P-232 - A Armadilha Do Tempo - Clark Darlton

  • November 2019
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  • Words: 31,652
  • Pages: 65
(P-232)

A ARMADILHA DO TEMPO Evergra Autor

CLARK DARLTON Tradução

RICHARD PAUL NETO

Já faz seis meses que Grek-1, chefe da invasão malsucedida dos maahks, atraiu uma gigantesca frota aconense para a armadilha de Gêmeos a fim de ajustar uma conta muito antiga. Os calendários do planeta Terra registram os últimos dias do mês de dezembro do ano 2.401. A situação é calma no interior das áreas habitadas da Via Láctea, pois os acontecimentos que se passaram em Gêmeos representaram um choque para os povos astronautas — principalmente, como não poderia deixar de ser, os aconenses e arcônidas — que já foram tão poderosos, temidos e arrogantes... Os blues do setor leste da Galáxia, que continuam empenhados em suas desavenças internas, também não representam mais nenhum perigo para o Império Solar. Dessa forma Perry Rhodan pôde assumir o risco de sair da Galáxia em sua nave-capitânia para avançar até o Sistema dos Perdidos que, segundo informa Grek-1, já não está sendo vigiado pelos senhores da galáxia. Mas quando apareceu no sistema a Crest foi atacada de surpresa. Foi somente graças ao desfecho feliz da missão de reconhecimento Ural que Perry Rhodan e seus homens escaparam à morte certa. No momento os homens da Crest estão à espera de Bell que deverá trazer reforços... Bell aparece com uma frota — e Gucky cai na Armadilha do Tempo!

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Personagens Principais: = = = = = = =

Allan D. Mercant — Chefe do Serviço Secreto do Império Solar. Reginald Bell — O Marechal-de-Estado que faz uma viagem com uma armada. Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar. Tronar e Rakal Woolver — Dois parasprinters, um dos quais supera o tempo, enquanto o outro supera o grande abismo cósmico. Grek-1 — Prisioneiro do ambiente em que vive. Beukla — Comandante dos mutantes maahks. Gucky — O rato-castor que acaba se transformando num matador que age em toda parte ao mesmo tempo. Hope Schwag — Um admirador secreto de Gucky.

1 O homem com a coroa de cabelos ralos olhava com uma expressão sombria para o calendário automático pendurado na parede. Ficou com os olhos semicerrados e sacudiu a cabeça, muito triste. — Que Natal! — disse em tom firme. Estava sentado numa poltrona, atrás de um enorme console de comunicação. Havia telas de imagem nas paredes. Uma janela enorme abria para um porto espacial que se estendia até o horizonte. Estava repleto de espaçonaves. — O senhor não acha, Bell? Reginald Bell, que caminhava nervosamente de um lado para outro, parou abruptamente. Lançou um olhar zangado para a pessoa que acabara de lhe dirigir a palavra. — Excepcionalmente concordo com o senhor, Mercant. Mas isto não deve deixá-lo contente. É verdade que contrariei as ordens de Rhodan, mas tenho certeza de que agi no seu interesse. Não é motivo para que o coração de um funcionário, cônscio dos seus deveres, seja acometido de um enfarte. Aliás, hoje é o primeiro feriado de Natal. Amanhã, que é o segundo feriado, estará na hora de agir. — Não me sinto muito à vontade — confessou, a contragosto, o Marechal Solar Allan D. Mercant, chefe do Serviço Secreto da Terra e do Império Solar. — Faz uma semana que não temos notícias de Rhodan ou da Crest. O que será que aconteceu? — Não demoraremos a saber — prometeu Bell. — Amanhã partirei com minha frota de guerra. No dia 18 de dezembro do ano de 2.401, ao partir com a Crest em direção à nebulosa de Andrômeda, Rhodan dera ordem a seu substituto Reginald Bell para segui-lo com três naves, depois de oito dias, caso não tivesse notícias dele. Bell, que no fundo era um homem cauteloso e desconfiado, começara a preparar no primeiro dia sua frota de resgate. Mas em sua opinião esta não seria formada por três, mas por trezentas naves. Pediu às tripulações da frota espacial estacionadas em Kahalo que se apresentassem voluntariamente para uma missão arriscada, e teve a agradável surpresa de ver que todos se apresentaram. Ninguém queria ficar atrás quando se tratava de tirar Perry Rhodan e seus amigos de uma possível dificuldade. Ninguém imaginava em que tipo de aventura iriam se envolver. Nem mesmo Bell. — Trezentas e vinte naves em vez de três — resmungou Mercant em tom de recriminação. — Não quero estar presente quando o senhor tiver de explicar isso ao Chefe. — Nem precisa estar — disse Bell em tom tranqüilizador. — Além disso, são trezentas e vinte e uma naves, Mercant. O senhor se esqueceu da nave-hospital. Havia mais uma pessoa na sala. Era uma mulher. Uma mulher bonita, de aspecto orgulhoso, com cabelos ruivos. Até então se mantivera calada. Mas neste momento levantou a cabeça, lançou um olhar desconfiado para Bell e perguntou: — O senhor não parece muito otimista, Reginald, não é mesmo? Bell chegou perto dela e colocou a mão sobre seu ombro. Seu rosto exprimia respeito e confiança. — Pelo contrário, minha cara Mory. Meu pessimismo é um pessimismo pragmático. Quem se prepara para o pior nunca pode ter uma surpresa desagradável.

Um sorriso ligeiro apareceu no rosto de Mory Rhodan-Abro, esposa de Rhodan. — Neste caso o senhor não terá nada a objetar se eu lhe disser que quero acompanhá-lo. Afinal é meu dever, como esposa do Administrador... — Se eu lhe disser o que eu acho dos deveres da mulher, a senhora pega a colher de pau e me expulsa da cozinha — Bell teve o cuidado de recuar um metro. — É claro que a senhora vai ficar em Kahalo, minha cara. Aqui estará em boas mãos. Mercant cuidará da senhora; sei que ele gosta disso. — Hum — fez Mercant. Mory fitou Bell com uma expressão furiosa. — Seu nojento! — constatou. — Nada feito — disse Bell. — Recebi minhas ordens. A senhora pode dar-se por satisfeita porque eu a trouxe a Kahalo. Mas até aqui e nenhum passo mais, como diz o ditado. Partirei amanhã, isto se até lá não recebermos nenhuma notícia. Os cálculos de Natã devem chegar a qualquer momento. Não posso partir sem eles. Mory levantou-se. — É sua última palavra, Bell? — É minha última palavra e é uma decisão irrevogável. Sinto muito, Mory. Perry me repreenderia bastante se eu a levasse. — Está bem, pobre cumpridor de ordens — Mory deu uma risada e estendeu as mãos para Bell, que as segurou. — Desejo-lhe boa sorte, Reginald. Traga Perry e seus homens sãos e salvos. Bell levou-a até a porta. Quando voltou para perto de Mercant, já não parecia tão confiante. — Tomara que ela não tenha percebido como nos sentimos. — Acho que não — Mercant sorriu. — O senhor sabe representar muito bem. Além disso, da falta de notícias, não se pode concluir muita coisa. Isto já aconteceu mais de uma vez. Sempre houve uma explicação. — Desta vez as coisas são diferentes. Levaram os gêmeos, os sprinters. Se estivesse tudo em ordem, um deles poderia ter vindo para cá num hiperimpulso para deixar-nos informados. Como não veio ninguém, deve haver algo de errado. Isto é mais do que claro. Partirei amanhã. Foi à janela e olhou para fora. Havia uma frota pousada no porto espacial. Eram cem supercouraçados pesados do mesmo tipo da Crest. Tratava-se de naves esféricas com um quilômetro e meio de diâmetro. As mesmas preenchiam completamente o campo de visão, até a linha do horizonte. Formavam a espinha dorsal da frota de guerra e representavam uma força bélica forte e irresistível, que dificilmente teria igual. Os duzentos cruzadores ligeiros também formavam um contingente nada desprezível. Seu diâmetro era de apenas cem metros, mas os mesmos estavam equipados com canhões conversores, motivo por que seriam capazes de num ataque concentrado destruir qualquer inimigo que se pudesse imaginar. Além disso, vinte naves fragmentárias dos pos-bis acompanhariam a expedição. Tratava-se de gigantescas unidades em forma de cubo, carregadas com suprimentos e peças sobressalentes de todos os tipos. Finalmente havia uma nave-hospital. — Em que está pensando? — perguntou Mercant que se encontrava atrás de Bell. Bell virou a cabeça. — Estou pensando que é uma tolice enorme querermos avançar justamente para Andrômeda. Até parece que não temos o que fazer na nossa Galáxia. Sei perfeitamente o

que vai dizer. Precisamos tomar a iniciativa, para antecipar-nos à ameaça vinda de Andrômeda. Isto não deixa de ser verdade, mas é uma loucura. As estações do transmissor já existiam quando nós ainda andávamos trepados nas árvores. Naquela época não nos incomodavam, mas hoje incomodam. Isto é de deixar qualquer um desesperado. — Para o macaco até hoje é indiferente que alguém invente o ferro de passar ou a bomba atômica. Só se interessa pelas bananas que vai comer. Bell acenou com a cabeça. — É uma comparação inteligente, Mercant. Mas não estou para brincadeiras. Estou é preocupado. Se dependesse de minha vontade, partiria hoje... — Nem pense nisso! O prazo será observado, nem que eu tenha de prendê-lo até lá, Bell. — Está bem, Mercant. Só disse por dizer. Quando chegará a nave-correio da Terra? — Hoje. — Tomara. Ficaram calados. Não havia mais muita coisa para dizer. Tinham falado bastante. O tempo trabalhava contra eles. Ninguém sabia o que estava acontecendo nos segundos que deixavam de ser aproveitados. Bell foi à porta. — Estou preocupado com Mory. Poderia fazer o favor de avisar assim que chegar a nave-correio? — Está bem. Bell ficou satisfeito quando se viu no corredor. Tinha de fazer um esforço enorme para manter uma calma aparente. Em seu interior rugia a tempestade da dúvida e da incerteza. Era o sétimo dia depois da partida de Rhodan, e ainda estavam sem notícias. O maahk chamado de Grek-1 devia ser um traidor, pois fora ele que convencera Rhodan a realizar esta missão. Devia saber que a morte espreitava os terranos no espaço situado entre a Via Láctea e Andrômeda. Uma estação de transmissor esquecida pelos senhores da galáxia... Que coisa ridícula! Como Rhodan poderia deixar-se enganar por uma mentira tão grosseira? O Sistema dos Perdidos — era um nome muito apropriado para a estação. Para Grek-1 os perdidos deviam ser os terranos, não um grupo de maahks. Bell sacudiu os punhos e saiu andando para consolar Mory. Precisava de consolo tanto quanto ela. *** A nave-correio chegou quatro horas antes do momento fixado para a partida. Trouxe as últimas informações fornecidas pelo centro de computação impotrônica chamado de Natã, instalado na Lua terrana. A informação mais importante era o cálculo das fases de comando do transmissor solar, controlado a partir de Kahalo. Como se sabia, o comando de bloqueio fora acionado. Com isso seria evitada uma nova invasão vinda da direção da nebulosa de Andrômeda, pois qualquer objeto que chegasse perto das pirâmides de Kahalo, vindo pelo transmissor solar, seria irradiado automaticamente de volta ao respectivo transmissor. Mas para tornar possível o regresso das próprias naves, Natã fora incumbido de fazer o cálculo das fases de comando. Em cada período de vinte e quatro horas o bloqueio era levantado cinco vezes, por dez segundos de cada vez. Dificilmente um inimigo conseguiria materializar sobre as

pirâmides de Kahalo num espaço de tempo tão reduzido, que além do mais era mantido em segredo. Bell viu à sua frente o esquema de comando, válido para os três meses seguintes. O receptor de Kahalo ficaria na transmissão um total de cinqüenta segundos por dia. Nem um segundo a mais ou a menos. As listas estritamente confidenciais foram entregues aos comandantes das diversas frotas para que, se necessário, pudessem encontrar o caminho de volta para a Via Láctea sem necessidade de consultas. Os cálculos restantes do cérebro positrônico diziam respeito a Grek-1. Face aos dados disponíveis, Natã concluíra sem margem de erro que o maahk não cometera nenhuma traição proposital. Devia ter acontecido alguma coisa que nem mesmo Grek-1 poderia ter previsto. Uma pane, um desastre, ou quem sabe até uma catástrofe. Bell estava arriscando muito, pois não abandonara seu plano, em que arriscaria tudo. Se o Sistema dos Perdidos, como continuava a ser chamado, realmente era uma armadilha mortal infalível, ele e suas mais de trezentas espaçonaves estariam perdidas tal qual Rhodan e a Crest. Se bem que trezentas naves certamente teriam maiores chances que três. Natã também calculara e confirmara este ponto. Ao saber disso, Bell respirou aliviado. Apresentou os relatórios a Mercant e olhou para o relógio. — Falta uma hora para oito dias. Partirei sem um minuto de diferença. Espero que não tenha mais nenhuma objeção. Mercant levantou os olhos dos documentos que se encontravam à sua frente. — Nenhuma, salvo o fato de que não tenho muita habilidade em acalmar as mulheres. Em toda minha carreira... — Mory não criará problemas — garantiu Bell com um sorriso. — Já se convenceu de que seu lugar é em Kahalo. Mas vejo pelo seu rosto que quanto à sua pessoa o senhor não parece tão convencido. Gostaria muito de ir conosco, não é mesmo? — Hum — resmungou Mercant. — Não tenho muita certeza. — Está bem. Torça por nós — Bell voltou a olhar para o relógio. — Faltam vinte e cinco minutos. Vou despedir-me de Mory, e poderemos sair. Mantenha-se em forma, Mercant. — O senhor também — exclamou o chefe do Serviço Secreto. Dali a trinta minutos Bell encontrava-se no campo de pouso. Mory acompanhou-o até a rampa, onde o veículo do porto espacial estava à sua espera. Bell apertou-lhe a mão. Estava radiante, dando a impressão de que iria partir para uma viagem de férias. Além de tudo ainda fez uma mesura muito elegante, que certamente teria provocado lágrimas no rato-castor Gucky. — Transmitirei lembranças suas a Perry, Mory — prometeu. — Dentro de poucos dias estaremos todos de volta. Não tenha a menor dúvida. — Boa sorte — respondeu Mory. Pela primeira vez sua voz parecia insegura. — Tenho uma sensação estranha... — Era só o que faltava! Sensações! — Bell sacudiu a cabeça e saiu andando. Depois de dez metros virou a cabeça. — Não confie em sentimentos! — exclamou e prosseguiu. O veículo já estava à sua espera. Entrou e saiu andando. Acenou com a mão para Mory. A figura da mesma, que se reduzira a um ponto entre os dois edifícios e as gigantescas naves de guerra, logo desapareceu. Bell manteve-se num silêncio obstinado, pensando. Finalmente podia deixar cair a máscara e dar ao seu rosto a expressão correspondente ao seu estado de ânimo. Sentia-se preocupado e tomado de dúvidas. A missão não seria tão fácil como ele quisera dar a

entender. Poderia ser um salto para a morte, pois ninguém sabia o que estaria a sua espera na estação receptora do transmissor. Rhodan, que já fizera o salto, não tinha voltado. O veículo parou. Bell cumprimentou o oficial com um gesto e desceu. Foi atingido pelo raio de tração, que o levou à escotilha da nave-capitânia de cuja sala de comando dirigiria as operações. Os preparativos tinham sido concluídos. Em todas as naves havia robôs posbis, que entrariam em ação se isso se tornasse necessário e a tripulação não acordasse em tempo do sono profundo. Este sono era provocado por uma narcose, que constituía uma medida de proteção indispensável nas transições a distâncias tão grandes. Mas como Bell esperava problemas no ponto de rematerialização, tomara medidas de segurança adicionais. Os robôs entrariam em ação automaticamente no momento da materialização, pouco importando o que acontecesse ou deixasse de acontecer no ponto de chegada. O Coronel George Brenner tinha sido informado das medidas de proteção. Cumprimentou Bell com todo o respeito e olhou para o relógio. — Segundo o plano decolaríamos daqui a cinco minutos, senhor...! — E vamos decolar mesmo — respondeu Bell em tom alegre e confiante, irradiando novamente um forte otimismo. — Nada mudou, e nada vai mudar, a não ser que a Crest apareça nos próximos cinco minutos sobre as pirâmides, com Rhodan a bordo, o que é impossível, já que a próxima fase de abertura só se verificará dentro de duas horas. O Coronel Brenner continuou com o rosto muito sério. — Quer dizer que vamos decolar. Dentro de exatamente três minutos todos os tripulantes aplicarão a injeção em si mesmos. Vou transmitir a confirmação definitiva. — Até logo mais — disse Bell e dirigiu-se a um sofá que ficava no canto ao lado da mesa de navegação. Deitou e tirou a seringa automática do bolso. Cada tripulante das trezentas e vinte e uma naves possuía uma seringa automática desse tipo, que seria aplicada um minuto antes da decolagem. Com exceção do comandante. Este tinha de esperar mais sessenta segundos. Exatamente no momento previsto as gigantescas naves desprenderam-se do solo e reuniram-se bem acima do campo de pouso, para preparar a manobra de entrada no transmissor. As naves entraram em formação cerrada e o Coronel Brenner deu a ordem decisiva. As unidades da frota entraram no campo de desmaterialização do transmissor com o piloto automático ligado. Os comandantes, que continuavam sentados em suas poltronas, aplicaram a injeção em si mesmos. Imediatamente mergulharam num sono profundo. As trezentas e vinte e uma naves desmaterializaram, foram irradiadas em direção ao hexágono de sóis sob a forma de impulsos hipervelozes, para de lá serem conduzidas imediatamente para o grande abismo que separa a Via Láctea da nebulosa de Andrômeda. A frota movimentava-se além do espaço e do tempo, através de um meio condutor que não tinha nome, porque ninguém sabia em que consistia, com uma tripulação inconsciente a bordo. No meio em que as naves se locomoviam o tempo deixava de ser um fluxo uniforme, mas, para continuarmos com a mesma comparação, estava transformado numa gigantesca queda de água pela qual a pessoa se precipita numa questão de segundos, vencendo um desnível no qual o fluxo normal da água gastaria meses ou até semanas. Como todas as comparações, a que acabamos de dar tem seu ponto fraco, pois na realidade a altura da queda de água era gigantesca a ponto de

representar uma distância de novecentos e cinqüenta mil anos-luz. Mas apesar disso a queda não demorava mais de um segundo. Era bem natural que durante a queda a pessoa perdesse os sentidos, a não ser que tivesse renunciado antecipadamente à vivência consciente do acontecimento. Bell não se sentiu muito feliz quando, durante o planejamento da operação, se lembrou dos minutos durante os quais os homens permaneceriam inconscientes. Ninguém sabia qual era a duração exata de uma transição desse tipo. Podia durar uma fração de segundo ou alguns minutos. Não se podia confiar nos relógios, pois o tempo pregava suas peças quando provocado. Se nessas condições não se podia confiar muito nos seres humanos, concluiu Bell, devemos depositar nossa confiança em mecanismos positrônicos que funcionam com toda precisão. Seria inútil efetuar neles uma regulagem com base no tempo. Será que esta podia ser feita com base num estímulo acústico? Dificilmente. No espaço não havia fenômenos acústicos. Mas havia luz. Luz! Uma única vez seres humanos se tinham afastado tanto da Via Láctea antes de Perry Rhodan e Bell. Foram agentes dos terranos. E os mesmos haviam trazido informações sobre as condições reinantes no grande abismo. Bell introduziu nos dispositivos positrônicos de comando a impressão luminosa que receberiam quando materializassem no lugar previsto, bem ao oeste da Via Láctea, um pouco mais próximos de Andrômeda, que ficaria ao leste. Assim que esta impressão luminosa fosse projetada nas telas da sala de comando, os dispositivos positrônicos iniciariam automaticamente a manobra de fuga. O primeiro ato de Bell seria a fuga. *** As trezentas e vinte e uma espaçonaves rematerializaram. O centro de computação positrônica entrou em funcionamento imediatamente, segundo a programação, já que a impressão luminosa produzida pelas duas galáxias conferia. Em todas as naves os propulsores foram ligados automaticamente. Entraram com a velocidade máxima numa rota perpendicular ao plano de rotação das galáxias. As naves logo entraram em vôo linear, ultrapassando a velocidade da luz. Cem vezes a velocidade da luz. Espaço linear. O centro de computação positrônica esperou que a frota percorresse exatamente cinqüenta anos-luz e desligou o sistema de propulsão em todas as naves, pondo em funcionamento o sistema de desaceleração absoluta. Dentro de dez minutos as unidades se imobilizaram no espaço, em relação à Galáxia de origem. E ficaram à espera. *** Não permaneceram assim por muito tempo. A primeira coisa que Bell fez ao acordar foi olhar para as telas da Columbus, que era a nave-capitânia da frota empenhada na missão. Ficou deitado, quieto, enquanto absorvia com certa veneração o quadro que se oferecia a seus olhos. Sabia que poucos olhos humanos tinham visto o que ele estava vendo naquele momento. As telas ofereceram um quadro abrangente. Tinha-se a impressão de olhar diretamente para o Universo, sem nada que separasse a gente do mesmo. Via-se uma galáxia na tela que ficava mais à esquerda. Seus braços em espiral avançavam pelo

espaço vazio, formando a sede de sóis isolados e o ponto de partida de sistemas que tinham migrado e vagavam na escuridão eterna, depois de se terem desprendido do centro de gravitação da respectiva galáxia. No centro da galáxia as estrelas ficavam tão próximas uma da outra que formavam uma única superfície luminosa. A galáxia que ficava do lado direito era maior que a outra. Sua forma tinha certa semelhança com a da Via Láctea, mas apresentava um ligeiro deslocamento lateral e antes parecia uma gigantesca lentilha. Os braços em espiral não eram reconhecidos como tais. Havia duas manchas luminosas menores à frente da nebulosa de Andrômeda, que mal apareciam na margem da tela. Deviam ser as nebulosas de Andro-Alfa e Andro-Beta, cujo diâmetro era de seis a sete mil anos-luz. Bell ergueu-se no sofá e olhou para a poltrona do piloto. O Coronel Brenner estava voltando à realidade. O oficial-navegador já tinha acordado e estava ligando o intercomunicador. Os diversos postos foram chamando um após o outro. Todos se sentiam bem. Brenner pediu que as outras naves dessem informações e Bell levantou e dirigiu-se à sala de rádio. Mas antes disso ficou parado um instante à frente da tela, para observar melhor o quadro. Já conhecia as duas galáxias. As outras telas estavam escuras. Não se via mais nenhuma estrela. Com exceção da tela central, em cujo centro aparecia uma mancha vermelha chamejante. Como os dois sóis gigantes ficavam a cinqüenta anos-luz, tinha-se a impressão de que eram um único sol. O diâmetro de cada um deles era de cerca de doze milhões de quilômetros. Como a distância entre estes sóis era de apenas cinco milhões de quilômetros, eles se fundiriam num único a algumas horas-luz de distância. Em tempos antigos havia um planeta que gravitava em torno dos dois sóis, mas o mesmo fora destruído numa guerra, transformando-se num anel de asteróides que continuava a descrever sua órbita em torno dos dois sóis, a uma distância de cinqüenta milhões de quilômetros. Tratava-se de dezenas de milhares de blocos de pedra de formato irregular, uns maiores, outros menores. Os nove blocos maiores eram do tamanho da Lua terrana. Eram formados de partes da superfície e outros fragmentos do antigo planeta gigante, que fora destruído pelos senhores da galáxia há cerca de mil anos. Os dois sóis gigantes forneciam a energia necessária ao funcionamento de uma estação do transmissor. Era a estação em que acabara de materializar a Crest e também a frota de Bell. Bell empertigou-se e continuou andando. Enquanto o Coronel Brenner recebia as informações das diversas unidades da frota, Bell deu ordem para que o rádio-operador de plantão mantivesse preparado o hipertransmissor. Seria arriscado transmitir uma mensagem de hiper-rádio nessa parte do Universo. Seria como ligar uma sereia de alarme antiaéreo no centro de uma grande cidade, na esperança de que ninguém a ouvisse. Mas Bell sabia o que estava fazendo. Antes de aproximar-se dos sóis vermelhos, precisava saber o que tinha acontecido por lá. Se Rhodan não respondesse, tomaria suas precauções. O rádio-operador transmitiu a mensagem destinada a Rhodan e ligou o aparelho na recepção. Ninguém sabia quanto tempo demoraria até que chegasse a resposta. Se é que a mesma iria chegar. — Estarei na sala de comando — disse Bell ao rádio-operador. — Se o receptor der o sinal de chamada, avise imediatamente.

