P-034 - Levtan, O Traidor - Kurt Brand

  • November 2019
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  • Words: 29,458
  • Pages: 66
(P-034)

Levitan, O Traidor Autor: KURT BRAND

Tradução: RICHARD PAUL NETO

Digitalização: DENIZE BARTOLO

Revisão: DROMO

Um saltador pousa em Terrânia e transforma-se na figura principal do grande blefe... Conflitos na Terra, invasões vindas do espaço, batalhas cósmicas, combates travados em planetas distantes, tudo isso na Terceira Potência de Perry Rhodan, instalada com o auxílio da antiqüissima técnica arcônida, venceu galhardamente em sua curta existência. Mas os saltadores, uma raça descendente dos arcônidas, que há oito milênios detém o monopólio incontestado do comércio galático, reprimindo implacavelmente qualquer concorrência que se esboce, representam um perigo muito mais sério. Perry Rhodan fez tudo para evitar que os saltadores transformassem a Terra numa colônia. Seus cruzadores espaciais realizam ataques simulados contra a frota dos saltadores, enquanto ele mesmo se dirige, a bordo da Stardust-III, ao planeta do imortal, a fim de obter uma nova arma que possa ser empregada contra os saltadores. O poderio dos saltadores é tremendo. Muito embora diante da nova arma tenham batido em retirada, ainda é de se recear que prosseguirão inexoravelmente na execução dos planos de conquista da Terra. Um mercador galático, que conhece esses planos, mostra-se disposto a vendê-los por um preço adequado. Trata-se de Levtan, o Traidor...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência. Reginald Bell — Amigo íntimo e representante de Perry Rhodan. Levtan — Um indivíduo expulso da comunidade dos saltadores por sua conduta fraudulenta. John Marshall — Um telepata. Tako Kakuta — Cuja especialidade é a teleportação. Kitai Ishibashi — Cujos dons se situam na área da sugestão. Tama Yokida — Que domina a telecinésia. Etztak Goszul — Patriarcas dos saltadores.

1 Na altura da órbita de Plutão, a Terra e a Solar System, cruzadores da Terceira Potência, emergiram do hiperespaço para retornar ao cosmos normal. Mantendo uma distância de 40.000 quilômetros, os dois veículos espaciais atravessaram vertiginosamente o sistema solar, em direção à Terra. O choque da transição, um acompanhante desagradável de todo salto pelo hiperespaço, já estava superado. Perry Rhodan, que se encontrava a bordo do cruzador pesado Terra, juntamente com Reginald Bell. Bell e alguns elementos de seu Exército de Mutantes, cumprimentou MacClears, o comandante da nave, com um ligeiro aceno de cabeça, e lançou um olhar convidativo a Bell, após o que se dirigiu ao seu camarote, em companhia do mesmo. — Ainda não consigo compreender, Perry — principiou Reginald Bell, impressionado pelo silêncio de Rhodan. Perry esboçou um sorriso amargo, mas ainda não disse nada. Bell estourou. Aqui, a sós com Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência, podia darse ao luxo de falar com este de amigo para amigo. Foram os primeiros homens que haviam atingido a Lua a bordo da Stardust, e continuavam amigos enquanto Perry Rhodan se preparava para conquistar a galáxia, incorporando-a aos domínios do planeta Terra. — Perry, Aquilo ou Ele permitiu-se uma piada de mau gosto. Por que não aceitou tudo na esportiva, insistindo, sem esmorecer, em chegar ao Peregrino? Perry lançou um olhar pensativo para o amigo. — Aquilo pode ter feito uma piada, mas nunca uma piada de mau gosto. Bell, engrenado, não permitiu que Rhodan terminasse. — Ora, Perry! — disse em tom insistente. — Afinal, não fomos ao Peregrino para fazer turismo, mas porque os mercadores galácticos nos colocaram em situação extremamente difícil. Se eles resolverem lançar seus couraçados num ataque concentrado contra nós, podemos fazer nosso testamento. E foi numa situação destas que Ele ou Aquilo houve por bem não permitir nosso ingresso no Peregrino. Você realmente acha que isso não é uma piada de mau gosto? Um Perry Rhodan totalmente diferente daquele que os homens conheciam, um homem profundamente decepcionado e abatido, que ainda não via qualquer meio de escapar ao perigo que os mercadores galácticos representavam para a Terra, deixou que seus olhos vagassem ao lado de Bell, que o fitava numa ansiosa expectativa. Sabia que a fala irreverente de Bell apenas tinha por fim dissimular a decepção e encobrir a situação desesperançada. — Santo Deus, Perry! — exclamou Bell. — Nunca o vi do jeito que o vejo agora. Perry não reagiu à observação. Disse simplesmente: — Ele confia mais em nossa capacidade que nós mesmos. Só pode ser isso, Bell. Lembre-se de como ele nos tornou difícil a busca do caminho que conduz ao seu planeta, ao Peregrino. Tanto você como eu ainda temos de aprender a compreender seu senso de humor. Foi por isso que desta vez ele não nos deixou entrar, nem tomou conhecimento da nossa presença. Nem pensa em entregar-nos outros transmissores fictícios. Devemos defender-nos dos mercadores com os recursos de que dispomos. — Se isso é senso de humor, perdi toda capacidade de apreciar uma boa piada —

respondeu Bell em tom sarcástico. — A Stardust possui exatamente dois transmissores fictícios. Isso mesmo: dois. O que acontecerá com ela se os mercadores chamarem seus amigos, os superpesados, para que estes lancem um ataque concentrado contra nosso couraçado? Nesse caso a Stardust já era; e dos cruzadores Terra e Solar System nem se fala. Quanto à Terra, será escravizada e transformada numa colônia dos mercadores. Subitamente Bell viu um brilho nos olhos do amigo. E, como depois disso um sorriso amargo brincasse em torno dos lábios de Perry e este se espreguiçasse vigorosamente, Reginald Bell já se sentiu um tanto aliviado. — Você tem razão — confirmou Perry Rhodan. — Se os saltadores voltarem com os superpesados e lançarem um ataque concentrado contra nós, tudo estará perdido. Você não acha engraçado que ele confie tanto em nossa capacidade que acredita que possamos enfrentar os mercadores galácticos e os superpesados? Decepcionado, Bell reclinou-se na poltrona. — É só o que você tem a dizer, Perry? — perguntou estupefato. — No momento, sim. Você é um sujeito formidável. Deu-me uma sacudidela no momento exato. — Quem? Eu? Mas como? — fez uma cara tão tola que Perry lhe disse com um sorriso: — Neste momento você não parece muito inteligente. — Seria capaz de pagar alguma coisa por uma dica de como poderemos enfrentar o perigo que nos ameaça — resmungou Reginald Bell em tom sarcástico. Depois disso manteve-se em silêncio. *** Terrânia chamou. Era a capital da Terceira Potência, situada no deserto de Gobi. Desde aquele 25 de novembro servia de sede ao Governo Universal da Terra. A aproximação dos cruzadores Terra e Solar System já fora detectada. Logo após o abalo estrutural provocado pelo salto através do hiperespaço, as naves entraram em contato com as estações da Terra, que lhes forneceram as horas em que poderiam pousar sem entrar em choque com o campo energético invencível que se estendia por cima de Terrânia. Taciturno, Perry Rhodan saiu da Terra. Sua aparência não revelava nada quando retribuía os cumprimentos ou falava com uma ou outra pessoa, mas seu amigo Bell não se deixaria enganar pelas aparências. Nunca a Terra se defrontara com um perigo tamanho como o que a ameaçava, agora que fora descoberta pelos mercadores galácticos. Membros do império arcônida, que se encontrava num processo de esfacelamento progressivo, os mercadores viviam divididos em clãs que passavam seus dias em gigantescas naves, negociando com qualquer planeta que lhes parecesse lucrativo. Não eram amigos ou inimigos de qualquer raça. Mantinhamse neutros na guerra e vendiam com um lucro adequado a qualquer das partes que se encontrassem em luta. Mas os saltadores, como também eram conhecidos, não podiam ser considerados um grupo de inofensivos ciganos espaciais. Qualquer intruso que tentasse penetrar em seus domínios era destruído sem a menor contemplação. Sempre que os recursos de que dispunham não eram suficientes para isso, recorriam aos superpesados. Estes também descendiam dos arcônidas, mas eram indivíduos de peso inacreditável e, o que os tornava ainda mais perigosos, possuíam gigantescos couraçados espaciais. Perry Rhodan rechaçara os mercadores e os superpesados, mas não lhes inoculara de forma indelével a idéia de que deviam tirar as mãos da Terra, por representar ela um perigo

