 p. 154)7

Todos os elementos discutidos anteriormente, ou seja, o maestro, o repertório e a técnica vocal se encontram aqui. O regente é o administrador disso tudo e sobre ele está a responsabilidade de fazer com que o ensaio funcione permitindo a fluência desses fatores no processo coral. Neste momento, é realizado um encontro dos integrantes do coro com a expressão musical que está acontecendo. É um momento de descobertas musicais e é sem dúvida a parte mais importante da prática coral. É importante ressaltar a idéia de treinamento, que seria um conjunto de ações que desenvolveriam qualidades necessárias para a compreensão do fazer musical ao qual nos referimos neste trabalho.

Compreender é, antes de mais nada, compreender-se a si próprio. Portanto, antes de nos preocuparmos com a afinação, com a precisão rítmica, ou com 7

Tradução do autor

35 ataques e cortes de nosso coro, é fundamental que cada uma dessas questões seja trabalhada internamente pelos integrantes do grupo.(Gavaldão, artigo não publicado)

Esta compreensão acontece quando o cantor adquire certa autonomia para agir sobre o objeto de sua prática.

O treinamento deve habilitar o indivíduo no sentido de facilitar a realização de uma determinada tarefa a ponto de promover uma visão crítica no contexto geral da realização musical. Esta visão crítica só pode ocorrer quando houver autonomia. Tal autonomia deriva da compreensão que confirma a aprendizagem. (Figueiredo, 1990 p.12)

Cunha (2006 p. 68) escreve que esta autonomia, que é chamada por ela de emancipação, “se dá quando a vontade própria se forma, quando o agir é resultado do pensamento particular, assim, o esclarecimento é o pensamento racional independente de intervenção externa que resulta em ação individual, própria do indivíduo”. Ou seja, em ambos os autores a autonomia ou emancipação do aluno se dá quando o esclarecimento e a compreensão acontecem; no coro, o treinamento é uma ferramenta fundamental para que isto ocorra, porém é apenas uma ferramenta e não uma finalidade em si. Figueiredo (1990) afirma que quando o regente toma o treinamento por finalidade, gera um equívoco que tem conseqüências bastante negativas no que se refere ao aprendizado do cantor. Um ensaio necessita de um planejamento que deve, didaticamente, prever as atitudes que facilitem o aprendizado, sempre preservando a qualidade e a saúde vocal dos coristas.

O planejamento escolar é uma tarefa docente que inclui tanto a previsão das atividades em termos de sua organização e coordenação em face dos objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no decorrer do

36 processo de ensino. O planejamento é um meio para se programar as ações docentes, mas também é um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado a avaliação. (Libâneo 1994 p. 221)

O planejamento de qualquer atividade de ensino, tanto na escola como no coro, tem a função de organizar a ação do professor ou do maestro facilitando o seu trabalho frente ao grupo.

O regente coral, como agente de um processo educacional, pode desenvolver com maior eficácia os diversos aspectos envolvidos na prática coral através de planejamento. É tarefa de todo educador musical estabelecer estratégias que apresentem níveis progressivos de dificuldade de maneira simples e atraente. (Figueiredo 1990 p. 19)

Dentro deste planejamento, por uma questão de objetividade, os momentos do ensaio devem ser bem delimitados, sendo que, apesar da separação, eles se inter-relacionem.

A separação das partes de um todo – para efeito de treinamento - é necessária. Todavia deve-se ter cautela pois corre-se o risco de não reintegra-las ao todo. Critérios para ordenação de parâmetros são a base do treinamento. Tais critérios precisam de objetividade para que possibilitem o controle de situações onde se está construindo o conhecimento musical. (Figueiredo 1990 p. 13)

Braz (2005), no seu artigo para o Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos, descreve parte do planejamento de um ensaio, ou aula de música.

O ensino se procederá inicialmente deixando o corpo pronto para a atividade, através de exercícios de relax, respiração e de vocalizes (se for

37 possível), incentivando. Em seguida, a música será cantada pelo professor na sua totalidade, ou levando os alunos a escutá-la através de recursos como CD e fita K7 ou instrumento musical. Após se trabalhará a letra, observando a pontuação e fazendo o estudo do vocabulário.

Estes são procedimentos que serão utilizados durante o ensino e que através do planejamento o professor os organiza e determina os objetivos de cada uma destas ações.

2.4.1 O Aquecimento Vocal

Técnica vocal é um recurso que deve ser lembrado e utilizado a todo o momento. No aquecimento, sua principal função é preparar a voz para a utilização, tanto no ensaio como na apresentação.

