(P-285)
A TERCEIRA ARMA Everton Autor
WILLIAM VOLTZ Tradução
RICHARD PAUL NETO
Antes que terminasse o ano 2.404, Perry Rhodan e os tripulantes da Crest conseguiram sair de um passado longínquo e voltar ao tempo real, pregando uma peça nos senhores de Andrômeda. Mas os senhores da galáxia não demoraram a retribuir o golpe. Novos meios foram usados para obrigar o Império da Humanidade a submeter-se. De repente a moeda do Império Solar começou a depreciar-se. Os mundos habitados por humanos foram inundados por dinheiro falso, e uma crise econômica de grandes proporções estava para abater-se sobre o Império. Foram principalmente os terranos das colônias que começaram a desconfiar do governo e pôr em dúvida os serviços prestados por Perry Rhodan, como Administrador-Geral. Neste meio tempo — na Terra já estamos no mês de março do ano 2.405 — foi possível, graças ao trabalho incansável dos fiéis colaboradores de Perry Rhodan, afastar as piores conseqüências do ataque traiçoeiro à economia do Império. Miras-Etrin, um senhor da galáxia que enfrenta Perry Rhodan, mantém-se muito bem informado sobre o que acontece no Império Solar. Sabe que a ofensiva do dinheiro falso fracassou. Por isso elaborou mais um plano de destruição, que deverá ser executado no início da conferência de cúpula a ser realizada em Terrânia. O instrumento que quer usar para isso é A Terceira Arma...
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Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — O Administrador-Geral cujo destino será decidido na conferência galáctica a ser realizada no Solar Hall. Atlan — O arcônida que consegue localizar o homem que quer assassinar a Humanidade. Emílio Alberto Aboyer — Um estranho agente da Segurança Solar. Willy das Esteiras — Delegado do Mundo dos Cem Sóis. Sintra Mahute Rontoff — Matelógica e chefe de seção na Lua. Miras-Etrin — Um senhor da galáxia. Broysen — Comandante de uma espaçonave e candidato à morte.
1 Willy fez sair cuidadosamente um olho e espiou pela porta aberta, para a sala de conferências do Hotel Luna. Sentia muito frio, e as últimas tentativas de assumir formas aproximadamente humanas tinham falhado lamentavelmente. Como esperava, ainda não havia ninguém na sala de conferências. Os administradores hospedados no Hotel Luna iriam encontrar-se às 20 horas. Ainda faltava uma hora. Willy não era administrador nem delegado oficial de alguma colônia terrana. Era um dos 228 chefes de estado de povos extraterrestres que participariam da conferência de cúpula do dia 3 de abril. Naturalmente Willy não era um chefe de estado no sentido em que os terranos usavam a expressão. Os Willys das Esteiras do Mundo dos Cem Sóis não possuíam uma forma de governo que pudesse ser comparado com qualquer uma encontrada na história da Humanidade. No fundo Willy era uma babá. Ele e seus amigos cuidavam do ser plasmático que vivia no Mundo dos Cem Sóis. O povo Willy viera da nebulosa de Andrômeda num passado longínquo, mas nenhum Willy das Esteiras guardava qualquer recordação desse fato. Os Willys mantinham-se ocupados servindo ao plasma e mantendo contato com os mundos dos pos-bis. Pisando com os pés telescópicos duros como diamante e tremendo de frio, Willy entrou na sala de conferências. Tivera o cuidado de fazer sair sua máquina tradutora. A qualquer momento poderia encontrar-se com um funcionário do hotel que ainda não se tivesse acostumado à presença do estranho extraterrestre. Willy fora convidado pelos outros delegados para participar da conferência preparatória, mas tinha suas dúvidas de que gostassem de vê-lo lá. Era o único participante da conferência que desde sua chegada a Terrânia se empenhara a favor da política de Rhodan. Recebera inúmeros telefonemas. Muitos delegados tentaram fazêlo mudar de opinião — mas não conseguiram. Willy só teve um motivo para entrar na sala de conferências antes dos outros. Queria o lugar perto da calefação, para não transmitir aos outros participantes durante horas a fio uma imagem de miséria. Willy fez sair mais um olho, para poder enxergar o que havia em volta. Sentia saudades de seu quarto, no qual a administração do hotel, atendendo a pedido seu, mantinha a temperatura em setenta graus centígrados. A tradutora que Willy trazia pendurada a um dos pseudomembros de seu corpo emitiu uma espécie de grasnado. Assustado, Willy desligou o aparelho. Quando finalmente ocupou o lugar junto à calefação, Willy sentiu-se endurecido que nem um bloco de gelo. O ar quente atingiu seu corpo, mas não foi suficiente para livrá-lo dos calafrios que o sacudiam. Willy apoiou-se nos pés telescópicos e fez subir rapidamente um dos pseudomembros ao botão de regulagem da calefação. No mesmo instante o fluxo de ar que atingia Willy ficou mais quente. Satisfeito, Willy deixou-se cair na ampla poltrona de couro. Neste lugar seria capaz de resistir algumas horas, sem que qualquer parte de seu corpo congelasse. Willy mergulhou num estado de torpor, sem pensar em nada em especial. Fazia votos de que os outros delegados se mostrassem amáveis para com ele. Amava a todos
e queria ajudá-los, mas tinha uma predileção toda especial pelo bípede alto e magro que atendia pelo nome Perry Rhodan. Os Willys das Esteiras do Mundo dos Cem Sóis nunca esqueceriam o que o Administrador-Geral do Império Solar tinha feito por eles. Meia hora antes do início da conferência a porta abriu-se abruptamente. Um homem de aspecto grosseiro, que usava capacete metálico, entrou pisando fortemente. Willy assustou-se tanto que teve de fazer um tremendo esforço para não encolher os pseudomembros. Dirigiu os olhos salientes para o recém-chegado. Willy ficou perplexo ao ver que o desconhecido quebrara a maçaneta da porta e estava parado, indeciso. — O senhor se importaria em fechar a porta? — pediu Willy, receoso. — Está fazendo frio lá fora. Granor Ah Phorbatt, príncipe de Dashall, lançou um olhar para Willy. O capacete dava um aspecto grosseiro ao delegado com seus cento e cinqüenta quilos de peso, mas Willy estava acostumado a ver seres muito mais esquisitos. O administrador de Dashall fez um cálculo mental. Era a oitava maçaneta que tinha quebrado desde sua chegada ao Hotel Luna. Não era mesmo capaz de acostumarse à gravitação da Terra, que era 0,7 gravos inferior à de seu mundo. — Desculpe se eu repetir o pedido — disse Willy, deprimido. — Seria muito gentil de sua parte se quisesse fechar a porta. Granor Ah Phorbatt olhava ora para a porta, ora para Willy. — Droga! — disse. — Quer que todo mundo morra assado? Acho que vamos abrir as janelas. Willy encolheu. Teve de esforçar-se para manter levantado o olho saliente no qual estava pendurada a tradutora. — Por favor! — implorou. — Se abrir as janelas, morrerei de frio. — Afinal, quem é o senhor? — perguntou o dashalense desconfiado. — Meu nome é Willy — respondeu o ser do Mundo dos Cem Sóis em tom delicado. — Se quiser, conto tudo a respeito de meu mundo. Granor Ah Phorbatt sacudiu a cabeça e tirou o capacete. Havia pingos de suor em sua testa. — Quer dizer que o senhor é o sujeito do Mundo dos Cem Sóis? — perguntou, esticando as palavras. — Isso mesmo — respondeu Willy, feliz. — Se quiser, pode sentar perto de mim. É bem quentinho. — Sem dúvida — concordou o colono. — O que acha que vai acontecer daqui a alguns minutos, quando chegarem os outros? Não se pode realizar uma conferência com um calor destes. Certamente desligarão a calefação e abrirão as janelas. Neste instante Granor percebeu que ainda segurava a maçaneta quebrada. Apressou-se em colocá-la sobre uma mesa. — Não compreendo que os terranos possam viver com um frio destes — disse Willy, admirado. — Se tivesse de ficar uma hora ao ar livre, morreria. Naturalmente isto era um exagero, mas Willy só queria que o amável gigante avaliasse corretamente sua situação. — Boa noite — disse alguém que apareceu atrás de Granor Ah Phorbatt e se aproximara sem ser notado. Willy viu com o olho saliente um terrano de estatura baixa, que trajava blusa de gola de enrolar e calças jeans. Era um homem grisalho, que usava botas. Os olhos brilhantes até pareciam corpos estranhos naquele rosto enrugado.
Granor Ah Phorbatt fez uma ligeira mesura. — O senhor deve ser um dos delegados — conjeturou. Emílio Alberto Aboyer sorriu, pondo à mostra uma fileira irregular de dentes de cavalo. — Sou agente da Segurança Solar — disse. — Meu nome é Aboyer. Vim para falar com Willy. — Sobre a calefação? — perguntou Willy, esperançoso. Aboyer sacudiu a cabeça. — Sobre certas coisas que só o senhor deve saber, Willy. Sugiro que me acompanhe ao meu planador. — Estou à espera de um grande número de amigos — respondeu Willy, indeciso. — Queremos preparar-nos para a conferência. Quero convencer os delegados de que é melhor para eles se apoiarem as medidas de Rhodan. — Se quiser ajudar Perry Rhodan, então acompanhe-me — disse Aboyer. — Peça sua carteira — interveio Granor Ah Phorbatt. — Há pelo menos vinte desses tipos, e todos afirmam que pertencem à Segurança Solar. — Este homem parece amável — respondeu Willy. — Acho que se pode confiar nele. Escorregou da poltrona e deslizou na direção em que estava Aboyer. O dashalense deu um passo para o lado para abrir passagem para Willy. — Sinto muito não poder participar da conferência — disse Willy, dirigindo-se a Granor Ah Phorbatt. — Peça em meu nome a compreensão dos outros participantes. Aboyer cumprimentou o dashalense com um aceno de cabeça. Granor Ah Phorbatt viu os dois seres tão indiferentes saírem da sala. Willy teve vontade de chorar quando saiu para o frio do corredor, mas a idéia do calor que encontraria no planador de Aboyer o fez prosseguir com determinação. — Por que resolveu procurar justamente a mim? — perguntou, dirigindo-se a Aboyer. — Preciso da sua ajuda — respondeu o agente. — Quando estivermos lá fora, explicarei tudo. Willy teve uma sensação dolorosa quando Aboyer lhe contou que o planador estava estacionado na cobertura do edifício, pois isso representava uma permanência curta, mas perigosa no frio do início da noite. Subira no elevador. — Espere aqui — disse Aboyer. Saiu e uma lufada de ar gelado fez Willy estremecer. O agente não demorou a voltar com um aquecedor portátil. Ligou-o e dirigiu o raio para Willy. O ser plasmático tremeu de prazer. Agradecido, deslizou ao lado de Aboyer em direção ao planador, que já estava preparado. No interior do planador fazia um calor agradável. Willy acomodou-se na poltrona ao lado do piloto e dirigiu o olhar saliente com uma expressão de curiosidade para o agente da Segurança Solar. Aboyer recostou-se, tirou uma comprida piteira do bolso da calça e acendeu o cigarro. Willy observou a fumaça que subia. Gostaria de grunhir de tão bem que se sentia, mas isso representaria uma grosseria para com seu novo amigo. — Antes de mais nada devo confessar que estou agindo por iniciativa própria — principiou Aboyer. — Não fui autorizado nem por Allan D. Mercant nem por qualquer
outro superior a entrar em contato com o senhor. Se não estiver de acordo com meus planos, poderá voltar ao hotel quando quiser. — Gosto do senhor — cochichou Willy, entusiasmado. — Quando estiver bem cansado, formarei uma esteira na qual poderá descansar. — Tenho certeza de que é o único delegado que não pode contrabandear uma peça de arma para o Solar Hall — disse Aboyer. — Foi por isto que o escolhi. Além disso o senhor apóia Rhodan por convicção. — Quem seria capaz de levar de propósito uma arma para o Solar Hall? — perguntou o delegado do Mundo dos Cem Sóis, apavorado. — Nenhum delegado faria isso voluntariamente — concordou Aboyer. — Só o faria sem saber. Mas há uma coisa que o senhor ainda não sabe. Os senhores da galáxia conseguiram levar peças de armas para Terrânia, usando os delegados. Estas partes juntam-se automaticamente, assim que estejam bastante próximas umas das outras. Há alguns dias conseguimos colocar a primeira arma fragmentária numa nave robotizada e a fizemos detonar além da órbita de Plutão. Tratava-se de um ultravibrador capaz de destruir as células cerebrais do homem. Como as peças desta arma se encontravam na bagagem dos delegados, os senhores da galáxia não podiam esperar que o atentado fosse bem-sucedido. Sabiam perfeitamente que dificilmente um participante da conferência levaria sua bagagem ao Solar Hall. O arcônida Atlan não demorou a descobrir que devia haver uma arma muito mais perigosa, da qual queriam desviar nossa atenção. Os mutantes conseguiram descobrir as trinta e duas peças desta arma. Já saiu uma espaçonave que levará a segunda arma ao espaço cósmico, onde os cientistas verificarão quais são os efeitos do perigoso aparelho. Willy encolheu-se no assento aquecido. Coisas terríveis estavam acontecendo em Terrânia, sem que os participantes da conferência soubessem. — Ainda bem que foi possível neutralizar as armas — disse. Aboyer ficou com os olhos semicerrados e deu uma risada amargurada. Bateu com o punho fechado no manche de direção do planador. — Acho que existe uma terceira arma — disse. — Mas não tenho nenhuma prova. Minha suposição baseia-se nas informações prestadas por uma matelógica que trabalha como chefe de seção na Lua. Mas não tenho a menor idéia de onde esta terceira arma pode estar escondida, se é que existe. As peças da segunda arma foram encontradas nas vestes que os delegados usariam no dia da conferência. — Por que não avisa Mercant ou Rhodan? — Preciso apresentar provas — disse Aboyer, desesperado. — Os principais dirigentes do Império mantêm-se ocupados com a segunda arma. A conferência começará depois de amanhã. Se for divulgada a informação de que talvez possa haver uma terceira arma, as conseqüências poderão ser graves. Rhodan talvez resolvesse cancelar a conferência no último instante. Ficaria politicamente liquidado. Acha que posso assumir esta responsabilidade? — Compreendo, Mister Aboyer — respondeu Willy, sério. — Pode chamar-me de Al — sugeriu Aboyer. — Se quiser colaborar comigo, é bom que me chame assim. Olhou para o lado e viu um pseudomembro em cuja extremidade tremia uma mão semi-acabada vir em sua direção. Aboyer segurou imediatamente a mão de Willy. Era quente e apertou com força a sua.
— Provavelmente serei um peso que o senhor terá de carregar, Al — disse Willy, deprimido. Lembrou-se do frio que fazia fora do planador e estremeceu. — Às vezes me enterrarei de tão assustado que ficarei. — Tudo bem, Willy — disse Aboyer com um sorriso. Willy encolheu apressadamente os olhos salientes. Preferia que seu novo amigo não visse que o elogio o deixara embaraçado.
2 A segunda arma fragmentária estava depositada na câmara da eclusa da nave robotizada, iluminada pelos faróis embutidos nos capacetes dos quatro homens. Parecia antes uma inofensiva chave de controle que uma bomba perigosa. Mas nenhum dos quatro homens duvidava de que se tratava de uma bomba. O Dr. Fran Hauser apontou para um abaulamento na superfície da arma fragmentária. — Conectamos mais um rádio-detonador — explicou. — Desta forma poderemos detonar a arma fragmentária a partir da Mutras, sem preocupar-nos em descobrir os impulsos que normalmente acionariam a arma. — Bem que eu gostaria que o senhor descobrisse como os senhores da galáxia pretendiam detonar a arma — disse Rhodan. — Isso talvez nos ajudasse a encontrar os autores do atentado. — O senhor sabe perfeitamente que temos pouco tempo — respondeu Hauser, contrariado. — Só falta uma hora para a meia-noite, quando começa o dia anterior ao da conferência. Levaríamos pelo menos mais doze horas para descobrir os impulsos que acionam a bomba. Posso garantir que o rádio-detonador cumprirá a mesma finalidade. — Não tive a intenção de criticar seu trabalho — disse Rhodan em tom contemporizador. Preferiria que o Dr. Hauser não fosse tão exaltado. Nos últimos dias as discussões entre ele e o especialista tinham sido cada vez mais freqüentes. Mas não se podia negar que Hauser se esforçara ao máximo. — O que está esperando? — perguntou Atlan. — Sugiro que voltemos para bordo da Mutras. O quarto homem que se encontrava na câmara da eclusa era Allan D. Mercant, chefe da Segurança. — Não conhecemos os efeitos da segunda arma — disse. — Cada minuto que perdemos agora poderá fazer falta depois da experiência. — A segunda arma está completa — disse Rhodan. — Os participantes da conferência já não estão em perigo. Ainda bem que não fomos obrigados a adiar a conferência. Atlan lançou um olhar de dúvida para seu amigo terrano, mas Rhodan não notou. Na opinião do arcônida as operações de busca da arma tinham sido fáceis demais. Não conseguia livrar-se da impressão de que os senhores da galáxia lhes reservavam mais uma surpresa. Mas Atlan preferiu não manifestar suas suspeitas antes que a segunda arma fosse apontada. Primeiro precisavam conhecer os efeitos da arma fragmentária. — Vamos voltar — disse Rhodan pelo rádio-capacete. — Assim que estivermos a bordo da Mutras, o Major Hoan Thin afastará a nave meio milhão de milhas. Só depois disso faremos detonar a arma fragmentária. — O senhor sabe perfeitamente que dessa forma não será possível colher dados mais precisos — observou o Dr. Hauser em tom violento.
— Sem dúvida! — respondeu Rhodan. Permaneceu calmo, pois sabia que sem isso não seria possível lidar com Hauser. — Acontece que para mim a segurança da nave e de seus tripulantes é mais importante que uma boa coleta de dados. O Dr. Hauser surpreendeu os presentes com uma ligeira gargalhada. — Acho que o senhor nunca se esquece de incluir seus semelhantes em suas reflexões estratégicas — disse. — Não acha que o conhecimento científico vale um risco? — Nenhum conhecimento científico, por mais valioso que seja, pode custar vidas humanas — retrucou Rhodan. — Se todos pensassem assim, ainda estaríamos vivendo em cavernas que nem os selvagens da Idade da Pedra — resmungou Hauser em tom de desprezo. — Quando assumi o cargo de Administrador do Império, já não vivíamos em cavernas, mas tenho certeza de que depois disso fizemos bons progressos, doutor. A conversa foi interrompida quando Atlan abriu a parede externa da eclusa e deixou-se cair no espaço. Mercant e Hauser seguiram seu exemplo. Rhodan lançou mais um olhar para a arma, que era a prova visível da ânsia do poder e da brutalidade dos senhores da galáxia. Para Rhodan representava o símbolo das forças empenhadas em destruir aquilo que a humanidade levara alguns séculos para construir. Atingiu a borda da eclusa e deixou-se cair no espaço. Enquanto se deslocava lentamente em direção à eclusa da Mutras, que estava aberta, perguntou a si mesmo se não teria sido possível celebrar um tratado de paz com os senhores da galáxia, se os terranos tivessem trilhado caminhos diferentes desde o início. O conflito tremendo entre dois blocos poderosos estendera-se a duas galáxias. Uma das partes teria de sucumbir. Não se poderia pensar em armistício ou capitulação. Rhodan entrou na eclusa principal da Mutras e esperou que a parede externa se fechasse. Em seguida tirou o capacete. — Faça o favor de vir à sala de comando, senhor — pediu o comandante pelo intercomunicador. — O Dr. Hauser já está à sua espera. Rhodan sorriu. O cientista estava com pressa. Provavelmente queria fazer mais uma tentativa de levar Rhodan a concordar com a redução da distância de segurança. Dali a instantes Rhodan saiu do elevador antigravitacional e entrou na sala de comando. Atlan, Mercant e Hauser já tinham tirado os trajes de proteção. John Marshall e Tronar Woolver estavam de pé atrás da poltrona do piloto, observando as telas. A nave robotizada e a Mutras encontravam-se quatro milhões de milhas além da órbita de Plutão. Desta forma o Sistema Solar ou a navegação planetária não corriam nenhum perigo. Rhodan passou os olhos pelas telas de controle. Uma delas mostrava a arma fragmentária. O Dr. Hauser, que não tirara os olhos de Rhodan, disse: — Se provocarmos a detonação a quinhentas mil milhas de distância, o objeto não aparecerá tão nitidamente nas telas. Rhodan suspirou. — Desista, doutor — recomendou. — Compreendo seu ponto de vista, mas não posso atender ao seu desejo. — O senhor concordaria em reduzir a distância se a Mutras ativasse seu campo defensivo? — perguntou um jovem técnico pertencente à equipe de Hauser, que certamente queria vir em auxílio do chefe. — O campo defensivo da Mutras será ativado de qualquer maneira — respondeu Rhodan. — A quinhentas mil milhas da nave robotizada.