mortal. Naquele momento Perry Rhodan estava explicando ao seu estado-maior que a frota dos mercadores, reunida aos superpesados, representava o perigo mais grave com que a Terra jamais se defrontara, e que não tinham com que se defender do mesmo. — Amanhã o cruzador pesado Centauro será batizado e entrará em serviço — interveio Nyssen, comandante da Solar System. Perry Rhodan exibiu um sorriso condescendente. — O que significa isso, cavalheiros? — Nada! Trata-se duma nave com cerca de duzentos metros de diâmetro. Juntamente com a Centauro, disporemos de três naves desse tipo. Isso não representa coisa alguma face ao poderio maciço do inimigo. — Prometo-lhes um reino por uma boa idéia, e, além disso, lhes ficarei eternamente grato. Passou os olhos pelo grupo. Fitou Bell, MacClears e Nyssen, os comandantes dos cruzadores, o major Deringhouse, os mutantes e finalmente Crest e Thora, os arcônidas. Onde seu olhar demorou mais foi na orgulhosa arcônida. Nos últimos anos haviam se aproximado progressivamente sob o aspecto humano, mas nunca a aproximação fora tão grande que um terceiro pudesse esperar que esses belos exemplares se transformassem num par. *** Foi Thora, a arcônida, quem batizou a nave Centauro. Atrás dela estava o major Deringhouse. Seu rosto manteve-se impassível, mas não pôde reprimir o brilho dos olhos, através do qual exprimiu a alegria de ser comandante da nave. Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência, Bell e Crest, o arcônida, mantinham-se ligeiramente de lado. Enquanto Thora pronunciava, em voz firme, a costumeira fórmula de batismo, Crest cochichou para Perry Rhodan: — Será que há alguns anos, quando tivemos nosso primeiro encontro, como náufragos presos à superfície lunar, o senhor poderia imaginar que um dia, como administrador do Governo Universal da Terra, tivesse que defender o planeta contra um grupo de invasores do espaço? Seus olhares encontraram-se. De um lado estava o arcônida, com o saber concentrado duma cultura antiqüíssima, e de outro lado Perry Rhodan, protótipo do homem terreno, inteligente, audacioso e confiante. Era o herdeiro do saber dos arcônidas e, juntamente com Reginald Bell, fora o único ao qual tinha sido conferido o dom de não envelhecer nos próximos seis decênios. Perry ia responder à pergunta de Crest, quando Bell lhe tocou o braço e apontou para a tela. Quando a imagem se firmou, a tela mostrou o rosto do coronel Freyt. — O que houve? — perguntou Perry Rhodan laconicamente, sem elevar a voz. Preferia que o batismo do cruzador Centauro não sofresse qualquer perturbação. Freyt entendeu a fala contida de Rhodan. Também dominou suas cordas vocais: — Chefe, os rastreadores estruturais instalados em Marte e numa das luas de Saturno detectaram alguma coisa. Uma idéia passou pela mente de Perry Rhodan. “São os mercadores!”, pensou. “Levaram três meses para preparar o ataque à Terra. E agora estão chegando.”

— Coronel Freyt — disse — queira fornecer... Mas Freyt interrompeu-o em tom nervoso: — Nova detecção, chefe. Mais um abalo estrutural. Foi a mesma nave que abandonou o sistema solar. — Alarma número um — disse Rhodan em tom decidido, lançando um olhar pensativo para o novo cruzador pesado da frota terrena, que acabara de ser batizado por Thora, a arcônida. Os contornos do rosto do coronel Freyt desfizeram-se. A tela voltou ao cinza. Bell mastigou o lábio inferior. Crest parecia um homem que contém a respiração. O alarma número um foi desencadeado, e não pegou a cidade de Terrânia desprevenida. O supercouraçado Stardust-III, o máximo da engenharia arcônida, conquistado por Perry Rhodan e seus mutantes no mundo dos ferrônios, estava pronto para decolar. Também os cruzadores Terra e Solar System e alguns grupos de destróieres estavam preparados, enquanto outros, que cruzavam entre os planetas, mantinham a vigilância do sistema. O alarma número um foi mantido quando Rhodan convocou seus colaboradores mais chegados para uma conferência. A interpretação dos dados confirmara o fato de que uma nave desconhecida, vinda do hiperespaço, efetuou uma transição que a levou para o interior do sistema solar, realizando poucos segundos depois novo salto, que a levou de volta ao hiperespaço. Reginald Bell irradiava otimismo. — Será que é um embaixador dos saltadores? John Marshall, um homem alto de cabelos escuros, não alterou as feições de seu rosto estreito e duro. Ninguém desconfiaria de que fosse um telepata. Quando Rhodan lhe lançou um olhar indagador, disse: — Conheço os mercadores galácticos, e por isso sei que essa nave que apareceu para desaparecer imediatamente não é dos saltadores. Estes estão incubando um plano para subjugar-nos de um golpe. — Será que foi um salto mal sucedido? — disse Bell, pensando em voz alta. Estremeceu quando Crest, o arcônida, respondeu: — Os mercadores galácticos são descendentes de nossa raça, Bell... — Infelizmente — respondeu em tom áspero Bell, que logo recuperara o controle. — É lamentável. Se não fossem eles, os filhos de sua raça não nos dariam tantos aborrecimentos. Crest estacou um momento, mas logo compreendeu como deviam ser interpretadas as palavras de Bell. Mas estas ficaram atravessadas na garganta de Thora. Seus olhos chisparam de raiva quando chiou para Bell: — O senhor não tem o menor motivo para fazer pouco caso de nossa raça. Todo saber de que dispõe provém dela... Estacou em meio à frase. Não poderia deixar de perceber o riso que Perry Rhodan procurava reprimir. Só agora a arcônida percebeu que mais uma vez se tornara vítima das brincadeiras de Bell. — Vamos aguardar — disse Rhodan, encerrando a conferência. — Para os destróieres que se encontram no sistema solar continua a vigorar o alarma número um. É a única coisa que podemos fazer no momento.

2

O comandante Deringhouse podia ser encontrado em qualquer lugar dentro de sua nave. Como um sonâmbulo, caminhava de um lado para outro na gigantesca nave esférica de duzentos metros de diâmetro. Dentro de uma hora, a Centauro decolaria para o vôo inaugural. Pela primeira vez o colosso se ergueria do solo, para penetrar no seu espaço vital, o cosmos mortal, mas admirável. Verificou pessoalmente os controles finais. — Controle de armamentos! A língua falada por todos parecia conhecer apenas esta expressão: “Em ordem.” Os goniômetros, as instalações de rádio, a comunicação com a sala de máquinas, com os conversores, tudo em ordem... Finalmente veio o aviso definitivo de que a nave estava em ordem, e Deringhouse respirou aliviado. Nem se lembrou do alarma número um, que continuava a vigorar. Um tanto admirado, Perry Rhodan viu entrar Crest e Thora. John Marshall pretendia despedir-se. Sua capacidade telepática, aperfeiçoada através dum treinamento hipnótico, fizera-o perceber que os arcônidas desejavam falar a sós com Perry Rhodan. Quando já se dispunha a sair, Rhodan deteve-o. — Fique aqui, Marshall — disse em tom amável, enquanto cumprimentava os arcônidas com um aceno de cabeça. A testa de Thora enrugou-se ligeiramente. Sempre que alguma coisa não corresse conforme previra, revelava sua qualidade de arcônida sensível. Crest, um indivíduo alto e magro pertencente à elite científica do Império de Árcon, exibia a tranqüilidade esclarecida que se harmonizava com seu saber. Diante do olhar sempre amável de Perry, a testa de Thora desanuviou-se. Sem preocupar-se com a presença de Marshall, começou a falar. — O tempo urge, Perry Rhodan. E o tempo trabalha a favor dos mercadores galácticos e contra a Terra, ou melhor, contra nós, inclusive contra Árcon. A Centauro está preparada para o vôo inaugural. Permita que Crest e eu viajemos para Árcon. Não formulo a proposta para aproveitar as circunstâncias e obter o cumprimento duma promessa, mas pelo simples fato de estar preocupada com o destino da Terra, com o nosso destino... O rosto de Perry Rhodan assumiu uma expressão dura. Lançou um olhar perscrutador para Thora e Crest. Podia confiar irrestritamente no cientista, mas não era impossível que a mulher impulsiva que tinha diante de si ainda mantivesse reservas mentais. John Marshall estava de pé atrás dos arcônidas. Reunindo suas forças telepáticas, conseguia penetrar na barreira que cercava o cérebro dos arcônidas, desvendando seus pensamentos. Quando fitou Perry Rhodan, este compreendeu a linguagem de seus olhos. — Sei perfeitamente — respondeu este, depois que a informação de Marshall o tranqüilizara — que ainda lhes estou devendo o cumprimento duma promessa... — Não é disso que se trata — interrompeu Thora, exaltada. — Queremos buscar auxílio, Perry Rhodan. Aquilo, o ser que habita Peregrino, o planeta invisível, acaba de lhe recusar esse auxílio. Meu povo, os arcônidas, não o recusarão. Sem o auxílio do poderio de nossa raça o senhor não conseguirá manter-se contra os saltadores e os superpesados.

— O ataque pode ser lançado a qualquer momento — disse Rhodan, tentando fugir à decisão, embora várias vezes já tivesse dito a si mesmo que chegara o momento em que o auxílio de fora se tornava imprescindível. Mas não era apenas um homem dotado dum raciocínio e dum senso tático frio; também possuía o dom da intuição e da adivinhação. Uma premonição indefinível dizialhe que conseguiria defender-se dos saltadores sem auxílio de fora. — Perry Rhodan! — disse Crest, dirigindo-se a ele. Seus olhares encontraram-se. — Rhodan, o senhor me decepciona. Procura fugir ao problema. Não adianta inventar desculpas para escapar ao destino. Thora e eu temos que ir a Árcon. E temos que ir imediatamente. A Centauro está pronta para decolar. Permita que viajemos nela. Será que não confia mais em nós? Foi uma pergunta dura. Afinal, Perry Rhodan devia a esses dois seres todo o saber e todo o poder de que dispunha. Sua resposta franca e terminante impressionou os arcônidas: — Nunca desconfiei dos senhores, mas prefiro adiar a viagem para Árcon. Esperava encontrar um meio de rechaçar os saltadores com meus próprios meios. Mas reconheço que isso não é possível. Marshall interrompeu-o: — Chefe, há uma mensagem. — O que é? — soou a voz rangedora de Rhodan, enquanto este girava o botão da tela. Os traços ordenaram-se, retratando o rosto do coronel Freyt. — Chefe — disse Freyt em tom nervoso — a estação de rádio principal, instalada na Lua, acaba de captar uma mensagem vinda do mesmo setor em que ontem foram constatados os dois abalos estruturais... — Qual é o teor da mensagem? — pediu Perry Rhodan. Freyt transmitiu apressadamente o conteúdo da mensagem: — Levtan solicita permissão de aterissagem a Rhodan, chefe da Terceira Potência. Peço que a resposta seja transmitida pela mesma onda. Levtan. — Obrigado, coronel Freyt — exclamou Perry. Freyt não compreendeu por que uma mensagem desse tipo poderia provocar tamanha alegria no chefe, pois subitamente o rosto do mesmo irradiou alegria. — Quer dizer que não vamos a Árcon? — adivinhou Crest, antes que Perry Rhodan voltasse a dirigir a palavra aos arcônidas. — Ainda não, Crest! — dirigindo-se a John Marshall, disse: — O senhor ouviu tudo. Peça a Bell que cuide da interpretação da mensagem. — Voltou a dirigir-se aos arcônidas: — Um momento! Enquanto ainda era um jovem cadete da Força Espacial dos Estados Unidos, Perry Rhodan já era considerado um “reator psíquico instantâneo”. Depois desenvolvera essa faculdade. Usando o sistema de comunicação audiovisual, mobilizou através de ordens lacônicas todos os postos de alarma. Suas instruções estenderam-se bem além da órbita de Plutão, onde um destróier exercia o serviço de vigilância. Reginald Bell, amigo e representante de Perry Rhodan, deixou cair sua figura atarracada na poltrona, empurrou para o lado a pilha com as interpretações da mensagem e sorriu para Kitai Ishibashi, um médico e psicólogo japonês. — Daqui a pouco o senhor terá trabalho, Ishibashi. Estamos esperando visita. Alguém quer falar com o chefe, o senhor da Terra. Este alguém perguntou... — Será que é um saltador? — perguntou Kitai Ishibashi. Seus olhos em forma de