— Transmitirei a ligação ao senhor. Bell cumprimentou o jovem tenente com um gesto e voltou à sala de comando. O Coronel Brenner olhou para ele assim que entrou. — Tudo em ordem, senhor. As tripulações acordaram sem exceção. A frota permanece imóvel no espaço. As distâncias da nossa Galáxia e de Andrômeda... — ...são as que esperávamos, não é verdade? Estamos praticamente pendurados no grande abismo, entre as galáxias um pouco mais perto da nebulosa de Andrômeda. Uma bela situação. Sempre desejava isso — acenou com a cabeça na direção das telas dos rastreadores. — Algum sinal de matéria por perto? — Nada num raio de um ano-luz, senhor. É o vácuo absoluto. Até mesmo as moléculas gasosas geralmente encontradas estão ausentes. Os aparelhos só registram a presença de alguns campos energéticos. — Estes são encontrados em toda parte no espaço intergaláctico. São condições semelhantes às das estrelas fixas, que também estão ligadas por campos gravitacionais. A estrutura do Universo obedece às mesmas leis em toda parte. Estas leis nunca perdem a validade. Se estiver interessado em saber... O Coronel Brenner não teve tempo em manifestar seu interesse. O intercomunicador emitiu o sinal de chamado. — Centro de hiper-rádio, senhor. A resposta da nave-capitânia Crest... Bell esqueceu tudo quanto era campo energético situado entre os planetas, os sóis e as galáxias. Saiu correndo da sala de comando e chegou no momento exato para ver o rosto radiante de Rhodan aparecer na hipertela. O contato visual com a Crest acabara de ser estabelecido. Bell viu pela expressão do rosto de Rhodan que sua imagem estava sendo recebida na Crest. Graças a Deus... — Graças a Deus! — foi a primeira coisa que conseguiu dizer. — Que houve? Por que não deram notícias? Onde se meteram...? — Vamos por partes, se não se importa — interrompeu Rhodan com um sorriso. — Posso garantir que, se tivesse sido possível, teríamos entrado em contato com vocês. infelizmente não foi. Nossa posição fica na mesma direção de vocês, mas a apenas um ano-luz do sistema Chumbo de Caça. A Crest... — De onde? — perguntou Bell, surpreso. — Do sistema Chumbo de Caça? — Isso mesmo. Foi o nome que lhe demos. Infelizmente o sistema não estava tão perdido como Grek-1 tinha dito. Não é nada do que você está pensando, meu velho. Quando fomos atacados, Grek-1 ficou tão surpreso quanto nós. Mas deixemos isto para depois. Sugiro que antes de mais nada executemos a manobra do reencontro. Farei com que o Coronel Rudo lhes dê as coordenadas. Bem que precisamos de reforços. E de reparos. O aspecto da Crest não é muito bom. As peças sobressalentes que temos em estoque não são suficientes, Bell... — Será que uma nave-oficina dos pos-bis seria suficiente? — perguntou Bell, que começou a desconfiar de que a repreensão que levaria por ter agido fora da sua competência não seria tão grande assim. — Por acaso trouxe uma. O sorriso desapareceu do rosto de Rhodan, que olhou fixamente para Bell. — Ah, é...? Por acaso? — o sorriso voltou, desta vez com uma ponta de ironia. — Por acaso também trouxe mais que as três naves que estavam previstas? De qualquer maneira Rhodan ficaria sabendo. E era preferível que soubesse enquanto se encontrava a quarenta e nove anos-luz de distância. — Trouxe mais algumas — disse Bell, cabisbaixo.

— Quantas? — Sabe, Perry, eu não sabia o que poderia ter acontecido, e você mesmo acaba de dizer que a Crest foi atacada... — Quantas são, Bell? — Não são muitas. — Quero uma resposta precisa. Um número! Quantas são? Bell respirou profundamente e fitou os olhos de Rhodan. — Trezentas e vinte e uma, Perry. Rhodan fitou-o com uma expressão de perplexidade e também respirou profundamente. — O quê? — São apenas trezentas e dezoito a mais do que tínhamos combinado — argumentou Bell. — Inclusive a nave-oficina dos pos-bis e uma nave-hospital. — Era exatamente o que precisávamos... — Ah! — exclamou Bell em tom de triunfo. — Ora veja! E você falou num ataque... — Desisto — respondeu Rhodan. — Lá vão as coordenadas! Tratem de vir logo para cá. Já perdemos muito tempo. Mande o setor de navegação entrar na ligação. Até logo mais, Bell. Bell sentiu-se incrivelmente aliviado ao voltar à sala de comando. Apesar da amizade íntima que mantinha com Rhodan, não se sentira muito à vontade. Afinal, desrespeitara uma ordem. E com seu procedimento arbitrário poderia ter colocado em perigo uma frota inteira. Mas ao que parecia tivera sorte. Ninguém o acusaria pelo que tinha feito. Pelo contrário. Todos reconheceriam que fora previdente. O Coronel Brenner recebeu as coordenadas e transmitiu-as aos comandantes das outras unidades. Dali a dez horas as naves aceleraram e entraram no espaço linear. A frota desenvolvia milhares de vezes a velocidade da luz, enquanto se aproximava do local combinado. Quando as unidades retomaram ao universo einsteiniano, as telas instaladas nas salas de comando mostraram uma nave da classe Império destroçada. Havia rombos enormes em vários lugares, que tinham sido reparados de forma precária. Alguns dos jatos-propulsores haviam sido arrancados dos suportes. A nave não tinha muita semelhança com um supercouraçado capaz de entrar em ação. Tratava-se da Crest, que era a nave-capitânia de Perry Rhodan. Bell transferiu-se para a Crest e fez uma ronda em companhia de Rhodan. Ficou apavorado ao ver a extensão das avarias. Centenas de robôs mecânicos teriam de trabalhado pelo menos vinte e quatro horas para consertar os piores estragos. No estado em que se encontrava a Crest não poderia entrar em combate, embora fosse capaz de atingir velocidade suficientemente elevada para entrar no espaço linear. Os dois foram à sala dos oficiais e acomodaram-se em confortáveis poltronas, depois que tinham dado as necessárias ordens ao Coronel Rudo. Os reparos foram iniciados imediatamente. As outras naves formaram um cinturão compacto em torno da Crest e algumas unidades assumiram posições avançadas. Não queriam correr o risco de serem surpreendidos pelas naves dos maahks mutantes, que habitavam o anel de asteróides do sistema que, segundo se dizia, estava abandonado.

— Já está na hora de você me dar algumas explicações — disse Bell, depois de cumprimentar os oficiais e mutantes que se encontravam presentes. — Que mutantes maahks são estes? Rhodan fez um sinal para Atlan. — Ninguém melhor para contar que você, Atlan. Diga em poucas palavras o que aconteceu. O arcônida acenou com a cabeça e sentou ao lado de Bell. — Há cerca de mil anos os senhores da galáxia enviaram uma expedição punitiva para cá, que destruiu o único planeta dos dois sóis gigantes. Ele se arrebentou e seus fragmentos passaram a formar o anel de asteróides. Alguns fragmentos eram suficientemente grandes para sustentar a vida. Os descendentes dos que sobreviveram à terrível catástrofe vivem no interior dos mesmos, depois de terem sofrido um processo de mutação. Estão cheios de ódio contra qualquer intruso. Atacaram sem aviso e por pouco não conseguiram destruir a Crest. Não dispõem de couraçados de grande porte. Só dispõem de um tipo de espaçonave, mas em compensação têm um número enorme das mesmas. São naves negras, de cem metros de comprimento e vinte e cinco de espessura. Têm certa semelhança com granadas. Disparam projéteis à velocidade da luz, e os mesmos levam cargas atômicas. Com o tempo estes projéteis acabam provocando o colapso até mesmo dos campos defensivos da Crest. Foi exatamente o que aconteceu. Pouco antes do nosso fim, que parecia inevitável, a armada do inimigo se afastou para salvar um dos mundos subterrâneos, cuja atmosfera estava escapando para o espaço — Atlan fitou Bell. — Bem, é só. — Convém dizer ainda — observou Rhodan — que o centro de comando do transmissor fica no quinto dos grandes planetóides do sistema. Don Redhorse tentou pousar no mesmo, pois queríamos ajustar o transmissor solar para a Galáxia. Não conseguimos. Existe um campo defensivo verde que impede qualquer aproximação. Mas com trezentas naves haveremos de conseguir. A propósito: Demos a este planetóide o nome de Califa de Bagdá. Tomara que ele não nos prepare mil milagres — Rhodan sorriu. — A não ser que se trate de milagres que possam ajudar-nos. — Califa. Que nome estranho para um astro — disse Bell e levantou os olhos quando a porta se abriu. Gucky, o rato-castor, foi entrando. Usava um uniforme leve apropriado para as horas de folga e abriu-se num sorriso largo ao ver Bell. — Ora veja! Nosso salvador. Um pouco de trabalho não lhe fará mal, gorducho. Quem fica na retaguarda, deixando que a poeira dos arquivos lhe entre pelo nariz, acaba criando gorduras excedentes — foi para perto de Bell e deu-lhe a mão. — Seja bemvindo ao sistema Chumbo de Caça, que é o nome com que foi batizado. Já vai se tornando difícil encontrar nomes aceitáveis. Você não acha? — Caso esteja interessado em minha opinião, você também engordou, baixinho — disse Bell depois de contemplar demoradamente o amigo. — Trago lembranças para você. De Iltu. Ela está passando bem. — Por que não deveria passar? Mandou mais algum recado? Bell fitou-o espantado. — Não. Por quê? — Por nada. Acho que já deve estar na hora... Rhodan pigarreou. — Você quer dizer que já está na hora de vocês terem um filho? Já estamos ficando cheios de suas insinuações. Está na hora de você falar claro. Iltu está em Marte. Quando chegar o dia você terá férias. Naturalmente. Mas enquanto você teimar em ficar quieto,

não temos motivo para levá-lo a Marte. Faz anos que você fala nos filhos que espera que Iltu lhe dê. Já há quem diga que isso não passa de um blefe. Acham que você só quer se fazer de importante... Para surpresa geral dos presentes, Gucky não perdeu a calma. — É mesmo? Tanto faz. Perry, quando Iltu me enviar a notícia que estou esperando, farei questão de que você cumpra o que acaba de prometer. Precisarei pelo menos de dois ou três meses de férias. Depende das circunstâncias. Além disso, precisarei de uma nave de alta velocidade. Ninguém sabe onde encontrarei meu filho. Rhodan ergueu as sobrancelhas. Os outros fitaram Gucky com uma expressão de dúvida e perplexidade. Bell abriu-se num sorriso largo. — Onde você o encontrará? — Perguntou em tom calmo. — Provavelmente no lugar em que estiver Iltu. Gucky sacudiu a cabeça. — Infelizmente nem mesmo Iltu sabe — confessou. — Vocês sabem pouco a esse respeito, e nunca falei sobre isso. Só quero adiantar que nossa raça, que é a dos ilts, amou tanto seu mundo chamado de Vagabundo, que o conhecimento disso se transmite por herança. Antigamente... mas ainda é cedo para especular sobre isso. Tenham um pouco de paciência. Quando chegar o tempo, todos ficaremos sabendo alguma coisa que ainda não sabemos. Rhodan acenou com a cabeça e não fez mais nenhuma pergunta. Sabia que Gucky falaria quando achasse que devia. E no momento estava preocupado com outras coisas. Esperou que Gucky sentasse e dirigiu-se a Bell. — Ainda bem que dispomos de um contingente forte da frota. Com isto meus planos mudam. Atacaremos o centro de controle instalado no planetóide Califa e rechaçaremos as naves maahks que quiserem fechar nosso caminho. Grek-1 disse certas coisas que me dão o que pensar. Talvez tivesse razão ao manifestar a opinião de que os mutantes maahks nos confundem com alguém. Neste caso talvez nem fossem nossos inimigos, mas nossos aliados. — Não compreendo — confessou Bell. — Várias pessoas me disseram que o tal do Grek-1 é um sujeito bacana. Continua sendo prisioneiro? — Só é prisioneiro de seu metabolismo — disse Rhodan — Para ele nossa atmosfera é um veneno. Por isso fica quase sempre em sua cabine especial. Instalamos uma parede de vidro na mesma, para podermos comunicar-nos melhor. Além disso, há uma máquina tradutora. Qualquer pessoa pode vê-lo e conversar com ele. — É o que vou fazer daqui a pouco — informou Bell. Naquele momento nem desconfiava das conseqüências que isso teria. *** Quatro homens e Gucky, o rato-castor, estavam reunidos no camarote de Rhodan. O único meio de distinguir os gêmeos Tronar e Rakal Woolver eram as iniciais coladas em seus uniformes. Eram mutantes. Pertenciam à classe dos chamados sprinters. Eram capazes de desmaterializar junto a qualquer fonte de energia e usar os impulsos da mesma para transportar-se à velocidade que estes desenvolviam. Além disso, podiam retirar a energia de um fluxo, em qualquer ponto, para introduzir-se no mesmo e rematerializar junto à respectiva fonte de energia. Tronar e Rakal já tinham viajado vários anos luz com os impulsos das ondas de hiper-rádio, sem gastar um minuto que fosse.

O terceiro homem era o Capitão Don Redhorse. Tinha uns trinta anos, sua altura era de quase dois metros e apresentava cabelos lisos preto-azulados. Parecia um tipo impetuoso — e realmente era. Seus antepassados tinham sido índios pertencentes à tribo dos cheienes. Redhorse não era mutante. Era um ser humano igual a qualquer outro, sem poderes sobrenaturais. Em compensação era um homem destemido. Por isso era o chefe dos comandos de desembarque e costumava ser designado para as missões mais arriscadas. O quarto homem do grupo era Rhodan. — Ainda é cedo para fazermos planos — disse com um sorriso. — A Crest está sendo reparada, e devemos esperar um ataque. Quando chegarmos a Califa, teremos duas tarefas pela frente. O campo defensivo verde tem de ser desativado. Gucky já tem experiência neste tipo de coisa. Usaremos bombas gravitacionais para abrir uma brecha, e Gucky saltará através da mesma juntamente com os gêmeos. Depois disso não será difícil localizar o gerador que alimenta o campo defensivo e destruí-lo. Logo após o senhor entrará em ação, Redhorse. Descerá em Califa numa nave-girino com cinqüenta tripulantes, para verificar se ainda existem armadilhas defensivas. Só darei ordem para que a Crest e as outras unidades pousem quando tiver certeza que Califa já não oferece nenhum perigo. — Entendido — disse Redhorse. Um brilho arrojado surgiu em seus olhos. — Os maahks terão uma surpresa. — Eles não têm nada com as armadilhas. Pelo menos hoje em dia não têm mais. Preste atenção, capitão. Os senhores também, Rakal e Tronar. Quero dar uma explicação detalhada de como imagino que será desenvolvida a operação... Enquanto isso, Bell se dirigia ao lugar em que estava o prisioneiro Grek-1. Grek-1 era um maahk. Mas não tinha sofrido nenhuma mutação. Era o oficial mais competente dos seres que respiravam hidrogênio e tinha comandado a invasão fracassada da Via Láctea. Era o único sobrevivente da frota. Gucky o aprisionara e ainda quebrava a cabeça para descobrir por que isso fora tão fácil. Com Grek-1 as coisas não eram muito diferentes. Também não compreendia por que simpatizava tanto com os terranos, e principalmente com a pequena criatura que conseguira enganá-lo. Enquanto Bell falava com ele, Grek refletia sobre isso. Estava de pé em sua cabine especial, separada do resto da nave somente por uma parede transparente. As névoas esverdeadas da atmosfera de metano em que vivia agitavam-se em torno dele. Sua figura enorme parecia uma rocha batida pelas ondas. A gigantesca cabeça em forma de foice encontrava-se a menos de cinqüenta centímetros de Bell. — Aprecio sua coragem e fidalguia — disse Grek. A tradutora transformou os sons imediatamente em palavras compreensíveis. — Mas não é só por isto que começo a gostar dos terranos, embora se pareçam bastante com os arcônidas. Isto acontece principalmente graças ao pequeno ser peludo conhecido como Gucky. Não sei por que é assim. Vivo pensando nisso. Ainda vou descobrir. Mas tenho certeza de uma coisa. Tudo isto tem alguma ligação com o Sistema dos Perdidos, ao qual vocês deram o nome de sistema Chumbo de Caça. Sei que isto pode parecer estranho mas Gucky deve ter feito uma coisa que prejudicou bastante os senhores da galáxia. Os senhores da galáxia eram a raça misteriosa e desconhecida, que tinha construído uma rota entre as galáxias. Esta raça já viajava há vários milênios de uma estrela a outra e dominava a nebulosa de Andrômeda. Era uma raça sem igual.

E Gucky teria prejudicado essa raça? — Acho que o senhor está enganado, Grek-1. Gucky pode ser muito velho, mas não bastante velho para já ter tido contato com os senhores da galáxia. Quando teria sido isso? — Um dia ainda haverei de me lembrar. Existe uma ligação com o sistema de sóis gêmeos em que nos encontramos. Com a expedição punitiva realizada há cerca de mil anos terranos... — Há mil anos...? — Bell fitou Grek-1 com uma expressão de espanto. Gucky fazia muito mistério em torno de sua idade. Mas não era possível que tivesse mil anos. Se tivesse, certamente não deixaria de mencionar o fato de já ter estado nesse sistema, se realmente tivesse estado. Há mil anos! — Impossível! O senhor só pode estar enganado. — Não estou, não. Aos poucos as recordações vêm emergindo do oceano do esquecimento. A descrição confere. Um metro de altura, a forma das orelhas e do corpo, a cauda larga e grossa. E o dente roedor inconfundível. Talvez tenha sido um dos seus antepassados. Pode ser que não fosse ele que há mil anos quase provocou o fracasso da expedição punitiva dos senhores da galáxia. Bell sacudiu a cabeça. — Insisto, Grek-1. O senhor só pode estar enganado. Os antepassados de Gucky nunca saíram de seu planeta, chamado de Vagabundo, antes que chegássemos lá. E isto faz menos de quatrocentos e cinqüenta anos. Garanto que a algo de errado com suas recordações. — Pelo contrário. Elas se tornam mais nítidas a cada minuto que passa — objetou Grek-1 em tom decidido. — Esse seu Gucky desempenhou um papel importante na história de nosso povo e na dos chamados senhores. É o anjo de guarda dos maahks, ao menos de algumas tribos dos mesmos. A descrição confere, mas até hoje ninguém encontrou um matador simultâneo em toda parte vivo. Seria esta mais ou menos a tradução da designação que nosso povo lhe deu. Não compreendo por que só me lembrei disto agora. — Pode haver muitos motivos que determinam uma redução da memória. Os acontecimentos, um ambiente estranho, um choque... — O senhor tem razão. Mas posso garantir uma coisa. Não estou enganado. Andei quebrando a cabeça durante muito tempo para descobrir por que dedico minha simpatia não somente aos terranos, mas também a essa pequena criatura. Mais especialmente a ela. “Era só o que faltava”, pensou Bell, assustado. “Se Gucky souber disso, ele vai enlouquecer de vez. O herói nacional de várias tribos maahks... Não há quem agüente uma coisa dessas. Acabará dizendo que é o conquistador da nebulosa de Andrômeda, isto se um dia chegarmos lá.” — Agradeço pelas informações, que são muito interessantes — apressou-se Bell em dizer. — Já falou com alguém sobre isso? — Só com o senhor. Já disse que só me lembrei agora. — Nesse caso quero pedir que por enquanto guarde silêncio sobre o assunto. Tenho certeza de que está enganado. Se as informações que acaba de prestar se espalhassem, isso só criaria confusão. Se quiser ser útil aos terranos, não mencione isso para ninguém. Nosso amigo Gucky costuma ser bastante sensível. — Se quiser, ficarei calado. Afinal, isto não é tão importante. Interessa em primeira linha aos meus sentimentos. — Obrigado, Grek.

Bell saiu caminhando pelos corredores da Crest, absorto em pensamentos, que giravam exclusivamente em torno do que acabara de ouvir. Cometeu o erro de pensar nas informações que escutara. Afinal, Gucky era telepata. Bell quase tropeçou sobre ele, pois o rato-castor materializou bem à frente de seus pés. — Pense isso de novo! — pediu Gucky. — Sou um quê de quem? — Você sempre tem de ficar escutando? — perguntou Bell indignado. — Será que não se pode pensar numa coisa sem que você ande rastejando no cérebro da gente? — Em você não há muito lugar para rastejar — respondeu Gucky em tom ambíguo. — Vamos logo. O que houve? Bell suspirou. — Não é segredo, pois tenho certeza de que é apenas um engano. Há muito tempo deve ter havido alguém parecido com você. Houve uma confusão. A não ser que você queira afirmar que já tem mil anos. Gucky fitou Bell com a expressão de quem vê um louco à sua frente e apontou para o elevador antigravitacional. — Vamos conversar calmamente sobre isso. Pode ser no meu camarote? Ocupo o mesmo sozinho. Bell sabia que não tinha alternativa. Acenou com a cabeça e acompanhou Gucky, que preferiu não teleportar para ter tempo de refletir. Quando chegaram ao camarote do rato-castor, Bell contou o que acabara de saber. Gucky ouviu-o em silêncio. Compreendia ainda menos que Bell, pois sabia melhor que ninguém que nunca estivera nesse lugar, muito menos mil anos atrás. — Que bobagem! — constatou depois de algum tempo. — Você não quis me contar porque tinha medo de que eu sofresse um acesso de megalomania? Você ainda não me conhece. E digo mais. Não acredito numa palavra dessa história. É tudo mentira. Ou então Grek-1 está sofrendo um lapso de memória. — Acho que não devemos falar sobre isto — disse Bell — Senão todo mundo ficará rindo de nós. Ou pelo menos de você. — Isto mesmo. Pelo menos de mim — disse Gucky com um suspiro. — De qualquer maneira, achei estranho que fosse tão fácil prender Grek. Foi um caso de simpatia à primeira vista. Bell levantou e foi andando em direção à porta. — Preciso cuidar dos reparos da nave. Até logo mais. — Até logo mais. Gucky olhou para a porta fechada. — Todo boato tem seu fundo de verdade — disse em tom convicto. — Quem garante que meu avô ou outro antepassado não tenha lutado com os senhores da galáxia? Encolheu-se na cama e logo adormeceu.

2 A Crest já estava em condições de entrar em ação. Trezentas e vinte e uma espaçonaves estavam estacionadas a um ano-luz dos dois sóis gigantes e começavam a preparar-se para o vôo de aproximação. Talvez este vôo se transformasse num ataque. As mensagens de rádio expedidas pelas outras unidades eram recebidas na sala de comando da Crest. Os cálculos de rota tinham sido concluídos. A frota começou a movimentar-se. Uma mancha vermelha aparecia nas telas que mostravam o ponto de destino. Eram os dois sóis gigantes. A mancha irradiava uma luz calma e uniforme, como se quisesse apontar o caminho à frota. Dali a meia hora a frota saiu do espaço linear. Já se podia fazer a separação ótica dos dois sóis. A distância entre os mesmos não ultrapassava a metade do diâmetro. Era uma visão extraordinária. A gente esperava que os dois sóis se unissem a qualquer momento, e talvez acabassem mesmo por fazê-lo, se entre eles não tivesse sido construído o transmissor. Parecia ser ele que lhes conferia estabilidade. A Crest saiu à frente, enquanto as outras naves a seguiram em formação de combate. As telas mostravam centenas de pontinhos luminosos, que emitiam um brilho vermelho muito fraco. — São os asteróides — disse Rhodan ao notar o olhar curioso de Bell. — Devem ser centenas de milhares, talvez até milhões. Só existem nove que são bastante grandes para sustentar a vida. O único que nos interessa é o Califa. É onde foi construído o centro de comando do transmissor. Aliás, o bando de vespas deve aparecer a qualquer momento. — Por que não tentamos entrar em contato com eles? — Não adianta, Bell. Nem reagem às nossas mensagens. Devem ter tido experiências desagradáveis com seres desconhecidos. — Quem poderia ter aparecido aqui antes de nós? — Os senhores da galáxia já estiveram aqui — lembrou Rhodan. — Foi o que Grek-1 contou. — Justamente por isso devemos fazer tudo para estabelecer contato com eles. Tenho certeza de que dessa forma evitaríamos as perdas de uma guerra inútil. Grek-1 deu a entender uma coisa parecida. — Você tem razão — confessou Rhodan. — Mas depende exclusivamente de nós encontrar um ponto de partida para as negociações. Os maahks nos puseram em fogo e por pouco não nos destruíram. Se propusermos negociações a esta altura, estaremos agindo como derrotados. Gostaria que os signos fossem invertidos. Por isso só estarei interessado em negociações depois que tivermos tido mais um confronto com os maahks. — Compreendo. Atlan, que não tirava os olhos das telas, disse: — Estão chegando. Parece que são aos milhares, e tenho a impressão de que não se importam nem um pouco de estarmos voltando com reforços. Defendem seu cinturão de fragmentos planetários como se fosse a própria vida. — Talvez seja mesmo — disse Rhodan em tom pensativo.

