Para casa – para quem, para quê?
Ângela Maria Vidigal Passos é diretora pedagógica do IEV – Instituto Efigênia Vidigal e Ana Rosa Vidigal Dolabella é mestre em Estudos Lingüísticos pela UFMG e supervisora pedagógica do IEV. Ao planejar bem as atividades do para casa, os professores conseguem com que alunos preparem-se para os desafios diários e pais comprometam-se com as atividades extraescolares. Para casa caprichado requer compromisso do aluno, ambiente adequado e material disponível. “Devo ajudar meu filho a fazer o para casa?” ”Meu filho fica horas fazendo o dever de casa.” “Nós chegamos cansados e muito tarde em casa, não temos tempo de ver os cadernos de nossos filhos.” “Gosto da escola que passa muito dever de casa, porque assim meu filho fica ocupado a tarde toda.” “Tem que ter para casa todo dia?” “Tem criança que gosta de para casa?” Se você se identifica com alguma dessas falas, este artigo pode interessar-lhe. Quem freqüenta reunião de escolas já ouviu essas questões de pais com filhos em cursos de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Este famoso para casa, que permite aos pais 1
conhecer o trabalho da escola, é, também, algumas vezes, motivo de conflito entre pais e filhos. Não são raras as cenas de mãe ou pai nervosos, descabelando-se em uma batalha com os filhos, na tentativa de resolver, para eles, as questões do para casa. Por que uma tarefa, que deveria proporcionar um momento estimulante e de interação entre pais e filhos, provoca, em muitos casos, desentendimento, agitação, choro e cansaço? O fato de trabalhar com educação há tantos anos e de analisar problemas que os pais nos trazem sobre o para casa, possibilitou-nos construir, com eles e com os professores, estratégias que tornassem eficaz esse momento de aprendizagem. Em primeiro lugar, a escola e a família têm de estar bem afinadas quanto aos reais objetivos dessa tarefa. Em seguida, cabe à escola planejar bem as atividades para que elas não sejam apenas exercícios de fixação, mas tarefas significativas, contextualizadas e que desafiem o aluno a pensar. Seu grau de dificuldade não deve estar além das capacidades do aluno, para que ele não precise solicitar a ajuda dos pais. Ao chegar em casa, o aluno já deve conhecer bem o que vai ser pedido na tarefa, para se sentir capaz de fazê-la sozinho, com responsabilidade e autonomia. O objetivo, explicado pelo professor em sala de aula, favorece a motivação do aluno para executá-la. Uma mãe de aluno procurou-nos, ansiosa, na expectativa de receber uma orientação para solucionar o problema que se tornou a hora do dever de casa. Seu filho, queixava-se, não fazia os deveres sozinho; gastava horas para resolver simples questões, ocupado em visitar a geladeira e em brincar com o estojo de mil e uma utilidades. Não é de um dia para o outro que uma criança, habituada a fazer a lição com a mãe ou o pai do lado o tempo todo, de repente, se torna independente. Ao discutir com a mãe o assunto, levantamos cada situação ocorrida em casa que pudesse dificultar a realização das tarefas e prejudicar sua relação com o filho. Algumas estratégias foram pensadas e a mãe empenhou-se em colocá-las em prática. Em primeiro lugar, procurou organizar um ambiente iluminado e tranqüilo (sem TV e irmãos por perto), uma mesa para o trabalho e uma caixa onde iria guardar o material de que o filho precisasse (lápis, borracha, cola, régua, revistas e tesoura). Em seguida, combinou com ele um horário para realizar as tarefas, que seria respeitado todos os dias. Ficou estabelecido entre os dois que a mãe iria ajudá-lo apenas nas questões em que tivesse dúvidas, porque ele já sairia da escola com toda a tarefa explicada. A intenção era, aos poucos, afastar a mãe dessa função, incentivando o aluno a fazê-la sozinho e, se fosse preciso, buscar soluções em fontes de pesquisa. Se ele não conseguisse resolver a lição, a mãe avisaria o professor, por meio de um bilhete, para que fosse retomada a explicação em sala de aula. As visitas à geladeira e as brincadeiras com o material foram diminuindo aos poucos, depois que os dois combinaram regras para o horário do dever de casa. 2