amêndoa iluminaram-se. — Talvez seja um saltador. É mesmo provável que seja. O fato é que não sabemos. Mas quando a nave dele pousar, sua hora terá chegado. Mantenha-se preparado. Acredito que sua arte representará o fiel da balança... — Farei o possível — asseverou Kitai Ishibashi. Bell seguiu-o com um olhar pensativo. A idéia de receber uma visita dos saltadores não o deixava muito satisfeito. Havia algo de errado nessa história, mas nem mesmo Perry Rhodan sabia onde estava o erro. Foi por isso que chamou Kitai Ishibashi, o sugestor, cujas energias mentais lhe permitiam impor a qualquer indivíduo sua própria vontade de forma tão terminante que o indivíduo atingido pela operação mental se convencia de que estava agindo por sua livre e espontânea vontade, não em virtude da influência de outrem. Bell examinou as interpretações. A mensagem vinda do setor em que se registraram os dois abalos estruturais era um fenômeno único. — A coisa não poderia ser mais demorada — resmungou, enquanto calculou que a mensagem devia ter levado pelo menos 24 horas para chegar à Lua. — Hum... e isto? Leu as medições do ângulo em que a mensagem chegara à estação da Lua. Ao lado delas estavam os cálculos do cérebro positrônico. Os mesmos confirmavam que a mensagem redigida em linguagem não codificada deviam provir da nave que 24 horas antes provocara dois abalos estruturais. — Talvez isso ainda fique bastante divertido... — resmungou Bell, tendo em si mesmo seu único interlocutor. — Talvez não fique... O comandante Deringhouse pretendia anunciar que tudo estava em ordem com os controles da Centauro, quando o sinal de rigorosa prontidão soou pela nave. Imediatamente a voz tranqüila de Perry Rhodan soou nos alto-falantes. Pouco depois seu rosto surgiu nas telas. — Ao comandante. Decolagem de emergência. Transição de curta distância em direção à órbita de Plutão. Missão de combate. Tentaremos localizar a nave desconhecida que ontem executou dois saltos. Os dados do cérebro positrônico para a decolagem e a amplitude do salto seguem imediatamente. Repita, comandante Deringhouse. Este repetiu toda a série de comandos, sem parar para refletir. As comportas da Centauro fecharam-se. A tripulação e os robôs corriam apressadamente pelos conveses da nave. De todos os lados vinham os avisos de que tudo estava em ordem. A tensão estalava em todos os cantos do cruzador. Com um som uivante a Centauro disparou em direção ao céu. A imensa esfera foi diminuindo até desaparecer em meio aos reflexos solares. Quando atingiu a altura de vinte quilômetros, transmitiu a primeira mensagem para Terrânia. Dali a uma hora veio a segunda mensagem: — Tudo preparado para a transição a curta distância. Deringhouse. Todos os rastreadores do sistema solar registraram o abalo provocado pela Centauro, quando esta penetrou no hiperespaço para executar o salto em direção à órbita de Plutão. O coronel Freyt virou-se rapidamente ao notar que duas pessoas entravam na sala. No mesmo instante esqueceu a presença de Perry Rhodan e de Crest. — Há três minutos houve novo abalo estrutural. A informação não poderia ser mais lacônica. Mas para Perry Rhodan foi suficiente. Nem notou o olhar de admiração de Crest. A capacidade de extrair o mais importante das coisas importantes, uma constante em Rhodan, nunca deixava de impressionar o arcônida.

Acabara de receber outra prova disso. — É a mesma nave, Freyt? — O cérebro positrônico ainda está calculando. Ah, o resultado acaba de chegar, chefe. Leram ao mesmo tempo a interpretação do cérebro positrônico: — Existe uma probabilidade de 98,3 por cento de que se trate da mesma nave que ontem executou duas transições nas proximidades da órbita de Plutão. — E a interpretação do rastreador? — indagou Rhodan. O coronel Freyt já tinha a resposta preparada: — Nave aproxima-se a uma velocidade que fica 0,9 por cento abaixo da da luz, vinda do espaço interestelar e dirigindo-se ao sistema solar. O hipercomunicador chamou. A Centauro respondeu. — Nave desconhecida localizada. Coordenadas conhecidas. Aproximação imediata. Deringhouse. *** Os rastreadores estruturais da Centauro registraram a transição dum veículo espacial, que devia ter ocorrido nas imediações do ponto em que se encontrava. O comandante Deringhouse lançou um olhar ligeiro para o telegrafista. — Hipercomunicação para Terrânia — ordenou e transmitiu a informação, sem desconfiar de que Perry Rhodan a estivesse ouvindo. A Centauro acelerou. Atrás dela foi desaparecendo o relampejar frio dos planetas solares. O planeta Plutão, condenado a descrever sua órbita em torno do Sol numa escuridão eterna, encontrava-se em oposição. O comandante Deringhouse sentia-se no seu elemento. Tranqüilo, estava reclinado na sua poltrona. Passou os olhos pelas telas, quadros de controle e painéis; vez por outra fitava seus oficiais e tinha a impressão de encontrar-se com a melhor tripulação no melhor cruzador pesado do sistema solar. — A posição da nave desconhecida! — ordenou em tom enérgico. O dispositivo automático instalado junto à mesa de instrumentos deu um clique. O cérebro positrônico do cruzador forneceu os dados solicitados por Deringhouse. Um oficial transmitiu os mesmos em palavras lacônicas e precisas. — Acelerar dez por cento. No mesmo instante o veículo espacial deu um salto para o espaço, mas no interior da nave a pressão da aceleração não foi sentida. A Centauro precipitou-se para a nave desconhecida. As torres de armas estavam ocupadas, aguardando a ordem de fogo. — Distância um minuto-luz. Deringhouse confirmou com um aceno de cabeça. A Centauro continuou a penetrar no espaço, em direção ao desconhecido. Todas as faixas de ondas estavam ligadas. A qualquer instante poderia surgir um chamado da nave desconhecida. — Distância de dez segundos-luz. Deringhouse reduziu a velocidade da nave à metade. Quando se encontrasse no limite de segurança, não queria realizar nenhuma manobra de frenagem. — Distância de quinhentos mil quilômetros. A ordem de Deringhouse foi transmitida apressadamente às posições de combate.

— Retirar as capas dos canhões. As indicações de distância vinham a curtos intervalos. Quarenta mil quilômetros ainda os separavam do inimigo. — Malditos saltadores... — disse um dos homens que se encontravam na sala de comando. Deringhouse franziu a testa mas não disse nada, pois acabara de pensar exatamente a mesma coisa. Os mercadores galácticos estendiam seus tentáculos em direção ao débil planeta Terra. Descobriram-no num dos setores laterais da galáxia e acreditaram que com ele poderiam fazer seus negócios pela forma que costumavam fazer com muitos mundos habitados da Via Láctea. Corriam em direção a uma dessas naves dos mercadores — dos inimigos mortais da Terra. — Mensagem do desconhecido — gritou o telegrafista, e Deringhouse descontraiu-se um pouco. — Um certo Levtan pede permissão para vir a bordo. Deringhouse inclinou-se ligeiramente para a frente para aproximar-se do microfone. — Atenção, postos de combate. Ao menor movimento suspeito, atirem imediatamente com todas as peças, sem aguardar ordem de fogo da sala de comando. Sabia que poderia confiar em seus homens. — Hipercomunicador. Mensagem ao chefe — disse Deringhouse com a voz tranqüila. — Nave desconhecida pede permissão para mandar um certo Levtan para bordo da Centauro. Darei a permissão. Nossas coordenadas são as seguintes... A estação de Terrânia limitou-se a confirmar o recebimento da mensagem. — Nave desconhecida aproxima-se. Distância de oito mil quilômetros — assim foi anunciado o resultado da medição da distância. O limite da segurança já fora ultrapassado. — Deixe que se aproxime — disse Deringhouse e acendeu um cigarro. *** Ao lado da gigantesca Stardust-III, o couraçado de Rhodan com oitocentos metros de diâmetro, os cruzadores pesados Terra e Solar System estavam prontos para decolar. As autoridades de Terrânia haviam ordenado prontidão rigorosa para as tripulações, mas nem Perry Rhodan, nem Reginald Bell, nem qualquer dos arcônidas se encontrava a bordo dos veículos espaciais. — Por que estamos esperando por aqui? — perguntou Thora, impaciente. — Não sei qual é a graça! — gritou para o amigo de Perry Rhodan, que continuava tranqüilamente em sua poltrona, sorrindo por todo o rosto. — A graça é que a senhora está tão nervosa, Thora — respondeu Bell. — Vejo nisso um traço muito humano. Não chegou a dizer que os habitantes da Terra são bárbaros? Thora e Bell não se suportavam. Não podiam passar um pelo outro sem soltar uma indireta. — Por que Deringhouse não dá mais nenhum sinal de vida? — perguntou Crest, encerrando a discussão. — É uma leviandade permitir a esse Levtan que venha a bordo da Centauro... — Leviano? Logo Deringhouse? — Perry sorriu. — É bem verdade que já poderia ter chamado. — Por que não o chamamos pelo hipercomunicador? — insistiu Thora. — As comunicações radiofônicas foram suspensas para todos os destróieres. Não posso abrir nenhuma exceção, Thora.

