Paradigmas Epistem Invest Educ.doc

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IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DA DESAFIO TEÓRICO PARA O PESQUISADOR.

INVESTIGAÇÃO

CIENTIFICA:

Antônio Joaquim Severino Uninove/Feusp Introdução A investigação no campo educacional envolve necessariamente domínio dos paradigmas epistemológicos pressupostos no processo de construção do saber científico 1. Isso exige do pesquisador especial atenção a seus referenciais teorico-metodológicos quando do exercício de construção do conhecimento dos objetos de sua área. Esta a razão intrínseca da presença, nos cursos de pós-graduação, de disciplinas com este perfil, que apresentem as principais vertentes da epistemologia, mediante a explicitação de sua gênese e constituição historicofilosófica, mediante a apresentação de sua contextura teórica e mediante a análise crítica de seu alcance propriamente epistemológico, sempre visando avaliar seu significado e contribuição no contexto científico atual2. Epistemologia é tomada aqui como área da Filosofia que estuda os processos do conhecimento humano, tanto do ponto de vista descritivo como do ponto de vista crítico. Trata-se de saber como se dá o conhecimento humano, qual é o seu alcance e seu valor e até que ponto ele nos dá a “verdade”, em todas as suas formas de manifestação. É chamada também de Gnoseologia ou Teoria do Conhecimento. Assim, os diferentes sistemas filosóficos, coerentemente com seus pressupostos básicos, trazem em seu bojo, uma concepção do conhecimento humano. (VAN RIET, 1960; PIAGET, JAPIASSU, 1977) Este sentido geral de Epistemologia distingue-se pois do significado mais restrito que o termo assumiu, em vários setores culturais e acadêmicos, como “disciplina científica encarregada de estudar apenas o próprio conhecimento científico”, como se fosse uma teoria científica da ciência, uma meta-ciência. (PIAGET, 1973; 1990; OLIVA, 1990) Parte-se então do entendimento de que o conhecimento e o domínio do referencial teóricofilosófico que marca o contexto científico-cultural da atualidade são imprescindiveis para o desenvolvimento de trabalhos mais rigorosos e profundos de investigação, análise e reflexão, tanto no campo das Ciências Humanas, em geral, como no campo das Ciências da Educação, em particular. Com efeito, a prática da pesquisa e da ciência implica sempre uma articulação do lógico com o real, do sujeito com o objeto, do teórico com o empírico, e, consequentemente, dos dados objetivos com categorias teóricas. Só a teoria pode conferir significação científica a dados empíricos. Se esta exigência compromete a concepção da ciência como um simples ajuntamento de dados, compromete igualmente uma concepção puramente subjetivista da teoria científica. É por isso que o substantivo da discussão epistemológica é essa relação sujeito/objeto. Assim, o pesquisador em educação não pode escapar ao desafio teórico. A

1

Paradigma é tomado, neste ensaio, como um conjunto articulado de conceitos e categorias, cujas relações internas fornecem elementos explicativos dos objetos do conhecimento, assegurando coerência e consistência teóricas na explicitação dos significados construídos. 2

Embora as considerações aqui avançadas tenham a ver com a construção do conhecimento no âmbito das ciências, em geral, o ensaio enfoca as pressuposições da pesquisa no campo das Ciências Humanas e, particularmente, no campo educacional, campos em que a exigência de referências paradigmáticas epistemológicas se apresenta de forma mais explícita e direta. Daí a razão de se enfatizar o ambiente dos cursos de pós-graduação em educação, lugar por natureza destinado à formação de pesquisadores da área educacional.