O propósito do aquecimento no canto coral é o mesmo que em qualquer outra atividade física: tonificar os músculos e melhorar a coordenação; ou seja, exercitar a voz. (Robinson, Winold 1992 p. 156)

No aquecimento, também é interessante utilização de exercícios corporais. O relaxamento é muito importante porque através dele se prepara o corpo para

tensionar

apenas

os

músculos

necessários,

eliminando

a

tensão

desnecessária. As atividades de respiração “acordam” a musculatura que será utilizada, além de gerar o treinamento necessário para que a mesma se fortaleça. Porém, é essencial ressaltar que sem uma aplicabilidade clara e direta ao repertório, ou seja, a utilização destes exercícios também durante a preparação das peças conscientizando o cantor do porque destes, o trabalho de técnica vocal se torna superficial.

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Algumas atividades que tendem menos à música e mais à expressão corporal ajudam o corista a se desinibir e também a descobrir seu próprio corpo, principalmente por considerarmos que todo o corpo canta e o aluno deve descobrir como isto funciona. Não se exclui aqui o fato de que no aquecimento se ensina de forma mais específica as relações intervalares e outros elementos musicais que facilitarão a execução do repertório. Estas atividades, como glissandos, propiciam a descoberta do som próprio de cada um e como este soa em relação ao grupo. É também um ótimo momento para se treinar aspectos como a articulação, que posteriormente se tornarão recursos indispensáveis para a compreensão e execução das peças. Após o aquecimento, o trabalho aplicado ao repertório se torna mais intensivo. Consideramos neste trabalho que o aquecimento não é quando se leva a voz aos limites do cantor, mas quando o corista se prepara para isto, que será feito de acordo com a exigência do repertório.

2.4.2 A Preparação do Repertório

O bom resultado da performance é de responsabilidade do maestro e sendo assim a dinâmica do ensaio fica a cargo do mesmo. A preparação do repertório começa pela escolha, que deve, como já dito, agradar os coristas além de propiciar-lhes novas vivências que venham ampliar-lhes o conhecimento musical.

Alguns aspectos devem ser considerados pelo regente, ao escolher o repertório que trabalhará como o coro, se tem por objetivo o processo de educação musical junto ao seu grupo. Inicialmente, a música escolhida deve ser bem escrita, tanto no aspecto técnico como nas possibilidades expressivas que ela possibilita. Deve ser de dificuldade compatível com a idade e a experiência de seus cantores, e deve ser conduzida por etapas, considerando a gama de complexidade que ela tenha, para que possa ser totalmente compreendida. (Gavaldão artigo não publicado)

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A escolha dos arranjos e das músicas pode tanto ajudar como travar a construção do programa. Quando o arranjo é confeccionado pelo condutor do coro, muito do planejamento está embutido na peça facilitando o ensaio. Com relação às atitudes na preparação das músicas, Robinson e Winold (1992 p. 157) dizem que:

Deve haver um balanço crítico entre as instruções verbais e a ação musical: as direções devem ser dadas com clareza e precisão; comentários verbais e instruções devem ser mantidas ao mínimo. Uma boa regra a seguir é “fale pouco e cante bastante”.

Embora a idéia seja fazer com que a prática aconteça em maior intensidade, isso não exclui o fato de que a reflexão em torno do repertório deva estar presente. A mera repetição das diferentes partes gera uma situação de treinamento sem a compreensão, ou seja, uma repetição através da qual ocorre uma assimilação superficial dos conteúdos. O fato de o regente passar várias vezes a mesma parte pode se tornar um elemento bastante positivo no ensaio desde que não aconteça como um simples ostinato mecânico, mas sim em um sentido mimético em que a imitação acontece junto com a manipulação do elemento inicial gerando uma situação de aprendizado no qual o aluno é um integrante ativo.

Utilizar uma metodologia vibrante e própria, através da “canção por audição” é uma maneira prática de em pouco tempo efetuar a aprendizagem de uma nova canção, de forma a desenvolver a memória, a compreensão, a interpretação, de maneiras artísticas, possibilitando além da expressão musical o incentivo para fixação de novos conceitos, vivências, aprendizagens. (Braz, 2005 p. 4)

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Ainda com os autores Winold e Robinson (1992 p. 158), o regente não deve hesitar em corrigir e passar o mesmo pedaço da música quando isto tiver o propósito de esclarecer os cantores a fim de evitar o surgimento de maus hábitos vocais e musicais que terão conseqüências indesejáveis em certo ponto do processo. É neste momento que ao invés de repetir exaustivamente a mesma frase musical é possível se utilizar de exercícios e da técnica vocal de forma alternada à música para trabalhar os equívocos que estão sendo cometidos pelo grupo. Porém, o grupo precisa perceber por si mesmo onde está o problema, pois somente assim a correção se torna efetiva e a assimilação eficiente. Cunha (2006 p. 69) faz uma explanação sobre a prática docente na aula de música que, na visão dela, levaria os alunos ao esclarecimento e, conseqüentemente, a uma audição mais crítica, sendo que, para o nosso trabalho, isso leva também a uma execução mais fluente, interessante e com maior qualidade sonora.

