(P-275)
VOANDO PARA BARKON Everton Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Um abismo de tempo separa Perry Rhodan e os tripulantes da Crest do Império Solar do ano 2.404. No momento — depois de um salto de quinhentos anos, provocado pela estação dos senhores da galáxia instalada em Pigell — a nave-capitânia encontra-se no ano 49.488 antes do nascimento de Jesus Cristo, a exatamente 51.892 anos do tempo real. Em compensação a distância espacial que separa a nave da Terra, que é o mundo central do Império Solar, é relativamente reduzida. Pigell ou Tanos VI, que é a posição atual da Crest, é um dos planetas do sol Vega, e de lá — pelos ladrões interestelares — é apenas um pulo de gato até a Terra. Por isso um senhor da galáxia chamado Toser Ban recebe ordens de montar uma armadilha para a Crest no planeta Terra. As iscas usadas pelo senhor da galáxia são Don Redhorse e seus companheiros, que foram transportados de Pigell para a Terra por um transmissor de matéria. A Crest aproxima-se para recolher o grupo de Don Redhorse, mas o jogo traiçoeiro de Toser Ban é frustrado antes que seja tarde. O senhor da galáxia é morto. Os canhões da fortaleza lunar abrem fogo contra a Crest, mas com uma fração de segundo de atraso... Enquanto a Crest escapa à destruição, a esposa do Administrador-Geral, Mory Rhodan-Abro, que ocupa o cargo de chefe de governo de Plofos, não permanece inativa no tempo real em que se encontra. Em julho do ano 2.404 entra em contato como Marechal-de-Estado Reginald Bell Quer ajudar os perdidos no tempo — e acha que terá uma chance para isso Voando Para Barkon...
= = = = = = = Personagens
Principais: = = = = = = =
Mory Rhodan-Abro — A esposa do Administrador-Geral, que organiza uma expedição de busca. Reginald Bell — Amigo de Perry Rhodan e seu substituto. Betty Toufry e Kitai Ishibashi — Membros do exército dos mutantes. Coronel Rondo Masser — Comandante do ultracouraçado General Deringhouse. Major Flowerbeard — Piloto da GD-K-7. Thagor — Um barcônida. Deitar — Um tefrodense.
1 Em Terrânia as coisas corriam normalmente. Todo mundo sabia que Perry Rhodan e os principais dirigentes da humanidade se encontravam entre a Via Láctea e a nebulosa de Andrômeda. Também se sabia que a expedição tivera de enfrentar dificuldades, mas isso não causava maiores preocupações. Na Via Láctea reinava a paz, e o Império Solar era mais forte que nunca. Só mesmo algumas pessoas bem informadas, às quais fora imposto o dever do mais rigoroso sigilo, conheciam a verdade. E a verdade era que Perry Rhodan se perdera no passado. A genial armadilha do tempo dos senhores da galáxia arremessara a Crest e seus tripulantes mais de cinqüenta mil anos para o passado, e por enquanto as tentativas de retornar ao tempo real, feitas por Rhodan, tinham fracassado. Mas assim mesmo as bases dos terranos resistiram aos ataques furiosos dos povos auxiliares mobilizados pelos senhores da galáxia. Naves terranas montavam guarda na nebulosa de Andro-Beta, situada antes de Andrômeda. E Bell, que se encontrava no sistema Chumbo de Caça, providenciava para que o fluxo dos abastecimentos vindos da Via Láctea funcionasse perfeitamente. O gigantesco transmissor de matéria do sistema Chumbo de Caça, cujo sol ficava, perdido é abandonado, no abismo intergaláctico, funcionava sem a menor perturbação. Só trabalhava alguns segundos por dia, tal qual acontecia com o transmissor dos seis sóis da Via Láctea, que era uma estação intermediária no caminho para Kahalo. Quer dizer que a ligação com Terrânia não fora interrompida. Mas a ligação com Perry Rhodan fora. Reginald Bell dedicava todos os seus esforços ao restabelecimento desta ligação. Mas o impulso decisivo veio de outro lado. *** Oito planetas giravam em torno do sol Eugaul, que ficava a oito mil duzentos e vinte e um anos-luz da Terra. O segundo planeta deste sol era Plofos, e era com este nome que constava dos mapas dos terranos. Era o mundo de Mory Abro, esposa de Perry Rhodan. Mory usava um ativador de células, e por isso gozava de imortalidade relativa, tal qual seu marido. Nos oito decênios de seu casamento com o Administrador-Geral do Império Solar aprendera a amar Rhodan, mas também compreendera que sempre ocuparia um lugar secundário em sua vida. Compreendera justamente porque o amava. Quando Rhodan partiu em direção a Andrômeda, Mory ficara. Fora há quatro anos, incluído o tempo gasto nos demorados preparativos. Mory visitava muitas vezes a Terra, e nestas visitas encontrava-se com os amigos de Rhodan. Desta forma estava sempre informada sobre o que acontecia entre as duas galáxias. De repente deixaram de chegar notícias. Em Plofos Mory possuía uma residência que era uma verdadeira fortaleza. Esta residência ficava fora da capital. Todas as precauções possíveis tinham sido tomadas para protegê-la de um eventual ataque. Mas como Mory também era chefe de governo do sistema de Eugaul, ela passava a maior parte do dia no palácio do governo do primeiro mandatário, que era seu falecido pai.
Sucedera a ele no governo. Não havia mais revoluções em Plofos. Por isso as medidas de segurança pareciam supérfluas, mas Rhodan fizera questão de que continuassem em vigor. A experiência lhe ensinara a ter cuidado, uma vez que ainda tinha muitos inimigos na galáxia. Mory estava sentada na sala, lendo. Estudava os relatórios recebidos semanas atrás, e tentou formar uma imagem do que estava acontecendo na nebulosa de Andrômeda. Tinha a impressão de que havia algo de errado. Principalmente com Rhodan. Fazia tempo que o sol tinha desaparecido. As montanhas próximas mergulharam nas sombras da noite. O campo energético que cobria a casa parecia uma grande campânula. A única coisa que sobressaía na construção era a antena em ponta, que ligava Mory com o mundo exterior e com o palácio do governo. Mory voltou a guardar os documentos sobre a mesa. Levantou e ficou caminhando nervosamente de um lado para outro. Usava calças compridas justas, que realçavam sua figura esbelta. Os cabelos ruivos chegavam até os ombros. Mory trazia uma pequena pistola energética no cinto. Era um presente de Rhodan. Sorriu ao lembrar-se disso. Na oportunidade orgulhara-se com o presente, mas naquele momento preferiria uma notícia de Rhodan. Mory parou à frente da tela de imagem do telecomunicador. Sabia que bastaria apertar um botão para entrar em contato com o centro de comunicações de Plofos. Mas ultimamente ela fizera isto todos os dias, ao anoitecer, e sempre sem qualquer resultado. Não havia notícias da nebulosa de Andrômeda. Tudo continuava num silêncio obstinado por lá. Mory prosseguiu na caminhada. Preparou um refrigerante no pequeno bar da casa. Esvaziou o copo em goles pequenos e apressados e colocou-o violentamente sobre o balcão. No dia seguinte seria lavado pelo servo robotizado. Suspirou e voltou a sentar. Voltou a folhear os papéis, mas não encontrou resposta às perguntas que tinha em mente. Mesmo que tivesse acontecido o pior, pelo menos uma nave conseguiria regressar à Via Láctea. Talvez suas preocupações fossem exageradas. Era possível que simplesmente não tivessem tido tempo para mantê-la informada. Suas reflexões foram interrompidas repentinamente pelo zumbido do videofone. Com um único passo foi para junto do aparelho. Respondeu ao chamado mal a tela começou a iluminar-se. Só depois disso o rosto de seu primeiro secretário apareceu à sua frente. — Que houve, Kalagos? — Temos notícias, madame. Da nebulosa de Andrômeda. Peço permissão para visitá-la imediatamente. — Já é tarde. Quais são as notícias? Kalagos pigarreou. — Notícias desagradáveis, madame. — Vamos! Fale logo. Não fique me martirizando... — Levarei todos os dados, madame. Não dá para explicar verbalmente. Queira perdoar... Mory reconheceu que tinha sido muito violenta. Kalagos era um homem no qual podia confiar. Era natural da Terra e fora escolhido por Rhodan em pessoa para o lugar que estava ocupando. — Está bem. Venha. Mais uma pergunta. As notícias são muito graves? — São bastante graves, mas ainda há alguma esperança.
Mory fez um esforço para controlar-se. Quanto mais perguntas fizesse, mais tempo teria de esperar. Precisava ter paciência. Kalagos poderia chegar dentro de trinta minutos, desde que se apressasse. Mory olhou para o relógio. — Mandarei desligar o campo energético às onze horas em ponto. — Obrigado. A tela apagou-se. Mory voltou ao seu lugar. Afastou apressadamente os documentos que já estavam superados, deixando livre parte da mesa que era de madeira marrom-escura. “Daqui a meia hora”, pensou Mory, “haverá outros documentos deste lugar.” De repente teve medo dos novos documentos. *** Kalagos era um homem de cabelos escuros e estatura baixa, com um gênio agitado. Fez pousar o planador robotizado na cobertura da casa, pegou a pasta e saiu da cabine. No mesmo instante o campo energético voltou a acender-se em cima de sua cabeça. O criado robotizado de Mory estava à sua espera junto ao elevador. Kalagos cumprimentou-o com um gesto, embora isso não fosse necessário. O robô retribuiu o cumprimento. A casa de Mory era grande, com muitos quartos de hóspedes e grandes salões de festas. Era bem verdade que nos últimos anos quase não houvera festas. Mory vivia muito retraída e interessava-se exclusivamente pelo bem-estar de sua raça. O robô parou, deixando livre o caminho para a sala de estar. Kalagos entrou. Mory já estava à sua espera. Tinha os olhos muito abertos. Havia uma expressão de medo em seu rosto. Kalagos sorriu para animá-la e aproximou-se. — Ouça-me antes de ficar preocupada, madame — disse. — Trouxe todos os dados e explicarei tudo, pelo menos até onde entendi. Reginald Bell enviou um mensageiro com a notícia. Só existem dois exemplares dela: uma cópia para a senhora, além do original enviado a Terrânia. Seria muito demorado se eu lesse o documento para a senhora. Ainda haverá tempo e oportunidade para isso depois que eu tiver ido embora. Só contarei as coisas mais importantes. Assim será mais rápido. Mory confirmou com um gesto. — Vamos sentar — disse. — Quer tomar alguma coisa? Kalagos sentou, enquanto Mory foi buscar as bebidas. Quando Mory também estava sentada, Kalagos abriu a pasta e retirou um maço de papéis. Colocou-o sobre a mesa, exatamente no lugar que Mory acabara de deixar livre. — É uma história comprida — principiou em tom hesitante, dando a impressão de que precisava pensar para encontrar as palavras certas. — Há muitos detalhes técnicos, dos quais eu entendo muito pouco. Mas uma coisa compreendi. Na nebulosa de Andrômeda existe uma máquina do tempo que é do tamanho de um planeta. Trata-se da armadilha do tempo dos senhores da galáxia, conhecida por Vario. Perry Rhodan entrou nesta armadilha com a Crest e toda a tripulação da nave e foi arremessado cinqüenta mil anos no passado. Mory fitou Kalagos com os olhos arregalados. Moveu os lábios, mas nenhuma palavra saiu de sua boca. — Não se tinha certeza sobre o que aconteceu com a Crest, e por isso Reginald Bell mandou censurar as notícias a respeito da nave. Mas os gêmeos Rakal e Tronar Woolver conseguiram voltar do passado e eliminaram as incertezas. Perry Rhodan realmente se
encontra no passado, mas tem certeza de que encontrará um meio de retornar com seus homens ao futuro — ou seja, ao presente em que vivemos. Os salteadores de ondas entraram na armadilha do tempo juntamente com um grupo de choque — e desde então estão desaparecidos. Em resumo, é isto, madame. Mory ouvira tudo sem fazer o menor movimento. Seu rosto parecia uma máscara, mas já não mostrava nenhum medo. Mory parecia calma e corajosa. — Gostaria de conhecer sua opinião pessoal, Kalagos. Por que Bell demorou tanto em enviar a notícia? A situação melhorou ou piorou neste meio tempo? — Melhorou, madame. Pelo menos temos certeza de que Rhodan ainda está vivo. — Pois é. Vive cinqüenta anos antes de Cristo. Que coisa horrível! Os senhores da galáxia devem ser criaturas diabólicas. — Talvez sejam o demônio em pessoa — disse Kalagos em voz baixa. Mory olhou-o com uma expressão de espanto, antes de pegar o copo e, distraída, tomar um gole. — Faremos alguma coisa — disse em tom enérgico. — Fazer alguma coisa, madame? O quê? Quem poderia ajudar o Chefe, se nem mesmo Reginald Bell é capaz disso? — E uma coisa que ainda vou descobrir — respondeu Mory em tom resoluto. — Peça a meu tio que assuma o governo a partir de amanhã. Boras poderá ajudá-lo. O senhor, Kalagos, me acompanhará. Sairemos assim que eu tiver terminado aqui. — Acompanhá-la, madame? Para onde? Para Terrânia? Mory sacudiu a cabeça. — Não, Kalagos. Para a nebulosa de Andrômeda. *** Mory passou dois dias e a metade de duas noites na micro biblioteca de seu palácio. Estudou cuidadosamente os velhos relatórios do início do Império. Reviveu os anos que só conhecia do que Rhodan lhe contara — recapitulou seu vôo à Lua, seu encontro com os arcônidas, a unificação da Terra, a procura do mundo de origem dos arcônidas, a assunção de sua herança e a construção do império galáctico. Voltou a sentir as lutas encarniçadas, o desmoronamento de um império sideral e a consolidação do Império Solar. Nestes relatórios encontrou aquilo que estava esperando. Havia, por exemplo, Ernst Ellert, o teletemporário. Ellert estava fisicamente morto, mas continuava a viver sob uma forma não conhecida. Voltara a aparecer mais de uma vez, mas acabara desaparecendo definitivamente. Se havia alguém que pudesse ajudá-la, era Ellert. Mas onde estava ele? Supunha-se que existia em algum lugar situado entre os universos, sob a forma de uma unidade energética independente do espaço e do tempo. Mory reconheceu que não poderia intimar Ellert a comparecer diante dela. Harno! Harno era um ser misterioso. Segundo suas próprias declarações, era feito de espaço e tempo, alimentava-se de energia pura e era imortal. Harno aparecera raramente, apenas nos momentos mais difíceis. Seria praticamente impossível chamar Harno enquanto não se dispusesse de uma corrente de telepatas. Também não se podia contar com Harno. Mory continuou a procurar. Depois de algum tempo encontrou os relatórios que falavam nos misteriosos barcônidas.
Estes seres viviam num planeta que não possuía sol, que percorria sua órbita no abismo sem estrelas situado entre Andrômeda e a Via Láctea. Aproximava-se lentamente da Via Láctea e talvez viesse a alcançá-la num futuro distante. Ninguém sabia quem eram os barcônidas. Será que eram os ancestrais dos arcônidas, que afirmavam que todas as raças humanóides descendiam deles? Seriam os ancestrais diretos da humanidade? Mory teve a impressão de que finalmente encontrara o que estivera procurando. Não tinha uma idéia muito precisa de como os barcônidas poderiam ajudar a ela e a Rhodan, mas sentiu que o planeta Barkon teria uma resposta para suas perguntas. Não seria difícil determinar a posição. Mory possuía todos os dados disponíveis. O centro de computação positrônica de Plofos processaria estes dados e encontraria a solução. Mory pegou os relatórios e foi procurar Kalagos. — Acho que encontrei uma coisa interessante — Mory colocou os microfilmes sobre a mesa que ficava à frente do projetar. — Os barcônidas são uma raça antiga. É possível que já existissem há cinqüenta mil anos. Talvez não possam dar-nos uma ajuda direta, mas certamente serão capazes de informar se encontraram-se com Rhodan — naquele tempo. Kalagos acenou com a cabeça. — E uma idéia arrojada, madame — examinou os microfilmes. — Aqui estão os relatórios completos a respeito dos barcônidas? — Isso mesmo. Ambas as visitas feitas por Rhodan ao planeta sem luz foram registradas e analisadas. Os resultados são um tanto escassos. Há muitas perguntas sem uma resposta satisfatória. Quero que faça o computador positrônico preparar o material, Kalagos. — Será muito trabalho. Mas amanhã estará tudo pronto. — Obrigado. Se precisar de mim, estarei em casa. Mory voltou para casa de planador, depois de ter instruído o centro de hiper-rádio a transmitir-lhe imediatamente qualquer notícia que chegasse da nebulosa de Andrômeda, fosse qual fosse a hora. Foi dormir algumas horas, para estar descansada quando chegasse o momento. Enquanto isso Kalagos ditava os relatórios sobre os barcônidas para dentro do codificador. A fita de plástico estreita com os sinais perfurados só podia ser decifrada pelo computador positrônico. A resposta foi transmitida da mesma forma, para ser traduzida pela codificadora. Kalagos terminou o trabalho no dia seguinte, ao meio-dia. Trancou no cofre o rolo com as informações e código e também foi dormir algumas horas. Assim que acordou, avisou Mory, que foi imediatamente ao centro de computação, onde Kalagos já estava à sua espera. — Trabalho concluído — disse a título de recepção. — O rolo foi introduzido e o cérebro está em atividade. Pode dar o sinal de partida, madame... Estavam parados no gigantesco pavilhão que ficava na entrada do monstro positrônico que conhecia a resposta a todas as perguntas, desde que houvesse um volume suficiente de dados. Mas no caso dos barcônidas os dados não eram muito abundantes. Mory apertou o botão. O zumbido da máquina tornou-se mais forte e o rolo começou a girar. O centro de computação positrônica deu início à interpretação dos relatórios antigos, que quase tinham caído no esquecimento. As horas foram passando. Uma fita perfurada saiu da outra extremidade da máquina formidável e enrolou-se automaticamente num carretel. Mory ficou parada muitas vezes à
frente da fita, mas por enquanto só podia esperar. Sua paciência foi forçada ao máximo, mas por nada deste mundo concordaria em descansar ou até dormir num momento destes. Finalmente o sinal vermelho acendeu-se. O ruído emitido pelo computador desapareceu. Kalagos pegou o rolo completo e colocou-o na codificadora. *** Na noite daquele dia Mory e Kalagos leram a interpretação fornecida pela máquina. Havia noventa e seis por cento de probabilidade, concluiu o computador positrônico, de que os barcônidas que se encontram em estado de hibernação eram descendentes dos lemurenses que fugiram da Via Láctea há cinqüenta mil anos, ou seja, dos terranos primitivos. Certamente tentaram chegar com seu planeta congelado, que para eles era uma espécie de espaçonave, até a Via Láctea. Não se podia ter certeza sobre os motivos. Provavelmente tiveram um encontro com os senhores da galáxia e houvera um conflito. Neste ponto o centro de computação manifestou a suposição de que os senhores da galáxia também podiam ser descendentes dos lemurenses. Seguiram-se os cálculos sobre a posição atual do planeta sem luz. A indicação só foi aceita de forma aproximada, mas como não era de esperar que houvesse outros planetas ou estrelas na área, não seria difícil localizar Barkon. No fim o computador positrônico recomendou encarecidamente que se entrasse em contato com os barcônidas, para descobrir por que haviam saído da nebulosa de Andrômeda há quarenta mil anos. A resposta a esta pergunta poderia ser da maior importância. Com isso terminou a interpretação. — É menos do que eu pensava — reconheceu Mory, decepcionada. — O computador nem sequer alude à possibilidade de que isso possa servir para ajudarmos Rhodan. De qualquer maneira vamos tentar. Kalagos mordeu o lábio. — Quer ir a Barkon? — Isso mesmo. Mas antes disso faremos uma visita a Reginald Bell, no sistema Chumbo de Caça. Conheço os tempos de funcionamento do transmissor — Mory respirou aliviada, dando a impressão de que se sentia satisfeita por ter feito um começo difícil. — Mande preparar um supercouraçado. Espero receber dentro de quinze horas o aviso de que poderemos decolar. Entendido? Kalagos levantou. — Pode contar comigo, madame. Dali a instantes Mory ficou a sós. Mandou que o criado-robô lhe servisse uma refeição. Foi a primeira vez naquele dia que comeu com apetite. Depois voltou a reler todo o relatório escrito em linguagem clara, para gravar os detalhes. Devia conhecer os aspectos gerais do problema, para convencer
Reginald Bell. Dependia do substituto de Rhodan que a expedição ao planeta dos barcônidas fosse um ato de improvisação ou uma operação bem planejada. “Você vai ficar satisfeito comigo, Perry”, pensou Mory quando foi dormir. “Não tenho a menor dúvida. Farei tudo que for humanamente possível.” Adormeceu com esta idéia na cabeça. *** A nave General Deringhouse era um ultracouraçado com dois quilômetros e meio de diâmetro. Acabara de voar do sistema Chumbo de Caça à nebulosa Beta, para controlar as unidades que patrulhavam a área e levar abastecimento. O vôo de quatrocentos mil anos-luz tornara-se necessário porque não havia mais nenhuma ligação pelo transmissor. Reginald Bell ficou satisfeito com os resultados da inspeção. — Enquanto os maahks mantiverem os tefrodenses ocupados, não teremos nada a temer. Os senhores da galáxia estão ocupados com seus próprios problemas. — Vamos voltar? — perguntou o epsalense Coronel Rondo Masser, comandante da Deringhouse. — Ou vamos ficar mais um pouco? — No sistema Chumbo de Caça está tudo em ordem, coronel. Quero ficar nas proximidades de Vario enquanto for possível. A propósito. Não poderemos demorar muito para estabelecer contato direto com os senhores da galáxia. Pretendo pedir-lhes que tragam Rhodan e seus homens de volta ao presente. Ou então vou obrigá-los. Depende das circunstâncias. Não vejo outra alternativa. A nave esférica acabara de sair de perto de um sol solitário, onde se recolhera para ficar protegida dos rastreadores inimigos, e encontrava-se a cerca de cem anos-luz da periferia da pequena nebulosa. Bell esperava o mensageiro regular vindo da base central do sistema Chumbo de Caça, e por isso todos os rastreadores estavam ocupados. — Talvez exista outra possibilidade, que é muito melhor — disse o Coronel Masser. Quando notou o olhar curioso de Bell, acrescentou como quem pede desculpas: — Não, não conheço nenhuma. Falei por falar. Bell suspirou e contemplou as telas que não mostravam nada. — Vou à sala dos oficiais. Mais tarde poderei ser encontrado em meu camarote. Avise-me assim que chegar o mensageiro. Tenho um pressentimento de que trará notícias importantes. Masser sorriu. — Este pressentimento costumamos ter toda vez que ele vem. Mas só tem trazido notícias de rotina. Desta vez não será diferente. Bell saiu. Dali a duas horas a pequena nave-correio apareceu nas telas dos rastreadores. Este tipo de ligação fora estabelecido porque havia uma proibição rígida de não usar o rádio. O imediato, Tenente Stef Huberts, acabara de revezar Masser. Esperou que a navecorreio fizesse uma mudança de rota, para mostrar que tinha avistado o supercouraçado, e avisou Reginald Bell. A nave-correio foi recolhida através da eclusa. Em seguida o major que comandava o cruzador especial apareceu na sala de comando da Deringhouse, onde Bell e Masser já estavam à sua espera. — O senhor é muito pontual, major —- disse Bell depois de apertar a mão do major. — Como vai? O Major Beha Frankon sorriu um tanto embaraçado.