2 ciência não se faz apenas pelo domínio e aplicação de um instrumental técnico e metodológico nem pelo amontoar de dados e informações. É assim que todo trabalho de pesquisa e de reflexão, a ser desenvolvido na atualidade sobre problemática relevante e com a devida fundamentação teórica e rigor científico, pressupõe necessariamente um recurso ao universo conceitual da Filosofia. Não é viável um trabalho científico de nível, como aqueles que se espera de uma produção pós-graduada, sem um adequado tratamento teórico dos vários aspectos implicados nos temas/problemas pesquisados. Qualquer que seja o objeto de estudo e pesquisa de uma dissertação ou tese, o pós-graduando se verá desafiado para um debate cujas coordenadas de referência vão além dos enfoques técnicos e de conteúdos restritos de sua especialidade. É que, no trabalho científico, na medida em que o tratamento das várias questões vai se aprofundando, vai se impondo igualmente uma abordagem mais radical e mais abrangente dos problemas. Esta dimensão de radicalidade e de universalidade faz romper os limites epistemológicos próprios de cada área de especialização científica, fazendo surgir a exigência de uma discussão de natureza interdisciplinar, no âmbito da fundamentação e da significação filosóficas do conhecimento humano, exercitado nas várias áreas do saber. E nesse momento não é mais possível passar ao lado das contribuições mais significativas representadas pelas várias vertentes da epistemologia contemporânea. O ensino superior brasileiro, quer na sua estruturação curricular, quer na elaboração dos conteúdos programáticos das disciplinas, de modo geral, não dá o necessário espaço para a relevante e necessária contribuição da Filosofia, manifestando, em sua prática real, não considerar como realmente significativo o seu papel na formação técnica, científica e cultural dos estudantes. Esta situação tende a se reproduzir também no âmbito da pós-graduação, por força inclusive da tendência equivocada à hiper-especialização e até mesmo da infundada crença implícita de que os elementos fundamentais do referencial filosófico já são de domínio de todos os pós-graduandos. Todavia, tal pressuposição não se sustenta. Na maioria das vezes, na medida em que o aluno vai sentindo a necessidade e a importância dos subsídios filosóficos, ele busca suprir suas lacunas através do estudo pessoal, mediante leituras e discussões tangenciais ensejadas pelo conteúdo de uma ou outra disciplina de seu currículo ou mesmo de cursos extra-curriculares. É importante ressaltar que a formação filosófica é de interesse universal, ou seja, ela é necessária para todas as áreas do saber, não se tratando de uma especialização ao lado de outras: o equacionamento filosófico perpassa todos os tipos e campos de conhecimento. Infelizmente não vai nesta linha a tradição universitária brasileira que reserva pouco espaço à formação filosófica dos especialistas e profissionais das várias áreas. As raízes modernas das grandes tradições filosóficas... A civilização e a cultura ocidentais da atualidade ainda se encontram, do ponto de vista filosófico, sob o impacto da revolução epistemológica que inaugurou a modernidade. Trata-se esta da grande conquista representada pela razão iluminista frente ao dogmatismo praticado pela razão metafísica clássica, apoiada na e pela cosmovisão teológica medieval. A Idade Moderna assistiu, então, à emergência e à afirmação da autonomia da razão natural, à superação do teocentrismo medieval pelo antropocentrismo moderno bem como a todas as consequências derivadas da fecundidade de tão poderoso instrumento: de modo particular, a ciência e a técnica que transformaram a própria face da civilização humana3. 3

Para além das obras de História Geral da Filosofia e dos textos dos filósofos clássicos, o estudo dos paradigmas epistemológicos pode ser ampliado e aprofundado recorrendo-se a fontes específicas, das quais registro algumas acessíveis em nosso meio (Carvalho, 1989; Oliva, 1990; Japiassu, 1977;

3 Da instauração da modernidade até os dias de hoje, o que se assistiu foi a grande escalada da razão iluminista que se pretende também poder demiúrgico, base que é de tão grande revolução tecnológica que tem permitido aos homens manipular radicalmente a realidade material do mundo. O pensamento ocidental contemporâneo, hoje quase que universalizado, em todas as suas formas de expressão, ainda continua vinculado e dependente da revolução epistemológica da Idade Moderna, em que pesem as expressivas tentativas de superação do projeto iluminista que, como se verá, já se fazem também presentes na atualidade. Mas as várias tentativas de revisão crítica de suas pretensões ainda não conseguiram infletir a rota de afirmação do poder ilimitado da consciência objetiva, tanto no sentido da representação do mundo quanto naquele de domínio e manipulação da realidade. Evidentemente, as formas de manifestação e afirmação da racionalidade se alteraram no decorrer da história dos últimos cinco séculos, mas cada etapa dessas alterações, apresentadas muitas vezes como momentos de superação das anteriores, não chegam a questionar o substantivo do desempenho racional; ao contrário, antes reforça e sofistica seu poder. Assim, tendo como pano de fundo, a expressão metafísica da filosofia antiga e medieval, com sua teoria do conhecimento fundada na crença de que a consciência tem recursos adequados para traduzir fielmente a realidade que lhe é externa e objetiva, pode-se caracterizar a revolução epistemológica moderna como contraponto a essa epistemologia essencialista. A epistemologia moderna se inicia com a percepção, pelos pensadores da época, da independência, da autonomia e do poder de atividade subjetiva da razão em constituir o mundo e o real. Não é mais o sujeito que gira em torno do objeto, querendo captar o seu sentido, que está lá desde antes da intervenção do sujeito, mas, ao contrário, é o objeto que obtém até mesmo a sua possível condição objetiva, da intervenção da subjetividade. As conquistas do idealismo cartesiano e do empirismo sensista já prenunciavam a quebra de todas as limitações ao poder absoluto da razão que será consagrado no criticismo iluminista de Kant e no idealismo absoluto de Hegel. A evolução do racionalismo moderno, do Renascimento até Hegel, cria as condições para que a razão alcance, com seu poder explicativo, todos os diversos aspectos da realidade do mundo natural e do mundo social. Mas a expressão da epistemologia moderna assume uma tríplice orientação, cada uma delas constituindo o vetor central de uma tradição. Pelo que representa em originalidade, pode-se afirmar que a primeira forma de expressão da epistemologia moderna é aquela representada pelo positivismo, sustentação da tradição positivista, uma vez que ela é o primeiro fundamento da metodologia da ciência, resultado primicial da revolução epistemológica moderna. O positivismo, sempre vinculado aos êxitos da ciência, da técnica e da indústria, continua referência insuperada do debate teórico contemporâneo. Ainda quando perde suas simploriedades dogmáticas, reafirma-se mediante novas formulações mais sofisticadas como, por exemplo, no neo-positivismo, no transpositivismo e no estruturalismo. Esta tradição marca também a pretensão da razão em passar do modelo explicativo das Ciências da Natureza para o modelo explicativo também no campo das Ciências Humanas. Constituiu-se, ao longo da modernidade, partindo do intelectualismo cartesiano e do empirismo inglês, informando a postura metódica e sistemática dos inauguradores da ciência, apoiando-se em Kant e consolidando-se com Comte. A prevalência da ciência como instância revolucionária e inovadora da cultura ocidental garante uma legitimação recíproca entre ela e o positivismo, cuja epistemologia se vangloria do próprio êxito, tal o potencial explicativo da ciência e o poder demiúrgico da tecnologia, dela decorrente. Herdeiro longínquo do naturalismo emergente na modernidade e do Severino, 2011)