Hauser lançou um olhar resignado para sua equipe e levantou os ombros. Finalmente parecia ter compreendido que Rhodan não modificaria sua decisão. — Podemos sair, major — disse Rhodan a Hoan Thin. O pequeno chinês confirmou com um gesto e acelerou o cruzador-correio. O conversor kalupiano deu a partida. Depois de um vôo ligeiro pela zona de libração, a Mutras retornou ao universo normal. A nave robotizada não passava de um ponto luminoso trêmulo nas telas. Mas a imagem da arma fragmentária, captada e transmitida por uma câmara especial, aparecia nitidamente na tela da observação espacial. — Eis aí sua filha predileta — disse Rhodan em tom irônico, fazendo um gesto para o Dr. Hauser. — Bem visível. Até parece que se encontra a três metros de distância. — Ligar campo defensivo! — ordenou Hoan Thin. Logo veio a confirmação de que a ordem tinha sido cumprida. O Dr. Hauser olhou para Rhodan com uma expressão de expectativa. Rhodan não sabia o que aconteceria quando Hauser acionasse o detonador por controle remoto. A responsabilidade seria do Administrador-Geral. A distância de quinhentas mil milhas provavelmente era suficiente. Mas Rhodan ainda hesitou. A arma fragmentária era pequena, mas fora produzida pelos senhores da galáxia e talvez pudesse provocar uma catástrofe a vários anos-luz de distância. — Agora é com o senhor — disse o Dr. Hauser em voz baixa. — Faça detonar a arma! — exclamou Rhodan. A tela na qual estava projetada a imagem da arma fragmentária parecia desmanchar-se numa súbita torrente de luz. Rhodan recuou instintivamente. A nave robotizada arrebentou numa explosão atômica de proporções gigantescas. Surgiu uma nuvem vermelha incandescente, que se expandiu rapidamente. — Temos de chegar mais perto, senhor! — exclamou Hauser. — O risco já não é tão grande. — Está bem, major. Acelere — gritou Rhodan para o chinês. A Mutras deu um salto pelo espaço. Seus goniômetros e rastreadores ultrasensíveis captavam ininterruptamente impulsos vindos da explosão devastadora. — A segunda arma fragmentária era uma bomba atômica com um terrível poder destrutivo — disse Atlan a Perry Rhodan. — Posso imaginar como seriam as coisas em Terrânia se a bomba tivesse explodido no Solar Hall. — Terrânia teria sido varrida da face da Terra — disse John Marshall, abalado. — Milhões de seres humanos teriam encontrado a morte. — Os senhores subestimam os efeitos da bomba — observou Fran Hauser. — A energia liberada seria suficiente para devastar todo o continente asiático. Os campos defensivos do Solar Hall seriam rompidos instantaneamente. — Quer dizer que esta foi a verdadeira arma que os senhores da galáxia contrabandearam para Terrânia — disse Rhodan, aliviado. — O emissor de ultravibrações só serviu para desviar nossa atenção da bomba. As peças da segunda arma tinham sido tão bem escondidas que os delegados as teriam levado ao Solar Hall sem perceber. Enquanto a equipe de Hauser interpretava os resultados das medições, Rhodan já pensava na viagem de volta à Terra e na conferência. Ficou espantado com o silêncio de Atlan. Apesar do poder destrutivo da segunda arma, o arcônida ainda parecia preocupado. Mas Rhodan não deu muita importância ao pessimismo do lorde-
almirante. Toda vez que um terrano alcançava um êxito surpreendente, Atlan começava a ver as coisas pretas. — O que está pensando? — perguntou Rhodan. — Sugiro que a guarda do Solar Hall seja dobrada durante a conferência — respondeu Atlan. — Além disso providenciarei para que cada participante da conferência seja cuidadosamente revistado antes de entrar no edifício. — Ainda está desconfiado? — perguntou Rhodan com um sorriso. Atlan olhou para o relógio. Era uma hora da madrugada do dia 2 de abril de 2.405. Sem querer retribuiu o sorriso de Rhodan. — Não pode acontecer mais nada — disse. — Não teríamos tempo para fazer qualquer coisa. *** A Mutras estava pousando no porto espacial de Terrânia, quando foi recebida pelo rádio comum uma mensagem urgente vinda da Lua. Atlan foi chamado ao aparelho. Surpreendeu-se ao ver o rosto de uma jovem mulher projetado na tela. — Preciso falar imediatamente com o senhor, lorde-almirante — disse assim que Atlan atendeu ao chamado. — Sou matelógica e meu nome é Sintra Rontoff. Trabalho como chefe de seção na Lua. — Parece que a senhora é uma moça muito resoluta — afirmou Atlan. — Mas assim mesmo terá de dizer o que tem em mente. Sou um homem muito ocupado. — Alguém pode ouvir-nos? — perguntou a indiana. — Temos muitas eminências a bordo — retrucou Atlan. — E os cavalheiros estão interessados em ouvir o que a senhora tem a dizer. Deu um passo para o lado, para que a mulher pudesse ver a sala de comando. O rosto de Sintra assumiu uma expressão taciturna. — É muito urgente — disse. — Mas tenho meus motivos para querer falar a sós com o senhor. — Poderia ao menos dizer de que se trata? — Trata-se da arma fragmentária dos senhores da galáxia — respondeu a matelógica. Atlan sentiu um formigamento na nuca. O sentimento da desgraça iminente, que já se apoderara dele antes que a segunda arma fosse detonada, ficou mais forte. — Venha imediatamente à Terra — disse. — Ficarei à sua espera no quartelgeneral da Segurança Solar. Sintra Rontoff desligou antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa. Atlan abriu os braços e afastou-se do rádio. — Não sabia que desperto tanta confiança nos outros — disse em tom sarcástico. — A moça tem pressa em contar sua novidade, mas faz questão de falar a sós comigo. — Fico me perguntando o que ela quer — disse Rhodan, pensativo. — Como chefe de seção tem o direito de trabalhar no centro de programação de Nathan. Talvez tenha descoberto alguma coisa que ainda não sabemos. — Não acredito que o centro de computação da Lua tenha passado a transmitir notícias importantes por este caminho — disse Allan D. Mercant. — Só pode ser uma coisa insignificante, à qual esta mulher atribui uma importância que não tem. Se Nathan tivesse chegado a um resultado preocupante, já teríamos sido informados.
— Como chefe de seção esta matelógica pode utilizar alguns aparelhos do centro de computação positrônica para seus fins particulares — lembrou Atlan. — Quem sabe se não fez experiências por conta própria e descobriu uma pista? — Vejo que este chamado serviu para aumentar seu pessimismo — disse Rhodan. — Quero ser avisado imediatamente quando a jovem dama chegar. — Ela pediu um encontro a dois — disse Atlan. — Então você excepcionalmente não contará. Quero estar presente — disse Rhodan.
3 Aboyer fez pousar o planador na cobertura do Hotel Bennerton, depois que o guarda robô tinha indicado o lugar. Desligou as turbinas e recostou-se no assento. — Os últimos participantes da conferência chegaram hoje à Terra — disse a Willy. — Se minha teoria for certa, os delegados que chegaram por último devem ter introduzido as peças da terceira arma. Willy teve de fazer um grande esforço para prestar atenção às palavras do amigo. O calor reinante no interior da carlinga deixara-o preguiçoso. Balançou os olhos salientes, para dar a impressão de que estava refletindo. — Por que suspeita justamente dos administradores que chegaram hoje? — perguntou. — Porque foram menos vigiados que os outros — disse Aboyer. — A operação de busca das peças da segunda arma manteve Rhodan e seus ajudantes completamente ocupados. Naturalmente as peças da terceira arma não serão encontradas nem na bagagem nem nos uniformes dos delegados que chegarem por último. Temos um grande problema pela frente: descobrir o esconderijo de uma peça da arma antes que seja tarde para fazer qualquer coisa. Willy fazia votos de que Aboyer estivesse enganado. Não acreditava que seus esforços fossem coroados de êxito. Se a terceira arma realmente existia, certamente só poderia ser encontrada por mutantes bem equipados. Mas Willy das Esteiras preferiu ficar com isto para si, pois não queria desanimar o amigo. Resolveu ajudar Aboyer até onde isto era possível. Aboyer tirou do bolso uma folha de papel e leu alguns nomes para Willy. — São os nomes de delegados que chegaram hoje. Já descobri os números dos quartos que ocupam. Como não estou numa missão oficial, em hipótese alguma devo ser descoberto. Por isso o senhor terá de distrair por meia hora o participante da conferência cujo quarto eu estiver revistando. Diga que tem um assunto importante a tratar e entretenha a respectiva pessoa numa conversa. Willy soluçou de tão nervoso que estava. Voltou a ficar bem acordado. Mal agüentava ficar sentado. Viu Aboyer ligar o aquecedor portátil. A blusa de colarinho de enrolar do agente estava encharcada de suor. Fazia muito calor na carlinga. — Eu o acompanho até o elevador — disse Aboyer. — Vá ao quinto andar e entre em contato com o administrador da Plaza de Bravos, que ocupa o quarto número doze. Estarei lá daqui a dez minutos. Até lá o senhor terá de descobrir um pretexto para levar o administrador para fora de seu quarto. Providencie para que a porta não seja fechada. — Qual é o nome dele? — perguntou Willy. — Riera — respondeu Aboyer. — Acho que é um homem muito gentil de mais de setenta anos. Saíram do planador. Willy teve o cuidado de ficar dentro do raio de ação do aquecedor. Quando chegaram ao elevador, Aboyer fez um sinal para o ser vindo do Mundo dos Cem Sóis. Willy afastou-se dos raios acalentadores e entrou no elevador. A temperatura quase o deixou paralisado depois que Aboyer ficou para trás com o aquecedor. Willy encolheu-se num canto e esperou que o elevador parasse. Teve
pressa em sair para o corredor, onde era um pouco mais quente, embora para Willy ainda fizesse muito frio. Willy fez sair alguns dos seus olhos e orientou-se. O quarto número doze ficava a poucos metros do lugar em que se encontrava. Foi rapidamente para perto da porta. Num instante endureceu a extremidade de um dos pseudomembros e bateu. Um homem ficou parado na entrada e baixou os olhos para ele. Riera parecia mais velho do que era. Tinha os olhos bem afundados nas órbitas. Uma barba mal cuidada cobria o rosto do administrador. Willy não sabia muita coisa a respeito de Plaza de Bravos, mas uma coisa era certa. Os colonos que habitavam este mundo deviam levar vida espartana. Willy chegou a esta conclusão por causa dos trajes simples do administrador. Para surpresa de Willy, Riera não se mostrou nem um pouco espantado. — O senhor deve ser um dos extraterrestres que participarão da conferência — disse ao ver Willy. — Um momento. Quero refletir um pouco para ver se descubro de que mundo veio. Willy entrelaçou dois tentáculos, num gesto de cortesia, e deleitou-se com a lufada de ar quente que atravessou o vão da porta. — Ah, sim! — disse Riera depois de algum tempo, dando um puxão na barba. — O senhor é do Mundo dos Cem Sóis. Não é mesmo? — Correto, Mister Riera — confirmou Willy. — Gostaria de tomar alguns minutos de seu tempo, desde que haja lugar em sua agenda. Riera esboçou um sorriso cansado. Parecia tão velho e indefeso que Willy teve vontade de enlaçar suas pernas para apoiá-lo. Mas não devia deixar-se enganar pelo aspecto deste homem. Devia ser um colono muito robusto, senão não teria sido enviado à conferência. Riera deu um passo para o lado e fez um gesto convidativo. — Entre — pediu. Willy saiu saltitando em direção à porta, mas parou bem à frente de Riera. — O senhor se importaria se descêssemos para conversar numa das salas do hotel? — perguntou. — Lá é mais quente. Mal consigo suportar o clima daqui. — Ligarei a calefação de meu quarto no máximo — respondeu Riera em tom gentil. — Dessa forma sem dúvida ficará mais quente que lá embaixo. Tamanha amabilidade fez com que a resolução de levar o administrador de qualquer maneira para fora do quarto se esvoaçasse da mente de Willy, que entrou rastejando, observando Riera enquanto regulava a calefação. O administrador deixou-se cair numa poltrona suspensa. As juntas de suas pernas finas estalaram. Pegou uma garrafa com um líquido marrom e tomou um grande gole. Finalmente brindou Willy com um sorriso amável. — O que foi que o trouxe para cá? — perguntou. Willy, que ficou confuso por causa do curso inesperado que tomavam os acontecimentos, sentiu-se perdido. Dentro de alguns minutos Aboyer entraria pela porta que Riera deixara aberta. — Qual é sua opinião a respeito de Perry Rhodan? — perguntou. Riera abriu a jaqueta e exibiu a cicatriz de uma queimadura grave. — Quando era jovem, lutei por Perry Rhodan numa espaçonave — disse. — Estava convencido de que suas idéias e planos eram certos. Mas isto mudou quando cheguei a Plaza de Bravos. Nosso mundo é mesmo um lugar para os valentes. Faz jus ao seu nome. Temos de conquistar cada metro de terreno numa luta implacável com a
selva. E agora, quando finalmente conseguimos realizar um comércio lucrativo com algumas colônias vizinhas, Perry Rhodan afirma que nossos lucros não passam de moeda falsa. Willy quase desmanchou-se de tanta pena que sentia por este homem, mas lembrou-se da decepção que causaria a Aboyer. Não haveria mesmo um meio de fazer Riera sair do quarto? — Quer dizer que fará oposição a Rhodan na conferência? — perguntou, preocupado. — O Império aguarda o discurso de Rhodan — respondeu o administrador. — Ao que tudo indica, o Administrador-Geral voltará a empenhar-se pelas idéias que já são do conhecimento do público. Se isso acontecer, serei um dos primeiros a exigir a renúncia de Rhodan. — Quem sabe se Rhodan não tem bons argumentos? — perguntou Willy, virando um dos olhos salientes para a porta. — A fome, a miséria e o desespero são os melhores argumentos — retrucou Riera. Já não parecia velho nem cansado. Viera à Terra para defender os interesses de sua colônia. — E os habitantes de Plaza de Bravos voltarão a conhecer estes males, se seu dinheiro for recolhido. Neste instante Willy ergueu-se sobre as perninhas e cresceu na direção de Riera. Apavorado, o colono viu o corpo esférico dividir-se de repente à sua frente e subir nele que nem uma língua de fogo. Seu grito foi abafado por uma pseudomão macia que fechou sua boca. — Sinto muito ter de fazer isto — desculpou-se Willy com a voz chorosa. — Espero que um dia possa reparar o que estou fazendo com o senhor. Riera ainda respirava, embora Willy o envolvesse completamente. Sentiu-se como se estivesse num gigantesco casulo. Seus movimentos eram bastante limitados. Fez um esforço para comunicar-se, mas só conseguiu emitir sons inarticulados. Willy não tomou conhecimento de suas tentativas. — Vou retirá-lo deste quarto — disse a estranha criatura. — Não tenha medo. Não vai demorar. Riera sentiu que a coisa que o envolvia começava a mexer-se. Esperneava desesperadamente. Por todo o corpo de Willy apareceram saliências, mas Riera continuou preso. Willy das Esteiras foi-se aproximando da porta. Se não fosse a resistência do gigante, as coisas seriam bem mais simples. Willy fez sair um pseudomembro para abrir a porta, quando ela se abriu do lado de fora e Emílio Aboyer apareceu na entrada. Lançou um olhar desconfiado para o corpo de Willy, que inchara de repente. Em seguida olhou para o quarto vazio. — Onde está ele? — perguntou. — Saiu na frente — mentiu Willy, enquanto dois dos seus olhos salientes vergavam, de tão envergonhado que ficou por causa do seu procedimento. — Acho que vou atrás dele. Riera ouviu estas palavras e deu uma violenta cabeçada na pele plasmática que o envolvia. O ataque inesperado deixou Willy tão assustado que arrefeceu por um instante nos esforços de manter o colono bem preso. A cabeça de Riera apareceu entre duas tiras de pele. Aboyer viu dois olhos de colono chamejantes de raiva bem à sua frente. — Diga a esta coisa que me solte imediatamente! — gritou Riera, indignado. — Que é isso?
A decepção e a raiva causada pelo procedimento de Willy deixaram Aboyer um tanto resoluto. Willy, que ficara perplexo de vez, passou um pedaço de pele por cima da cabeça de Riera, numa tentativa de recuperar o controle sobre o colono. Formou uma figura grotesca, que balançava constantemente diante dos olhos de Aboyer. — Largue-o — disse Aboyer em tom resignado. — Não deu certo. — Sinto muito — choramingou Willy. — Ele é tão gentil, Al. Riera ficou livre de vez. Sacudiu-se que nem um cão molhado. Willy encolheu, voltando ao tamanho normal, e mal se atreveu a fazer sair um dos olhos por alguns centímetros. — Vamos ao seu quarto — sugeriu Aboyer. — Tentarei explicar tudo. O administrador de Plaza de Bravos hesitou. — Quem é o senhor, e qual é seu papel nisso? — perguntou a Aboyer. — Sou agente da Segurança Solar — respondeu Aboyer. — Mas estou trabalhando por conta própria, juntamente com este Willy das Esteiras. Estamos investigando um caso sobre o qual não posso falar. Enquanto dizia estas palavras, empurrou Riera, que ainda resistia, para dentro da porta e fechou a porta. Willy entrou atrás dos dois, tremendo de frio e medo. Riera estreitou os olhos e maltratou a barba. — Ele veio para atrair-me para fora do quarto, para que o senhor pudesse revistálo sem ser notado. Estou certo? — concluiu. Aboyer confirmou com um gesto. — Será que o senhor acredita que contrabandeei uma bomba ou coisa que o valha? — concluiu Riera, contrariado. A perspicácia do colono deixou Aboyer espantado. — Não posso dizer o que estamos procurando — disse. — Mas posso garantir que nem o senhor nem qualquer outro delegado está sob suspeita de planejar um atentado. — Quer dizer que o senhor receia que alguém possa ter escondido uma bomba para matar-me? — raciocinou Riera. Aboyer não respondeu. Teve a impressão de que Riera não se daria por satisfeito com desculpas e explicações vagas. O homem vindo de Plaza de Bravos faria tudo para descobrir quais eram as intenções de Aboyer. — Gostaria que eu lhe dissesse o que vim fazer aqui? — perguntou. — Vim para... Não completou a frase. Fez avançar o punho e atingiu Riera no queixo. Mas o colono mostrou-se mais resistente do que Aboyer esperara. Recuou cambaleante, mas logo conseguiu firmar-se. Provavelmente teria enfrentado a luta se não fosse Willy, que formou um longo pseudomembro, que puxou as pernas de Riera. O colono caiu ao chão e Aboyer precipitou-se sobre ele. Deu-lhe outro soco que o deixou inconsciente. — Veja o que fizemos, Al — gemeu Willy. — Estamos perdidos. — Leve-o ao planador — ordenou Aboyer. Sabia que não haveria mais como recuar. Derrubara o delegado de uma das colônias e pretendia seqüestrá-lo. Com isto infringia não somente as normas da Segurança, mas a própria lei. Mas Aboyer sabia perfeitamente que era a única possibilidade de ganhar mais algumas horas. E nestas horas teria de encontrar alguma coisa que pudesse ser apresentada a Mercant como prova da existência da terceira arma, senão seria rigorosamente punido. Aboyer teve suas dúvidas de que Willy fosse capaz de compreender as conseqüências do que estavam fazendo.
Willy voltou a envolver Riera. Desta vez foi fácil, já que o colono não podia oferecer resistência. Demorou menos de dois minutos até que Riera desaparecesse embaixo de uma camada de plasma. — Leve-o para cima — disse Aboyer. — Depressa! Quando voltar, já deverei ter revistado o quarto. Willy saiu com sua carga. Aboyer teve a impressão de que seu aliado tão prestativo ainda lhe causaria sérios problemas, mas já era tarde para separar-se de Willy. De qualquer maneira, o ser do Mundo dos Cem Sóis esforçava-se para apoiar o amigo terrano. Aboyer abriu a porta do armário embutido e revirou as roupas de Riera. Apalpou cuidadosamente peça por peça as que podiam servir para esconder a peça de uma arma. Mas não encontrou nada que lhe pudesse servir de prova, nem na roupa nem na bagagem de Riera. Indeciso, voltou a guardar as peças de roupa. Será que devia desistir das buscas? Afinal, não poderia esperar que encontrasse alguma coisa no primeiro quarto que revistasse. Estava fechando a porta do armário, quando Willy voltou. Aboyer viu imediatamente que continuava a carregar Riera. — Que houve? — perguntou, zangado. — Eu lhe pedi que o levasse ao planador. Willy apoiou-se no batente da porta, como quem quer proteger-se de alguma coisa. — Não foi possível — explicou. — Um casal de noivos com os convidados pousou na cobertura. Estão tirando fotografias dos noivos. E escolheram justamente seu planador para servir de fundo, Al. Aboyer franziu a testa. Imaginava perfeitamente o que teria acontecido se Willy tivesse passado pelos noivos e convidados para avançar cambaleante em direção ao planador. — Não encontrei nada — informou. — Parece que ao menos Riera não carregou nenhuma peça da arma. — Neste caso o coitado pode ser libertado — disse Willy, alegre, e deixou que a cabeça do colono saísse entre duas dobras da pele. — Por enquanto pode ficar neste quarto — decidiu Aboyer. — Espero que continue inconsciente pelo menos por mais uma hora. Teremos tempo para dar uma olhada nos outros quartos. Willy colocou o colono cuidadosamente no chão e seu corpo voltou a assumir a forma esférica. Com esta forma era parecido com uma medusa gigante de dois metros de altura. Aboyer olhou-o de lado. Preferia que Willy tivesse encolhido um pouco. — Vamos continuar do jeito que já provou ser bom? — perguntou Willy, ansioso. — Que já provou ser bom? — repetiu Aboyer com um suspiro. — Acha que conseguimos alguma coisa? Tive de deixar um administrador inconsciente para podermos prosseguir nas buscas. Willy acariciou o corpo esponjoso, usando vários tentáculos. — Apesar de tudo somos uma dupla excelente — disse, satisfeito. Aboyer teve de gemer. Aquele ser em forma de medusa era mesmo muito ingênuo. Apesar do corpo enorme, era muito medroso. Além disso dava a impressão de que era incapaz de pensar logicamente. O agente tirou do bolso uma folha com algumas anotações e lançou um olhar sobre ela.
— Quarto número seis — disse. — Fica neste andar. Vamos tentar de novo. Willy inchou tanto que mal pôde passar pela porta. Saiu deslizando. Aboyer lançou um olhar para Riera, que continuava inconsciente. Pegou uma caneta e escreveu no verso da folha de anotações: Dê-nos um dia antes de fazer qualquer coisa. Prendeu o papel na jaqueta de Riera. Se avaliara corretamente a personalidade do colono, este realizaria investigações por conta própria antes de avisar as autoridades. Mas era perfeitamente possível que não fosse assim. Neste caso as horas que Aboyer e o ser-medusa ainda poderiam passar em liberdade estariam contadas. Willy chegou ao quarto número seis. Fez sair um dos olhos salientes e tentou espiar entre a fresta estreita que havia entre a porta e o soalho. Não conseguiu nada. Afinou um dos pseudomembros, fazendo passar pela fresta, e fez surgir um olho na ponta. Havia um ser humanóide sentado a uma mesa, no centro do quarto. Sem dúvida era do sexo feminino. A mulher estava com a cabeça apoiada nas mãos, chorando, com o que despertou imediatamente a solidariedade de Willy, que se esqueceu de recolher o olho que passara por baixo da porta e bateu, usando outro tentáculo. A mulher levantou a cabeça e viu um olho sem cor balançando junto à porta. Pôs as mãos no pescoço e caiu na poltrona. Willy apressou-se em recolher o olho, mas já era tarde. Parecia que a dama tinha desmaiado. Willy voltou correndo ao quarto de Riera. Aboyer, que imaginava que uma coisa desagradável tivesse acontecido, fitou Willy com uma expressão de curiosidade. O ser-medusa emitiu um ruído parecido com um forte pigarro. — O quarto número seis é habitado por uma dama — disse Willy depois de algum tempo. — Eu sei — respondeu Aboyer. — É a duquesa Marek, do sistema Lay Star. Representará seu marido, que está gravemente doente. — Receio ter assustado a duquesa — disse Willy, deprimido. — O que foi que o senhor fez? — resmungou Aboyer. — Empurrei um olho por baixo da porta — informou Willy. — Quando bati, esqueci-me de recolhê-lo. Os nervos da duquesa não devem ser muito fortes. — Volte e peça desculpas — ordenou Aboyer. — Se continuarmos assim, dentro de uma hora teremos o maior tumulto neste hotel. — Estou muito triste porque o senhor não está satisfeito comigo, Al — disse Willy em tom melancólico. Em seguida retornou ao corredor. Voltou a bater à porta do quarto da duquesa e seus olhos salientes depararam-se com uma enorme arma energética apontada para ele. Ficou tão assustado que mudou de cor, passando para o violeta, e descreveu movimentos de rotação. Lembrou-se no último instante de que deste jeito só conseguiria romper o teto do andar de baixo e resolveu parar. — Não atire! — choramingou. — Sou um dos participantes da conferência. Gostaria de fazer-lhe uma visita. — Um Willy das Esteiras! — disse a mulher, que já não tinha nada de desamparada. Willy até teve a impressão de que era bem enérgica. — Vamos! Entre. Willy balançava que nem um pudim gigante quando entrou no quarto da duquesa estelar, sentindo frio e medo ao mesmo tempo. Ficou aliviado ao ver a colona baixar a arma.