Vinham de todas as direções que nem pequenas granadas pretas. Dirigiam-se ao alvo com uma admirável determinação e disparavam com todos os canhões para romper os campos defensivos das naves terranas. Mas desta vez a Crest não estava só. As primeiras gigabombas explodiram no meio dos grupos negros, abrindo clareiras devastadoras nos mesmos. A luta pelo fragmento de um planeta acabara de ter início. *** O Comandante Beukla era um verdadeiro gigante. Tinha pelo menos dois metros de altura e outro tanto de largura. A cabeça em forma de foice geralmente encontrada nos maahks sofrera um processo de mutação e fora separada em duas partes iguais. As mesmas ficavam em posição ligeiramente inclinada e podiam fazer alguns movimentos. Cada parte da cabeça possuía dois olhos. A pele de Beukla era verde e escamosa. Esperara muito tempo por esse momento. Ninguém sabia qual fora o crime dos antepassados que atraíra sobre eles a cólera dos senhores da galáxia. Vigiavam o transmissor. De repente aparecera uma frota a mando dos senhores, e destruíra o planeta gigante. Os maahks que sobreviveram à catástrofe foram arremessados para o espaço com os fragmentos. Só uns poucos conseguiram abrigar-se nas profundezas dos planetas menores resultantes da fragmentação e continuar vivos. Estes poucos sofreram um processo de mutação. E multiplicaram-se. Beukla descendia dos vigias do transmissor, que tinham sido traídos de forma tão vergonhosa por seus chefes. Beukla jurara vingança contra os senhores da galáxia. E era este o dia em que iria cumprir o juramento. — Eles receberam reforços, comandante. — Tanto melhor. Saberemos lidar com eles. Brelax, você não acha também que a forma de suas naves mudou? Antigamente não eram esféricas. Brelax, que era o imediato do grupo de combate das vespas, baixou a cabeça de foice. — Você tem razão, Beukla. Acontece que muito tempo se passou desde que os senhores atacaram nossos antepassados. Construíram outras naves e criaram tipos novos. Enquanto isso entre nós tudo continua como sempre foi. Receio que não seja fácil destruí-los. — Quero causar-lhes prejuízos. Só isto. Sei que não conseguiremos derrotar os senhores. Principalmente depois que vêm com tamanha superioridade de forças. Mas ficar satisfeito se conseguirmos destruir o maior número possível de suas naves. Abaixe a rota, Brelax. Atacaremos de baixo. Primeiro a nave de comando. É do mesmo tipo da nave que enxotamos e que infelizmente fugiu. Mas não deve ter ido longe. Deve estar em algum ponto do infinito, à espera do momento em que alguém a encontre. Mas deve ter sido ela que alarmou toda essa frota. É uma pena. Ficaram sabendo que sobrevivemos à catástrofe. As vespas atacaram. Cada nave escolhia livremente o inimigo e tentava infligir-lhe os maiores danos possíveis antes de ser atingida e destruída pelas armas desconhecidas. Beukla viu os efeitos devastadores das armas dos estranhos. Desde o primeiro instante não teve dúvida sobre o resultado da luta, mas preferiria morrer a dar a ordem de retirada. Naturalmente conhecia as conseqüências de sua ação inútil, que visava não

apenas à vingança, mas também à autoconservação. Precisava dar o bom exemplo às outras unidades. Pelo que tinha visto, a luta seria uma verdadeira ação suicida. A face inferior da Crest apareceu na tela. — Dificilmente esperarão um ataque vindo deste lado — conjeturou Brelax, mais para tranqüilizar a si mesmo que ao comandante. — Talvez consigamos romper seu campo defensivo. Beukla acenou com a cabeça. É claro que não conseguiram. O campo defensivo da Crest agüentou. Estava acostumado a coisas mais fortes que as vespas. É bem verdade que os instrumentos de controle da respectiva divisão registraram uma pequena perda de energia, mas nas circunstâncias a mesma era perfeitamente normal. Até mesmo o simples impacto de um pequeno meteorito acarretaria uma perda de energia para o campo defensivo. Brelax teve uma idéia. — Se atacarmos com várias naves ao mesmo tempo, talvez consigamos romper o campo defensivo. Todos os canhões deverão atirar simultaneamente. Beukla pôs-se a refletir por um instante sobre a sugestão. — Vamos tentar — disse depois de algum tempo e mandou que o rádio-operador chamasse dez vespas e fizesse uma ligação com os respectivos comandantes. Queria dar pessoalmente suas instruções. Depois pegou os controles da nave e fez a mesma descrever uma curva ampla, para afastá-la da Crest. A batalha continuava com a mesma fúria. As vespas atacavam obstinadamente as naves terranas que gozavam de grande superioridade, mas não conseguiram derrubar uma única delas. Aconteceu exatamente o contrário. As bombas atômicas dos terranos explodiram no meio dos grupos, atingindo várias naves atacantes ao mesmo tempo. As naves saíam à deriva em verdadeiros bandos, transformando-se numa parcela do gigantesco anel de destroços que circulava em torno dos dois sóis. Beukla já tinha dado suas instruções. Onze vespas entraram em formação cerrada para lançar um ataque concentrado à nave-capitânia dos terranos. Aproximaram-se em velocidade alucinante e abriram fogo sobre um único ponto do campo defensivo. As energias que atingiram o campo foram desviadas, sem que o mesmo fosse afetado. Sua potência era muito maior do que Beukla supusera. Mas o maahk não desanimou. Chamou os outros comandantes pelo rádio e disse: — Prossigam na mesma direção e continuem a disparar. Se mantivermos a mesma formação, colidiremos todos ao mesmo tempo com o campo defensivo do inimigo. Fatalmente surgirá uma brecha e por ela poderemos aproximar-nos da nave. Era um plano simples e genial ao mesmo tempo. Sem dúvida teria sido bemsucedido, se o posto de vigilância do campo defensivo não tivesse notado a súbita perda de energia. Além disso, as defesas automáticas da Crest entraram em ação. De repente um fogo mortífero atingiu Beukla e suas dez naves, antes que as mesmas colidissem com o campo defensivo. Brelax sentiu um terrível golpe e um deslocamento de peso. Foi atirado para fora do assento e caiu ao chão. Os impulsos visuais projetados nas telas apagaram-se. Beukla prosseguiu às cegas, mas sabia que seu ataque se frustrara. Levou mais alguns segundos para descobrir outra coisa. O sistema de propulsão de sua nave deixara de funcionar, e a mesma estava à deriva. Foi passando em velocidade relativamente reduzida junto à Crest e entrou numa procissão de destroços vindos de outras naves-vespa.

Beukla escorregou para fora do assento. Constatou que a tripulação não respondia aos chamados pelo intercomunicador. Houvera uma explosão na sala de máquinas e os ocupantes da mesma tinham morrido. Beukla estava são e salvo como que por milagre. Correu o mais depressa que pode para o pequeno observatório que ficava na parte superior da nave. Tratava-se de uma cúpula de material transparente. Como as telas de imagem não estavam funcionando, a mesma representava a única possibilidade de observar o que se passava fora da nave. A nave de Beukla fora atingida frontalmente pelo tiro energético da Crest e sua velocidade sofrera uma forte redução. Além disso, fora arrancada para fora da órbita. A batalha espacial continuava a ser travada com a mesma fúria. As naves-vespa precipitavam-se ininterruptamente sobre o inimigo que se encontrava em situação de superioridade, tentando descobrir uma brecha nas defesas do mesmo. Beukla teve de reconhecer que não valia a pena. Sua frota acabaria sendo destruída. Foi-se afastando lentamente da Crest, na direção dos dois sóis. Demoraria alguns dias ou até semanas até que os destroços se aproximassem o suficiente para caírem numa das duas bolas de fogo — ou desaparecerem no transmissor situado entre as mesmas. Beukla não passaria por isso. Antes disso matar-se-ia juntamente com os três sobreviventes. Estava a ponto de voltar ao interior da nave, quando aconteceu uma coisa medonha... *** Gucky percebeu a mensagem mental de Rhodan e teleportou imediatamente para a sala de comando da Crest. Atlan e Bell estavam de pé ao lado de Rhodan, que acompanhava atentamente pelas telas de imagem os acontecimentos que se desenrolavam do lado de fora. — Só podem estar loucos — disse Bell. — Não têm a menor chance, mas não desistem. — Bem que eu gostaria de conhecer seus motivos — disse Rhodan e virou a cabeça. Fez sinal para que Gucky se aproximasse. — Precisamos de um prisioneiro, baixinho. Gucky sorriu. — Parece que estou sendo treinado para transformar-me num pega-maahks — constatou. — Primeiro foi Grek-1, e agora vocês até querem que eu traga um mutante — fez um gesto pensativo, coçando a nuca. — Tem uma idéia de como devo fazer isso? Rhodan apontou com a cabeça na direção das telas. — Está vendo essas naves destroçadas? Acho que em seu interior existem sobreviventes com os quais se poderia povoar um planeta de tamanho médio. Teleporte e se possível, procure prender um oficial. Se necessário deixe-o inconsciente, mas de qualquer maneira traga-o para dentro da Crest. Leve os gêmeos. — Até parece que preciso de mais alguém para fazer isso... — Não é por causa disso. Tronar e Rakal tentarão inutilizar os canhões que ainda possam estar intactos. Quero que nossa equipe científica examine uma das naves-vespa. Escolha uma que pareça mais ou menos inteira. — É pra já — disse Gucky e teleportou para o camarote dos gêmeos para informálos sobre o desejo de Rhodan. Depois disse: — Tronar, acho que vamos partir da cúpula. Por lá a visão é melhor. Poderemos escolher calmamente uma das naves. Venham. Vou levá-los comigo. Assim será mais rápido.

Dali a alguns segundos os três mutantes encontravam-se na grande cúpulaobservatório da Crest, onde a visão estava desimpedida para todos os lados. Não era uma vista bonita. A guerra nunca é uma vista bonita. As pequenas espaçonaves negras estavam em toda parte, entrando em forma para o ataque, apenas para ser repelidas pelos lampejos energéticos das naves terranas. Muitas vezes via-se uma explosão ofuscante arrebentando um dos pequenos atacantes. Mas será que na verdade os atacantes não eram os terranos? — Quando vai acabar isso? — perguntou Gucky, se bem que as palavras não soaram como uma pergunta. Pareciam antes uma constatação. — Onde quer que apareçamos, mesmo que seja em outra galáxia, é sempre isso aí! — apontou com a cabeça um fragmento de nave consumido pelas chamas, que passou rente aos campos defensivos da Crest. — Guerra! Por que as raças inteligentes não têm coisa melhor a fazer senão destruir-se umas às outras? Usam a primeira centelha de inteligência para construir uma arma, e nunca mais param, até atingirem o ponto culminante de sua civilização. O último feito brilhante é a autodestruição — Gucky fechou os punhos pequeninos. Às vezes chego a pensar que deveria ter ficado em meu mundo, tão quieto e pacato, e que nunca tivesse visto um terrano. Tronar colocou a mão em seu ombro e começou a falar em tom calmo. — Nesse caso hoje em dia não existiria mais um único ilt, Gucky. Você se esqueceu? Seu mundo foi atacado e destruído por seres desconhecidos vindos do espaço. Só uns poucos indivíduos de sua raça escaparam à destruição. Gucky acenou com a cabeça. Tinha-se a impressão de que o fazia a contragosto. — Já sei, Tronar. Você tem razão. Desculpe. Não sei o que deu em mim. São sempre as guerras, a morte e a destruição! Vivo me perguntando: Por quê? Isso não poderia ser evitado? No Universo não há lugar para todos? — O problema é que o Universo é grande demais, Gucky. Ninguém conhece ninguém e todos desconfiam de todos. Por aqui somos estranhos, mas não temos nada contra os maahks que sofreram a mutação. Seus inimigos são nossos inimigos, mas o que poderemos fazer para levá-los a acreditar nisso? A propósito. Isto me traz à lembrança a missão que devemos desempenhar. Você vê alguma nave destroçada em cujo interior possa haver sobreviventes? Antes que Gucky pudesse responder, Beukla desfechou seu ataque. Veio do lado oposto e as pessoas que se encontravam na cúpula não puderam observá-lo. Mas viram as pontas dos raios energéticos e os destroços das naves-vespa turbilhonando no espaço. Também viram a nave de Beukla. — Ali — exclamou Rakal. — Uma nave à deriva. Está girando e não acelera mais. Talvez ainda haja alguém vivo por lá. Gucky acenou com a cabeça, mas não disse nada. Observava todos os movimentos da pequena nave. Teve que dar razão a Rakal. O sistema de propulsão da nave-vespa estava avariado, ou então a tripulação tinha morrido. — Vamos saltar? — perguntou Tronar. — Saltarei sozinho — disse Gucky depois de algum tempo — Seria muito perigoso levá-los. Quando materializar, terei de estar imediatamente em condições de entrar em ação. Vocês compreendem, não compreendem...? Tronar e Rakal compreenderam, mas tiveram suas dúvidas. — Não se esqueça do desespero com que os maahks lançam seus ataques — disse Tronar. — Lutam como quem não tem nada a perder. Dificilmente alguém conseguirá pegá-los de surpresa, inclusive você. Talvez fosse bom que alguém lhe desse cobertura.

— Não existe cobertura melhor que a liberdade absoluta de movimentos — afirmou Gucky. — Se tiver de cuidar de vocês, isso será um estorvo. Vocês podem adaptar-se aos impulsos que eu transmitir e seguir depois de algum tempo. Digamos dentro de cinco minutos. Rakal acenou com a cabeça. — Está certo. Cinco minutos. Nem um segundo a mais. A nave-vespa avariada continuava a vagar no espaço. Devia encontrar-se a uns cinco quilômetros de distância, mas não havia nada no espaço que impedisse a visão. A nave tinha ficado menor, mas nem por isso se tornara menos nítida. Gucky concentrou-se no salto de teleportação. Sabia que para os dois sprinters não seria nenhum problema localizar os impulsos transmitidos por seu rádio-capacete e usar os mesmos como meio de transporte. — Sugiro — disse Rakal de repente, sem o menor abalo — que você feche seu capacete antes de saltar, Gucky. Gucky descontraiu-se e esboçou o sorriso. — Por pouco não salto com o capacete aberto. É uma questão de hábito. Os maahks respiram hidrogênio. Eu não me teria dado muito bem. E vocês? Os gêmeos usavam trajes espaciais leves. O recipiente de ar estava preso ao cinto do uniforme. A reserva bastava para muitas horas. Quando fecharam os capacetes, o rádio ligou-se automaticamente. — Até daqui a pouco — disse Gucky e voltou a concentrar-se. Quando materializou de novo, encontrava-se à frente de Beukla. O ser gigantesco não fez menção de atacar ou até matar o rato-castor que repentinamente surgira do nada. Parecia pregado ao chão e nenhuma de suas quatro mãos fazia qualquer movimento. As escamas verdes que cobria sua pele brilhavam à luz da nebulosa de Andrômeda não muito distante. Os raios do sol vermelho davam um estranho tom violeta ao verde das escamas. Gucky lamentou não ter trazido uma tradutora, mas mesmo sem falar poderia transmitir suas intenções. Afinal, era capaz de ler os pensamentos do maahk. Gucky esticou as patas vazias, para mostrar que não estava armado. Se bem que trazia a arma energética presa ao cinto. Para qualquer eventualidade. Beukla pensava. *** — Um teleportador... Só pode ser um teleportador! Os senhores da galáxia estão usando os povos auxiliares... O impulso mental foi interrompido de repente. Mas logo voltou a surgir. “É a mesma raça... Não pode haver nenhuma dúvida! Metade do meu tamanho... um teleportador... isto mesmo! É o matador simultâneo em toda parte!” Era perfeitamente compreensível que Gucky praticamente ignorasse o primeiro impulso mental e se concentrasse no segundo. Então era isso mesmo! O maahk o reconhecera imediatamente. Era um matador simultâneo em toda parte, fosse lá o que fosse isso. Um herói! Uma figura lendária ressuscitada! Gucky estufou ainda mais o peito e quase morreu sufocado porque suas costelas comprimiram os tubos de ar. Voltou imediatamente à posição normal.

— Está espantado, gorducho? — piou, na esperança de que o maahk percebesse pelo tom de sua voz quem era a personalidade que tinha à sua frente. — Vou levá-lo para perto de Rhodan. Lá conversaremos. O gigantesco mutante maahk fitou Gucky com quatro olhos ao mesmo tempo, o que o obrigou a girar as cabeças em forma de foice. Não era uma posição muito confortável, mas afinal não era todos os dias que a gente via uma figura lendária vinda de um passado remoto. “É ele mesmo! Tudo sairá bem! Vamos ganhar a guerra, pois desta vez não está chegando tarde. Os senhores da galáxia...” — Você vive pensando bobagens, cabeça de foice — disse Gucky, interrompendo os pensamentos do outro. Não compreendia muito bem o que se passava na cabeça de Beukla. Havia certa ordem nos pensamentos, mas a mesma era bastante confusa. Tinha certeza de que não se tratava de pensamentos hostis à sua pessoa. “E olhe que estamos destruindo a frota deles”, pensou Gucky espantado. “Sou seu inimigo, mas ele nem pensa em atacar-me. Posso parecer uma figura lendária, mas nem por isso há motivo para...” Não teve oportunidade para prosseguir no raciocínio. Tronar e Rakal tinham recebido os impulsos transmitidos para eles e os aproveitaram para ir à mesma nave destroçada em que Gucky se encontrava. Materializaram do nada e de repente apareceram um de cada lado do rato-castor. Beukla recuou assustado e contemplou os gêmeos. Tronar e Rakal eram naturais do planeta Imart, pertencente ao sistema de Gator, que ficava a cerca de vinte mil anos-luz da Terra. Eram indivíduos adaptados a um novo ambiente. Como o teor de oxigênio da atmosfera de Imart correspondia a apenas metade do da Terra, o volume de seus pulmões era o dobro do dos terranos. O tórax era grande e abaulado para a frente. Sua capacidade principal, que não tinha igual, era o transporte pelas ondas, a introdução nos impulsos energéticos que os carregavam. Não eram teleportadores. Quando não encontravam ondas de energia, fracassavam. Gucky não tirou os olhos de Beukla quando lhes dirigiu a palavra. — Cuidarei dele. Vou levá-lo à Crest. Providenciem para que os sobreviventes não nos causem problemas quando recolhermos estes destroços. Tronar e Rakal acenaram com a cabeça e retiraram-se da cúpula-observatório. Beukla voltou a pensar... “...seres estranhos... uma certa semelhança... devem ser povos auxiliares... mas a julgar pelas aparências são amigos de nosso amigo... é estranho...” Gucky não sabia o que fazer com estes impulsos mentais. Naquele momento nem imaginava que uma aventura fantástica daria a resposta a todas as perguntas, perguntas estas que ele nem era capaz de formular. — Não adianta ficarmos parados — disse, dirigindo-se a Beukla, na esperança de que o maahk soubesse ao menos interpretar o tom de sua voz. — Vou levá-lo para perto de Rhodan. Será uma teleportação. Não se preocupe. Você não sentirá nada... ora, por que estou falando? Você não entende mesmo nada, cabeça de foice — avançou alguns centímetros na direção do gigante, pois o contato físico era indispensável para levar alguém numa teleportação. — Me dê uma de suas quatro mãozinhas... isso mesmo. Calma, devagar. O que está pensando? Que se trata de uma cerimônia de cumprimento? É uma coisa parecida, beleza. Logo estaremos lá... Beukla permaneceu imóvel. Os sentimentos e pensamentos mais desconexos queriam tomar conta dele. Não havia nenhuma prova de que as intenções da pequena

criatura que se encontrava à sua frente fossem pacíficas, salvo os relatórios quase esquecidos sobre a expedição punitiva dos senhores da galáxia. Era bem verdade que suas atitudes não pareciam nada belicosas. O matador simultâneo em toda parte aproximava-se ainda mais, estendia a mãozinha para ele... Beukla não conseguiu fazer nenhum movimento. Ficou parado, à espera do que estivesse para acontecer. De repente os contornos se apagaram diante de seus olhos, as coisas tornaram-se negras, perderam a existência. O próprio Beukla deixou de existir em forma de matéria. Transformou-se num feixe de energia que se desenvolvia numa dimensão superior. Este feixe atravessou as paredes da nave e também, instantaneamente, o vácuo, para rematerializar no ponto de destino. Quando Beukla voltou a enxergar, o ambiente estava completamente modificado. Encontrava-se numa gigantesca sala de comando, que quase poderia acolher sua nave. As paredes estavam cobertas de telas de imagem, painéis de controle e instrumentos. Havia poltronas à frente dos mesmos, e nelas estavam sentados seres de duas pernas. Alguns deles levantaram-se e chegaram perto dele e de seu acompanhante. Estavam todos armados, mas não seguravam as brilhantes pistolas energéticas nas mãos. Beukla não conseguiu decifrar a expressão dos rostos. Um dos desconhecidos colocou uma caixinha sobre a mesa e pôs-se a mexer na mesma. Quando começou a falar, Beukla entendeu tudo. A caixinha era uma máquina tradutora. — Seja bem-vindo a bordo da Crest — disse o desconhecido e apontou para uma poltrona maior que as outras. — Faça o favor de sentar. Queremos conversar com o senhor para ver se não podemos celebrar a paz. Beukla sentou. O matador simultâneo em toda parte soltou sua mão. — Estou pronto — disse depois de algum tempo e ouviu suas palavras serem traduzidas e transmitidas imediatamente em outra língua. Sabia que não era a língua dos seres que esperara encontrar nesta nave. Um estranho pressentimento apoderou-se dele, de mistura com uma sensação de medo e alívio. Medo principalmente porque começava a compreender o terrível erro que ele e seus companheiros de raça tinham cometido. — Estou pronto — repetiu. Perry Rhodan estabeleceu o contato, enquanto a divisão de resgate cuidou do recolhimento dos destroços da nave de Beukla, que foi trazida para dentro de um dos hangares da Crest por meio de um raio de tração.

3 — Meu nome é Perry Rhodan. Sou terrano. Viemos da galáxia que o senhor vê nessa tela. É a primeira vez que nossa raça e a dos senhores se encontram. Por isso gostaria de perguntar por que nos atacaram antes de saber quais eram nossas intenções. Beukla fez como se não tivesse ouvido a pergunta. — Quer dizer que não são um povo auxiliar dos senhores da galáxia? — disse. — É claro que não. Por quê? Beukla fitou Rhodan. — Bem que eu deveria ter imaginado. Cometemos um erro. Pensamos que os senhores fossem os seres que destruíram nosso planeta há muito tempo. Faz trinta gerações ou mais que não recebemos visitas do cosmos. Os senhores são os primeiros desconhecidos que vêm para cá. Só podíamos pensar que fossem inimigos. — Quer dizer que foi um engano? — Rhodan recostou-se na poltrona e olhou fixamente para Beukla. Com um ligeiro olhar para Gucky certificou-se de que o maahk estava dizendo a verdade. — Um erro sempre pode ser reparado. — Estou pronto a tirar as conseqüências do erro. — Acho que deveria começar logo. Dê ordem para que sua frota se retire. É só o que exigimos. Para nós os senhores não são um povo derrotado, mas continuam a ser os senhores deste setor. — Que condições estranhas e generosas! — observou Beukla, lançando um olhar ligeiro para Gucky. — É seu amigo? — É um dos melhores amigos que tenho — confirmou Rhodan. — Por quê? — Deixemos isso para mais tarde. Posso usar seu rádio? — Pode usar o seu, Beukla. Não é este seu nome? — Como soube? — Meu amigo é telepata. — Compreendo. Usar meu rádio? Não compreendo. Levaram Beukla ao hangar onde os técnicos já estavam examinando as naves apresadas. Os três maahks sobreviventes tinham sido levados à enfermaria. Os mortos foram levados a um recinto da nave destroçada. Mais tarde seriam entregues aos mutantes. Beukla usou o rádio, que continuava intacto, para entrar em contato com seus comandantes. Deu ordem para que se retirassem às bases. Não foi fácil estabelecer contato com todos, pois a maior parte das unidades da frota de naves-vespa estava fugindo. Já tinham reconhecido que sua ação era inútil e procuravam colocar-se em segurança. Ficaram aliviados ao notar que não estavam sendo perseguidos. Quando ouviram a voz de seu comandante supremo, reuniram-se e voltaram às suas bases planetárias. Com isso a guerra entre os terranos e os mutantes maahks do sistema Chumbo de Caça praticamente estava no fim. Desta vez só houvera perdas do lado dos maahks. *** Mais tarde Beukla contou alguma coisa sobre a história de seu povo e falou sobre o assunto que interessava principalmente a Gucky.