— Será que o chefe da Terceira Potência não ocupa uma posição especial? — perguntou com uma ponta de ironia. Perry esteve a ponto de responder com uma observação mordaz, mas viu o olhar de advertência de Crest. Por isso limitou-se a dizer: — A grandeza revela-se através do autodomínio nas pequenas coisas, Thora. E na Terra a curiosidade é considerada um mal. Atirando a cabeça orgulhosamente para trás, Thora retirou-se. Crest procurou desculpar seu comportamento: — É a decepção de mais uma vez ver frustradas suas esperanças de ir para Árcon, de ver adiada a volta para seu mundo. Afinal, é uma mulher, Perry Rhodan. — Está bem, Crest — Perry demonstrou pressa em mudar de assunto. Neste ponto, relacionado com a volta dos arcônidas, não tinha a consciência muito tranqüila. — Por que será que a Centauro não entra em contato conosco? — Rhodan lançou o olhar pela janela, contemplando seus veículos espaciais. — Essas naves representavam muito pouco face ao poder dos mercadores galácticos e dos superpesados. Daria um reino por uma boa idéia. Ele mesmo, Perry Rhodan, era o mais preocupado, o mais nervoso dos três homens que se encontravam na sala, mas continuou a fazer o papel de pólo inabalável da tranqüilidade. — Por que será que Deringhouse não entra em contato conosco? — voltou a perguntar de si para si. O hipercomunicador continuava em silêncio. *** Deringhouse gritou para dentro do microfone: — Torre número dois, coloque um tiro na frente da proa! Na grande tela de visão global da sala de comando surgiu um lampejo ofuscante. Pela primeira vez a Centauro deu uma demonstração de força. A uma distância de 3.000 quilômetros quase arranca a proa da nave desconhecida. — Paramos! — foi a mensagem radiofônica em texto não codificado recebida na Centauro. — Viemos para negociar, não para atacar. Deringhouse lançou um olhar mais prolongado que de costume para seu telegrafista. Alguma coisa não estava certa nessa mensagem expedida pela nave dos saltadores. Na sua opinião, as intenções pacíficas eram pronunciadas demais. — Comandante para os postos de combate — voltou a chamar as torres de canhões. — Disparem imediatamente se dentro de um minuto o mercador não estiver parado — desligou e chamou o telegrafista: — Mande-lhe isto. — Tudo? — perguntou o telegrafista. — Sim, tudo. Quero que saibam o que podem esperar de nós. A tensão cresceu na sala de comando. Deringhouse não tirava os olhos da tela de visão global. A voz metálica do cérebro positrônico indicava as modificações de distância. A mensagem destinada ao mercador Levtan havia sido expedida. — A nave está parada — referia-se ao veículo espacial desconhecido. A Centauro desenvolvia pouca velocidade. Numa curva suave, o cruzador pesado passou pela outra nave a uma distância de três mil duzentos e oito quilômetros. — A nave contínua parada. O próprio Deringhouse não compreendia o motivo de tamanha cautela. Tinha uma superioridade imensa sobre o mercador, mas agia como se fosse o mais fraco.

Estaria impressionado com aquilo que Crest lhe contara sobre os clãs dos mercadores e seus patriarcas? Ou seria porque era difícil aceitar a idéia de que um mercador poderia aparecer nas imediações do sistema solar para negociar? Bastaria que os mercadores estendessem a mão para estrangular a Terra. Naquele instante Deringhouse voltou a transformar-se no piloto do caça tripulado por um homem. A Centauro correu velozmente em direção à outra nave. O ponto reluzente da tela aumentava rapidamente. — É um saltador — disse alguém na sala de comando. — Meu Deus! — exclamou Deringhouse perplexo. — Esse calhambeque está totalmente enferrujado. Quem será esse sujeito que os saltadores nos mandaram? No mesmo instante James Hugh gritou: — Localização, comandante. Um objeto estranho aproxima-se a uma velocidade setenta e seis por cento inferior à da luz. Vem de Pi 3,65 Teta 56,19 graus. O cérebro positrônico interpretou esses dados e logo os transmitiu às torres de canhões. Então era isso! Tratava-se dum estratagema primário dos mercadores — tão primário que por pouco não cai nele. Mas a indicação de distância? A que distância se encontrava a outra nave? Descrevendo um salto tremendo, produzindo por uma quantidade inacreditável de energia, a Centauro passou rente à nave enferrujada, descreveu uma curva arriscada e precipitou-se na direção indicada. — E a distância? — perguntou Deringhouse com a voz fria. — Hugh, por que ainda não me forneceram a distância? — A positrônica forneceu dois valores — respondeu Hugh com a voz tímida. Deringhouse quase chegou a saltar da poltrona. — É porque são duas naves dos saltadores. Quero ambas as distâncias. Vamos logo, Hugh! — Quatro vírgula três oito e quatro vírgula sete um segundos-luz — gaguejou Hugh. A Centauro já estava acelerando a 10.000 quilômetros por segundo. — Vamos estragar o prazer deles de uma vez para todas — disse Deringhouse com uma perigosa suavidade. — Depois cuidaremos do Levtan, esse perigoso anjinho da paz. *** Contrariado, Perry Rhodan ergueu os olhos. — O que houve? — perguntou em tom ainda mais contrariado, mas no mesmo momento fez um gesto de mão para entender que a qualquer momento estaria disposto a falar com John Marshall. — Um enviado da Federação Asiática solicita uma audiência. — Peça-lhe que fale com Bell — disse Perry laconicamente. No momento não podia perder tempo ouvindo as ciumeiras dos blocos de potências da Terra. — Acontece que o enviado faz questão absoluta de falar com o chefe da Terceira Potência. Não quer ir embora. — Pois eu o mando embora. Diga-lhe isto em termos um pouco mais corteses. Para Rhodan a interrupção havia chegado ao fim. Entrou em contato com a gigantesca estação de rádio da gigantesca metrópole de dois milhões de habitantes, enquanto John Marshall, o telepata, se dispunha a sair.

— Ainda não chegou nada? — perguntou Rhodan em tom impaciente. — Não — soou a voz metálica da membrana. Imediatamente Rhodan entrou em contato com os dois cruzadores pesados. — A Terra e a Solar System decolarão imediatamente. Entrem em posição para uma transição a curta distância em direção à órbita de Plutão. As ordens para o salto serão dadas separadamente. No mesmo instante o uivo potente provocado pela decolagem das naves de duzentos metros irrompeu na sala, apesar do isolamento acústico. Girou o botão e viu que os cruzadores pesados, acelerando cada vez mais, corriam em direção à camada de nuvens altas e desapareceram na mesma. Sua respiração era nervosa e pesada. O que teria acontecido com a Centauro para lá da órbita de Plutão? O que estariam tramando os mercadores? Será que ele e toda a Terra teriam se deixado envolver numa trama dos saltadores? Ainda não teria percebido a cilada? Mais uma indagação dirigida à estação de rádio. Nada. O cruzador pesado Centauro, comandado por Deringhouse, ainda não enviara nenhuma mensagem. *** — São dois meteoros! — exclamou Deringhouse bastante contrariado. Por que tinham que existir esses blocos de metal, e por que tinham que possuir campos magnéticos? — Vamos voltar ao calhambeque enferrujado. Perdera um tempo precioso. A Centauro teria que mostrar do que era capaz. O comandante olhou para o relógio. Assustou-se ao ver que já era tão tarde. Refletiu ligeiramente se convinha avisar Terrânia. Resolveu ficar quieto. Não havia nenhuma novidade. Os localizadores captaram a nave enferrujada. Continuava no mesmo lugar. Parecia que a Centauro iria abalroar o outro veículo a toda velocidade. Os oficiais foram olhando para Deringhouse. Nos olhares de todos havia a mesma pergunta: Não vai frear? Deringhouse pilotava a gigantesca esfera como se fosse uma nave de um tripulante. Subitamente as forças de frenagem rugiram na nave. Mãos titânicas reduziram a velocidade do cruzador. Os valores g subiram vertiginosamente, mas os neutralizadores não permitiram que fosse ultrapassado o valor g 1. Nenhum dos tripulantes sentiu a pressão gigantesca produzida pela desaceleração. Medonha e ameaçadora, fantasmagórica e silenciosa, a Centauro voltou a aproximarse da popa da nave dos saltadores, chegando quase a tocá-la com seus campos energéticos. — Levtan pode vir a bordo — disse Deringhouse ao telegrafista. — Não quero que venha numa nave; apenas num traje espacial. Diga-lhe que providenciaremos um transporte seguro. Enfatize a palavra seguro. A mensagem foi irradiada. A confirmação do saltador não se fez esperar. Logo a grande tela de visão global mostrou que a pequena comporta da nave enferrujada se abriu, deixando sair um homem que, envergando um traje arcônida e empurrando-se, deslocou-se no rumo exato da Centauro. Foi quando o telegrafista anunciou a chegada de outra mensagem.