Outras questões que surgem entre os pais dizem respeito à quantidade de tarefas para casa. Em uma mesma sala, observam-se divergências entre os pais sobre isso. Uns acham que a quantidade é pouca, outros acham que é exagerada. Há ainda aqueles que pensam que, quanto maior o número de tarefas, mais apertada e mais eficiente é a escola. O que se deve levar em consideração, no entanto, é a qualidade da lição e o sentido que faz para o aluno. Cabe ao professor decidir a quantidade e o tipo de Para casa, com bom senso e equilíbrio, pensando nos diferentes níveis de aproveitamento de seus alunos, tudo isso aliado ao projeto que pretende desenvolver. Com o objetivo de trabalhar o tema para casa, tanto com a equipe pedagógica da escola quanto com pais e alunos, promovemos, ao longo deste ano, um estudo que abrangeu muitas das questões tratadas aqui. Nossa meta era obter o maior número de dados possíveis para pensar uma proposta aprimorada, envolvendo toda a comunidade escolar. Para isso, desenvolvemos o plano de ação que se segue. Em um primeiro momento, estabelecemos três frentes de ação que aconteceram simultaneamente. · Na escola: a equipe técnica retomou a proposta pedagógica do Para casa - o que se pretende com essa atividade, como e quando deve ocorrer, seu padrão de qualidade. · Com os pais: uma pesquisa de opinião em forma de questionário foi elaborada e enviada a eles com o resumo do que vinha sendo praticado em termos de para casa na escola. · Na equipe de professores: estabelecemos alguns grupos de estudos, que aconteceram semanalmente, durante duas horas com a equipe técnica, para mobilização e discussão em torno do tema.
Pesquisa com os pais sobre o para casa A equipe de trabalho do IEV está fazendo um estudo sobre o Para casa. Queremos colher algumas impressões dos pais para ampliar a nossa pesquisa sobre o tema. Buscando sempre aprimorar nosso trabalho, agradecemos desde já sua colaboração. Para responder este questionário, pense sobre a realização do Para casa de seu filho durante as últimas semanas. · Para fazer o para casa meu (minha) filho (a) gasta habitualmente: ( ( ( (
) ) ) )
10 a 20 min 20 min a 1 h 1 h a 1h30min mais de 1h30min
· Expresse sua opinião, marcando V (verdadeiro) ou F (falso) em cada um dos itens a seguir. 1 – ( ) A escola manda pouco para casa.
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2 – ( ) A escola manda muito para casa. 3 – ( ) A quantidade de para casa é adequada.
4 – ( ) As atividades do para casa são bem preparadas. 5 – ( ) As orientações dadas pela professora são suficientes para a execução das atividades de para casa. 6 – ( ) Meu (minha) filho(a) tem um lugar adequado para fazer o para casa. 7 – ( ) Meu (minha) filho (a) faz o para casa sozinho. 8 – ( ) Meu (minha) filho (a) faz o para casa comigo. 9 – ( ) Meu (minha) filho (a) interrompe com freqüência o tempo dedicado ao para casa (bebe água, atende telefonemas, etc.). 10 – ( ) Sempre oriento meu (minha) filho (a) antes de ele (a) começar a fazer as atividades de para casa. 11 – ( ) Sempre confiro o para casa após meu (minha) filho (a) ter terminado de fazer as atividades. 12 – ( ) A correção do para casa é feita adequadamente pelo professor. 13 – ( ) As atividades do para casa favorecem o desenvolvimento acadêmico de meu (minha) filho (a). 14 – ( ) Meu (minha) filho (a) revisa as atividades do para casa. 15 - ( ) Meu (minha) filho (a) faz o para casa com organização e capricho. 16 – ( ) As atividades do para casa desafiam meu (minha) filho (a) a pensar. 17 – ( ) As atividades do para casa espelham a proposta pedagógica da escola. 18 – ( ) O grau de dificuldade das tarefas está de acordo com as condições de meu (minha) filho (a) para executá-las. · Escreva suas observações e dê sugestões sobre o tema.
Alguns aspectos do para casa constituíram foco de reflexão e proposição de idéias por parte da equipe de professores: a fixação de um tempo destinado à leitura diária em casa sobre um livro escolhido na biblioteca de sala ou da escola; a interdisciplinaridade nas atividades de para casa; a qualidade e quantidade adequadas; a questão de estudo nos fins de semana. Os professores, guiados pela linha pedagógica da escola, discutiram estratégias para garantir as metas visadas no dever de casa: a excelência por parte da escola, o acompanhamento por parte dos pais, a motivação, a autonomia e o compromisso por parte do aluno.