— Os senhores da galáxia enviaram uma expedição punitiva para destruir-nos. Conseguiram fazer explodir o planeta do sistema, mas antes disso sofreram perdas graves. Estas não foram causadas por nosso povo, que não estava preparado para a guerra, mas por um ser desconhecido que apareceu de repente, vindo do nada, e passou a ajudar-nos na luta. É ao menos o que diz a lenda. Nunca vimos os ocupantes da nave desconhecida, salvo essa pequena criatura peluda que tem tanta semelhança com seu amigo. Era teleportador, mas possuía outras faculdades que beiravam ao miraculoso. Ele nos ajudou bastante, destruindo grande número de senhores. Foi nosso amigo. Embora sua atuação não pudesse salvar-nos, transformou-se no símbolo de nossa liberdade. Desapareceu com sua nave tão misteriosamente como tinha aparecido. Gucky estava sentado numa poltrona, deleitando-se com a admiração dos presentes, Bell contemplou-o como se fosse um milagre. Atlan parecia pensativo. Rhodan não parecia acreditar na história. — Temos um prisioneiro, Beukla. É um maahk. Ele também aludiu ao matador simultâneo em toda parte. Quer dizer que a lenda que corre no seu sistema também deve ser conhecida fora do mesmo. É estranho. Mas sou capaz de jurar que a raça dos ilts, à qual pertence Gucky nunca saiu do planeta Vagabundo, antes que nós aparecêssemos — de repente teve uma terrível suspeita. Resolve manifestá-la. — Talvez exista outro planeta em que vive ilts... Gucky estremeceu. Acabou sacudindo a cabeça. — Acho isso pouco provável. Nosso povo nunca conheceu a astronáutica. Como poderíamos ter saído de nosso planeta? Sei o que está pensando, Perry. Também viajei clandestinamente numa nave para sair de Vagabundo. Mais precisamente, fui um passageiro clandestino de sua nave. Mas tenho certeza de que nenhuma nave apareceu no planeta antes de vocês. — Talvez nunca haja uma resposta à pergunta de qual dos seus antepassados chegou até aqui. De qualquer maneira não somos os primeiros seres da Via Láctea que vêm a este sistema. O intercomunicador deu o sinal de chamada. O rosto de Redhorse apareceu na tela. — A C-5 está preparada para decolar, senhor. Rhodan acenou com a cabeça. — Excelente. Infelizmente as coisas não são tão fáceis. O senhor só poderá decolar quando o campo defensivo verde tiver deixado de existir. Fique no hangar, perto de sua nave, Redhorse. Eu mesmo lhe darei a ordem de entrar em ação. A tela voltou a escurecer. — Acho que é minha vez — disse Gucky. — Isso mesmo. Sua vez e a dos gêmeos. Vistam os novos trajes de combate terranos. Nunca se sabe quais os perigos que encontrarão no Califa. O rato-castor levantou. Fez um gesto dramático com os braços, seguido de uma mesura. — O grande matador despede-se dos amigos. Sejam felizes e procurem viver sem mim. Mal disse isto, teleportou. Bell olhou para o lugar em que pouco antes estivera. — Não sei — disse em tom de inveja. — Esse Gucky possui o dom de trazer para si todas as glórias... Quase chego a invejá-lo por isso. ***

A ação tinha sido muito bem preparada e correu automaticamente. Não era a primeira vez que se usava este método para romper um campo defensivo. — Faltam dois minutos — disse Gucky, que se encontrava na cúpula-observatório. Tronar e Rakal estavam de pé a seu lado. — Ali vão abrir fogo com três hiperbombas, se não me engano. A Crest estava a apenas mil quilômetros do quinto asteróide. O planeta-mirim tinha um diâmetro de cerca de três mil, cento e vinte quilômetros. Estava envolto num campo defensivo verde, impossível de ser atravessado. Era bem verdade que a idéia do impossível não deixava de ser bastante relativa, conforme o passado ensinara mais de uma vez. Havia uma possibilidade de perfurar o misterioso campo defensivo verde, que funcionava com uma energia atuante numa dimensão superior. Esta possibilidade seria utilizada exatamente dentro de setenta segundos. As três torres de canhões da Crest estavam preparadas. Suas miras automáticas tinham sido ajustadas para as coordenadas previamente fixadas. Os três canhões disparariam no mesmo instante três bombas gravitacionais para o mesmo lugar. As bombas detonariam ao mesmo tempo, uma perto da outra. A experiência mostrara que a energia liberada pela explosão era suficiente para romper até mesmo um campo defensivo que se projetava numa dimensão superior. Haveria uma ruptura estrutural, e Gucky teleportaria através da mesma juntamente com os gêmeos. Era bem verdade que esta ruptura logo voltaria a fechar-se. Por isso, os três mutantes só poderiam voltar se conseguissem destruir o projetor que gerava o campo defensivo. — Faltam dez segundos — disse Tronar e segurou a mão de Gucky. — Calma — cochichou Gucky. — Teremos de aguardar a explosão das bombas. Antes disso não posso saltar. Esperaram. Visto da cúpula, o planetóide Califa ficava embaixo deles. Só distinguiam vagamente a superfície do mesmo. O campo energético verde estendia-se por cima da mesma. Havia remanescentes escassos de uma atmosfera, mas a mesma era venenosa para os pulmões humanos. Se havia alguma forma de vida no Califa, esta só poderia desenvolver-se embaixo da superfície, que era formada por rochas nuas e desertos de pedra. — É agora! — disse Gucky com a voz calma. Aconteceu. As três bombas explodiram exatamente no alvo. Algumas linhas escuras surgiram no campo defensivo. As mesmas estenderam-se para os lados em ziguezague. Quando a concentração de energia provocada pela explosão se tornou menos intensa, havia um furo na parede verde. A energia existente numa dimensão superior foi voltando lentamente ao lugar. Gucky teleportou... *** Encontravam-se de pé na superfície acidentada de um astro desabitado, que não passava de um fragmento do gigantesco planeta que se arrebentara. A nebulosa de Andrômeda dominava o céu. Quem se encontrasse na face oposta do planeta enxergaria a Via Láctea, pequena e muito distante. A uma distância que quase chegava a um milhão de anos-luz.

As comunicações com a Crest foram interrompidas. Não havia mais nada que conseguisse atravessar o campo defensivo verde. Pelo menos por enquanto. — Gostaria que alguém me dissesse como encontrar o projetor do campo defensivo — disse Gucky, soltando as mãos dos sprinters. — Vocês têm uma idéia de onde fica? Tronar deu um passo para o lado. Ergueu os ombros. — Encontramo-nos num fragmento de um planeta arrebentado — disse em tom pensativo. — Tanto podemos encontrar-nos no centro desse planeta, que por acaso se transformou na superfície do fragmento, como na superfície do antigo planeta. É claro que esta última hipótese seria mais favorável para nós. — Você acredita que o campo defensivo verde possa ser gerado por um projetor? — perguntou Rakal, dirigindo-se ao irmão. — Será que não se trata de uma série de projetores? — Um projetor é suficiente — afirmou Gucky, que já fizera suas experiências com campos defensivos verdes. — O gerador produz as energias necessárias, e estas são conduzidas pela própria massa do planeta. Os projetores de irradiação são instalações bastante simples montadas na superfície rochosa. São difíceis de descobrir e sua destruição não adiantaria nada. A única coisa que nos ajudaria seria a descoberta do projetor principal. — Não gosto de andar — observou Tronar. — Acontece que não encontrei nenhum fluxo energético. Quer dizer que teremos de confiar em você, que nos levará. Vamos começar logo? Gucky deu uma olhada no termômetro externo e ficou sabendo que a temperatura era bem inferior ao ponto de congelamento da água. Os dois sóis gigantes forneciam luz e calor, mas encontravam-se próximos ao horizonte não muito distante. O planetóide Califa não possuía uma atmosfera suficientemente densa para armazenar o calor. — Que coisa horrível! — constatou Rakal. — Não temos nenhum contato com a Crest. Não temos possibilidade de voltar à mesma. Nenhum impulso de rádio, nem mesmo um raio de luz. Nem sequer um simples pensamento. — Nem mesmo um simples pensamento — confirmou Gucky — Estamos isolados do resto do mundo, e assim continuaremos enquanto existir o campo defensivo verde. Gostaria de saber se os senhores do Universo... aliás, os senhores da galáxia construíram o centro de comando do transmissor somente depois que o antigo planeta tinha sido destruído ou se o mesmo já existia antes. Acho que só por milagre o mesmo teria continuado inteiro. — Bem isolado nas profundezas, protegido por grossas camadas de aço e concreto, um centro de comando pode resistir à destruição de um mundo. Ao menos posso imaginar que seja capaz. Gucky fitou Tronar com uma expressão contrariada. — Eu também. Mas talvez você também possa imaginar que será muito difícil chegar perto de um centro destes. Mas acho que devemos quebrar a cabeça com isso quando tivermos descoberto onde fica o centro. Sugiro que sigamos na direção leste. Percorreram trechos extensos em grandes saltos de teleportação, sem esquecer que sua tarefa consistia antes de mais nada em descobrir o projetor que alimentava o campo defensivo. O centro de comando propriamente dito não era tão importante. Os dois sóis foram subindo rapidamente no céu quase completamente negro. Começou a ficar claro, mas Andrômeda continuou visível. A luminosidade da nebulosa ultrapassava a dos sóis.

— Este campo defensivo foi instalado depois da destruição do planeta — disse Gucky de repente. — O que lhe deu essa idéia? — perguntou Tronar. — Isto é elementar. O campo defensivo não poderia isolar completamente o pequeno astro, se o gerador e o projetor fossem peças que por acaso tivessem resistido à destruição do planeta. Inicialmente só o projetor seria protegido, mas atualmente a proteção se estende a todo o fragmento do planeta. Alguém acredita num acaso destes? — Gucky tem razão — disse Rakal em tom de elogio. — Este baixinho sabe pensar. — Obrigado, grandalhão — Gucky sorriu. — Vamos continuar a procurar. Acabaram encontrando o projetor principal do campo defensivo verde na face oposta do planetóide Califa. Rakal detectou os impulsos energéticos e introduziu-se nos mesmos juntamente com Tronar. Gucky levou os dois mutantes a lugares diferentes. Cada um determinou a direção do fluxo energético no lugar em que se encontrava. Bastava determinar o ângulo formado pelas duas linhas para saber em que ponto se encontrava o gerador. — O gerador e o projetor principal ficam duzentos metros embaixo da superfície. Hum... — Gucky pôs-se a refletir. — Quer dizer que vamos recorrer à teleportação. Gostaria de saber o que alguém que não fosse teleportador faria num caso destes. — Entraria num fluxo energético e o usaria como meio de transporte — disse Tronar com a maior calma. Gucky deu uma risadinha alegre. Em comparação com a capacidade dos gêmeos, a teleportação até parecia brincadeira. — Descerei para fazer o reconhecimento da área disse Rakal. — Gucky ficará em contato comigo. Se o rádio falhar, usará a telepatia. Entendido? — Entendido — disse Tronar, olhando para Gucky. — Para mim também está entendido — disse Gucky. Demorou quase dez minutos até que Rakal descobrisse um lugar em que a energia saída da rocha formasse um feixe concentrado que se precipitava para o céu, onde formava parte do campo defensivo. Havia pequenas pontas metálicas no solo, que revelavam a posição das antenas de irradiação. Formavam o ponto de partida da transmissão de energia sem fio. — É um ponto favorável — constatou Rakal e concentrou-se em sua tarefa. Gucky e Tronar mantiveram-se afastados e permaneceram em silêncio para não perturbá-lo. De repente Rakal desapareceu. Gucky captava seus impulsos mentais. Não chegavam com muita intensidade, mas eram o suficiente para manter Tronar constantemente informado. — Saiu junto à fonte de energia. Trata-se de uma máquina gigantesca instalada num salão. Este salão está fortemente iluminado e cheio de geradores, aparelhos e controles. Não há dúvida de que é o projetor do campo defensivo. Quer dizer que já podemos teleportar. Vou fixar-me na posição de Rakal. Desta forma não poderemos errar o salto. Dali a um minuto os três se viram diante de uma instalação gigantesca. Segundo afirmava Rakal, a fonte de energia propriamente dita ficava ainda mais profundamente na rocha, uns trezentos metros abaixo da superfície. De lá a energia alcançava o projetor principal, depois de passar por cabos de dez centímetros de espessura. O projetor principal fazia a conversão e o reenvio da energia. Gucky tirou um objeto do tamanho de um punho humano do bolso de seu traje de combate. Contemplou-o com uma expressão pensativa.

— Dizem que é uma bomba muito eficiente. O tempo de detonação é de cinco minutos. Deve ser suficiente. Não acredito que quem está na superfície note a explosão. Duzentos metros de rocha representam uma bela camada isolante. Vejamos onde coloco este ovinho. Os sprinters viram Gucky caminhar em torno da máquina, a fim de procurar o lugar mais favorável para colocar a bomba. Encontrou-o do outro lado, onde havia uma depressão que avançava profundamente na construção. Com alguns movimentos ligeiros Gucky ligou o detonador e colocou a bomba num nicho. — Vamos dar o fora — disse e segurou as mãos dos gêmeos. Quando chegou novamente à superfície de Califa, Gucky teleportou para o cume mais elevado de uma cadeia de montanhas não muito distante, de onde tinha uma visão ampla para a planície em que ficavam as instalações do projetor. Os minutos foram passando lentamente. Do lugar em que se encontravam o campo energético era quase irreconhecível. Só se notava uma leve luminosidade verde que parecia cobrir a nebulosa de Andrômeda. O campo defensivo não se destacava contra o céu negro. — É agora...! — disse Gucky e olhou para a planície. Não aconteceu nada. Ao menos não se via nada. Não surgiu nenhuma cratera, não se viu qualquer língua de fogo que subisse ao céu. Mas o véu verde que parecia cobrir Andrômeda desapareceu. — Os fluxos energéticos desapareceram — disse Tronar. — Conseguimos, Gucky. Gucky parecia decepcionado. — O quê...? Então é só isto? Foi muito fácil. — Foi mesmo muito fácil — confirmou Rakal em tom sarcástico. — A Crest até já pode pousar se Rhodan desejar. Dali a alguns segundos a estação de rádio da Crest chamou. — O campo defensivo desapareceu. Vocês conseguiram. Gucky, por que não responde? Gucky fez uma careta ao reconhecer a voz de Bell. Aumentou o volume de seu transmissor, para que o compreendessem. — Foi uma brincadeira. Não querem pousar? Ou acham que isso seria muito perigoso? — Não diga bobagens. Você sabe perfeitamente que existem armadilhas em torno de todas as estações de transmissores. É possível que a destruição do planeta, que se verificou há mil anos, tenha destruído a maior parte dessas armadilhas, mas sempre existe a possibilidade de que tenham sobrado algumas. A Crest só pousará quando tivermos certeza de que... — Já sei. Quer dizer que já podemos teleportar de volta? — Isso mesmo. Depois disso a C-5 decolará sob o comando de Redhorse e... — Já ia me esquecendo. Mandem Redhorse sair logo. Queremos viajar com ele. Preferimos esperá-lo aqui. Por que complicar as coisas sem necessidade? — Um momento. Vou perguntar a Rhodan. Houve uma pausa. — Será que realmente ainda existe algum obstáculo? — cochichou Tronar. — Tomara que as armadilhas daqui não sejam tão traiçoeiras como as de Horror. Mas antes de mais nada precisamos descobrir o centro de comando. Desta vez Rhodan chamou pessoalmente. — Alô, Gucky...

— Estou ouvindo, Chefe. — A idéia de esperar Redhorse aí embaixo é muito boa. A C-5 já recebeu ordem para decolar. Estará aí dentro de dez minutos. Transmitam o raio-vetor. — Já está sendo transmitido. — Excelente. Redhorse sabe o que tem que fazer. Tronar e Rakal tentarão detectar os impulsos energéticos do centro de comando. Deve haver um meio de descobrir o mesmo. Prestem atenção a eventuais armadilhas. Caso Califa seja o fragmento da superfície do antigo planeta em cujo interior se encontrava o centro de comando, sem dúvida haverá armadilhas. Portanto, toda atenção é pouca. — Não se preocupe. Gostamos de nós mesmos — disse Gucky e sorriu para os gêmeos. — Cheguei a sugerir que você deixe que Redhorse e sua nave-girino fiquem em casa para que procuremos o centro sozinhos... — Nem pense nisso! — interrompeu Rhodan. — Se vocês encontrarem o centro sozinhos, não haverá mais salvação para nós. — Não haverá salvação? — perguntou Gucky em tom de espanto. — Obscuro é o sentido das suas palavras, senhor. Já não entendo mais nada. — Você está entendendo muito bem. A simples idéia de que você poderia abrir sozinho caminho para casa deixou Bell todo pálido. Portanto, queira ter a gentileza de aceitar o apoio modesto de Redhorse e sua nave. — Eu poderia fazer isto sozinho. Naturalmente. Você não deixaria de reconhecer isto. Mas tudo bem! Quero que os outros também participem do grande bolo. Aliás, você deveria ter mandado Bell com os outros. Pois aqui ele teria oportunidade de... — A C-5 já deveria ter chegado aí há muito tempo — interrompeu Rhodan em tom apressado. — Faça o favor de abrir os olhos! Gucky desligou o transmissor de raio-vetor assim que avistou a nave-girino. A esfera de sessenta metros de diâmetro foi deslizando lentamente sobre a planície rochosa embaixo da qual ficava o projetor destruído. Subiu e aproximou-se das montanhas. Tronar disparou uma pistola luminosa para o céu azul, para indicar a direção a Redhorse. — Vamos teleportar — sugeriu Gucky. — Assim ele não precisa pousar só para nos pegar. Vamos... *** A C-5 estava passando somente cem metros acima superfície de Califa. Redhorse, Tronar e Rakal estavam sentados na sala de comando, olhando as telas. O Tenente Hope Schwag, que era o imediato, incumbira-se da navegação. Califa era desabitado. Isso fora confirmado por Beukla. O planetóide era desabitado por um motivo muito simples: dizia-se que havia fantasmas no mesmo. Há muito tempo quando ainda não existia o campo defensivo verde, que tornava impossível a descida no planeta, alguns maahks haviam pousado no mesmo. Um único deles voltara. Os outros, dissera este mais tarde, completamente confuso, tinham desaparecido à frente dos seus olhos quando estavam andando numa planície na qual não poderia haver nenhum esconderijo. — Bobagem! Ninguém desaparece sem motivo — gritou Gucky quando Redhorse fez uma observação a este respeito. — Esse maahk deve ter bebido demais. — Pois foi uma verdadeira loucura — disse Redhorse prosseguindo em suas informações. O mesmo presenciara a conversa com Beukla. — Não desapareceram pura e simplesmente, mas por assim dizer em prestações. Foram engolidos pedaço após pedaço, segundo rezam as tradições: primeiro a cabeça, depois o tronco e finalmente pés.

— Santo Deus! E só por isso os maahks acreditam e fantasmas? — Gucky sacudiu a cabeça, indignado. Trata-se de uma armadilha dos senhores da galáxia. Um campo de refração da luz ou coisa que o valha, que torna as pessoas invisíveis. Acho que a explicação não poderia ser mais simples. — Pois é — observou Redhorse em tom sarcástico — Acontece que sua explicação é simples demais. Mas os desaparecidos não voltaram mais. Continuam desaparecidos. É estranho — confessou Gucky. — Você tem uma idéia do local aproximado da superfície de Califa em que aconteceu o milagre? — Será que você quer dar uma olhada? — Você adivinhou pele vermelha. O centro de comando não pode ficar muito distante do lugar em que foi montada uma armadilha tão sofisticada. — Você tem razão. Espere um pouco; vou entrar em contato com Rhodan. Acho que ele deve estar em condições de fornecer as coordenadas exatas... Gucky escorregou para fora da poltrona e saiu caminhando lentamente na direção do imediato que estava fazendo a pilotagem manual da C-5. — É um planeta desagradável, não acha, tenente? — perguntou Gucky em tom bonachão. — Muito desagradável — confirmou Hope Schwag e acrescentou: — Senhor. Gucky logo cresceu alguns centímetros, mas assim mesmo teve de levantar os olhos, apesar de o tenente estar sentado. Leu seus pensamentos. O “senhor” não fora nenhuma ironia. Hope quis dizer isso mesmo. Era um admirador secreto do rato-castor. — O senhor é um oficial muito competente — disse Gucky para deixar contente seu interlocutor. — Vai conseguir. Daqui a pouco a Crest lhe fornecerá as coordenadas. Reduza a velocidade assim que nos aproximarmos do destino. É possível que alguma coisa aconteça por lá. — O que poderia acontecer, senhor? Gucky cresceu mais um centímetro. Mais que isso era impossível. — Um campo energético que torna as pessoas invisíveis. É ao menos o que acreditamos. De qualquer maneira, os maahks que entraram no mesmo nunca mais saíram. Por isso devemos ter cuidado. Mas com o senhor nos controles não poderá acontecer nada. — Cumprirei meu dever da melhor forma possível. O Capitão Redhorse é um homem muito competente. Aprendi muita coisa com ele. Confie em mim, senhor. Gucky saiu andando todo empertigado e Tronar observou em tom indiferente: — Até parece que você engoliu um pau. Está com dor nas costas? Gucky voltou a ter um metro de altura. Nem um centímetro a mais. — Não diga bobagens! Estiquei um pouco o corpo. Já estou cheio de ficar sentado. Sou um lutador. Não dou para burocrata. — Ah — fez Tronar. Sorriu e não disse mais nada. Não havia quase nada que quebrasse a monotonia de Califa. A paisagem nunca mudava — eram planícies rochosas e platôs, vales extensos e montanhas íngremes, com fendas profundas. Em certos lugares tinha-se a impressão de que alguém cortara a superfície. A C-5 acompanhava os acidentes do terreno mantendo-se quase sempre na mesma altura. A cada sessenta segundos uma pessoa da Crest perguntava se já tinha sido encontrada alguma coisa. Gucky estava completamente entretido na observação das telas. Queria ser o primeiro a descobrir o centro de comando do transmissor.