— Talvez pudesse ter sido ainda mais pontual, senhor, se não tivesse sido detido. Recebemos visita da Via Láctea. — Visita? — Bell não era capaz de imaginar quem poderia ter sido o visitante. — De Terrânia? — Não senhor. De Plofos. Bell arregalou os olhos. Parecia assustado. — Meu Deus! Não venha me dizer que é Mory Rhodan-Abro. — Isso mesmo — confirmou Beha Frankon, que teve de fazer um grande esforço para continuar sério. Todo mundo sabia que Bell tinha um respeito tremendo pela esposa de Rhodan, embora a encarasse com os preconceitos típicos do solteirão inveterado. — Apresentou uma sugestão. — Que sugestão? — gemeu Bell, cheio de pressentimentos. — Só quer dizer ao senhor — respondeu Beha Frankon. — Pede que regresse imediatamente com a Deringhouse ao sistema Chumbo de Caça. Bell respirou profundamente. — Não voltarei diabo nenhum! — calou-se repentinamente, refletiu por um momento e dirigiu-se ao Coronel Mas-ser. — Tome todos os preparativos para um vôo direto à base principal. Não podemos deixar esperar uma dama. Principalmente quando se trata da esposa de Rhodan — sacudiu a cabeça. —Não sabe mesmo o que ela quer comigo, major? — Não faço a menor idéia, senhor. Só deixou transparecer que era um assunto muito importante! — Mulheres! — o tom em que foi proferida esta palavra exprimia quase tudo que Bell pensava sobre as mulheres em particular e em geral. Principalmente quando metiam o nariz nos assuntos dos homens. — Estou curioso. Dali a meia hora a General Deringhouse partiu acelerando ao máximo. O cruzador especial de Beha Frankon fez o vôo no hangar do ultracouraçado. *** Reginald Bell era muito amigo de Mory, mas nunca chegara a tratá-la de você. Certas pessoas malvadas viviam dizendo que Bell era complexado para com as mulheres. Uma destas pessoas era Gucky, o rato-castor. Mas quando Bell se divertia nos locais de vida noturna de Terrânia, as pessoas que espalhavam estes boatos silenciavam. Nesta oportunidade Bell deixava bem claro que o cuidado com que costumava tratar as mulheres podia representar tudo, menos complexo. Em poucas palavras, Bell amava as moças, mas tinha medo de uma mulher. De sua futura esposa, para sermos mais precisos. Apertou a mão e abraçou-a com muito cuidado. Respirou aliviado quando estavam sentados na sala de oficiais da Deringhouse. Alguns dos cientistas e dos oficiais mais importantes estavam presentes. Além disso Mory pedira licença para convidar alguns dos seus colaboradores de Plofos para a conferência, que era muito importante. — Veio num supercouraçado? — principiou Bell. — Certamente pode imaginar que estamos todos muito curiosos para conhecer o motivo. Afinal, ninguém faz uma viagem de centenas de milhares de anos-luz somente para dizer bom dia a alguém. — É por causa de Rhodan — respondeu Mory, séria. — Tentei encontrar uma possibilidade de trazê-lo de volta ao passado, e acho que descobri alguém que pode darnos um conselho. — Um conselho? Quem é? — Os barcônidas.
Bell fitou Mory com uma expressão de perplexidade. Em seguida recostou-se na poltrona e sacudiu a cabeça. — Os barcônidas? Logo estes dorminhocos? Como teve essa idéia? Mory tirou uma pilha de papéis de sua pasta. — Aqui estão os cálculos e alguns relatórios antigos. Mandamos examinar o material por nossos computadores positrônicos e temos o resultado. Até que não parece mau. Se os barcônidas realmente descendem dos lemurenses, com quem Rhodan tem mantido contato atualmente — em seu tempo — então realmente pode haver uma possibilidade, não acha? Bell continuou obstinado. — Por quê? Em primeiro lugar, os barcônidas não guardam nenhuma lembrança do que aconteceu nos tempos antigos. Além disso, mesmo que guardassem, isto não lhes adiantaria nada. Ou melhor, não adiantaria para nós. Não se pode fazer voltar atrás o tempo. — Isso não. Mas se uma expedição de Rhodan deslocou-se para o passado, ela teria conhecimento de fatos que só acontecem no futuro relativo. Isso poderia ajudar Rhodan. Além disso existem outros aspectos. Mas prefiro ler para os senhores qual é a opinião de nossos computadores positrônicos sobre o problema. Bell recostou-se ainda mais na poltrona. — Estamos ouvindo — disse. Mory não tomou conhecimento da ponta de ironia e leu em voz alta. Não foi interrompida uma única vez. Dali a meia hora, quando terminou a leitura, reinava um silêncio completo na sala dos oficiais. Ninguém disse uma palavra, mas todos olhavam para Reginald Bell. — Quer dizer que os barcônidas...? — Bell viu-se colocado na defensiva. Não apreciava a situação. — Tenho certeza de que os barcônidas são um povo muito mais antigo que os lemurenses. E é fácil calcular que o planeta Barkon já deve percorrer seu caminho há muito mais de cinqüenta mil anos, desde que sua velocidade tenha permanecido constante. Isto basta para provar que sua teoria é absurda. — Não é minha teoria, mas o resultado de um processamento positrônico. E ali raramente acontecem erros, não é mesmo? Bell teve de confessar que realmente era assim, mas assim mesmo ainda estava desconfiado. — Mesmo que seu computador positrônico tenha razão, o que eu duvido, isso não adiantará nada para nós nem para Rhodan. Não temos nenhuma possibilidade de fazer uma viagem para o passado e voltar quando tivermos vontade. O que teríamos a ganhar se soubéssemos mais alguma coisa sobre o passado e a origem dos barcônidas? — Ainda não sabemos — Mory fitou Bell com uma expressão insistente. — Não devemos abandonar nenhuma chance quando a sorte de Rhodan está em jogo. E os barcônidas representam uma chance. Ou será que o senhor não concorda? — É claro que existe, mas... — Não existe mas. Vim com minha nave. Não exijo que o senhor me dê apoio. Só quis informá-lo sobre meus planos. Irei a Barkon, mesmo que o senhor seja contra. Neste caso não contarei com o apoio do senhor. Mas pelo menos ficará sabendo que, se não voltar, sacrifiquei minha vida por Rhodan... —um brilho úmido apareceu em seus olhos, mas Mory logo voltou a controlar-se. — Estou à espera de uma resposta sua, Bell. Rondo Masser pigarreou. Parecia embaraçado. Não gostava de manifestações sentimentais, nem mesmo quando vinham de uma mulher.
— O senhor deveria pensar nisso, Mr. Bell — disse. Mais nada. Mas foi o suficiente. Bell acenou com a cabeça. — Dê-me tempo até amanhã, Mory. Preciso discutir o assunto com meus oficiais e a equipe de cientistas. *** A General Deringhouse foi submetida a uma revisão geral e preparada para a viagem. Depois da decisão de Bell, era bem natural que a expedição fosse feita com a Deringhouse, e não com qualquer outra nave. Era a nave melhor e mais forte que se podia imaginar. Era bem verdade que os conversores kalup, que tinham sido forçados ao máximo, tiveram de ser trocados, mas isso não representava nenhum problema. Com os novos conversores, a autonomia da Deringhouse chegava a um milhão de duzentos mil anos-luz. Era o suficiente para procurar Barkon, já que segundo os cálculos do centro de computação positrônica de Plofos o planeta devia encontrar-se a cerca de duzentos e vinte mil anos-luz do sistema Chumbo de Caça. A direção também era conhecida, mas não com cem por cento de certeza. E isto era mau, pois tornaria mais difícil encontrar o planeta. Mory teve de ouvir isso quando se encontrava na gigantesca cúpula de observação da Deringhouse, olhando para a nave na qual viera. Alguém acabara de entrar. Mory virou a cabeça e reconheceu Betty Toufry, a mutante. As duas aproximaram-se uma da outra com os braços estendidos. — Olá, Betty. É um prazer vê-la de novo. — O prazer é todo meu — Betty hesitou. — Sinto muito... que tenha acontecido aquilo com Rhodan. — Obrigada, Betty. A senhora irá conosco? — Irei, se bem que, para dizer a verdade, ache que é uma viagem muito perigosa. Não participei da deliberação. Além disso não acredito que os barcônidas nos possam ajudar. — Existem outras pessoas que pensam assim, Betty? — Uma maioria muito escassa votou a favor do vôo. Reginald Bell fez parte dessa maioria. Mory sorriu. — Seremos bem-sucedidos. A senhora vai ver, Betty. Talvez não consigamos exatamente o que queremos, mas alguma coisa haveremos de conseguir. Não seria capaz de ficar inativa, esperando. Preciso fazer alguma coisa. A senhora compreende? Naturalmente. Se estivesse no seu lugar, agiria da mesma forma. — Irá mais algum mutante além da senhora? — Kitai Ishibashi, o sugestor. — Quer dizer que poderemos contar com um sugestor e uma telepata e telecineta? Devo confessar que isso me deixa muito mais tranqüila. Betty estava de pé ao lado de Mory. Tinha cabelos escuros e perto dela parecia muito magra. Seus olhos eram muito grandes. A Via Láctea, de onde tinham vindo, era uma névoa alongada que se estendia pelo espaço. Havia alguns sóis isolados brilhando perto dela. Tinha-se a impressão de que se haviam desprendido do grupo pertencente à ilha cósmica e afastavam-se dele. Olhando na
direção oposta, a nebulosa de Andrômeda oferecia um quadro semelhante. Só era um pouco maior. Não estava muito distante. Entre as duas galáxias estendia-se o espaço vazio, o abismo sem estrelas. E em algum lugar, dentro deste abismo, Barkon descrevia sua trajetória misteriosa. — A viagem começará dentro de algumas horas — disse Betty Toufry. Mory confirmou com um gesto. — Tive de esperar muito por este momento. — O que pretende fazer se o encontro com os barcônidas não der resultado? Mory sorriu. — Quanto a isso não existe a menor dúvida. Neste caso nem mesmo Bell me impedirá de pegar minha nave, ir a Vario e voltar ao passado, onde está Rhodan. Betty fitou Mory sem dizer uma palavra e voltou a contemplar o espaço infinito. Sabia que se estivesse no lugar de Mory agiria da mesma forma.
2 A Deringhouse já tinha percorrido mais de cem mil anos-luz quando saiu do espaço linear para voltar ao universo einsteiniano. Prosseguiu em velocidade inferior à da luz e orientou-se. Andrômeda ficara um pequeno menor. Os rastreadores vasculhavam o espaço num raio de muitos anos-luz, à procura de matéria, mas ninguém esperava encontrar Barkon naquela altura. Mory saiu do camarote. Dormira algumas horas e sentia-se muito descansada. Pedira a Betty pelo intercomunicador que se encontrasse com ela na cúpula panorâmica. Betty pediu que lhe fosse permitido levar Kitai. Desta forma Mory e os dois mutantes ficaram parados à frente da parede transparente, olhando para o espaço vazio. Não havia muita coisa para ver. — Só percorremos metade do caminho — disse. — Por que o vôo foi interrompido? — Isso costuma ser feito a cada cem mil anos-luz. Desta forma os conversores têm uma pausa de descanso. Teoricamente é perfeitamente possível percorrer quatrocentos mil anos-luz de uma só vez, mas isso só costuma ser feito num caso de emergência — Kitai deu de ombros. — E não existe nenhuma emergência. — Além disso Bell aproveita a oportunidade para pesquisar o espaço cósmico — conjeturou Betty. — Queremos participar disso — afirmou Mory e ligou o intercomunicador. Em cada cabine havia uma tela que permitia o contato direto com a sala de comando, desde que a ligação fosse feita a partir dali. — Sala de comando, comandante... — disse o Coronel Masser, respondendo ao chamado. — Ê a senhora, madame? — Tem alguma objeção a que mantenhamos contato permanente? — É claro que não. Mas se pensar que vamos localizar Barkon, devo decepcioná-la. — Não se preocupe, coronel. Não sou uma otimista inveterada. Masser sorriu, acenou com a cabeça e desapareceu da tela. Em compensação via-se um setor extenso da sala de comando e entendia-se cada palavra falada lá. Desta forma Mory participava diretamente de tudo. Acompanhava os acontecimentos sem sair do lugar. Desligou seu microfone, para não perturbar os trabalhos na sala de comando. Desta forma podia conversar com Betty e Kitai, sem que suas palavras fossem ouvidas em outro lugar. — Há uma coisa por ali — disse um dos oficiais que trabalhavam junto aos rastreadores. Neste instante Bell entrou na sala de comando. Ouvira o que acabava de ser dito. — Onde há alguma coisa? — perguntou e atravessou a sala a passos rápidos. Parou perto do oficial. Abaixou-se para ler o crachá com o nome do oficial. — Detectou alguma coisa, Tenente Holger Miller? — Sim senhor. Para dizer a verdade, são pelo menos duas coisas. — Qual é o tamanho? E a distância? — Um dos objetos fica a dois anos-luz e o outro a pouco menos de quatro. Não são muito grandes.
Bell estudou as telas dos rastreadores. — São grandes demais para serem uma nave, pelo que vejo. — E muito pequenos para um planeta, senhor. — Hum — fez Bell, contrariado. Endireitou o corpo e foi para perto do Coronel Masser, que estava sentado à frente dos controles principais, acompanhando os resultados do rastreamento num pequeno monitor, de onde eram transferidos à grande tela panorâmica, para proporcionar uma visão ótica. — Então? O que será? — perguntou. Rondo Masser levantou os ombros. — O que pode ser? Talvez trate-se de asteróides. Desta vez Bell ficou zangado de verdade. — Asteróides em pleno espaço vazio? Não venha me dizer que o senhor acredita nisso. De onde poderiam ter vindo? — Bell calou-se de repente, dando a impressão de que lhe ocorrera alguma coisa. Seu rosto assumiu uma expressão pensativa. — Asteróides entre Andrômeda e a Via Láctea — observou. — Isso já foi... Rondo Masser ficou calado. Certamente fora antes do seu tempo. Nem sabia por que tivera a idéia de que os objetos detectados poderiam ser asteróides. Fora por puro acaso. Mas em Bell a associação de asteróides e espaço vazio provocou uma lembrança. Era vaga e confusa, mas sem dúvida estava presente. Voltou correndo para a divisão do rastreamento. — Quero os dados exatos, Miller! Holger Miller leu os números. — A detecção minuciosa revelou o seguinte: Trinta quilômetros de diâmetro, quase esférico, distância dois anos-luz. O outro objeto detectado tem dez quilômetros, é de formato irregular e fica a três anos-luz e meio. Ambos os objetos deslocam-se quase exatamente à velocidade da luz em direção à Via Láctea. Seguindo a trajetória para trás, chega-se à conclusão de que devem ter vindo da nebulosa de Andrômeda e... — Obrigado. Já basta — de repente Bell ficara muito pálido. — Receio que já saiba de que se trata. É uma coisa da qual nos tínhamos esquecido. Os luxides. Todo mundo sabia quem eram os luxides. Os luxides... Estes seres não sabiam o que era o tempo. Julgavam a formação e o desaparecimento das coisas pelos próprios sentimentos e pelas reservas de energia de que dispunham a cada momento. Eles viviam de energia. E eram originários da nebulosa de Andrômeda. Um belo dia tinham aparecido aqueles seres estranhos vindos de outra galáxia — os seres inteligentes aos quais os terranos deram o nome de laurins. Conseguiram conquistar a confiança dos luxides por meio da doação de certas quantidades de energia e mais tarde conseguiram aprisioná-los. Quando acordaram, os luxides se encontravam no interior de gigantescas cavernas escuras. Estas cavernas ficavam em asteróides nos quais havia energia. Mas esta energia não se destinava aos luxides, mas às gigantescas máquinas propulsoras que impeliam os asteróides em velocidade próxima à da luz, em direção à galáxia estranha. Fora tudo um plano diabólico dos laurins, já que os luxides eram insaciáveis. Se alguns milhões deles se precipitavam sobre um sol, este se apagava, transformava-se num sol extinto. Seus planetas morriam. Se a invasão dos luxides atingisse a Via Láctea, não haveria salvação.
Tempos atrás Rhodan e van Moders tinham destruído os luxides com um campo de absorção. Mas ninguém sabia quantos asteróides ainda se aproximavam da Via Láctea sem serem notados. Bell acreditava que os dois objetos detectados eram asteróides cheios de luxides. Tinha o dever de certificar-se. Não se podia permitir que os luxides atingissem a galáxia. Deixar os luxides chegarem perto dos sóis era como juntar água e fogo. No espaço vazio não havia energia para os luxides. Mesmo que consumissem as energias atômicas das máquinas propulsoras, acabariam morrendo um dia. Mas ninguém sabia quanto tempo isso demorava. Alguns séculos? Vários milênios?... Reginald Bell deu ordem para que o Coronel Masser levasse a nave para perto do asteróide. *** O objeto escuro era aproximadamente esférico e tinha exatamente trinta e dois quilômetros de diâmetro. Se fosse completamente oco, poderia haver muitos milhões de luxides em seu interior. Mas por enquanto não se notava nenhum sinal dos estranhos seres luminosos. Bell lembrou-se do que acontecera tempos atrás... Os laurins, que também tinham sido aprisionados no primeiro asteróide que fora descoberto, estavam mortos. Os luxides não morriam, pois não dependiam do ar nem do alimento orgânico. Viviam exclusivamente de energia. O asteróide continuou a percorrer sua trajetória, sozinho e muito devagar, pela imensidão sem limites do espaço intergaláctico. As galáxias estavam muito distantes para poder fornecer qualquer espécie de energia. Andrômeda ficava cada vez menor, enquanto os séculos iam passando. Os luxides eram cada vez mais fracos, e só podiam ser salvos se houvesse um encontro com uma estrela. O asteróide atravessou um campo energético, e isso retardou um pouco o desaparecimento dos seres energéticos. Finalmente apareceram os desconhecidos que viajavam numa nave esférica. Nesta nave havia energia. Os luxides atacaram e foram destruídos. Mas certamente ainda havia milhares de asteróides como este. Bell acabara de encontrar dois deles por acaso. — Manter a distância — disse Bell a Masser. — Se de repente aparecer alguma luminosidade, ligue o campo hiperenergético. Os luxides não serão capazes de atravessálo. É ao menos o que espero. Mas não apareceu nenhum fenômeno luminoso. Tudo continuou calmo e escuro. — Que coisa estranha! É bem diferente da outra vez — de repente Bell parecia indeciso. Parecia decepcionado porque os luxides ainda não haviam atacado. — Devem ter notado nossa presença. Sem dúvida dispõe de bastante energia e não precisam da nossa, ou então... Calou-se. — Ou então?... — perguntou Mory, que continuava na cúpula de observação. Bell entesou-se. — Vamos descobrir. Forme um comando de cinco homens, coronel. Nada de armas energéticas, pois estas não servem para rechaçar os luxides. Até se sentem atraídos por elas. Chefiarei o comando. A escotilha de saída da Deringhouse ficará aberta, para que possamos regressar a qualquer momento. O campo hiperenergético será ligado assim que eu der um sinal. Entendido?