4 empirismo inglês do início da era moderna, sustentado pelo iluminismo crítico kantiano, o positivismo pretende-se teoria universal do conhecimento humano, proposta explícita de Comte. Só a ciência é conhecimento verdadeiro, restando à Filosofia apenas uma tarefa epistemológica. A física newtoniana é conhecimento verdadeiro porque aplica rigorosamente os pressupostos da epistemologia kantiana. Por isso mesmo, o real se esgota na natureza material, magnífica máquina que funciona eternamente da mesma maneira, governada que é por ferrenho determinismo, que se expressa pelas imutáveis leis científicas. Mas a afirmação da epistemologia positivista, fundante da ciência ao mesmo tempo que é por ela referendada, não impediu que a perspectiva subjetivista permanecesse reforçada na Idade Moderna. O idealismo subjetivista que desencadeia a revolução epistemológica da modernidade, ao mesmo tempo em que abre as novas sendas que serão caminhadas pela ciência, consolida-se como uma nova epistemologia, de matiz inatista e intelectualista, fornecendo alicerces para a tradição subjetivista que perfaz uma fecunda e poderosa trajetória que vai de Descartes a Hegel, passando por Kant. Pode-se então falar igualmente dessa tradição subjetivista, que se desenvolve ao lado da tradição positivista, tendo com ela uma mesma origem: a razão. A tradição subjetivista se configura pela afirmação intransigente de que o sujeito é a fonte não só do processo do conhecer, mas também de sua validade. O sujeito tem total prioridade no ato do conhecer. Os subjetivistas modernos, além de uma epistemologia idealista, acabam construindo igualmente uma ontologia idealista, mas de perfil gnoseológico, ou seja, o ser é fundado na própria condição do conhecer. Hegel (1994), com seu pensamento totalizante e vigoroso, abrirá a via para uma terceira tradição, a tradição dialética, que marcará a filosofia moderna, já em sua fase mais amadurecida. Resgatando Heráclito do ostracismo cultural e do esquecimento histórico a que a opção parmenídea da filosofia ocidental o havia lançado, Hegel reintroduzirá no pensamento e no ser a dimensão da temporalidade, da historicidade, do movimento e da transformação, perspectivas a que a metafísica clássica, a ontologia idealista e a própria ciência moderna eram refratárias. Do mesmo modo que o ser, o conhecer se dá também num processo intrinsecamente histórico. Por isso, Hegel vê o real como uma entidade total única que não é, mas que devém, num permanente processo de autoconstituição em que a transformação se dá por uma força interna conflitiva, a que designa como dialética. As mudanças a que está submetido o real decorrem das forças contraditórias que o atravessam, provocando sua permanente transformação, até que se feche um círculo processual que se afirma inicialmente como Idéia, se nega totalmente, transformando-se no seu contrário, a Natureza que, por sua vez, negando-se e recuperando a Idéia, se transforma em Espírito. Esta tríade fundamental Idéia/Natureza/Espírito, respectivamente tese, antítese e síntese, representa os estágios necessários para que o ser uno se constitua, se reproduza em todas as suas figuras, pondo as diversas figuras e gerando assim a historicidade do real. A modernidade filosófica se constituiu do desenvolvimento e dos desdobramentos destas três grandes tradições, avançando rumo à contemporaneidade que, em termos filosóficos, é resultante desse processo. Mesmo em seus ensaios de crítica e superação dessa caminhada, ainda ressoa esse legado. Na contemporaneidade, em decorrência do próprio desenvolvimento da filosofia, vão se constituir várias perspectivas do modo de se conceber a relação sujeito/objeto, dando origem a múltiplos paradigmas epistemológicos. A tradição positivista e seus paradigmas epistemológicos Desse modo, podemos identificar hoje tendências epistemológicas que embora reconhecendo a reciprocidade entre as intervenções do sujeito e do objeto no ato do conhecimento, procuram sustentar a tradição positivista. É o caso das vertentes vinculadas ao