— O senhor andou me espiando — queixou-se esta. — Por quê? — No Mundo dos Cem Sóis sempre costumamos espiar-nos uns aos outros — respondeu Willy prontamente. — Divertimo-nos a valer com isso, duquesa. O que quero dizer é que não há nada demais em um espiar o outro. Isto é... Perdeu o fio da meada e concluiu com uma risada encabulada. — O que deseja? — perguntou a duquesa, cujo cabelo era cor de cobre, como Willy notou, admirado. Usava botas altas e uniforme justo. Willy não apreciava muito a forma humanóide, mas não pôde deixar de reconhecer os dotes físicos da duquesa. — Poderíamos conversar a respeito de Perry Rhodan? — perguntou Willy. — Perry Rhodan — repetiu a duquesa, pensativa. — Ainda é um tema interessante. Por que não haveríamos de falar sobre ele? — A senhora se importaria em descer comigo? — perguntou Willy. — Poderíamos ir a uma sala ou um bar. Lá não faz tanto frio. — Prefiro o bar — respondeu a administradora, deixando Willy surpreso. — Desde que estou na Terra, sempre tenho dor de barriga. Parece que não existe remédio que resolva meu problema. Quem sabe se um bom trago não me fará bem? Se Willy fosse um terrano, estas palavras talvez lhe teriam dado que pensar. Mas seus conhecimentos a respeito do organismo humano era bastante reduzidos e por isso só disse que lamentava. Willy saiu rolando e deixou que a duquesa entrasse no elevador antes dele. Quando a mulher passou por ele, Willy recolheu os tentáculos sem que ela percebesse e segurou a porta do quarto antes que ela se fechasse. O caminho estava livre para Aboyer. Willy ficou feliz e orgulhoso. Mas dali a meia hora, quando voltou a encontrar-se com Aboyer no quarto de Riera, ficou sabendo que nas roupas e na bagagem da duquesa também não fora encontrado nenhum objeto suspeito. — Naturalmente não podemos excluir a possibilidade de uma das peças da terceira arma estar escondida nas vestes que a mulher usava quando foi ao bar com o senhor — disse Aboyer. — Não acredito — respondeu Willy, convicto. — Quando estava sentado perto dela, eu a revistei. Não encontrei nada. — Revistou?—perguntou Aboyer, estupefato. — Como fez isso? Willy mudou de cor de tão orgulhoso que ficou. — Apalpei-a — informou. — Fiz isso de forma tão suave que ela nem notou. Aboyer limitou-se a fitar o ser-medusa. Teve uma visão sombria. Imaginou um jornaleco com esta manchete: “Duquesa estelar flertando com um monstro no bar do Hotel Bennerton.” Embaixo da manchete apareceria uma fotografia enorme, pensou Aboyer. Uma fotografia mostrando Willy enquanto enlaçava a duquesa do sistema Lay Star com pelo menos doze tentáculos.
4 Quando foi informado de que Sintra Rontoff acabara de chegar da Lua e esperava ser recebida, Atlan já lera tudo que constava dos arquivos a respeito dessa mulher. Seu nome de solteira era Mahute. Vivera muito tempo com o pai e trabalhara na Whistler Company, antes que resolvesse aproveitar seus conhecimentos extraordinários de matelógica no centro de computação da Lua, onde acabara sendo promovida a chefe de seção e casara com um dos cibernéticos mais importantes que viviam na Lua. Antes de seu casamento com Darb Rontoff e da mudança de emprego. Sintra mantivera por muito tempo relações amistosas com um homem que não era nenhum desconhecido para o arcônida. Este homem era Emílio Alberto Aboyer. Atlan imaginava certas coisas, mas preferia falar com a matelógica antes de fazer qualquer coisa. Perry Rhodan fizera questão de estar presente à conversa que Atlan teria com a chefe de seção, mas o arcônida estava decidido a cumprir de qualquer maneira a promessa que fizera para Sintra. Além disso tinha suas dúvidas de que a jovem senhora dissesse tudo que queria dizer na presença de uma terceira pessoa. Na opinião de Atlan, não era necessário recorrer aos telepatas. Sempre que possível, o arcônida preferia respeitar a liberdade e a intimidade das pessoas, embora os terranos muitas vezes afirmassem o contrário. Atlan encontrava-se em uma das inúmeras salas com equipamento moderno dos escritórios do quartel-general da Segurança Solar. Mercant colocara a sala à sua disposição e garantira que ninguém o perturbaria. A partir dessa sala o arcônida chefiaria as medidas de segurança a serem tomadas durante a conferência. Atlan olhou para o relógio. Fazia três horas que tinha começado o dia dois de abril. O arcônida podia dispensar o repouso noturno, pois o ativador que usava protegia-o do cansaço. O fato de Sintra Rontoff procurá-lo altas horas da madrugada era a melhor prova de que estava convencida da urgência do problema que iria discutir. Ouviu-se um zumbido e a voz de um funcionário informou Atlan de que a chefe de seção esperava que a deixassem entrar. Atlan surpreendeu-se passando a mão pelos cabelos louros claros. Sorriu. Apesar dos muitos anos de vida, ainda tinha as fraquezas típicas de um homem. A matelógica não parecia nem um pouco embaraçada quando entrou na sala em cujo interior o lorde-almirante da USO estava à sua espera. Suas vestes limpas, longe de esconder sua beleza natural, até chegavam a realçá-la. Atlan levantou-se e cumprimentou a chefe de seção. Ofereceu-lhe uma poltrona e esperou que sentasse. A matelógica olhou em volta. Ao que parecia, queria certificarse de que estavam a sós. — Aqui não existem câmeras secretas nem microfones escondidos — disse Atlan com uma ponta de ironia. — O que disser só poderá ser ouvido por mim. Sintra pôs-se a refletir, mas logo deu a impressão de que chegara à conclusão de que podia acreditar nas palavras do lorde-almirante. — Peço que não me considere ridícula — pediu. — Não estou fazendo todo este segredo por minha causa. Só quero evitar que um velho amigo tenha problemas. — Acredito que Mister Aboyer saberia apreciar sua gentileza, se soubesse disso — observou Atlan.
Sintra ficou vermelha, mas não demonstrou nenhuma surpresa porque Atlan estava tão bem informado. — Quer dizer que se trata de arma fragmentária dos senhores da galáxia — disse Atlan. — Sabe alguma coisa a respeito? — Sei tudo que aconteceu até agora — respondeu Sintra. — Antes de minha partida para a Lua tive oportunidade de conversar com o Doutor Hauser, que me deu todas as informações a respeito da segunda arma que eu queria. Vim informá-lo de que provavelmente foi introduzida uma terceira arma fragmentária em Terrânia. Bastava olhar para a mulher para que Atlan soubesse que ela refletira muito sobre o que iria dizer. Afinal, era chefe de seção e trabalhava como matelógica junto a Nathan. Era a melhor credencial que Sintra poderia ter apresentado. As palavras que acabara de ouvir confirmavam os piores receios de Atlan. Sabia que deveria dar imediatamente o alarme, mas teve uma impressão forte de que com isso só causaria confusão. Por isso ficou quieto, esperando que Sintra prosseguisse. — Acabo de aludir a uma terceira arma fragmentária — disse a matelógica. — O senhor recebe isso como se eu tivesse dado uma receita de bolo. Esqueceu que a conferência deverá começar amanhã? — A senhora manifestou uma simples suposição — retrucou Atlan. — Sou obrigado a ouvir mais de cem teorias por dia. A senhora terá de apresentar fundamentos sólidos para sua suspeita, senão minha reação não passará de um sorriso. Sintra parecia contrariada, mas Atlan conhecia isso. Todos os terranos com os quais travava conhecimento aborreciam-se com seu jeito irônico. Mas depois de vários encontros com o arcônida isso costumava passar. — O senhor sabe qual é minha profissão — disse a indiana. — Acha que teria vindo se não tivesse certeza do que estou dizendo? Mister Aboyer pediu que processasse uma série de dados, e o computador positrônico confirmou com sessenta e três por cento de probabilidade a teoria da existência de uma terceira arma. Pouco antes de sair da Lua, repeti o processamento com todos os dados disponíveis. Nesta altura a probabilidade da existência de uma terceira arma fragmentária chega a oitenta e dois por cento. “Para uma cibernética é como se já visse a arma diante dos olhos”, pensou Atlan. — Onde devemos procurar esta arma? — Sobre isso não posso dizer nada — respondeu Sintra. — Não se esqueça de que só disponho de um pequeno computador positrônico para meu uso particular. O grande centro de computação positrônica certamente poderia fornecer indicações mais detalhadas. O que acha que devo fazer? — perguntou o arcônida, inclinando-se na poltrona. — Neste momento Aboyer tenta localizar uma das peças da terceira arma. Assim que a encontrar, a apresentará aos senhores. Dessa forma evitaria desencadear a maior ação de busca que já houve em Terrânia. — A senhora duvida que Aboyer seja bem-sucedido, não é mesmo? — Aboyer não encontrará nada — respondeu Sintra. Com os dados disponíveis o centro de computação positrônica não poderá fornecer qualquer indicação sobre o lugar em que pode estar escondida alguma peça da arma. Se o computador não pode, como Aboyer haveria de descobrir alguma coisa? Depende exclusivamente do acaso. Atlan sentiu que estava ficando contrariado.
— Aboyer é um daqueles terranos que pensam que podem alcançar qualquer coisa, desde que ajam com a necessária resolução — disse em tom violento. — Vou dizer-lhe uma coisa. Aboyer poderá ser punido por seus atos. Não entrou imediatamente em contato com Mercant e por isso pôs em perigo a vida de milhões de pessoas. Provavelmente nem se dá conta disso. De qualquer maneira, providenciarei para que seu Mister Aboyer receba o castigo que merece. Sintra levantou-se de um salto. Estava pálida. Atlan viu que cerrara os punhos. — Primeiro não é meu Mister Aboyer; é um agente da Segurança — exclamou. — Em segundo lugar, o senhor deveria tratar de prender os autores do atentado planejado, antes de preocupar-se com o castigo a ser imposto a um homem que arrisca a vida para conseguir uma prova da existência da terceira arma. Sabe por que não comunicou suas suspeitas a Mercant? Receia que possa estar enganado. Achou que as buscas da terceira arma não seriam coroadas de êxito. Neste caso Rhodan fatalmente teria de cancelar a conferência. E foi o que Aboyer quis evitar, porque sabe perfeitamente o que acontecerá se a conferência não se realizar. — Fique sentada — disse Atlan. — A senhora conseguiu impressionar-me. Também tentarei impressioná-la. O arcônida apertou alguns botões do videofone. O rosto indiferente de um funcionário apareceu na tela. Atlan pediu uma ligação com Perry Rhodan. — É urgente — disse. — O Administrador-Geral espera meu chamado. Faça o favor de sentar perto da janela — disse, voltando a dirigir-se a Sintra Rontoff. — Assim Rhodan não poderá vê-la quando eu estiver falando com ele. A matelógica mudou de lugar. Em seguida ouviu a voz de Rhodan, saída do videofone. — A mulher chegou? — perguntou o Administrador-Geral. — Já foi embora — respondeu Atlan. — Eu disse que queria estar presente durante a conversa. Por que não me chamou? Se Rhodan estava aborrecido, ele não mostrou. — Ela falou na existência de uma terceira arma fragmentária — informou Atlan a seu amigo terrano, sem responder à pergunta que este acabara de fazer. — Uma terceira arma? — rugiu a voz de Rhodan saída do alto-falante. O Administrador-Geral parecia muito nervoso. — A conferência começa amanhã. Será que terei de cancelá-la? — Acho que você não tem alternativa — respondeu Atlan, lacônico. — Em minha opinião as suspeitas dessa mulher são exageradas — disse Rhodan. — Deve estar meio histérica. Você sabe perfeitamente que a segunda arma seria capaz de destruir um continente. Quer dizer que não haveria razão para a terceira arma, mesmo do ponto de vista de um senhor da galáxia. Sintra não agüentou mais no lugar. Levantou-se e foi para perto da escrivaninha de Atlan. — Receio que você tenha posto a mão num ninho de marimbondos — disse Atlan e deu de ombros. Rhodan parecia olhar fixamente de dentro da tela. Sintra sentiu-se como se o terrano se encontrasse bem à sua frente. — Que jogo sujo é esse, arcônida? — perguntou Rhodan. — Queria que ela ouvisse o que você acha das suas idéias — respondeu Atlan. — É bom que compreenda que você não está disposto a adiar a conferência. Agora ela
já sabe que você rejeitará qualquer suspeita, por mais lógica que possa parecer, somente para realizar logo sua conferência. Antes que Rhodan pudesse responder, Sintra levantou o braço. — Olhe para mim! — pediu ao Administrador-Geral. — Pareço histérica? O senhor acha que uma mulher histérica teria uma chance de tornar-se chefe de seção na Lua? O senhor deve saber que a gente tem de submeter-se a uma série enorme de psicotestes antes de ser considerada apta para trabalhar com Nathan. Rhodan não pôde deixar de rir. — Que aliados formidáveis — disse. — Vocês combinaram o que iriam dizer? — O que interessa é a terceira arma — disse Atlan. — Autorize-me a usar todos os mutantes para procurá-la. — Não — respondeu Rhodan em tom enérgico. — A conferência começa amanhã, às nove horas da manhã. Precisarei dos mutantes para controlar os participantes. Você deixou impressionar-se pelos receios de uma mulher. Nem sequer existe um alerta oficial de Nathan — Rhodan acenou fortemente com a cabeça. — Dê licença, senhora Rontoff. Preciso preparar a conferência. A tela escureceu. Atlan recostou-se na poltrona. — Não é possível — disse a indiana em tom de incredulidade. — Ele não pode deixar de acreditar em nós. — Rhodan só tomará providências se tiver uma prova muito forte — disse Atlan. — Acho que Aboyer avaliou corretamente a situação. Perry Rhodan acredita que o destino da Humanidade depende em grande parte das decisões que foram tomadas no dia três de abril. Fixou-se na conferência e não quer ver o perigo que ameaça os delegados. — E agora? — perguntou Sintra, perplexa. — Só podemos fazer votos de que Aboyer seja bem-sucedido — respondeu Atlan. — Quer dizer que não vai fazer nada? Não tem poderes para agir? — Minha guarda de segurança protegerá o Solar Hall. Todos os agentes da USO de que dispomos no momento foram destacados para a guarda dos delegados. Naturalmente tentarei liberar alguns homens competentes, que me ajudarão a procurar a peça da arma. A chefe de seção respirou aliviada. — Quer dizer que apoiará a ação de Aboyer? — A senhora pensa que ficarei inativo, até que o continente asiático seja destruído por uma explosão atômica? — Atlan sacudiu a cabeça. — Volte à Lua. Se conseguir outros dados importantes, a senhora será informada. — Não vai solicitar uma interpretação oficial pelo grande centro de computação positrônica da Lua? — Acho que isso não adiantaria muito — respondeu Atlan. — A resposta demoraria algumas horas. E se Nathan confirmar nossas suspeitas, Rhodan certamente encontrará um pretexto para realizar a conferência na data marcada. Seria capaz de mudar às pressas o local da conferência, e pensaria que teria feito muito pela segurança dos delegados. Sintra olhou sem querer para o relógio de parede, que ficava atrás da escrivaninha de Atlan. Era o dia 2 de abril de 2.405, 4 horas e três minutos. A conferência começaria dali a vinte e nove horas.
5 Um tanto entediado, Miras-Etrin tirou a cassete de microfilme do projetor e ligou a luz da cabine. Apertou um botão, e o aparelho que se encontrava sobre a mesa desapareceu. Os filmes dos tefrodenses tratavam sempre dos mesmos temas. E os problemas das inteligências de vida curta não podiam interessar a um ser que usava ativador de células. A espaçonave em cujo interior se encontrava o senhor da galáxia estava imobilizada no espaço a cerca de 250 anos-luz do Sistema Solar. A falta de atividade dos últimos dias não contribuía para deixar Miras-Etrin mais bem-humorado. Era bem verdade que encontrara na pessoa de Broysen, que era o comandante da nave tefrodense, um adversário respeitável no jogo lógico tridimensional, mas não podia ficar ocupado com isso mais de algumas horas por dia, porque Broysen geralmente não podia afastar-se da sala de comando. Mas a espera chegara ao fim. Dali a uma hora um pequeno barco espacial decolaria com destino ao Império Solar. O duplo que estaria a bordo do minúsculo veículo espacial só teria uma tarefa a cumprir: detonar a terceira arma fragmentária na manhã do dia 3 de abril, a partir de um satélite de TV. Esta parte do plano deixava Miras-Etrin muito orgulhoso. Mesmo que desconfiassem no último instante, os terranos nunca descobririam que o golpe decisivo seria desfechado a partir de um dos dez satélites de televisão. Miras-Etrin ligou o microfone do intercomunicador. — Alô, comandante! Miras-Etrin falando. Tudo preparado? — A nave está pronta para decolar, Maghan — respondeu o comandante. — Se permitir, gostaria de falar com o senhor em seu camarote pouco antes da decolagem. — O que deseja? — perguntou o senhor da galáxia, aborrecido. A agilidade mental de Broysen sempre o deixava contrariado. — Quero fazer uma troca — respondeu o comandante. — Uma troca? — o fator IV franziu o sobrecenho, mostrando que não tinha compreendido. — O que pretende trocar, comandante? — Vamos parar de fingir, Maghan — disse Broysen com a voz apagada. — Não tenho mais muito tempo de vida. Por causa disso gostaria de pilotar o barco espacial e detonar a terceira arma fragmentária. — Toda a tripulação nos ouve — murmurou Miras-Etrin. — Venha ao meu camarote. Em seguida desligou e preparou sua arma. Com um homem como Broysen deviase estar preparado para qualquer coisa. O comandante entrou dentro de instantes. Viu a arma que Miras-Etrin segurava na mão e sorriu. — Quer matar-me logo? — perguntou. Miras-Etrin sacudiu a cabeça. — O senhor sabe que este vôo é uma missão suicida. O senhor nunca voltará. Pergunto a mim mesmo se não tem a intenção de entregar-se aos terranos, sem detonar a arma. — Está lembrado de nosso primeiro jogo, Maghan? — perguntou Broysen, apontando para a caixa com as figuras.
— Tinha comigo uma microbomba construída por mim mesmo. Poderia ter matado o senhor e a mim, mas não o fiz. Prometo que cumprirei a missão com mais empenho do que o duplo escolhido pelo senhor seria capaz. Miras-Etrin voltou a guardar a arma energética no cinto e fez um gesto pensativo, passando a mão pelos cabelos. — O senhor é um tipo esquisito, Broysen — disse. — Quase se poderia dizer que é um rebelde leal. No fundo quer a mesma coisa que eu quero: subir. Espera encontrar um meio de voltar depois de detonada a arma fragmentária, embora no momento isso pareça impossível. Põe no jogo a coisa mais preciosa que possui: a própria vida. — Já ganhei um jogo impossível — lembrou o comandante, voltando a apontar para a caixa de figuras do jogo lógico tridimensional. — Uma vitória inesperada costuma deixar a pessoa leviana — disse Miras-Etrin. — Já vi morrer muitos homens que depois de uma pequena vitória se consideravam grandes conquistadores. Não acho que seja presunçoso ou megalomaníaco. Mas o senhor há de reconhecer que é um jogador inveterado. Os olhos do tefrodense pareciam chispar fogo. — Vai me dar uma chance? — perguntou, ansioso. Foi um dos raros instantes na vida de Miras-Etrin em que ele teve compreensão por outro ser. Talvez pensasse que sua vida seria semelhante à de Broysen, se não possuísse um ativador de células. — Pode trocar com o duplo — respondeu o senhor da galáxia. — Obrigado! — disse Broysen, aliviado. Miras-Etrin levantou-se e apontou para a porta. — Venha comigo — disse. — Vamos ao hangar. Quero voltar a explicar tudo. Broysen era um homem alto e magro. Era tão rigoroso em matéria de higiene corporal que até parecia uma coisa esterilizada. Talvez pudessem ser parceiros, se estivessem no mesmo nível. Os dois ficaram em silêncio até que entraram no hangar e ficaram parados à frente da pequena espaçonave. — Na verdade, isto não passa de uma versão compacta de propulsor linear — disse Miras-Etrin, apontando para a caixa retangular de três metros de comprimento. — Só há lugar para ficar deitado. Quase não terá nenhuma liberdade de movimentos. Mas a coisa sem dúvida o levará ao destino. Não esqueci nenhum detalhe. Os postos de vigilância terranos pensarão que é um meteoro. Vê-lo-ão precipitar-se para a superfície da Terra e desaparecer. Para os terranos isso é uma coisa bem normal. O elevado teor de níquel que provavelmente constatarão também não tem nada de anormal. O senhor sairá do veículo e usará seu traje espacial para voar para uma estação de TV que circula cerca de dois mil quilômetros acima da superfície da Terra. Não se preocupe com as distâncias exatas, pois a pequena nave em que viajará foi programada com todos os detalhes. Não haverá nenhum imprevisto. Até mandamos fazer uma cópia de uma chave de impulsos que lhe permitirá abrir a comporta do satélite de TV, que tem dez metros de diâmetro. Estas informações não representavam nenhuma novidade para Broysen, mas ele ouvia tudo com a maior paciência. — A junção das peças da terceira arma fragmentária se verificará assim que todos os participantes da conferência estiverem reunidos no Solar Hall — prosseguiu o senhor da galáxia. — A única coisa que terá de fazer depois disso é apertar o botão que desencadeará o processo de fusão nuclear dos átomos de oxigênio. Todos os átomos de
oxigênio da atmosfera terrestre entrarão imediatamente no processo de fusão nuclear. Dentro de alguns segundos a Terra se transformará numa tocha solar. Não haverá sobreviventes. — Estou preparado — disse Broysen. Miras-Etrin olhou para o relógio. O comandante tefrodense ainda dispunha de meia hora. Era o suficiente para um jogo lógico tridimensional. Seria a última partida disputada por eles, pensou o senhor da galáxia. Broysen não voltaria.