A prática docente com o propósito de esclarecer deve estar permeada por atitudes que promovam o esclarecimento, levar os alunos a refletir sobre as músicas que ouvem, conhecendo outros estilos musicais, tornando-os capazes de agir por si próprios, saindo de sua menoridade e passando a uma maioridade, em que a escuta musical seja seletiva e que haja a compreensão dos artifícios da indústria fonográfica usados para manipulação dos gostos musicais, tendo assim, o educando independência para distinguir entre a verdadeira e a falsa obra de arte, isso é uma prática docente emancipatória.

Portanto, cabe aqui o equilíbrio entre o estudo teórico e prático. A prática sempre antecede a ação e as conceituações são construções conseqüentes permitindo o desenvolvimento das futuras execuções e a realização posterior de atividades mais complexas. É imprescindível que o regente saiba se expressar com clareza e objetividade, principalmente através do gesto, que é seu grande instrumento

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musical. Mathias (1986 p. 30) coloca que não apenas o gestual do regente deve ser claro, mas o coralista deve ser treinado para responder prontamente ao maestro.

O regente deve exercitar, ao máximo, atividades que propiciem aos cantores uma atitude de pronta atenção e resposta aos seus gestos, cada vez mais sutis. (...) Os coralistas devem conhecer o tipo de comunicação gestual do seu regente. E os regentes, por sua vez, devem tomar cuidado com sua comunicação não verbal, pois é através dela que eles irão dizer muito mais, do que com sua voz.

Quando se fala em diminuir a quantidade de gestos do maestro, que é o caso de Mathias, significa evitar movimentações desnecessárias e que não comuniquem muita coisa, ou seja, é o princípio da maior eficiência com apenas o esforço necessário. Convém dizer que a expressão corporal evita vários problemas na fluência do trabalho, incrementando e facilitando a comunicação com os alunos. Não é apenas com as mão que o líder se comunica, mas com o corpo todo. A atitude do maestro frente ao grupo é o mais importante neste sistema de ensino. Por mais que o gesto seja claro, se a atitude do líder não for organizada e dinâmica, o ensaio não “anda”. Um exemplo desse dinamismo é não ficar mais que poucos minutos em um só naipe, o ideal seria fazer com que todos os naipes participassem de alguma forma da preparação de todas as partes, evitando que um grupo ensaie enquanto os outros se distraiam. Robinson

e

Winold

(1992

p.

160)

escrevem

que

é

da

responsabilidade do líder “energizar” o grupo quando o ensaio se torna cansativo e desanimado. Para isso, eles enumeram certas atitudes sobre como variar as atividades, tanto na produção do repertório quanto no aquecimento: exigir atenção e respeito, usar de recursos como gravações de outros grupos e do próprio coral e transformar o local de aprendizado em uma ambiente familiar e agradável.

42

Dentre as músicas que são executadas e aprendidas nos ensaios, as mais difíceis demoram vários ensaios para serem completamente montadas, correndo o risco de se tornar desinteressante. Quando se alterna obras mais difíceis com músicas simples, que possam ser montadas rapidamente e que venha a ajudar a resolver problemas específicos de peças mais complexas, gera a sensação de que se produz mais, motivando os coristas. É uma forma de proporcionar diversas vivências musicais que irão contribuir para o aprendizado possibilitando ações cada vez mais complexas, até que o cantor seja capaz de dominar os aspectos técnicos necessários para a realização das propostas do grupo. Porém, não se deve priorizar a quantidade do repertório em detrimento da qualidade. Quando este problema aparece, o trabalho fica extremamente comprometido, tanto do ponto de vista educacional, quanto da performance. Fazendo uma análise da minha prática com os coros que conduzo, percebo que ao demorar muito em uma só música, os coristas perdem a motivação e o ensaio se torna cansativo. Sendo assim, é preciso gerenciar bem o tempo planejado para que o trabalho não se atenha a apenas uma música, tornando o ensaio maçante. Uma atitude tem dado bastante resultado é tirar uns minutos do final da preparação do repertório para lembrar algumas músicas já prontas, utilizando-as para trabalhar alguns elementos vocais e musicais que foram apreendidos durante o ensaio.