O Coronel Rondo Masser confirmou e apertou o botão do intercomunicador. Dali a meia hora Bell e outros cinco tripulantes estavam parados numa pequena eclusa secundária, à espera de que a escotilha fosse aberta. Não estavam armados, mas traziam pequenos propulsores nas costas. Estes lhes permitiriam, se necessário, fugir em alta velocidade caso houvesse algum perigo. A Deringhouse poderia localizá-los e recolhê-los mais tarde. A escotilha abriu-se devagar. O asteróide encontrava-se a apenas alguns quilômetros da nave. Bell não julgara recomendável chegar mais perto. O campo defensivo hiperenergético deveria conservar sua eficiência, caso seu uso se tornasse necessário. Os seis homens mantinham contato pelo rádio. Além disso podiam comunicar-se com a sala de comando da Deringhouse. — Ligar aparelhagem — ordenou Bell. — Vamos aproximar-nos devagar e com cuidado do asteróide. Fiquem de olho em mim. Façam exatamente aquilo que eu fizer, sem formular perguntas. Os luxides não são capazes de danificar ou atravessar nossos trajes espaciais, mas podem sugar a energia da aparelhagem. Não será difícil imaginar o que acontecerá depois. Afinal, nosso suprimento de ar também depende das reservas de energia de que dispomos. A Deringhouse foi ficando para trás. Apesar de ser uma esfera gigantesca também era parecida com um asteróide, mas sua superfície era lisa e emitia um brilho metálico. Mas o objeto que percorria o espaço à frente dos seis homens não era artificial. Tratavase de um asteróide de superfície regular, com pequenos vales e montanhas, entre as quais se viam pequenas planícies e algumas crateras. — Distância três quilômetros — informou Bell aos homens que se encontravam na sala de comando da Deringhouse. — Por enquanto não se vê nada. O asteróide não possui atmosfera e não há sinal de que já tivesse possuído. Não se vê o menor sinal de vida. Se houver entradas para o interior, que deve ser oco, estas ficam nas fendas do solo. Continuaremos a aproximar-nos do asteróide e pousaremos. A gravitação do pequeno astro começou a fazer-se sentir. Os seis homens foram atraídos. Voaram em direção à superfície, leves como plumas. Nem foi necessário ligar os propulsores individuais para retardar a queda. Bell foi o primeiro a tocar a superfície. Os outros desceram um após o outro. Em cima deles a Deringhouse estava suspensa no espaço sem estrelas. Parecia tão próxima que se tinha a impressão de que bastava dar um salto para alcançá-la. A visão da nave transmitiu um sentimento de segurança aos seis homens. Tinham pousado num pequeno planalto. Notava-se a curvatura da superfície do asteróide a apenas alguns quilômetros de distância. De um lado o planalto era limitado por uma cadeia de montanhas, e do outro lado por um desfiladeiro profundo. — O desfiladeiro — disse Bell. Não precisou dizer mais nada. Movimentaram-se saltando cuidadosamente. Em cada salto percorriam mais de cem metros. Bastaria um impulso mais forte para ultrapassar a velocidade de fuga do asteróide. O desfiladeiro estava mergulhado numa escuridão completa. Os homens tiveram de ligar seus faróis para reconhecer o fundo, que não ficava a mais de cinqüenta metros da superfície. — Não parece muito acolhedor — disse um dos homens. — Não é mesmo — confirmou Bell. — Mas se não descermos não encontraremos nada. Os luxides vivem no interior do asteróide. Vamos andando.
Deixaram-se cair lentamente. A fenda não tinha mais de trinta metros de largura e ia estreitando para baixo. Quando finalmente os homens tocaram o fundo rochoso, a largura não chegava a dez metros. Um dos homens apontou para as paredes. — Olhe! Ali... Bell olhou na direção indicada. Quase não se surpreendeu com o que viu. Esperara coisa semelhante. — É uma das estrelas. Deve haver muitas. De qualquer maneira tivemos sorte em encontrar uma tão depressa. Não existe nenhuma eclusa. Esta nem é necessária, já que a falta de uma atmosfera não afeta os luxides. Não compreendo que ainda não estejam sentindo nossa presença. Há algo de errado. Ninguém fez qualquer comentário. O Coronel Masser, que se encontrava na Deringhouse, pediu, preocupado: — Tenha cuidado, por favor. Bell sorriu debochado. Sabia que enquanto não saíssem dos trajes espaciais nem usassem armas energéticas, os luxides não lhes poderiam fazer nada. Viram uma caverna. Não havia a menor dúvida de que fora feita artificialmente. O teto, o chão e as paredes tinham sido fundidos na rocha. Não havia nenhuma luz, mas os faróis que os homens traziam nos capacetes eram suficientes. — Logo chegaremos à antecâmara — disse Bell, que teve certa dificuldade de lembrar-se com todos os detalhes do primeiro encontro que tivera com os luxides. — Era onde costumavam ficar os laurins, mas estes não deveremos encontrar aqui. Pelo menos não haverá laurins vivos. Naquela época já estavam todos mortos. Os luxides são mais resistentes. Talvez agora possamos descobrir até onde chega sua resistência. O corredor ficou mais largo, transformando-se num pavilhão ao qual vinham ter outros corredores. Os homens pararam. — E agora? Que caminho seguiremos? — perguntou um deles. — Pelo corredor que fica bem à nossa frente — respondeu Bell e apontou para o chão. — Não se vê nada, mas tenho certeza de que existe uma passagem para baixo. O asteróide certamente foi totalmente escavado. Há lugar para cem mil homens. Foram caminhando por outros corredores, atravessaram gigantescos recintos escavados na rocha e finalmente descobriram uma galeria que descia na vertical. Não se podia ver sua profundidade. Bell lançou uma pequena granada na galeria, mas não se viu sinal de que atingira o chão. Não detonara, ou então a galeria atravessara o asteróide de lado a lado. — Não temos outro caminho — constatou Bell. — Este parece ser o único meio de chegar aos aposentos sagrados dos luxides. Além disso quero ver as máquinas propulsoras. Os homens flutuaram para baixo com os faróis ligados, passando por inúmeros corredores e pavilhões. Estavam todos vazios. Havia uma camada de pó branco no chão. Bell quebrou a cabeça em vão para descobrir que lembrança esta poeira evocava em sua mente. Deviam ter descido uns dez quilômetros. — Parem — disse Bell de repente. O aspecto dos corredores que iam ter à galeria tinha mudado. Eram mais largos. Os seis homens estavam praticamente cercados por um anel formado por aberturas. O teto de dez quilômetros de espessura parecia ser sustentado apenas por algumas colunas robustas. — São as salas dos propulsores.
Os geradores e a outra aparelhagem tinham sido instalados num pavilhão enorme. Estavam bem fixados na rocha e tinham sido revestidos com grossas chapas metálicas, dando a impressão de que queriam guardar seu segredo para todo o sempre. Bell largou o microfone detector de vibrações, mas não notou a menor trepidação. As máquinas não estavam funcionando. As botas de Bell estavam brancas por causa do pó. “Até parece cal”, pensou. De repente lembrou-se. — Os luxides morreram — pensou. — Ficaram muito tempo sem energia e não agüentaram. A poeira branca é a única coisa que sobrou deles. Da outra vez também foi assim. Quando morreram, transformaram-se em pó. É uma espécie de metamorfose após a morte. — Quer dizer que o perigo já não existe? — perguntou o Coronel Masser. — Pois então volte. Ou ainda está procurando alguma coisa? — Já estamos voltando — respondeu Bell para tranqüilizá-lo. — Aqui não há mais nada que nos possa interessar. Só quero descobrir se este asteróide é um caso isolado, ou se todos os luxides morreram. Em caso positivo, um grande perigo desapareceu por si. Talvez seja conveniente examinarmos também o outro asteróide. Subiram pela galeria, usando a aparelhagem dos trajes espaciais, e chegaram à superfície sãos e salvos. Quando viu a Deringhouse, Bell respirou aliviado. No segundo asteróide também não encontraram nada além do pó branco. Os luxides tinham morrido. O perigo deixara de existir — um perigo que quase caíra no esquecimento entre os terranos. Era bastante provável que os outros asteróides pertencentes à tremenda frota de invasão vinda de Andrômeda também não tivessem encontrado nenhum sol pelo caminho. Bell e seus cinco companheiros voltaram para bordo. A nave prosseguiu viagem, à procura de Barkon. *** Quando tinha percorrido cem mil anos-luz no espaço linear, a General Deringhouse voltou mais uma vez ao universo normal para pôr a funcionar seus rastreadores e determinar sua posição. Bell foi arrancado do sono quando o alarme soou em toda a nave. Ficou deitado mais um instante, mas logo saltou da cama e saiu correndo para onde ficava o intercomunicador. Apertou o botão e dali a instantes o rosto estupefato do imediato apareceu na tela. — Que houve, Huberts? — Não sei, senhor... — respondeu o Tenente Stef Huberts. O rosto de Bell ficou vermelho. — Se não sabe o que é, por que dá o alarme geral? — O senhor poderia fazer o favor de vir à sala de comando? Já avisei o Coronel Masser. Deve chegar logo. — Ele lhe dirá umas boas — resmungou Bell e desligou. Tinha certeza, quase absoluta de que Huberts estava vendo fantasmas, mas mudou de roupa às pressas e saiu em direção à sala de comando. O caminho era longo, mas graças aos elevadores antigravitacionais e às esteiras transportadoras não levou mais de cinco minutos para percorrê-lo. Em toda parte ia se encontrando com os oficiais e tripulantes que corriam para seus postos. Saíam respeitosamente de seu caminho e alguns dos oficiais ficaram parados à
sua passagem, com uma expressão de curiosidade no rosto. Certamente esperavam que Bell pudesse dar-lhes alguma informação. Mas o próprio Bell não sabia o que tinha acontecido. Mas assim que entrou na sala de comando percebeu que devia haver algo de errado. Os oficiais pareciam confusos, parados ou correndo de um lado para outro, mexendo nos instrumentos e praguejando violentamente. O Coronel Masser conversava em voz alta com Huberts, que vivia dizendo que a culpa não era dele. — Será que já posso saber por que foi dado o alarme? O coronel virou lentamente o rosto. — O Tenente Huberts tenta explicar. Sinto muito, mas não compreendi nada. — Não fui eu que dei o alarme, senhor — disse Stef Huberts. — Desencadeou-se sozinho. Os instrumentos parecem ter enlouquecido. Os rastreadores não indicam mais nada. Nas telas — olhe, senhor. Bell e Masser olharam para a grande tela panorâmica instalada em cima dos controles principais. Emitia um brilho fraco, mas reproduzia a escuridão profunda do espaço cósmico. Mais nada. Andrômeda e a Via Láctea tinham desaparecido. — Não é possível! — exclamou Bell, exaltado. Mory entrou correndo. Afastou os cabelos da testa. — Que é isso? Por que foi dado o alarme? Explicaram a ela — ou melhor, tentaram. Afinal, eles mesmos não sabiam o que tinham acontecido. Mory também não sabia o que havia atrás dos fenômenos misteriosos. — Deve haver algo de errado no sistema automático — concluiu de forma perfeitamente lógica. — O suprimento de energia, a distribuição automática — sei lá o quê. Mande fazer os reparos, comandante. Bell pigarreou fortemente. — Mory, o Coronel Masser é um oficial altamente qualificado, que não gosta que alguém se meta no seu trabalho. Sabe o que tem de fazer. Não me leve a mal, mas... — Sim, já sei. Sou apenas uma mulher e não entendo destas coisas. Não gostaria de ser preconceituosa como o senhor, meu caro Bell — Mory apontou para a tela panorâmica. — Posso dizer uma coisa? Se os instrumentos parecem ter enlouquecido enquanto na nave está tudo em ordem, então não é por causa dos instrumentos ou da nave. A causa só pode ser encontrada lá fora — no espaço. Bell fitou-a com uma expressão de perplexidade. — Lá fora? O que quer dizer com isso? — É o que o senhor acaba de ouvir, Bell. Venha comigo à cúpula de observação. Lá não dependeremos das telas de imagem. Veremos as coisas como realmente são. Bell não respondeu. Ele e o Coronel Masser acompanharam Mory pelo corredor e pelo elevador antigravitacional. Dali a cinco minutos entraram na cúpula de paredes transparentes. Na sala destinada às observações astronômicas as luzes ficavam quase sempre apagadas. Havia uma lâmpada vermelha acesa embaixo da tela do intercomunicador, e era só. Geralmente a luz das estrelas era suficiente para iluminar a cúpula. Mas naquele momento a escuridão no interior da cúpula espaçosa era completa. Nenhuma estrela brilhava no grande abismo, muito menos nas duas galáxias. Até parecia que não havia nada no Universo além da nave General Deringhouse. Bell segurou a mão de Mory e avançou tateante até a amurada. Imaginou que o Coronel Masser estivesse a seu lado, mas não o via.
— Até parece que fomos engolidos por alguma coisa — disse o Coronel Masser com a voz rouca. — Coronel...! — principiou Bell, mas logo foi interrompido por Mory. — Também tenho esta impressão. Alguém que se encontra no estômago de uma baleia deve sentir mais ou menos a mesma coisa. Mas só pode ser uma tolice... ou será que não é? — Naturalmente é uma tolice! — gritou Bell, indignado porque não compreendia o que tinha acontecido. — O que nos poderia ter engolido? Deve haver uma explicação sensata para o fenômeno. Talvez tenhamos entrado numa espécie de nuvem escura. — Deve ser uma nuvem muito grande — disse Masser. — Não se esqueça de que estamos desenvolvendo aproximadamente a velocidade da luz. — Há uma coisa que não compreendo — os dois homens viraram o rosto para Mory, mas não a viram. — Uma simples nuvem escura poderia perturbar o funcionamento das instalações elétricas e positrônicas de uma nave? Foi exatamente o que aconteceu. — Dificilmente — o Coronel Masser segurou-se no corrimão. — A causa não deve ser esta. Os técnicos já tentam descobrir o defeito para consertá-lo. — Não encontrarão nenhum defeito — observou Mory em tom seco. Os três ficaram calados, olhando para a escuridão absoluta, na qual não havia nenhum sinal de luz. Era assim que o Universo devia ter sido antes do aparecimento da matéria. — As luzes da nave continuam acesas — disse Bell. — Quer dizer que alguns aparelhos ainda estão funcionando. Talvez o sistema de propulsão linear esteja entre eles. É possível que, se dermos o fora daqui, a situação volte ao normal. Mas devo confessar que estou tão curioso que não tenho nenhuma vontade de dar o fora sem mais aquela. — Não custa tentar — disse Masser, com um alívio evidente na voz. As luzes do corredor estavam acesas. Os três tiveram de fechar os olhos, porque depois da escuridão absoluta sentiram-se ofuscados. Voltaram à sala de comando o mais depressa que puderam. Alguns técnicos estavam parados, com uma expressão de perplexidade no rosto. Quando viram Masser e Bell, correram em sua direção. — Nada, senhor... Não encontramos nada. Está tudo em ordem. O sistema automático funciona perfeitamente e os computadores positrônicos não apresentam nenhum defeito. Não há nada de errado no sistema de imagem. Se quiser saber minha opinião, eu lhe direi que lá fora deve estar escuro... — É o que está acontecendo — interrompeu Masser para abreviar a discussão. — Se quiser saber minha opinião, estamos enfiados num saco negro. Houve um silêncio consternado. — Ligue o sistema de propulsão linear, coronel — disse Bell depois de algum tempo. Masser sentou perto dos controles. Parecia hesitar em mover os comandos, mas de repente parecia acordar de um sonho. Apertou os botões com a segurança de um sonâmbulo, movimentou as chaves, fazendo de conta que nunca fizera outra coisa. Olhou várias vezes para as telas, mas não houve nenhuma mudança. Continuaram negras. Levantou os olhos e virou o rosto. — Já deveríamos ter aumentado de velocidade, mas os instrumentos não mostram nada. Nem as telas. Até parece que continuamos parados no mesmo lugar.
Neste momento a porta foi violentamente aberta. Um oficial entrou correndo. Fez continência antes de parar e finalmente ficou perto de Masser. — Comandante, o setor polar norte está sem energia. O intercomunicador não está funcionando. Tentamos fazer o conserto, mas não descobrimos o defeito. O Coronel Masser lançou mais um olhar para os controles que se tinham tornado inúteis e levantou. — Acho que entramos numa fria — disse. *** Ela não tinha a noção do tempo. Mas sabia que há muito tempo as duas manchas luminosas tinham estado mais próximas uma da outra. Afastavam-se cada vez mais, e o espaço que as separava ia ficando maior. Mas as duas manchas luminosas — cada uma formada por um acúmulo de inúmeras estrelas — ainda mantinham uma ligação. Gigantescos campos magnéticos estendiam-se por um milhão e meio de anos-luz, e uma energia misteriosa fluía de um lado para outro. Enquanto isso ela flutuava no meio, independente do tempo, do espaço e da energia. Mudava de um campo magnético para outro, deixava que eles a sustentassem — e esperava. Esperava o quê? Ela mesma não sabia, embora fosse inteligente. Ela, a nuvem feita do nada absoluto. Ela também poderia ser chamada de ele ou simplesmente de coisa, nas não tinha nome. Para que teria? Estava só, mas não sabia o que era solidão. Talvez tivesse a idade do Universo, mas para ela isso não importava. Até que a esfera pequenina feita de matéria sólida apareceu no universo que era dela. Envolveu a esfera e não deixou que saísse. E atacou. *** O Coronel acertara em cheio ao dizer que tinham entrado numa fria. Os velocímetros tinham caído para a marca zero. A nave não saía do lugar. Bell mandou avisar os cientistas, por um mensageiro, que desejava falar com eles. A conferência foi realizada na sala principal dos oficiais. O Tenente Huberts assumiu o comando, enquanto a nave permaneceu em estado de rigorosa prontidão. Nenhuma outra unidade energética fora paralisada. Somente o setor norte continuava às escuras. Nem mesmo as luzes de emergência estavam funcionando. Bell esperou que os cientistas se informassem sobre os acontecimentos antes de pedir sua opinião. Estava sentado ao lado do Coronel Masser e os dois conversavam em voz baixa. Os técnicos dos diversos setores discutiam apaixonadamente, mas parecia que ainda não tinham chegado a nenhum resultado. Enquanto isso chegavam mensageiros com novas informações. Aos poucos o quadro foi-se completando. O Professor Dr. Markitch levantou e pediu silêncio. Era considerado uma sumidade na área da astronomia e da astrofísica. — Cavalheiros! Devo confessar que nos defrontamos com um fenômeno nunca visto. Meu assistente acaba de mandar avisar que as primeiras investigações do espaço nas imediações da nave revelaram que o vazio geralmente encontrado foi substituído por um vazio ainda mais completo. Tentarei explicar o que significa isto. Até mesmo no
espaço cósmico sempre existem algumas moléculas, às vezes apenas átomos. São apenas uns poucos por metro cúbico. Pelo menos aqui, no grande abismo. Perto de um sol ou então no interior de um sistema solar podem ser muito mais — o Professor Markitch respirou profundamente antes de prosseguir. — Pois é, senhores. Meu assistente acaba de concluir as investigações. Comunica que nas imediações da Deringhouse reina o vácuo absoluto. Não foi encontrado um único átomo em dez metros cúbicos, quanto mais uma molécula. É uma coisa que nunca aconteceu. Os senhores mesmos podem tirar suas conclusões. Só posso fornecer o fato. E é só o que tenho a dizer. Voltou a sentar e ficou olhando obstinadamente para a tampa da mesa. No início reinou o silêncio, mas depois de algum tempo falaram todos ao mesmo tempo. Finalmente Bell pediu silêncio. — O vácuo absoluto? Não vejo o que há de extraordinário nisso. Não venha alguém me dizer que o vácuo pode causar a falha da aparelhagem da nave. Seria um absurdo. Markitch voltou a animar-se. — Eu não diria isso, senhor! — exclamou sem levantar. — Nunca nos defrontamos com o vácuo absoluto. Em toda parte em que estivemos havia pelo menos alguns átomos. Sempre existe matéria, mesmo que seja em quantidade mínima. E de repente isto mudou. Imaginem, senhores! A ausência completa da matéria, o nada absoluto! Isto não existe! — Parece que existe — um homem que trazia as divisas de cientista levantou devagar. Tinha cabelos brancos, e todos o olharam com uma expressão de ansiedade. — Como sabem, eu me especializei em certos fenômenos que, segundo acredito, estão ligados à formação do Universo. Não é esta a hora de dar maiores detalhes. Em poucas palavras, sou de opinião que o tempo é apenas uma outra forma pela qual se manifesta a matéria e a energia. Uma coisa pode transformar-se em outra. O tempo puro só pode existir num lugar em que não existe absolutamente nenhuma matéria — e neste mesmo instante ela começará a transformar-se novamente em matéria. Quer dizer que, se nos encontramos no vácuo absoluto, também estamos presos no tempo. O cientista voltou a sentar. — Isso é absurdo! — disse alguém em voz alta. — O tempo não pode causar fenômenos desta espécie. — Pois eu acho que o Dr. Jenkins não está tão errado — disse o Professor Markitch em defesa de seu colega grisalho. — É bem verdade que ainda não sabemos se a nuvem escura que nos mantém presos consiste em tempo puro. É possível que ainda existam certas circunstâncias que nem sequer somos capazes de imaginar. Encontramo-nos num espaço desconhecido, e é possível que por aqui existam leis naturais que escapam ao nosso conhecimento. Talvez a saída do dilema seja fácil. Mas talvez seja tão complicada que nunca a encontraremos — a não ser que pensemos logicamente e com a cabeça fria. O nada absoluto nunca poderia interferir no funcionamento dos mecanismos da nave. Quanto a isto não pode haver dúvida. Quer dizer que existe algo além do nada absoluto. E isto parece confirmar a hipótese do Dr. Jenkins. Mas sejamos francos. Alguém é capaz de imaginar o que seja o tempo no estado puro? Eu não sou, senhores. — Nem eu — confessou o Dr. Jenkins. — Mas sei que uma coisa destas deve existir, senão o quadro não se completa. — Que quadro? — perguntou alguém. — O quadro da evolução — respondeu o Dr. Jenkins. Bell teve uma impressão de que a discussão se afastava cada vez mais do objetivo inicial. Queria saber o que deviam
fazer para escapar ao perigo que não conheciam, mas em vez disso ouviam-se conversas sobre coisas que só uns poucos sábios entendiam. — O que devemos fazer?—perguntou. Nunca apreciara muito as teorias. Era um homem prático. — O que faremos se o sistema de propulsão falhar? — Será que está falhando mesmo? — perguntou um dos técnicos. — Ou será que está funcionando, mas não produz os efeitos normais? Mory, que até então se mantivera em silêncio, sentada junto a uma mesa, não conseguiu esconder mais sua impaciência. — Ora, senhores, isso não nos levará a nada! Todos ficam formulando suas teorias, mas não se vê nenhum resultado palpável. Acho que não importa nem um pouco que lá fora haja cem ou zero átomos por metro cúbico. Lá fora há uma coisa que não conhecemos. Receio que esta seja a questão básica. — Só fico me perguntando — disse o Professor Markitch — como uma coisa pode ter zero átomos por metro cúbico... — Vou fazer uma sugestão — gritou Bell em meio à confusão de vozes. — Doulhes vinte e quatro horas para estudar minuciosamente o fenômeno. Enquanto isso os técnicos tentarão descobrir e consertar o defeito. Se não conseguirem, os senhores cientistas estarão com a palavra. Bell, Mory e Masser retiraram-se, enquanto os cientistas e técnicos se juntavam em grupos que discutiam animadamente. Bell não escondeu a decepção que sentia. Esperara mais da conferência. — O pior é que ficamos perdendo nosso tempo — disse enquanto iam à sala de comando. As luzes dos corredores estavam acesas. E os elevadores funcionavam perfeitamente. — Vamos dormir algumas horas, e se depois ainda não tivermos nenhum resultado concreto, faremos sair uma corveta. Assim pelo menos ficaremos sabendo se há algo de errado com a Deringhouse, ou se é por causa de uma coisa que existe no espaço. — E uma excelente idéia — respondeu o Coronel Masser. Mory não disse nada. Quando chegaram à sala de comando, Stef Humberts informou que não havia nada de novo. Os instrumentos tinham falhado, e os controles não reagiam mais. A julgar pelos instrumentos, a nave estava imobilizada no espaço. Masser assumiu o comando, revezando Huberts. O imediato, Mory e Bell foram aos seus camarotes para descansar um pouco. Imaginavam que ainda teriam algumas surpresas. *** Dali a dez horas até mesmo os maiores otimistas compreenderam que a situação era extremamente crítica. Uma das corvetas modernas foi preparada. O Major Green testou os propulsores. O hangar ainda estava fechado, e os técnicos se mantiveram afastados. Os instrumentos e as máquinas da corveta funcionavam perfeitamente. O sistema de computação positrônica não indicou o menor defeito. A corveta estava em condições de decolar. O pessoal de bordo abandonou o hangar, para não retardar a partida. As gigantescas escotilhas externas abriram-se, para dar passagem à nave de sessenta metros de diâmetro. Neste exato momento o zumbido que enchia a corveta terminou. Os propulsores acabavam de desligar-se sozinhos.