6 Willy das Esteiras estava encolhido, imóvel, ao lado de Riera, que continuava inconsciente. O frio e a decepção o tinham deixado cansado. O amigo Al dera ordem para que ficasse no quarto para cuidar de Riera. Willy desconfiava de que isso apenas era um pretexto para Al continuar nas buscas sozinho. Ao que tudo indicava, Aboyer não estava satisfeito com o trabalho de seu aliado. Willy fez sair bem devagar um dos seus olhos salientes e dirigiu-o para Riera. O velho não dava a impressão de que iria acordar em breve. Aboyer perguntou a si mesmo em que parte do hotel Aboyer podia estar. Sem dúvida o agente ainda não conseguiria nada, pois do contrário teria voltado para perto de Willy. “Não demora a clarear lá fora”, pensou Willy. Quando isso acontecesse, teria de abandonar o quarto de Riera. Seria perigoso ficar até que entrasse um robô-garção ou um funcionário do hotel. De repente Riera gemeu baixinho. Willy estremeceu. — Fique deitado — disse ao colono. — Al deixou um recado para o senhor. Riera piscou os olhos e pôs a mão na cabeça. Willy olhou para os lados como quem pede auxílio. Será que havia um lugar em que pudesse esconder-se? O administrador de Plaza de Bravos recuperou os sentidos e fitou Willy, um tanto atordoado. — Sua cria do inferno! — resmungou. Willy encolheu-se e deu um passo para trás. Tremia de frio. Riera encontrou o bilhete preso ao casaco e leu. Para espanto de Willy, esboçou um sorriso. Mas logo amassou o bilhete e atirou-o num canto. — Esse seu amigo terrano é um sujeito obstinado, não é mesmo? — perguntou e levantou-se. Cambaleou e teve de apoiar-se na mesa. Pegou uma garrafa que se encontrava sobre esta, tomou um gole e limpou a boca. — Preciso avisar Al de que o senhor acordou — disse Willy e saiu em direção à porta. — Fique onde está! — gritou Riera. Willy ficou apavorado. De repente o colono apontava uma arma para ele. Sem querer, Willy começou a girar em torno do próprio eixo. O piso de plástico não resistiu aos pés de Willy, que eram duros como diamante. Perplexo, Riera viu o ser-medusa abrir um furo enorme no chão. — Pare! — gemeu e baixou a arma. — Vamos! Pare com isso. Mas Willy, que tinha entrado em pânico, rodava cada vez mais depressa. Uma nuvem de poeira subiu ao teto e fragmentos de plástico voaram pelo quarto. Riera abrigou-se embaixo da mesa. Willy provocava um estranho ruído, que maltratava os nervos de Riera. O ruído certamente podia ser ouvido em todo o andar. De repente os pés de Willy não encontraram mais resistência. Rodando sempre, foi cair juntamente com alguns fragmentos de plástico num quarto do andar de baixo. Soltou um grito de pavor e mudou de cor. Bateu numa coisa macia, que começou a debater-se. Fez tudo para escapar, mas o ser que lutava desesperadamente para libertar-se segurava-o sem querer.
Willy encolheu-se e fez sair um dos olhos salientes. Neste instante viu seu amigo Al, meio encoberto de substância plasmática, brandindo os punhos numa terrível resolução. — Al! — fungou Willy, aliviado. — Sou eu! Seu amigo Willy. Aboyer praguejava sem parar. Finalmente conseguiu libertar-se de Willy. Recuou para perto da cama e caiu com um gemido. Uma risada homérica vinda do teto se fez ouvir. Riera estava inclinado sobre o buraco aberto por Willy e sacudia-se de rir. — Isso que é justiça! — gritou para Aboyer. Willy formou uma pseudomão e bateu no ombro de Aboyer para animá-lo. Aboyer afastou a mão e olhou para a ponta dos pés. — Como fez isso? — perguntou depois de algum tempo. O ser-medusa apontou para cima com um dos tentáculos. — De repente recuperou os sentidos e ameaçou-me com uma arma. Aí me descontrolei e quis fugir. Devo ter atravessado o teto. — Levarei anos sonhando com este quadro! — berrou Riera. — Pelos planetas do Universo, nunca pensei que minha permanência na Terra fosse tão interessante. Aboyer tirou os olhos dos pés e fitou o teto. — E o buraco? — perguntou. — Como explicaremos? — Onde está o morador deste quarto? — perguntou Willy. — Telefonei do bar para convocá-lo para uma palestra importante num local noturno perto do Solar Hall. A esta hora já deve ter descoberto que foi enganado e certamente está voltando. — Encontrou alguma coisa? — perguntou Willy. Aboyer sacudiu a cabeça. Era o fim. Só lhe restava esperar a chegada de um funcionário da Segurança. Os guardas espalhados por todos os cantos do hotel certamente tinham ouvido o barulho feito por Willy ao perfurar o teto. — Sinto muito, Al — cochichou Willy. — Bem que eu gostaria de não ser tão covarde. Riera saltou pelo buraco e sentou na cama ao lado de Aboyer. — Talvez possamos conversar — disse com um sorriso, enquanto esfregava o queixo. — O senhor até que é bom no boxe, amigo. Aboyer esqueceu-se por um instante do que tinha acontecido e exibiu seus dentes de cavalo num sorriso largo. Mas antes que pudesse dar uma resposta a porta foi aberta violentamente e dois homens entraram correndo, com as armas energéticas apontadas. Um deles era alto e esbelto. Tinha cabelos louro-claros muito compridos. — Atlan! — exclamou Aboyer, surpreso. O arcônida baixou a arma. Seu companheiro ficou de pé na entrada. Atlan apontou para Willy e Riera. — É sua tropa? — perguntou. — Só eu trabalho com ele — principiou Willy. — Este aqui é o administrador de Plaza de Bravos. Riera levantou e ficou puxando nervosamente a barba. — Bobagem — disse. — Daqui em diante também pertenço à tropa. Tenho bom faro para detectar as coisas importantes. Acho que vocês estão fazendo um trabalho quente, que interessa a todos. — Ele tem de ser informado — disse Atlan. — É o único meio de tê-lo do nosso lado. Eu me responsabilizo — fez um sinal para Aboyer. — O hóspede deste quarto foi alojado no segundo andar. Tomei as providências necessárias. Mandei dizer a ele
que era por motivos de segurança. Ele tinha recebido um telefonema misterioso, que o deixou tão assustado que preferiu não fazer perguntas. Atlan sorriu. — Trago recomendações de uma dama encantadora — disse. — Pediu que o ajudasse no seu trabalho. Olhou para o relógio. — O que estamos esperando? — perguntou. — Não temos muito tempo. — Tanta gente amável! — guinchou Willy, entusiasmado. Antes que Aboyer pudesse impedi-lo, o ser-medusa formou um tentáculo e começou a fazer cócegas nele. — Pare com isso! — resmungou Aboyer em tom áspero. — Não é hora de brincadeiras. — Acho que faremos o seguinte — disse Atlan e contou seu plano a Willy e aos três homens. *** Neste mesmo instante a duzentos e cinqüenta anos-luz dali um comandante de espaçonave tefrodense chamado Broysen estava colocando um traje espacial. Olhou para Miras-Etrin, que lhe entregou o capacete. — Enquanto estiver na nave, não precisará preocupar-se com nada — disse o senhor da galáxia. — O piloto automático levá-lo-á ao destino sem problemas. Seu trabalho será unicamente fazer explodir a terceira arma fragmentária. Broysen limitou-se a acenar com a cabeça. Pegou o capacete e prendeu-o à tira do ombro de seu traje pressurizado. Seus movimentos pareciam resolutos e confiantes. Mas não sobreviveria à operação. A Terra transformar-se-ia numa bola de fogo, cujas ondas de calor atingiriam Broysen na estação de TV. Miras-Etrin olhou para o relógio. Broysen ainda dispunha de seis minutos. — Desista disso, Broysen — disse o senhor da galáxia, exaltado. — Mandarei o duplo. Não pense que vou matá-lo. Broysen sacudiu a cabeça. — Se eu ficar o senhor terá de matar-me, Maghan. Não poderá assumir o risco de deixar-me vivo. Sempre haveria a possibilidade de um outro senhor da galáxia usar-me como arma contra o senhor. Sei que pretende atacar o fator I assim que a Terra tiver sido liquidada. O senhor me pouparia por alguns dias, mas as dúvidas logo surgiriam em sua mente. O senhor se arrependeria de ter tomado uma decisão precipitada e mandaria matar-me. — Acho que o senhor tem razão — reconheceu Miras-Etrin. Broysen sorriu e fechou o capacete. Miras-Etrin abriu a portinhola de entrada da mininave. O tefrodense enfiou-se por ela. — Está levando a chave de impulsos? — gritou o senhor da galáxia. Broysen fez que sim. Deitou de lado, para poder ficar de olho nos poucos instrumentos que teria de vigiar e controlar durante o vôo. Miras-Etrin sabia que o astronauta tinha uma viagem enfadonha pela frente. Mas talvez o vôo para a morte certa nem fosse tão enfadonho. Quem sabe se neste caso o tempo não passava mais depressa? — Pode fechar a portinhola, Maghan — disse Broysen, cuja voz soava oca. Miras-Etrin deixou cair a portinhola e ouviu-a entrar na posição de repouso. Broysen testaria a pressão no interior da nave. O pequeno veículo espacial estava estacionado nos trilhos de catapultagem de onde seria arremessado para o espaço.
Miras-Etrin teve de sair, porque dali a dois minutos a eclusa do hangar seria aberta. Foi à sala de comando, para acompanhar a decolagem do pequeno veículo espacial pela tela de imagem. Broysen, que estava deitado imóvel no interior do barco espacial, olhava fixamente para o cronômetro. Não tinha nada a fazer durante a decolagem, mas depois que a mininave tivesse saído do hangar, teria de fazer uma correção de rota. — Comandante? — disse a voz de seu substituto pelo rádio comum. — Sim — respondeu Broysen. — Estou pronto. Sabia que naquele momento a eclusa do hangar estava sendo aberta. Sem querer entesou o corpo, embora soubesse que nem sentiria a pressão da decolagem. — Decolar! Esta palavra fora dita por Miras-Etrin, que certamente se apressara em voltar à sala de comando. Broysen passou os olhos pelos mostradores. Já se encontrava no espaço. — O senhor me ouve, Broysen? — perguntou o senhor da galáxia, que tinha ficado a bordo da nave maior. — Sim, Maghan — respondeu Broysen, que estava deitado bem quieto quando se deu conta da solidão infinita da qual só estava separado por algumas chapas de metal. Mas não tinha medo; antes, experimentava uma sensação de tranqüilidade e descontração total. — Faça a correção da rota! — ordenou Miras-Etrin. Broysen comparou as escalas projetadas no painel de controle e colocou o piloto automático na posição previamente fixada. — Temos de suspender as comunicações pelo rádio, comandante — disse MirasEtrin. — Seria muito perigoso mantê-las, porque constantemente aparecem unidades terranas por perto. — Está certo, Maghan — disse Broysen. Mais um estalo, e a comunicação com a nave-mãe foi interrompida. Broysen olhou para a tela pequena que ficava bem em cima de sua cabeça. Só se viam as estrelas e a escuridão do espaço cósmico. Broysen respirou profundamente. Levaria vinte e quatro horas terranas para chegar ao destino. Com um simples aperto de botão extinguiria toda a vida sobre a Terra — além de sua própria. *** Aboyer sentiu um cansaço tremendo. Até parecia que sua mente não queria funcionar mais. Olhou para o relógio. Passava pouco das dez. Revistara vinte e três quartos, juntamente com Atlan, Riera, Willy e o agente da Segurança, mas não encontrara o menor sinal de uma terceira arma. Fazia alguns minutos que os quatro homens e o ser vindo do Mundo dos Cem Sóis estavam reunidos no grande hall do Hotel Bennerton. Aboyer olhou para a janela e viu que lá fora o tempo estava bastante agitado. Os pingos de chuva desciam pelas vidraças. — Está fazendo frio — disse Willy em tom queixoso. Aboyer esfregou o rosto com as mãos. Riera estava sentado obliquamente à sua frente, com as pernas cruzadas. Parecia que o velho colono não sabia o que era ficar cansado. Observava Atlan, que tentava fazer uma ligação com a Segurança. O arcônida usava um pequeno radiotransmissor de pulso.
Willy ficou rastejando de um canto para outro, sem encontrar um lugar quente. O homem da Segurança, cujo nome Aboyer ainda não conhecia, estava parado junto à porta, com os braços cruzados sobre o peito. — Bom dia, Allan! — exclamou Atlan de repente. — Ainda bem que consegui falar com o senhor. Preciso de uma ligação direta entre Nathan, seção quatro, e o hall principal do Hotel Bennerton. Aboyer não entendeu a resposta de Mercant, mas notou que Atlan começava a impacientar-se. — Não posso dar o nome da pessoa com a qual pretendo falar — disse o arcônida. — A ligação deve ser feita por intermédio do quartel-general, pois só assim teremos certeza de que ninguém mais nos ouvirá — Atlan sorriu. — Não, não aconteceu nada. Só pretendo tomar mais algumas precauções. Atlan desligou o rádio de pulso e chegou perto do videofone que tinha sido montado no hall. Pediu à central telefônica do hotel que fizesse uma ligação com o quartel-general da Segurança. Dali a instantes Aboyer viu o rosto de Sintra aparecer na tela. — Não encontramos nada — disse Atlan, indo diretamente ao assunto. — A senhora se enganou, ou então as peças da arma estão tão bem escondidas que é impossível encontrá-las. — Revistaram os quartos de todos os delegados que chegaram por último? — perguntou Sintra. — Não conseguimos entrar nos quartos de quatro delegados. O truque que bolamos não funcionou sempre. Mas tenho certeza de que nestes quartos também não encontraremos nada. Aboyer viu a indiana cerrar fortemente os lábios. — Continuem a procurar — disse. — Não é possível — respondeu Atlan categoricamente. — Já deveria estar no Sollar Hall para checar as medidas de segurança. Como sabe, amanhã deverei controlar estas medidas do quartel-general da Segurança. — A conferência começará amanhã, às nove da manhã — disse a chefe de seção. — O senhor ainda tem muito tempo para procurar. — Não adianta — retrucou Atlan. — Sabemos por experiência própria que as peças da arma são indetectáveis; não emitem nenhuma radiação. Os detectores de massa e os sensores infravermelhos não adiantarão nada. Nisto os senhores da galáxia foram muito hábeis. A arma só passa a irradiar energia depois da junção de suas peças. Sem os mutantes não tenho praticamente nenhuma chance de encontrar a terceira arma. Se é que ela existe. — Volte a falar com o Administrador-Geral — sugeriu Sintra. O arcônida riu debochado. Mas logo voltou a ficar sério. — Podemos fazer alguma coisa, sim — disse. — Convencer Rhodan de que a terceira arma existe. — Como pretende fazer isso? — perguntou Riera. — Por meio de Willy — disse Atlan. — Ele nos ajudará. — O quê? — resmungou Willy, triste. — Não sei como. — Pediremos a Willy que vá falar com Perry Rhodan — explicou Atlan. — Ele afirmará que encontrou um objeto estranho, que algum desconhecido colocou dentro de sua máquina tradutora. O corpo estranho foi notado porque o aparelho não funcionava muito bem.
— Rhodan vai querer ver o objeto — ponderou Sintra. — Naturalmente — confirmou Atlan. — Acontece que nosso amigo do Mundo dos Cem Sóis o perdeu. Só pode fazer uma descrição. — Será que Rhodan cairá nesta? — perguntou Riera. — Sem dúvida — garantiu Atlan. — Se tiver uma prova da existência da terceira arma, por menor que seja, Rhodan cancelará a conferência. — Seria um verdadeiro suicídio político — observou o administrador de Plaza de Bravos. — Sei qual é o estado de espírito dos colonos. A maior parte dos delegados veria no cancelamento da conferência um ato de covardia e o reconhecimento do fracasso de Rhodan. — Antes de ficar politicamente morto que ser transformado num monte de cinzas — disse Atlan. — O senhor sabe o que deve fazer — prosseguiu, dirigindo-se a Willy. — Aboyer o levará num planador. — O Administrador-Geral é meu melhor amigo — disse Willy. — Não quero mentir para ele. — Se realmente é seu melhor amigo, o senhor não tem alternativa. Se quiser que continue vivo, terá de mentir para ele. Aboyer levantou. Preferiu não olhar para a tela. Não tinha vontade de falar com Sintra. Com ela certamente acontecia a mesma coisa. “Aquilo que já foi pertence irremediavelmente ao passado”, pensou Aboyer, embora a impressão surda de uma perda irreparável lhe dissesse que não era bem assim. Fez um sinal para Willy e despediu-se dos outros com um gesto. Tudo que estava acontecendo era uma conseqüência na conversa que tivera com Sintra no dia 31 de março. Atlan acabara de sugerir que se usasse uma história inventada para convencer o Administrador-Geral de que a terceira arma fragmentária realmente existia. Se havia mesmo uma terceira arma, a idéia até que não era má. Mas se os cálculos de Sintra não fossem confirmados pelos fatos, Emílio Alberto Aboyer poderia acusar-se de ter contribuído para a queda de Perry Rhodan. Aboyer desejava que já durante a juventude tivesse perdido o hábito de incomodar-se com coisas que não lhe diziam respeito. Teria evitado muitos aborrecimentos. — Por que está tão pensativo, Al? — perguntou Willy quando estavam entrando no elevador que os levaria à cobertura do edifício. — Estou cansado — disse o agente, esquivando-se a uma resposta direta. *** Perry Rhodan não se mostrou muito surpreso quando viu um Willy das Esteiras entrar pela porta e deslizar em direção à sua escrivaninha. Já fora avisado de que um delegado extraterrestre queria falar com ele. Rhodan estava admirado porque tão poucos delegados o tinham procurado antes do início da conferência, para discutir certos problemas. Teve a impressão de que essa atitude reservada era um mau sinal. — Bom dia, senhor — disse Willy em tom amável enquanto se esforçava para assumir uma forma aproximadamente humanóide. Mas não conseguiu controlar um dos seus tentáculos. O pseudomembro caiu na escrivaninha de Rhodan. Quando se deu conta do erro, Willy recolheu apressadamente o tentáculo, mas arrastou alguns papéis. Willy mudou de cor, balbuciou alguns pedidos de desculpa e apressou-se em colocar os papéis novamente no lugar.
Rhodan sabia que os Willys das Esteiras eram seres muito sensíveis. Não teve a menor dúvida de que durante a conferência seu interlocutor não atacaria o governo do Império. Restava saber se Willy teria muita influência sobre os outros delegados. — Descobri uma coisa estranha, senhor — disse Willy, que naquele momento parecia a caricatura de um ser humano. — Acho que o senhor deve estar interessado em saber o que encontrei. Rhodan fez um gesto afirmativo e Willy contou a história inventada. Bem que gostaria que Rhodan não olhasse tão fixamente para ele enquanto estava falando. Suas pernas cediam, e Willy encolheu-se à frente da escrivaninha. — Por que atribui tamanha importância a um objeto não identificado encontrado em sua tradutora? — perguntou Rhodan assim que Willy concluiu sua história. — Sempre ando com a tradutora — respondeu o ser-medusa. — Não posso explicar como o objeto foi parar dentro do aparelho — balançou o tentáculo, num gesto pensativo. — Quem sabe se não é.uma peça de uma bomba, senhor? — Hum! — fez Rhodan. Willy teve vontade de dar o fora, mas era delicado demais para sair sem mais aquela. De tão nervoso que estava, até chegou a esquecer o frio que há tanto tempo o maltratava. Rhodan acionou a chave do interfone. — John — ouviu Willy. — Faça o favor de pedir a Fellmer que venha cá. Willy perguntou-se um tanto perplexo o que significava aquilo. Em sua opinião a reação de Rhodan deveria ter sido bem diferente. O Administrador-Geral não deu o alarme, nem se mostrou muito impressionado. — Tem certeza de que não se enganou? — perguntou Perry Rhodan. — Ora essa, senhor! — respondeu o ser plasmático em tom exaltado. — O senhor acha que eu o teria procurado se não tivesse certeza? — Sem dúvida não teria — confirmou Rhodan. Alguém bateu à porta, interrompendo a conversa. Rhodan acionou a fechadura automática e um homem baixo de cabelos escuros entrou. Dava a impressão de ser um homem amável. Willy sentiu-se aliviado. Provavelmente Perry Rhodan incumbiria este homem de dar início às operações de busca. — Quero apresentar Willy das Esteiras, Fellmer — disse Rhodan. — O senhor já conhece seu povo das operações que realizamos no Mundo dos Cem Sóis. O terrano de ombros largos cumprimentou Willy com um sorriso. — Permite que apresente Fellmer Lloyd, Willy — perguntou Rhodan, dirigindose ao ser-medusa. — Lloyd é um mutante. É localizador e telepata. Não é mesmo, Fellmer? Lloyd sorriu e acenou com a cabeça. — Sem dúvida, senhor. — Pois diga o que levou Willy a procurar-nos, Fellmer — pediu Rhodan. — Veio a pedido do Lorde-Almirante Atlan — informou Lloyd com um olhar triste para Willy. Em seguida informou detalhadamente por que Willy tinha vindo. O ser-medusa teve vontade de afundar no chão, de tão envergonhado que ficou. Perdeu a forma humana, transformando-se numa bola gigante. — Chega, Lloyd — disse Rhodan finalmente. — Senhor — choramingou Willy, preocupado. — Só fiz isto para ajudá-lo.