A Crest voltou a chamar. — Forneça sua posição, C-S. Mantenha contato ininterrupto conosco. Capitão Redhorse, o Chefe quer falar com o senhor. Redhorse foi escorregando para fora da poltrona e dirigiu-se aos controles. Ligou um videofone secundário, para não ter que ir à sala de rádio. — Capitão Redhorse falando de bordo da C-5, senhor. — Rhodan falando. Mantenha contato conosco, capitão. Informe-me sobre qualquer coisa que lhe parecer suspeita. Grek-1 recomendou que não pousássemos em Califa. Afirma que o fragmento do planeta deve estar cheio de armadilhas e obstáculos. Notou alguma coisa? — Por enquanto nada, senhor. É um astro morto. Só se vêem rochas e desfiladeiros profundos. Ainda há montanhas. É só. Nada de armadilhas, nenhum sinal de vida. Infelizmente também não descobrimos o centro de comando. — Ele existe, Redhorse. Quanto a isso não tenha a menor dúvida. Grek-1 acaba de confirmar sua existência. Diz que deve ficar nas proximidades do projetor que alimenta o campo defensivo. Procurem por lá. — Já demos uma volta em torno de Califa, senhor. — Muito bem. Prossiga. Mas não deixe de manter contato conosco... E cuidado, muito cuidado! — Está bem, senhor. O senhor pode ficar tranqüilo. Cuidaremos bem de nós. Mas não há motivo para preocupações. — No momento em que pensa assim o perigo está mais próximo. Grek-1 voltou a prevenir de que não devem ser descuidados. Diz que se trata de armadilhas que funcionam em dimensões superiores, de um tipo ainda desconhecido. Os construtores do transmissor usaram todos os meios para evitar que uma pessoa não autorizada possa usar o mesmo. É bem verdade que oficialmente o transmissor foi desativado há mil anos... De repente Rhodan parou de falar. Fitou o microfone, dando a impressão de que acabara de ter uma idéia. — Alô, Redhorse — disse depois de algum tempo. Não houve resposta. — Responda, Capitão Redhorse. O que houve? O rádio permaneceu em silêncio. Rhodan empalideceu. — As comunicações com a C-5 foram interrompidas, senhor — disse o oficial que estava de serviço na sala de rádio. — Nenhum sinal goniométrico; absolutamente nada. Até mesmo o eco de radar está faltando. Até parece que a C-5 deixou de existir. Rhodan cerrou os punhos. — Até parece que deixou de existir... — repetiu. Levaram meia hora tentando restabelecer o contato de rádio com a nave-girino, mas foi em vão. Redhorse e os tripulantes da C-S não respondiam mais. Tinham desaparecido sem deixar o menor vestígio. — A Crest e as outras unidades permaneceram no espaço. Contornaram Califa, sem tirar os olhos por um segundo que fosse de sua superfície acidentada. As telas dos rastreadores entraram em funcionamento, mas não mostraram nenhum sinal da C-5. Era como dissera o oficial de rádio. — Até parece que a C-5 deixou de existir... Teria deixado mesmo?

4 Gucky contemplava as telas da C-5, que sobrevoava a pequena altura um platô bastante elevado. O que mais chamava a atenção era o chão muito plano. Os desfiladeiros que cortavam a paisagem estavam ausentes, e Gucky até chegou a ter a impressão de ter visto uma barreira de rocha de formato regular demais. Seu formato era o de uma gigantesca ferradura, e a C-5 estava entrando bem centro da curvatura. A voz de Rhodan saiu do alto-falante. Estava conversando com Redhorse. Gucky viu a ferradura aproximar-se. Erguia-se a uma altura pouco inferior a cinqüenta metros acima do platô. Tronar levantou-se. Ficou de pé ao lado de Gucky. — Impulsos energéticos — cochichou com a voz quase imperceptível. Rhodan estava dizendo: — ...o perigo está mais próximo. Grek-1 voltou a prevenir de que não devem ser descuidados. Diz que se trata de armadilhas que funcionam em dimensões superiores, um tipo ainda desconhecido. Os construtores do transmissor usaram todos os meios para... Gucky passou por baixo dos braços de Tronar e saiu correndo para junto de Hope Schwag, que estava sentado junto aos controles. Redhorse virou a cabeça, mas continuou a prestar atenção ao que Rhodan estava dizendo. As telas não mostravam nenhum perigo. — Mude a rota! — ordenou Gucky, dirigindo-se ao imediato. — Rápido! Hope Schwag hesitou em cumprir a ordem. Fitou Redhorse. Hesitou um segundo a mais do que devia. A nave esférica passou por cima das montanhas em ferradura. As telas ficaram escuras, para logo a seguir tornar-se negras. De repente a nave parecia precipitar-se para baixo, Redhorse levantou-se de um salto e correu para junto dos controles. Viu que de um instante a gravitação de Califa fora multiplicada por dez. Arrastava a C-5 para a superfície. — Ligar neutralizador! — gritou Redhorse. O Tenente Schwag obedeceu imediatamente. A pressão que surgiu era um sinal de que a queda fora neutralizada. Logo houve a compensação dos campos gravitacionais face às novas condições. As telas voltaram a mostrar um pouco de luminosidade, mas nenhuma imagem identificável apareceu nas mesmas. Linhas coloridas dançavam sobre elas. Tronar que não tirava os olhos das mesmas, chegou a ver torres de aço. — O altímetro... — disse Schwag, perplexo. — Está na marca zero. A nave sofreu um solavanco. Os propulsores desligaram-se automaticamente assim que as colunas de apoio entraram em contato com o solo. As linhas coloridas agruparamse nas telas. Estas se iluminaram. Uma paisagem apareceu, vinda do nada. Era uma paisagem fantástica... — Onde estamos? — fungou Rakal, que não saíra do lugar onde estivera procurando impulsos energéticos juntamente com o irmão. — Encontramo-nos no interior de uma rede de campos energéticos ordenados, que fluem em todas as direções. Existem fluxos de energia que são conduzidos sem fio dos geradores às estações receptoras. Não nos encontramos mais no planeta sem vida chamado Califa... As telas confirmaram as palavras de Rakal.

Redhorse correu que nem um louco para junto do rádio. Ficou chamando a Crest, mas não houve resposta. Em compensação os alto-falantes transmitiam um sem-número de ruídos desconhecidos e uma fala confusa que ninguém entendia. Gucky, Tronar, Rakal e Hope olharam para as telas. A C-5 estava pousada num campo gigantesco, cercada de colinas baixas. Ao leste viam-se torres redondas, de formato bizarro, que se erguiam até as nuvens verdes pesadas que enchiam a atmosfera de hidrogênio e amoníaco. Os edifícios estavam ligados por vias elevadas, que se apoiavam sobre colunas finas ao passarem sobre os campos e os parques. Uma dessas vias descia em sua direção, confundindo-se com o piso de concreto do porto espacial em que se encontravam. Viam-se várias espaçonaves. Eram cilíndricas e muito grandes. Eram todas negras. A cidade também se estendia para o norte e o sul. Pequenos veículos aéreos em forma de pingos de água movimentavam-se numa velocidade incrível. O tráfego nas ruas e estradas era muito intenso. Ninguém dava atenção à C-5. — Devo ter enlouquecido — disse Gucky, perplexo. Uma coisa destas não é possível! Califa é um planetóide desabitado. Acabamos de verificar. Como se explica que nos encontremos num porto espacial, junto a uma cidade que nem existe? Ninguém respondeu. Redhorse aproximou-se das telas. — A Crest se mantém em silêncio. Estamos recebendo inúmeras transmissões pelo rádio, mas nenhuma delas vem da Crest ou de outra unidade da frota. Até parece que nossa nave teleportou de um planeta para outro — apontou para as telas. — Em Califa isso não existe. Tenho certeza! — Ali vem alguém — disse Tronar, apontando com cabeça na direção da tela frontal. — Parece que não vamos ter uma recepção muito amistosa. Uma fileira de veículos blindados passou pelo campo de pouso, entrou em formação e foi-se aproximando lentamente. Pequenos aviões a jato formados em fileira corriam pelo ar. — Estão agindo depressa — exclamou Gucky, fitando Redhorse. — Diria que o ambiente está carregado. Vamos dar o fora? — Nosso campo defensivo resiste a qualquer ato, mas acho preferível não arriscar. Talvez ainda precisemos deste pessoal, e por isso é melhor evitar conflitos. É possível que eles ainda não tenham recebido a mensagem de paz seu Beukla, se bem que isso seja pouco provável. — São muitos talvez ao mesmo tempo — resmungou Gucky e concluiu: — Quer dizer que vamos fugir! Hope, cuide da sua obrigação. Vamos a um lugar mais calmo. O imediato nem esperou que o comandante confirmasse a ordem. Pôs as mãos nos controles. O ruído uniforme dos propulsores era tranqüilizador. Os campos antigravitacionais da nave já se haviam adaptado às novas condições. A gravitação era normal. A C-5 desprendeu-se do solo e foi subindo lentamente. Alguns tiros energéticos disparados atrás da nave perderam-se no campo defensivo. — Deve haver um projetor gravitacional escondido nessas rochas — conjeturou Rakal em tom inseguro. Não há outra explicação para o aumento da gravitação em dez vezes. Além disso, os impulsos energéticos são tão numerosos... O campo de pouso espacial e a cidade foram desaparecendo lá embaixo. Só naquele momento as pessoas que se encontravam na C-5 puderam ver toda a extensão da área construída. Diante disso o fato de a cidade não ter sido descoberta mais cedo tornava-se

ainda mais inexplicável. Redhorse manifestou a opinião de que tudo aquilo talvez estivesse escondido sob uma espécie de camuflagem energética. — Não é possível — disse Tronar. — Rakal e eu teríamos detectado os impulsos energéticos. Pelo menos os da camuflagem. Não existe mesmo nenhuma explicação para o fenômeno. Dali a alguns minutos, enquanto a nave ia subindo, uma nova surpresa os esperava. E uma explicação parcial. Até então o horizonte caíra rapidamente para todos os lados, já que o diâmetro de Califa era inferior ao da Lua terrana. Mas naquele momento uma paisagem plana estendia-se em todas as direções, até a linha do horizonte que parecia ficar a uma distância infinita. Ainda havia a gravitação aumentada, a cidade gigantesca, o porto espacial, as naves, as transmissões de rádio numa língua desconhecida... Tudo isso só permitia uma conclusão. Foi Redhorse quem formulou a mesma. — Este não é o planetóide Califa que nós conhecemos. É um planeta diferente. É tão grande que de forma alguma pode encontrar-se no sistema Chumbo de Caça. Se os instrumentos não nos enganam, seu diâmetro é de pelo menos trinta mil quilômetros. Quem sabe se não houve mesmo uma teleportação? Ou uma transmissão de matéria. Aquelas montanhas em ferradura são um transmissor de matéria. — Espere aí, pele vermelha — disse Gucky em tom solene e com o rosto preocupado. — Sua fantasia está se descontrolando. Para onde poderíamos ter sido levados? E qual o motivo de termos sido transportados? Se estivessem interessados em eliminar-nos por sermos intrusos indesejáveis, eles nos teriam arremessado algumas centenas de milhares de anos-luz pelo espaço vazio e deixariam que morrêssemos de fome. Acontece que nos encontramos em cima de uma cidade. Lá embaixo existe uma civilização formidável. Por aqui não morreremos de fome. Pelo menos isso demorará um pouco. — Você tem alguma idéia? — perguntou Redhorse. Gucky continuou com o rosto indiferente. — Está surgindo uma no último recanto de meu cérebro, mas nem penso em exprimi-la. Antes preciso ter certeza, e isso não demorará muito. Precisamos entrar em contato com os seres que vivem lá embaixo. — Não pode ter sido um transmissor de matéria — disse Tronar de repente. — Continuamos no mesmo sistema em que estávamos. Será que um de vocês acredita que existem mais dois sóis vermelhos gigantescos que, ficam a apenas cinco milhões de quilômetros um do outro? Os sóis estavam subindo no horizonte. Não havia dúvida de que se tratava dos dois astros centrais do sistema Chumbo de Caça. Lá embaixo via-se a gigantesca cidade desconhecida mergulhada na luz artificial. Os raios do sol ainda não estavam chegando lá. — Isso está se tornando cada vez mais misterioso disse Redhorse e fitou Gucky com uma expressão indagadora. — Qual é mesmo sua idéia? — Se estes realmente são os dois sóis, isso combina com minha idéia. Já começo a ter medo... — Medo? De quê? — Daquilo que estou imaginando. É uma idéia fantástica, louca até... Mas por enquanto todos os dados confirmam. Será que os senhores da galáxia realmente são

capazes...? — teve um calafrio. — Temos que pousar, Don. Precisamos falar com essa gente. Temos tradutoras a bordo. — De acordo. Mas sugiro que façamos nossa tentativa não na cidade, mas nas montanhas, a cem quilômetros de lá. Se eles quiserem entrar em contato conosco, saberão ir até lá. Todos estavam de acordo com o plano. A atmosfera no interior da C-5 ficou muito tensa quando a mesma desceu e foi passando a pouca altura sobre as montanhas, para procurar um lugar em que pudesse pousar. A nave devia ficar numa posição em que homens ainda pudessem distinguir os contornos da cidade distante. A cúpula luminosa brilhante seria visível a duzentos quilômetros. Descobriram um vale cercado de três lados por rochas íngremes. O lado em que o vale se abria apontava para a cidade. Qualquer ataque só poderia vir deste lado ou de cima. — Tentaremos estabelecer contato pelo rádio — disse Gucky, que mal conseguia esconder o nervosismo. — Com as tradutoras acopladas deve ser possível. Cuidarei disso. Quem está de serviço no rádio? — O sargento Inghar — informou Redhorse. — Também está cuidando dos rastreadores. Pergunte se não descobriu algum sinal da Crest. — Se minha teoria for certa, isso é impossível — disse Gucky em tom de oráculo e dirigiu-se à sala de rádio. Não fechou a porta. Queria ver e ouvir o que estava acontecendo na sala de comando. As costas largas do sargento Inghar encobriam parcialmente as instalações de rádio. A primeira vista parecia ter certa semelhança com as costas de Bell, mas quando o sargento virou a cabeça e Gucky viu seu rosto, o mesmo ficou tão perplexo que ficou sem fala por alguns segundos. O sargento Inghar, um homem de estatura alta e robusta, tinha um rosto delicado que nem o de uma mulher. As bochechas grandes e vermelhas lembravam as de uma criança sadia. Seus olhos suaves brilharam de felicidade quando viram quem acabara de chegar. — Tenente Gucky! É um prazer e uma honra. Gucky ficou emocionado. A manifestação sincera de simpatia deixara-o fraco e embaraçado. Saltou para junto do sargento e empurrou-o para dentro da poltrona. — Continue sentado, sargento. O senhor e eu teremos de fazer um bom trabalho conjunto. A sorte da nave dependerá dos nossos esforços. Acople uma tradutora entre o transmissor e o receptor. Vamos tentar entrar em contato com os desconhecidos. Se não estou muito enganado, são maahks. — Eu não me admiraria nem um pouco se fossem, senhor. — Deixe de me chamar de senhor, Inghar. Meus amigos me chamam de Gucky. — Obrigado — disse Inghar, emocionado, num sopro. — Outra coisa — disse Gucky. — As telas dos rastreadores não mostraram nenhum sinal da Crest ou das outras naves? — Não, Gucky. Quando estávamos subindo muito para fugir dos desconhecidos, vasculhei o espaço. Nada! Nenhuma nave. Absolutamente nada. As telas dos rastreadores não mostraram nenhuma mancha. De repente Gucky ficou bem quieto junto à poltrona de Inghar. — Nada? — perguntou para certificar-se. — Nenhuma mancha. O espaço está completamente vazio.

Gucky respirou profundamente. — Nem mesmo asteróides, planetóides, fragmentos? — Nem mesmo isso. — Quer dizer que só apareceram os dois sóis e o planeta gigante? Desta vez o sargento Inghar limitou-se a acenar com cabeça. As bochechas vermelhas mudaram de cor. Inghar não estava sorrindo mais. Ficou pálido que nem um cadáver. Parecia que só naquele momento compreendia o que significavam suas observações. Para Gucky apenas confirmavam sua teoria. A suspeita de terem caído na mais perfeita das armadilhas montadas pelos senhores da galáxia começava a confirmarse. Inghar ligou a tradutora com os dedos trêmulos. Don Redhorse veio à sala de comando. A C-5 pousara se problemas. O campo energético isolava o vale do mundo exterior. O alto-falante transmitiu algumas palavras. Tratava-se de notícias comuns. Um veículo gravitacional tinha caído em algum lugar, e as buscas tinham sido infrutíferas. Haveria uma cerimônia na cidade, e o povo era convidado comparecer à mesma. A seguir falava-se de medidas defensivas, mas não se dizia contra quem os habitantes de mundo gigantesco queriam defender-se. Finalmente veio notícia que estavam esperando. O locutor falou no aparecimento inesperado de uma espaçonave desconhecida, cuja forma era diferente de tudo que se conhecia. O locutor acrescentou que a mesma não tinha saído do transmissor. Materializara sobre a cidade e pousara repentinamente. Fugira quando um comando de reconhecimento se aproximava dela. A nave fora localizada nas montanhas, e uma expedição estava sendo preparada. — Precisamos entrar em contato com eles antes que cometam um erro, Inghar — disse Redhorse. — Queremos evitar a abertura das hostilidades. — Vamos esperar até que a expedição chegue aqui — sugeriu Gucky. — Certamente trarão aparelhos de rádio e tentarão estabelecer contato conosco. Para eles somos apenas desconhecidos vindos do espaço. Não se esqueça do que disseram... sobre o transmissor. Redhorse fitou Gucky e acenou com a cabeça. — Também já começo a imaginar coisas, mas não quero tirar conclusões precipitadas. Vamos aguardar a visita deles. — Esta visita não pode demorar muito. Trate da defesa. Inghar e eu tentaremos estabelecer contato. Tronar e Rakal garantiram que os fluxos energéticos eram tão numerosos que podiam viajar facilmente em todas as direções. Devia tratar-se de um planeta muito civilizado e densamente povoado. Era bem verdade que havia certas energias cuja origem não conseguira descobrir. Dali a pouco a vanguarda da força expedicionária apareceu nas telas. Tratava-se de aviões pequenos e ágeis em forma de torpedo, que pousaram na planície que ficava lá embaixo, sem fazer nada. Em seguida três naves-vespa do céu pousaram ao lado das forças de vanguarda. — Finalmente temos uma indicação — disse Tronar em tom alegre. — Já conhecemos estas naves-vespa. Não fizemos as pazes com elas? — Ainda não — respondeu Gucky. — Ainda não! O sargento Inghar esforçou-se para estabelecer contato de rádio com o inimigo que avançava em sua direção. Suas faces readquiriram a cor vermelha. Voltara a ter um aspecto alegre e sadio. Gucky estava sentado a seu lado.

— Eles devem ter a mesma idéia que eu — disse. Talvez estejam tentando numa faixa diferente. — Talvez fosse recomendável que fizéssemos o começo — sugeriu Inghar com a voz tímida. — Vamos mostrar que nossas intenções são pacíficas. Talvez possam ajudarnos. — Dificilmente — objetou Gucky e tinha seus motivos para isso. — Se pudessem ajudar-nos, também ajudariam a si mesmos. Estamos com o mesmo problema. — Não compreendo... — Não é muito importante — apressou-se Gucky em confessar, para mudar de assunto. No momento tinham outros problemas. — Ouça...! Aumente o volume. Acho que isso é para nós. Inghar girou alguns botões, e a voz saída do alto-falante tornou-se mais nítida. Era difícil de compreender, porque a tradutora tinha de omitir palavras inteiras. Só assim se explicavam as pausas. Era possível que a máquina tivesse sido danificada. Mas de qualquer forma o resto era bem claro. A voz estranha dizia: — ...sem utilizar o transmissor ou apresentar permissão dos senhores. Somos obrigados a... pedir que o campo defensivo... para tornar possível o exame por uma comissão nossa. Compreendem... dar um sinal. Nossas estações mantidas na recepção... Tradutoras que funcionam em base positrônica... galáxia estranha... Redhorse pegou o microfone. Inghar ligou para transmissão. — Aqui fala o Capitão Don Redhorse, natural mundo Terra. Nossa presença aqui deve-se a um mal-entendido do qual não somos culpados. Nossas intenções não são hostis. Caso pertençam à raça dos maahks mutantes, saibam que a paz reina entre seu povo e o nosso. Celebramos um tratado com o Comandante Beukla, pertencente ao seu povo. Estamos prontos a receber uma delegação a bordo de nossa nave. Respondam, por favor. Gucky tentou várias vezes interromper Redhorse, mas acabou desistindo. Não importava mesmo. Redhorse não demoraria a descobrir o que tinha acontecido. A resposta dos maahks demorou alguns minutos. Desta vez foi mais fácil de entender. — Sua fala é um mistério. Os maahks mutantes não existem. Somos maahks e vigias do transmissor. Nunca vimos falar na Terra ou num indivíduo chamado Comandante Beukla. Deve ser um mal-entendido. Como vier parar aqui, se não usaram o transmissor solar? É o único meio de superar as distâncias enormes. Redhorse fitou Gucky com uma expressão de curiosidade. O rato-castor deu de ombros. O sargento Inghar mantinha-se ocupado com as telas dos rastreadores. De repente estremeceu. Apontou para telas com os dedos trêmulos. — Olhem... Que é isso? Ecos de rastreamento... são milhares... Gucky deu um salto para a frente. Uma onda de esperança tomou conta dele. Se havia milhares de ecos de rastreamento, só poderiam ser os asteróides que formavam o círculo de fragmentos do sistema Chumbo de Caça. Nesse caso seus receios malucos não se confirmariam. Teria sido apenas uma suposição vaga, e eles poderiam... Mas o planeta gigante continuava no mesmo lugar. E os mutantes que não tinham sofrido nenhum processo de mutação ainda estavam lá. E os vigias do transmissor também.

— Vêm em nossa direção — gritou Inghar. — A mudança de rota prova que se trata de espaçonaves. Quer dizer que não eram asteróides! Os pêlos da nuca de Gucky se eriçaram enquanto saltava para junto de Redhorse. — Ligue para a transmissão. Rápido! Redhorse não perdeu tempo. Obedeceu imediatamente. Gucky gritou para dentro do microfone. — Atenção, maahks! Defendam-se como puderem. Os senhores da galáxia decidiram sua destruição. Defendam-se. Podem contar com nossa ajuda. Não façam perguntas. Milhares de naves estão atacando vocês. — Inghar, que se encontrava junto aos rastreadores, gritou: — Os objetos voadores não identificados aproximam-se em alta velocidade. Entraram em formação de ataque. Um deles já desapareceu embaixo da linha do horizonte. Duas continuam a aproximar-se da cidade. Redhorse esperou em vão que o alto-falante transmitisse uma resposta. A expedição dos maahks parecia ter compreendido imediatamente o que estava acontecendo. As naves-vespa e os carros voadores decolaram e regressaram à cidade, voando a pequena altitude. Chegaram no momento exato para volatilizar-se na primeira explosão atômica. Numa questão de minutos a cidade se transformou num inferno de fogo. Redhorse desligou o receptor. Aproximou-se de Gucky e olhou para as telas dos rastreadores. Tronar e Rakal estavam parados na porta que dava para a sala de comando. Inghar voltara a empalidecer. O Tenente Hope Schwag estava sentado na poltrona de controle, com a cabeça meio virada. Também estava com o rosto pálido. — Gucky — disse Redhorse. — Sua idéia, ou melhor, sua teoria... acabou se confirmando. Gucky limitou-se a acenar com a cabeça. — E então...? Não quer nos dizer...? Gucky voltou a acenar com a cabeça. Ficou calado. — É... tem alguma coisa a ver com o tempo? — perguntou Redhorse com a voz rouca. Gucky saltou para dentro da poltrona mais próxima. — Tem muita coisa — condescendeu finalmente em dizer. — para ser mais preciso, trata-se de mil anos! Entramos num campo temporal suspenso sobre Califa. Talvez seja a pior armadilha montada pelos senhores da galáxia. Um campo de transposição do tempo. É um campo unilateral, pois normalmente é impossível voltar. Devem ser mesmo mil anos, pois faz apenas alguns minutos que houve a operação punitiva desencadeada pelos senhores da galáxia contra os maahks. Hoje, amanhã ou depois este planeta vai arrebentar para formar o anel de asteróides. Redhorse acenou lentamente com a cabeça. — Era o que eu imaginava, mas não tive coragem de acreditar nessa hipótese. Uma armadilha do tempo! Será que existe um meio de voltarmos? — Só se daqui a mil anos alguém encontrar o campo temporal e desligar o mesmo... Sóis atômicos surgiram sobre a cidade desconhecida. Era o fim do mundo que estava começando. Gucky escorregou para fora da poltrona.

— As coisas começam a definir-se — disse. — Farei com que certa lenda se torne verdadeira. Voltarei assim que tiver concluído minha tarefa. — Que tarefa é essa? — perguntou Redhorse, preocupado. Gucky espreguiçou-se. — Sou o matador simultâneo em toda parte. Não se lembram? Não existe lenda que não tenha um fundo de realidade. — Tenha cuidado! — pediu Redhorse. — Talvez você tenha azar e eles o peguem a qualquer hora, em algum lugar... — Nada disso! — Gucky concentrou-se no salto de teleportação. — Isso nunca. A lenda que corre entre maahks não fala na minha morte. Desapareci com a nave na qual vim. Logo, desapareci com vocês. Até logo mais, amigos... Dali a dois segundos Gucky desapareceu.