2.4.3 Finalizando o Ensaio

Nos minutos finais, é extremamente saudável tratar de exercícios como o bocejo e o relaxamento, dando à voz um tempo para voltar ao normal. Nos referimos ao desaquecimento vocal, que é muito pouco abordado pelos autores especializados em voz. O objetivo desta prática “é fazer com

43

que o profissional retorne ao ajuste fono-respiratório da voz coloquial” (Mota 1998 p.10). Em sua monografia apresentada ao CEFAC, Mota relata que o desaquecimento é tão importante quanto o aquecimento. É o momento em que se promove o relaxamento da musculatura vocal para que se retorne a voz falada, evitando o risco de praticar abusos após o cantar. Ele (1998) fala sobre vários autores que admitem reservar cinco ou dez minutos após a pratica do canto para estes tipos de exercícios. Segundo estes autores, são atividades de relaxamento da musculatura cervical, e atividades vocais leves, incluindo o silêncio. Concluímos, então, que o ensaio é o momento no qual acontecem tanto a socialização, quanto as práticas de ensino e aprendizagem, sendo que para este trabalho a ações do ensaio são os elementos mais importantes da vivência coral. Winold e Robinson comentam que as relações humanas dos momentos práticos e o incentivo ao bom relacionamento dos cantores melhoram a moral e o espírito do grupo melhorando, conseqüentemente, sua motivação. O grupo coletivo e as relações interpessoais constituem o contexto social do qual estamos tratando. A coletividade que se apresenta aqui tem influência decisiva no processo de ensino.

2.5 A INFLUÊNCIA DO COLETIVO NO PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO

Partindo da idéia de que pelo fato do coro ser uma atividade coletiva, se torna, assim, um verdadeiro fenômeno social, se faz necessário verificar como a ação coletiva influencia o processo de aprendizado. Na visão sócio-histórica, que tem como seu representante Vygotsky, o aprendizado e o desenvolvimento necessariamente precisam do coletivo para acontecer plenamente. Rego (1995 p. 92), ao analisar estas idéias, escreve que:

44 Nesta perspectiva, a premissa é de que o homem se constitui como tal através de suas interações sociais, portanto, é visto como alguém que transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura. É por isso que seu pensamento costuma ser chamado de sócio interacionista.8

Oliveira (1998 p. 73 - 79) ao comentar a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento, diz que os elementos de percepção atenção e memória, embora sejam mecanismos que se apóiam em condições orgânicas, precisam do meio social e da relação com a cultura para se aprimorarem. É através deste pensamento sócio interacionista que faremos a análise do processo educacional envolvido na prática coral. Este tipo de processo do qual estamos falando tem como foco o grupo como um todo e não apenas o regente ou o aluno, ou seja, as relações passam a assumir o papel de protagonista no processo de descoberta coletiva. Esta aprendizagem acontece de forma similar em diversas áreas da vivência humana, fazendo-se possível a correlação com a assimilação e o desenvolvimento das habilidades musicais aqui inseridas. Várias destas habilidades às quais nos referimos, de alguma forma, fazem parte do nosso dia a dia, tanto de maneira orgânica, como é o caso do ritmo, quanto na vivência informal, contemplando aqui a melodia e a harmonia. Cabe ao grupo descobrir formas de manipular estes elementos musicais que, em uma situação cotidiana, mal chegam á percepção consciente da pessoa. É o caso das músicas escutadas no rádio, quando não existe uma escuta consciente e direcionada. Um dos objetivos do canto coletivo é tornar conscientes estas sonoridades “diárias”. Para isso, o relacionamento do sujeito com o objeto, contemplado pelas idéias de Piaget, e sujeito com outro sujeito, tratado nos estudos de Vygotsky, são fundamentais para o aprendizado. É consenso nas proposições construtivistas que o aluno deva ser ativo e vivenciar os conceitos a serem construídos para poder assimilar o conhecimento e assim devolve-lo, de forma modificada, ao seu ambiente, transformando assim o seu meio social. 8

Grifo contido no texto

45

Fazendo uma conceituação do que seria o processo de assimilação, podemos dizer que para Piaget ocorre quando o indivíduo capta os estímulos do ambiente, podendo tanto imita-los simplesmente ou trabalhar com o objeto de forma mais complexa, reconhecendo e gerando abstrações a partir do mesmo. Já para Vygotsky, não podemos falar de um ato de assimilar conteúdos, como em Piaget. A imitação não é meramente mecânica, mas associada ao processo de desenvolvimento, sendo uma forma de recriação de algo que o sujeito não possui.

Vygotsky não toma a atividade imitativa, portanto, como um processo mecânico, mas sim como uma oportunidade de a criança realizar ações que estão além de suas próprias capacidades, o que contribuiria para seu desenvolvimento. (Oliveira, 1998 p.63)

A imitação também é essencial para o processo de assimilação intrapessoal, ou seja, através da apropriação de atitudes e coletivo é que a ação compartilhada é internalizada, sendo assim assimilada.