— A Terra e a Solar System acabam de irradiar o sinal de chegada para Terrânia a partir do ponto de salto da transição de curta distância em direção à órbita de Plutão. Naquele instante um imenso raio magnético expelido pela Centauro apanhou o desconhecido e os imensos campos energéticos da nave abriram-se por um instante para que o mercador pudesse vir a bordo são e salvo. “Ainda não tenho nenhuma informação para Rhodan”, pensou Deringhouse, mas não pôde livrar-se da impressão de que após o pouso levaria uma tremenda bronca do chefe. Da pequena comporta veio o aviso: — Homem a bordo. Foi revistado. Não tem armas. Deringhouse respondeu: — Traga-o à sala de comando, acompanhado de quatro homens e dois robôs de combate. — Então realmente veio para negociar — disse James Hugh. Percebia-se pelo tom da sua voz que continuava desconfiado, sem acreditar no que acabara de dizer. Deringhouse também estava desconfiado.

3

A nave cilíndrica de Levtan, que media cento e cinqüenta metros de comprimento, estava pousada ao lado da Centauro. A Terra e a Solar System encontravam-se nos seus pontos de decolagem, como duas naves que nunca estiveram no espaço. Nada indicava que suas armas fulminantes estavam apontadas para a Lev-XIV. Ultimamente Perry Rhodan não costumava demonstrar interesse em pôr Terrânia em perigo através da utilização dos recursos mais radicais de que dispunha. A conferência acabara de ser concluída. Bell lançou um olhar insatisfeito para a nave dos mercadores, pessimamente conservada. — A impressão que Levtan me causou quando apareceu na tela foi igual a essa nave. Nunca vi um sujeito tão antipático — disse. — Foi por isso que nosso vôo para Árcon foi adiado — disse Thora em tom agressivo, sem dar atenção ao olhar repreensivo de Crest. Num gesto de desprezo, atirou os lábios para a frente. — A Lev-XIV não é e nunca foi uma nave dos saltadores. — Logo saberemos que tipo de nave é a Lev-XIV e quem nos mandou Levtan — interveio Perry Rhodan. Estas palavras puseram fim à discussão. Deringhouse surgiu na porta acompanhado de dois robôs de combate e entregou o forasteiro. Um homem de baixa estatura com traços mongólicos entesou o corpo quando viu os robôs desaparecerem. Com um sorriso autoconfiante, inclinou-se diante do grupo de homens. Parecia desleixado como sua nave. E a Lev-XIV não estava apenas enferrujada; fedia de tanta sujeira. Thora torceu o nariz e recuou. Crest fitou o mercador, demonstrando um certo interesse científico. O rosto largo de Bell revelou tudo aquilo que um diplomata nunca deve revelar. Apenas Perry continuou o mesmo. Dominava a situação. Ainda não se mostrava disposto a proferir seu julgamento, pois não sabia o que trouxera Levtan à Terra. Mas logo ficou sabendo. Não era à toa que os melhores dentre os seus mutantes se encontravam nos fundos da sala. John Marshall já estava lendo os pensamentos de Levtan. Crest dirigiu a palavra ao saltador: — Levtan, o senhor não é um mercador. Já foi, mas agora é apenas um pária, um elemento proscrito. Um brilho traiçoeiro passou pelos olhos oblíquos de Levtan. Olhando de baixo, examinou a figura alta do arcônida. — O senhor é de Árcon? — perguntou em tom atrevido, em vez de responder à observação de Crest. — O senhor é um pária — disse Crest, enfatizando a afirmativa anterior, enquanto admitiu ser um arcônida. Perry Rhodan recebeu a informação cochichada que John Marshall lhe transmitiu. — Levtan é um traidor, um desesperado e um elemento proscrito. Suas idéias estão dominadas pela torpeza, pela traição e pela intenção de praticar chantagem. Neste momento está refletindo sobre a maneira de lograr-nos. Perry Rhodan adiantou-se ligeiramente. Deu seu nome a Levtan. — Perry Rhodan... — repetiu o saltador proscrito e envolveu o chefe da Terceira Potência com um olhar. — Onde está a outra nave arcônida que o senhor possui, Rhodan?

Nunca acreditei nesse blefe. Sabia perfeitamente que até hoje o Império só perdeu uma nave desse tipo. Mas não se preocupe; saberei guardar seus segredos, desde que consigamos entender-nos no terreno dos negócios. Perry não se alterou. Continuou a fitar Levtan com uma expressão fria. — Não tenho necessidade de blefar. O atrevimento daquele saltador desleixado era espantoso. Em tom petulante interrompeu Rhodan. — Também eu não confessarei logo todas as mentiras que soltar diante do senhor. Sua sorte, Rhodan, é que os clãs ainda acreditam que o senhor dispõe de duas naves da classe da Stardust. Bem, deixemos isto de lado... John Marshall avançou, vindo dos fundos da sala. Passou pelo chefe e só parou quando estava quase pisando nos pés de Levtan. Perry Rhodan achava que ainda era cedo para ensinar boas maneiras a Levtan. Cochichou para Marshall, ordenando-lhe que se limitasse a chocar o saltador com um fato. John Marshall reagiu imediatamente, embora já tivesse outra frase na ponta da língua. — Levtan, o senhor seria capaz de repetir a safadeza com o clã de Gaxtek que o senhor praticou na estrela Caster? Todos ouviram a respiração pesada de Levtan, que logo soltou um gemido burborejante e se abaixou como um cachorro que acaba de levar um pontapé. Um olhar de falsidade atingiu Marshall. Em tom odiento perguntou: — Como soube disso? — Vamos ao que importa, Levtan — interveio Perry Rhodan. O tom de sua voz não admitia réplica. — Por que não nos chamou pelo hipercomunicador? Por que usou aquela onda-tartaruga? Agira propositadamente ao dar essa formulação à pergunta. Era necessário robustecer por um curto lapso de tempo a autoconfiança de Levtan. Os mutantes telepatas ainda não tinham conseguido extrair todas as informações de sua mente. Com um sorriso arrogante Levtan respondeu: — Não sou um idiota para chamar a atenção dos saltadores por meio duma mensagem pelo telecomunicador. Por causa do senhor em toda nave dos saltadores há constantemente alguém ocupado com o goniômetro. Bem, vamos ao que importa. Quero vender uma informação, mas antes de entreter a idéia de fazer este negócio com o senhor, tomei minhas precauções. Não sou o único elemento proscrito de minha raça. Dois amigos que também sabem do blefe a respeito da Stardust aguardam meu regresso apenas por vinte e quatro horas terrenas. Se não voltar, agirão. Então, Rhodan, vamos fazer um negócio? Marshall cochichou ao ouvido de Rhodan: — Levtan está blefando. Pensa ininterruptamente nos mercadores e vez por outra lembra-se duma conferência muito importante. A palavra conferência produziu um choque em Perry Rhodan. — Tire tudo — disse a Marshall, enquanto Bell se dirigia a Levtan: — Nossos conversores são tão grandes que podem acolher o senhor com todo o clã dos ciganos espaciais. Por enquanto nossas intenções são pacíficas, saltador. Mas não me venha mais com esses dois amigos que não existem. Vamos... Levtan não se deixou intimidar. A ameaça do conversor não o impressionou. Com um olhar matreiro contemplou a figura baixa de Bell. — Ontem saltei duas vezes e hoje uma vez. Os mercadores galácticos não estão

dormindo. Se tiverem medido o abalo estrutural, a esta hora podem encontrar-se a caminho com uma pequena frota dos superpesados... Foi quando interveio Tama Yokida, o telecineta que, pela simples força de sua vontade, podia transportar objetos pesados a qualquer lugar. Queria que Levtan se aproximasse do teto. Subitamente o pária, cujo rosto retratava o pavor, começou a debater-se desesperadamente em busca dum apoio, enquanto subia lenta e inexoravelmente em direção ao teto. — Devíamos deixar que morresse de fome lá em cima — disse Bell em tom contrariado, fitando-o prolongadamente. — Levtan, diga logo o que tem a nos oferecer, senão vamos tratá-lo pela forma como os mercadores costumam tratar seus prisioneiros. Tama Yokida, um japonês de estatura média que estudava astronomia até que Perry Rhodan teve conhecimento de suas qualidades de mutante e o incorporou ao seu exército, manteve-se imóvel nos fundos da sala e sustentava o pária Levtan no teto. Marshall transmitiu esta informação ao chefe: — Está amolecendo; já não pensa em truques. Já não tem certeza se sua informação vale alguma coisa para nós. Em algum lugar da galáxia está havendo uma reunião extraordinária dos mercadores. Perry Rhodan percebeu a oportunidade. Assumiu o comando das negociações com o pária dos saltadores. Por intermédio de Marshall ordenou a Yokida, o telecineta, que fizesse Levtan descer ao chão. O mercador, apavorado, desceu devagar, que nem um balão. Quando se viu novamente de pé, passou a mão pela calva suarenta, enxugou a mão na barba rala e soltou um forte gemido. — Levtan — principiou Rhodan em tom calmo — o senhor está precisando de auxílio. Dar-lhe-emos todos os recursos de que sua nave está precisando. Em compensação o senhor nos dará todas as informações sobre a reunião dos mercadores galácticos. Era uma atitude típica de Perry Rhodan. Dava a impressão de ter jogado o melhor trunfo, quando na verdade apenas acabara de apresentar a carta mais baixa. — Preciso de armas — rangeu a voz de Levtan, enquanto seus olhos brilhavam numa expressão gananciosa. No mesmo instante soltou um grito de pavor e recuou até a porta. Um homem se fez diante dele. Um homem pequeno e franzino com rosto de criança surgiu do nada. Esse homem, que era japonês como Yokida, seguiu Levtan de perto. — As armas não são o que mais preciso — retificou o pária apressadamente. Ao que tudo indicava, não estava disposto a arriscar um contato mais estreito com aquele homem franzino. — Com todos os patriarcas, isso é uma coisa horrível... — Ainda não está sendo bem sincero, chefe — cochichou John Marshall ao ouvido de Perry Rhodan. — Faça Ras Tshubai entrar em ação — ordenou Rhodan. O pavor de Levtan subiu ao infinito. No instante em que o homem franzino dava o último passo em sua direção, um homem alto e esbelto, de tez escura, fez-se do nada. — Meu nome é Ras Tshubai, Levtan. Quer que lhe apresente meus amigos? — Está maduro, chefe — anunciou Marshall. — Levtan — disse Rhodan num tom que revelava a maior indiferença. — Dou-lhe um minuto para oferecer sua mercadoria. Se não me oferecer tudo, mas apenas uma parte, farei com que os mercadores saibam do nosso encontro. Foi quando John Marshall interveio bastante nervoso:

— Chefe, na reunião dos mercadores galácticos o patriarca Etztak apresentará um relatório sobre o senhor. Perry Rhodan, o “reator psíquico instantâneo”, ainda acrescentou o seguinte às palavras destinadas a Levtan: — Acho que Etztak ficaria muito satisfeito em tirar o senhor da Lev-XIV. Não é da mesma opinião? O pária quase desmoronou. Teve que reunir todas as forças para manter-se de pé. Estava satisfeito em ver que o negro e o homem franzino o seguravam de um lado e de outro, mas quando quis apoiar-se nos mesmos, pegou no vazio e viu-se só. Logo viu os dois homens, que num pestanejar saíram de junto dele, dissolvendo-se no nada, parados junto à janela, atrás do extenso grupo que ali se encontrava. — Eu... eu... — fungou, cambaleando e comprimindo as têmporas — direi tudo. Não quero negociar. — Vamos logo! — disse Perry Rhodan laconicamente, lançando-lhe um olhar enérgico. *** Em Terrânia surgiu uma nova Lev-XIV. Perry Rhodan colocara mais de trezentos robôs sobre a nave arruinada. Mostrava-se tão generoso para com Levtan, o pária, que até Bell se espantou e chegou a resmungar: — Não precisa dar um presente de milhões a esse traidor. Rhodan lançou um olhar pensativo para o amigo. — Você ainda se lembra de que eu estava disposto a dar um reino por uma boa idéia? — E daí? Não venha me dizer que esse cigano das estrelas lhe trouxe uma boa idéia com sua traição. Será que pretende conquistar o planeta em que os patriarcas vão conferenciar sobre nossa destruição? — Isso mesmo. — Dou um reino por uma cadeira — fungou Bell, lançando os olhos em torno sem encontrá-la. — Perry, a piada que você acaba de fazer é tão infame como a que Aquilo ou Ele fez conosco, ao bancar o frio e não permitir que atravessássemos os campos energéticos do Peregrino. Quer conquistar um planeta? Com quê? Com nossa frota liliputiana? Acha que com ela poderá enfrentar os mercadores? — Talvez possamos conquistar um planeta com outros meios que não sejam uma frota espacial — respondeu Perry sem abalar-se. Sorriu para Reginald Bell e virou-se para cumprimentar Kitai Ishibashi. Perplexo, Bell seguiu o amigo com os olhos. — Um reino por uma boa idéia. É verdade, era o que Perry estava disposto a dar. E agora dá um presente de milhões a esse cigano. Um reino é uma coisa muito cara. Mas, caramba, como será que Perry pretende agarrar os patriarcas sem lançar mão da frota? Viu Perry ao lado de Kitai Ishibashi, o sugestor, a falar com o mesmo. Mas não se deu conta do ovo de Colombo. *** O alarma foi suspenso. Os amigos mais chegados de Rhodan imploraram para que não se arriscasse a tanto.

Perry mantinha-se calado, mesmo diante de Bell. Mas Reginald Bell conhecia o amigo; sabia que o mesmo obrigava uma idéia a adquirir forma definitiva. Depois de algum tempo, Rhodan procurou Crest, o arcônida. Conversou com ele. O chefe da Terceira Potência fez de conta que o perigo que os mercadores galácticos representavam nem existia. Quando Rhodan despediu-se de Crest, este pensou que tivesse tido um dos raros batepapos com o mesmo. Enquanto se dirigia ao Dr. Frank Haggard, o descobridor do soro anti-leucêmico que salvara a vida de Crest depois do malogrado pouso da nave arcônida na Lua, Rhodan encontrou-se com Bell. — Aonde vai, Perry? — Vou falar com o Dr. Haggard. — E onde esteve? — Acabo de falar com Crest. — Está com pressa, Perry? Também estou. Com um sorriso, Perry viu o amigo baixote afastar-se. Sabia o que estava afligindo Bell: procurava adivinhar o plano que ele, Rhodan, concebera para afastar o perigo que ameaçava a Terra. E Reginald iria procurar Crest, para ver se conseguia extrair alguma informação do mesmo. Também o Dr. Frank Haggard surpreendeu-se em ver Perry Rhodan tão loquaz. E nem desconfiou quando, pouco depois, Reginald Bell apareceu e procurou saber sobre o que haviam conversado. Dispôs-se logo a dar a informação. Mal-humorado, Bell foi ao seu escritório. Não conseguira descobrir nada de concreto. Não atribuiu maior importância à conferência dos mutantes com o chefe. “Deve ser um encontro de rotina”, pensou. Acontece que, no curso dessa conferência, o plano de Perry Rhodan assumiu forma definida. Com um gesto disfarçado, Kitai Ishibashi enxugou o suor da testa. O sugestor japonês, um homem alto e magro, parecia totalmente esgotado. Tivera uma tarefa imensa diante de si. E agora já a deixara para trás. Acabara de impor sua vontade aos quarenta indivíduos que compunham a tripulação da Lev-XIV a tal ponto que todos, inclusive o sagaz Levtan, acreditavam que cada ato, cada pensamento, cada palavra seria produto de sua vontade espontânea. Sugerira-lhes uma quantidade imensa de dados, implantados na mente de cada um, como se fossem uma engrenagem complicada. Perry Rhodan acabara de realizar, em sua presença, o ensaio geral com Levtan. Tudo correra conforme fora previsto. — Obrigado, Ishibashi — disse Perry Rhodan em tom cordial, apertando-lhe a mão. — Acontece que o senhor tem outras tarefas diante de si... O plano genial, que passaria à história da humanidade com o nome de Lance Galático, ainda estava sendo aperfeiçoado nos seus detalhes. *** Com a precisão dum rastreador estrutural, os fatos se foram conjugando. De repente Bell notou a falta de Tako Kakuta, o teleportador. Antes que pudesse formular uma pergunta a respeito, deu-se conta de que fazia vários dias que não via John Marshall e Tama Yokida.

— Onde estão eles? — gritou pelo intercomunicador. — Será que entendi bem? Kakuta, Marshall e Yokida foram internados na clínica, no setor particular de Haggard? Realmente estavam internados na clínica. Reginald Bell pegou um carro e foi até lá. Em companhia do Dr. Haggard viu-se diante de três camas, estacou, lançou mais um olhar e resmungou em voz baixa para o médico: — Pedi para ver nossos mutantes, não esses ciganos das estrelas. — Acontece que são nossos mutantes — afirmou o Dr. Haggard com a maior tranqüilidade. Bell não estava num dia de bom humor. — Dr. Haggard — disse em tom áspero. No mesmo instante o paciente desapareceu de uma das camas, enquanto o doente surgiu do nada diante de Reginald Bell. Bell nem chegou a engolir em seco. — Kakuta! — berrou, e suas mãos volumosas estavam a ponto de agarrar o japonês franzino, que parecia ser um dos ciganos estelares da nave de Levtan. Mas suas mãos agarraram o vazio. Num segundo pulinho, Tako Kakuta teleportara-se de volta para a cama. — Estou doente! — gritou Kakuta, sorrindo. Aquele homenzinho, que já se permitira várias brincadeiras com Bell, sabia ser prudente. Conhecia o temperamento do outro. — Ainda lhe torço o pescoço — gritou Bell. Com um olhar pouco gentil para o Dr.Haggard, saiu ruidosamente. Aos poucos uma luz foi surgindo em seu espírito. Começou a compreender o plano de Rhodan, mas não acreditava muito no mesmo. Uma vez no corredor, disse de si para si: — É o gesto desesperado do homem que procura agarrar-se numa palha para não morrer afogado. *** Reginald Bell foi a Pequim na qualidade de representante de Perry Rhodan. A Federação Asiática acreditava ter motivos de queixa por causa das violações cometidas pelo Bloco Ocidental. Consumira três dias nas negociações e conferências da Federação Asiática. Durante três dias aborrecera-se com as ninharias, que não guardavam a menor proporção com o perigo que ameaçava a Terra. O Bloco Ocidental tivera sua parcela de culpa na contrariedade manifestada pela Federação Asiática. Bell falara com língua de anjo. Mas ao anoitecer do terceiro dia de conferências intermináveis, quando percebeu que não avançara um passo, sua paciência chegou ao fim. Perry Rhodan não poderia ter enviado a Pequim um representante menos diplomata que Reginald Bell. De qualquer maneira, o método de Bell foi coroado de êxito. Quando, na sala de conferências, entrou em contato com Washington, para onde também transmitiu uma série de observações nada amáveis, pôde ir à cama pela meia-noite, dizendo: “Finalmente!” Voltou para Terrânia num destróier. Pilotou-o pessoalmente. Nunca se privava desse prazer. O comandante estava sentado na poltrona do co-piloto. Bell estava muito bem-humorado.