5 Nem mesmo Gucky seria capaz de dizer por que resolvera fazer uma coisa completamente insensata. Agia em virtude de uma compulsão íntima. Tinha que fazer isso, embora soubesse que sua ação não poderia alterar o resultado da luta travada entre os maahks e os senhores da galáxia. A armadilha do tempo atirara-os mil anos para o passado. Gucky não sabia exatamente qual era sua idade, mas tinha certeza de que há mil anos ainda não tinha nascido. Portanto, não havia perigo de encontrar-se consigo mesmo. Gucky teleportou na direção da cidade, mas teve o cuidado de não chegar muito perto da mesma. Um oceano de chamas espalhava-se em torno da cidade. De vez em quando, uma das pequenas naves negras conseguia decolar no último instante, escapando à destruição certa. Novos grupos das gigantescas naves negras pertencentes aos senhores da galáxia saíam constantemente do espaço situado entre os dois sóis vermelhos. Cada nave estava envolta por um campo energético verde, que a tornava imune a qualquer ataque. Gucky sabia que isso representava um limite às suas faculdades. Não havia como teleportar através do campo verde. As gigantescas naves negras caçavam as pequenas e valentes naves-vespa que ousavam enfrentá-las. Era perfeitamente natural que a simpatia de Gucky pendesse para a parte que estava sendo derrotada. Uma nave-vespa passou rente à rocha, dando a impressão de que estava à procura de um lugar para esconder-se. Gucky lamentou que não tivesse trazido uma tradutora portátil, mas por meio da telepatia, mesmo unilateral, poderia conseguir alguma coisa. Teleportou para dentro da nave-vespa. A mesma era do mesmo tipo que os maahks usaram mil anos depois para atacar a Crest. Que usariam no ataque... ou já tinham usado...? Gucky não quebrou a cabeça com os paradoxos do tempo. Materializou no interior da pequena sala de comando da nave. Já fizera suas experiências com os maahks. Sabia que tinham de ser tratados com certo cuidado, mas também sabia que nunca agiam precipitadamente e se deixavam convencer pelos argumentos lógicos. Havia um maahk gigantesco com uma bela cabeça em foice aos controles. O mesmo arregalou os quatro lhos quando viu o ser estranho materializar no meio da sala. O movimento instintivo da mão em direção à arma deixou de ser executado. Não foi porque Gucky também estava armado, mas porque o maahk notou imediatamente a cintilância ligeira e compreendeu que o rato-castor estava envolto num campo energético que o protegia contra qualquer ataque. — Que bom que você foi sensato — disse Gucky em tom de elogio e certificou-se de que a reação dos outros maahks era idêntica à do comandante. — Estou usando um traje especial que permite que a gente crie campos energéticos, voe e até se torne invisível. Que pena que você não me compreende. Mas tentarei explicar que sou seu amigo. Está vendo aquela nave dos senhores, ou de quem quer que seja que eles tenham enfiado na mesma? É uma ótima oportunidade. A única coisa que você tem que fazer é prestar atenção ao que vai acontecer...

O piloto de uma nave-vespa não costumava orientar-se somente pelas telas, mas também pela visão direta. Acima dos consoles de controle havia uma fresta visual muito larga, mas bastante baixa, que permitia uma visão abrangente em ângulo largo na direção do vôo. Para Gucky não havia nenhuma dificuldade em usar sua faculdade telecinética através dessa fresta, mesmo que os resultados fossem pequenos, porque a massa da nave era muito grande. Uma nave de tamanho médio dos senhores da galáxia aproximou-se em baixa altitude. As armas térmicas atingiam a rocha nua, que se volatilizou. A proa da nave, que era de forma cilíndrica e tinha duzentos metros de comprimento, levantou-se e o veículo seguiu na direção da nave vespa. Gucky chegou bem perto da fresta visual. Os maahks não tiravam o olho dele. Ao que parecia, os mesmos desconfiavam de que viera para ajudá-los. Por um instante Gucky brincou com a idéia de usar a capacidade cerebral dos mesmos para reforçar suas emanações telecinéticas, mas resolveu tentar sem isso. Sabia perfeitamente que seria inútil tentar frear a nave inimiga em pleno vôo, mas também sabia que estava em condições de efetuar uma mudança insignificante na rota da mesma. No espaço livre isso não seria importante para o inimigo, mas junto à superfície do planeta as conseqüências poderiam ser graves. Concentrou-se no inimigo, que se aproximava em baixa velocidade. Gucky recorreu a sua capacidade telecinética. Levantou os braços, para dramatizar sua ação. Foi quando nasceu o matador simultâneo em toda parte. No início a nave negra prosseguiu como se nada tivesse acontecido. A qualquer momento poderia abrir um fogo fulminante. Gucky começava a recear que superestimara a própria capacidade. Mas de repente notou que o inimigo se desviou de forma quase imperceptível da rota que vinha seguindo, tomando uma direção bastante perigosa. Gucky começou a transpirar por dentro. Não imaginara que as coisas fossem tão difíceis. Talvez conseguisse manter a concentração durante mais dez segundos, nunca mais que isso. Poderia segurar a outra nave por dez segundos, nenhum instante mais. Felizmente os dez segundos foram suficientes. Embora fosse insignificante, o desvio de rota foi suficiente para provocar a colisão da nave negra com o cume de uma montanha. A nave abriu fogo no mesmo instante. Mas os raios térmicos perderam-se em todas as direções, sem atingir o alvo. A nave foi escorregando lateralmente junto à rocha e foi descendo. Gucky já a soltara há algum tempo, pois não tinha forças para segurá-la por mais um segundo que fosse. A nave atingiu o solo mais embaixo. Seguiu-se uma terrível explosão, e a nave se desmanchou. O que restou dela volatilizou-se numa nuvem brilhante. Gucky deixou cair os braços. Os maahks contemplaram-no por algum tempo e finalmente inclinaram o corpo diante dele. Gucky aproveitou a oportunidade. Apontou para as instalações de rádio e para si mesmo. O comandante compreendeu o sentido do gesto. Ligou o rádio e informou os colegas que se encontravam nas outras naves-vespa de que aparecera um ser muito pequeno, que possuía capacidades extraordinárias e queria ajudar os maahks na luta contra os invasores. Pediu aos maahks que protegessem o pequeno ser e o ajudassem

onde quer que aparecesse. E deu um nome ao mesmo. Era o matador simultâneo em toda parte. Quando voltou a levantar os olhos, Gucky tinha desaparecido. O esforço tremendo o deixara esgotado e por isso resolvera teleportar para o espaço. Ligou o sistema de propulsão de seu traje e saiu voando a grande altitude sobre a superfície do planeta. A nave-vespa prosseguiu sem ele. Assim não adiantava. Poderia usar a telecinese uma ou duas vezes para desviar uma nave da rota, e isto mesmo numa emergência. Desta vez fora necessário. Os maahks já sabiam quem era ele e de que lado estava. Dali em diante o ajudariam. Dessa forma seria possível usar métodos mais fáceis. Não demorou a descobrir que método era este. Quando materializou em outra nave dos maahks Gucky foi recebido com manifestações de alegria e respeito. Segundo revelavam os pensamentos do comandante ele, o desconhecido, era considerado uma espécie de anjo de guarda. Com isso sua tarefa tornava-se mais fácil. Constatara que as naves atacantes desligavam vez por outra seus campos defensivos verdes. Provavelmente os mesmos consumiam tanta energia que só eram ligados e batalha, quando houvesse um perigo iminente. O plano Gucky baseou-se nessa circunstância. Explicou aos maahks que queria permanecer a pequena altitude, e entre as rochas. Quando avistaram duas naves inimigas, até conseguiu convencer os maahks a pousarem num platô. A nave-vespa transformou-se numa armadilha perfeita. Gucky aguardou os acontecimentos. As espaçonaves negras estavam com os campos defensivos desligados. Passaram bem baixo sobre as montanhas e não demoraram a avistar a nave pousada dos maahks. Enquanto um dos inimigos prosseguiu na mesma rota, o outro mudou de rumo e foi-se aproximando lentamente. Gucky não se mantivera inativo. Deu três saltos de teleportação e descobriu o arsenal da nave-vespa. As bombas pequenas guardadas no mesmo eram semelhantes dos terranos ou arcônidas. Só possuíam um botão amarelo na face externa. Encheu os bolsos de bombas e teleportou de volta para a sala de comando. Certificou-se de que a nave inimiga ainda se encontrava a alguns quilômetros de distância. Tirou cautelosamente uma das bombas e estendeu em direção ao comandante, segurando-a sobre a pata aberta. A outra mão apontou para o botão amarelo. Os pensamentos do comandante revelaram tudo que Gucky queria saber. As bombas eram artefatos explosivos atômicos. Comprimia-se completamente o botão, e bomba explodiria cerca de quinze minutos depois. Mas se o botão fosse comprimido somente até o ponto em que se sentia uma ligeira resistência, a explosão ocorreria dentro de uma unidade de tempo correspondente aproximadamente a dez segundos terranos. Gucky respirou aliviado quando compreendeu isso. O resto não seria difícil. Pelo menos enquanto os campos defensivos do inimigo continuassem desligados. Gucky fixou a nave inimiga através da fresta de visão e teleportou. Materializou em algum lugar no interior da nave desconhecida. Tratava-se de um recinto pequeno e escuro. Um zumbido vindo de perto mostrava que o centro de propulsão não devia estar muito distante. Aqui ou em outra parte, não fazia diferença. Pouco importava o lugar em que detonasse a bomba.

Gucky tirou do bolso uma das bombas, concentrou-se no salto de volta para bordo da nave-vespa, comprimiu o botão até encontrar resistência — e saltou. Não rematerializou exatamente no lugar em que queria. Provavelmente estivera muito nervoso. Quando voltou a enxergar, encontrava-se no chão pedregoso do platô, a cinqüenta metros da nave-vespa. Olhou para cima, mas não viu logo a nave negra. Mas logo teve de fechar os olhos, pois um raio de luz que surgiu no lugar em que devia estar o inimigo deixou-o ofuscado. Não perdeu mais tempo, teleportou para a sala de comando da nave-vespa. O comandante compreendeu imediatamente o que devia fazer. Ligou os propulsores e a navezinha subiu numa velocidade louca, para escapar ao segundo atacante, contra o qual Gucky não podia fazer mais nada, já que a nave assistira à destruição da outra unidade e estava voltando. Desta vez com os campos defensivos ligados. Assim que a nave-vespa ficou em segurança, Gucky refletiu sobre qual seria a melhor forma de combate. Chegou à conclusão de que tudo dependia das condições em seria realizado o mesmo. Além disso, disse de si para si, com o tempo acabaria adquirindo prática. Nos trinta minutos que se seguiram conseguiu desviar duas naves negras da rota que seguiam, provocando sua colisão com as montanhas. Nestas condições nem mesmo os campos defensivos verdes puderam salvá-las. Destruiu mais três naves com bombas. Renovou sua provisão de explosivos e teleportou para o espaço livre. Ali as coisas eram mais fáceis. Bastava esperar que aparecesse uma nave dos senhores da galáxia que estivesse com o campo defensivo desligado. Teleportava para dentro da mesma, acionava o detonador da bomba e dava o fora. Dentro de cinco segundos as forças invasoras tinham uma nave a menos. Por mais cansativa que fosse a ação ininterrupta, Gucky se sentiu rejuvenescido. Antigamente fora assim, no planeta Vagabundo, quando suas paracapacidades ainda eram uma brincadeira, um passatempo. Naquele momento eram uma coisa muito séria. A frota dos maahks começou a reunir-se. O súbito aparecimento do misterioso combatente que viera em seu auxílio, e que parecia estar em toda parte ao mesmo tempo, deu-lhes novo estímulo. Talvez ainda fosse possível rechaçar os atacantes. Ninguém parecia saber por que de repente os senhores da galáxia tinham passado a serem seus inimigos. Gucky teleportou de uma nave para outra, percorrendo milhares de quilômetros. Destruiu um total de cinqüenta naves atacantes e só então resolveu voltar à C-5. Esforçara-se em vão para estabelecer contato telepático com Tronar, Rakal ou Redhorse. Não se poderia cogitar do contato pelo rádio, pois todas as faixas eram ocupadas pelos maahks que lutavam desesperadamente. Não havia uma única freqüência livre. Deu três ou quatro saltos na direção da capital, para orientar-se. Quando se encontrava a quarenta quilômetros da cidade não pôde prosseguir. Ficou parado no topo uma montanha. Viu o inferno à sua frente. A cidade transformara-se numa cratera gigante cheia de lava líquida. A massa quente fervilhava, dando impressão de que um depósito subterrâneo a alimentava constantemente de calor. Bolhas gigantescas subiam à superfície e arrebentavam com um forte estalo. Os vapores esverdeados formavam véus compactos, prejudicando a visão. Alguns edifícios continuavam de pé na massa líquida fumegante, mas já se inclinavam e começavam a afundar. Os cogumelos atômicos continuavam suspensos bem no alto. Já não eram incandescentes, mas a próxima precipitação pluviométrica faria chover isótopos

radiativos. A vida no planeta se extinguiria, a não ser que houvesse algum refúgio nas profundezas das rochas superficiais. Era exatamente o que aconteceria, assim que... Gucky lembrou-se do que estava para acontecer. Por enquanto não havia nenhum sinal de que o planeta iria arrebentar. Fitou as montanhas que se estendiam bem ao longe, junto à linha do horizonte, do outro lado do lago de lava, a pelo menos cem quilômetros de distância. Teleportou. Encontrou o vale em que estivera parada a nave-girino. Não estava mais lá. Viam-se sinais de rocha derretida nos paredões que fechavam o vale. Certamente houve um ataque, que fora rechaçado pela C-5. Provavelmente a superioridade das forças inimigas a obrigara a fugir. Gucky ficou parado no topo rochoso, olhando para a planície. Sentia-se abandonado. À sua direita brilhava o mar de fogo e lava. À sua frente estendia-se o deserto de pedra, ainda intocado. As montanhas ficavam atrás dele. Do lado esquerdo cogumelos incandescentes cobriam o céu. Por lá devia ficar outra cidade que estava sendo atacada. Para onde teria fugido Redhorse? Por enquanto Gucky estaria em segurança nas montanhas, mas não se sabia quanto tempo duraria a agonia do planeta. Havia um sistema de renovação de ar em seu traje de combate terrano, mas o tempo de funcionamento do mesmo era limitado. De qualquer maneira, podia ficar alguns dias sem receber qualquer suprimento de ar vindo de fora. Além disso, dispunha de alimentos concentrados e tabletes de água. Até mesmo no espaço estaria em segurança por alguns dias, e Redhorse acabaria por encontrá-lo. Voltou a tentar o transmissor, mas foi em vão. Concentrou-se nos impulsos mentais vindos de fora, mas era impossível identificar os impulsos dos terranos em meio ao número enorme de pensamentos dos maahks. Por um instante pensou em apoderar-se de uma nave maahk e fugir na mesma. Mas logo reconheceu que seria inútil. Além de encontrar-se a um milhão de anos-luz de sua galáxia, fora deslocado mil anos em direção ao passado. E o tempo seria mais difícil de superar que o espaço. Rhodan só nasceria dentro de quinhentos anos. E ele mesmo, Gucky, ainda não tinha nascido naquele momento. Viu uma pequena nave maahk fugir desesperadamente de um cruzador enorme dos senhores da galáxia, visou a mesma e teleportou. *** Aquilo que Redhorse temera não demorou a acontecer. Os invasores descobriram a nave terrana. Talvez pensassem que fosse um modelo novo dos maahks, mas também era possível que conhecessem as experiências que estes tinham feito nove mil anos atrás com os arcônidas. Atacaram sem aviso. Eram dois cruzadores pesados de quinhentos metros de comprimento. As proas abauladas despejaram feixes energéticos ofuscantes, que o campo defensivo da C-5 repeliu sem dificuldade. Redhorse deu ordem para que o canhão conversor entrasse em ação. Três hiperbombas foram arremessadas para dentro do campo defensivo do primeiro cruzador e provocaram o desmoronamento súbito do mesmo. A quarta bomba explodiu na sala de comando da nave inimiga, para onde foi teleportada por meio do raio conversor. O cruzador pesado esfacelou-se com as explosões que se seguiram.

O outro precipitou-se para o céu verde-escuro e voltou dentro de alguns minutos com um grupo de naves. Redhorse fez um sinal para o Tenente Schwag. — Vamos fugir! Não podemos ficar aqui, à espera de Gucky, pois seríamos esmagados pela superioridade de forças. Talvez encontremos um esconderijo melhor lá adiante, no meio das montanhas. Tronar, procure pensar constantemente em Gucky, para que ele possa localizar-nos. — Já não penso em outra coisa — resmungou Tronar. Hope Schwag fez a C-5 sair do vale numa curva elegante para em seguida subir quase na vertical. Os atacantes ficaram tão surpresos que não agiram com a rapidez que seria necessária. Antes que pudessem esboçar qualquer reação, a C-5 deixou para trás a atmosfera do planeta e precipitou-se em alta velocidade para dentro do abismo sem estrelas. Voltou dali a meia hora, descrevendo uma curva ampla, e aproximou-se da face noturna do planeta. Em toda parte viam-se oceanos de lava incandescente, e em vários lugares a matéria líquida incandescente do núcleo planetário subia livremente à superfície. Ao contrário da lava, que emitia um brilho apagado, essa matéria brilhava num vermelho vivo. Não demoraria muito, e o hidrogênio da atmosfera entraria em contato com uma porção de oxigênio. A catástrofe era iminente, mas nem mesmo os senhores da galáxia desconfiavam disso. De repente Redhorse teve a impressão de que já sabia por que desde o momento da catástrofe os senhores da galáxia evitavam o sistema dos dois sóis vermelhos. — Não há sinal de Gucky — disse o sargento Inghar, desesperado. Não saía da frente dos seus aparelhos, deixando o seletor de freqüência deslizar sobre as escalas. — Não responde mais. O éter está atulhado de transmissões. Só com muita sorte a gente consegue uma faixa livre por um segundo. Não compreendo. — Não desista — pediu Redhorse, que por mais aborrecido que estivesse com Gucky, estava bastante preocupado com o mesmo. — Só mesmo por obra do diabo poderia ter acontecido alguma coisa ao rato-castor. Inghar apontou para as telas. — O inferno não fica muito longe — disse em tom sarcástico. Desceram um pouco. O Tenente Hope Schwag continuava sentado atrás dos controles, com o rosto tenso, preparado para voltar ao espaço de um instante para outro. O campo defensivo estava ligado. Tronar e Rakal não se arriscaram a utilizar um dos incontáveis fluxos energéticos. Não sabiam se não materializariam justamente num lugar em que a fonte de produção ou o centro de consumo de energia fossem cobertos de lava numa questão de segundos. Além disso, havia outro problema. Estavam sentados na sala de comando, um pouco afastados, dos outros, e conversavam sobre os mesmos. — Não consigo compreender que impulsos são estes — Tronar e sacudiu a cabeça. — Não é uma forma de energia normal. Será que é porque saímos do nosso temporal? — Isto só pode ser entendido em sentido relativo, Tronar. Nosso plano atual é este, e a energia sempre será energia. Acho que nos encontramos na pista de uma coisa inteiramente nova. Se eu digo que a energia sempre será energia, isto só é verdade em parte. O suprimento de energia da cidade, por exemplo, faz parte do presente. A energia está sendo gerada e consumida agora. Trata-se de forma de energia bem normal. Sabemos e sentimos que é assim. — Já estou compreendendo...

— Deixe-me concluir — pediu Rakal em tom sério. Suponhamos que a armadilha do tempo só tivesse sido montada pelos senhores da galáxia depois que o planeta fora destruído e se arrebentara. É bem possível que não tenham conseguido destruir o transmissor. Mas resolveram evitar que o mesmo fosse alcançado por pessoas não autorizadas, para impedir o tráfego por ele. Construíram a armadilha do tempo em época posterior. Prosseguindo no raciocínio, chegamos à conclusão de que, se recebemos os impulsos energéticos do campo temporal, tivemos conhecimento de impulsos que neste momento ainda não existem. Tronar fitou o irmão gêmeo. — Como se pode perceber uma coisa que nem existe? — Isto é possível! Afinal, nós existimos, embora neste momento a armadilha do tempo ainda não exista. A mesma só será montada dentro de cem ou duzentos anos. No entanto, somos aqui e agora. — É um pouco complicado. Não acha? — O tempo é uma coisa que ainda não conhecemos. Superamos o espaço e as distâncias, mas não o tempo. Conquistamos metade de uma galáxia e voltamos a perdê-la, mas em nenhum lugar encontramos uma máquina do tempo. Nenhuma raça domina a viagem pelo tempo. Sem dúvida descobrimos alguns indícios e até constatamos certos avanços nessa direção. Encontramos outros planos temporais e assistimos a algumas tentativas titubeantes no sentido de uma viagem pelo tempo, mas nunca descobrimos a mesma em estado de perfeição. A vivência que estamos tendo também não é nenhuma perfeição. Se pego um fuzil e fico atirando a esmo, ninguém dirá que estou fazendo um exercício de tiro ao alvo. — Mesmo que você tenha razão, e tenho cá minhas dúvidas, isso não nos ajudaria em nada. Não se trata de impulsos energéticos normais. O que podemos fazer com os mesmos? Rakal encostou o dedo ao nariz, o que costumava fazer toda vez que queria refletir intensamente. — Ainda haveremos de descobrir, Tronar. Tenho uma idéia. Mas prefiro só realizar a experiência depois que tivermos encontrado Gucky. Seria horrível se o deixássemos aqui. — Aqui? Rakal sorriu. — Você tem razão. Eu deveria formular isto de maneira diferente. Se o deixássemos agora. O Tenente Schwag fez passar a C-5 em alta velocidade sobre os topos das montanhas. A morte e a destruição ainda não tinham chegado a esse lugar. Alguns grupos de naves-vespa se tinham retirado para os vales, para concentrar-se em novas operações defensivas. Reconheceram imediatamente a nave esférica desconhecida e não a atacaram. O sargento Inghar, que se encontrava na sala de rádio, disse em voz alta. — Estão transmitindo um sinal em código que significa vôo feliz. Gucky deve ter criado simpatias entre eles, e sabem que Gucky é um dos nossos. Redhorse dirigiu-se apressadamente à sala de rádio. — O senhor não poderia perguntar onde está Gucky? Se está em contato com os maahks, deveria ser possível... Inghar compreendeu logo. Transmitiu várias mensagens uma após a outra. Forneceu uma descrição do rato-castor, de suas faculdades e aptidões e pediu notícias sobre seu paradeiro. Depois voltou a ligar na recepção.

Aguardaram ansiosamente. Enquanto isso Schwag reduziu a velocidade da nave-girino e ficou circulando sobre os vales. Chegou a ver uma das gigantescas naves negras dos invasores, que passou em grande altura. Parecia não tê-los localizado, pois não tomou conhecimento de sua presença. A tradutora estava funcionando perfeitamente. A mensagem expedida por um transmissor não muito distante foi recebida de forma nítida. — O pequeno ser, conhecido como o matador simultâneo em toda parte, causou danos graves aos senhores da galáxia — disse uma voz. — Agradecemos a ele e a vocês, sejam lá quem forem. Nossas tradições falam em naves esféricas, mas os seres que as pilotavam eram nossos inimigos e vinham da segunda galáxia mais próxima. Nós mesmos viemos de lá. Fomos expulsos pelos seres que construíram as naves esféricas. Vocês já ouviram falar nisso? — Não — mentiu Redhorse, que não queria complicações diplomáticas e não tinha tempo para explicações prolongadas. Os maahks provavelmente estavam aludindo a seus antepassados, que tinham sido expulsos pelos arcônidas. Isso explicava o ataque não provocado à C-5, no momento em que esta tinha pousado no porto espacial da cidade. — Nunca ouvimos falar nisso. O transmissor ficou em silêncio por alguns segundos. Finalmente o maahk disse: — Não temos notícias do matador simultâneo em toda parte. Apareceu em nossas naves e depois desapareceu. Ninguém sabe onde está no momento, mas o comando supremo informou que pelo menos setenta cruzadores inimigos foram destruídos por ele. Às vezes ataca em vários lugares quase ao mesmo tempo. — Poderia fazer o favor de providenciar para que suas estações transmissoras transmitam uma mensagem assim que ele for avistado? Temos necessidade urgente de sua presença em nossa nave. — Vamos tentar. Redhorse voltou à sala de comando. Olhou para as telas e levou um susto. O Tenente Schwag prosseguia no vôo. Crateras gigantescas se abriam na planície. Uma massa incandescente vermelha e viscosa saía das feridas do planeta, enchendo as depressões. Mares e rios de fogo iam aparecendo. Extinguiam todas as formas de vida. Passavam lentamente sobre os campos cultivados e pequenas povoações, deixando atrás de si a morte em milhares de formas. — Olhem... — Tronar aproximou-se e apontou para a margem superior da tela panorâmica. — Os senhores da galáxia. Eram gigantescas naves cilíndricas negras, com pelo menos oitocentos metros de comprimento. Voavam em grupos de três e iam descendo lentamente. O que mais chamava a atenção era que mantinham sempre a mesma formação e tinham o cuidado de permanecer à mesma altura. — Se eles nos localizarem, teremos problemas disse Redhorse. — Sugiro darmos o fora enquanto é tempo. — Não estão interessados em nós — disse Tronar. Suas intenções são outras. Talvez possamos ficar mais um pouco. Redhorse, olhe esse desfiladeiro que penetra obliquamente na montanha. Seria um bom esconderijo. — O que espera conseguir ficando aqui, Tronar? — Uma aula ao vivo, capitão. Uma lição de como destruir um planeta. — Quer dizer...?