O processo de internalização é fundamental para o desenvolvimento do funcionamento psicológico humano. A internalização envolve uma atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna, é interpessoal e se torna intrapessoal. (Zacharias 09/02/2007)9

Ao analisar o desenvolvimento na criança, Vygotsky (1998 p. 75) escreve que:

Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro ao nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre

9

Grifos do autor

46 pessoas (interpsicológica), (intrapsicológica). 10

e,

depois,

no

interior

da

criança

No campo da música coral, o aprendizado também ocorre tendo a imitação como um fator importante para os procedimentos e através desta ocorre a assimilação, passando pelas fases descritas por Piaget, no que se refere à relação cantor e conteúdo musical. Ramos e Mariano (2002) no trabalho apresentado a ABEM sobre a imitação no ensino do instrumento afirmam que:

A imitação na musicalização formal reitera a idéia do fazer musical como base para a construção do conhecimento, favorecendo a prática da improvisação e, conseqüentemente, da criação.

Estes autores colocam que ela possibilita ao aluno executar elementos que por si só não conseguiria, transcendendo, assim, a si mesmo. Porém, para que esta educação musical se concretize, a ação do coletivo, onde o sujeito recria as situações colocadas tanto pelo maestro quanto pelos colegas e socializa os resultados das assimilações, é fundamental para o desenvolvimento musical dos coristas.

Em Educação Musical este conceito pode ter toda a pertinência na medida em que perspectiva o desenvolvimento no decorrer da ação musical em que ele vai tendo lugar, em narrativas construídas e negociadas entre pares e adultos, valorizando diferentes protagonismos e, sobretudo, avaliando o funcionamento interpsicológico e não apenas o desenvolvimento na relação do indivíduo consigo mesmo. (Motta, 2003)

10

Itálico contido no texto

47

Colocamos agora o coletivo como fator essencial para o aprendizado musical, tendo por base a idéia de que através “de sua interação com os membros de seu grupo e de sua participação em práticas sociais” (Rego 1995 p. 55) o adulto individual assimila os conteúdos musicais aqui compreendidos. Para qualquer tipo de aprendizado, formal ou não formal, onde o aluno, ou cantor, se põe como elemento ativo na construção dos conceitos, a relação com o outro é de importância singular. Smolka e Laplane (2005), ao escreverem sobre a aprendizagem humana através de uma perspectiva Vygotskyna, explicam que:

As ações apreendidas, ou a apropriação de ações especificamente humanas, começam a fazer parte de um sistema funcional e vão gerando e integrando novos sistemas, criando novas condições e possibilidades de ação. (...) Nesta perspectiva, as formas de relação social, os meios/modos de produção e os produtos resultantes das (inter)ações afetam organicamente – corporalmente, cerebralmente – os homens em sua atividade prática e constituem o funcionamento mental – os modos de sentir, pensar, agir, conhecer – sempre em (trans)formação. São portanto, essenciais ao desenvolvimento humano

Um exemplo disso são os vários relatos de experiências até aqui apresentados, tanto nos coros de empresa da dissertação de Teixeira (2005), quanto em experiências de ensino de música como a descrita por Ruiz (2005). Dentre as idéias acerca do desenvolvimento expressas por Vygotsky (1998), a ação coletiva é fundamental para a formação do ser humano. É através desta que o homem é capaz de amadurecer suas funções cognitivas, ou quando criança é capaz de aprender interagindo com adultos mais experientes. É através da relação dialética entre as pessoas que o conhecimento cultural, formal ou popular se constitui. No caso do canto coral, vale a idéia de que é através do grupo que o cantor se desenvolve. Analisando as minhas práticas de ensaio, posso dizer que não é apenas quando passo a instrução para os coristas que o aprendizado de consolida, isto é apenas um ponto de partida.

48

Para que aconteça, o aprendizado deve passar por diversas etapas, como a imitação e a discussão, construindo as habilidades e conceitos que se tornarão ferramentas a serem utilizadas posteriormente. Porém, se o ambiente do coro não estiver aberto à discussão e diálogo entre todos os integrantes do grupo, o processo não acontece plenamente. Esse processo de discussão passa pela mediação dos símbolos (tanto lingüísticos quanto musicais) e do outro, já que os seres humanos constroem seus conceitos culturais pela mediação destes elementos. Tendo por base o fato de que no coro é através das relações sociais que o cantor se desenvolve musicalmente, poderemos explicar melhor como isso acontece verificando a função do outro nos processos individuais de aprendizado. É do senso comum que desenvolver o canto meio a algum grupo é mais producente do que de forma individual. Isso se dá porque no corpo coletivo cada integrante assume o papel de facilitador da atividade educativa. Podemos dizer então que em um aprendizado que prioriza as interações dialéticas como protagonistas desta situação, a construção coletiva tende a influenciar o desenvolvimento pessoal. Oliveira (1998), ao debruçar sobre o desenvolvimento e aprendizado na criança através do ponto de vista de Vygotsky escreve que:

“A intervenção de outras pessoas – que, no caso específico da escola, são o professor e as demais crianças - é fundamental para a promoção do desenvolvimento do indivíduo.”