O Major Green fitou os controles com uma expressão estupefata. Os mostradores voltaram à posição zero. As luzes de controle apagaram-se. — Não é possível — disse Green, repetindo a frase proferida por Bell. — Não é possível mesmo. As comunicações de rádio com a sala de comando da Deringhouse funcionavam perfeitamente. — Que houve? — perguntou o comandante. — Por que desligou? O Major Green explicou que os propulsores se tinham desligado sozinhos e que as telas estavam apagadas. Todos os mostradores estavam no zero. Bell entrou na conversa. — Vamos fechar as escotilhas e encher o hangar de ar. A decolagem é adiada. Não adianta. Mory tem razão. Lá fora há uma coisa... uma coisa que não conhecemos. As escotilhas foram fechadas e o ar voltou a penetrar no hangar. Neste instante o zumbido dos propulsores da corveta voltou a fazer-se ouvir. Green desligou. Dirigiu-se à sala de comando da Deringhouse para apresentar seu relatório. — Acho que só nos resta a possibilidade de fazer sair um homem — disse o Coronel Masser depois de uma animada discussão com Bell e Mory. — Temos de arriscar. Se usarmos uma linha vital, ele não poderá morrer sufocado. Suponho que o sistema normal de suprimento de ar não funcionará. — Está bem — concordou Bell. — E quem será este homem? O problema encontrou sua solução no momento em que o Professor Markitch entrou na sala de comando. Em sua companhia veio um jovem cientista. Bell teve a impressão de que já o conhecia. — Este é o Dr. Bernstein, assistente de Jenkins — disse Markitch a título de apresentação. — Jenkins e eu somos de opinião que só mesmo através de experiências diretas poderemos encontrar resposta às nossas perguntas. O Dr. Bernstein está disposto a sair da nave, para examinar a matéria — ou a não-matéria — fora da Deringhouse. Se quiserem dar permissão... — Já estávamos para sugerir a mesma coisa — interrompeu Bell. — Dr. Bernstein, devo avisar que o senhor se exporá a um perigo muito grave. Não podemos garantir sua segurança. — Quem poderia numa situação destas? — perguntou Bernstein. Todos acompanharam Bernstein a uma pequena eclusa secundária, onde ele mudou de roupa e colocou o traje espacial. Além do sistema normal de suprimento de ar, ficou ligado com a chamada linha vital. Tratava-se de uma mangueira muito elástica, de cerca de cem metros, pela qual podia ser conduzido o ar, caso isso se tornasse necessário. Bernstein apertou as mãos dos que ficaram na nave e entrou na eclusa de ar. A escotilha fechou-se com um baque surdo. Dali a instantes a escotilha externa abriu-se à sua frente, e o Dr. Bernstein deparou-se com a escuridão absoluta do espaço. Não se via nenhuma estrela, nenhuma galáxia, por mais distante que estivesse. Até mesmo a presença da gigantesca Deringhouse só podia ser imaginada. Mas Bernstein sabia que no interior da Deringhouse as luzes estavam acesas. — Por que não vejo as luzes? — perguntou. Não houve resposta. O telecomunicador não estava funcionando. Bernstein percebeu que o sistema de ventilação também não funcionava. Não importava. O ar puro entrava constantemente em seu capacete. As respectivas máquinas encontravam-se no interior da nave e ainda estavam funcionando.
Bernstein empurrou-se com o pé e saiu flutuando um pedaço pelo nada. Era uma sensação medonha. Não se via a nave, porque não havia estrelas contra as quais ela se destacasse. Bernstein estava sozinho no infinito, em algum lugar entre duas galáxias. As luzes da Deringhouse estavam acesas, mas ele não as via, apesar das espias abertas. Já não havia a menor dúvida de que as ondas luminosas não saíam do lugar — ou, se saíam, elas o faziam de forma invisível, sem desprender qualquer quantidade de energia. Bernstein sacudiu a cabeça. Era uma teoria maluca, mas os fatos estavam aí e não permitiam outra conclusão. Bernstein olhou para todos os lados. Só havia a escuridão, o negro total. Nem sequer via o próprio corpo. Sentiu um solavanco. A linha vital acabara de entesar-se. Foi voltando lentamente à nave. A mangueira de ar lhe mostraria o caminho de volta, mesmo que não visse nada. Estava esfriando. Precisava apressar-se. Jenkins manifestara a opinião de que a nuvem escura era feita de tempo puro. Naturalmente usara uma linguagem simbólica. Alguém seria capaz de imaginar o tempo puro? Na opinião de Markitch, tratava-se do nada absoluto. Bernstein sentiu-se inclinado a pensar que Markitch tinha razão. No nada absoluto nenhuma porção de matéria poderia deslocar-se. Nem a nave e nem a luz. Por acaso a Deringhouse voltara ao espaço normal justamente neste lugar. Fora muito azar. Quando entrou na eclusa, Bernstein respirou aliviado. Quando ela começou a encher-se de ar, as luzes voltaram a brilhar. Finalmente clareou de vez. E o telecomunicador voltou a funcionar. — Graças a Deus! — foi a primeira coisa que ouviu. Reconheceu a voz de Reginald Bell. — Descobriu alguma coisa? — Deixe-me sair primeiro do traje espacial — pediu Bernstein, que já estava com medo de morrer de frio. — O aquecimento também falhou. Jenkins e Markitch empurraram Bell, Mory e Masser assim que Bernstein saiu da câmara da eclusa. Precipitaram-se sobre ele que nem urubus sobre a carniça e falaram ao mesmo tempo. Bernstein pediu silêncio, assustado, enquanto esfregava as mãos. — Direi de que se trata, mas não pensem que enlouqueci. É o nada, o vácuo absoluto. Mas o senhor já supunha que fosse, professor. Estava com a razão. Mas receio que a explicação não seja tão simples assim. Afinal, até mesmo o nada absoluto teria de encher-me lentamente com a matéria do meio em que está situado. E isto não está acontecendo. Quer dizer que é capaz de defender-se contra a penetração da matéria. E é por isso, senhores, que acredito que nos encontremos diante de um nada inteligente. Markitch fitou-o com uma expressão de assombro. Não disse nada. Jenkins sacudiu a cabeça e também ficou calado. Mory foi a única que falou. — O coitado perdeu o juízo. Bell segurou o braço de Bernstein. — Venha comigo, doutor. Bem que merece tomar um gole. Isto o aquecerá. Depois poderá explicar sua teoria. Acha que o nada é inteligente? — Bernstein assentiu em silêncio. — Isso explicaria várias coisas. Algumas horas depois disso Bernstein repetiu sua exposição diante de uma reunião de cientistas. Só conseguiu a desconfiança da audiência. Não podia haver um ser que consistia de nada. Era impossível. Infringia todas as leis da natureza. Bell parecia ser o único que acreditava na teoria de Bernstein.
— Suponhamos que o senhor tenha razão, doutor. Em sua opinião, o que poderíamos fazer para sair desta nuvem inteligente? Deve existir uma possibilidade. — Não existe — respondeu Bernstein. — A única coisa que podemos fazer é esperar. Talvez a nuvem nem queira saber de nós e siga seu caminho. Se não nos levar, ficaremos livres. Mas não sei quanto tempo poderá demorar até que isso aconteça. Dias, semanas... ou até meses. — Absurdo, um absurdo total! — lamentou-se o Dr. Jenkins, desesperado com a falha de seu assistente. — Se pelo menos tivesse falado de um tempo com inteligência...! O Professor Markitch olhou-o com uma expressão de reprovação, mas não fez nenhum comentário, Mory cutucou Bell com o cotovelo. — Assim não chegaremos a lugar algum, Bell. Acho que Bernstein tem razão. Vamos esperar. Assim que aparecer uma luminosidade na tela, por menor que seja, aceleraremos ao máximo. Neste caso teremos encontrado uma brecha. As luzes da sala dos oficiais tremeram e apagaram-se. Bell segurou a mão de Mory e saiu às pressas para o corredor. Masser seguiu-o. As luzes do corredor continuavam acesas, mas estavam mais fracas. Os elevadores ainda funcionavam. Na sala de comando reinava uma tremenda confusão. Stef Huberts tentava acalmar os homens. Algumas telas tremeram, ameaçando apagar-se. O alarme voltou a soar em toda a nave, sem que ninguém o tivesse acionado. — Sem dúvida — disse Bell com o rosto pálido. — Só pode ser inteligente. O fato de acionar constantemente o alarme é a melhor prova. A coisa — seja lá o que for — quer deixar-nos confusos. — Olhe! — gritou Mory de repente. — A tela panorâmica! Bell viu no mesmo instante. Do lado esquerdo apareceu um brilho branquicento em meio à escuridão absoluta. Clareou um pouco, e dali a pouco viram-se os contornos da Via Láctea. Mas as sombras negras logo voltaram a avançar, sem encobrir completamente a galáxia. — Depressa, Masser! É a nossa oportunidade. O Coronel Masser compreendeu imediatamente. Saltou para dentro da poltrona de controle. Empurrou a chave e apertou os botões com uma pressa tremenda. Os conversores zumbiram. O chão da sala de comando começou a vibrar. De repente as duas galáxias voltaram a aparecer na tela panorâmica. Só a tela de popa continuava negra, sem luz. Mas a mancha escura diminuiu com uma rapidez alucinante e foi ficando para trás. Não demorou a desaparecer de vez. O ser feito de não-matéria cometera um erro. Subestimara a matéria.
Naves Espaciais Extraterrestres Plataforma-Estaleiro “KA-barato”
Categoria: Plataforma-estaleiro para construção e reparos de naves espaciais. Dimensões: Diâmetro de 96 km; Altura 32 km; diâmetro do espaçoporto central: 36 km. Massa (Volume): 2,3 x 1014t (vazia) Propulsão: 21 propulsores energéticos de grande capacidade, cada um com 3,3 x 10 20 N de impulsão, 24 propulsores de correção, cada um com 2,8 x 10 20 N de impulsão, propulsor antigravitacional, propulsor linear. Potencial: Aceleração de 300 km/s2, alcance (sem maior manutenção) 1.500.000 anos-luz. Potencial Bélico (Armamento): Armas (canhões) paralisadores, termo-canhões, campo energético defensivo de alta capacidade de absorção (A0 = 1,6 x 1029 W/m2). Tripulação: A força existente de tripulação consistia de 50.000 pessoas. Naves-Auxiliares (Escaleres): Planador, rebocador espacial, diversas construções. Observações: À liquidação da antiga tripulação por povos auxiliares dos senhores da galáxia, só sobreviveu o proprietário do estaleiro, o ambulante Kalak. Texto e desenho: Heinz Hassfeld.
3 — Gostaria de saber—resmungou o Professor Markitch — se isto é uma expedição científica ou uma operação-resgate. Primeiro tentamos nossa sorte como caçadores de asteróides, depois andamos brigando com uma nuvem escura inteligente — e agora isto! Apontou para as telas dos rastreadores energéticos hiper-velozes. — Sinto muito, professor — respondeu o Coronel Masser como quem pede desculpas. — Não tenho culpa de que os fenômenos científicos apareçam em seqüência contínua. A detecção de um choque energético nesta região é ao menos uma coisa fora do comum. Só queríamos ouvir sua opinião antes de fazer qualquer coisa. Mais nada. O Dr. Jenkins certamente está disposto... — Deixe Jenkins fora disso — exclamou Markitch, indignado. — Ele certamente lhe dirá que lá na frente se cruzam dois fluxos de tempo, produzindo o choque energético. Hum... Deixe-me pensar um pouco. Detectaram o choque quando saímos do espaço linear? E pensa que um golpe energético desta intensidade só pode provir de um sol? Onde fica este sol? — Pois é isso. Não conseguimos localizar nenhum sol. Mas as descargas de energia continuam. Exatamente na direção do vôo. A distância não foi determinada. — Será que se verificam mais ou menos no lugar em que segundo os cálculos deve encontrar-se o planeta sem sol chamado Barkon? — Mais ou menos — confirmou Masser, paciente. — Estranho, muito estranho — Markitch ficou observando por algum tempo as linhas curvas agitadas que corriam pelas telas. — É um tanto uniforme, que nem uma pulsação. Até se poderia ser levado a supor que alguém quer nos dar sinais. — Impossível, professor. Nossos técnicos de comunicações já estudaram o fenômeno. Não se trata de sinais de rádio ou coisa que o valha. São choques energéticos, e bem fortes. — Seguimos à velocidade da luz em direção ao lugar em que ocorrem estes choques? Reginald Bell entrou correndo. Seus cabelos arrepiados estavam despenteados e o casaco do uniforme ainda não fora fechado. Parecia que estivera dormindo. — Por que não me avisou antes?—perguntou a Masser. — Deveria ter-me acordado imediatamente. — Não era tão importante, senhor. É bem verdade que já começo a pensar que talvez devêssemos dar o fora. Acontece que falta pouco para atingirmos a posição em que suponho esteja Barkon. Já deveria ser possível detectar o planeta. — Talvez seja um sol escuro — interveio Markitch. Neste momento entraram Mory e o Dr. Bernstein. Mory conversara por muito tempo com o jovem cientista e passara a gostar dele. Bernstein estava muito interessado no problema que acabara de surgir. Observava atentamente a tela panorâmica. A Via Láctea ficava à sua esquerda, e a nebulosa de Andrômeda à direita. No centro uma fina cruz branca assinalava a rota exata da nave.
— Na direção do vôo, um pouco à esquerda, existe uma luz — disse Bernstein em tom de insegurança. — Ainda não viu? — É de onde vem a onda de choque energética — informou Masser e deu um olhar para os rastreadores. — Conclui-se que a luz que o senhor está vendo é o ponto de origem desta onda. — Também estou vendo — Mory foi para perto da tela gigantesca e apontou na direção da cruz branca. — É muito fraca. Apenas um raio. — Um raio de luz? — a voz de Bell parecia espantada, mas, depois de olhar algum tempo para o ponto assinalado na tela, também viu. — É mesmo! Um raio de luz branca. O que será? — É um vôo interessante — afirmou o Professor Markitch, lançando um olhar invejoso para Bernstein. — Gostaria de saber quando teremos uma coisa normal pela frente. Depois de dez minutos de vôo à velocidade da luz o raio de luz ficou mais nítido. Uma fagulha branco-avermelhada brilhava em pleno espaço vazio, e era dali que partia o raio de luz, que se perdeu a alguns milhões de quilômetros de distância. A Deringhouse reduziu a velocidade. — Naturalmente não existe nenhuma dúvida sobre o que está acontecendo — disse Markitch. — Trata-se da formação de um novo sol com a matéria primitiva. A matéria e a energia se unem. É uma visão extraordinária, mas não chega a ser um milagre. Como por exemplo o caso da nuvem escura — acrescentou, olhando de lado para Bernstein. — Desta vez eu lhe dou razão — confirmou Bernstein, que continuava parado ao lado de Mory. — Sem dúvida trata-se de uma nuvem de gases cósmicos, que entrou no processo de formação de um novo sol. É um acontecimento que merece ser filmado. — As câmaras já estão funcionando — disse o Coronel Masser, satisfeito. — Não iríamos perder um espetáculo destes. À medida que se aproximavam, o quadro que se oferecia àqueles homens admirados era cada vez mais impressionante. Experimentaram um sentimento de devoção, pois estavam testemunhando o próprio ato de criação. Desta forma nascera em outros tempos um pequeno sol amarelo, que acabaria dando origem ao planeta Terra e o despertaria para a vida. — É fantástico — cochichou Mory. Bernstein pousou levemente a mão em seu ombro. Sentiu que estava tremendo muito levemente. Compreendeu. Com ele estava acontecendo quase a mesma coisa. Era a primeira vez que seres humanos assistiam ao nascimento de um sol. O núcleo da nova estrela brilhou num fogo atômico branco-azulado. As massas de gases turbulentas da periferia foram atingidas pelo processo de desintegração atômica. Ainda brilhavam num vermelho escuro. De repente, de um instante para outro, as pessoas que se encontravam na sala de comando foram violentamente arrancadas de sua contemplação. Um novo sol estava se formando, e então os produtos de uma evolução prolongada saíram do nada e precipitaram-se contra a General Deringhouse com os canhões energéticos disparando. O ataque das sete espaçonaves pegou os homens inteiramente de surpresa. Tratava-se de veículos espaciais esféricos de oitocentos metros de diâmetro. Estavam com os campos defensivos ligados, enquanto o campo defensivo da Deringhouse estava desligado.
O Coronel Masser empurrou violentamente uma chave, enquanto corria para junto dos controles. Antes que os raios energéticos atingissem o alvo, a Deringhouse tornara-se praticamente invulnerável. Mas apenas praticamente. Na verdade, não havia nenhuma defesa eficaz contra o fogo concentrado de algumas dezenas de canhões pesados. O Coronel Masser gritou suas ordens para dentro do microfone. O centro de artilharia reagiu imediatamente, abrindo fogo contra os atacantes. Viu-se o lampejo de um canhão conversor e a primeira nave esférica dos atacantes desmanchou-se numa fogueira atômica. — São tefrodenses! — cochichou Bell em tom de incredulidade. — Como é que vieram parar aqui? O que estão procurando? Barkon? — Talvez estejam aqui por acaso — respondeu Mory, titubeante. — Uma coisa é certa — disse Bell. — Devem ter um transmissor solar nas proximidades. Acontece que os rastreadores não detectaram nenhum sol. Onde fica o transmissor? Masser não tinha tempo para especulações. Dirigiu a Deringhouse com tamanha habilidade para perto dos atacantes que o centro de artilharia teve o trabalho facilitado. Os tefrodenses foram destruídos um após o outro, e quando a última nave tentou fugir, o centro de artilharia mandou uma bomba atrás dela. A General Deringhouse voltou a ficar só. — Foi um ato de legítima defesa — disse o Coronel Masser com a voz embargada. — Não tivemos alternativa. Seriam eles ou nós. — Não se preocupe com isso — exclamou Bell. — Talvez tenham sido naves robotizadas. É o que se conclui da violência do ataque. O oficial que trabalhava junto aos rastreadores fez uma observação. — Apareceram tão de repente nas telas que não foi possível fazer cálculos. Num instante não se via nada, e no instante seguinte... — Um transmissor, conforme eu disse. Certamente conheciam nossa posição exata — Bell dirigiu-se a Mory. — Até parece que os senhores da galáxia conhecem nossos planos. — Isso mesmo. E parece que querem impedir de qualquer maneira que os levemos adiante. Quer dizer que também para eles Barkon tem certa importância. Está na hora de encontrarmos o planeta — antes que eles o encontrem. O oficial que trabalhava nos rastreadores voltou a falar. — Há uma concentração de matéria, senhor. A distância é de apenas cento e cinqüenta milhões de quilômetros na direção do vôo. A emanação de raios luminosos é bastante reduzida. A massa e o diâmetro ainda não foram determinados. O novo sol estava suspenso no ar ao lado da nave. Os instrumentos indicavam a presença de fortes campos gravitacionais. A irradiação de calor era bastante intensa. Uma luz acendeu-se no painel de controle. Masser inclinou-se e apertou um botão. Havia uma pequena tela de intercomunicador em cima desse botão. A tela iluminou-se, mostrando o rosto da mutante Betty Toufry. Parecia muito nervosa. — Impulsos cerebrais! — disse fora de si, e olhava ora para um, ora para outro. Finalmente ficou com os olhos presos em Mory. — São milhões de impulsos cerebrais diferentes vindos de seres pensantes. Todos eles exprimem os mesmos sentimentos — alegria, expectativa e certa surpresa. Bell aproximou-se da tela.