O suor brotava de todos os poros do comandante do destróier, que quase não conseguia respirar. Na sua imaginação já se via estatelado no chão juntamente com seu destróier. Numa velocidade incrível, Bell realizou uma descida íngreme junto ao campo de pouso. — Senhor... — O que houve desta vez? — disse Bell com um sorriso que cobria toda a largura de seu rosto, olhando para o co-piloto. As energias tremendas da frenagem seguraram o destróier, levando-o à imobilidade. Bell colocou a nave na horizontal. Com um solavanco quase imperceptível a mesma pousou. — Finalmente estamos em casa — disse Bell, contemplando o espaçoporto. Já se esquecera de que com seu pouso prenunciador de catástrofe pregara um susto mortal ao comandante. Inclinou-se precipitadamente para a frente e fitou a área de pouso do couraçado. A Stardust-III havia desaparecido. Não conseguiu descobrir o veículo esférico de oitocentos metros de diâmetro, o couraçado de Perry. — Onde está Rhodan? — berrou para dentro do microfone. — Em Vênus — soou a resposta vinda do alto-falante. *** Só havia um meio de realizar o plano de Perry Rhodan com alguma chance de sucesso: através do cérebro positrônico instalado em Vênus. O cérebro positrônico fora instalado há muitos milênios pelos arcônidas no interior duma montanha rochosa. Esquecido por essa raça, foi redescoberto por Rhodan, que várias vezes o utilizara. Mais uma vez viu-se diante do mesmo. Sozinho diante do gigantesco painel, introduziu uma seqüência quase infinita de dados no cérebro-mamute. Durante o vôo para Vênus conversara horas a fio com Crest. Falavam exclusivamente nos mercadores galácticos, seus clãs e suas leis. O cérebro positrônico informou-o de que dentro de vinte e quatro horas poderia obter a resposta. Aguardou pacientemente que esse prazo se esgotasse. Mais uma vez viu-se sozinho diante do cérebro positrônico, calmo e descontraído. Pensava nos mercadores, que representavam o maior perigo que a Terra já enfrentara. Eram uma raça tão antiga como a dos arcônidas. Mas nos espaços interestelares passaram a constituir uma raça distinta, criando leis destinadas a evitar a ruptura dos elos fracos que os uniam. Uma lei antiqüíssima determinava que um indivíduo proscrito só poderia ser readmitido nos clãs dos mercadores, se realizasse algo de extraordinário, que trouxesse uma vantagem considerável para toda a raça dos mercadores. O cérebro forneceu a solução do problema. As mãos de Perry não tremiam enquanto lia os cálculos precisos e reconhecia os problemas que ainda teria de solucionar. Dali a uma hora a Stardust-III iniciou sua viagem de volta à Terra. Chegou a Terrânia meia hora depois do regresso de Bell.

*** Kitai Ishibashi, o sugestor, batizara seu método de processos por camadas. Perry Rhodan interrompeu-o. — Ishibashi, não podemos assumir o menor risco. O que está em jogo é muito valioso. Desta vez confio exclusivamente na sua capacidade. A sugestão profunda deve atingir não apenas Levtan, mas todos os tripulantes de sua nave. Entendido? — Entendido. — Pois venha comigo. Levtan está esperando por mim na sala ao lado. Pedi que comparecesse para uma troca de idéias. *** A força sugestiva de Kitai Ishibashi foi penetrando cada vez mais profundamente na mente de Levtan. Rhodan observava os dois. O sugestor impunha a vontade estranha à mente do mercador proscrito por camadas sucessivas. Acabara de falar com Perry Rhodan a respeito de transplantes — mais precisamente, do transplante duma faixa de pele sadia sobre uma grande área queimada do corpo. A vontade e a força de representação de Ishibashi transformaram-se na mente, num saber por ele mesmo assimilado e experimentado. Perdeu o caráter estranho, identificandose com o pária. Levtan viu o centro de armamentos de Perry Rhodan, situado em Vênus. Eram gigantescas cavernas escondidas sob a rocha, que se estendiam por centenas de quilômetros, e abrigavam um enorme estaleiro espacial, de cujas fitas de montagem saía a cada hora uma imensidade de robôs e de armamentos. E a vontade de Kitai Ishibashi apresentou-lhe quadros imaginários dum espaçoporto situado em Vênus, instalado abaixo do solo e protegido por campos energéticos, enormes comportas e quilômetros de rocha. Viu mais de cem cruzadores do tipo da Terra e da Solar System e vinte e duas naves do tipo da Stardust-III. Perry lançou um olhar insistente para Kitai Ishibashi. O japonês parecia dormir. Ligeiramente inclinado na poltrona, estava com as mãos entrelaçadas e os olhos fechados. Nenhum movimento do rosto traía os esforços imensos que pesavam sobre ele. De repente Ishibashi abriu os olhos e informou Rhodan de que ele, o chefe da Terceira Potência, teria que encarregar-se de Levtan. Perry olhou para o relógio. Um minuto se passara desde o instante em que Ishibashi iniciara o tratamento do pária. Este despertou da sugestão e respondeu à pergunta de Rhodan, que foi a única coisa que ouviu antes do tratamento. — Está certo — respondeu o chefe da Terceira Potência com a voz tranqüila. — Pode decolar dentro de três dias, Levtan. Acho que fez um bom negócio, não fez? Sabia perfeitamente o que Levtan estava pensando. O saltador proscrito via em sua mente a base fictícia de Vênus. A frota de mais de cem cruzadores pesados e vinte e duas naves de oitocentos metros de diâmetro. Era uma armada de supercouraçados. Comparou esse poderio com o valor da notícia com que traíra sua raça e não pôde deixar de responder afirmativamente à pergunta de Rhodan. Mas logo seu caráter traiçoeiro veio à tona:

— ...mas o senhor também teve seu lucro, Rhodan. Seus robôs examinaram todos os cantos de minha nave. Aposto que encontraram muita coisa que o senhor ainda não conhecia. Como...? — Tenho a impressão de que o senhor ainda faz um juízo muito elevado a seu respeito, Levtan. Afinal, é um proscrito. A presunção é o último dos passos que conduzem ao abismo... — O senhor com suas vinte e duas naves do tipo da Stardust pode falar grosso — disse Levtan em tom odiento. O tom de sua voz revelava a mais pura inveja. Mas no mesmo instante voltou-se no mercador hábil e experimentado. — De qualquer maneira, por enquanto me livrei do aperto. Quer dizer que dentro de três dias poderei decolar. — O senhor terá que decolar, Levtan — avisou Rhodan, levantando-se. — Hoje os quatro tripulantes de sua nave que adoeceram receberão alta. — Amanhã — interrompeu Kitai Ishibashi, que se sentia tão exausto que hoje preferia não realizar mais que uma sessão. Sabia que com isso poderia subverter o cronograma de Perry Rhodan. Engoliu o suspiro de alívio que esteve para soltar quando este retificou suas palavras. — Compreendo — respondeu Levtan com um olhar traiçoeiro. — Somos expulsos. Da Terra não esperava mesmo um tratamento diferente. *** O Dr. Frank Haggard convocou toda a tripulação da Lev-XIV para comparecer à clínica. Só Levtan foi dispensado; já havia sido submetido ao tratamento. — Para que tanta vacina? — resmungou um dos saltadores. — Afinal, para que serve isso? Haggard fez uma ligeira exposição. Cada vacina demorava um minuto. Era o tempo suficiente para que Kitai Ishibashi aplicasse a cada tripulante seu tratamento por camadas. Ele mesmo era o último paciente. Ainda não tinha o aspecto dum cigano estelar. Deitou calmamente na mesa de operações e entregou-se à arte médica arcônida do Dr. Haggard. Tinha certeza de que nenhum dos tripulantes da Lev-XIV ficaria desconfiado pelo fato de que um dos quatro doentes da nave saíra da clínica um dia depois dos outros. A última coisa que Kitai Ishibashi sentiu quando foi envolvido pela anestesia foi a música vinda dum mundo irreal.

4

Vinte dias depois de ter pousado em Terrânia, a Lev-XIV decolou do espaçoporto e subiu lentamente ao céu límpido do deserto de Gobi. Levtan, o saltador, que fora expulso da comunhão dos clãs dos mercadores, deixava a Terra com sua tripulação, aumentada de quatro elementos, a fim de trair Perry Rhodan. Era este o grande lance galático. *** O campo energético protetor voltara a fechar-se sobre a metrópole de dois milhões de quilômetros enquanto a Lev-XIV ia diminuindo. Nada indicava o estado de alarma. Este foi proclamado pelo próprio Rhodan. As salas de comando das quatro naves de grande porte de sua frota receberam as horas de decolagem. Decolagem dentro de duas horas. Nunca a curiosidade quanto ao destino duma viagem fora tamanha. — Avançar até a órbita de Plutão à velocidade da luz — ordenou Rhodan. Era o rumo que a nave de Levtan acabara de tomar. Será que Perry Rhodan pretendia seguir o pária a uma distância segura, a fim de descobrir para onde o mesmo iria? Será que não confiava nas informações que seus telepatas haviam extraído da massa cinzenta de Levtan? Não estaria acreditando na grande conferência dos patriarcas no sistema 221Tatlira? 221-Tatlira. Os gigantescos mapas estelares da Stardust-III não registravam nenhum sistema com esse nome. Mas descobriram os dados no catálogo da Lev-XIV. A hora da decolagem chegou. Mais uma vez Rhodan pilotou a Stardust-III. As naves Centauro, Terra e Solar System seguiram na sua esteira. Desenvolveram velocidade inferior à da luz até atingirem a órbita de Plutão. A tensão parecia estalar no interior de cada nave. Nenhum dos homens estava acostumado a essa viagem em velocidade de tartaruga. Notou-se a falta de quatro membros do Exército de Mutantes: John Marshall, o telepata, Tako Kakuta, o teleportador, Kitai Ishibashi, o sugestor, e Tama Yokida, um indivíduo muito retraído, no qual ninguém desconfiaria um telecineta de potência extraordinária. Perry Rhodan não permitiu que lhe formulassem perguntas. Mais uma vez transformara-se no pólo que irradiava tranqüilidade em todas as direções. Apenas uma pessoa não acreditava nessa tranqüilidade aparente: era Reginald Bell. Mas este manteve-se calado. Por dentro, Perry Rhodan ardia como um vulcão no momento da irrupção. O chefe da Terceira Potência envolvera-se na maior e mais perigosa das aventuras de sua vida. Durante toda a existência da Terra, a existência da mesma nunca estivera por um fio tão delgado como naqueles dias e nos que se seguiriam. Os postos de observação da Stardust-III não perdiam o controle sobre a nave dos mercadores. Ao atingirem a órbita de Plutão, as quatro naves pararam e mantiveram-se imóveis no