O processo de diálogo no qual se deve caracterizar um ensaio, justifica a importância do outro como mediador. No aspecto estético, o timbre do grupo se forma e se torna único devido a esse diálogo entre as vozes.

Um coro compõe-se de muitas vozes, dos mais diversos elementos, com características as mais contraditórias. Justamente, por esse motivo, é que é tão importante que haja uma educação da voz para unificar as

49 discrepâncias vocais dos cantores. Esta educação faz com que o coro adquira a sua sonoridade característica, seu timbre especial e potência sonora. (Zander, 1979, p. 204)

Neste caso, Zander coloca a unificação das vozes como um dos objetivos do canto coral, apreciamos, porém, que para este trabalho a idéia vai mais longe. O canto coletivo, no que se refere à constituição sonora do grupo, tem a finalidade de produzir uma sonoridade homogênea e capaz de se adaptar de acordo com o repertório escolhido.

(...) acredita-se firmemente que o trabalho de variação sonora é possível e de grande importância para a performance de repertórios diversificados, já que os diferentes estilos requerem diferentes sonoridades. (FERNANDES, KAYAMA, ÖSTERGREN, 2006 P. 38)

Adaptar-se ao repertório escolhido não significa aqui deixar de adequá-lo às necessidades do grupo, mas, ensinar o grupo a explorar sua capacidade vocal a ponto de poder produzir sonoridades diferentes frente a estilos musicais diferentes, ou seja, vivenciar formas de produção variadas. Para tal, a relação dialética entre os integrantes do grupo é de fundamental importância, principalmente quando se considera que a sonoridade do coro não é uma mera somatória de vozes unificadas, mas uma troca que ocorre entre estes timbres diversos e as personalidades variadas do grupo. Motta (2003) coloca a diversidade dos alunos como um elemento inevitável em uma situação de ensino em um grupo. Se bem aproveitada pelo professor, provém seu trabalho de grande enriquecimento das relações e dos alunos na sala de aula. Isso acontece porque todos os integrantes do corpo coletivo se tornam mediadores dos processos envolvidos nas atividades. Na concepção de Vygotsky, quando é apresentado ao indivíduo um problema que sozinho ele não é capaz de resolver, recorre-se à assistência de outro e através desta se chega a uma solução que influenciará o sujeito. Logo,

50

posteriormente, esta atividade será internalizada e assimilada, transformando-se em aprendizado que será a base para atividades mais complexas. Desta forma é que os companheiros do grupo facilitam a construção dos conceitos musicais e a constituição desta prática artística. O canto coletivo tem como proficuidade o fato de que o corista aprende imerso a outros de diferentes níveis através da troca de suas experiências. Para que essa troca ocorra, temos um outro elemento que, segundo os construtivistas, exerce fundamental importância como mediador das partes da ação interacionista. Estamos falando do signo e das abstrações conceituais. No aprendizado de técnica vocal, estes elementos se fazem necessários principalmente pelas características do aparelho fonador e do que é produzido através deste. Embora a voz não seja um fator palpável fisicamente, é de grande expressão sensitiva, porém, para que o cantor tenha contato com essas sensações de forma consciente, é necessário que ele tenha conhecimento de como elas funcionam em seu organismo. O ato de atribuir imagens mentais para exemplificar o funcionamento da voz é uma forma de trazer um resultado através da abstração de elementos que embora não façam parte do trabalho de técnica vocal, seu significado ajuda a compreensão das idéias que estão sendo exploradas. É apenas uma das formas em que o signo pode virar um instrumento de facilitação do trabalho coral. O grupo tende a criar símbolos e para que através destes se torne possível universalizar idéias possibilitando assim o debate e a confrontação de experiências. Para Vygotsky, é através do signo que o sujeito é capaz de socializar os conceitos apropriados o ambiente de ensino, criando assim novas abstrações e ferramentas cognitivas.