— Venha imediatamente à sala de comando, Betty. Precisamos muito da senhora. A tela apagou-se. — Que é isso? — perguntou o Dr. Bernstein, que não ignorava que Betty era uma excelente telepata. — Milhões de impulsos mentais. De onde vêm? Bell apontou para os rastreadores. — Logo teremos a resposta. Mas se quiser saber minha opinião, sinto-me inclinado a afirmar que acabamos de encontrar o planeta Barkon. Markitch confirmou com um gesto. — Não existe a menor dúvida de que o sol em formação já possui um forte campo magnético. Desta forma pode capturar o planeta, se ele passar perto dele. Seria um caso pouco provável, mas não impossível. — Talvez nem seja um caso — disse Bell em tom áspero. Todos o fitaram com uma expressão de espanto. — Talvez não seja um acaso? — Mory sacudiu a cabeça. — Não compreendo. — Os tefrodenses... Será que a senhora se esqueceu deles? Seriam muitos acasos ao mesmo tempo. Neste instante entrou Betty Toufry. O sugestor Kitai Ishibashi veio com ela. — Venha, Betty. Precisamos conhecer a origem dos impulsos. Os rastreadores detectaram uma coisa. Se esta coisa corresponder à fonte das emanações, poderemos dizer que encontramos Barkon. A Deringhouse reduzira ainda mais a velocidade. Só percorria alguns milhares de quilômetros por segundo. O sol primitivo branco-avermelhado ficou para trás à esquerda. Uma mancha luminosa pálida apareceu na tela panorâmica. Era pequena como uma estrela distante, mas sua luminosidade era menor. Os rastreadores entraram em funcionamento e foram fornecendo os resultados. Não havia dúvida de que o objeto detectado era um planeta que descrevia uma órbita em torno do sol recém-formado. Desta forma a hipótese do Professor Markitch se confirmava. — Barkon — disse Mory num cochicho. — Encontramos Barkon. Até que enfim! — Os impulsos são mais fortes, mas ainda os recebo coletivamente — disse Betty. — Não consigo separá-los. Talvez consiga quando estivermos mais perto. Masser fitou Bell como quem quer perguntar uma coisa. — Continuaremos na mesma rota, mas ficaremos em prontidão máxima — decidiu Bell. — Não queremos que nos peguem de surpresa mais uma vez. Mande guarnecer todos os rastreadores. O centro de artilharia ficará em prontidão de combate. Tenho uma sensação estranha. Parece que há alguém à nossa espera. E não são os barcônidas, que guardam uma atitude amistosa para conosco. — Os tefrodenses, senhor? — É bastante provável — respondeu Bell. A Deringhouse rastejou literalmente pelo espaço, em direção à mancha luminosa pálida. Os propulsores tinham sido completamente desligados, e por isso a velocidade da nave ia diminuindo, já que o potente campo gravitacional do novo sol continuava vivo, tentando captar inclusive a Deringhouse. A mancha luminosa foi ficando menor, e não demorou que a tela ampliadora mostrasse os primeiros detalhes. Os raios do novo sol possuíam uma quantidade elevada de energia, mas sua luminosidade não era muito grande. Espalhavam uma luz crepuscular na face diurna de Barkon. Naquela altura ninguém mais tinha dúvida de que só podia tratar-se de Barkon. Era bem verdade que o planeta estava envolto numa espessa camada de nuvens, na qual havia poucas brechas.
Enquanto vagava pelo espaço sozinho, sem a companhia do sol, o planeta Barkon não possuía vida na superfície. Os barcônidas se tinham retirado para o interior de seu mundo, recolhendo-se a gigantescas cavernas-dormitório iluminadas e aquecidas pelas usinas geradoras instaladas mais embaixo. Enquanto isso na superfície os mares congelavam, e a atmosfera se transformava numa espessa camada de neve. Mas de repente Barkon voltara a possuir um sol. Seus raios inverteram o processo iniciado há vários milênios. A atmosfera depositada no solo em forma de neve derreteu-se e voltou a transformar-se em gás. Os mares voltaram a encher-se de água, enquanto nuvens enormes subiam ao céu. Barkon estava despertando novamente para a vida. — Nada ainda? — perguntou Bell, dirigindo-se a Betty. A telepata acenou com a cabeça. — Os impulsos são cada vez mais nítidos. Já consigo distingui-los. Sem dúvida são barcônidas. Há outros impulsos e modelos de pensamento, mas são fracos e confusos. Tem-se a impressão de que vêm de mais longe. Os barcônidas sentem-se felizes porque seus amigos lhes deram um sol de presente. Ainda pensam num acontecimento que se aproxima, mas não consigo descobrir os detalhes. Deve ser uma coisa grande, que os deixa felizes. — Um sol? Eles pensam mesmo que alguém lhes deu de presente o novo sol? Não está enganada, Betty? — Acho que não. Os impulsos são cada vez mais nítidos. — Que coisa estranha... — Bell fitou Markitch e Bernstein como quem quer perguntar alguma coisa. — Dá para compreender? — Só pode ser uma superstição — resmungou Markitch, cujos pensamentos estavam longe dali. — Um planeta é capturado por acaso por um sol primitivo, e logo eles fundam uma nova religião. Bernstein sacudiu a cabeça. Estava pensativo. Parecia ter outra opinião. — Tenho a impressão de que a explicação dada por meu prezado colega é um tanto falha — disse. — Não devemos esquecer as sete naves tefrodenses que nos atacaram. Talvez fossem tripulantes. E as tripulações podem ter convencido os barcônidas que foram eles que lhes trouxeram o novo sol. Markitch exaltou-se. — Acho esta explicação absurda. Quem acreditaria numa bobagem dessas? Sempre pensei que os barcônidas fossem uma raça inteligente. Bell parecia pensativo. Mory foi para perto dele. — Vamos pousar no planeta? — perguntou em voz baixa. — Preciso falar com os barcônidas. A língua deles não é parecida com o intercosmo? — Com o arcônida, eu diria. De qualquer maneira não será difícil estabelecer a comunicação. E podemos contar com Betty, que poderá ler seus pensamentos. Não tenho certeza de que pousaremos logo — prosseguiu, voltando à pergunta de Mory. — Não se esqueça da situação em que deve encontrar-se a superfície do planeta. Exporíamos a nave a um perigo cuja extensão nem conhecemos. Vamos entrar numa órbita. Depois veremos o resto. O oficial que trabalhava junto aos rastreadores virou a cabeça. — Não há nenhum eco, senhor. Nenhum eco energético, além do sol e do planeta. Não existe nenhuma outra nave num raio de um ano-luz.
A Deringhouse atingiu a órbita que fora rapidamente calculada e executou uma ligeira manobra para entrar nela. Continuou em prontidão de combate. Bell e Mory retiraram-se da sala de comando e dirigiram-se à sala de rádio que ficava ao lado. Um jovem tenente levantou os olhos à sua entrada. Quando reconheceu Bell, quis fazer a apresentação, mas Bell interrompeu-o com um gesto. — Continue como está. É o oficial de plantão? — Sim senhor. Tenente Dormer. — Coloque o rádio comum na recepção e tente captar qualquer transmissão vinda do planeta. Precisamos descobrir as faixas de freqüência que usam. Avise-me assim que conseguir estabelecer contato. Preciso falar com os habitantes do planeta. — Entendido, senhor. — Estarei ao lado, perto do comandante. Quando voltaram à sala de comando, o Coronel Masser apontou para a tela. — Olhe, senhor. É um planeta primitivo. Até parece que se formou neste instante. Tal qual o sol. — Barkon foi apenas conservado, coronel. O sol começa a aquecer a superfície, e é só. Ficou congelado por algumas dezenas de milênios. Era mesmo um quadro fascinante. A camada de nuvens, que ainda há pouco fora quase completamente fechada, abriase cada vez mais. Já se via melhor o que havia embaixo dela. A rocha nua, que estivera adormecida sob o gelo eterno, estava sendo afagada pelos raios do novo sol. Eram raios pobres em luz mas ricos em calor, que não demorariam a modificar a face de Barkon. Perto dali rolavam as ondas do mar primitivo, no qual ainda boiavam os icebergs. Não demorariam a derreter. Lagos e rios formavam-se nas extensas planícies. Os vales iam surgindo e as elevações eram desmontadas. — Onde estão os barcônidas? — perguntou Mory. — Se continuarem embaixo da superfície, poderão morrer afogados. — Isso não é possível — objetou Bell. — As gigantescas cavernas em que vivem estavam hermeticamente fechadas. A água nunca poderá penetrar nelas. Gostaria de saber se acordaram. Devem ter acordado, uma vez que Betty captou seus impulsos mentais. O Tenente Dormer chamou. — Conseguimos contato de rádio, senhor. Alguém pergunta se procuramos um local para pousar. Acho que fala em intercosmo, mas com um sotaque estranho. Bell correu para a sala de rádio o mais depressa que pôde. Demorou quase dez minutos para Dormer localizar novamente o transmissor, já que o Coronel Masser foi obrigado a ligar os propulsores e tirar a Deringhouse da órbita. A nave voltou ao ponto em que estivera no momento em que fora estabelecido o primeiro contato. Permaneceu imóvel em relação à superfície, acompanhando o lento movimento de rotação do planeta. — Aqui fala a nave terrana General Deringhouse... Reginald Bell no aparelho — Bell esperou a resposta, mas esta não veio. — Somos amigos de Perry Rhodan, que também é amigo dos senhores — prosseguiu. — Viemos para ajudar. Devem estar lembrados... Os barcônidas estavam lembrados. — Seja bem-vindo, amigo de Perry Rhodan. Ele prometeu ajudar-nos, e o auxílio vem em tempo. Têm permissão de pousar. Tenham cuidado. Vêem a montanha e a planície perto dela, e em seguida o mar? Pousem na planície. Depois voltaremos a entrar em contato com os senhores.
Houve um estalo no alto-falante. Depois só se ouviram os ruídos das interferências que certamente vinham do sol. Bell levantou, olhou para Mory e voltou à sala de comando. — Acho que seria muito arriscado pousarmos — disse o Coronel Masser. — Também acho — respondeu Bell, hesitante. — Não é por causa dos barcônidas, mas por causa do planeta. Além disso estão sendo realizadas novas operações de rastreamento, coronel. Volte com a Deringhouse à mesma órbita que estávamos descrevendo. Prefiro contornar Barkon mais algumas vezes antes de pousar. — Detectaram alguma coisa? — Sim. Nas regiões mais elevadas o gelo já deve ter derretido mais cedo. Lá foram construídos alguns edifícios. Ao que parece, trata-se de unidades energéticas. Mais precisamente, de unidades de coleta de energia. Uma vez concluído o rastreamento, teremos certeza. As estações coletoras de energia eram um dos sinais da presença dos tefrodenses, que costumavam usar as fontes de energia já existentes, retirando a energia das estrelas. Era praticamente impossível que os barcônidas conhecessem esta tecnologia altamente especializada. Stef Huberts, o imediato, acabara de entrar na sala de comando. Passou a cuidar dos rastreadores. Aproximou-se deles enquanto Bell e Masser ainda estavam conversando — Sua suposição é correta, senhor — disse. — São raios de coleta de energia, invisíveis a olho nu. As estações foram construídas a intervalos regulares nas montanhas e áreas elevadas. Masser voltou de perto dos controles. — A nave encontra-se na rota indicada — informou. Bell confirmou com um gesto. — Obrigado. Acho que não demoraremos a descobrir mais alguma coisa. Os rastreadores trabalhavam a toda força e não demoraram a confirmar a suposição de Bell. As estações coletoras de energia estavam distribuídas por toda a superfície do planeta. Deviam retirar quantidades imensas de energia do sol e armazená-la no interior do planeta. Havia cinco mil estações desse tipo. — Não compreendo por que os barcônidas precisam de quantidades tão grandes de energia — disse Bell, falando devagar. — Talvez nem saibam da existência dessas estações. Acho que deveríamos perguntar. Coronel, volte à posição anterior e mantenha a nave imóvel em relação ao local de pouso indicado. Faremos sair uma corveta com a tripulação mínima. Vamos ver o que está acontecendo em Barkon. — Acho que teremos uma surpresa — disse o Coronel Masser. Naquele momento nem desconfiava de que os acontecimentos lhe dariam razão.
4 O Major Flowerbeard não ficou muito satisfeito com a tarefa. Era um oficial competente, sempre ansioso para distinguir-se, mas aquele planeta que despertava do sono embaixo do gelo lhe dava medo. O Tenente Mummer, que era seu imediato, pensava da mesma forma. — Por que temos de ir justamente numa corveta? — perguntou ao comandante, enquanto aguardavam a decolagem no hangar da Deringhouse. — Não quero criticar Mister Bell, mas acho que se fôssemos numa nave maior o risco seria menor. Flowerbeard sabia perfeitamente que Mummer não tinha razão, mas gostava de fazer oposição ao seu superior. Isso fortalecia sua autoconfiança. — Naturalmente o poder de fogo da Deringhouse é muito maior e não acredito que as forças da natureza representem um perigo para nós. Bem. Veremos. O Tenente Lukens, oficial navegador e de rastreamento, estava sentado à frente dos seus aparelhos. Virou o rosto. — Não tenho tanta certeza, senhor. Os tefrodenses deixam-me preocupados. Não devemos subestimá-los. Flowerbeard lançou-lhe um olhar fulminante. — Os tefrodenses! Ora essa... Saberemos como lidar com eles. O telecomunicador zumbiu. O rosto do Coronel Masser apareceu na tela. — Decolagem dentro de trinta segundos. O hangar estava vazio. As escotilhas foram abertas e a GD-K-7 precipitou-se espaço a fora. A Deringhouse logo ficou para trás, mas permaneceu em contato pelo rádio. As primeiras nuvens foram passando quando penetraram na atmosfera e dali a pouco avistaram a rocha nua, as planícies e o mar. Flowerbeard desceu ainda mais e desviou-se com grande habilidade de um edifício de cerca de duzentos metros de altura que de repente apareceu à sua frente. O Tenente Mummer, que estava sentado atrás dele, fungou. — Foi por pouco — disse, perplexo. — O que foi isso? Um arranha-céu? — De qualquer maneira foi uma construção artificial — afirmou o comandante. — Ouvi dizer que os barcônidas vivem embaixo da superfície. Ou será que se trata de uma das usinas de energia que foram detectadas na nave? — Desse tamanho? Bell, que continuava na Deringhouse, falou. — De que estão falando, major? Um edifício? Flowerbeard fez um ligeiro relato do encontro que tinham tido com o arranha-céu. Era dado ao exagero por natureza, e por isso Bell só poderia ficar mesmo admirado. — Duzentos e cinqüenta metros? Não podem ser edifícios residenciais. Logo, são instalações de energia. Mas com esta altura...? Tenha cuidado. Só pouse quando tiver certeza de que a nave não estará em perigo. A planície extensa situada entre o mar e as montanhas parecia um convite para pousar. Flowerbeard deu duas voltas em torno da área e só depois disso resolveu pousar com a corveta. Era um bom piloto. A nave esférica tocou suavemente o chão. Até parecia que tinha pousado em cima de plumas. Flowerbeard desligou a propulsão. — Então? — disse, fitando o imediato como quem espera ouvir alguma coisa.
— Excelente — respondeu este. Era exatamente a resposta que se esperava ouvir dele. O Tenente Lukens continuou sentado à frente dos seus instrumentos. Todas as telas dos rastreadores estavam iluminadas. A tela panorâmica também estava funcionando e mostrava os arredores da nave em cores naturais. No início não se viu muita coisa. Dois dos edifícios altos destacavam-se no horizonte. Feitas as medições mais precisas, constatou-se que tinham cento e cinqüenta metros de altura e eram de construção muito robusta. Estavam ligados ao sol por meio de raios de captura de energia invisíveis. Antes dos edifícios vinha o planalto rochoso, no qual não havia nenhuma vegetação. As névoas dificultavam a visão. Só de vez em quando o sol conseguia romper a camada de nuvens. As coisas pareciam envoltas numa penumbra. A temperatura externa era relativamente elevada. Poder-se-ia andar de mangas arregaçadas do lado de fora. Flowerbeard voltou a entrar em contato com Reginald Bell. Depois disso dirigiu algumas palavras à tripulação composta por vinte homens e destacou alguns tripulantes que deviam acompanhá-lo numa operação de reconhecimento. O Tenente Mummer ficou na GD-K-7, o que não o deixou nem um pouco zangado. Não estava muito interessado no planalto deserto e na neblina. Flowerbeard saiu com seis homens. Todos usavam trajes de proteção leves e levaram suas armas energéticas, embora não fosse de esperar que naquele momento já aparecessem eventuais inimigos. Os barcônidas não representavam nenhum perigo. Quanto a isso o major não tinha a menor dúvida. Mas não conseguia esquecer as sete naves tefrodenses. O teor de oxigênio no ar era suficiente. Não havia necessidade dos aparelhos de respiração. O terreno não era tão plano como parecera de dentro da nave. Os homens tiveram de passar por cima de obstáculos ou contorná-los. — Vi alguma coisa se mexendo lá na frente — disse Lukens de repente, segurando o braço do comandante. O Major Flowerbeard sacudiu o braço de Lukens e só depois procurou ver o que se tinha mexido lá na frente. Não conseguiu distinguir nada. — Onde foi? — perguntou, irritado. — Não vejo mais — respondeu Lukens com a voz tímida. — Mas tenho certeza de ter visto. Foi do outro lado do desfiladeiro. O desfiladeiro só tinha um metro e meio de largura e não era muito fundo. Flowerbeard arriscou o salto. Os outros seguiram seu exemplo. — Foi naquela depressão? — Talvez. Quando atingiram a depressão pouco profunda, todos viram. Os seres viscosos rastejavam devagar, produzindo rastros largos. Não possuíam nenhum órgão visível, nem braços ou pernas. Parecia medusas arremessadas à praia pelas ondas do mar. Seus movimentos também eram semelhantes aos destes seres. Mas eram muito maiores. — O que é isso? — perguntou Flowerbeard. — Até parecem amebas gigantes. — Não são perigosos — disse um sargento e baixou a arma. — São muito lentos para atacar-nos. — Reginald Bell não falou nisso — resmungou Flowerbeard, furioso. Nem se lembrou que quem se encontrava na Deringhouse podia ouvi-lo. A resposta de Bell foi imediata.