— Ninguém o acusa pelo que fez — disse Rhodan em tom tranqüilizador. — Compreendo os motivos do arcônida. Mas o senhor está vendo no que pode dar um pessimismo exagerado. — O senhor é muito gentil, senhor — disse Willy, feliz. — Amanhã farei um grande discurso a seu favor. Dali a alguns minutos o ser-medusa voltou a enfiar-se na carlinga do planador de Aboyer, e passou a deleitar-se com o calor irradiado pelo aquecedor. Aboyer, que quase chegara a adormecer no assento, endireitou abruptamente o corpo. — Então? — perguntou, ansioso. Willy achatou o corpo o mais que pôde, para aquecer-se mais depressa. — Vamos! Fale logo — resmungou Aboyer, impaciente. — O senhor conhece Fellmer Lloyd, Al? — Não é um mutante? Willy confirmou balançando um dos tentáculos. — É telepata. Assim que concluí minha história, Rhodan mandou chamá-lo. Lloyd descobriu imediatamente que era tudo mentira. — O senhor não serve mesmo para nada — fungou Aboyer, furioso. — Bem que poderia ter bloqueado seus pensamentos. — Al! — exclamou Willy, estarrecido. — Pensei que fôssemos amigos. Aboyer fitou um olho saliente que balançava de um lado para outro. Sabia que Willy fizera tudo que se poderia esperar dele. — Desculpe o tom violento — disse. Sem querer, olhou para o relógio. Passava pouco das doze. Estava na hora de dormir um pouco. — E agora, Al? — perguntou Willy, desanimado. — Não sei — confessou Aboyer. Teria de voar com Willy para o QG da Segurança, onde Atlan estava à sua espera. Os pingos de chuva bateram ruidosamente na carlinga quando Aboyer fazia decolar o planador. — Os meteorologistas devem saber como me sinto — disse Aboyer. Willy mal o ouvia. Encolheu-se no assento largo e recolheu todos os olhos. Desta forma poderia entregar-se à ilusão de estar deitado numa rocha batida pelo sol em seu mundo. *** Somente três minutos depois que começou o ruído estranho o pequeno veículo espacial perdeu velocidade. Broysen levantou a cabeça, apavorado. Alguma coisa acontecera; alguma coisa que nem ele nem Miras-Etrin tinham previsto. Broysen passou os olhos pelos controles. Encontrava-se a pouco menos de duzentos anos-luz do destino. Se o sistema de propulsão linear falhasse, seria impossível chegar ao Sistema Solar. Broysen viu a luz de alerta pertencente aos controles do conversor piscar ligeiramente. Mexeu apressadamente em alguns comandos. O ruído que se fizera ouvir quando começou a desaceleração parou, mas a pequena nave não voltou a acelerar. Broysen ficou apavorado ao dar-se conta de que talvez não pudesse cumprir a missão.
Precisava sair, abandonar a nave, para tentar consertar o defeito do lado de fora. Se não levasse muito tempo para fazer os reparos, talvez conseguisse chegar antes que fosse tarde. Broysen perdeu alguns minutos preciosos, prendendo os ganchos que o prenderiam ao veículo espacial e abrindo a portinhola. Ligou o farol embutido em seu capacete e foi saindo devagar para o espaço. Por um instante teve de lutar contra o enjôo e as tonturas, mas logo se viu flutuando em cima da pequena nave. O objeto voador ainda se deslocava a um décimo da velocidade da luz, mas Broysen teve a impressão de que se mantinha imóvel no espaço.
O comandante tefrodense sabia que, se as avarias fossem complicadas, teria de enfrentar uma tarefa quase impossível. Broysen entendia muito de sistemas de propulsão ultraluz, mas no caso tratava-se de um modelo especial. Além disso não possuía as necessárias ferramentas. Teria de arranjar-se com o equipamento pendurado no cinto de seu traje espacial. Broysen girou a cabeça de tal forma que o capacete iluminasse a parte traseira do propulsor. Desceu sobre o casco da espaçonave. Como receara, a maior parte das placas de revestimento tinham sido soldadas. Não poderia retirá-las. Retirou uma chave universal do cinto e procurou o lugar pelo qual pudesse ter acesso ao conversor. Finalmente encontrou uma chapa que podia ser desparafusada. Bastante aliviado, prendeu-a no fecho magnético do cinto. Iluminou a abertura e teve a surpresa de ver uma folha enrolada na reentrância. Retirou-a e abriu-a sobre as pernas. “Infelizmente não pude deixar de dar-lhe um pequeno susto”, leu, estupefato. “Se não tentasse consertar o conversor, isso seria um sinal de que não está interessado em cumprir a missão. Um impulso ultraluz me informaria sobre a traição. Ainda haveria tempo para mandar outro barco espacial. Mude a posição da pequena chave que se encontra na reentrância e volte à mininave. Miras-Etrin.” A raiva que ameaçava apoderar-se de Broysen depois que acabara de ler as primeiras frases logo passou. Compreendeu que Miras-Etrin não confiava em ninguém. Provavelmente o senhor da galáxia ainda tomara outras precauções. Broysen
abaixou-se e mudou a posição da chave. Em seguida empurrou ligeiramente a folha escrita e viu-a sair do feixe de luz do farol. Voltou a entrar na nave e fechou a portinhola. Dentro de alguns minutos o objeto voador voltou a acelerar. Broysen ficou deitado de costas, pois achava que por enquanto não havia necessidade de observar os controles. Miras-Etrin estaria esperando em vão pelo impulso. O senhor da galáxia poderia dar-se por satisfeito. O rastreamento ultraluz lhe permitiria acompanhar o início do processo de fusão nuclear da atmosfera terrana. Quando isso acontecesse, o senhor da galáxia saberia que seu plano fora executado e Broysen estava morto. Broysen perguntou-se como seria a atmosfera em chamas vista do satélite de TV. Será que teria tempo para perceber o quadro? Fazia votos que sim. Broysen girou a cabeça de lado, pois queria ver a pequena tela. Cada um dos pontos luminosos que apareciam nela era um sol. Qual seria a mudança que haveria no Universo depois que a Terra tivesse sido destruída? Compreendeu que seu fim não teria nenhuma grandeza. Mesmo que conseguisse destruir um sistema solar, não provocaria nenhuma modificação no espaço infinito. “É um sentimento sufocante”, pensou. Fechou os olhos para não ver as estrelas. Sentiu embaixo do corpo a vibração ligeira do conversor compacto. Bem que gostaria de saber mais alguma coisa a respeito do infinito antes de morrer. Mas sabia que não poderia levar nada para a morte, além da certeza terrível de não passar de um nada.
7 Aboyer acordou com uma ligeira cutucada nas costas. Resmungou aborrecido e deitou de lado. — Está acordado, Al? — perguntou uma voz bem conhecida. — O aquecedor está desligado. Só então Aboyer percebeu que suas vestes estavam encharcadas de suor. A atmosfera da pequena sala de escritório poderia competir com a de um pequeno botequim de subúrbio. — Só poderia mesmo estar — resmungou Aboyer e foi levantando. — O termostato desliga o aparelho quando a temperatura passa de quarenta graus centígrados. — Ah! — fez Willy, decepcionado. — Estava começando a descongelar. Aboyer avançou às apalpadelas em direção à janela e abriu-a. Respirou profundamente e esfregou a nuca. — Está ventando, Al! — choramingou Willy. — Faça o favor de fechar a janela. Mesmo a contragosto, Aboyer fechou a janela. Sentia dores de cabeça e estava com fome. Lembrou-se de que adormecera num pneumossofá. Encontrava-se numa sala dos escritórios da Segurança Solar. Olhou para o relógio e viu que passava um pouco das dezesseis horas. Dormira três horas sem ser perturbado. Lembrou-se de que Atlan lhe aconselhara que descansasse um pouco. Informara o arcônida sobre o azar que Willy tivera. Ao que parecia, Atlan esperava que seu plano fracassasse. Willy estava encolhido à frente do aquecedor, acompanhando com um de seus olhos salientes todos os movimentos de Aboyer. O agente sentia-se inútil. Perguntou a si mesmo o que teria acontecido nas últimas horas. Provavelmente a esta hora Atlan já se encontrava no Solar Hall, para controlar as últimas medidas de segurança para a proteção dos delegados. — Vou arranjar uma coisa para comer — anunciou Aboyer e saiu andando para a porta. — Pelo que estou lembrado, por aqui existe uma cantina. Willy afinou o corpo e foi apressadamente atrás de Aboyer. — Não me abandone, Al — implorou. — Depois que tiver saído, poderá aparecer alguém e retirar o aquecedor. — Só vou pegar alguns sanduíches — disse Aboyer para acalmá-lo. — Não demorarei mais de dez minutos. Deixou para trás o ser-medusa, que continuava a protestar, e saiu para o corredor. Na cantina encontrou-se com o Dr. Wolkow, que lhe comunicou que o estado de saúde dos mutantes Wuriu Sengu e Rakal Woolver tinha melhorado bastante. — Dentro de alguns dias estarão novamente em forma — disse o médico. Aboyer mandou que o robô-garção embrulhasse três sanduíches e sorveu apressadamente um caneco de café bem quente. Wolkow contemplou-o com um gesto de espanto. — O senhor vai sofrer do estômago — profetizou. Aboyer sorriu debochado e despediu-se com um gesto.
Retirou-se, pois tinha pressa de voltar à sala na qual ficara Willy. Quando entrou, teve uma surpresa desagradável. Willy tinha desaparecido. Mas havia um pedaço de papel borrado no chão. Aboyer pegou-o. “Prezado Al”, aborrecido. “Vou enfrentar o frio. Acho que tive uma ótima idéia. Seu amigo Willy.” Aboyer soltou uma praga. Não podia imaginar qual era a idéia que surgira na mente de Willy, mas teve certeza absoluta de que haveria problemas, se não o impedisse de executar seus planos. Aboyer ligou o interfone e falou com a entrada principal. — Não deixe passar o ser-medusa do Mundo dos Cem Sóis enquanto eu não chegar aí — disse. — O senhor deveria ter avisado isso antes — respondeu o guarda. — Willy já saiu. Parecia ter muita pressa. Aboyer desligou, pegou um sanduíche e saiu correndo. Dentro de um minuto encontrava-se à frente do edifício da Segurança Solar. — Que direção ele tomou? — perguntou um dos guardas. — Se tivesse de olhar atrás de todo mundo que sai daqui, já teria olhos salientes que nem Willy — respondeu o guarda em tom azedo. Aboyer correu para a esteira transportadora e deixou que esta o levasse. Provavelmente não demoraria a encontrar o que procurava. Onde Willy andava sempre havia tumulto. E num momento de tráfego intenso como este isso seria mais fácil de notar. Quando atingiu o quarteirão seguinte, Aboyer passou para outra esteira. Deixouse levar em direção ao centro da cidade. Perguntou a si mesmo se deveria avisar Atlan ou Mercant. Mas os dois certamente estavam ocupados demais para preocupar-se com o visitante vindo do Mundo dos Cem Sóis. Havia um ajuntamento a uns cem metros do lugar em que Aboyer se encontrava. O agente sabia que neste lugar ficava um dos grandes centros comerciais de Terrânia. Não acreditava que o ajuntamento tivesse alguma relação com Willy, mas resolveu dar uma olhada. Saltou da esteira e aproximou-se da entrada do centro comercial. O ajuntamento era tão compacto que Aboyer não via o que estava acontecendo. Devia ser um artigo do dia sendo vendido a preço especial. — O que houve? — perguntou ao homem que se encontrava perto dele, e que era bem mais alto. — É um delegado dando uma entrevista à televisão — respondeu o homem. — Se fosse um pouco mais alto, o senhor poderia ver — acrescentou com um sorriso sarcástico. Aboyer nem ouviu mais o que o homem estava dizendo. Sabia que nas horas de tráfego mais intenso os repórteres andavam em toda parte para fazer entrevistas. E na véspera do dia em que seria realizada a conferência de cúpula a cidade estaria mais cheia de repórteres que de costume. Aboyer abriu caminho a cotoveladas. Algumas pessoas gritaram indignadas, mas o agente não lhes deu atenção. Finalmente avistou Willy bem à frente da saída de ar quente do grande centro comercial. — Tivemos uma sorte tremenda — disse o repórter neste instante. — Senhoras e cavalheiros, estamos em condições de apresentar um delegado extraterrestre que dirá sua opinião a respeito da situação política.
Aboyer respirou aliviado. O repórter provavelmente andara entrevistando alguns transeuntes antes de dirigir-se a Willy. Apavorou-se ao ver o câmera girar seu aparelho e dirigi-lo para Willy, que agitou um dos tentáculos, emocionado, e dirigiu quatro olhos para a câmera. — Este indivíduo veio do Mundo dos Cem Sóis, senhoras e cavalheiros — disse o repórter. — É o mundo central dos pos-bis, que fica a quase trezentos mil anos-luz da galáxia. O mundo é aquecido por oitenta sóis artificiais. — Oitenta e cinco — retificou Willy em tom humilde. — Willy! — gritou Aboyer, que finalmente conseguira chegar perto do repórter. Teve a impressão de que todo mundo olhava para ele. Willy gritou assustado e começou a girar. Antes que alguém pudesse impedi-lo, perfurou o revestimento da rua e parecia ter desaparecido da face da terra. O único sinal de sua presença era uma abertura de um metro quadrado. O repórter ficou pálido de susto e raiva e dirigiu-se a Aboyer. — O senhor ficou louco? — gritou. — Estragou a entrevista. A emissora o processará por isso. Aboyer não disse uma palavra. Mostrou sua carteira. O repórter engoliu em seco. — Desculpe — disse. — Não quero causar problemas, mas devo insistir na entrevista. E o senhor não pode impedi-la, a não ser que queira infringir as leis que regulam a liberdade de imprensa e de expressão. Um tentáculo com um olho saliente na ponta saiu tremendo do buraco no qual Willy acabara de desaparecer. Os espectadores reagiram com aplausos e risadas. Aboyer chegou perto do buraco. — Saia daí, Willy! — disse. — Nada lhe acontecerá. — Não admito que o senhor se intrometa! — gritou o repórter. — Tudo bem — murmurou Willy, embaraçado. — Sinto muito que não tenha dado certo. Vamos embora, Al. O repórter soltou ameaças violentas, enquanto o câmera filmava que nem um louco a saída de Aboyer e Willy. Aboyer teve a impressão de que teria problemas. Mas no momento isso não importava. Seus problemas particulares eram muito menos importantes que os que Perry Rhodan tinha de enfrentar. Aboyer conseguiu um táxi robotizado. Empurrou Willy no assento traseiro. Do lado de fora as pessoas se aglomeravam! — Vamos! — disse Aboyer. — Queremos ir ao quartel-general da Segurança Solar. O táxi começou a subir. Aboyer recostou-se no assento. Sentia-se mais aliviado. Ainda bem que encontrara Willy antes que fosse tarde. — E agora — disse a Willy — gostaria que o senhor me dissesse como teve essa idéia maluca de conceder uma entrevista à televisão. A tradutora de Willy transmitiu um pigarro embaraçado. — Antes me tivesse deixado fazer o que queria, Al. Meu plano é excelente. Na entrevista pretendia alertar todos os delegados do perigo de um atentado durante a conferência. Esta não se realizaria mais. — O senhor é mesmo um ingênuo! — exclamou Aboyer. — Todos os delegados sabem qual é a posição do senhor diante de Rhodan. Fariam pouco do senhor e pediriam que inventasse coisa melhor. — Nem pensei nisso — confessou o ser-medusa. — Acho que o senhor tem razão, Al. A entrevista só poderia prejudicar Rhodan.
Aboyer enfiou algumas moedas na entrada de programação do táxi. — Quando tiver outra idéia, fale comigo antes de levá-la avante — disse. — Além disso durante a conferência o senhor terá tempo para enfrentar as câmeras. Todos os discursos serão transmitidos. Estalou os dedos. — Por que não pensamos nisso antes? — perguntou. — A televisão! — Que houve, Al? — perguntou Willy, perplexo. — Não vamos mais ao quartel-general — disse Aboyer. — Vamos diretamente ao Solar Hall. *** Aboyer levou quase meia hora para chegar aos extensos subterrâneos do Solar Hall. Willy mal conseguiu acompanhá-lo. Finalmente descobriram o arcônida. Estava junto a um monitor pelo qual se podia observar toda a sala de conferências. Atlan cumprimentou Aboyer com um gesto. — Estamos realizando um ensaio geral — disse ao agente. — Todos os lugares que amanhã serão usados pelos delegados estão ocupados por especialistas do corpo de segurança. Atlan apontou para as diversas telas. Aboyer percebeu que todos os camarotes suspensos podiam ser vistos do subterrâneo. Também se viam perfeitamente os outros lugares. — Amanhã todas as imagens serão transmitidas ao QG da Segurança, onde controlarei as medidas de segurança — disse Atlan. — Manteremos um controle constante de praticamente todos os participantes da conferência. Ao que parece, nada poderá acontecer. As galerias estão ocupadas por guardas. Além disso haverá um campo defensivo para cada camarote suspenso. A pessoa que subir à tribuna será observada, sem que o perceba, por dezenas de pessoas, preparadas para intervir a qualquer momento, para proteger a vida do orador. — Onde estão instaladas as câmeras de televisão, senhor? — perguntou Aboyer. Atlan mostrou o lugar. Eram cinco ao todo. Três tinham sido instaladas nas galerias, enquanto as duas restantes eram móveis e podiam ser deslocadas praticamente para qualquer lugar da sala num sistema sofisticado de trilhos. Aboyer sabia que a câmera era controlada automaticamente a partir da central de televisão. Nenhuma câmera teria permissão para entrar na sala. — As cinco câmeras são os únicos aparelhos móveis no interior do Solar Hall? — perguntou Aboyer. — Por que faz todas essas perguntas? — quis saber Atlan. — Pelo que sei, todos os participantes da conferência assinaram contratos com a televisão — disse Aboyer. — Quer dizer que nestes últimos dias todos eles estiveram pelo menos uma vez nos estúdios. — E daí? — perguntou Atlan, impaciente. — Fico me perguntando há bastante tempo como será detonada a terceira arma dos senhores da galáxia, se é que existe — disse Aboyer. Atlan não conseguiu evitar um sorriso irônico. — Acha que as câmeras de televisão têm algo a ver com a arma fragmentária? — Seria uma possibilidade — respondeu Aboyer. — Todas as câmeras serão examinadas alguns minutos antes do início da conferência — disse Atlan. — Além disso durante a conferência haverá pelo menos
vinte guardas de segurança na televisão, para controlar a movimentação automática das câmeras. É completamente impossível que neste ponto exista algum perigo. Aboyer hesitou, mas acabou confirmando com um gesto. Reconheceu que o arcônida tinha razão. Parecia que estivera vendo fantasmas. — O que lhe deu essa idéia absurda? — perguntou Atlan. Aboyer não mencionou a ação que Willy empreendera por conta própria. Disse que nas últimas horas tivera idéias muito mais malucas. Era o único momento antes da conferência em que o plano de Miras-Etrin parecia correr o risco de fracassar. Mas como não havia ninguém que seguisse o raciocínio de Aboyer, a única chance de fazer alguma coisa contra a terceira arma não foi aproveitada. Neste momento — eram exatamente doze minutos depois das dezoito horas — o tefrodense chamado Broysen ainda se encontrava a oitenta anos-luz do Sistema Solar. — Leve Willy de volta ao hotel e apresente-se no QG — disse Atlan, dirigindose a Aboyer. — Não adianta fazer mais nada. — Naturalmente, senhor — respondeu Aboyer. Ele e Willy retiraram-se do Solar Hall. — Vai mesmo levar-me ao hotel, Al? — perguntou Willy, desanimado, quando se encontravam à frente do grande edifício. — Ainda não vamos desistir — disse Aboyer. — Se não tiver nenhuma objeção, iremos para casa. — Para casa? — repetiu Willy. — Meu mundo fica muito longe daqui. — Ainda tenho de cuidar de uma coisa — disse Aboyer. — Gostaria que o senhor estivesse presente. Willy não teve a menor dúvida. Na residência de Al devia fazer mais calor que no hotel. Além disso o ser do Mundo dos Cem Sóis não tinha vontade de passar a noite no hotel.
8 Darb Rontoff observou a esposa e perguntou-se por que de alguns dias para cá estava tão mudada. Parecia confusa e mal conseguia concentrar-se nos trabalhos de rotina. Rontoff não estava acostumado a ver Sintra assim. Ficou preocupado com a saúde da esposa. Ainda bem que naquele dia já tinham terminado o serviço. Encontravam-se nos aposentos pequenos colocados à sua disposição. Sintra lia um livro, mas constantemente saltava páginas ou olhava para outro lugar. Rontoff levantou e espreguiçou-se. Era um homem baixo, de cabelos negros e sobrancelhas espessas. A impressão sombria que provocava só era diminuída pela boca macia. Rontoff olhou para o relógio. Eram dezenove horas, tempo mundial. — Que tal se fizéssemos uma visita a Varnton? — perguntou um tanto inseguro. Sabia que Sintra não gostava muito de Varnton, embora justamente este colaborador da equipe de Rontoff tivesse uma boa conversa. “Talvez não aprecie os elogios exagerados deste homem”, pensou. Sintra levantou os olhos e fechou o livro. — Por que não? — perguntou para surpresa de Rontoff. — Acho que ultimamente não temos dado a devida atenção a Varnton. Em seguida desapareceu no pequeno banheiro. Rontoff tirou uma camisa limpa do armário. Enquanto a trocava pela camisa usada durante o trabalho, o aparelho individual de videofone que Rontoff mandara instalar no recinto zumbiu. Admirado, perguntou-se quem queria falar com ele a uma hora destas. Geralmente Sintra e ele só recebiam chamados nas horas do trabalho, porque só uns poucos entre seus conhecidos sabiam da existência do aparelho individual. Rontoff abotoou a camisa e atendeu ao chamado. Um rosto muito cansado apareceu na tela. O desconhecido tinha cabelos grisalhos curtos. Rontoff viu que usava blusa de gola de enrolar. — Boa noite, senhor Rontoff — disse o desconhecido. — Gostaria de falar com sua esposa. — Quem é o senhor? — perguntou Rontoff, contrariado. — E o que deseja? — Meu nome é Aboyer — disse o homem de rosto enrugado e gasto. Esboçou um sorriso e exibiu uma fileira de dentes irregulares. — O senhor já deve ter ouvido meu nome. Rontoff teve de fazer um esforço para não perder a calma. Sintra já lhe falara a respeito de Aboyer, mas ele não sabia que os dois ainda mantinham contato. — Aboyer! — exclamou Rontoff. — O que quer a uma hora destas? — Não fique nervoso! — pediu Aboyer. — Estou falando de Terrânia. Trata-se de um assunto ligado ao trabalho. Rontoff hesitou um instante, mas acabou dirigindo-se ao banheiro. Abriu abruptamente a porta. Sintra levantou os olhos, espantada. — Uma chamada pelo videofone — disse Rontoff em tom áspero. — Da Terra.