Em sua atividade prática e produtiva, o homem cria instrumentos psicológicos, não orgânicos, como os signos e a linguagem, que são formações históricas e funcionam, ao mesmo tempo, como meio de comunicação e modo de operação mental, possibilitando que a experiência humana seja significada, partilhada, refletida e conservada no nível social e individual.(Smolka e Laplane 2005 p. 78)

51

A partitura é em si um conjunto de símbolos que servem para transmitir uma idéia. Essa simbologia é convencionada e faz parte das aquisições culturais da sociedade ocidental. É verdade que no século XX se tornou muito subjetiva fazendo com que não apenas exprimisse uma idéia mas servisse de inspiração para a criação do próprio intérprete. É o caso da obra aberta, onde a simbologia é subjetiva e necessita da criatividade do músico que a executa para poder virar som. No caso do canto coral, a escrita musical é bem vinda quando facilita o aprendizado, promovendo ao cantor uma simbologia que lê ativa as funções práticas como a memória. A memória, o ritmo e a atenção se enquadram aqui na idéia do sócio-interacionismo pois, embora sejam funções orgânicas, sem a medição do meio não se desenvolvem. Podemos dizer que a escrita para nós é um aprendizado posterior sendo vinculado à vivência musical, ou seja, acontece a medida que o cantores vão descobrindo sua musicalidade e sentindo a necessidade de usar uma simbologia escrita para resolver questões ligadas a sua prática. E no caso da escrita convencional, esse aprendizado acontece quando os coristas sentirem a necessidade de se apropriar desta linguagem escrita típica da cultura do contexto no qual se inserem. Figueiredo (1999 p. 33) comenta sobre o aprendizado da leitura musical que:

O coral é uma atividade eminentemente prática. Toda a informação teórica, histórica ou estética só terá sentido quando facilitar a aprendizagem musical.

52

Para este autor a iniciação do coralista na leitura musical só deve vir em função de uma prática, sendo assim, postula que “saber notas musicais ou enumerar valores musicais não é garantia de conhecimento musical”.

Conhecimento musical básico para o corista deve incluir o conhecimento da simbologia comum e de notação musical, a habilidade de traduzir esta simbologia em música através da performance vocal, e uma compreensão dos princípios gerais do ritmo, afinação, harmonia, textura timbre e forma.(Winold, Robson 1992 p. 207)11

Para que se alcance os objetivos colocados na citação acima é necessário que esta simbologia e estes conhecimentos sejam criados a partir da prática coletiva que é propiciada pelo coro. Em outras palavras, a vivência musical e o desenvolvimento das habilidades ligadas à percepção, à auto descoberta da musicalidade do corista e o incentivo à curiosidade do sujeito, levarão o mesmo à necessidade de aprender sobre os conhecimentos musicais que foram convencionados através do tempo e só então o conhecimento formal da linguagem e da escrita musical se tornará possível.

11

Tradução do autor

53

3 CONCLUSÃO

Todos os elementos estudados no decorrer da pesquisa têm sua importância e seu papel na construção do conhecimento, porém, foi verificado aqui que a inter-relação entre eles na situação coletiva é que vai determinar a qualidade dos resultados do trabalho. Aprecia-se então que a idéia de construção de um conhecimento transcende a relação que o sujeito tem com o objeto, principalmente, se as abstrações e o desenvolvimento cognitivo acontecerem sempre através de interações sociais, tal como postula Vygotsky. As apropriações culturais acontecem tendo o meio como ponto de partida, sendo que, o conhecimento se concretiza quando retorna e modifica o ambiente em que está contextualizado. No meio musical, existem algumas discussões, principalmente acerca da prática de música em conjunto, que tende a confirmar esta idéia. Autores como Figueiredo (1999), Robinson e Winold (1992) e Mathias (1986) comentam que a prática coral é um momento no qual as vivências musicais se enriquecem à medida em que vão sendo compartilhadas. Aqui, o regente não é apenas o condutor da música ou do grupo, mas também aquele que dirige todo um processo de educação musical e que tem que prover aos coristas as condições necessárias para a troca dessas experiências. Estas condições implicam também em ferramentas facilitadoras dos processos como a técnica vocal e a escrita musical. A técnica vocal é necessária por uma questão de manutenção da saúde do aparelho fonador e domínio do instrumento que se “toca”, no nosso caso, a voz. A escrita musical, porém, é apreciável quando aparece em função da prática, agindo como um facilitador da ação dos integrantes do grupo em relação a obra a ser cantada. É fundamental entendermos como se dá o processo de mediação considerando que neste tipo de prática há vários “pontos de vista”, ou seja, como o canto coral se dá através das relações do coletivo, em algum momento todos os elementos do coro se tornam mediadores do trabalho.