Redhorse calou-se. Voltou a olhar para a tela. Os cilindros gigantescos formaram um círculo uns cinco quilômetros acima da planície que se estendia até o horizonte. De repente surgiram manchas ofuscantes em suas faces inferiores, que se propagaram em forma de raios brancos. Estes raios uniram-se, formando um feixe concentrado, pouco menos de quinhentos metros acima da superfície. A energia duplicada por cem atingiu a rocha de um platô que se erguia algumas dezenas de metros acima da superfície. Um buraco formou-se com uma rapidez incrível. A rocha liquefeita formou uma massa vermelha incandescente, que foi escorrendo para o lado, enquanto uma nuvem de gases subia na vertical, alcançando as naves e envolvendo-as. Um poço que prosseguia na direção do centro do planeta surgiu na crosta do mesmo. — Estão perfurando o núcleo — disse Redhorse, perplexo. — Furam o interior liquefeito. Será que querem mesmo destruir o planeta? Sempre acreditei que o que fizeram não tivesse sido intencional. — Não sei — confessou Tronar. — Ninguém sabe. De repente as naves subiram. Os raios desapareceram. Uma das naves cilíndricas abandonou o grupo e foi descendo em direção ao funil fumegante. Quando se encontrava exatamente em cima do mesmo, deixou cair um objeto escuro, que desapareceu numa questão de segundos entre as nuvens de fumaça que saíam da cratera. A nave ganhou altura rapidamente. O grupo esperou alguns segundos e saiu em alta velocidade, desaparecendo em alguns instantes. Tronar segurou o braço de Redhorse. — Capitão, temos que dar o fora. Rápido! — O senhor acha que foi uma bomba? — E que bomba. É ela que vai arrebentar o planeta. Isso pode acontecer a qualquer momento. — Que demônios! — Redhorse sacudiu os punhos. — E Gucky? Temos de avisar os maahks. Se suas naves não estiverem muito próximas, sobreviverão à catástrofe. Mais tarde poderão voltar aos destroços e fixar-se nos mesmos. Não têm alternativa, pois suas naves não são capazes de alcançar a estrela mais próxima. A C-5 saiu em alta velocidade. O sargento Inghar transmitiu o aviso a todos os maahks. Até chegou a receber a confirmação de um alto escalão, que o informou que Gucky fora visto pela última vez numa nave-vespa. Isto há meia hora. Depois disso as comunicações com essa nave tinham sido interrompidas. Redhorse agradeceu e voltou a olhar para as telas. A planície na qual se via o poço incandescente ficava bem embaixo da C-5. Talvez fosse conveniente ir embora quanto antes. Ninguém sabia exatamente quais seriam os efeitos da bomba que acabara de ser lançada. — Cilindros negros pela frente, senhor — disse o Tenente Hope Schwag. Redhorse assumiu o centro de controle de tiro. Eram apenas duas naves, que se aproximavam em alta velocidade, mas de repente saíram da rota e ganharam altura rapidamente. Parecia que queriam evitar um confronto direto com a C-5. — Será que estão com medo? — resmungou Tronar, que acabara de sentar à frente dos controles, ao lado de Redhorse. — Até parece.

Redhorse não respondeu. Em hipótese alguma queria deixar-se enganar pelos chamados senhores. Uma das naves cilíndricas estava perfeitamente enquadrada na mira automática do canhão conversor. A primeira explosão arrebentaria o campo defensivo verde, e a segunda bomba, que seria disparada em seguida, explodiria no interior da nave. Não houve necessidade de usar a arma. As naves negras fugiram em alta velocidade da nave muito menor. — Parece que Gucky lhes deu uma lição — resmungou o capitão, zangado. — E as mensagens de rádio transmitidas pelos maahks revelaram que Gucky veio de nossa nave. Não me admirarei se daqui a pouco for iniciada uma caça em grande escala contra nossa nave. — Quem dera que Gucky desse as caras — disse Rakal. — Só assim poderia tentar provar minha teoria. Se conseguir isso, teremos um meio de voltar ao presente. Tronar acenou com a cabeça, mas não disse nada. — Se Gucky não aparecer logo, teremos de sair para o espaço, quer queiramos, quer não — disse Redhorse. — É o único lugar em que estaremos em segurança. Os maahks já abandonaram seu planeta, que foi condenado à morte. Grandes bandos de naves-vespa se reúnem e tentam colocar-se em segurança. Será que Gucky está com eles? Daqui a pouco não poderemos ter mais consideração com ele — disse Schwag, apontando com a cabeça para as telas. — As primeiras fendas estão surgindo lá em baixo. E são fendas enormes. — Quer dizer que é mesmo uma explosão dirigida — observou Redhorse, sem dar atenção à advertência implícita que Schwag acabara de formular. — O fim do mundo é um processo relativamente lento. Todos terão oportunidade de pôr-se a salvo, desde que possuam uma espaçonave ou pertençam à tripulação de uma delas. Voaram a dois mil quilômetros de altura, para terem uma visão melhor. Fendas iam surgindo em toda parte no planeta incandescente, cuja crosta já estava arrebentada em muitos lugares. No fundo das mesmas via-se um brilho vermelho ofuscante. As fendas aprofundavam-se e alargavam-se cada vez mais. O núcleo liquefeito do planeta foi saindo do interior do mundo agonizante, sob a pressão exercida pela crosta. Vulcões se formavam cuspindo lava. A temperatura na superfície já devia ser insuportável. Não havia mais nada vivo por lá. O planeta estava morto. A última fase da destruição teve início. A fenda mais larga, que atravessava a superfície do planeta de lado a lado, na direção norte-sul, não era reta, mas corria em ziguezague. Novas fendas surgiam, ligando vértices das curvas. As ilhas que se formavam derretiam-se, afundando na lava. A fenda atingia o núcleo do planeta. E o planeta quebrou-se ao meio. Rakal segurou o braço de Tronar e levou-o para fora da sala de comando. — Que houve? — Não posso esperar mais, Tronar. Com Gucky ou sem ele, preciso tentar antes que seja tarde. Os estranhos impulsos energéticos provavelmente não têm nenhuma relação com o planeta, ao menos com o planeta agonizante. Mas nunca se pode ter certeza. Tronar fitou-o com uma expressão de dúvida. — Se sua teoria for certa... se você realmente detectou o impulso energético do campo temporal, Rakal, então estaremos abandonando Gucky, quer a experiência e a tentativa de regresso sejam bem-sucedidas ou não. — Você tem razão, mas não há nada que eu possa fazer.

— Espere mais um pouco. Não temos pressa. O campo temporal continuará a existir quando o planeta já tiver desaparecido. — É verdade — Rakal apoiou as costas na parede do corredor. — O campo temporal não depende disso. Caso Gucky se encontre a bordo de uma das naves-vespa, ele está em segurança. Quem dera que ele não demorasse a encontrar-nos. Tronar estava de pé à sua frente. — Você tem certeza de que descobriu os fluxos energéticos do campo temporal? Será que não se trata do centro de comando do transmissor? Acho que se não experimentarmos nunca teremos certeza. — É claro que não podemos ter certeza. Mas sinto os impulsos; estão em toda parte. Envolvem-nos constantemente e vêm de todos os lados. Acho que só pode ser o projetor que alimenta a armadilha do tempo. O mesmo encontra-se no fragmento chamado Califa, situado mil anos no futuro. Foi onde os senhores da galáxia o instalaram. É possível que eles nem saibam até onde o mesmo arremessa para o passado as pessoas que entrarem em sua área de influência. Também é possível que tenha sido instalado mais cedo do que suponho. O fato é que existe no momento em que, daqui a mil anos, fomos ou seremos lançados para fora da Crest... Tentarei viajar nestes impulsos para chegar ao futuro, descobrir a máquina e destruí-la. Tronar fitou Rakal com uma expressão de espanto. — Destruí-la? O que acontecerá se você fizer isso? E como fará para abandonar o agora e chegar ao futuro? A viagem no tempo não existe. Foi você mesmo que afirmou isso. — Não se trata de uma viagem no tempo nesse sentido da expressão, Tronar. Você e eu somos capazes de viajar com os impulsos energéticos. O projetor temporal instalado em Califa precisa de energia para lançar a ponte para o passado. O respectivo fluxo energético é recebido aqui. Quer dizer que a ponte termina em nosso presente relativista. Sentimo-lo. Se nos introduzirmos nesse fluxo, fatalmente haveremos de chegar à respectiva fonte, mesmo que esta se situe no futuro. Quer dizer que faremos uma viagem pelo tempo em estado imaterial. — Teoricamente parece excelente, mas... — Sempre existe um mas, Tronar. Mas se fosse você que tivesse descoberto isso, não hesitaria um instante em provar sua teoria e salvar-nos. Afinal, não é qualquer um que tem a oportunidade de fazer uma viagem pelo tempo. — Nós, Rakal, já estamos cheios disso. Voltaram à sala de comando. Olharam para a tela e viram que o planeta já se dividira em quatro partes, que continuavam a dividir-se e afastar-se uma da outra. Esfriavam e se solidificavam aos poucos. O anel de asteróides estava nascendo.

6 Quando Gucky materializou na sala de comando da nave-vespa, não teve necessidade de apresentar-se. Os maahks que se encontravam por lá o trataram com respeito e delicadeza, embora fossem tão grandes que Gucky literalmente desaparecia entre eles. Gucky deleitou-se com seus pensamentos. “O matador simultâneo em toda parte...! Também somos honrados com sua visita. Destruiremos o inimigo... Enquanto ele estiver conosco, ninguém poderá derrotar-nos... É o combatente mais valoroso do Universo...” — Obrigado, prezados cabeças de foice — disse com a voz melosa, embora eles não o entendessem. Bastava que ele entendesse o que estavam pensando. — Vamos mostrar aos ilhéus o que é um ancinho, meus chapas! apontou para o norte. — Sim, a direção é esta... Formidável. Vejo que compreendem depressa. Gucky recorreu a gestos para assumir indiretamente o comando da nave-vespa dos maahks. Lançou um olhar para o planeta e certificou-se de que o mesmo não agüentaria por muito tempo. No seu entusiasmo praticamente esquecera a C-5. Afinal, era capaz de teleportar, e bastaria concentrar-se de verdade para localizar os pensamentos de Redhorse. Ou os de Tronar e Rakal. Os senhores da galáxia deviam ser verdadeiros monstros, pois do contrário não atacariam um planeta praticamente indefeso com tamanha superioridade de forças para destruí-lo. Era uma pena que não tivesse tido oportunidade de encontrar-se com um desses seres. Por enquanto ninguém sabia como eram os donos da nebulosa de Andrômeda. Seu aspecto era humano? Ou seriam diferentes de tudo que já se tinha visto? Em compensação Gucky simpatizava cada vez mais com os maahks que acabavam de ser derrotados. Precisava ajudá-los até onde fosse possível, embora soubesse que não havia como mudar o resultado final da luta. Os atacantes sairiam vitoriosos, e os poucos sobreviventes entre os maahks sofreriam um processo de mutação no interior do grande asteróide, por meio do qual se adaptariam ao novo ambiente. Talvez um dia, daqui a mil anos mais ou menos, conseguissem vingar-se da derrota que hoje estavam sofrendo. Hoje...! Gucky lembrou-se de que existia mil anos no passado e resolveu não refletir mais sobre o presente e o futuro. De repente apareceram três cruzadores gigantescos dos senhores da galáxia que mudaram de rota para atacar a nave-vespa. Surpreendentemente vieram todos, em vez de deixar esse trabalho ridículo por conta de uma única nave. Gucky sabia que não seria fácil enfrentar três inimigos ao mesmo tempo. Por meio da telecinesia conseguiu modificar ligeiramente a rota de uma das naves, mas fazer isso com três naves ao mesmo tempo seria demais. Felizmente foi ajudado pelo acaso. As três naves inimigas mantinham uma formação bem definida. Uma delas voava à frente, enquanto as outras duas vinham atrás, em posição oblíqua, e bem próxima uma da outra. Quando começassem a disparar, os feixes energéticos se concentrariam, tornandose fortes demais para qualquer campo defensivo. Gucky saltou para um dos cantos da sala de comando onde tinha uma visão direta do cosmos, através da larga fresta de visão. Era a única possibilidade de exercer sua influência telecinética sobre a nave inimiga, modificando a rota da mesma.

As três naves dos senhores da galáxia já estavam bem próximas. Poderiam abrir fogo a qualquer momento. Os maahks que se encontravam na sala de comando estavam transpirando. Era ao menos o que Gucky acreditava. Lançavam-lhe olhares sobre cujo significado só podia formular hipóteses. De repente, em pleno vôo, a nave que ia à frente mudou de posição. Girou obliquamente em relação à direção do vôo e reduziu a velocidade. No mesmo instante, não se sabe por que, seu campo defensivo desapareceu. Por mais um acaso, as duas naves que vinham atrás abriram fogo neste exato momento. Era uma coisa que Gucky não podia prever, mas ajudou seus planos. A nave que ia na frente foi destruída imediatamente, enquanto as outras duas voaram para dentro da explosão. Seus campos defensivos não resistiram à repentina solicitação. Desmoronaram. Houve novas explosões, que provaram que nenhuma das naves inimigas voltaria ao seu porto de origem. No momento em que a nave-vespa estava passando em alta velocidade junto às nuvens incandescentes, Gucky teve a impressão de que estava vendo um fragmento de grandes dimensões. Talvez fosse esta a oportunidade de encarar frente a frente um dos senhores da galáxia. Na qualidade de vencedor. A nave-vespa prosseguiu, pois o comandante não podia saber onde ficara seu misterioso colaborador. Além disso, já se sabia que o matador simultâneo em toda parte costumava desaparecer tão inesperadamente como aparecia. Quando materializou, Gucky estava suspenso ao lado da nuvem radiativa, uns cinco mil metros acima da superfície do planeta. Começou a cair imediatamente, pois a gravitação era muito intensa. Nem mesmo os estabilizadores gravitacionais seriam capazes de neutralizar a mesma. A telecinesia era o único recurso. Gucky interrompeu a queda e controlou o vôo, até que o traje de combate terrano ficou em condições de entrar em ação. Os campos energéticos mantiveram-no na posição desejada, e até era capaz de controlar seu vôo. Teleportou para cima do fragmento da nave. Este era menor do que acreditara. Tratava-se de um pedaço do casco e de partes dos camarotes mais próximos. Não havia nada inteiro. A atmosfera tinha escapado. Fossem quem fossem os senhores da galáxia, eles não seriam capazes de viver no vácuo. Restava saber se a bordo das gigantescas naves se encontravam os misteriosos senhores, ou as tropas auxiliares dos mesmos. No que restava dos camarotes havia fragmentos dos objetos que guarneciam os mesmos. Gucky foi flutuando lentamente para o interior dos destroços que estavam à deriva e finalmente sentiu “chão firme” sob os pés. Não sentia que estava caindo juntamente com os destroços, e que a flutuação não passava de uma ilusão. As explosões tinham arrebentado as paredes e as instalações. Gucky encontrou uma espécie de sofá num dos cantos, mas o tamanho e a altura não permitiam que se tirasse qualquer conclusão sobre o formato do corpo do ser que utilizava o mesmo. Na sala contígua Gucky encontrou uma coisa mais interessante. Havia um quadro quebrado na parede. Estava dentro da parede, e mostrava a imagem em três dimensões. Mais precisamente, mostrava um rosto. Gucky ficou parado sobre o fragmento que continuava a cair, contemplando o retrato. Exteriormente o rosto parecia humano, mas a expressão dos olhos estreitos não tinha nada de humano. Era indecifrável. Aqueles olhos poderiam exprimir tanto um ódio mortal como um amor infinito.

Gucky não conseguia libertar-se do quadro; perguntou-se quem era a pessoa retratada no mesmo. Será que os senhores da galáxia eram assim? Ou tratava-se de outra raça da nebulosa de Andrômeda, que era aliada dos senhores? Gucky não seria capaz de dizer, mas pela primeira vez em toda vida sentiu algo parecido com o medo, ao fitar aqueles olhos. O quadro se quebrara, mas aqueles olhos continuavam a fitá-lo, dando a impressão de que retribuíam seu olhar curioso. Até parecia que aqueles olhos estavam vivos. O fragmento continuava a cair. Aproximava-se da superfície do planeta que começara a dividir-se. Gucky percebeu quando olhou para trás e viu as crateras incandescentes que se aproximavam ameaçadoramente. Lançou mais um olhar para o estranho quadro, que nunca esqueceria, e ligou o propulsor de seu traje de combate. Saiu do fragmento no último instante e subiu em alta velocidade. Dali a alguns segundos o que restava da nave negra mergulhou na massa incandescente viscosa que cobria o fundo da grande cratera. Gucky parou a cem quilômetros de altura. De repente deu-se conta de que estava só. As naves-vespa já tinham abandonado o planeta, que já começava a arrebentar-se no meio. Redhorse... Tronar e Rakal! A nave-girino! Onde estava a C-5...? Gucky sentiu uma onda de calor ao lembrar-se dos amigos. Esquecera-os no auge do entusiasmo que lhe provocara a idéia de estar fazendo história. Provavelmente tinham fugido das forças imensamente superiores e estavam à sua procura. Não; com certeza o estavam aguardando. O planeta estava perdido. Tinham de cuidar de si mesmos. Principalmente precisavam esforçar-se para encontrar um meio de voltar ao seu tempo. Gucky não teve a menor dúvida de que conseguiriam. Afinal, a armadilha do tempo certamente funcionava também em sentido inverso. Era bem verdade que não tinha a menor idéia de como isso acontecia. Se os outros conseguissem isso logo, ele ficaria só. Só! De repente Gucky animou-se. Subiu mais e aumentou a velocidade. Os novos trajes de combate terranos eram formidáveis. Em seu interior vivia-se como num planeta. Pouco importava que a pessoa se encontrasse num mundo cuja atmosfera era venenosa ou no espaço cósmico — o traje oferecia espaço vital e proporcionava oportunidades para manter-se vivo. Gucky ingeriu alguns alimentos concentrados e tomou tabletes de água para refrescar-se. Depois que a vida voltou a despertar dentro dele, esforçou-se para localizar a C-5. Levou apenas alguns minutos para constatar que era praticamente impossível estabelecer contato telepático. Milhares de impulsos mentais irritados continuavam a encher ambiente, deixando-o nervoso. Todas as freqüências de rádio continuavam ocupadas, mas Gucky teve a impressão de que o congestionamento estava diminuindo um pouco. Gucky resolveu usar o rádio. Contornava o planeta moribundo a centenas de quilômetros de altura. Viu o mesmo dividir-se em duas e depois em quatro partes. Outras fendas iam surgindo em sua superfície. Uma explosão dividiu uma das quatro partes em milhares de asteróides. O anel começava a formar-se. — Alô, C-5! Respondam! Gucky falando!

Gucky dizia estas palavras constantemente para dentro do microfone, cada vez mais nervoso, para em seguida ligar na recepção. As pausas eram cada vez menores. Os pedidos de socorro tornavam-se mais angustiosos. Mas não houve resposta. A superfície do planeta gigante deixara de existir. O que girava em torno dos dois sóis era o anel de asteróides. As naves-vespa que conseguiram fugir afastaram-se em todas as direções, aguardando os acontecimentos a uma distancia segura. Não se via mais sinal das naves cilíndricas dos senhores da galáxia. Certamente tinham-se afastado, uma vez cumprida a missão. Não se preocuparam com os maahks que estavam condenados à morte. Mas estes sobreviveriam à catástrofe, como raça. Gucky sabia disso. Não poderia deixar de saber. Afinal, vinha do futuro. E retomaria ao mesmo! — ...responda! Responda imediatamente nesta faixa, Gucky... Gucky teve a impressão de que acabara de tocar um fio de alta tensão com a mão. Conheceu a voz. Era de Tronar. Com um movimento rápido ligou a transmissão. — Gucky falando! Vocês me ouvem? — Ouvimos muito bem. Onde você se meteu? — Transformei-me num asteróide — disse o rato-castor com uma risadinha. Já se sentia plenamente em forma. — E vocês? Estão preparados para recolher nessa nave miserável o combatente mais forte e corajoso que já existiu no Universo? — Vamos pensar nisso — respondeu Tronar. — Em hipótese alguma queremos atrever-nos a ofender o mais forte dos combatentes. Talvez seja preferível voltarmos sozinhos ao futuro. Dessa forma poderá ser possível enviar um meio de transporte mais condigno. — Deixe de falar bobagens, Tronar! — interrompeu Gucky apressadamente. — Para mim qualquer coisa serve. Até um barquinho. O que quero é sentir chão firme sob os pés. Minha posição é a seguinte... — Não é necessário — disse Tronar em tom sarcástico. — Olhe para trás e você verá que estamos esperando bem atrás de você... Gucky virou a cabeça, praguejou e teleportou para dentro da nave-girino. *** Tronar apertou a mão de Rakal. — Boa sorte, irmão. Estou curioso para saber quando e onde voltaremos a encontrar-nos. Impulsos para cá, impulsos pra lá... — Trata-se de impulsos energéticos vindos do futuro — disse Rakal com um sorriso confiante. — Vocês verão. Até logo mais. Antes de desmaterializar, fitou os rostos dos amigos. Gucky exibiu o dente roedor e um sorriso triste e inseguro. Redhorse também sorriu. Estava confiante. Tronar tinha suas dúvidas; notava-se perfeitamente. O Tenente Hope Schwag esforçou-se para mostrar um rosto de jogador de pôquer. Inghar estava sentado à frente do rádio, prestando atenção ao zumbido leve do mesmo. — Pois então...! — disse Rakal. Concentrou-se em sua tarefa, desmaterializou e imediatamente perdeu os sentidos. Não sabia o que tinha acontecido quando sentiu a dor da rematerialização e voltou a enxergar. Estava suspenso numa sala escura e começou a cair imediatamente. Ligou os campos neutralizadores. A gravitação era menor que no planeta gigante, mas mais elevada que no interior da C-5. Não estava caindo mais.