— No que foi que eu não falei? O que encontraram? Flowerbeard ficou bastante constrangido, mas teve o cuidado de fazer uma descrição minuciosa dos estranhos seres. No fim perguntou num acesso de ironia se podia tratar-se de barcônidas que tivessem passado por uma mutação. Bell levou quase dez minutos para responder. — Betty Toufry captou os impulsos mentais dos seres desconhecidos. Talvez seria mais correto dizer que captou seus impulsos cerebrais, já que eles não desenvolvem uma atividade mental propriamente dita. É claro que não são barcônidas. Trata-se de uma forma de vida com a qual nos encontramos pela primeira vez. Se forem atacados por estes seres, voltem à nave. Mas façam o possível para estabelecer contato, mesmo que seja apenas um contato unilateral. Não esperem muita inteligência. — Não parecem mesmo nem um pouco inteligentes — confirmou Flowerbeard, mas isso não significava nada, pois uma de suas características era considerar qualquer ser vivo mais estúpido que ele mesmo. — Nosso especialista cuidará deles. O especialista era o Dr. Wilkins, um biólogo e zoólogo muito competente. Entregou sua arma ao sargento e entrou na depressão sem demonstrar qualquer medo. Sem olhar para trás, foi para o meio dos estranhos animais — se é que realmente se tratava de animais. Os seres desconhecidos não demonstraram o menor interesse pela sua presença e não tomaram conhecimento das tentativas de estabelecer contato. Faziam de conta que estavam sozinhos. — É muito estranho — gritou o Dr. Wilkins para os que esperavam fora da depressão. — É possível que nem enxerguem. — Um montão acaba de desviar-se do outro. Portanto, são capazes de enxergar, cheirar ou ouvir — berrou Flowerbeard, impaciente. — Dê um pontapé em um deles. — Quem vai limpar minhas botas se eu fizer isso? — perguntou Wilkins em tom áspero. Desistiu e voltou para junto dos outros. O Coronel Masser chamou da Deringhouse. — Betty Toufry descobriu que em Barkon devem existir centenas de milhares destes seres plasmáticos. Possuem um cérebro rudimentar e são capazes de locomover-se. Por enquanto não descobrimos mais que isso. Antigamente eles não existiam em Barkon. Precisamos descobrir quem os trouxe e o que vieram fazer. — O que dizem os barcônidas? — perguntou Flowerbeard. — Ainda não conseguimos estabelecer contato. Continue a explorar a área. Talvez encontre alguns. O pouso da corveta não pode ter passado despercebido. Flowerbeard olhou para os lados como quem não sabe o que fazer. — Por aqui não há nenhum barcônida. Só vejo estes bichos nojentos. — Examine a estação de coleta de energia, major. É possível que lá encontre alguns barcônidas que possam dar informações. Dou-lhe carta branca. — Obrigado — respondeu o Major Flowerbeard, que parecia ter crescido alguns centímetros. — Vamos dar uma olhada no arranha-céu mais próximo. Pegaremos um planador. A corveta fica onde está. — O problema é seu — limitou-se Masser a dizer. Flowerbeard e seus companheiros voltaram à corveta. Fizeram sair um grande planador, no qual havia lugar para sete pessoas. O Tenente Lukens encarregou-se de pilotar o aparelho. Os campos antigravitacionais foram ligados. O planador subiu do chão e foi tangido pelo vento em cima da planície, como se fosse um balão. Quando se tinha afastado um
pouco, Lukens ligou a propulsão. A reação do veículo foi imediata. Seguiu em direção a um dos dois edifícios que se destacavam no horizonte — o da esquerda. Mesmo de longe via-se que na estação de coleta de energia se estava trabalhando. Vultos escuros movimentavam-se de um lado para outro, guindastes enormes levantavam cargas e grandes peças de materiais de construção flutuavam sustentadas por campos antigravitacionais. Quando chegaram mais perto, viram que os vultos que acreditavam serem de barcônidas não passavam de robôs. O planador pousou. O canteiro de construção ficava a menos de duzentos metros. Nenhum robô apareceu para cuidar dos recém-chegados. Neste ponto eram iguais às estranhas medusas. Por pouco o Major Flowerbeard não ficou ofendido. — Faça uma descrição exata dos robôs — pediu Bell pelo rádio. — Dali podem-se tirar certas conclusões. O técnico Dr. Massow encarregou-se disso. — Os robôs são de vários tipos, senhor. O tipo maior parece ter sido feito exclusivamente para o trabalho, pois possui mãos-ferramenta. Possui um anel giratório na altura da cintura. Neste anel estão presas ferramentas que podem ser trocadas. Além disso existe um tipo médio com três braços. Tem rolos no lugar dos pés. O tipo menor é capaz de voar. Seus quatro braços também terminam em mãos ferramenta e... — Obrigado — interrompeu Bell. — Já chega. Não há dúvida de que os robôs são tefrodenses. Dali se conclui que as instalações de energia foram e continuam a ser construídas pelos tefrodenses. Mas continuamos sem saber o que eles vieram fazer aqui. Houve uma pausa. — Quais são as ordens, senhor? — perguntou o Major Flowerbeard. — Devemos tentar estabelecer contato com os robôs? Se são tefrodenses, seus donos não devem estar longe. — Tomara que não, major. Volte à corveta e aguarde novas ordens. Mantenha o veículo preparado para decolar. Se aparecerem naves tefrodenses ou nos atacarem, decole imediatamente e tente alcançar a Deringhouse. Nada de querer bancar o herói por conta própria. Entendido? — Não se preocupe, senhor — respondeu Flowerbeard com um sorriso irônico. O planador subiu e desapareceu na direção da corveta. *** Finalmente, depois de trinta minutos gastos em tentativas de estabelecer contato, os barcônidas voltaram a chamar. Perguntaram por que a nave grande pertencente aos amigos de Rhodan ainda não tinha pousado Bell encarregou-se da palestra. — Temos nossos motivos para não pousar logo. Teria de estender-se muito se quisesse contar toda a história, mas é bom que estejam prevenidos. Certo número de tefrodenses pousou em seu mundo. Estão construindo instalações de energia que conseguimos detectar. Certamente não fazem isso para ajudá-los. Sabe alguma coisa a respeito? O barcônida não se apressou. — Os tefrodenses são nossos amigos — respondeu depois de algum tempo. — As instalações de energia a que acaba de referir-se são geradores de impulso. São capazes de retirar quantidades enormes de energia do sol e armazená-las. Além disso são capazes de
liberar toda esta energia num segundo. Pelos cálculos dos nossos cientistas, o volume de energia seria suficiente para atirar nosso planeta para fora do universo normal. Seria desviado para a quinta dimensão e poderia percorrer qualquer distância no hiperespaço. Com o auxílio dos tefrodenses podemos alcançar num tempo muito curto os limites da Via Láctea. Rhodan disse que havia um lugar para nós em sua galáxia. Quando chegar o tempo, faremos com que se lembre da promessa. Bell ficou perplexo. O plano tremendo deixou-o sem palavras. Os senhores da galáxia deviam ter usado esta técnica para deslocar sóis e planetas. E os tefrodenses eram seus discípulos. Mas por que ajudavam os barcônidas? Afinal, sabiam que eram amigos de Perry Rhodan e dos terranos. Deviam ter um motivo muito sério para isso. Qual seria? — Não confio nos tefrodenses — disse finalmente, mas suas palavras não encontraram eco. Os barcônidas não acreditavam no que dizia, mas não queriam indisporse com Bell e os terranos. — Nossas experiências com os tefrodenses não foram boas. Sempre agem com alguma finalidade. Pensem bem! O que pediram em troca de auxílio que dão a vocês? — Nada, amigo de Perry Rhodan, nada. Só pediram que levássemos os pobres seres plasmáticos que foram expulsos de seu mundo. São inofensivos e quase não possuem inteligência. Oportunamente os largaremos num planeta desabitado da Via Láctea. De repente Bell estreitou os olhos. — Os seres de plasma? — sacudiu a cabeça. — Esta não! Por sua própria natureza os tefrodenses nunca seriam capazes de fazer um esforço destes e em troca pedir apenas que alguém seja ajudado. Isso não combina com seu caráter. Estão tramando alguma coisa. Que será? — São nossos amigos — insistiu o barcônida teimosamente. — Mais uma pergunta. Onde se encontram os senhores? Nas cavernas? — Sim, mas algumas delas foram evacuadas. As equipes técnicas de nossos amigos precisam de um lugar para alojar-se. Bell não fez perguntas sobre as equipes técnicas. Acreditava que estas fossem formadas pelos robôs de trabalho. — E os seres de plasma? Ficam na superfície? — Desde que Barkon possui um novo sol, eles podem ficar sem o menor risco. O clima melhorará cada vez mais. Dentro de pouco tempo também poderemos viver na superfície — antes de arriscarmos o grande salto. Bell já tinha tomado sua decisão. — Continuaremos a circular em torno de Barkon — disse. — Só pousaremos quando tivermos certeza de que não entraremos numa armadilha. Numa armadilha da qual vocês nem desconfiam, Confio em vocês, mas sei que os tefrodenses não são seus amigos. Tramam alguma infâmia. Vamos descobrir qual é. — O senhor é muito desconfiado — respondeu o barcônida com a voz fria. — É por isso que ainda estamos vivos — respondeu Bell e desligou. Dali a instantes deu ordem para que o Major Flowerbeard capturasse e examinasse um dos seres plasmáticos. Com isso deu início à série de acontecimentos que traria a decisão. ***
O Dr. Wilkins não teve a menor dificuldade em capturar uma das bolas gosmentas e levá-la ao laboratório da corveta. Wilkins começou a trabalhar imediatamente, ajudado por dois assistentes, para poder apresentar seu relatório quanto antes. O Major Flowerbeard apareceu várias vezes no laboratório, mas não se sentia bem quando presenciava o trabalho dos biólogos. Começou a compreender que a diferença entre a teoria e a prática era muito grande. O Coronel Masser e Reginald Bell pediram informações mais de uma vez sobre o andamento dos trabalhos. Tiveram de contentar-se com resultados parciais. Estes pareciam confirmar as informações de Betty Toufry. Os seres desconhecidos possuíam um cérebro rudimentar e só eram capazes de pensar em termos muito simples. Sua atividade mental restringia-se em essência à busca de alimentos e à reprodução. É bem verdade que o Dr. Wilkins e seus ajudantes não descobriram como se alimentavam as medusas-amebas, que foi o nome que deram a estes seres. Quando finalmente chegou o resultado, Flowerbeard teve de esperar que a Deringhouse voltasse à face diurna do planeta, pois antes disso o contato direto de rádio seria impossível. O resultado não foi muito interessante. As medusas-amebas realmente eram inofensivas. Não representavam nenhum perigo. Sua estrutura celular apresentava certos desvios, mas estes não tinham maior importância. — É pouca coisa — comentou Bell. — Pelo menos já não precisamos preocuparnos com elas. Aguarde novas instruções, major. Flowerbeard desligou e preparou-se para uma espera prolongada. Deixou uma sentinela na sala de comando e foi ao camarote para dormir um pouco. Dali a algumas horas, quando foi acordado pelo médico de bordo, a desgraça já tivera início. *** Stef Huberts ficou de sentinela na sala de comando. Os barcônidas não chamaram mais pelo rádio, mas isso não era de admirar. As telas dos rastreadores não mostravam nada. Não apareceu nenhuma nave dos tefrodenses. Estava tudo em paz em Barkon, embora os comandos de robôs continuassem a trabalhar nas estações de coleta de energia e nos geradores de impulso. De repente o Tenente Dormer entrou correndo. Estava com o rosto pálido e falava com a voz muito exaltada. — A GD-K-7 está enviando pedidos de socorro. Huberts levantou de um salto. — O quê? Um pedido de socorro? Vamos logo! Faça o contato. — Já fiz. Parece que todos os tripulantes adoeceram. — Adoeceram? — Huberts empurrou Dormer para dentro da poltrona, junto aos controles do rádio. — Precisamos saber exatamente o que aconteceu. Não temos mais de vinte minutos antes de mergulhar novamente embaixo do horizonte de rádio. A corveta pousada no planeta estava transmitindo o pedido de socorro automático. Huberts pediu explicações várias vezes e acrescentou que não havia muito tempo. Finalmente o técnico, Dr. Massow, respondeu. Falava com a voz rouca e entrecortada. — Uma epidemia desconhecida, senhor. Os corpos incham e há dores de cabeça seguidas de coma. Wilkins e seus assistentes estão em estado mais grave. Foram recolhidos à enfermaria e estão inconscientes há uma hora. O Dr. Gerings está cuidando deles. Batizou a doença com o nome eruptoepidemia. — Eruptoepidemia? Por quê?
— Os corpos incham. Bem, isto eu já disse. É um processo de proliferação celular que evolui com uma rapidez incrível. Não existe nenhum remédio. — Fique na linha — disse Huberts. — Vou chamar o comandante e tentarei colocálo em contato com o setor médico. Talvez eles saibam alguma coisa. — Ande depressa. Huberts acordou o Coronel Masser, que por sua vez informou imediatamente Bell e Mory. Todos correram para a sala de comando, onde ouviram o que dizia o Dr. Massow e os médicos da Deringhouse. Os sintomas da moléstia eram desconhecidos. Devia ser uma doença nova. Bell teve uma idéia. — Não foi o Dr. Wilkins que capturou um destes seres gosmentos e fez a necrópsia? Deve ter pegado uma infecção. — Ajude-nos — pediu o Dr. Massow. — E o Major Flowerbeard? Também está doente? — Ainda não. Deu ordem para que ninguém saia de seu camarote, para evitar o contágio. Fiquei sabendo pelo intercomunicador que pelo menos mais três tripulantes apresentam os primeiros sinais da doença. — Pousaremos no planeta, Massow. Não saia da corveta. Mandarei alguns médicos. Siga as instruções que eles derem. Considere isto uma ordem terminante, Dr. Massow. Bell deu ordem para que o Coronel Masser desse início às operações de pouso. O ultracouraçado desceria do planalto rochoso. Depois disso Bell voltou e entrar em contato com os barcônidas. Descreveu os sintomas da doença e perguntou se em Barkon já tinham aparecido sinais dela. Os barcônida negaram isso terminantemente. — Pousaremos com a nave grande — avisou Bell. — Providencie para que uma delegação de cientistas barcônidas compareça a bordo. Queremos ajudá-los, mas os senhores deverão estar dispostos a ajudar-nos caso isto se torne necessário. — Subiremos a bordo. Espero que com isso certas coisas se liquidem automaticamente. — Tomara. O alto-falante deu um estalo. Mory, que estava de pé ao lado de Bell, virou o rosto. — Que houve, Mory? — A culpa é minha — respondeu Mory, insegura. — Insisti para que viajássemos para Barkon... — Não se preocupe — respondeu Bell para consolá-la. — Se por aqui realmente está sendo tramada uma infâmia, podemos dar-nos por felizes por termos vindo enquanto era tempo. Tenho a impressão de que estamos na pista de uma coisa muito grave. Já tenho uma teoria, mas com ela não se pode fazer muita coisa. Precisamos ter certeza. Receio que esta doença seja a primeira pista. — E se estes homens morrerem? Bell encarou Mory, mas não respondeu. Depois foi para perto do Coronel Masser, para acompanhar as operações de pouso. Dali a uma hora a Deringhouse estacionou no planalto rochoso, a um quilômetro da GD-K-7. As instalações de energia continuavam a crescer no horizonte. Os robôs não tomaram conhecimento da nave estranha.
5 A delegação dos barcônidas era chefiada por Rhagor, um homem de cabelos brancos, que tinha uma pequena semelhança com Atlan. Rhagor era acompanhado por três barcônidas mais jovens. A equipe médica da Deringhouse tomou todas as precauções necessárias. Só depois disso Bell deu ordem para que os barcônidas fossem levados à sala de conferência, onde os recebeu com uma cortesia toda especial. Disse que Rhodan mandava lembranças, mas não fez a menor alusão às dificuldades em que se encontrava o Administrador-Geral do Império Solar. Depois afirmou que só tinham saído à procura de Barkon porque não haviam esquecido a promessa dada há muito tempo. O barcônida mais idoso respondeu em tom delicado que os barcônidas também não tinham esquecido os terranos e sentiam-se satisfeitos por poderem ajudá-los. Depois passou-se ao problema propriamente dito. — A primeira ajuda que o senhor poderia dar, Rhagor, seria curar os homens que contraíram a doença. Dois deles já morreram. Há mais um que não passará desta noite. Com isto crescem as suspeitas de que a doença é transmitida pelos seres-medusa semiinteligentes. O barcônida enfrentou o olhar de Bell. — Muitos dos nossos tiveram contato estreito com estes seres, mas nenhum barcônida contraiu a doença. O que o leva a desconfiar de que são estas pobres criaturas sem pátria que espalham uma doença mortal? — Porque os três homens de que acabo de falar tiveram contato mais estreito com estes seres. Estes três homens já contaminaram os outros tripulantes da pequena nave de reconhecimento. Não podemos fazer nada por eles. Talvez tenham de morrer. — Sinto muito, mas não sei se poderemos fazer alguma coisa. Faremos o possível. — Algum dos homens que vieram com o senhor é médico? — É. — Muito bem. Peça-lhe que entre em contato com o Dr. Gerings, na nave menor. Talvez os dois juntos descubram o germe causador da doença, o que seria uma grande ajuda para todo mundo. É muito estranho que a doença ataque os terranos, mas não os barcônidas. Rhagor parecia um tanto embaraçado, mas o Coronel Masser tranqüilizou o barcônida. — Só achamos estranho que os terranos sejam suscetíveis à moléstia, e os senhores não. Talvez haja algum propósito atrás disso — não de sua parte, naturalmente. — Dê-nos todas as informações sobre a chegada dos tefrodenses — pediu Bell depois que Rhagor se tinha acalmado. — Qualquer detalhe pode ser muito importante. O que disseram? O que exigiram? — Não exigiram nada. Pousaram no planeta e nos descobriram. Informaram que Barkon acabava de ser capturado por um sol recém-formado, que também se deslocava em direção à distante Via Láctea. Disseram que dentro de alguns meses poderíamos voltar a viver na superfície de nosso planeta. Foi uma notícia agradável, mas não representou a solução definitiva de nosso problema. Os tefrodenses prometeram ajudarnos também neste ponto. Afirmaram que possuíam uma tecnologia que permitia o
deslocamento de sistemas inteiros. Providenciariam para que chegássemos em pouco tempo à Via Láctea, desde que permitíssemos que construíssem as necessárias instalações em Barkon. Nossos cientistas conversaram com eles e chegaram à conclusão de que os tefrodenses não estavam exagerando. Por isso ficamos agradecidos e aceitamos a oferta. — E em compensação exigiram que levassem as medusas-amebas, não é mesmo? — Isso mesmo. Não exigiram mais nada. Bell olhou fixamente para Rhagor. — São seres que carregam o germe de uma doença que é mortal para os terranos. Já compreendi. Rhagor estremeceu. — Isso é um absurdo! — Nem tanto — Bell recuou com sua cadeira. — Gostaria de fazer uma pergunta, amigo. Já teve um contato mais estreito com essas criaturas pegajosas? — É claro que não. Esta é a primeira vez que eu e meus três companheiros subimos à superfície. Por que fez essa pergunta? — Não é impossível, Rhagor, que o germe da doença seja absorvido e transmitido pelos barcônidas, embora não os faça adoecer. Nossos médicos verificarão esta parte — ficou com os olhos semicerrados. — Os tefrodenses lhes aplicaram algum remédio, usando um pretexto qualquer? — Recebemos uma injeção contra uma doença provocada por radiações, já que, segundo afirmaram, o novo sol... — Compreendi. Já compreendi tudo, Rhagor. Posso pedir que seu médico acompanhe alguns dos nossos especialistas para a nave menor? Receio que não tenhamos muito tempo. *** O resultado dos exames foi entregue dentro de algumas horas. Mory, com a qual Bell entrou em contato em seu camarote, empalideceu. — E exatamente como o senhor pensava, Bell. Mas não temos provas. — Não existe a menor dúvida. Os tefrodenses injetaram os germes causadores da doença mental nos inocentes seres-medusas. Os barcônidas foram imunizados. As medusas são por natureza insensíveis à eruptoepidemia. Mas os barcônidas também se transformaram em transmissores da doença. Mesmo que as medusas sejam extintas, ainda restarão os barcônidas. Os tefrodenses querem fazer com que Barkon chegue quanto antes à Via Lácta. É fácil imaginar as conseqüências, Mory. A propósito. O segundo assistente do Dr. Wilkins também morreu. — Quer dizer que a epidemia já causou três mortes? — Isso mesmo. E até tivemos sorte porque Rhagor e seus amigos provavelmente ainda não foram infetados. Se tivessem sido, estaríamos perdidos. Daqui em diante ninguém poderá sair da nave sem usar um traje de proteção especial. O traje será desinfetado antes que a pessoa volte a entrar. Mory fitou Bell com uma expressão assustada. — E a corveta? Bell esquivou-se ao olhar de Mory. — Não sei. Não sei mesmo. Em hipótese alguma posso permitir que ela volte ao hangar da nave. Pelo menos por enquanto. Flowerbeard e os outros tripulantes nos contagiariam. — Quer dizer que o senhor os condena à morte?
— De forma alguma! É apenas uma quarentena. Nossos médicos estão cuidando deles. É a única coisa que podemos fazer. E agora peço que me dê licença. Tenho muita coisa a fazer. Mory levantou, hesitante. — Posso ajudar em alguma coisa, Bell? Bell agradeceu e respondeu que não. — Se precisar da senhora avisarei, Mory. Procure dormir um pouco. Bem que precisa. Mory sorriu. — Obrigada. Mal se viu só, Bell ligou o intercomunicador. Stef Huberts respondeu ao chamado. — Faça os dois mutantes virem imediatamente para cá. *** Dali a pouco Betty Toufry e Kitai Ishibashi entraram no camarote de Bell. Sentaram e ficaram em silêncio, enquanto ouviam o que este tinha a dizer. — Tenho certeza — concluiu Bell — que há tefrodenses em Barkon. Devem ter guardado suas naves em algum esconderijo, ou então foram largados no planeta. Seja como for, temos de encontrá-los. Ainda não recebeu nenhum impulso mental deles, Betty? — Há milhões de impulsos. Como posso saber qual deles é de algum tefrodense? Mal consigo distinguir um impulso do outro. — Que tal se procurasse concentrar-se mais um pouco? Provavelmente a vida de todos nós depende de encontrarmos os tefrodenses. — Posso recolher-me ao meu camarote? Ali ninguém me perturbaria. O senhor há de compreender... — Compreendo sim, Betty. Só peço que me avise imediatamente, caso descubra alguma coisa que indique a presença dos tefrodenses. — Naturalmente. Entrarei imediatamente em contato com o senhor. Bell ficou a sós com Kitai. — Qual é sua opinião, Kitai? — Bem que eu gostaria de apresentar uma versão diferente, mas estaria agindo contra a lógica. Receio que o senhor tenha razão. Bell confirmou com um gesto. — Os senhores da galáxia estão em condições de travar uma guerra em duas frentes. Uma frente fica no presente, outra no passado remoto. Encontramos um inimigo que nos supera de longe. Não sei o que fazer para enfrentá-lo. — Primeiro temos de enfrentar os tefrodenses — opinou Kitai com a voz fria. — E para isso temos de começar aqui mesmo. Neste instante o intercomunicador zumbiu. Era Betty Toufry. — Existem tefrodenses em Barkon. São mais ou menos trezentos. Estão bem perto, mas encontram-se pelo menos cem metros embaixo da superfície. Foi por isso que demorei tanto em detectá-los. Pelo que pude verificar, são técnicos. São responsáveis pela construção das estações de captação de energia. — E por muitas outras coisas mais — disse Bell. — Venha à sala de comando, Betty. Vamos encontrar-nos lá. Está na hora de fazermos alguma coisa. — Quer dizer...?