5 transpositivismo, ao neo-positivismo e ao estruturalismo. Como se sabe, o positivismo é uma expressão da filosofia moderna que, como o próprio nome o diz, entende que o sujeito “põe” o conhecimento a respeito do mundo, mas o faz a partir da experiência que tem da manifestação dos fenômenos. Entende que o mundo é aquilo que ele se mostra fenomenalmente, a apreensão de seus fenômenos sendo feita através de uma experiência controlada, da qual são eliminadas as interferências qualitativas. Daí a única forma segura de conhecimento ser aquela praticada pela ciência, que dispõe de instrumentos técnicos aptos a superarem as limitações subjetivas da percepção. Tal maneira de ver as coisas acaba levando a pressupostos metafísicos de cunho naturalista, afinal é preciso pressupor a existência de uma natureza que funciona de acordo com leis fixas, imutáveis. Mas os herdeiros contemporâneos do positivismo não querem muito compromisso com esses pressupostos. É assim que os pensadores que vão adotar a perspectiva neopositivista entendem que a única objetividade da qual não se pode mesmo duvidar é aquela da linguagem. À ciência cabe o conhecimento objetivo possível do mundo; à filosofia só resta mesmo cuidar do rigor da linguagem que expressa essa ciência. Daí a tendência das vertentes neopositivistas em cair numa abordagem puramente analítica, ou seja, cuidam apenas das regras lógicas e linguistícas da expressão científica. Tomam como seus precursores mediatos Wittgenstein (1975; 1994) e Bertrand Russell (1978). Entre os expoentes desta tendência, destacam-se os integrantes do famoso Círculo de Viena (Carnap, Schlick,1975), da Escola de Oxford (Ayer,1971) e muitos outros. Para eles, a tarefa que, na visão neopositivista, cabe à filosofia, é apenas a de subsidiar o discurso científico, garantindo-lhe que sua linguagem possa ser uma linguagem formalmente rigorosa. Não cabe à filosofia tratar de qualquer aspecto da realidade, a não ser daqueles relacionados com o conhecimento, de modo especial, com sua expressão linguístico-formal. Por sua vez, os filósofos transpositivistas estão atentos ao caráter histórico da ciência. Também eles privilegiam o conhecimento científico, fiéis que são à tradição positivista, mas não o fazem de maneira dogmática; antes, procuram inserir a atividade científica no contexto de sua produção histórica, social, política e psicológica. Enfatizam então os aspectos psíquicos, sociais e culturais que intervêm na formação dos conceitos e categorias da ciência, para além dos aspectos puramente lógicos e linguísticos que estão envolvidos. Distinguem assim a ordem da descoberta da ordem da exposição4. O estruturalismo forma uma corrente epistemológica que muito marcou as Ciências Humanas, tendo como uma referência fundamental na obra de Claude Lévi-Strauss (1976a; 1976b). Na verdade, teve sua origem mediata nos trabalhos de linguística desenvolvidos por Saussure (2008), ao mostrar que a língua é de fato um sistema de signos que funciona independentemente das intervenções eventuais dos sujeitos. Esta idéia de que a estrutura é um micro-sistema anterior à intervenção histórica dos sujeitos acabou se generalizando para todo o âmbito da cultura, vista como um grande sistema de comunicação, como um grande sistema de signos, portador de suas leis e regras gerais que definem, aprioristicamente, as ações dos sujeitos. A tradição subjetivista e seus paradigmas epistemológicos 4

Nesta linha epistemológica, destacam-se os pensadores Piaget (1969; 1973), Bachelard (1983), Kuhn (1982), Feyerabend (1989). O que caracteriza e especifica esta orientação epistemológica é seu posicionamento em não reduzir a problemática da ciência apenas às questões lógico-epistêmicas, julgando necessário colocar questões de ordem histórica, ética e política. A ciência deve ser vista e analisada como uma entre outras atividades humanas. (Severino, 2011, p. 82).