Acendeu a luz. O holofote embutido em seu capacete iluminou uma grande sala, mas os limites da mesma eram perfeitamente visíveis. No centro da sala, cujas paredes eram de rocha, havia uma máquina enorme. Era onde terminavam todos os impulsos energéticos com os quais chegara até ali. Rakal sabia perfeitamente que antes de fazer qualquer coisa teria de determinar o tempo e a posição. Mas isso não era tão fácil. Não havia nenhum impulso além do fluxo energético vindo da máquina. Não havia alternativa. Rakal teria de fazer a pesquisa com os meios comuns. Encontrou um poço que subia na vertical. Se havia um dispositivo antigravitacional ligado ao mesmo, este não estava funcionando. Mas para Rakal isso não representava nenhum problema. Foi subindo lentamente no seu traje de combate, até que começou a clarear mais em cima. Dali a alguns segundos saiu do poço. Encontrava-se numa paisagem montanhosa coberta de rochas e bastante acidentada. Subiu mais um pouco, para enxergar melhor. Quando atingiu a altura de cerca de dois quilômetros, já não havia nenhuma dúvida. Lá embaixo ficava o asteróide Califa, e as montanhas eram em forma de ferradura. Retomara ao presente. Rakal resistiu à tentação de procurar detectar os impulsos de rádio expedidos pela Crest ou pelas outras naves. Só queria uma confirmação de que sua teoria estava certa. Só faltava uma coisa... Voltou a descer pelo poço e dentro de alguns minutos foi parar novamente na sala subterrânea em cujo interior se encontrava uma máquina gigantesca — o projetor do tempo, que gerava o campo temporal. Rakal sabia que não estaria prestando um bom serviço à ciência, mas não havia alternativa. Tinha que destruir a máquina, pois fora ela que atirara a C-5 para o passado e a mantinha presa lá. Caso deixasse de existir, o campo temporal se desmancharia e as pessoas que tinham sido obrigadas a fazer uma viagem pelo tempo voltariam imediatamente ao seu tempo real. Era ao menos o que Rakal esperava. Revistou os bolsos e encontrou uma pequena bomba. Era do mesmo tipo da que Gucky tinha usado para destruir o gerador que alimentava o campo defensivo verde. Contornou várias vezes o projetor do tempo até encontrar um lugar apropriado. Se a bomba explodisse ali, teria de arrebentar a máquina. Dispunha de cinco minutos. Cinco minutos para tomar uma decisão. Arriscou. Afinal, a idéia fora sua. Concentrou-se, introduziu-se no fluxo energético bem perceptível — e retomou ao passado. Quando materializou, viu à sua frente o rosto decepcionado de Gucky... *** — Eu sabia que não adiantava — disse Tronar. — Onde esteve? Rakal sentou. — A mil anos daqui, Tronar. Deu certo — olhou para o relógio. — Exatamente daqui a três minutos e dez segundos daremos um salto de mil anos. Acho que não devemos perder a oportunidade de ver isso na tela. — Desculpe Rakal, mas eu... — Estive em Califa e coloquei uma bomba que destruirá o projetor do tempo daqui a três minutos. No mesmo instante voltaremos ao nosso tempo. Se não tivesse tanta certeza teria ficado lá.

O argumento foi bastante convincente. Gucky foi andando lentamente para junto dos controles, com as mãos nos bolsos. Deu uma pancadinha no ombro do Tenente Schwag. — O senhor tem uma bela viagem pela frente, meu jovem. Mil anos! São mais que dez mil anos-luz... — Não podemos multiplicar peras com maçãs... principiou Hope Schwag, mas logo foi interrompido por Gucky. — Sabedorias banais adquiridas na escola, meu chapa! Mais nada. Aliás, a vivência prática vale mais que qualquer escola. Olhe para as telas, e o senhor verá um milagre. Faltava um minuto. — Se o sistema dos dois sóis se movimentasse pelo espaço, relativamente a Andrômeda e à Via Láctea, Rakal teria materializado em pleno espaço — disse Tronar. — não é mesmo? — Não — apressou-se Rakal em dizer. — Acompanhei os impulsos temporais em forma de espiral, independentemente do espaço e das distâncias. Daqui a pouco vai acontecer a mesma coisa... Faltam dez segundos, e a bomba vai explodir. Todos ficaram em silêncio. E todos olharam para as telas. O planeta já arrebentara completamente. Milhares de fragmentos de vários tamanhos continuavam na mesma orbita, alguns mais depressa, outros mais devagar. Com o tempo se formaria o anel. A distância entre o planeta e a C-5 era tão grande que se viam as duas galáxias. — É agora! — disse Rakal com a voz trêmula. As telas escureceram. Não se sentia nada. Parecia que alguém havia desligado a energia; só isso. Em seguida, numa fração de segundo, as telas voltaram a iluminar-se. No primeiro instante não se notou nenhuma mudança. Os asteróides continuavam a circular em torno dos dois sóis, mas eram menos. Califa foi entrando no campo de visão no setor de estibordo da galeria panorâmica. A C-5 voava exatamente em direção ao mesmo. — Pronto! — exclamou Redhorse. Notava-se pela voz que duvidara no seu íntimo de que a operação fosse bem-sucedida. Havia um tom de alívio na mesma. — Voltamos. — Eu sabia — disse Gucky em tom arrogante. Parecia seguro de si. — Afinal, não é a primeira viagem pelo tempo que estou fazendo. Rakal sorriu com uma expressão condescendente. Tronar lembrou-se da tarefa que os levara para lá. — O centro de comando! Que tal se cuidássemos logo disso? Redhorse acenou com a cabeça. — O senhor tem uma idéia de onde poderia ficar? — Uma idéia eu tenho, mas talvez seria conveniente que o senhor procurasse descobrir logo a posição da frota. Devem ter sentido nossa falta, a não ser naturalmente que as leis que prevalecem nos dois planos temporais sejam diferentes e... — Não. Nosso calendário está sincronizado com os relógios. Mas o senhor tem razão. Vou avisar Rhodan. Enquanto isso o senhor poderá tentar descobrir a estação. O contato com a Crest levou apenas alguns minutos para ser estabelecido. Redhorse contou o que tinha acontecido. O rosto de Rhodan projetado na tela parecia indiferente. Não se via se acreditava na história, ou se pensava que seus amigos tivessem sido vítimas de uma ilusão dos sentidos. — Tem certeza de que não há outras surpresas à nossa espera? — perguntou.

— Estou razoavelmente certo, senhor. — Muito bem. Neste caso poderemos pousar assim que encontrarem o centro de comando — hesitou e um sorriso quase imperceptível passou por seu rosto. — Transmita meus cumprimentos ao irresistível matador simultâneo em toda parte. Gucky estava sentado no sofá que nem um marajá, recebendo as demonstrações de respeito de seus colegas. Finalmente condescendeu em confessar uma coisa. — Bem... Rakal também não foi nada mau... Tronar desapareceu de repente. — Não se preocupem — disse Rakal para tranqüilizar os companheiros. — Captou um impulso e seguiu o mesmo. Temos certeza de que se trata do centro de comando que estamos procurando. Redhorse, desça mais um pouco... isso mesmo, siga para o oeste. Está vendo essa montanha esférica na planície? Fique parado em cima dela. Aguardaremos o regresso de Tronar. A montanha tinha o aspecto de uma cúpula. Talvez tivesse sido criada pela natureza, mas parecia mais provável que alguém a tivesse moldado numa rocha natural para determinada finalidade. Tronar materializou. Gucky contemplou-o com uma expressão de inveja. — Então? — perguntou Rakal. — É o centro de comando. Fica embaixo da montanha, a quinhentos metros de profundidade. Já deve ter existido no tempo em que o planeta ainda estava inteiro. A catástrofe não lhe causou nenhum dano. Redhorse transmitiu a novidade a Rhodan. Dali a meia hora a Crest pousou com mais dez naves. O ataque ao posto avançado dos senhores da galáxia iria ter início. *** Rhodan estava conversando com Grek-1. A parede transparente que os separava já não representava nenhum obstáculo. Tinham-se acostumado à mesma. — Naturalmente conheço o sistema dos centros de comando — disse o oficial maahk, respondendo a uma pergunta de Rhodan. — Não são muito numerosos. O centro que fica por aqui pertence à classe dos centros desativados, mas os relatórios oficiais ainda aludem ao mesmo. Fica bem embaixo da superfície rochosa do pequeno planeta, mas isso o senhor já sabe. Só existe um acesso, fortemente protegido. Não; não há necessidade de usar a força. Conheço as combinações que abrem as barreiras. Vou fornecê-las ao senhor. Vivem dizendo por aí que minha memória é muito boa. O controle propriamente dito... — Obrigado — interrompeu Rhodan com um gesto amável. — Já modificamos a regulagem de várias estações. Acho que desta vez também conseguiremos — sorriu. — Dentro de pouco tempo poderei colocá-lo em seu mundo de origem, Grek-1. O maahk fitou Rhodan com os quatro olhos. — O senhor faria isso? — Por que não? Já não existe nenhum motivo que me obrigue a considerá-lo um prisioneiro. — Acontece que ainda lhe poderei ser útil. Quero dizer-lhe uma coisa, Perry Rhodan. Nestes últimos dias e semanas tive de rever minha opinião. Até mesmo em relação aos arcônidas. Antes de ter travado conhecimento com o senhor, sempre pensei que os senhores da galáxia fossem meus amigos e protetores. Mas desde que fiquei sabendo o que aconteceu no Sistema dos Perdidos, convenci-me de que é exatamente o

contrário. Se tudo aquilo que o pequeno ser peludo conta sobre a destruição do planeta for verdade... — Gucky não mente — garantiu Rhodan em tom sério. — Já me contaram isso. Os senhores traíram meus companheiros de raça, que eram os guardiões deste centro de comando. Destruíram um planeta e condenaram um povo à morte. O senhor não acha que diante disso eu não poderia deixar de modificar minha opinião a respeito deles? Rhodan ficou andando de um lado para outro. Parecia pensativo. Finalmente perguntou: — Quer dizer que o senhor não faz questão de ser libertado logo, Grek-1? — Não. Para mim a liberdade só terá sentido depois que meu relacionamento com o senhor tiver sido completamente esclarecido. E para isso não bastam alguns favores esporádicos; há necessidade de mais que isso. Sua raça passou por uma evolução surpreendente e poderia dominar uma galáxia. O fato de não exercer este domínio representa um dado sobre o qual ainda terei de refletir. Se fôssemos nós, agiríamos de outra forma. — Sei disso, Grek-1. Mas dali só se pode concluir que nossas concepções sobre certas coisas são diferentes. Não é motivo para briga. — De forma alguma. Mas verifico que até nas nossas diferenças estamos de acordo. Imagino que no futuro poderá haver entre nossas raças uma colaboração melhor que a que foi possível entre os terranos, os aconenses e os arcônidas. Isso não depende tãosomente das nossas concepções. Existem outros motivos, que são perfeitamente válidos e naturais. Sua raça e a nossa nunca terão motivo para brigar por um mundo. Nós só sobrevivemos num mundo de hidrogênio, cuja atmosfera é venenosa para os senhores. Os senhores vivem em mundos de oxigênio, que são um veneno para nós. Não existe qualquer motivo sério para que seu povo e o nosso se considerem inimigos. Não existe nenhum objeto nas duas galáxias pelo qual possamos lutar. Nem sequer os transmissores. Estes levam cada um de nós a um objeto diferente. Nenhum mundo poderia pertencer aos dois povos em conjunto. — Concordo plenamente — respondeu Rhodan. — Nosso exemplo prova que as diferenças raciais e de estilo de vida servem antes para ligar que para separar as pessoas. Se fôssemos semelhantes, teríamos motivos de sobra para odiar um ao outro. É justamente a diferença que faz com que sejamos amigos. Alguém entrou na sala com a parede divisória. Era Atlan. — Sem querer, ouvi parte da conversa. Talvez tenham razão. Mas neste caso não compreendo por que a dez mil anos os maahks tentaram o império dos arcônidas e por que nos odiaram tanto que resolveram voltar para vingar a derrota sofrida. — Eu já disse arcônida, que minhas concepções só mudaram nas últimas semanas. O que eu pensava e fazia antes hoje perdeu a validade. Qualquer ser precisa de tempo para acumular novos conhecimentos. Acho que é meu dever apresentar estes conhecimentos um dia aos povos maahks. — O senhor ainda terá oportunidade para isso — prometeu Rhodan. Mais tarde, quando já se encontravam no corredor, Atlan perguntou: — Você acha que ele está sendo sincero? — Não tenho nenhuma dúvida, Atlan. — Não é um truque? — Não. Atlan suspirou e disse:

— Tomara! Neste caso o caminho para o entendimento entre duas galáxias estaria aberto. — Estaria sim — confirmou Rhodan — Mas ainda teremos de convencer os senhores da galáxia. Receio que não seja nada fácil. *** Encontraram o caminho que levava ao centro de comando. Usaram as chaves em código para abrir as barreiras. Não tiveram nenhuma dificuldade em chegar à gigantesca sala abobadada que ficava quinhentos metros abaixo da superfície rochosa do planetóide Califa. O teto abaulado iluminou-se, e os homens viram na tela as duas galáxias com as estações transmissoras que ficavam entre as mesmas. A estação de Califa, na qual se encontravam, tinha sido especialmente assinalada. — O centro está na recepção, para quem vem da Via Láctea — disse Tronar. — Visto daqui, o centro está em transmissão, mas não de volta para a Via Láctea, mas na direção de Andrômeda. Quer dizer que poderíamos... — Acontece que por enquanto não queremos — interrompeu Rhodan. — Naturalmente já estaríamos em condições de chegar a Andrômeda, mas isso não nos adiantaria nada. Teríamos um inimigo muito mais forte pela frente, que destrói impiedosamente até mesmo seus aliados, desde que julgue isso necessário. Antes de irmos para Andrômeda, devemos estar preparados, por mais que isso decepcione alguns tipos impacientes. Vamos voltar à Via Láctea, Tronar. — Eu não quis dizer isso, senhor. Só pretendi mostrar a possibilidade. Rhodan sorriu. — Está bem, Tronar. Vejamos se conseguimos ajustar o centro. Rakal e o Dr. Hong Kao, matemático-chefe da Crest, adiantaram-se e aproximaramse dos controles do gigantesco centro. Sem dizer uma palavra, Tronar apontou para uma série de escalas assinalada por símbolos. Eram os mesmos símbolos que apareciam no teto abaulado, junto às diversas estações do transmissor. Os outros levantaram os olhos para o teto. Pareciam tensos. Um zumbido constante enchia a sala. Este zumbido ficou mais forte quando o Dr. Hong Kao tocou nos controles e modificou sua regulagem. Já tivera uma conversa demorada com Grek-1. Desta vez não assumiriam nenhum risco. Ninguém sabia se todos os centros de controle funcionavam da mesma maneira. Os mostradores luminosos do teto abaulado começaram a movimentar-se. Vinham da nebulosa de Andrômeda, atravessavam o abismo sem estrelas que separa as galáxias e uniam-se nas proximidades do centro da Via Láctea. Havia seis pontinhos que assinalavam o transmissor solar. Uma linha pontilhada partia dali, dirigindo-se a Kahalo. O Dr. Hong Kao afastou-se dos controles. — É só, senhor — disse, dirigindo-se a Rhodan, e esfregou as mãos. — No fundo é mais fácil que dirigir um planador. — Obrigado, doutor. Seria fácil voar para dentro do transmissor e voltar para Kahalo com todas as unidades da frota, mas por enquanto prefiro não fazer isso. Não se deve abandonar sem motivo um posto conquistado com grandes sacrifícios. Temos que preparar as coisas, e não posso dispensar uma única nave. Mas enviaremos uma a Kahalo, para avisar Mercant... — Por que haveríamos de enviar uma nave? — perguntou Tronar. — Posso levar a informação. Rhodan fitou-o com uma expressão de dúvida.

— Quer dizer...? — Não há problema, senhor. O fluxo de desmaterialização me levará diretamente ao transmissor hexagonal situado na Via Láctea, e dali irei às seis pirâmides de Kahalo. Se agir com bastante habilidade por lá, poderei introduzir-me na rede local de energia e caio sobre a escrivaninha de Mercant. — Até que é uma idéia engraçada — reconheceu Rhodan e acenou lentamente com a cabeça. — O senhor me tiraria algumas preocupações. Poderia levar notícias e ordens escritas? — Naturalmente, senhor. — Está bem. Vamos voltar à Crest. Acho que já resolvemos o problema. Daqui em diante tudo dependerá da evolução dos acontecimentos por aqui. Vamos chegar a um acordo com os maahks. Se alcançarmos um êxito rápido, o mesmo será devido em grande parte a Gucky e à atitude que o mesmo tomou mil anos atrás, segundo revela a história. Houve um movimento mais nos fundos. O pequeno rato-castor foi saindo lentamente da escuridão que reinava entre os controles. — Isso não é justo — disse Gucky em tom solene, quando finalmente chegou perto de Rhodan. — A gente não deve criar um bloqueio em torno dos pensamentos. Especialmente quando há um telepata que quer ler os mesmos. Pelo que conheço de você, Perry, a observação que acaba de fazer tem um sentido irônico. — De forma alguma — garantiu Rhodan em tom sério. — Só quis fazer a constatação de que os acontecimentos históricos podem ser constituídos sem dificuldades numa época posterior. Quer dizer que o paradoxo do tempo existe. Gucky não concordou. — Não existe, não! A missão histórica que desempenhei estava predestinada a mim. Não sei o que teria acontecido se não tivéssemos passado casualmente sobre a armadilha do tempo que nos arremessou para o passado, mas tenho certeza de que o resultado final teria sido o mesmo. — Não estariam falando a seu respeito mais nada — respondeu Rhodan. — Nunca teria havido um matador simultâneo em toda parte. Isso lhe serve de consolo? — De forma alguma — confessou Gucky e retirou-se para o fundo da sala. Mais tarde Rhodan entregou uma pilha de documentos a Tronar. Estavam a sós no camarote de Rhodan. O sprinter guardou os documentos no bolso interno do uniforme que usava embaixo do traje de combate. — Pode-se desejar boa viagem ou coisa que o valha, Tronar? — Acho que sim. Se Rakal conseguiu aproveitar os impulsos de uma máquina do tempo como meio de transporte, certamente poderei utilizar os fluxos energéticos de um transmissor de matéria. O senhor logo saberá, pois tenho certeza de que Mercant providenciará imediatamente tudo que se tornar necessário — olhou para o relógio. — Preciso apressar-me, senhor, para não perder a fase de recepção do transmissor de Kahalo. Senão acabarei parando em outro lugar. — Boa sorte, Tronar. Gucky o levará ao centro de comando. Dali a uma hora o rato-castor materializou na sala de comando da Crest, onde Rhodan já o esperava ansiosamente. — Desapareceu, Perry. De repente não estava mais lá. Devo confessar que invejo as faculdades de Tronar. Ele se transforma em impulsos hiperenergéticos e num instante atravessa o Universo. Em comparação com isso minha teleportação é uma coisa pobre. Se bem que estou curioso para saber quando vai voltar, se é que vai voltar.

— Voltará sim, e trará a resposta de Mercant — disse Rhodan, dando uma palmadinha no ombro do rato-castor. — Não tenha dúvida. Atlan estava parado à frente das telas. Olhava para a mais próxima, que mostrava parte da nebulosa de Andrômeda. Gucky chegou perto dele. — Falta pouco — disse. Atlan acenou lentamente com a cabeça, sem tirar os olhos da tela. — Seria simples, muito simples mesmo, se soubéssemos o que há por lá. Temos o transmissor e podemos ajustá-lo à vontade. A única coisa que temos de fazer é voar para dentro do mesmo. Mas não o fazemos. Ainda não sabemos quem são os mestres da galáxia. Que raça deve ser esta, para a qual a galáxia não passa de uma ilha? Gucky lembrou-se do retrato tridimensional que tinha visto num fragmento da nave que estava caindo. Há mil anos. — Sim — disse em tom pensativo. — Que raça será esta? — Um dia saberemos — disse Rhodan. — Faço votos de que isso não nos assuste muito. Atlan olhou para ele. — Também faço votos — disse em voz baixa. Gucky estava de pé entre eles, pequeno e modesto. De repente soube que já não tinha medo dos senhores da galáxia. Só sentia uma tremenda curiosidade. *** Allan D. Mercant estava sentado atrás da escrivaninha. Olhou para o relógio. Dali a dois minutos o bloqueio de recepção do transmissor das pirâmides se abriria por dez segundos. Era uma espera inútil, mas Mercant constantemente se surpreendia na mesma. Um dia Rhodan e a frota de Bell teriam de voltar — isto se Bell tivesse encontrado Rhodan. Talvez tivesse sido um erro mandar trezentas naves ao mesmo tempo para o desconhecido. Se Rhodan tivesse caído numa armadilha, a mesma coisa aconteceria às trezentas naves. A porta abriu-se. Mory Rhodan-Abro entrou. Parecia cansada. Foi caminhando devagar na direção de Mercant e sentou numa poltrona. — Nada? — perguntou. Mercant sacudiu a cabeça. — Infelizmente ainda não temos nada. Mas nem por isso temos motivo para ficar preocupados. Não devemos esquecer as dificuldades que uma missão deste tipo acarreta. Quanto a Reginald Bell... — Tenho certeza de que Bell fará tudo que estiver ao seu alcance para encontrar Perry — Mory recostou-se na poltrona e enlaçou as mãos. Parecia cansada e desesperada. — Acontece que não sabemos o que aconteceu. Mercant não sabia o que dizer. Não tinha muita experiência com as mulheres. Além disso, Mory era a esposa do Chefe. E isto o impedia de manifestar seus piores receios. Levantou os olhos para fitar Mory e notou uma coisa estranha. Mory estava olhando para um lugar situado atrás de suas costas. Estava com os olhos arregalados. Parecia incapaz de fazer qualquer movimento. Mercant girou lentamente na poltrona. Olhou diretamente para o rosto de Tronar Woolver. Mercant conhecia Tronar. Sabia que pertencia à equipe de Rhodan. Mas nunca pensara que o mutante fosse capaz de percorrer uma distância de quase um milhão de anos-luz sob a forma de um impulso energético, embora Bell tivesse feito insinuações nesse sentido. Naquele momento era

incapaz de pensar. Só se lembrou de que a única porta que levava ao seu gabinete estava fechada. Tronar devia ter vindo pela parede, ou por um cabo de energia. — Trago lembranças da Crest e da frota auxiliar — disse Tronar, depois de cumprimentar Mory e Mercant com um gesto. — A operação foi bem-sucedida e estão todos em boas condições. O centro de comando do sistema dos perdidos está firmemente em nosso poder — pôs a mão no bolso e retirou um maço de documentos. — São as instruções de Rhodan, senhor. Mercant pegou os documentos e colocou-os sobre a escrivaninha. Mory levantou de um salto. Aproximou-se de Tronar e apertou a mão do mesmo. — Conte logo, especialista Woolver. O que aconteceu? Ficamos sem notícias durante dez dias. Já estávamos preocupados. Tronar sorriu. — Não havia motivo para isso, senhora. Só houve problemas com o sistema de transmissão de mensagens. Mas ficamos bem satisfeitos quando Mr. Bell apareceu com suas naves. Houve alguns mal-entendidos com os habitantes do sistema dos dois sóis. Estes mal-entendidos já foram sanados. Não há mesmo motivo para ficar preocupada. Mory olhou-o com uma expressão de alívio. — Graças a Deus! Mas como é que o senhor veio parar aqui? Qual foi a nave...? — Vim por intermédio do transmissor. Ali estão as ordens do Administrador-Geral. Os senhores verão o que deve ser feito. Voltarei com a resposta para junto do Chefe. Apoderamo-nos de uma cabeça de ponte situada bem à frente da nebulosa de Andrômeda. É mais vantajosa que a do sistema de Gêmeos, pois há muito foi abandonada pelos senhores da galáxia. Estes não esperam que avancemos nessa direção. Mory ainda tinha muitas perguntas, e não deixaria de formular as mesmas. Mas reconheceu que antes disso Tronar teria de falar com Mercant. Era mais importante. Levantou-se. — Espero-o mais tarde em meus aposentos, Tronar. Estou curiosa... e quero saber como vai meu marido. — Irei assim que terminar aqui, senhora — prometeu Tronar. Mory retirou-se. Fechou silenciosamente a porta. Mercant apontou para a poltrona vazia. Levantou e tirou uma garrafa e dois copos do armário. Colocou tudo sobre a mesa e fitou Tronar. — Conte tudo — pediu. Pegou os documentos e abriu-os. Mentalmente já fazia todos os preparativos que se tornavam necessários para cumprir fielmente as ordens de Rhodan, embora ainda estivesse sentado atrás da escrivaninha, numa atitude fisicamente passiva, prestando atenção ao que Tronar tinha a contar. Era e sempre seria um estrategista de escrivaninha, segundo dissera Gucky em certa oportunidade. Mas era o melhor que se poderia encontrar.

*** ** *

Os sprinters superaram o tempo e o espaço, e Gucky — o matador simultâneo em toda parte — transformou-se numa figura lendária dos maahks. O rato-castor também contribui para que o transmissor Chumbo de Caça se transforme na base do avanço arrojado em direção a Andro-Beta. É só o que vamos contar hoje. Mas, no próximo volume da série — Satélite Secreto de Tróia — a emocionante aventura continua...

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