— Isso mesmo. Posso contar com a senhora? — Se eu não for, o senhor nunca os encontrará. Os barcônidas não traem aqueles que acreditam serem seus amigos. — Infelizmente a senhora tem razão — reconheceu Bell, contrariado. Lembrou-se de que tudo seria muito mais simples se Gucky estivesse com eles. Mas o rato-castor encontrava-se cinqüenta mil anos no passado, juntamente com Rhodan. *** Usavam pesados trajes de proteção e respiravam um ar artificial, para evitar qualquer possibilidade de infecção. Mais um homem acabara de morrer a bordo da corveta: o imediato, Tenente Mummer. O Major Flowerbeard estava inconsciente. A julgar pelos sintomas, seria o próximo a morrer. Bell deu as instruções finais na eclusa de saída. — Betty, a senhora fiará sempre perto de mim para indicar a direção. Nunca se afaste mais de dez metros, aconteça o que acontecer. Kitai tentará controlar o primeiro tefrodense que encontrarmos pela frente. Precisamos dele vivo. Huberts, o senhor cobrirá nossas costas caso haja um ataque. Atire sem contemplação quando não houver outra alternativa. Os homens assentiram com um gesto. Sabiam o que tinham de fazer. A eclusa abriu-se. Os homens pisaram no solo de Barkon, um solo duro e virgem, sob o qual se ocultavam muitos perigos mortais que ameaçavam os terranos. Rhagor não concordara em levar os terranos ao esconderijo dos tefrodenses, mas prometera manter-se neutro, não prevenindo aqueles que acreditava serem seus amigos. Bell dera-se por satisfeito com isso e garantira aos barcônidas que não demoraria em fornecer a prova definitiva de sua atitude traiçoeira. A cinco quilômetros do lugar em que estava pousada a Deringhouse havia uma entrada para o interior do planeta. O elevador antigravitacional funcionava perfeitamente. Bell e seus companheiros desceram em silêncio, de armas em punho, preparados a qualquer momento para um confronto com o inimigo diabólico. Betty informou que os impulsos emitidos pelos tefrodenses eram cada vez mais intensos. Pelos seus cálculos deviam estar bem perto. Finalmente viram os primeiros. Acabavam de chegar a um corredor largo e bem iluminado, do qual saíam corredores menores para ambos os lados. Estes corredores levavam aos alojamentos dos barcônidas e às instalações de energia. Sem dizer uma palavra, Betty apontou na direção em que vinham seguindo. Continuaram. Ouviu-se o ruído de passos vindos da frente, que se aproximavam. Bell e seus companheiros trataram de esconder-se. Foi bem na hora, pois mal se tinham recolhido aos esconderijos, apareceram cinco tefrodenses. Quando se tinham aproximado o suficiente, Bell deu um sinal. As armas paralisantes foram acionadas. Os tefrodenses foram tomados de surpresa pelo ataque repentino. Não tiveram tempo para esboçar qualquer defesa. Caíram ao chão em silêncio e perderam os sentidos. Bell não perdeu tempo. — Os outros podem ficar para depois. Vamos voltar à nave. Os cinco que já temos bastam para que descubramos toda a verdade e possamos fornecer aos barcônidas a prova
que desejam. Vamos carregá-los para o elevador. Lá em cima chamaremos um planador. Poderemos chegar à nave dentro de dez minutos. Aí será sua vez, Kitai. *** Um dos cinco prisioneiros tefrodenses ocupava um cargo mais elevado. Era uma espécie de chefe da equipe científica. Chamava-se Deltar. Betty descobriu isto lendo seus pensamentos, antes que ele recuperasse os sentidos. Depois Kitai cuidou dele. A capacidade sugestiva tornava-o capaz de impor sua vontade a outros indivíduos, fazendo com que estes pensassem que agiam espontaneamente. Uma vez submetido a este tratamento, Deltar estava disposto a dizer a verdade. Betty vigiou seus pensamentos, para que neles não se insinuasse nenhuma mentira. Bell e Mory fizeram as perguntas. Graças a uma ligação direta de videofone, os barcônidas puderam testemunhar o interrogatório. Deltar prestou suas informações. Em virtude de certas fontes que nem mesmo ele conhecia, os tefrodenses estavam informados sobre o contato amistoso entre Rhodan e os barcônidas. Além disso tinham descoberto que Rhodan estava firmemente convencido de que os barcônidas deviam estar fortemente ligados às origens da humanidade — e isto não apenas por causa de seu aspecto humanóide. Por isso Rhodan e os outros terranos tinham motivos suficientes para cumprimentar os barcônidas como amigos, quando chegassem à Via Láctea. E era nisso que se baseava o plano dos tefrodenses. A tecnologia avançada dos senhores da galáxia tornara possível que se levasse uma nuvem de gases cósmicos para perto de Barkon. Esta nuvem foi estimulada para dar origem a um novo sol. Estes acontecimentos se desenvolveram com uma rapidez muito maior do que seria possível na natureza. Depois disso os tefrodenses vieram ao planeta com algumas naves e apresentaram sua oferta aos barcônidas que não desconfiava de nada. Propuseram-se a transferir Barkon para a Via Láctea. A única coisa que exigiram foi que os barcônidas levassem os seres com aspecto de medusa. Os barcônidas foram imunizados. Mas apesar disso transformaram-se em transmissores da doença e após sua chegada à Via Láctea teriam contagiado qualquer raça com que entrassem em contato. O Dr. Bernstein, que presenciou o interrogatório, não conseguia compreender tudo isso. — Produziram um sol novo! Incrível! Acho que nem sequer podemos imaginar o grau de evolução técnica atingido pelos senhores da galáxia. Devem ser a raça mais inteligente e poderosa do Universo — ou pelo menos das duas galáxias que conhecemos. — É uma pena que sejam nossos inimigos — disse Bell. — Mas isso ainda pode mudar — fez um sinal para Kitai.
— Mande levar o tefrodense. Ficará trancado com os outros. Aí está a confirmação daquilo que imaginávamos. E nossos amigos, os barcônidas, devem estar convencidos de que tínhamos razão — olhou para Rhagor, cujo rosto apareceu na tela, exprimindo incredulidade e pavor. — É o senhor, Rhagor? — Vi com meus próprios olhos e ouvi com estes ouvidos. Não existe a menor dúvida. Fomos enganados. Teríamos chegado à sua galáxia para espalhar a morte e a destruição. — Sinto muito que tenha sido enganado dessa forma — disse Bell. — Mas nem tudo está perdido. Os geradores de impulso e os centros de captação de energia estão montados e dentro em breve poderão entrar em funcionamento. Até lá talvez consigamos encontrar um remédio contra a eruptoepidemia. Mataremos as bactérias que se encontram em seus corpos. — Nossos cientistas estão estudando as instalações técnicas dos tefrodenses. Dentro de pouco tempo serão capazes de controlá-las. — Quer dizer que não tem nenhuma objeção a quem ponhamos fora de ação os tefrodenses que se encontram em Barkon? — Até ajudaremos. — Obrigado. Depois, quando tudo tiver passado, terei mais algumas perguntas relativas ao seu passado. Hoje sabemos de certas coisas que ainda não sabíamos quando o senhor se encontrou com Rhodan pela primeira vez. — Teremos muito prazer em ajudar. Vou indicar os lugares em que se encontram os tefrodenses. O senhor sabe onde fica a entrada que usou para capturar cinco prisioneiros. Desça pelo elevador, e depois... Neste momento foi interrompido. Da GD-K-7 veio a notícia de que o Major Flowerbeard também acabara de sucumbir à terrível moléstia. O rosto de Bell transformou-se numa máscara. — Cuide primeiro das coisas mais desagradáveis — disse em tom frio e resoluto. — Rhagor, pode contar o resto...
6 Quando foi levado de volta à cela, Deitar sabia que, embora involuntariamente, acabara de trair os senhores da galáxia. E isto lhe custaria a vida. Mas antes de morrer queria ao menos tentar reparar o erro. Devia encontrar um meio de prevenir seus chefes, mesmo que isto custasse a vida de todos os tefrodenses que se encontravam em Barkon. A porta de aço fechou-se atrás dele. Deitar sabia que um terrano fortemente armado montava guarda no corredor. Era uma precaução desnecessária, pois era praticamente impossível sair da cela. Deitar informou os companheiros sobre a desventura que lhe ocorrera. — Não sei como conseguiram, mas vi pela expressão de ódio que havia em seus rostos que eu lhes disse toda a verdade. Um dos terranos deve ser um sugestionador. Talvez também tenham um telepata... Calou-se, assustado. — A esta hora devem estar bastante ocupados — opinou um dos tefrodenses. — Precisam dos telepatas para localizar nosso pessoal. Os barcônidas não lhes contarão nada. — Não tenho muita certeza. Se descobrirem a verdade, passarão a ser nossos inimigos. Receio que nosso plano tenha fracassado. Mas ainda existe uma possibilidade de enviar Barkon à Via Láctea hoje mesmo, embora nem todos os preparativos tenham sido concluídos. — Como? Deitar olhou em volta. — Daqui só sairemos se usarmos um truque. Um truque antiqüíssimo, mas que sempre tem sido eficiente. Vamos preparar-nos. Temos de esperar mais um pouco. Acho que daqui a meia hora... *** Bell em pessoa foi o chefe do comando especial. Todos os homens estavam enfiados em trajes de proteção equipados com campos energéticos e aparelhos voadores. O armamento consistia em fuzis energéticos pesados, granadas atômicas e um canhão energético leve, destinado a remover eventuais obstáculos. Bell e os cem homens sob seu comando saíram com este equipamento, para punir os tefrodenses por seu plano diabólico, que poderia ter custado a vida de bilhões de seres inteligentes. Havia vários barcônidas à espera junto ao elevador. Também estavam armados. As comunicações pelo rádio funcionavam muito bem. — Na verdade, não gostamos muito da violência — disse Rhagor depois de um ligeiro cumprimento. — Mas não vemos outra possibilidade de fazer com que os tefrodenses aceitem nossos pontos de vista. — Querem guiar-nos? — Vamos levá-los aos alojamentos deles.
Não encontraram ninguém. Os corredores estavam desertos. Uma única vez viram um grupo de cientistas barcônidas atravessar às pressas um corredor secundário. Finalmente viram-se à frente dos alojamentos dos tefrodenses. — Deste lado do planeta são trezentos ao todo. Como geralmente trabalham em turnos na construção da usina, não devemos encontrar mais de cento e cinqüenta, a não ser que esteja na hora do revezamento — Rhagor deixou livre o caminho. — Boa sorte. Ficaremos no corredor e prenderemos qualquer um que tente fugir. Bell confirmou com um gesto. Aproximou-se da porta e encostou a palma da mão à fechadura térmica. A porta foi-se abrindo para dentro. Havia cerca de dez tefrodenses sentados em torno de uma mesa, jogando com dados coloridos. Sobressaltaram-se quando reconheceram os intrusos. Ficaram sentados. Não estavam armados. Bell esperou alguma reação que lhe desse o direito moral de usar a força, mas esperou em vão. Os tefrodenses nem pensaram em defender-se. Os terranos não tiveram alternativa senão prendê-los. No estágio em que se encontravam isso representava um obstáculo, mas Rhagor descobriu uma saída. — Deixe os prisioneiros por nossa conta. Serão guardados num lugar seguro até que a operação esteja concluída. Está na hora do revezamento, e isso torna seu trabalho mais difícil. Os tefrodenses podem estar em toda parte. Possuem planadores com os quais voam em grupos para os diversos objetivos. Podem ser presos e destruídos um por um, mas o senhor terá de esperar que todos os comandos voltem para cá. Mesmo então só poderá pôr as mãos na metade. Se o revezamento não chegar, a outra metade estará prevenida. — Vamos esperar que voltem — decidiu Bell. — Terão uma recepção quente. Neste momento a Deringhouse chamou. O Coronel Mas-ser estava no aparelho. — Os prisioneiros fugiram, senhor. Atraíram o sargento Mouse para dentro da célula e o mataram. Apoderaram-se de suas armas e estão entrincheirados. Ameaçam usar granadas atômicas se os atacarmos. Exigem que os deixemos sair da nave. — Deixe que saiam. Assim que estiverem do lado de fora e não puderem causar mais nenhuma desgraça... — Também pensei nisso. Infelizmente não são bobos e não querem sair ao mesmo tempo. Deltar quer sair sozinho. Os outros ficarão. Além disso exigem uma aparelhagem de telecomunicação. Se alguma coisa acontecer, provocarão um inferno a bordo da nave. — Droga! — Bell pôs-se a refletir. Deltar tinha em mãos o equipamento de rádio do sargento Mouse, mas este não era suficiente para comunicar-se com os outros prisioneiros depois que tivesse saído da nave. Mas bastaria para prevenir os outros tefrodenses que se encontravam deste lado do planeta. — Entregue um telecomunicador a eles. Não podemos deixar que destruam a Deringhouse. Além disso estão ouvindo nossa conversa. Não adiantaria fazer um plano. Pegue um telecomunicador no arsenal da nave. — No arsenal, senhor? Não compreendo... — No arsenal, sim. Fale com o Capitão Jörnsen. Ele sabe. O Coronel Masser ainda não estava compreendendo. — Mas o Capitão Jörnsen é... — Eu sei, coronel. Justamente por isso deve falar com ele por causa do telecomunicador. Ande depressa. Os tefrodenses não esperarão toda vida. Bell desligou e enfrentou os olhares espantados dos companheiros. Havia um sorriso frio em seu rosto.
— O Capitão Jörnsen é especialista em explosivos, minha gente. Se o Coronel Masser pedir uma aparelhagem de rádio dele, haverá algumas surpresas. O equipamento explodirá exatamente dentro de trinta minutos. E os quatro tefrodenses também. A destruição será menor que a causada por uma granada atômica. Alguns homens sorriram. Rhagor pegou os dez prisioneiros e levou-os. Bell e seus homens tomaram posição nos alojamentos dos tefrodenses e puseram-se a esperar. *** Deltar entregou o telecomunicador a um dos seus companheiros e fez um teste. O aparelho funcionava perfeitamente. Em seguida foi levado para a saída por um dos oficiais da Deringhouse e libertado. Era meia-noite e estava escuro. Não havia estrelas no céu e a mancha leitosa da distante Via Láctea ficava junto ao horizonte. Deitar ficou em contato com os quatro companheiros. Ainda estava muito perto da nave para fazer o que pretendia. Se quisesse prevenir os outros tefrodenses teria de mudar a faixa de ondas, mas neste caso perderia o contato com seu seguro de vida. Afastou-se da nave o mais depressa que pôde. Mantinha os companheiros constantemente informados, até que acreditou estar em segurança. Estava na hora de dar o alarme. Era preferível que os outros prisioneiros não voltassem à cela. Mas se tivessem de morrer, sua morte pelo menos deveria prejudicar os terranos. Deitar olhou para trás. Não viu mais as luzes da Deringhouse. Uma colina encobria a nave, e Deitar encontrava-se numa depressão profunda, no flanco da colina. Não se podia saber o que aconteceria se as granadas atômicas explodissem no interior da nave, perto da sala dos propulsores. — Fui atraído para uma armadilha — disse para dentro do rádio. — Estou cercado. É uma traição, amigos. Morrerei lutando. Cumpram seu dever, amigos. Fazia exatamente meia hora que tinha saído da nave. O telecomunicador explodiu no interior da Deringhouse, no momento exato em que um dos tefrodenses ia destravar sua granada atômica. Os quatro morreram no mesmo instante. Deitar não percebeu nada. Mudou a faixa de ondas de seu transmissor e chamou os outros tefrodenses. Foi alguns minutos depois da hora certa, pois não conseguiu mais entrar em contato com os grupos que acabavam de ser revezados e tinham voltado aos alojamentos. Mas conseguiu entrar em contato com a equipe que trabalhava na construção mais próxima. Seu aviso desencadeou o alarme. Em algum lugar, na face oposta do planeta, um hipertransmissor entrou em atividade, transmitindo o alarme. Deltar respirou aliviado. Acabara de reparar o erro cometido. Os terranos teriam uma surpresa. Não teriam de lutar com meio milhar de tefrodenses, mas enfrentariam todo o poder dos senhores da galáxia. Estavam perdidos. Mas o fim de Deltar também chegara. De repente houve um lampejo e o tefrodense foi envolvido numa claridade ofuscante. Alguns fuzis energéticos dispararam e atingiram o alvo. Deltar acabara de entrar na armadilha montada pelos terranos. ***
— Estão chegando! Stef Huberts passou o aviso aos outros e puxou o vigia para dentro da sala. Em seguida fechou a porta. Ficou esperando, de armas em punho. Bell e os outros terranos estavam escondidos para não serem vistos logo. Só pretendiam atacar quando todos os tefrodenses estivessem reunidos e o caminho da retirada se tivesse fechado para eles. Não houve a batalha que Bell esperava. Os tefrodenses foram apanhados de surpresa e renderam-se sem oferecer qualquer resistência. Foram desarmados e levados pelos barcônidas. O Coronel Masser informou que Deitar fora morto depois da morte de seus quatro companheiros de prisão. Não se sabia se chegara a transmitir um aviso com o pequeno rádio que carregava. Além disso mais dois tripulantes da corveta tinham sido vitimados pela doença. Bell e os outros membros do comando voltaram à Deringhouse. Os trajes de proteção foram desinfetados na eclusa, antes que os homens os tirassem. Só assim se poderia ter certeza de que nenhum germe causador da doença seria levado para dentro da nave. Uma vez tomadas estas precauções, Bell correu o mais depressa que pôde para a sala de comando. O Coronel Masser estava impaciente à sua espera. — Fiz sair uma sonda de observação com equipamento infravermelho — informou. — Transmitiu imagens interessantes, que mandei gravar. Quer ver o filme? — Isso pode ficar para amanhã. Estamos cansados. — É muito importante. — Vamos ver — disse Bell com um suspiro. As primeiras cenas mostraram que Deltar dera o alarme. Os robôs continuavam a trabalhar na construção, mas os tefrodenses reuniam-se às pressas e conversavam. Acabaram entrando num grande planador que seguiu para o leste. A sonda acompanhou o planador. O veículo recolheu outros tefrodenses no próximo local de construção, ao que parecia depois de uma troca de mensagens pelo rádio. As cenas seguintes mostraram o planador juntando-se a outro. Os dois prosseguiram juntos para o leste, até que o sol subiu no horizonte. Pararam perto de um edifício baixo, que ficava nas imediações da entrada de um elevador. — É o segundo posto e o quartel-general — explicou Masser. Na cobertura do edifício baixo via-se a antena típica de um grande hipertransmissor. Já não havia dúvida de que os tefrodenses tiveram oportunidade de avisar a base mais próxima. Dentro de pouco tempo chegariam reforços do espaço. Mas havia um perigo mais iminente. Os tefrodenses reuniram-se e uma cobertura camuflada abriu-se. Havia três cruzadores guardados num hangar subterrâneo. Foram tripulados às pressas e subiram, saindo em alta velocidade para o oeste. O quadro apagou-se. A sala de comando voltou a ser iluminada. — Devem chegar a qualquer momento — disse o Coronel Masser. — A não ser que prefiram atacar de dia. — Derrube os três cruzadores — resmungou Bell com um bocejo. — Vou dormir. O senhor saberá lidar com isso sozinho. Seria capaz de enfrentar vinte cruzadores destes, não é mesmo? Masser sorriu.
— Como queira, senhor. Só quis que estivesse preparado para uma noite agitada. Mas é possível que nem venham. Talvez prefiram fugir para um lugar seguro. É o que farão se forem inteligentes. — De qualquer maneira não atravessarão nosso campo energético. — Pois é — disse Bell e levantou. — Boa noite. Retirou-se. Na sala de comando ficaram o Coronel Masser e os oficiais de plantão. A Deringhouse foi colocada em estado de meia prontidão. Uma campânula energética impenetrável envolveu a nave, e os oficiais do centro de artilharia esperaram o momento de entrar em ação. Não esperaram muito. Pouco antes do nascer do sol os rastreadores mostraram três objetos junto ao horizonte leste, que se aproximavam em alta velocidade. Eram os cruzadores tefrodenses, que voavam em formação triangular. Demoraram apenas alguns minutos para aproximarse o suficiente para abrir um fogo bem dirigido. Era o que o Coronel Masser esperava. Deu ordem ao centro de artilharia para que abrisse fogo. Os raios energéticos ofuscantes saídos dos canhões das naves atacantes atingiram o campo energético e deslizaram por ele sem produzir qualquer dano. Só haveria algum perigo se certo número destes raios se concentrasse numa área pequena. O fogo de defesa parecia ter pegado os tefrodenses de surpresa. A nave do centro explodiu, seus destroços foram carregados pela força da inércia e caíram ao mar, afundando com um chiado. Os dois cruzadores que restavam subiram imediatamente e desapareceram no céu crepuscular de Barkon para não voltar mais. A julgar pelas indicações dos rastreadores, saíram da atmosfera do planeta e logo entraram no espaço linear. O Coronel Masser deu ordem para que a nave continuasse em regime de meia prontidão e acordou o imediato, que ficou de guarda na sala de comando pelo resto da noite. Poderia ter dormido. Os tefrodenses não voltaram mais. *** Desta vez Bell teve mais cuidado. Não permitiu que Rhagor e seus companheiros entrassem na Deringhouse. A conversa foi realizada numa sala de paredes nuas, na qual só havia uma mesa e algumas cadeiras. Em cima desta sala erguia-se o centro de captação de energia, a doze quilômetros da Deringhouse. Os robôs continuavam no seu trabalho, dando a impressão de que não tinham nada a ver com aquilo que acabava de acontecer. Bell e seus companheiros usavam os trajes de proteção e respiravam o ar gerado pelos aparelhos. Tinham bons motivos para isso. — Nossos médicos voltaram hoje de manhã da nave menor, Rhagor. Suas informações não dão muitas esperanças de que dentro em breve seja descoberto um antídoto. A tripulação do veículo está perdida. Os homens já ficaram inconscientes. Não se pode fazer nada por eles. Por mais que se esforçassem, os cientistas não descobriram o germe causador da doença. — Sentimos muito — disse Rhagor com a voz triste. — Quem sabe se examinando um dos nossos os médicos não conseguissem alguma coisa? — Isso será feito — prometeu Bell. — Mas não vamos perder tempo. Quero que saibam por que viemos e o que queremos pedir. A mulher que estão vendo é a esposa de
Rhodan. Antes que ela comece a fazer suas perguntas, quero ser muito franco, conforme costuma ser feito entre amigos. Bell falou no avanço dos terranos para a nebulosa de Andrômeda e no encontro com os tefrodenses e os senhores da galáxia. — Como vêem, nossa situação é grave — concluiu. — Rhodan foi arremessado para um passado longínquo, e perdemos todos os contatos permanentes com ele e seus companheiros. Sabemos alguma coisa do que aconteceu há cinqüenta mil anos, e supomos que naquela época tenha começado a evolução que levou à situação atual. Acreditamos que os barcônidas tenham algo a ver com isso. Pode fazer suas perguntas, Mory. Todos os olhos foram dirigidos para a esposa de Rhodan, com uma expressão ansiosa. Não havia a menor dúvida de que Rhagor e seus companheiros estavam dispostos a ajudar os terranos — se pudessem. — Os barcônidas são humanos da mesma forma que nós, os senhores da galáxia, os tefrodenses e os arcônidas — disse Mory. — Somos todos parentes, pois sabemos que tamanha semelhança não pode ter resultado de um paralelismo da evolução. Resta saber quando e com quem tudo começou. De qual das numerosas raças humanóides saíram os ancestrais da humanidade? Mas não é isto que quero perguntar, Rhagor. Quero ajudar Rhodan e para isso preciso saber quem são os senhores da galáxia. — Nunca ouvimos falar neles, esposa de Rhodan. Quando apareceram aqui, os tefrodenses disseram que são os donos da nebulosa de Andrômeda. Acreditamos neles, pois os recursos que usaram foram bastante convincentes. Sentimos não poder responder à primeira pergunta. — Era mesmo o que eu esperava — disse Mory com um suspiro. — E com isso as outras perguntas que eu queria fazer tornam-se inúteis. Mas talvez cheguemos ao ponto que queremos usando um atalho. O que sabe a seu respeito, Rhagor? Sobre sua raça e Barkon, mais precisamente? Existem registros, relatos? — Não. Mas temos nossas lendas, que vêm do tempo dos nossos antepassados, antes que inventássemos a hibernação que nos permitiu prolongar a vida. Os hibernadores do gelo de Barkon, diz a lenda, são o que resta de um grande povo que abandonou há tempos imemoriais a grande galáxia, porque lá se defrontava com um terrível perigo. Não se sabe que perigo foi este. Só sabemos que nossos antepassados separaram o planeta Barkon do sistema solar a que pertencia, depois de construir alojamentos e instalações técnicas em seu interior. Barkon foi transformado numa gigantesca espaçonave. O destino da viagem era a galáxia menor — isto é, a Via Láctea da qual vocês vieram. — Sabe-se quando mais ou menos isso aconteceu? — É impossível saber. Nunca houve qualquer indicação de tempo. A lenda só diz que antes de nós outros saíram da nebulosa de Andrômeda, porque se viram diante do mesmo perigo. Somos apenas o que resta desta raça, pois tínhamos ficado para trás. Por isso nossos antepassados resolveram agir por conta própria. Mas, como sabem, nunca chegamos ao destino. Não sabemos o que aconteceu com a parte de nosso povo que iniciou a viagem antes de nós. — Sobre isso só podemos formular hipóteses — respondeu Bell. — Precisaríamos saber se isso aconteceu há mais de cinqüenta mil anos, ou bem mais tarde. Mais alguma pergunta, Mory? Mory sacudiu a cabeça. Parecia decepcionada.