6 Outras tendências epistemológicas vinculam-se à tradição subjetivista na compreensão da relação de reciprocidade entre sujeito e objeto. É o caso da fenomenologia, da hermenêutica e da arqueogenealogia. A fenomenologia, representada principalmente por Husserl (1986; 2006; 2008) e MerleauPonty (1978), vai referir-se a uma experiência primeira do conhecimento, (a experiência eidética, momento da intuição originária) onde sujeito e objeto são puros polos -noético/noemáticos -- da relação, não sendo ainda nenhuma coisa ou entidade. Pura atividade fundante de tudo que vem depois. A fenomenologia se apresenta fundamentalmente como uma metodologia geral do conhecimento. Mas não deixa de ser igualmente um esforço de hermenêutica da existência humana e, como tal, vai abordar todas as dimensões em que esta existência se manifesta. Sua repercussão filosófica na discussão da temática politico-educacional vem se dando em duas frentes: de um lado, enquanto epistemologia sensível à presença marcante da ciência na cultura contemporânea, vem discutindo o processo e o alcance das Ciências Humanas, buscando, consequentemente, interpelá-las no que concerne ao esforço de desenvolvimento de um projeto antropológico: de outro lado, ao se tornar metodologia filosófica das correntes neo-humanistas existencialistas, subsidia a reflexão ético-antropológica das mesmas. A hermenêutica Intimamente vinculada à fenomenologia, como se fosse um de seus ramos, pode-se identificar uma outra vertente na tradição subjetivista da epistemologia contemporânea, a hermenêutica. Nascida dos trabalhos filosóficos de Dilthey, Schleiermacher, Gadamer, ela se constituiu, em sua versão mais próxima, através do pensamento de Paul Ricoeur (1975; 1978; 1988: 1990). Trata-se de um método reflexivo que se quer desvinculado de qualquer compromisso com o idealismo e com o positivismo. Sua preocupação básica é o esclarecimento do sentido da existência humana, extraindo e interpretando esse sentido graças a um esforço de desmistificação. Busca-se um método de abordagem do homem enquanto dado à consciência, mas não a uma consciência pura, mas a uma consciência inserida no mundo, a uma consciência aberta ao mundo. Mas essa abertura ao mundo e nossa percepção dele precisam ser mediadas, sendo a linguagem a primeira mediação. O real não é apenas aquilo que é visto, mas aquilo que é dito. A linguagem é uma forma simbólica que exprime nossa experiência fundamental não só do perceber, mas também do próprio existir. O homem pensa e existe fundamentalmente num plano de expressão simbólica. O homem é um ser essencialmente simbólico. Assim, ao fazermos uma filosofia da linguagem, estamos fazendo igualmente uma antropologia, esclarecendo o sentido do existir humano, em suas várias dimensões. O sujeito só se manifesta mediante comportamentos simbólicos, sendo necessário decifrá-los para que se possa desvelar o sentido que está oculto, por trás dos sentidos aparentes. É assim que a hermenêutica acolhe as contribuições da psicanálise, do marxismo e do estruturalismo, como ferramentas de decifração. A hermenêutica psicanalítica contribui para desvendar as mistificações e falsidades do sujeito, imerso no inconsciente alienado, num fundo obscuro; a hermenêutica marxista colabora enquanto denúncia das ilusões do sujeito, das armadilhas do coletivo, vítima do enviesamento ideológico. E na metodologia estrutural, a hermenêutica encontrará seu momento de positividade, de análise rigorosa da linguagem e dos demais sistemas simbólicos, embora sem fazer que o significante prevaleça sobre o significado, pois o significante, enquanto estrutura, se distancia do significado, que é da ordem do evento. A arqueogenealogia

7 Cabe dar especial destaque a uma tendência ligada à tradição subjetivista e que vem tendo marcante presença nos dias atuais. Pode-se designar como arqueogenealogia, derivada que é de duas grandes perspectivas da epistemologia contemporânea: a arqueologia e a genealogia. Com efeito, alguns pensadores atuais, assumindo uma posição extremamente crítica com relação ao racionalismo iluminista da modernidade, estão defendendo uma outra dimensão para nossa subjetividade, buscando desidentificá-la da racionalidade pura. Propõem substituir a economia da razão pela economia do desejo, ou seja, priorizar, inclusive na ordem do conhecimento, outras dimensões que não aquela da lógica racional. Falam de uma desterritorialização do sujeito, querendo com isso ampliar os espaços da subjetividade. Tratase então de resgatar outras dimensões da vivência humana, supostamente negligenciadas pelos filósofos modernos, como o sentimento, a paixão, a vitalidade, as energias instintivas. O homem não se definiria mais como animal racional, mas como uma verdadeira máquina desejante5. Na realidade, sua preocupação gira em torno dos caminhos e possibilidades do agir do sujeito, que busca ampliar seu território de autonomia, frente aos múltiplos determinismos que o cercam. Todo um pano de fundo constituido de uma explícita tomada de posição contra todas as formas de sistematização serve de horizonte para esta reflexão arqueogenalógica. Assim, quando aborda os temas educacionais, o faz exclusivamente para denunciar o caráter sistêmico, desumanizador e repressivo dos saberes e dos aparelhos sociais envolvidos. A filosofia arqueogenealógica se propõe a denunciar a cumplicidade saber/poder, articulando o pensamento criativo e contestador com uma prática libertadora, inventando tarefas não previamente definidas. As relações entre os homens só podem se legitimar enquanto servirem para a expansão dos afetos e para a diluição dos poderes. Cotidiano, amor, desejo, relação pessoal, intimidade, singularidade: a revalorização do singular concreto contra a dominação do universal abstrato, normativo, legislador: tais as referências da reflexão arqueogenealógica, que assim se afasta do discurso universalizante das Ciências Humanas, acusadas de racionalismo, de positivismo e de historicismo. Quer-se mais cartografia do que política e, sob a inspiração de uma subjetividade não mais iluminista, privilegia o imaginário, o inconsciente, o emocional e o corporal. Só lhe interessa a subjetividade do corpo e não a do cogito (ROLNIK, 2006). Trata-se do questionamento do próprio lugar que a modernidade atribuíra à ciência, como sua instância fundamental e da afirmação de um novo e radical posicionamento com relação à própria cientificidade do conhecimento. O cerne dessa contraposição é que, em matéria de conhecimento, o pesquisador contemporâneo quer trabalhar sem recorrer à transcendência da razão e do sujeito, à dialética e a quaisquer outras categorias pretensamente universais e apodíticas. A postura pós-moderna caracteriza-se por rejeitar toda pretensão a um pensamento totalizante, às metanarrativas iluministas, aos referenciais universais, às transcendências e essências. Quer lidar com os cacos das racionalidades regionais, com as razões particulares, no dizer de VEIGA-NETO (1997). Como se pode ver, a crítica não se dirige mais apenas à metafísica, mas também, e de modo especial, à própria ciência, que é questionada em seu próprio âmago, nos seus fundamentos. Trata-se uma crítica desconstrutiva à ciência, considerada ré confessa de iluminismo, cujas categorias são recusadas. Entende que a pesquisa deva ser feita fora dos enquadramentos iluministas e que se trata de pesquisar num cenário de anarquia metodológica, uma vez que é 5