54

Foi possível então perceber que quando vários sujeitos se relacionam, impulsionam, através das interações entre si, a aprendizagem que contribuirá para o desenvolvimento pessoal. O maestro na visão de Cunha (2006) tem o papel de trazer para o corista as condições necessárias para uma prática que, através do diálogo, conduza o cantor a uma autonomia musical. É a idéia do esclarecimento, que acontece via o debate e o confronto de diferentes modos e vivências acerca do assunto. No nível vocal, ocorre uma busca em conjunto por um som que esteja, para o padrão dos alunos, na qualidade necessária para a execução do estilo que eles se propuseram fazer. Esta busca vai se tornando cada vez mais complexa e uma das conseqüências disso é que o aluno adquire parâmetros cada vez mais sofisticados para a sua prática, sendo que um destes parâmetros deve ser o próprio regente. É neste momento que a sonoridade característica de cada coro se forma. O grupo se espelha nas atitudes do professor e acaba tendo-o como exemplo que media a sua prática. Com base nisso é que incorporamos a idéia de que o regente deve ter uma intimidade com a técnica vocal e com a sua própria voz (Fernandes, Kayama, Östergren, 2006),. O exercício da produção vocal, quando bem trabalhado, contribui para a compreensão de diversos estilos e experiências musicais, ou seja, quando o cantor consegue dominar o seu aparelho fonador de forma a produzir timbres e articulações variadas, permite experimentações e a inserção nos mais diversos estilos musicais. É desta forma que a técnica vocal é tanto um instrumento facilitador para os cantores, quanto para o regente que precisa dela para ensinar. Portanto, podemos dizer que o processo do qual estamos falando começa, como coloca Vygotsky, a partir de uma interação com ou meio social, que no nosso caso são os coristas. Esta interação é conduzida pelo regente, que é aquele em quem os cantores se espelham, tendo, também, a tarefa de criar condições para que exista um ambiente propício à troca e ao diálogo. O maestro guia os coristas no processo de sua auto descoberta como seres musicais, ampliando, assim, a sua percepção musical, o ouvido interno,

55

as concepções acerca desta arte e também, como Koellreutter comenta, a visão de mundo do estudante. Isto gera o que chamamos de aprendizado musical, que quando exteriorizado, é modificado na medida em que entra em contato com outros conceitos construídos, até que se transforme em um processo interno, sendo utilizado então como uma ferramenta que facilitará a construção de outros conceitos musicais mais complexos. Tendo esclarecido este processo, no qual todas as partes se interligam e influenciam dialeticamente umas às outras, podemos então enumerar algumas atitudes que são saudáveis para a prática coral. A primeira delas é descobrir o que motiva o grupo a cantar. A princípio, um ensaio dinâmico gera interesse da parte dos coristas, portanto, é preciso saber equilibrar o tempo de duração das atividades propostas. Motivar implica em trazer para a situação de ensino um repertório que seja empático ao grupo, contextualizando suas ações de forma a melhorar a relação entre os cantores e a peça. O maestro deve, então, aprender a observar os alunos para que extraia destes os elementos que possibilitarão o ensino, principalmente para que a compreensão dos conteúdos aconteça de maneira sustentável. Vygotsky coloca que é necessário partir do contexto do aluno para que se construam novos conceitos. Na educação musical, Koellreutter coloca que é preciso apreender do aluno os conteúdos que deverão ser ensinados. Este tipo de atitude tem uma ação direta na motivação, atraindo o aluno para a atividade através do interesse que lhe é gerado, possibilitando o agir da curiosidade sobre os conteúdos. Combinando esta curiosidade com a criatividade do cantor é que conseguimos fazer com que este se torne ativo neste processo de ação conjunta de educação musical. O cuidado com a voz implica aqui em atenção ao que se exige do grupo, aquecimento vocal, por exemplo, não é o momento de mostrar virtuosismo, mas quando se prepara o indivíduo para o uso prolongado da voz cantada. É de extrema importância que a técnica vocal seja aplicada no decorrer de todo o ensaio, sendo que nos diferentes momentos se tem focos variados, gerando assim a ligação da parte técnica e teórica com a ação musical

56

propriamente dita. Podemos dizer então que a técnica vocal deverá se transformar em uma ferramenta que preserve a saúde do aparelho fonador e que possibilite a manipulação e vivência dos elementos musicais. È necessário que o maestro regule os seus gestos e a sua metodologia a fim de facilitar a compreensão do estudante de música, permitindo-lhe aprender a se expressar criativamente. O gestual do regente é uma forma de aprimorar a comunicação, melhorando a compreensão acerca dos elementos musicais que estão sendo executados. Concluindo, o coletivo age profundamente no desenvolver e na transformação da musicalidade do cantor enriquecendo as experiências musicais do grupo. Quando o professor, ao planejar seu ensaio, prioriza um conjunto de atitudes que favoreçam a relação dialética entre todos os constituintes do coletivo, faz com que o processo de musicalização se torne mais interessante, motivador e, conseqüentemente, mais profundo, levando ao esclarecimento ao invés da mera reprodução de idéias. Este resultado é percebido nas performances do coro. O grupo se tornará mais flexível e elementos como a afinação, percepção, consciência rítmica e a harmonia do grupo estarão devidamente assimilados possibilitando uma melhor apresentação.

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