— As outras perguntas tornaram-se inúteis — voltou a dirigir-se a Rhagor. — Esperava que o senhor pudesse ajudar-me a encontrar o caminho para o passado, para que pudéssemos trazer Rhodan de volta. O senhor não é culpado por não ter dado certo. — Sempre valeu alguma coisa — disse Rhagor para consolá-la. — Afinal, conseguiram afastar um perigo horrível que ameaçava sua galáxia. Os barcônidas foram transformados em bombas de bactérias vivas. Onde quer que cheguemos, espalharemos a morte. — Não desanime — pediu Bell. — Um dia será descoberto o remédio. Até lá precisará ter paciência. Rhagor sorriu com um gesto de compreensão. — Não se preocupe, amigo de Rhodan. Nunca mais tentaremos chegar à Via Láctea. Tornamo-nos culpados por causa da confiança cega que depositamos nos tefrodenses. Quem deve sofrer as conseqüências somos nós. — Que conseqüências são essas? — perguntou Bell. — Pelo menos não usaremos os geradores de impulsos para deslocar-nos em direção à Via Láctea — respondeu Rhagor. Bell respirou aliviado. — Obrigado, Rhagor. Sei que podemos confiar no senhor. Prometo que nossos cientistas farão tudo que estiver ao seu alcance para descobrir o germe causador da doença. O rosto de Rhagor parecia indeciso, mas de repente assumiu uma expressão rígida e pouco amável. — Não adianta esconder a verdade do senhor — disse. — Entre nós há excelentes médicos e biotécnicos. Foram eles que desenvolveram a técnica da hibernação. Estudaram a doença, embora não dispusessem de muito tempo. Chegaram à conclusão de que se trata de uma doença artificial, amigo de Rhodan. — De uma o quê? Não compreendo. — A doença não é provocada e transmitida por organismos vivos, mas é causada por vírus artificiais que não podem ser neutralizados. Nossos bioespecialistas usaram todos os meios. Não se pode destruir os germes artificiais. Isto é um fato com o qual o senhor terá de conformar-se. — Se é assim, como poderemos ajudá-los? — perguntou Bell, apavorado. — Os senhores não podem ajudar. Nosso destino é ficar sós até a morte. Qualquer contato com outros seres representa a morte para estes. Somos a morte personificada. — Mas deve haver uma possibilidade... — disse Bell. — A possibilidade não existe — interrompeu Rhagor em tom sério. — Mesmo que morramos, os germes causadores da doença continuam vivos. Em nosso planeta ou dentro dele. Sobrevivem em qualquer lugar, inclusive no espaço cósmico. E não precisam de nós. Compreendeu que não existe solução para nosso problema, amigo de Rhodan? Bell começava a compreender, mas era incapaz de tirar todas as conseqüências da situação. Sua inteligência recusava-se a aceitá-las. — Tenho certeza de que Perry Rhodan encontraria uma saída — disse em tom hesitante. — Ele também é apenas um ser humano — garantiu Rhagor. Bell não teve argumento contra este. De repente o telecomunicador da Deringhouse tocou. Era o Coronel Masser.
— Venha imediatamente à nave, senhor. Há instantes nossos rastreadores registraram mais de duzentos ecos. Uma frota gigantesca deve ter materializado do espaço linear — ou então saiu de um transmissor. As unidas aproximam-se de Barkon. Bell levantou de um salto. — Quanto tempo ainda temos? — Dez minutos no máximo. — Iremos imediatamente. Bell fitou Rhagor. — Não perca tempo — pediu o barcônida. — Haja o que houver, não perca as esperanças, Rhagor. Vamos encontrar uma solução. Mais tarde, quando voltarmos — disse Bell. — O senhor nunca mais voltará para junto de nós — respondeu Rhagor com um sorriso. A despedida foi apressada e o destino inexorável que atingira os barcônidas lançava sua sombra sobre ela. Bell e seus companheiros entraram no planador que estava à sua espera. O veículo decolou imediatamente e saiu em alta velocidade em direção à Deringhouse. Os quatro barcônidas permaneceram imóveis à frente do edifício gigantesco, seguindo com os olhos os homens que se afastavam. *** O ultracouraçado realizou uma manobra arriscada, contornando Barkon em vôo baixo, e depois saiu diretamente para o espaço. Desta forma o Coronel Masser conseguiu uma pequena dianteira sobre o inimigo. Talvez conseguisse mesmo enganar os tefrodenses. A corveta GD-K-7 foi deixada para trás. Não passava de um esquife de aço, no qual não havia mais nenhuma vida — além dos misteriosos germes causadores da doença. — Acho que não fomos detectados — Masser apontou para as telas. A Deringhouse encontrava-se a apenas alguns milhões de quilômetros do sol vermelho, onde estava protegida contra a ação dos rastreadores. — Voltaram a aproximar-se de Barkon. Certamente pensam que estamos lá. — Vão libertar seus amigos aprisionados e punir os barcônidas pela desobediência — conjeturou Bell. — Não podemos deixá-los entregues a estes demônios. — Demônios...? — repetiu Mory, esticando a palavra. — De fora são iguais aos homens. — Justamente por isso são demônios! Quantas inteligências não encontramos em nossas andanças pelo Universo, que tinham o aspecto de monstros, mas eram mais pacatos e bondosos que as raças humanóides? O que importa não é o aspecto ou a cor dos seres, mas o que há por dentro. Uma grande frota tefrodenses viera para defender sua bomba bacteriana planetária, mas não encontrara mais o inimigo. Só encontrara um pequeno veículo espacial, que se transformara num esquife. Mas imaginaram que o inimigo iria voltar. Os planetas fariam tudo para impedir que o planeta Barkon continuasse em sua trajetória, pois sabiam que ele representava um perigo tremendo para a Via Láctea. Os tefrodenses pousaram e esconderam suas naves nos hangares bem camuflados de Barkon. Queriam estar preparados quando os terranos voltassem. — Estão pousando — disse o Coronel Masser, que não tirava os olhos das telas. — Até parece que querem fixar-se em Barkon.
— Os barcônidas estão prevenidos — disse Bell. — Não darão mais nenhum apoio aos tefrodenses. Quantas naves são? — Cerca de duzentas. Algumas são muito grandes. — Quer dizer que são pelo menos trinta mil tefrodenses. Mory ficou parada na porta que dava para o corredor. — Quer dizer que os barcônidas não têm muito tempo — disse. Bell virou a cabeça para perguntar o que queria dizer com isso, mas Mory já tinha desaparecido. — O que foi que ela quis dizer? Os barcônidas dispõem de todo o tempo que existe no Universo, já que sua vida perdeu o objetivo. — Mas não perdeu o sentido — objetou Masser em tom pensativo. — Acho que compreendi o que Mory quis dizer. A vida dos barcônidas ainda tem um sentido. E Mory tem razão. Eles não podem perder mais tempo. — É uma raça formidável — Bell olhou para as telas, que mostravam todos os detalhes da superfície de Barkon, já que a Deringhouse se afastara um pouco do sol primitivo. — Será que são nossos antepassados? O Coronel Masser falou sem olhar para ele. — Depende. Se saíram da nebulosa de Andrômeda há mais de cinqüenta mil anos, podem ser. Infelizmente nunca saberemos. De repente o Tenente Dormer apareceu na porta que dava para a sala de rádio. — Os barcônidas, senhor... Estabeleceram contato! Bell passou correndo por Dormer. A imagem do rosto de Rhagor que aparecia na tela era pouco nítida. As interferências do sol perto do qual se encontravam eram muito fortes. — Por que não foge, amigo de Rhodan? Tratem de afastar-se do perigo antes que isto se transforme num inferno. Não precisam ajudar-nos. Saberemos enfrentar os tefrodenses. — Iremos buscar reforços, Rhagor. Voltaremos. Agüentem os tefrodenses até lá. — Não voltem — pediu Rhagor. — Seria inútil. Vocês não nos encontrariam. Bell imaginou o que iria acontecer, mas sua mente recusava-se a aceitar isso. De repente compreendeu que Mory o pressentira há muito tempo. — Mas vocês não podem...! — Podemos, sim! Não temos alternativa. Os tefrodenses estão se entrincheirando em nosso mundo. Preparam-se para recebê-los. Vocês sofreriam outras perdas. Cuidem de Perry Rhodan. Encontrem-no, pois será ele que um dia libertará nossa antiga pátria, a nebulosa de Andrômeda. Transmitam nossos cumprimentos a Perry Rhodan. Finalmente podemos resgatar nossa velha dívida de gratidão. Passem bem — e afastem-se do sol. — Do sol... Do sol primitivo? Por quê? — Dentro em breve não lhes servirá mais de proteção. Pelo contrário, representará um grande perigo para vocês. Explodirá, transformando-se numa nova. — Como? Nossos cientistas chegaram à conclusão de que sua estrutura já se estabilizou a tal ponto que uma erupção... — Seus cientistas estão enganados. Dentro de meia hora o sol deixará de existir. Não precisamos de nenhum sol. Sem ele éramos mais felizes — o rosto de Rhagor assumiu uma expressão mais amável. — Passem bem, terranos. E transmitam nossos cumprimentos a Perry Rhodan. A tela apagou-se.
Bell voltou à sala de comando. Olhou para o Coronel Masser com uma expressão de dúvida. Masser olhou para os controles. Parecia indeciso e inseguro. Mas de repente ficou livre do peso da decisão.
7 Stef Huberts viera para revezar o Coronel Masser, segundo previa a rotina. — Ficarei — disse Masser. — Cuide dos rastreadores, imediato. Preste muita atenção a súbitos choques energéticos e teores de radiações muito elevados. Avise imediatamente se notar algo de anormal. Bell não disse nada. O comando da nave não era de sua responsabilidade. Estava sentado numa poltrona estofada, ao lado de Masser, e olhava para a tela panorâmica. O soí era uma grande estrela brilhante. Bem ao lado dela via-se nitidamente o planeta na tela de ampliação. Mas a estação coletora de energia não podia ser vista a essa distância. — O que estamos esperando? — perguntou Masser. — Quero saber o que vai acontecer — respondeu Bell. O Coronel Masser fez um gesto de assentimento. Estava de acordo com o que Bell acabara de dizer. Dali a uns quinze minutos Stef Huberts chamou. — Ondas de choque, senhor! Vêm do sol e saem em direção a Barkon. O teor das radiações está crescendo. — São os raios coletores — garantiu Masser. — Os geradores de impulso foram colocados em funcionamento. Juntando sua energia à que já foi armazenada, deve ser possível deslocar o planeta Barkon. Está na hora de sairmos daqui, senhor. — Ficaremos. Acho que a cem milhões de quilômetros não correremos nenhum perigo. A General Deringhouse acelerou e voltou a ficar estacionada na posição indicada. Huberts informou que a intensidade dos choques energéticos continuava a aumentar. Todos estavam de olho na tela panorâmica. Barkon continuava no mesmo lugar. Circulava em torno do sol, na órbita previamente traçada. Mas as gigantescas máquinas instaladas na superfície do planeta entraram em funcionamento. Primeiro imperceptivelmente, mas depois cada vez mais depressa, foram arrancando o planeta da órbita e aceleraram seu movimento com uma rapidez incrível. Mesmo que os tefrodenses tivessem compreendido as intenções dos barcônidas, seria tarde para eles. Barkon saiu da órbita e deslocou-se em direção ao sol primitivo. A imagem do planeta projetada na tela era cada vez mais nítida. Cresceu rapidamente e aproximou-se numa velocidade incrível. Passou a pequena distância da Deringhouse. Barkon continuava a deslocar-se em alta velocidade em direção ao sol, acelerando sempre. Atravessou a cromosfera incandescente e desapareceu. Dali a instantes houve uma explosão. O núcleo branco do sol inchou e dilatou-se à velocidade da luz. Bell foi incapaz de fazer qualquer movimento. Profundamente abalado, assistira ao grande sacrifício dos barcônidas. O perigo da contaminação da Via Láctea fora afastado, mas isso custara a destruição de um povo. O Coronel Masser colocou a mão nos controles. — Senhor...? — perguntou em voz baixa. Bell assentiu em silêncio.
A Deringhouse acelerou e afastou-se em alta velocidade da área perigosa. Fez um ligeiro vôo e voltou ao universo normal. Uma estrela ofuscante destacava-se na escuridão do abismo intergaláctico, a duzentos meses-luz do lugar em que se encontrava a nave. Foi ficando cada vez maior e mais luminosa, quando os hiper-rastreadores ultraluz entraram em funcionamento. Neste momento entrou Mory. Logo viu a estrela. — Já passou? Eu sabia desde o início. — Eu também — respondeu Bell. — Mas não pude acreditar. Deveríamos ter tentado convencê-los a não fazerem isso. — Como? Tinha alguma outra sugestão? O senhor não conseguiria convencer os barcônidas, Bell. Nunca! Queriam destruir os tefrodenses e eliminar o perigo de contágio generalizado. Para sempre. E não havia outro meio de conseguir isso. Por que no Universo não existem mais raças iguais aos barcônidas? É porque sempre são os bons que morrem. — Os tefrodenses também morreram, e eles não são bons. Mory sentou. O Dr. Bernstein, o Dr. Jenkins e o Professor Markitch também apareceram. Tinham acompanhado a tragédia pelas telas de intercomunicação e também estavam abalados. Os cientistas até haviam esquecido suas divergências. Bernstein colocou a mão sobre o braço de Mory. — Não fique se recriminando, Mory. Coisas bem piores poderiam ter acontecido se não tivéssemos vindo para cá. — Lembrei-me de uma velha profecia, Dr. Bernstein. Rhodan falou-me a este respeito. Durante suas visitas a Barkon foi prevenido pelo imortal do planeta Peregrino. Ele lhe disse que os barcônidas eram seus amigos, mas se viessem à Via Láctea haveria um grande perigo. Nossos amigos não podem representar um perigo, pensamos na oportunidade. Hoje sabemos o que o imortal quis dizer. Ele sabia. — E não fez nada para impedi-lo! — disse Bell, furioso. — O imortal é poderoso, mas nem por isso chega a ser onipotente — respondeu Mory em tom contemporizador. — Não pode interferir na obra da criação. Só pode alertar — e às vezes fornecer uma pequena indicação. Mas não deve exercer uma influência muito grande sobre a linha geral da predestinação. — Não acredito na predestinação, Mory — disse Bell sem tirar os olhos da tela que mostrava a estrela fulgurante. — Se isso existisse, a vida perderia o sentido. Por que hei de esforçar-me para conseguir alguma coisa, se já está determinado que nunca alcançarei meu objetivo? — Acontece que o senhor não sabe! — interveio o Dr. Bernstein. — Quer a predestinação exista, quer não, o senhor não sabe o que acontecerá e por isso conseguirá empenhar-se em seus objetivos. Em minha opinião a ordem universal não seria possível, se não fosse a linha geral da predestinação. Seria o caos. Tudo tem um começo e um fim. É possível que no meio, entre as duas coisas, haja algumas variações. Mas o começo e o fim estão predeterminados e não podem ser mudados. Bell sacudiu a cabeça. — Não acredito nisso. Pelo contrário. Acredito que qualquer ato de um indivíduo, por mais insignificante que pareça, é capaz de influenciar aquilo que o senhor chama de linha geral da predestinação. Acredito no acaso. — Quer dizer que a própria existência do Universo seria um acaso? — perguntou o Dr. Bernstein com um ar de incredulidade. — Não venha me dizer que o senhor acredita nisso.
— Acredito, sim. Acontece que a palavra acaso adquiriu uma conotação negativa. Perdeu seu verdadeiro sentido. Mas se em vez de acaso falarmos em liberdade de expressão, as coisas serão bem diferentes. Naturalmente determinado ato pode ser praticado por acaso, mas este ato sempre exercerá uma influência decisiva sobre certos atos que se seguirem. Quer dizer que tal ato modifica o curso dos acontecimentos, ou a linha geral, como diz o senhor. — Se é assim, por que o imortal do planeta Peregrino, que certamente estaria em condições de evitar o sacrifício dos barcônidas, não o fez? A única coisa que teria de fazer seria impedir os tefrodenses de encontrarem Barkon. — Talvez não devesse — respondeu Bell, um tanto inseguro. — Por que não haveria de dever, se em sua opinião o acaso governa o Universo? — perguntou o Dr. Bernstein em tom apaixonado. — Vou dizer por quê. Porque em todas as coisas há uma certa ordem. Porque o acaso não existe, e nem a liberdade de decisão total. Se o imortal contrariasse esta ordem, acabaria sendo destruído. Por isso o fim dos barcônidas também era certo e inevitável. Já tinha sido estabelecido há cinqüenta mil anos. Bell fitou o Dr. Bernstein com uma expressão de perplexidade. Depois olhou para Mory, que retribuiu com um olhar que deu razão a Bernstein. — Estamos facilitando as coisas para nós — disse. Mory levantou e foi para perto dele. — Dê-se por satisfeito porque as coisas são assim, Bell. Se não fossem, o senhor seria martirizado pelo resto da vida. Ficaria se recriminando por ter causado o fim dos barcônidas. Pode acreditar que não é nada disso. O senhor foi apenas um instrumento numa evolução que começou com a formação do Universo e só terminará quando o Universo deixar de existir. Vamos, Bell! Anime-se. O senhor não tem culpa do que aconteceu. — O sol continua a crescer — disse o Coronel Masser. — Tornou-se instável. Sua estabilidade atômica foi perturbada. Dentro de pouco tempo se apagará e será mais um sol escuro a vagar pelo espaço. Será um túmulo digno para uma raça cheia de dignidade. Bell também levantou. Ele e Mory contemplaram a tela. A luz ofuscante da nova refletia-se em seus olhos. — Siga em direção ao transmissor Chumbo de Caça, Masser — disse Bell depois de uma pausa prolongada. — Ainda temos uma tarefa formidável pela frente. Se não a cumprirmos, estamos todos perdidos. Precisamos trazer Rhodan de volta. E vamos conseguir, mais cedo ou mais tarde — Bell calou-se e olhou primeiro para Mory e depois para o Dr. Bernstein. — Foi predeterminado, não foi? Não houve resposta. O Coronel Masser introduziu os dados no computador de navegação, e dali a pouco a General Deringhouse começou a deslocar-se. A nova ofuscante foi ficando rapidamente para trás e acabou desaparecendo de vez nas profundezas do cosmos, quando a nave mergulhou no espaço linear e seguiu em direção à distante nebulosa de Andrômeda. Mory deixou que o Dr. Bernstein a levasse ao camarote. — Foi uma missão bem-sucedida ou não foi? — perguntou. — Acho que foi, embora a senhora não tenha alcançado o objetivo que fixou, Mory. Qualquer caminho que leve a Rhodan começa num lugar diferente. Falta encontrar o começo do caminho. — Regressarei para Plofos, doutor. Lá precisam de mim. Aqui não sou necessária.
— Não diga isso... — Não me iludo. Tive uma idéia, doutor, mas esta não trouxe o resultado desejado. Causou a morte de uma grande raça. Isso provavelmente teria acontecido de qualquer maneira, mas apesar disso... O Dr. Bernstein segurou sua mão. — Sempre serei seu amigo sincero, Mory. — Sei disso. E fico-lhe muito grata... Os dois ficaram calados. A General Deringhouse voltou a mergulhar no espaço linear. Quando retornou bem mais tarde ao universo normal, encontrava-se perto do transmissor Chumbo de Caça. Fora o ponto de partida da expedição. Certamente era também o começo do caminho ao qual aludira o Dr. Bernstein, caminho este que acabaria levando para junto de Rhodan. Era um caminho que atravessava distâncias enormes. Também era um caminho através do tempo. E o tempo era uma coisa que os terranos ainda não dominavam.
*** ** *
O vôo para Barkon trouxe um resultado bem diferente daquele que Mory Rhodan-Abro, esposa do Administrador-Geral, esperara. Mas um novo plano para a salvação dos perdidos no tempo está tomando forma. Os astronautas e técnicos do Império Solar preparam a operação secreta Não se Esqueça de Mim — e o tender da frota Dino 3 sai numa Odisséia Através do Tempo... Odisséia Através do Tempo. É este o título do próximo volume da série Perry Rhodan.
Visite o Site Oficial Perry Rhodan: www.perry-rhodan.com.br