São representantes desta tendência, além do segundo Foucault (1975;1985), Lyotard (1989) Deleuze (1992a,1992b; 2006), Guattari (1996), Maffesoli (1985;1987; 1997), Baudrillard (18981:1982), Morin (1984; 2010) entre outros.

8 impossível encontrar um critério BOMBASSARO, 1992; SILVA, 2000).

racional

demarcador

da

cientificidade.

(Cf.

Elaborando uma cerrada crítica à modernidade, que acusam de ter sido dominada por uma exacerbada hegemonia da razão iluminista, estes pensadores, também designados como pósmodernos ou pós-estruturalistas, buscam o fundamento da cientificidade que se possa julgar legítima, numa espécie de subjetividade social ou numa singularidade irredutível de um sujeito meramente socícola, ou ainda, num suposto jogo de linguagem. Mas com isso, parecem implicar a perda de qualquer universalidade do conhecimento científico e de qualquer possibilidade de construção de uma verdade histórica. Esta crítica desconstrutiva que a pós-modernidade está fazendo à ciência, considerada ré confessa de iluminismo, acaba levando a uma postura de total estetização de toda experiência humana. Esta nova forma de pensar não se pretende uma metodologia geral. A desconstrução que se propõe realizar não se faz pela aplicação de um sistema de regras e critérios. É uma estratégia para se lidar com os discursos consolidados, buscando desnudar, desmascarar e denunciar as tramas que os sustentam. Tem em mira a desmontagem das estruturas significativas montadas pelo logos, como sistemas fechados que acabam por impedir o pensamento criativo. Questionar o ideal emancipatório da razão, recusar as grandes metanarrativas, pondo em xeque a existência de uma razão universal bem como a própria possibilidade da verdade objetiva, articulada de algum modo ao real, são as atitudes norteadoras do procedimento reflexivo. A verdade é imanência do discurso e não mais do real. O procedimento analítico do pós-estruturalismo coloca-se em cheio no contexto da virada linguística: afinal, tudo se manifesta pela linguagem, tudo é discurso, aí incluso o social. É a linguagem que constitui, por sua discursividade, o social. É nela que toda a realidade se constitui. Pela virada linguística, o discurso significador precede o sujeito como consciência, como constituidor universal de sentido. O sujeito vai se construindo contingencialmente numa intricada trama de significações que o antecedem. O sujeito é pois sempre uma vivência singular, nunca uma pulsação de um logos universal. Ao pós-estruturalismo repugna toda e qualquer forma de totalidade. Por isso mesmo, esta é uma das categorias mais questionadas pela crítica pós-estruturalista, categoria mediante a qual a filosofia moderna pretendia apreender o real como uma síntese unificadora, tanto sob a dimensão histórica como sob a dimensão social. Consequentemente, a historicidade do real, para os pós-estruturalistas, só pode ser aquela da contingência, do eventual, do precário. Nenhuma organicidade une atemporalmente os diversos momentos da vida dos entes, sempre indivíduos singulares, atomizados; igualmente, nenhum critério universalizante os articula entre si. Se é assim com o real, será igualmente com o conceito: não se dispõe de categorias universais que pudessem expressar o real em sua unidade totalizante. Os sentidos com os quais os sujeitos podem lidar são aqueles sentidos “nomeados” pela linguagem, ou seja, aqueles sentidos que já estão disponíveis na esfera do discurso linguístico. Compreender o mundo é denominá-lo linguisticamente. Está-se assim diante de uma visão discursiva do real, inclusive do real humano. Uma pluralidade de forças, de discursos, estão diuturnamente constituindo os sentidos. A única lógica possível é uma lógica dispersiva, pela qual o sujeito investe na busca de unidades provisórias e precárias num universo plural e polissêmico. Não se pode mais referir-se a um sujeito transcendental, articulador a priori de unidades significativas. O que se tem são os discursos dos sujeitos mediante o uso de categorias linguísticas que expressam as coisas que podemos ver, aprender, pensar, dizer, porque os constituimos ao nomeá-los. E as condições de produção dessa linguagem impõe-lhe seu arsenal de sentidos, comprometendo a autonomia do sujeito pensante/falante e passando-a às palavras e enunciados.