Quando Sintra saiu, Rontoff ficou parado junto à porta do banheiro. Viu que sua esposa, sem querer, passou a andar mais devagar quando reconheceu o homem na tela. — Podemos falar à vontade? — perguntou Aboyer assim que avistou Sintra. A matelógica sacudiu a cabeça. — Este é meu esposo, Al. O que quer mesmo? Por que chamou a uma hora destas? — Sei que é seu esposo — disse Aboyer, contrariado. — Tomara que a senhora consiga fazer com que cale a boca até que tudo passe. Sintra, a senhora tem de fazer mais um processamento para mim. Rontoff correu para junto do aparelho, ameaçando Aboyer. — Não admito esse tipo de insolência! — exclamou. — Não pense que minha esposa pode ser molestada por um vagabundo como o senhor. Neste instante sentiu a mão de Sintra pousada em seu braço. — Darb — disse em voz baixa. — Deixe-me ouvir pelo menos o que tem a dizer. — A senhora sabe o que está em jogo — disse Aboyer, calmo. — Será que a senhora poderia fazer mais um processamento em caráter particular? — Só se usar o pequeno computador positrônico que me pertence — respondeu Sintra. — Será um pouco demorado. — Tente descobrir se pode haver alguma relação entre a televisão e a terceira arma fragmentária — disse Aboyer. — Não posso fornecer outros dados, porque não sei mais nada. Mas se minhas suspeitas forem infundadas, o computador positrônico certamente encontrará alguma indicação. — Arma fragmentária? — repetiu Darb Rontoff, perplexo. — O que está havendo mesmo, Sintra? — olhava ora para a tela, ora para sua esposa. — Avisarei imediatamente o chefe de setor. Aboyer fez uma careta. — A senhora tem de impedi-lo de fazer isso, Sintra — disse. Desligou antes que um dos Rontoff pudesse dar uma resposta. — Você não me impedirá coisa alguma — disse Rontoff, indignado. — Não aceito ordens de um tipo desses. — Confie em mim, Darb — disse Sintra. — Se você contar isso ao chefe de setor, poderá pôr em perigo a vida de milhões de pessoas. Rontoff sentiu-se como quem leva um soco. — Pelo amor de Deus, Sintra! — exclamou. — No que você se meteu? — Você se dará por satisfeito se eu lhe disser que Perry Rhodan e o LordeAlmirante Atlan, da USO, sabem de tudo? — Sintra empurrou o marido suavemente para a poltrona. — Dê-me tempo até amanhã de manhã. Rontoff resistiu, mas acabou afundando na poltrona. — Que sujeito é mesmo esse Aboyer? — perguntou. — É um sujeito que nasceu no momento errado — respondeu Sintra em tom pensativo. — É um aventureiro e um individualista, que não consegue entrosar-se em qualquer segmento da sociedade. Darb Rontoff riu amargurado. — Até parece um hino de louvor — murmurou. — Ele ainda significa alguma coisa para você?
— Não — respondeu Sintra em tom resoluto. — O Aboyer que você teria de temer não existe mais. *** Willy comprimiu o corpo contra o encosto da poltrona de couro de Aboyer e usou dois tentáculos para empurra-se no chão. Os rolos da poltrona rangeram, levando Willy juntamente com a poltrona através da sala. Willy chiou de felicidade quando freou pouco antes que a poltrona atingisse uma parede cheia de garrafas e tomou outra direção. Aboyer veio do escritório. Enfiou a cabeça pela fresta estreita que abrira na porta. — Caramba! — disse. — Meu uísque acabará fervendo se não reduzirmos a temperatura um pouco. Willy freou a poltrona e fez um sinal com o tentáculo. — Esta poltrona é uma invenção formidável, Al — disse, entusiasmado. — Levarei uma peça destas ao Mundo dos Cem Sóis. Imagine como deve ser bom rolar com uma poltrona destas através dos raios de oitenta e cinco sóis. — Não consigo imaginar — confessou Aboyer. — Além disso estou preocupado com outras coisas. — Ah, sim — cochichou Willy como quem pede desculpas. — Ela ainda não chamou? — Não — respondeu Aboyer. — Talvez seu marido não tenha permitido que ela fizesse o processamento. — Que horas são? — perguntou Willy. — Falta menos de uma hora para a meia-noite — respondeu o agente. — Preciso tomar cuidado, senão acabo adormecendo. — Descanse um pouco — sugeriu Willy. — Se o videofone tocar, eu o chamo imediatamente. — Para isso o senhor teria de ficar no escritório — objetou Aboyer. — E lá é bem mais frio que aqui. O ser plasmático inchou. — Não importa, Al, Já estou bem aquecido. Nunca me senti tão bem desde que cheguei à Terra. — Está bem — concordou Aboyer. — Empurrarei minha poltrona para o corredor e deitarei um pouco. Se vier um chamado, acorde-me imediatamente. Não faça nada por conta própria. Willy estendeu um tentáculo na direção de Aboyer, formando uma pseudomão. — Dou-lhe minha palavra de honra, Al — disse e piscou três olhos salientes para o terrano. Desocupou a poltrona e dirigiu-se ao escritório. Aboyer sentou. Estava exausto. Fechou os olhos e recostou-se. Seus pensamentos giravam em torno de Sintra, da arma fragmentária e de Willy. Não levou mais de dois minutos para adormecer. Acordou com as costas doloridas e um sabor desagradável na boca. Ergueu-se abruptamente. Viu que já estava clareando. Foi ao escritório. Willy estava agachado à frente do videofone, fitando-o com três olhos salientes. Aboyer olhou para o relógio e viu que faltava pouco para as sete horas. — Já ia acordá-lo, Al — disse Willy. — Está quase na hora de ir ao Solar Hall. Aboyer mal ouviu as palavras do ser-medusa. Foi para perto da janela e olhou para fora. Sintra certamente não fizera nenhum processamento. Aboyer cerrou os
dentes. Estava furioso. Imaginava que naquele momento os delegados estavam sendo acordados nos hotéis. Dali a uma hora os primeiros sairiam em direção ao Solar Hall. — Acho que corremos atrás de um fantasma, Al — disse Willy. — Parece que a terceira arma fragmentária não existe. Ninguém chamou enquanto o senhor estava dormindo. Fiquei o tempo todo de olho no videofone. Aboyer contemplou as fachadas dos edifícios do outro lado da rua. No fundo, eram feias e cinzentas. O agente ouviu Willy andar de um lado para outro. — Quero ficar só! — resmungou, aborrecido. — Trate de dar o fora, Willy. Willy atendeu ao pedido. Aboyer afastou-se da janela e ficou caminhando nervosamente de um lado para outro. Por que se esforçara tanto nos últimos dias? Fora um idiota. Imaginara uma história para promover-se. Quase chegara a provocar o pânico e impedir a conferência mais importante dos últimos anos, somente porque queria ver confirmada sua história. Não ouviu quando Willy enfiou cautelosamente um olho saliente na sala. — Tudo bem com o senhor, Al? — ciciou Willy com a voz quase imperceptível. Aboyer virou-se abruptamente. — A terceira arma não existe! — gritou. O ser-medusa apavorou-se. Encolheu o olho saliente e fugiu. — A terceira arma é um produto da imaginação, um parto da minha fantasia. Aboyer bateu a porta e apoiou-se na escrivaninha. Se Broysen o visse neste momento, ele provavelmente se sentiria bastante aliviado porque as buscas da terceira arma tinham sido suspensas. Mas Broysen ainda se encontrava a três anos-luz e meio do destino. Naquele momento preparava-se para abandonar o pequeno veículo espacial dentro de uma hora. E dentro de uma hora 1.039 administradores no exercício do cargo e 228 chefes de estado de povos siderais estranhos se dirigiriam ao Solar Hall. Trinta e dois deles carregariam dentro de si a morte para todos os seres que viviam na Terra. Exatamente três minutos depois das nove, previa o plano de Miras-Etrin, as trinta e duas peças da terceira arma se juntariam. Depois disso só faltaria que Broysen apertasse um botão, para transformar a Terra numa bola de fogo atômico.
9 A duquesa Marek, do Sistema Lay Star, passara uma noite agitada. Apesar dos comprimidos que o medo-robô do hotel lhe dera, a dor de barriga não tinha melhorado. Ficou satisfeita quando finalmente eram sete horas da manhã. Tomou um chuveiro e mudou de roupa. Sentia-se um pouco melhor. Pediu que o robô-garção lhe servisse uma xícara de chá e algumas torradas. Perguntou a si mesma se o clima da Terra lha fazia mal. No subconsciente já se arrependia de ter resolvido falar na conferência no lugar do marido. Julgava-se capaz de enfrentar qualquer discussão, mas restava saber se sua voz pesaria tanto quanto a do administrador e duque do Sistema Lay Star. Lembrou-se do filho de onze anos que deixara em casa, e que um dia ocuparia o cargo do pai. Os colonos do Sistema Lay Star tinham decidido, logo depois da imigração, estabelecer uma forma de governo monárquica. Era bem verdade que além do duque havia um pequeno parlamento, que exercia as funções de órgão de controle. Desta forma o duque nunca poderia tomar medidas ditatoriais. A duquesa sabia perfeitamente que seu marido era algo como um representante, que deveria cumprir os desejos dos membros do parlamento por meio de uma série de negociações hábeis conduzidas na Terra. A duquesa Marek tinha consciência da responsabilidade que pesava sobre ela. Era a delegada de uma das colônias mais ricas. E a riqueza dos colonos do Sistema Lay Star crescera ainda mais com as quantidades enormes de dinheiro falso que entraram no tesouro público por vários canais. Lay Star investira e dera início à execução de projetos arrojados. A construção de uma grande espaçonave equipada com sistema de propulsão linear estava bem adiantada. Se Perry Rhodan levasse avante seus planos, recolhendo o dinheiro falso, a construção dessa espaçonave sofreria um atraso de vários meses. Da mesma forma que as outras colônias, Lay Star não estava disposto a abandonar aquilo que tinha alcançado. Do ponto de vista das colônias tratava-se de um dinheiro ganho honestamente, que acelerara o desenvolvimento econômico. Mas o duque Marek era diplomata demais para enviar sua esposa com uma única alternativa. Estava disposto a destruir a moeda falsa, desde que a Terra concedesse um crédito vultoso ao Sistema Lay Star. No fundo os colonos eram súditos leais do Império, mas agarravam-se mais que os outros às riquezas adquiridas. O desbravamento de outros mundos sempre custara pesados sacrifícios. A duquesa Marek acabou de tomar o desjejum e preparou-se para sair. Sabia que seria acompanhada por quatro guardas, assim que entrasse no planador que a levaria ao Solar Hall. Já se conformara com o fato de que cada passo que dava fora do quarto era vigiado. As medidas de segurança não eram nenhuma provocação, nem se inspiravam em motivos políticos. Rhodan tinha de impedir que acontecesse alguma coisa a qualquer dos delegados, para não perder sua influência sobre os administradores antes que começasse a conferência. A simpatia da duquesa ia para o Administrador-Geral, mas a razão lhe dizia que devia defender os interesses do Sistema Lay Star. Alguém bateu à porta. A duquesa Marek olhou mais uma vez para o espelho e constatou satisfeita que sem dúvida despertaria o interesse da maioria dos delegados
humanóides. Abriu a porta. Um funcionário do corpo de segurança estava do lado de fora. — Fomos incumbidos de levá-la ao Solar Hall, duquesa — disse. — Gostaríamos de revistá-la. Uma funcionária entrou no quarto. Nenhum detalhe fora esquecido. Os funcionários deram-se por satisfeitos com o resultado do exame. A funcionária e os três homens acompanharam a colona à área de estacionamento que ficava na cobertura do edifício. Entraram num planador. Um dos homens ocupou o assento do piloto. A duquesa Marek viu outros delegados chegarem à cobertura. Todos entraram ao lado dos guardas nos planadores que estavam à sua espera. A duquesa olhou para o relógio. Eram oito horas e vinte minutos. Neste momento sentiu uma eólica que a fez comprimir o estômago com a mão. Os funcionários olharam para ela. — Sente alguma dor, duquesa? A administradora respirou profundamente. Recostou-se na poltrona. — Não — respondeu. — Já passou. O planador subiu e voou devagar para o centro da metrópole gigantesca. A duquesa Marek perguntou a si mesma como o piloto conseguiu orientar-se no meio do tráfego confuso. Quase chegava a sentir saudades quando se lembrava das pequenas cidades de seu planeta, onde só havia poucos planadores. O tráfego desenvolvia-se quase exclusivamente na superfície. O planador voou entre duas fileiras de edifícios. Mais embaixo uma via elevada subia a alturas estonteantes. Abaixo dela viam-se várias esteiras transportadoras, que corriam lado a lado. As pessoas que se deixavam levar por elas pareciam insetos fazendo movimentos sem sentido. “Terrânia é mesmo uma cidade dos superlativos”, pensou a duquesa sideral. “Só mesmo uma pessoa que desde a juventude tivesse vivido num gigantesco edifício poderia sentir-se bem num lugar destes.” A duquesa sentiu-se aliviada quando finalmente o Solar Hall pareceu à sua frente. O edifício ficava numa área livre, bloqueada de todos os lados. Um grupo de planadores da polícia não fazia outra coisa senão afastar os pilotos descuidados das imediações do edifício em que seria realizada a conferência. Havia vários canhões energéticos dispostos em torno do Solar Hall. Havia um grupo de caças-mosquito estacionados num campo de pouso que ficava nas imediações do edifício. Estes aparelhos possuíam grande poder de combate, tanto na atmosfera de um planeta como no espaço cósmico. Diante destas medidas, alguém que quisesse atacar os delegados do ar não teria a menor chance. A duquesa Marek sabia que durante a conferência estavam proibidos os pousos e as decolagens de espaçonaves e planadores de grandes dimensões. Se as telas dos rastreadores dos centros de vigilância terrana mostrassem algum objeto que não respeitasse a proibição, dentro de alguns segundos seriam tomadas as medidas necessárias à proteção do Solar Hall. A duquesa sentiu uma ligeira tensão. Ouvira dizer que seriam adotadas medidas de segurança extraordinárias, mas a realidade ultrapassava em muito a imaginação. Dois aviões da polícia escoltaram o planador no qual viajava a duquesa para um campo de pouso, que estava cercado por homens armados. A duquesa Marek viu que havia vários campos iguais a este. Mas nunca dois planadores pousavam num campo ao mesmo tempo.
A administradora fez menção de levantar-se, mas a funcionária que estava sentada perto dela empurrou suave mas resolutamente para a poltrona. — Desculpe — disse. — Temos de sair antes da senhora. A duquesa Marek conformou-se com aquilo que não podia ser mudado. Quando finalmente saiu do planador, viu-se cercada pelas quatro pessoas que a acompanhavam. Outro planador pousou atrás deles. Faltavam vinte e cinco minutos para as nove, quando a duquesa saiu caminhando em direção à entrada principal. De repente sentiu uma dor lancinante no estômago. Parou. Os quatro membros do corpo de segurança esperaram pacientemente que prosseguisse. Naquele momento a duquesa já estava seriamente preocupada com a saúde. No hotel tinham-se esforçado para adaptar o cardápio ao gosto dos hóspedes, mas parecia que a cozinha cometera um erro na dieta. “Talvez seja o nervosismo”, pensou a duquesa. A entrada principal do Solar Hall até parecia uma fortaleza. Havia corredores especiais, que tinham de ser usados pelos delegados e seus acompanhantes. Quando se encontrava no meio do corredor, dois funcionários detiveram a duquesa, de forma delicada, mas resoluta. Pediram seus documentos e voltaram a examiná-los. Um homem equipado com um rastreador de massa contornou a duquesa. Finalmente agradeceram, pediram desculpas pelo incômodo que tinham sido obrigados a causarlhe e deixaram-na passar. Os três homens que acompanhavam a duquesa ficaram no ponto de controle, mas a mulher continuou a seu lado. Finalmente pôde entrar na sala de conferência. Cerca de metade dos participantes da conferência já estava lá. A primeira impressão que a duquesa teve foi a de uma tremenda confusão. Mas logo percebeu que os lugares tinham sido muito bem distribuídos. Os camarotes suspensos flutuavam no ar, cerca de seis metros acima do chão. Guardas armados patrulhavam as galerias. Dois homens que se apresentaram como assessores, mas deviam ser agentes, levaram a duquesa ao seu lugar. A funcionária despediu-se e abandonou o Solar Hall. A duquesa Marek sentou numa poltrona confortável. À sua frente havia uma mesinha móvel com um bloco, uma tradutora e um botão de alarme, abaixo do qual estava escrito em vermelho berrante: PARA SER USADO EM CASO DE EMERGÊNCIA. A duquesa sorriu. Ainda não havia ninguém na tribuna. Já havia alguns delegados perto dela, que manifestavam um interesse evidente por sua pessoa. A duquesa Marek reconheceu alguns membros de governo importantes nos camarotes suspensos. Mas parecia que Perry Rhodan ainda não chegara. O grande relógio instalado em cima da entrada principal marcava quinze minutos antes das nove. O ruído das vozes ficou mais forte, transformando-se num zumbido ininterrupto. Agia como um calmante sobre a duquesa. — Por favor, não saiam dos seus lugares! — disse uma voz saída dos altofalantes. — Só se levantem quando quiserem dirigir-se à tribuna, ou se houver algum motivo imperioso. Pedimos sua compreensão para a medida, que foi tomada para sua segurança pessoal. Para conversar com os outros delegados poderão usar o interfone instalado embaixo da mesa. Há uma central que os ligará com qualquer participante da conferência que desejarem. Agradecemos pela atenção.
A duquesa Marek olhou embaixo da mesa e viu o aparelho. Teve de reconhecer que a organização era excelente. Os terranos tinham feito tudo para contentar os delegados, apesar dos incômodos inevitáveis. Faltavam dez minutos para as nove quando Perry Rhodan entrou no Solar Hall. Como sempre, usava conjunto-uniforme simples. Estava acompanhado de um homem alto, de aspecto sério, que a duquesa Marek não conhecia. Aplausos soaram em alguns lugares, quando o Administrador-Geral do Império Solar sentou em seu camarote suspenso. A duquesa Marek não pôde evitar um sentimento de tristeza. Já houvera tempos em que Rhodan era recebido com aplausos estrondosos onde quer que aparecesse. Mas os filhos da Terra, os colonos que tinham começado vida nova nos pontos mais afastados da galáxia, não se sentiam tão gratos a este homem quanto os terranos. A administradora passou os olhos pelos delegados. Ainda havia lugares vagos, mas ninguém duvidava de que a conferência seria realizada. Os boatos a respeito de um adiamento no último instante estavam desacreditados. Perry Rhodan viera para defender as medidas impopulares que adotara. A duquesa Marek não conseguiu livrar-se de um ligeiro sentimento de vergonha. Até parecia que os colonos estavam reunidos para julgar o homem que construíra o Império. A colona olhou fixamente para a mesinha que ficava bem à sua frente. Neste momento sentiu outra eólica. Teve de morder o lábio para não soltar um gemido. Até parecia que alguma coisa se movimentara na região do estômago. A duquesa sacudiu fortemente a cabeça. Em hipótese alguma deveria abandonar o Solar Hall neste instante. Mas assim que terminasse a conferência procuraria o médico. Se soubesse que neste exato momento outros trinta e um delegados sentiam a mesma dor, a duquesa Marek provavelmente teria apertado o botão de alarme. Mas nenhum dos trinta e dois administradores que tinham levado a morte para dentro do Solar Hall sabia da dor dos outros. *** No dia 3 de abril, às seis horas da manhã, uma das estações de vigilância que circulavam em torno da Terra detectou um pequeno meteoro com um elevado teor de níquel. O meteoro deslocou-se em alta velocidade em direção à Terra e desapareceu de repente. A informação da estação robotizada foi transmitida à central como uma mensagem de rotina. Tratava-se de uma ocorrência corriqueira, com a qual ninguém se preocupava. Por um instante Broysen ficou suspenso no espaço, imóvel. O planeta que pretendia destruir encontrava-se à sua frente, tomando quase todo o campo de visão. Puxou com um cabo o pequeno veículo espacial do qual acabara de sair. Broysen mexeu cuidadosamente os braços e as pernas, que estavam endurecidos por causa do longo tempo que ficara deitado. A estação na qual teria de entrar, denominada TV-4-Sol, estava suspensa no espaço a uns duzentos metros de distância. Encontrava-se a exatamente 1.730 quilômetros da superfície da Terra. Broysen ainda dispunha de três horas. Ligou o pequeno aparelho de retropropulsão. A quantidade de energia por ele desprendida era tão reduzida que seria impossível detectá-la. Era estranho, mas Broysen não se sentia nervoso. Até parecia que estava executando um trabalho de rotina.