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A discussão abordou tanto os aspectos pedagógicos quanto as demandas e as apreciações dos pais em relação ao trabalho desenvolvido no para casa até então. A reflexão sobre os dados da pesquisa de opinião proporcionou um novo olhar dos professores sobre sua própria prática. Por outro lado, a pesquisa também mobilizou os pais para a importância do apoio, junto a seus filhos, em relação às normas de conduta do trabalho pedagógico estipuladas pela escola, enriquecendo a parceria escola/pais. Após os debates, pais e educadores chegaram às seguintes conclusões: Para que serve o para casa? · Dar continuidade ao trabalho de sala. · Lidar com a atividade desafiadora (reflexão, revisão, investigação, estudo). · Criar hábito de estudo freqüente e autônomo.
Qual é o papel do professor? · Elaborar atividades criativas, estimulantes, com enunciados claros. · Criar momento de preparação e motivação para a realização das tarefas. · Planejar e contextualizar a atividade. · Fazer uso de estratégias, aproveitando, em sala, o conteúdo do Para casa. Qual é o papel dos pais? · Oferecer ambiente adequado. · Proporcionar infra-estrutura para a realização da atividade. · Promover a autonomia e a autoconfiança na medida em que orienta como buscar fontes para a resolução da tarefa (ler os cadernos, fazer rascunho). · Mostrar interesse pela produção do filho. · Comprometer-se com a proposta da escola em relação às atividades extraescolares. 5
Quais as expectativas em relação ao aluno? · Realizar atividades com capricho e pontualidade. · Comprometer-se com as tarefas. · Trazer suas dúvidas e descobertas. Na sua opinião, quais seriam os aspectos a serem observados na produção de uma atividade do para casa? · Trabalhar conteúdo de acordo com o que foi desenvolvido nas aulas, grau de dificuldade conforme a série, tempo para execução e correção, criatividade, contextualização, qualidade da diagramação, diversidade de material, clareza nos enunciados, envolvimento da família, possibilidade de autonomia. Em um segundo momento, foi redigido um pequeno manual sobre o para casa na nossa escola, abordando desde linhas gerais até especificidades de cada série. Em reunião de pais, divulgamos os resultados da pesquisa de opinião por série e por segmento (Infantil, Fundamental ) e apresentamos as conclusões dos estudos desenvolvidos pela equipe pedagógica.
DECISÕES A seguir, apresentamos algumas decisões tomadas ao final deste processo. · O para casa deve ser diário para garantir o hábito do estudo em casa. · A leitura diária também faz parte do para casa e deve ser ora literária, ora jornalística. · Nos fins de semana, há uma questão de estudo, que consiste na reflexão e discussão de um aspecto estudado em sala, sob a orientação do professor. · O para casa tem como metas: incentivar o estudo, a autonomia, a auto-estima do aluno e proporcionar a ele um espaço de reflexão sobre seu trabalho, na medida em que ele socializa, na sala de aula, as dificuldades e descobertas que surgiram na realização do para casa. Finalmente, queremos desenvolver autonomia e responsabilidade em nossos alunos, para que venham assumir a tarefa como um compromisso deles com o professor, sem afastar os pais de acompanhar seus filhos nas tarefas escolares. A tarefa é um momento de trabalho do aluno, uma produção individual que deve ser valorizada pelos pais. Orientar o filho, perguntar sobre o assunto do para casa, sugerir maneiras de se chegar a uma determinada informação, ou simplesmente, ver o caderno depois da tarefa concluída, estas são atitudes dos pais que funcionam como grande incentivo para o filho progredir. 6
Para que, para quem, então, o para casa? Para reafirmar no aluno sua capacidade criadora e desenvolver nele o aprender a aprender, uma prática indispensável para toda a vida. O aluno se sente valorizado quando consegue executar, de forma autônoma, uma tarefa que lhe foi destinada ainda que lhe custe um certo esforço. O para casa é um exercício de perseverança, dedicação e disciplina, que prepara o aluno para os desafios que não acontecem só no futuro, mas todos os dias. Fortalecê-lo para lidar com os desafios é o para casa dos educadores.
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