9 A virada linguística desaloja o sujeito do humanismo e sua consciência da posição central que ocupa no mundo social. A consciência cogitante, impregnada pela racionalidade, é substituida pela categorização estabelecida pela linguagem e pelo discurso (HABERMAS, 1990). A tradição dialética e seus paradigmas epistemológicos. De outra perspectiva, explorando e rearticulando todo o potencial da racionalidade moderna, constituem-se os paradigmas da terceira grande tradição epistemológica, a tradição dialética. Três grandes vertentes configuram a perspectiva filosófica que se vincula à a tradição dialética, tanto no plano epistemológico como no plano ontológico. O primeiro momento refere-se à afirmação da profunda historicidade tanto do real como processos de conhecimento, tudo estando submetido a um fluxo permanente de transformação e sempre em decorrência de forças imanentes e contraditórias. Todos os aspectos e elementos da realidade se acham em processo de auto-transformação em decorrência do impulso causado pela contradição de forças polares em presença. Esta primeira vertente, representada historicamente pela filosofia hegeliana, insere o próprio real na dialeticidade do ideal, do qual a natureza e a sociedade não passam de figuras provisórias (HEGEL, 1994). O segundo momento, constituido historicamente pelo pensamento marxista, vai afirmar o monismo da realidade natural, ou seja, o real se esgota na totalidade do mundo natural, na ordem imanente das coisas, nada de transcendente enquanto ser ideal podendo ser tomado em consideração. Assim, enquanto que na perspectiva hegeliana, as manifestações econômicas, políticas e sociais nada mais eram do que figuras provisórias mediante as quais o espírito absoluto cumpria seu devir em busca de sua própria totalização, criando com seu autoconstituir-se, a história, na perspectiva marxista, é a práxis coletiva da humanidade no solo natural/social que cria a história, ainda que mediante um processo dialético que articula forças contraditórias em permanente conflito. Recusando as pressuposições ontológicas do hegelianismo, mas apropriando-se da historicidade de sua metodologia de reflexão, a epistemologia dialética marxista introduz a razão na história real da humanidade. O marxismo dinamiza e historiciza a racionalidade explicativa do real, apoiando-se na epistemologia dialética cuja fecundidade ainda continua forte e até hoje presente nos vários campos de pesquisa e de investigação teórica das Ciências Humanas. O impacto da dialética é tanto maior quanto sua racionalidade não pretende ater-se tão somente ao plano da representação mas, ao contrário, buscar uma articulação muito concreta e real com a práxis histórico-social. O mundo não é apenas objeto de conhecimento mas também exigência de transformação, sob a guia de um projeto político que redesenha todas as relações do poder entre os homens. Embora o desdobramento da vontade política possa ser encontrado, ainda que sob a forma da ideologia, por trás de todos os modelos epistemológicos, em nenhum deles a explicitação do alcance político do conhecimento é tão forte como na dialética marxista. Por isso mesmo, a própria substância da reflexão dialética de inspiração marxista é a práxis humana, enquanto tecida por uma economia política. É agindo econômica e politicamente que o homem constrói sua cultura e sua história. E a reflexão teórica só tem sentido se for exercida como uma prática de pensar visando projetar, orientar e subsidiar a prática transformadora da sociedade como um todo, fornecendo aos homens referências para a construção histórica de suas relações sociais (MARX, 1974a.,1974b; 1974c; 1975; MARXENGELS, s/d). A vertente marxista da dialética é considerada aquela de uma dialética positiva, na medida em que a história, conduzida pela humanidade, conduziria à superação de suas contradições