Sabia que havia um total de dez satélites de TV circulando em torno da Terra. Cada um deles levava duas horas para dar uma volta completa ao redor do planeta. Antes de abandonar o pequeno veículo espacial, a velocidade deste fora adequada à do satélite. Para modificar a distância que o separava da TV-4-Sol, Broysen tinha de usar seu aparelho de retropropulsão. Broysen sobrevoou o Terminador e logo se viu sobre a face noturna da Terra. Mas nem por isso perdeu de vista o satélite de televisão. Acionou o retropropulsor e deslocou-se em direção ao destino. Miras-Etrin o informara de que no interior do satélite encontraria condições semelhantes às da Terra. Haveria uma atmosfera de oxigênio e a gravitação seria de um gravo. Assim que tivesse atravessado a eclusa do satélite, poderia tirar o capacete. Broysen também sabia que cada um dos dez satélites possuía sua própria unidade geradora, que fornecia energia aos amplificadores. Além disso havia três robôs de manutenção a bordo de cada satélite. Estes robôs consertariam imediatamente qualquer avaria. Os satélites eram capazes de transmitir qualquer número de programa de um continente a outro. Quando se encontrava a apenas alguns metros da TV-4-Sol, Broysen pegou a chave de impulsos que trazia no cinto. Por enquanto estava tudo correndo segundo o plano. Broysen tinha certeza de que continuaria a ser assim. Chegou à conclusão de que a crítica que manifestara contra a operação montada por Miras-Etrin não tinha razão de ser. O senhor da galáxia sabia muito bem como enganar os terranos. Broysen apoiou os pés na face externa do satélite e orientou-se. A eclusa quase não aparecia. Broysen ligou o farol de seu capacete. O feixe de luz iluminou algumas antenas e elevações abobadadas. Broysen lembrou-se de que a conferência seria transmitida pela televisão e pelo hiper-rádio para todos os planetas solares. Os satélites desempenhariam as funções de estações retransmissoras. Broysen puxou o cabo que prendia o pequeno veículo espacial e manobrou-o cuidadosamente para junto do satélite. Queria evitar um impacto mais forte. Este poderia desencadear o alarme de meteoro. Broysen estava empenhado em evitar qualquer coisa que pudesse atrair a atenção das estações terranas. Prendeu firmemente a mininave e aproximou-se da eclusa. O detonador que seria usado para desencadear o processo de fusão nuclear ainda se encontrava no interior do veículo espacial. Broysen achou preferível levar o objeto voador para dentro do satélite, para que não pudesse ser detectado por acaso. Acionou a chave de impulsos. Prendeu a respiração, mas sentiu-se aliviado quando viu a face externa da eclusa abrir-se. Entrou na câmara da eclusa e certificouse de que era capaz de receber a nave. Voltou a sair para o espaço e desprendeu o barco espacial da face externa do satélite. Empurrou-o cuidadosamente e levou quase trinta minutos para colocá-lo na eclusa. Mas não teve muita pressa. Ainda tinha tempo. Fechou a parede externa da eclusa e pegou o desintegrador. Não sabia qual seria a reação dos três robôs de manutenção quando aparecesse no interior do satélite, e por isso achou conveniente estar preparado para um ataque. No interior do satélite, e também na eclusa, era bastante claro, e assim não precisou deixar ligado o farol de seu capacete. Voltou a acionar a chave de impulsos, e a porta interna da eclusa deslizou para o lado. Broysen viu à sua frente o centro do satélite, cujo interior estava atulhado de aparelhos de todas as espécies. Entre estes aparelhos mal havia lugar para os três robôs
se movimentarem livremente. Duas das máquinas permaneceram imóveis enquanto a terceira veio devagar na direção de Broysen, balançando os braços-ferramenta. O tefrodense parou, em posição de alerta. O robô também parecia hesitar. Certamente não sabia qual devia ser seu comportamento diante do intruso. Broysen tinha certeza de que entre as tarefas para as quais fora programado não se incluía a defesa contra um estranho. Mas ao que tudo indicava o sistema positrônico pouco complicado da máquina se perguntava se a abertura imprevista da eclusa constituía motivo para uma intervenção de sua parte. Broysen certificou-se de que não teria como desviar-se do robô. Apressou-se em prender a chave de impulsos no cinto. A porta interna da eclusa tinha de ficar aberta, para que a qualquer momento pudesse atingir sua nave. O robô ainda se encontrava a três metros do astronauta. Broysen achou que podia arriscar um passo sem provocar uma ação de curto-circuito do sistema positrônico do robô. Precisava ter muito cuidado, pois qualquer bobagem que fizesse poderia pôr em perigo o plano no último instante. O robô levantou o braço-ferramenta. Broysen parou imediatamente. O robô evidentemente não era uma máquina de guerra, mas não era difícil imaginar como uma pancada da mão-ferramenta deixaria Broysen. O robô voltou a movimentar-se. Na opinião de Broysen, só queria fechar a porta interna da eclusa. Era uma coisa que ele não podia permitir. Além disso no acesso à eclusa não havia lugar para ele e o robô. Um dos dois teria de ficar para trás. E o robô que decidira seguir seu caminho só poderia ser detido por meios violentos. Broysen levantou o desintegrador e fez pontaria para a cabeça oval da máquina, em cujo interior estavam instaladas as partes mais importantes de seu sistema positrônico. O robô devia possuir uma extraordinária capacidade de reação, ou então foi por puro acaso que girou a cabeça no exato momento em que Broysen puxou o gatilho. O raio desintegrador não atingiu o robô em cheio, mas deixou a máquina fora de ação. O tefrodense ficou apavorado ao notar que atingira e fundira um feixe de cabos. O robô caiu no acesso ao centro do satélite. Broysen passou por cima dele. Passou os olhos pelas instalações. Qual fora o aparelho destruído pelo disparo infeliz? Broysen arrancou o capacete para poder ouvir qualquer ruído suspeito. Mas só ouviu o zumbido e os estalos das máquinas. Sentiu seu pulso bater mais acelerado. Nem se atrevia a pensar no que aconteceria se tivesse provocado o alarme nos centros de vigilância terranos. Neste momento viu uma coisa que o deixou mais aliviado. Os dois robôs de manutenção ainda intactos começaram a movimentar-se. Marcharam para junto do cabo fundido. Não tomaram conhecimento da presença de Broysen. Broysen ficou mais tranqüilo ao ver os dois robôs iniciarem os reparos. Tirou o traje de proteção e foi buscar o detonador na mininave. Vivia olhando para o relógio que lhe fora dado por Miras-Etrin. Este relógio marcava não só o tempo tefrodense, mas também o terrano. Desta forma não havia possibilidade de engano. Faltava pouco para as oito quando Broysen descobriu uma pequena tela de controle que exibia o programa de televisão irradiado da sala de conferências. Viu o interior do Solar Hall e viu que alguns delegados já ocupavam seus lugares. Enrolou o traje de proteção e usou-o como almofada. Sentou bem à frente da tela e apoiou as costas numa máquina. Deixou o detonador no chão.
O plano de Miras-Etrin continuava a funcionar. A conferência seria realizada, conforme via das poucas imagens já projetadas na tela. E não era só isto. No interior do Solar Hall ninguém parecia suspeitar de nada, pois as pessoas que apareciam na tela apresentavam bastante calma. Broysen virou a cabeça para ver como ia o trabalho dos dois robôs de manutenção. As máquinas automáticas já tinham consertado os cabos. Naquele momento renovavam o isolamento. Broysen acenou com a cabeça. Estava satisfeito. Se aquele cabo tinha alguma importância, ele só deixara de funcionar por dez minutos. Certamente era um tempo curto demais para provocar um alarme. *** Às 7:53 o controle automático robotizado da TV-4-Sol avisou que havia uma ruptura de cabo entre o centro gerador atômico e o setor de amplificação para a Terra. A informação foi armazenada. Deixou de ser transmitida, porque dali a pouco chegou a notícia de que o dano fora reparado. Os técnicos do centro de controle da televisão terrana não tomavam conhecimento das informações armazenadas. Só as que eram transmitidas despertavam seu interesse.
10 Aboyer sentiu que o uísque espalhava um calor agradável em seu estômago, que se irradiava logo a todo o corpo. Naturalmente bebera depressa demais, ainda que alguns dias de abstinência quase o tinham desacostumado do álcool. Lembrou-se de Willy. Será que o ser-medusa ainda se encontrava em sua residência, ou já tinha saído para o Solar Hall? Aboyer levantou cambaleante e caminhou em direção à porta do escritório. Sem querer, olhou para o relógio. Eram oito e meia. Quando ia sair do escritório para procurar Willy nos outros aposentos, o videofone zumbiu. Aboyer apressou-se em afastar a garrafa do campo de visão do aparelho. Esfregou o rosto com as mãos. As pálpebras pesavam como chumbo. Puxou a poltrona. Quando a tela se iluminou, já estava sentado. Era Sintra. Parecia tresnoitada, mas mesmo assim sua imagem provocou pensamentos melancólicos em Aboyer. O álcool fez o resto para despertar o velho rancor. — Sintra! — resmungou. — Ligou para ver-me tomar café? — Al — exclamou Sintra, apavorada. — O senhor está embriagado, Al. — Tem alguma novidade para mim? — perguntou Al, esforçando-se para controlar o tom da voz. Preferiria que a indiana o tratasse com desprezo, mas percebeu que só sentia pena. Teve de agarrar-se com ambas as mãos nas braçadeiras da poltrona para não perder o autocontrole. — Será que ainda adianta alguma coisa, Al? — perguntou Sintra. — A conferência começará dentro de trinta minutos. O que poderia fazer? — Posso beber mais depressa — respondeu Aboyer, furioso. — Assim não perceberei nada quando a cidade for pelos ares. — Ao fazer a interpretação dos dados, o computador positrônico mencionou os dez satélites de televisão — informou a matelógica. — Refleti bastante para descobrir qual poderia ser a relação entre estes satélites e a conferência, mas não cheguei a nenhuma conclusão. Aboyer levantou de um salto. A chefe de seção recuou, apesar de encontrar-se a 384.000 quilômetros do agente. — O que pretende, Al? O agente passou a mão pelos cabelos, sorriu e desligou o aparelho. Em seguida enfiou a cabeça por um minuto embaixo do esguicho de água gelada. — Willy! — berrou. Um tentáculo foi saindo da adega para o corredor. — Al! — disse Willy com a voz chorosa. — Como vai o senhor, Al? Já deveria ter saído para o Solar Hall, mas pensei que talvez pudesse ficar doente e precisar de auxílio. — Preciso mesmo — respondeu Aboyer. — Vá lá fora e trate de arranjar um planador. Pilotarei o aparelho. — Mas, Al... — principiou Willy.
— Nada de pergunta — interrompeu Aboyer. — Ainda preciso falar com alguém. Willy parecia ter compreendido que precisava andar depressa. Saiu correndo. Aboyer voltou ao escritório e fez uma ligação com os estúdios da televisão terrana. Um amável rosto de mulher sorriu da tela. — Durante a conferência não podemos receber chamados — informou. Aboyer bateu com o punho fechado na mesa. — Escute, minha filha! — gritou. — Estou falando do QG da Segurança Solar. Fiz o chamado por ordem de Allan D. Mercant. É bom que me ligue logo com a manutenção. Esperava que suas mentiras produzissem efeitos. A imagem da moça empalideceu e logo foi substituído pelo rosto de um homem de meia-idade, que fitou Aboyer com uma expressão de tédio. — Os senhores mantêm continuamente sob controle os dez satélites de TV? — perguntou Aboyer. — O que pensa que fazemos aqui? — perguntou o técnico em tom de deboche. — Aconteceu algo de anormal nestas últimas horas? — prosseguiu Aboyer em tom obstinado. — É claro que não — respondeu o técnico. — O que deseja mesmo? Vocês da Segurança ainda nos estragam o prazer do trabalho. — Existem informações transmitidas pelos satélites que não sejam controladas pelos senhores? Aboyer sentiu suas esperanças se desvanecerem. — Todas as informações de rotina são armazenadas — informou o técnico da TV. — Mas acho que o senhor dificilmente estará interessado em saber se em algum satélite a transmissão aos outros planetas sofreu uma ligeira interferência. — Examine os bancos de dados, para verificar se houve alguma informação de rotina — ordenou Aboyer. — Veja as últimas cinco horas. Viu o homem sacudir a cabeça, mas não se incomodou. Dentro de quatro minutos o rosto do técnico voltou a aparecer na tela. Aboyer olhou para o relógio. Eram 8:32. — Foram armazenadas duas informações — informou o homem. — Uma delas veio de TV-8-Sol e diz que a imagem da tela de controle se instabilizou por pouco tempo. A outra informação foi transmitida por TV-4-Sol. Segundo ela, houve uma ruptura de cabos, que já foi consertada pelos robôs. Aboyer refletiu por um instante. — Uma ruptura de cabos? — repetiu finalmente. — Que acha disso? O técnico fitou-o com uma expressão contrariada. Provavelmente perguntava a si mesmo se estava falando com um doido. — O que poderia achar? — perguntou. — A ruptura de um cabo é um acontecimento extraordinário? — perguntou Aboyer, paciente. Sabia que não podia deixar que seus nervos se descontrolassem. — Isso não acontece todos os dias — respondeu o técnico. — Aliás, desde que trabalho aqui é a primeira vez. Os cabos são muito resistentes e normalmente não podem romper-se. Aboyer fez uma careta e desligou. Que o técnico pensasse o que quisesse. Aboyer saiu de casa. Havia um planador estacionado à frente de sua residência. O piloto parecia estar envolvido numa discussão violenta com Willy. Gesticulava com os braços e apontava ora para o planador, ora para si mesmo. Willy fizera sair uma
dezena de tentáculos e tentava convencer o desconhecido. Quando Aboyer chegou, a discussão foi interrompida. — É seu amigo? — perguntou o piloto com o rosto muito vermelho. — Está louco. Pensa que pode viajar no planador, mas não tem dinheiro nem para pagar uma viagem curta. — Este sujeito é muito teimoso, Al — queixou-se Willy. — O que está acontecendo mesmo? — perguntou o piloto. — Chamarei imediatamente a polícia pelo rádio. — Posso pagar a viagem — apressou-se Aboyer em afirmar. O dono do planador sorriu com uma expressão irônica. — É mesmo? — perguntou. — Com quê? — Com isto! — exclamou Aboyer e golpeou seu interlocutor. Willy soltou um grito de pavor. Aboyer empurrou-o para dentro do planador. O piloto começou a pôr-se de pé. Aboyer sorriu como quem quer pedir desculpas e fechou a porta do planador. Com apenas dois passos atingiu o assento do piloto e ligou as turbinas. O planador começou a subir. — Segure-se, Willy! — gritou Aboyer e acelerou ao máximo quando o planador ainda se encontrava a dois metros de altura. Subiu em pique entre os edifícios. A aceleração comprimiu-o contra o assento. Willy gritou de medo e escorregou do assento. Aboyer entrou numa via assinalada por bóias aéreas sem preocupar-se com os outros veículos. Os aparelhos que observavam o limite de velocidade foram ficando para trás. Quando desceu junto ao edifício da Segurança Solar, Aboyer foi acompanhado pelo ruído das sereias. Mal o planador tinha pousado junto à entrada principal, foi cercado por funcionários armados da Segurança. Aboyer abriu a porta. — Sinto muito! — gritou para os homens. — Tive de pousar aqui para ganhar tempo. — É Aboyer! — gritou alguém. — Deixem-no passar. — Al! — gritou Willy. — Não me deixe aqui. Saltou do planador e correu atrás de Aboyer o mais depressa que suas pernas permitiam. — Atlan está no escritório ou na central? — perguntou Aboyer a um dos funcionários. — Na central — respondeu este, confuso. — Tomara que o senhor tenha um bom motivo para aparecer lá, senão será posto na rua. Dali a três minutos Aboyer entrou correndo na central. Um afro-terrano alto e magro estava sentado à frente das telas de controle, juntamente com o arcônida. Aboyer sabia que Atlan escolhera este lugar para controlar as medidas de segurança no Solar Hall. Quando viu Aboyer à sua frente, Atlan tirou o fone de ouvido. — Outra vez! — constatou. — Qual é a idéia maluca que veio apresentar? — Ainda é a mesma, senhor — respondeu Aboyer, ofegante. — A televisão. Aboyer fez um relato apressado do que tinha descoberto e justificou suas suspeitas. Atlan parecia cada vez mais pensativo. — O senhor está com um bafo de uísque — disse assim que Aboyer concluiu. — Pode ser, senhor — reconheceu Aboyer. — Está bêbado? — perguntou Atlan em tom enérgico.
— Um pouco, senhor — confessou Aboyer. — Acho que ainda poderemos chegar em tempo, Ras — disse ao afro-terrano que também levantara. Aboyer espantou-se ao ver o homem de cor segurar o braço do lorde-almirante. Antes que o agente compreendesse o que estava acontecendo, Atlan e Ras desmaterializaram. — Um teleportador! — exclamou Willy, fora de si. — É Ras Tschubai. Aboyer olhou para o relógio. Os ponteiros avançavam implacavelmente. Naquele momento marcavam 8:47. Aboyer viu na tela que o Solar Hall estava quase cheio. Perguntou a si mesmo se os fragmentos da terceira arma já se encontravam na sala de conferências. “Provavelmente não”, pensou, “senão já se teriam juntado.” Aboyer passou a mão pelos cabelos e notou que ainda estavam completamente molhados. Só então se lembrou de que se apresentara ao arcônida em estado completamente relaxado. — Será que haverá mesmo a conferência, Al? — perguntou Willy, interrompendo as reflexões de Aboyer. — Tomara que sim — respondeu Aboyer. — Peço que me leve ao Solar Hall — disse o ser plasmático. — Como sabe, pretendo fazer um discurso. Neste momento entraram dois agentes e ocuparam os lugares de Atlan e Tschubai. Aboyer não tomou conhecimento de sua presença. Fez um gesto para Willy. — Vamos — disse. — Temos um planador. — Se não for inconveniente, talvez possa ir um pouco mais devagar — disse Willy no tom humilde que lhe era peculiar. *** — Está tudo calmo, senhor — observou John Marshall enquanto sentava no camarote suspenso, ao lado de Perry Rhodan. — É a calma antes da tempestade — respondeu Rhodan e olhou em volta. — Não faço questão de aplausos, mas a recepção que me foi dispensada pelos delegados não pode ser chamada de cordial. — Quem sabe se depois de seu discurso eles não mudam de atitude, chefe? — disse Marshall. Não havia muita convicção nestas palavras, e Marshall sabia disso. Rhodan recostou-se na poltrona. — Não posso apresentar outras propostas aos delegados — disse. — Repetirei aquilo que já se sabe nas colônias. Só existe uma chance de modificar o estado de espírito dos administradores, John: uma demonstração pública do perigoso poderio dos senhores da galáxia. — Quer dizer que o senhor deseja que haja um incidente? — perguntou Marshall, estarrecido. Rhodan juntou as palmas das mãos e olhou para o relógio. — Sabe que provavelmente existe uma terceira arma fragmentária, John? — perguntou. — Está brincando — resmungou Marshall. — De forma alguma — insistiu Rhodan, apontando para a sala. — Tudo indica que os senhores da galáxia praticarão um atentado durante a conferência, já que os homens mais importantes do Império estão reunidos aqui.
— Não quero criticá-lo, senhor, mas se existe a menor suspeita de que há uma terceira arma, o senhor deve cancelar a conferência no último instante. — Acho que Atlan e alguns dos seus amigos estão à procura da terceira arma — respondeu Rhodan. — Não cuidei disso. Tomamos todas as precauções que se tornavam necessárias. Nem um mosquito poderia entrar no Solar Hall sem ser notado. Espero que o inimigo perca os nervos e tente um atentado, apesar das medidas tomadas. Só assim teremos a prova de que precisamos para convencer os administradores. — É um risco enorme, senhor — disse Marshall. Rhodan confirmou com um gesto. — Eu sei, John. A luta com os senhores da galáxia entrou numa fase decisiva. Se o inimigo conseguir fomentar dissensões internas que dividam o Império, o jogo estará ganho para ele. A sorte da guerra com os senhores da galáxia depende do resultado desta conferência. No fundo Rhodan não se sentia tão calmo como aparentava. Sabia que estava fazendo um jogo. Observou os delegados, que estavam sentados em seus lugares. Será que alguns deles desconfiavam do que tinha acontecido depois que haviam chegado à Terra? Rhodan acreditava que não. A unidade extraordinária dos governantes coloniais fazia com que se sentissem seguros. Não tomavam conhecimento da ameaça representada pelos senhores da galáxia e estavam convencidos de que se encontravam numa posição inabalável. Nenhum deles vivera tanto quanto Perry Rhodan, que já vira mais vezes que eles que muitas vezes o poder é transitório. Principalmente o poder econômico. Os colonistas só pensavam no momento presente, mas Rhodan estava habituado a planejar para vários anos à frente. Neste ponto era parecido com Atlan e as outras pessoas que possuíam ativadores de células. Um tempo de vida mais longo fatalmente traz consigo uma maneira diferente de encarar as coisas. — Está captando algum pensamento suspeito, John? — perguntou Rhodan. O mutante fez que não. — Não senhor. E os colegas que se encontram no Solar Hall também não avisaram nada. Rhodan distribuíra todos os mutantes, com exceção de Ras Tschubai, pelo Solar Hall. Atlan fizera questão de poder contar com o auxílio de um teleportador. Rhodan voltou a olhar para o relógio. Faltavam dois minutos para as nove. Os últimos administradores estavam chegando e eram levados aos seus lugares. Alguns usaram seus fones de mesa para uma troca de informações. Rhodan lembrou-se da palestra que tivera com Homer G. Adams, pouco antes de sair com destino ao Solar Hall. O mutante imperfeito informara que as bolsas estavam revelando tendências negativas. Os papéis das colônias estavam em alta, enquanto os conglomerados controlados pelo governo sofriam pesadas perdas. A General Cosmic Company encontrava-se em situação precária. Adams teve dificuldade em manter uma razoável estabilidade. Dali se concluía que Rhodan tinha poucas chances de atravessar a conferência sem sofrer uma derrota. Nas entrevistas concedidas à imprensa e à televisão, os delegados das colônias não tinham deixado dúvidas sobre a atitude que tomariam se Rhodan insistisse em seus planos. Raros eram os participantes da conferência que falavam numa possibilidade de acordo.
— São nove horas, senhor — disse John Marshall. — A conferência está começando. Rhodan levantou. Não era a primeira conferência de que participava, mas poucas vezes se sentira tão emocionado. De repente deu-se conta de que já se conformara com a própria renúncia. Não tivera ilusões ao entrar no Solar Hall. — Perry Rhodan, Administrador-Geral do Império Solar, dirigirá a palavra aos povos da galáxia! — anunciou a voz saída do alto-falante. Todos ficaram em silêncio. Não houve aplausos, mas o fato de os participantes da conferência olharem para ele fez com que Rhodan percebesse que estavam muito interessados em suas explanações. Todos sabiam que em seu discurso Rhodan fixaria as diretrizes que pretendia seguir no futuro. Quando saiu do camarote suspenso, Rhodan foi escoltado por dois agentes da Segurança Solar, que o acompanharam para a tribuna. Rhodan não levava manuscrito ou anotações. Sabia de cor o que tinha a dizer, pois nos últimos dias quase não pensara em outra coisa. Rhodan subiu na tribuna. Seu rosto não mostrava o que estava pensando. Nem mesmo os bilhões de telespectadores que viam a imagem ampliada do rosto deste homem que há séculos conduzia os destinos do Império e estava para ser deposto desconfiavam do que se passava em sua mente. Neste momento a duquesa Marek saltou da poltrona da décima segunda fileira do lado direito e deu um grito. Rhodan estremeceu. Viu a administradora segurar a barriga com as mãos. Um pequeno objeto cintilante desprendeu-se do corpo da duquesa e ficou suspenso no centro do salão. Outros gritos de dor fizeram-se ouvir. Apavorado, Rhodan viu alguns delegados rolarem no chão. De seus corpos também saíram fragmentos metálicos. Os participantes da conferência que não tinham sofrido estes ataques permaneceram imóveis na poltrona, de tão assustados que ficaram. Isto, e os guardas que imediatamente entraram em ação, evitaram que os delegados entrassem em pânico. Havia trinta e dois fragmentos flutuando em direção ao centro do Solar Hall, a uns vinte metros de altura. Uniram-se num objeto oval, protegido por um campo energético azul. Rhodan esperava que houvesse uma explosão que destruiria tudo. A terceira arma fragmentária fora introduzida no Solar Hall nos corpos de 32 participantes da conferência. A catástrofe tornara-se inevitável. *** “É um belo edifício”, pensou Broysen, admirado, ao ver as imagens do Solar Hall projetadas nas telas de controle. A câmera voltou a focalizar o interior do edifício em que seria realizada a conferência. Broysen viu as imagens de alguns delegados em close-up. Não conhecia nenhum deles e não sabia se havia um que trouxesse um fragmento da arma no corpo. Havia rostos pensativos, enquanto outros estavam sorridentes. Era impossível conhecer o estado de ânimo de alguns seres não-humanóides. Broysen sentiu-se feliz porque a câmera lhe proporcionava este quadro. Era uma sensação estranha ver os seres que ele destruiria dentro de alguns minutos apertando um botão. Morreriam com ele.