10 intrínsecas. Já por não ver como historicamente viável essa superação, a terceira vertente dialética gestada no âmbito da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, é tida como aquela de uma dialética negativa. Compartilha com a dialética marxista o diagnóstico da realidade social em que os homens se encontram degradados, oprimidos e alienados, mas não incorporam o otimismo histórico da revolução política, negando-lhe eficácia transformadora (ADORNO/HORKHEIMER, 1985; ADORNO, 1975; HORKHEIMER, 1975;1990; s/d) É verdade que na medida em que esta tendência já envolve um investimento mais sistemático no resgate da subjetividade, o que a leva a privilegiar, ao lado da crítica política, uma análise mais autônoma dos processos culturais, tende a valorizar mais o papel da subjetividade no âmbito da vida social e cultural. Situando-se imediatamente no prolongamento da crítica marxista, articulada à crítica freudiana, a Teoria Crítica expressa uma clara posição relativa à crise da civilização ocidental do século 20, visão esta que culmina numa antropologia mediatizada simultaneamente por uma filosofia da história, por uma filosofia social e por uma filosofia da cultura, envolvendo uma abordagem crítica do projeto filosófico da modernidade, com base na qual propõe pensar a contemporaneidade. A Teoria Crítica concentra sua análise crítica na instrumentalidade da razão, no autoritarismo do estado e na industrialização da cultura. Esta tendência vê a reciprocidade sujeito/objeto eminentemente como uma interação social que vai se formando ao longo do tempo histórico. Para esses pensadores, o conhecimento não pode ser entendido isoladamente em relação à prática política dos homens, ou seja, nunca é questão apenas de saber, mas também de poder. Daí priorizarem a práxis humana, a ação histórica e social, guiada por uma intencionalidade que lhe dá um sentido, uma finalidade intimamente relacionada com a transformação das condições de existência da sociedade humana. Conclusão: a epistemologia contemporânea e o pensar a educação. Este breve apanhado dos principais eixos do debate epistemológico contemporâneo, obviamente, não esgota todas as ricas expressões da discussão do problema do conhecimento. Foi apresentado apenas para servir de referência à colocação das implicações que esta discussão tem para a pesquisa em educação. Na verdade, estas diferenças de visão do conhecimento humano repercutem nas visões que se tem da educação e mostram bem o quanto elas se vinculam entre si. Com efeito, o conhecimento vai interferir na educação não só no plano propriamente epistêmico (na ordem do saber), mas também nos planos do agir e do próprio modo de existir dos homens. É a partir do modo como praticamos os conhecimentos que delineamos igualmente nossos critérios de ação e nossa concepção da existência humana. Assim, uma concepção essencialista do conhecimento, fundada numa visão igualmente essencialista da natureza do educando, levou a uma pedagogia conformadora. Se o sujeito/educando já nasce realizando uma essência, a única coisa que a educação pode fazer é mesmo “subsidiá-lo” a realizar as características próprias dessa natureza, ainda que seja forçando-o a entrar nesses contornos. Os valores que presidem qualquer ação humana já estão inscritos, de toda eternidade, nessa essência, revelada pelo conhecimento da mesma. Por sua vez, as tendências intelectualistas da modernidade levaram a uma hipervalorização da dimensão logico-racional dos sujeitos humanos e, consequentemente, a uma pedagogia voltada exclusivamente para o seu desenvolvimento intelectual, privilegiando a racionalidade pura. Foram negligenciadas as outras dimensões da existência, relegadas a um segundo plano, como se o educando fosse um ser dividido. Já as tendências empiristas priorizaram as

11 manifestações fenomênicas imediatas da expressão da vida humana, levando o mais das vezes a uma postura pedagógica naturalista e funcionalista. De igual modo, cada uma das tendências epistemológicas contemporâneas levará a certo enfoque da educação, seja na forma de construção do saber no campo educacional (exercício da pesquisa, metodologias de investigação, sistematização do saber, instauração das ciências no campo da educação), seja na elaboração de uma visão do homem (elaboração de modelos antropológicos, tanto do indivíduo, como da sociedade e da própria humanidade no seu conjunto), ou seja, na definição dos valores de nossa ação (estabelecimento dos fins em função dos quais serão escolhidos os meios da ação pedagógica). O pluralismo epistemológico que se desdobra na contemporaneidade é resultado direto do esgotamento do positivismo na sua tentativa de implementar o projeto comteano de construção de um sistema único de conhecimento, que incluiria a física social, ou seja, o sistema de conhecimento do ser humano. O projeto de constituição das ciências positivas do homem implicava que ele perdesse toda especificidade e privilégio enquanto objeto do conhecimento da razão: como qualquer outro objeto natural, o universo humano é atravessado pelo seu olhar crítico-explicativo, perdendo sua intocabilidade metafísica. Desmistificado o mundo humano, com sua história e intimidade, ele passa a ser tão somente mais um objeto de conhecimento científico entre outros. As ciências humanas vão então se constituindo no rastilho da metodologia positivista, num desenvolvimento ainda não encerrado. Mas esta instauração das Ciências Humanas, com seu propósito de tratar o homem como um objeto comum do conhecimento científico, levou a um impasse. Se cumpridas todas as exigências impostas pela metodologia científica, o homem perdia toda sua especificidade humana, o que sobrava na bancada não passava de seu organismo natural; mas se se pretendia salvaguardar sua especificidade como ser cultural e ser criador de cultura, o método positivista se revelava insuficiente. Em ambos os casos, um alto preço a pagar6. Referências Bibliográficas ADORNO, Theodor. Dialéctica Negativa, Madrid: Taurus, 1975. ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio : Jorge Zahar Editor, 1985. AYER, Alfred J. Lenguaje, verdad y logica. Barcelona, Martinez Roca, 1971. p. 52-67. BACHELARD, Gaston. Epistemologia. 2 ed. Rio, Zahar Editores, 1983. BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. 1981. BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas. 1982. BICUDO, M. Aparecida & ESPOSITO, Vitória (org.). Pesquisa qualitativa e educação. Piracicaba, Editora da Unimep, 1994. BOMBASSARO, Luiz C. As fronteiras da epistemologia; como se produz o conhecimento. Petrópolis, Vozes, 1994. 6

Se o impasse já se impunha no âmbito das ciências humanas, em geral, ele se avultava ainda mais no caso das ciências da educação e da política, onde a objetivação da conduta dos homens se tornava ainda mais inapreensível, levando em conta a intervenção da prática intencionada, envolvendo a tomada de decisão de sujeitos históricos. Não sem razão, a constituição do campo científico da educação continua sendo um desafio para todos nós.(Bicudo, 1994; Brandão, 1994; Gamboa, 1984; 1995; Nosella, 1984; Rezende, 1990)

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