Broysen viu o quadro mudar. Alguns retardatários estavam chegando e eram mostrados aos telespectadores. O rosto de uma mulher ruiva apareceu na tela. Parecia que estava sentindo dores, pois estava com o rosto desfigurado. O quadro voltou a mudar, mostrando o camarote suspenso em que estavam sentados Perry Rhodan e seus companheiros. Broysen já tinha visto retratos de Rhodan. Por isso reconheceu-o imediatamente. Então era este o homem que infligira pesadas derrotas aos senhores da galáxia. “Até que é simpático”, pensou Broysen. Mas irradiava alguma coisa que lembrava MirasEtrin. Certamente era por causa do ativador de células. Os dois possuíam um aparelho dessa espécie. Broysen passou as mãos pelo aparelho que faria detonar a terceira arma fragmentária. Será que Rhodan, que conseguira desativar as outras duas armas fragmentárias, desconfiava da existência de uma terceira arma? Broysen não gostaria que o Administrador-Geral morresse sem saber o que estava acontecendo. Era uma pena que não havia possibilidade de falar no último instante com o terrano, para dizerlhe: — Aqui estou. Broysen, o autor do atentado que destruirá a Terra. Broysen imaginava que Rhodan esboçaria um sorriso irônico. Não acreditaria que pudesse haver alguém capaz de executar um trabalho tão monstruoso. No entanto, o fim do terceiro planeta do sistema era inevitável. Broysen olhou para o relógio. Dentro de dois minutos terranos Rhodan se levantaria e se dirigiria à tribuna. Dentro de mais três minutos os fragmentos da arma se juntariam, e esta ficaria suspensa no centro da sala, sustentada por um campo energético. A única coisa que o astronauta tinha de fazer depois disso era apertar o botão do detonador. Broysen pegou o aparelho e colocou-o sobre as pernas. Teve o cuidado de não tocar no acionador. Em hipótese alguma a arma deveria ser detonada antes da hora. — Broysen! — ouviu o tefrodense neste instante. Estremeceu. O detonador escorregou-lhe de cima das pernas. Broysen teve a impressão de que a voz que acabara de ouvir era de Miras-Etrin. — Isto é uma gravação, Broysen — prosseguiu a voz. Só então o tefrodense percebeu que esta voz vinha da câmara da eclusa, onde estava correndo uma fita gravada. — Dentro de instantes o senhor acionará o detonador e morrerá, Broysen. Como nunca mais voltará, posso dizer que lamento sua volta. Houve um estalo, que mostrou a Broysen que não seria pronunciada mais nenhuma palavra. O tefrodense respirou aliviado e pegou o detonador. Não acreditava que a mensagem fosse uma última advertência para que não deixasse de cumprir sua missão. Miras-Etrin exprimira nela o que realmente pensava. Broysen sorriu. Talvez fosse o único ser da nebulosa de Andrômeda que já tinha ouvido uma palavra amável de um senhor da galáxia. “É bem verdade que terei de pagar caro por isso”, pensou, triste. Voltou a olhar para a pequena tela de imagem. Rhodan acabara de levantar e caminhava para a tribuna, acompanhado por dois guardas. A televisão mostrou o relógio. Broysen comparou a hora indicada com a de seu cronômetro. Não havia nenhuma diferença. Rhodan subiu na poltrona para cumprimentar os delegados.
De repente a imagem desapareceu. Broysen, que estava com a garganta ressequida, pensou que os técnicos da TV estivessem mudando a focalização. Mas dali a pouco a mulher ruiva apareceu na tela. Saltara da poltrona e contorcia-se de dores. Broysen viu perfeitamente uma peça da arma sair de seu corpo e flutuar no ar. Pegou o detonador. Estava na hora. Assim que a arma se juntasse sobre as cabeças dos participantes da conferência, Broysen acionaria o detonador. *** Ras Tschubai e Atlan materializaram em uma das torres de controle do porto espacial de Terrânia. Os técnicos de plantão levantaram espantados ao reconhecer o arcônida. Atlan olhou para o campo de pouso e viu que o tráfego aéreo fora paralisado. Era o que determinavam as instruções. Atlan não tomou conhecimento da presença dos homens que estavam de serviço na torre de controle. Fez uma ligação de videofone com a central espaço-portuária. Esperou impaciente que o oficial de serviço aparecesse na tela. — Major Carruth falando, senhor — disse o astronauta quando reconheceu Atlan. — Pensei que estivesse no QG da Segurança. — Não há tempo para explicações, major — disse Atlan. — Tschubai e eu precisamos de um caça-mosquito que possa decolar imediatamente. Carruth compreendeu logo que algum acontecimento extraordinário deveria ter levado o lorde-almirante da USO a abandonar seu lugar no edifício da Segurança. — Pista vinte e três, senhor! — disse. — Há um piloto dentro de cada jato. Providenciarei para que uma máquina seja posta à sua disposição. Atlan sabia que havia vários caças de prontidão no porto espacial, para poderem entrar em ação caso isto se tornasse necessário. O rosto de Carruth desapareceu da tela. Atlan dirigiu-se a um dos técnicos de plantão na tone de controle. — Coloque a pista vinte e três na tela. Rápido. — Naturalmente, senhor. O técnico mexeu nos botões dos controles. Dentro de instantes Atlan viu alguns caças-mosquito na tela. — Acha que chega, Ras? — perguntou. — Sem dúvida — respondeu Tschubai, acenando com a cabeça e estendendo a mão. O arcônida segurou-a. Com um salto de teleportação de quatro quilômetros, Tschubai transportou-se juntamente com o companheiro à pista vinte e três. Quando materializaram, foram cumprimentados por um capitão barbudo da defesa espacial. O oficial levou-os à primeira máquina da fila. Atlan e Tschubai ocuparam seus lugares. O arcônida sentou na poltrona do piloto. Fez o jato rolar pelo campo de pouso. Os propulsores já tinham sido esquentados. A carlinga fechou-se. Tschubai fez sinal de que estava tudo em ordem. — Voaremos diretamente para TV-4-Sol — disse Atlan, enquanto fazia subir o aparelho. — Assim que nos tivermos aproximado o bastante para ver o satélite, saltaremos. — Será que vamos encontrar alguma coisa? — perguntou Tschubai. Atlan olhou para o relógio. Faltavam quatro minutos para as nove. — Vou acelerar ao máximo — disse. — Não podemos perder tempo. Tschubai não se admirou porque sua pergunta ficou sem resposta. Provavelmente nem mesmo o arcônida sabia o que pensar. Mas se as informações fornecidas por Aboyer fossem corretas, certamente encontrariam alguma coisa no interior do satélite.
*** Parecia que o tempo estava passando mais devagar. Broysen olhava fixamente para a tela. Viu um fragmento após o outro sair dos corpos de 32 delegados e flutuar pelo ar. Os técnicos de televisão tinham encontrado um grande furo e nem pensavam em deixar de focalizar o Solar Hall. Broysen respirava com dificuldade. Ouvia as batidas do coração. As 32 peças da arma aproximavam-se do centro do salão de conferências, vindas de todos os lados. Broysen não acreditara que pudesse ver tudo com tamanha nitidez. Teve de fazer um esforço para não acionar o detonador antes da hora. Sentiu que as palmas das mãos estavam ficando úmidas. No momento em que se inclinava para levantar o detonador, as peças se uniram para formar uma única peça. Broysen sorriu. Viu o campo energético azul, que manteria a arma no lugar até o momento da explosão. Neste instante as câmera terranas mostraram uma imagem ampliada da bomba. O campo energético azul brilhou. Boysen estremeceu. Passou a mão direita pelo botão que teria de apertar para provocar a catástrofe. *** Eram 9:02. O jato-mosquito passou em alta velocidade pelo satélite TV-3-Sol e aproximou-se rapidamente do satélite seguinte. Atlan ligou o piloto automático que manteria o aparelho em órbita. Pegou a arma energética e destravou-a. Recostou-se no assento e olhou para Tschubai. Neste instante o satélite TV-4-Sol apareceu na tela. — Pronto, Ras? — perguntou Atlan. — Estou pronto, senhor! O teleportador concentrou-se fortemente e estendeu a mão para Atlan, que a segurou. No mesmo instante o arcônida sentiu a dor de desmaterialização típica de um salto de teleportação. Materializaram a três metros de um desconhecido, que estava sentado no chão do satélite de TV, olhando fixamente para uma pequena tela de controle. Segurava um aparelho de controle. Parecia que pretendia usá-lo naquele instante. Atlan atirou. O setor lógico de seu cérebro levara apenas uma fração de segundo para compreender o que estava acontecendo. O tefrodense provavelmente morreu convicto de ter detonado a arma fragmentária, pois não teve tempo para compreender a verdade. Caiu para a frente e o detonador caiu ruidosamente ao chão. Atlan saltou para junto do morto e empurrou o aparelho. Olhou para a tela e viu parte do Solar Hall. Neste instante a imagem mudou e a arma fragmentária apareceu, na tela. — É um tefrodense, senhor — disse Tschubai, interrompendo as reflexões de Atlan. — Dentro de instantes haverá um pânico no Solar Hall — disse Atlan. — O senhor se julga capaz de saltar diretamente para a sala de conferências que está sendo mostrada na tela? — Posso tentar — disse Tschubai. Não aguardou outras ordens de Atlan. Desmaterializou. Atlan ficou a sós com o cadáver do tefrodense. Levantou-o cuidadosamente e apoiou suas costas na máquina. Apalpou apressadamente o peito do morto. O ativador de células que esperava encontrar não estava lã. Não se tratava de um senhor da galáxia.
Concluiu que estes seres acharam preferível enviar um subalterno. Portanto, a arma fragmentária colocaria em perigo até mesmo a vida do autor do atentado. Atlan começou a compreender a catástrofe que por sorte conseguira evitar no último instante. O rosto do tefrodense apresentava traços inteligentes e resolutos. Os senhores da galáxia certamente tinham enviado um dos subordinados em que mais confiavam. Atlan levantou e olhou para a tela. Viu Perry Rhodan parado na tribuna, como quem espera alguma coisa. Ras Tschubai apareceu a seu lado. Parecia cochichar-lhe alguma coisa ao ouvido. — Não é por sua causa, bárbaro — cochichou Atlan. — Não é por sua causa que você ainda está vivo. *** Rhodan estendeu as mãos, como se quisesse exorcizar a bomba para neutralizála. Não é que sentisse medo, mas a consciência de ter cometido um erro imperdoável deixou-o paralisado. Tinha certeza de que seria o fim. Todos os participantes da conferência e os guardas de segurança pareciam sofrer a mesma paralisia. Olhavam fixamente para o objeto metálico oval preso num campo energético azul, sem fazer qualquer movimento. Até mesmo os gritos de dor dos 32 infelizes que sem querer haviam introduzido a arma fragmentária na sala de conferências silenciaram. Parecia que todo mundo estava à espera da explosão. De repente houve um movimento ao lado de Rhodan. O Administrador-Geral viu Ras Tschubai pelo canto dos olhos. Deixou cair os braços. Havia uma expressão de incredulidade em seu rosto. — Não vai acontecer nada, senhor! — sussurrou o teleportador. — Atlan acaba de matar o autor do atentado no interior de um satélite de televisão. O detonador encontra-se em seu poder. O encanto que parecia pesar sobre Rhodan rompeu-se. O Administrador-Geral teve a impressão de que o sangue voltara a circular mais depressa, que estava mais forte. Deu um passo para a frente, a fim de que sua voz pudesse ser transmitida por todos os microfones. — Não vai acontecer nada, senhoras e cavalheiros — disse em tom calmo. — O Lorde-Almirante Atlan, chefe da USO, acaba de apoderar-se do detonador da terceira arma fragmentária. Providenciarei para que a arma seja levada imediatamente ao espaço numa nave robotizada, onde será detonada. Então saberemos que tipo de atentado foi este, por meio do qual se pretendia destruir o Solar Hall ou talvez todo o continente. Aplausos ensurdecedores irromperam na sala. Alguns dos administradores sentados nas primeiras filas levantaram das poltronas e correram para felicitar Rhodan. Tschubai foi empurrado para trás. Rhodan viu alguns agentes da Segurança Solar removerem a terceira arma. Alguns medo-robôs entraram para cuidar dos 32 feridos. O tumulto era tamanho que Rhodan não conseguiu mais ser ouvido, por mais que tentasse. Um homem baixo e calvo conseguiu chegar perto de Rhodan. O Administrador reconheceu o Rei Sahl de Farong, que era um dos administradores que mesmo antes da conferência vinham exigindo a renúncia de Rhodan. A calva de Sahl estava coberta de suor. — Foram os senhores da galáxia, não foram? — perguntou.
Rhodan confirmou com um gesto, enquanto tentava descobrir Tschubai na multidão. — Fomos uns idiotas — confessou Sahl e, embaraçado, coçou-se atrás da orelha. — Demos mais valor no dinheiro que ao desenvolvimento das colônias. Nossa cegueira foi tamanha que nem vimos o perigo que nos ameaçava. — A culpa foi minha — respondeu Rhodan. — Deveria ter cancelado a conferência. Foi uma irresponsabilidade de minha parte colocar em perigo a vida dos conferencistas. Afinal, não ignorávamos que os senhores da galáxia planejavam um atentado. Sahl sorriu aliviado. — Merecemos a lição, senhor — disse. — Não tenha dúvida de que as medidas econômicas tomadas pelo senhor contarão com nosso apoio integral. Além disso o ajudaremos no que pudermos na luta com os senhores da galáxia. Acontecera exatamente aquilo que Rhodan previra. Mas nem por isso ele experimentou uma sensação de triunfo. O risco fora muito grande. — Façam o favor de voltar aos seus lugares! — gritou para dentro dos microfones. — Não vamos deixar que um incidente qualquer nos abale. Os delegados retiraram-se da tribuna e Ras Tschubai conseguiu chegar novamente perto de Rhodan. — A arma já está sendo levada ao porto espacial, senhor — informou o teleportador. — Atlan a detonará a partir do satélite de TV, assim que tiver ultrapassado a órbita de Plutão. — Não se arriscaram muito esperando até o último instante? — perguntou Rhodan com a voz abafada. — Não compreendo, senhor — afirmou Tschubai, espantado. — Há quanto tempo Atlan sabia onde poderia encontrar o autor do atentado? — perguntou Rhodan. — Ficamos sabendo pouco depois das oito e meia — informou Tschubai em tom sério. — Aboyer e Willy das Esteiras nos informaram de que no interior do satélite TV-4-Sol tinha havido uma misteriosa ruptura de cabo. — Mesmo depois que tudo passou, o senhor ainda me deixa assustado — disse Rhodan. — Alguma ordem, senhor? — Por enquanto não. Mas fique a postos. Abrirei a conferência com alguns minutos de atraso. *** — O senhor não pode fazer uma coisa dessas, Al — protestou Willy em tom violento, quando Aboyer se recusou a acompanhá-lo além da entrada principal do Solar Hall. — Pretendo citar seu nome no discurso que vou proferir. — Estou despenteado, não fiz a barba, pareço exausto e exalo um tremendo cheiro de uísque — disse Aboyer. — Tudo isto certamente não concorrerá para deixar seus ouvintes mais impressionados. Além disso não acredito que aconteça mais alguma coisa. Falta pouco para as nove e meia. O bloqueio do Solar Hall foi levantado, depois que removeram a terceira arma fragmentária. Willy fez sair um tentáculo de seu corpo esponjoso. — Acho que nunca nos demos muito bem, Al — disse, pensativo. — Como amigos, quero dizer.
— Meu Deus! — exclamou Aboyer. — Agora o senhor deu para filosofar. — Se não for comigo lá dentro, acabo fazendo uma bobagem — profetizou Willy. — Pois faça — resmungou Aboyer. — Quando estiver lá dentro, vai mesmo afundar no chão de medo. — Não diga uma coisa dessas, Al — disse Willy com a voz chorosa. — O senhor me tira o prazer do discurso. Aboyer apontou para a entrada. — Vai ou não vai? Willy encolheu ostensivamente, até ficar achatado e assumir uma coloração violeta. Um único olho saliente saía de seu corpo. A tradutora estava pendurada neste olho. — O senhor se comporta como uma criança teimosa — exclamou Aboyer, aborrecido. Virou-se e saiu andando. Quando atingiu o planador que “tomara emprestado”, Willy já se encontrava novamente a seu lado. — Aonde vai, Al? — perguntou Willy. — Para casa — respondeu Aboyer. — Onde mais poderia ser? — Se me lembro de sua poltrona gasta — suspirou Willy — das paredes cheias de garrafas e do cheiro de mofo de sua residência, o discurso que vou proferir perde toda importância. — Não! — exclamou Aboyer em tom resoluto. Willy agarrou-o com três tentáculos, impedindo-o de entrar no planador. — Ou o senhor me acompanha para dentro do Solar Hall, ou então eu o acompanho para sua casa — disse Willy. — Não! — retrucou Aboyer. Dali a três minutos os dois partiram no planador. *** Às 11:45 o Lorde-Almirante Atlan entrou no Solar Hall. Foi saudado com uma salva de palmas. O administrador de Plaza de Bravos, que estava fazendo um discurso, cedeu o lugar junto ao microfone ao arcônida. Atlan fez uma ligeira mesura. — A terceira arma fragmentária foi detonada há quinze minutos — informou. — Os instrumentos revelaram que a bomba era um detonador atômico dos núcleos dos átomos de oxigênio. Se tivesse explodido nesta sala, todos os átomos de oxigênio entrariam num processo de fusão nuclear, transformando a Terra numa tocha solar. As palavras do arcônida deixaram os presentes estarrecidos. — Também trago notícias da clínica na qual foram internados os trinta e dois administradores que os senhores da galáxia tinham escolhido como vítimas. Os feridos estão passando relativamente bem. Podem acompanhar a conferência pela televisão. As peças da arma não provocaram maiores danos no organismo dos administradores. Ainda não sabemos como os senhores da galáxia conseguiram introduzir as peças nos corpos dos delegados. Provavelmente usaram uma técnica de transmissão muito avançada. Estas palavras provocaram discussões apaixonadas entre os participantes da conferência. O arcônida saiu da tribuna e dirigiu-se ao camarote suspenso no qual estavam sentados Perry Rhodan e John Marshall. Um delegado extraterrestre acabara de pedir a palavra e dirigia-se à tribuna. A conferência prosseguiu. Acabou sendo um êxito total para Perry Rhodan e o governo
do Império. O Administrador-Geral obteve plenos poderes para agir contra os senhores da galáxia. Pelas 24:30 Rhodan dirigiu-se pela primeira vez a Atlan. — Acho que não precisamos preocupar-nos mais com nossos aliados — disse. — Também acho — respondeu Rhodan. — É de admirar que o Império tenha resistido a uma crise como esta. Mas não se esqueça de que ainda não conseguimos derrotar os senhores da galáxia. O insucesso parcial só nos levará a redobrarem seus esforços. — Nunca mais farei pouco caso das suas advertências — respondeu Rhodan com um sorriso. — Quer dizer que apesar de tudo a conferência serviu para alguma coisa — disse Atlan e recostou-se confortavelmente na poltrona. *** Miras-Etrin inclinou o corpo e ligou o alto-falante do intercomunicador. Sabia que o substituto de Broysen responderia ao chamado. — Ainda não recebemos o impulso, Maghan — disse o duplo, preocupado. — Já deveria ter chegado há tempo. — Não adianta esperar mais — disse Miras-Etrin e desligou. Já fazia uma hora que sabia que seu plano falhara. Não estava interessado em descobrir a causa do fracasso. Miras-Etrin não chorava atrás dos planos que não tinham dado certo. Em sua opinião os terranos não tinham evitado sua destruição. Apenas conseguiram retardá-la. O senhor da galáxia recostou-se num pneumossofá. Se Broysen ainda estivesse vivo e fosse interrogado pelos terranos, as primeiras naves-patrulha terranas não demorariam a aparecer no setor espacial em que se encontrava. Mas Miras-Etrin não acreditava que Broysen tivesse sobrevivido. Provavelmente morrera em vão. Teria ouvido a fita gravada? Ou encontrara a morte antes disso? Miras-Etrin ligou o intercomunicador. — Abandonaremos este setor — decidiu. — Acelere ao máximo, comandante. — Pois não, Maghan — respondeu o substituto de Broysen em tom submisso. Miras-Etrin interrompeu a ligação. Havia um sorriso de desprezo em seu rosto. Alegrava-se antecipadamente com o relatório que apresentaria ao Fator I. Este o acusaria dizendo que ele falhara. Além disso o misterioso chefe dos senhores da galáxia perguntaria se julgara acertado enviar Broysen em vez do duplo previamente escolhido. Miras-Etrin não temia a discussão com o Fator I. Sabia perfeitamente que precisavam dele na luta com os terranos. Olhou em volta e acabou fixando o olhar no jogo de lógica tridimensional. Teve a impressão de ver Broysen parado ao lado deste jogo. O tefrodense erguia-se lentamente e dizia: — O senhor perdeu, Maghan! *** O chiado dos rolos gastos da poltrona fez com que Aboyer se sobressaltasse. Willy entrou rolando na adega. Usava três tentáculos, dirigindo a poltrona com grande habilidade para o centro da peça. Aboyer perguntou-se como o ser-medusa conseguira convencê-lo apesar de tudo.
— Olá, Al! — resmungou Willy com um grande esforço. — O senhor não de... não deveria ter derramado o uísque em cima de mim! — O senhor insistiu — lembrou Aboyer com um sorriso. — Tive de gastar nisso duas garrafas. — Ficou mais quente — disse o ser plasmático. — É a primeira vez na vida que não sinto frio, Al. O videofone instalado no escritório zumbiu. — Veja quem é — pediu Aboyer. Willy movimentou a poltrona. Voltou dentro de alguns minutos. — Foi a polícia — informou. — Queriam saber o que é feito do planador que... que o senhor tomou emprestado. Aboyer cocou o queixo barbudo e fitou Willy. — O que foi que o senhor disse? — perguntou. — Contei a verdade — respondeu Willy. Aboyer levantou e foi para perto da janela. O planador estava estacionado à frente de sua residência. Três das colunas de sustentação estavam vergadas. Além disso a parte inferior fora amassada. Aboyer sacudiu a cabeça e voltou ao pneumossofá. — Al! — disse Willy. — Hein? — fez Aboyer, o que lhe custou um grande esforço. — Posso derramar mais um pouco de uísque em mim? Pareço que já estou sentindo frio de novo. Aboyer adormecera. Willy fez sair um olho saliente e olhava encantado para as paredes cobertas de garrafas. Aboyer estava exausto. Não acordaria tão depressa. “Os amigos devem repartir tudo que possuem”, pensou Willy. Ele e Al eram amigos. — Foi um erro eu ter pilotado — disse Willy. — Mas gostei. — Naturalmente — respondeu Aboyer. Sua voz quase não pôde ser ouvida, de tão sonolento que estava.
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Enquanto os governante dos mundos se reúnem numa conferência em Terrânia, a morte invisível os espreita juntamente com a Humanidade. O lorde-almirante conseguiu literalmente no último instante evitar a destruição da Terra e frustrar o plano genial de Miras-Etrin, Leia a história da continuação do conflito gigantesco entre os humanos e os senhores da galáxia e os próximos objetivos da luta no próximo volume da série Perry Rhodan, intitulado A Caça à Esfera Teleportadora.
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