espaço. — Vamos esperar aqui — disse Rhodan laconicamente. Encontrava-se diante do grande cérebro positrônico. Vez por outra lançava um olhar pensativo para o gigantesco painel. Todos procuravam manter-se afastados do chefe, inclusive Bell. Havia uma coisa muito importante no ar. Teria Perry Rhodan aguardado a transição da nave dos saltadores? Os rastreadores estruturais acabaram de medir um salto. Rhodan ordenou em voz alta: — Tragam-me todos os dados. Os dados chegaram, e Rhodan introduziu-os no cérebro positrônico. Bell e as outras pessoas que se encontravam presentes observavam-no. Não entendiam a finalidade do trabalho apressado, mas preciso de Rhodan. Este moveu outra chave. O cérebro positrônico da Stardust-III estava acoplado aos cérebros dos três cruzadores. O resultado chegou, e chegou simultaneamente na Terra, na Solar System e na Centauro. — Saltaremos dentro de três segundos — gritou Rhodan para dentro do microfone. A contagem automática de tempo foi iniciada simultaneamente nas três naves. O resultado fornecido pelo cérebro positrônico dera origem a milhares de ligações em cada uma das naves. E as quatro naves saltaram ao mesmo tempo através do hiperespaço. Por meio dum desempenho energético inconcebível, as gigantescas esferas foram retiradas do universo normal e trasladadas para o hiperespaço, que continuava a ser um mistério inacessível à mente humana. Dessa forma eram atiradas, no chamado tempo zero, por distâncias enormes, para voltarem ao ser no fluido espacial com que estavam familiarizadas. Como sempre, Perry Rhodan foi o primeiro a despertar do estado de semiconsciência. Recuperando-se imediatamente do choque provocado pela transição, tinha concluído o exame dos instrumentos mais importantes quando os outros retornavam lentamente ao mundo da realidade. — Um sistema semelhante ao sistema solar. Distância da Terra, mil e doze anos-luz. Sete planetas. Um deles, o segundo, figura no catálogo dos saltadores como o planeta de Goszul — Perry Rhodan apontou para a tela de visão global da Stardust-III, onde o brilho de uma estrela de primeira grandeza superava o de todos os sóis. Notou o olhar indagador de Bell. — Localização — gritou nesse instante uma voz áspera. Rhodan voltou-se tranqüilamente para o oficial que servia o instrumento de observação: — Se for apenas um objeto, deve ser a Lev-XIV. Levtan, o pária, está a caminho do planeta de Goszul, a fim de revelar aos patriarcas dos saltadores o poderio de nossa frota. É apenas um objeto? — Apenas um — gaguejou o homem, perplexo diante da segurança de Rhodan. — Desloca-se à velocidade de duzentos e cinqüenta mil quilômetros por segundo em direção ao segundo planeta, mas... — Mas o quê? — perguntou Rhodan laconicamente. — E o nosso salto? Os rastreadores estruturais dos mercadores devem ter registrado o

abalo espacial. Perry Rhodan foi para junto dele e colocou-lhe a mão sobre o ombro. Com uma insistência quase hipnótica disse: — A Lev-XIV teve que realizar dois saltos para vencer uma distância superior a mil anos-luz. O segundo salto da Lev-XIV coincidiu com nosso salto. Se tivemos sorte, os mercadores constataram apenas uma transição nas imediações. Depois disso só falta que descubram o pária, para que saibam quem deu o pulo. Tiveram sorte.

5

Levtan torceu-se depois de vencer o choque da segunda transição, quando viu na tela a estrela fulgurante e percebeu que se tratava da 221-Tatlira. Sentiu-se tomado de pânico, de medo dos patriarcas dos mercadores galácticos, que há anos o expulsaram das suas fileiras porque viam nele um elemento desonesto. Fez com que a Lev-XIV se deslocasse em direção ao segundo planeta a oitenta por cento da velocidade da luz. Não ouvia o que os membros do clã lhe diziam. Olhava constantemente para o aparelho de observação. Tinha o rosto desfigurado. Não sabia se estava voando para a morte, ou se voltaria a ser admitido na comunidade dos mercadores. — Deixe-me em paz! — berrou para seu sobrinho, que se encontrava no assento do co-piloto. — Quem está pilotando esta nave sou eu. A nave é minha, e eu sou o comandante. Seus berros foram ouvidos três cabines adiante. Logo atrás da sala de comando sete homens estavam sentados num pequeno recinto, que graças à generosidade de Rhodan fora instalado luxuosamente e oferecia todas as comodidades. Estava sendo ocupado pelos mutantes de Rhodan. Kitai Ishibashi não teve a menor dificuldade em sugerir aos párias que lhes oferecessem esse recinto. Olhavam-se disfarçadamente. — O velho está enlouquecendo — disse John Marshall em tom indiferente, lidando na regulagem de precisão de seu agregado audiovisual. — Tomara que isso dê certo — cochichou Kakuta e estava falando sério. Descobrira em sua tela alguns pontos que um segundo antes não estavam lá. — Estão chegando! — berrou Levtan na pequena sala de comando. — São seis — disse Tako Kakuta tranqüilamente. Ninguém respondeu. Mas Levtan voltou a gritar na sala de comando: — Um couraçado espacial! Um couraçado espacial! Os receptores da Lev-XIV estavam ligados a todo volume. A mensagem do couraçado foi ouvida até a popa da nave dos párias: — Nave que se aproxima, qual é o número de registro? Qual é o clã? Queira fornecer o código. Mais uma vez Levtan sentiu-se tomado de pânico. Em vez de responder, de fornecer qualquer explicação, modificou o curso da nave, acelerou ao máximo e fez uma curva para bombordo. Um raio ofuscante saiu das profundezas do espaço e procurou atingir a Lev-XIV. Uma boa estrela estava protegendo o pária. Foi só graças à repentina mudança de rota que não se transformou numa nuvem de gás juntamente com a Lev-XIV. O tiro seguinte do couraçado também não acertou no alvo. Levtan quase chegou a colocar a nave de cabeça para baixo. Na cabine situada junto à sala de comando sete homens engoliam em seco. Viam o sol 221-Tatlira correr loucamente pela tela e desaparecer na margem superior da mesma. Os reatores da nave zumbiram, da sala de máquinas veio um som agudo, os propulsores funcionaram ao máximo de sua capacidade e aceleraram a nave quase até o limite da velocidade da luz. — Quero ver se lá fora está caindo neve — disse Marshall e levantou-se. — Não se esqueça de levar um agasalho — gritou Dorget, um dos membros do clã. — Vou com você — disse Kitai Ishibashi, fez uma volta em torno de dois homens e, uma vez no corredor, acompanhou Marshall.

Limitaram-se a trocar um olhar. Ninguém contara com o incidente. Nem mesmo Perry Rhodan. Os campos energéticos da Lev-XIV deviam ter sido atingidos por um dos raios disparados pelo couraçado espacial. Por um instante não houve energia para os neutralizadores gravitacionais da nave. Todos os ocupantes da nave tiveram a impressão de que iriam arrebentar sob o impacto das forças tremendas que subitamente desabaram sobre eles. O perigo passou, mas dois dos três campos energéticos da nave mercante ainda não haviam sido restaurados. Na sala de máquinas ouviu-se gente praguejando. — Levtan está louco de medo. Não sabe o que está fazendo — disse Marshall, dirigindo-se ao sugestor. Logo voltou a concentrar-se sobre os pensamentos do pária. Kitai Ishibashi sobressaltou-se. Teria cometido um erro? Será que o tempo de sugestão não fora suficiente? — Tenho que entrar na sala de comando — cochichou Marshall para o companheiro, desviando-se do sobrinho de Levtan, que saiu praguejando da sala de comando e correu para a sala de máquinas. A escotilha que fechava a sala de comando continuava na mesma posição quando Marshall entrou. Ninguém lhe deu atenção. Todos estavam de olhos na tela. Além de Levtan havia quatro pessoas na sala. No cérebro do comandante dos párias, Marshall só leu o pânico e alguns fragmentos de pensamentos confusos. Se Kitai Ishibashi não interviesse com suas forças mentais, dentro de um minuto eles e a Lev-XIV se teriam transformado numa nuvem de gases. Três relampejos simultâneos surgiram na tela. Os destróieres dos mercadores estavam intervindo na luta. Tinham uma superioridade total sobre a nave mercante. Naquele instante um dos parentes mais próximos de Levtan saltou para a frente, quase arrancou o comandante do assento e gritou para o rosto desfigurado do mesmo: — Seu covarde! Diga-lhes por que viemos. Vamos logo, seu idiota! Quer que sejamos transformados num sol? John Marshall não viu mais nada. Uma luz diabólica saíra da tela, um raio disparado nas proximidades. Felizmente não acertou. — Fale logo! — gritaram para Levtan. Duas mãos seguraram sua cabeça e empurraram-na em direção ao microfone de hipercomunicação. — Vamos, diga agora. O nome de Perry Rhodan foi mencionado. Mais uma vez. Aludiu-se a uma base instalada em Vênus, a uma frota imensa de cruzadores e a vinte e duas naves do tipo da Stardust-III. Lá fora, Kitai Ishibashi parecia sonhar diante da escotilha da sala de comando. Não havia o menor movimento em seu rosto que revelasse que estava intervindo na luta, uma luta que a qualquer segundo poderia significar a morte. Sua energia sugestiva venceu uma distância de quarenta mil quilômetros, rompeu os campos energéticos dum couraçado espacial e penetrou no cérebro do comandante. Kitai Ishibashi não tinha a menor idéia de que naquele instante o nome de Perry Rhodan caiu pela primeira vez em meio às palavras balbuciadas por Levtan. Admirou-se com a facilidade com que esse comandante podia ser influenciado. Chegou quase a sentir fisicamente o desmoronamento das defesas espirituais e a absorção ávida de suas forças

sugestivas. Procurou ininterruptamente inocular no cérebro do comandante do couraçado a idéia de que devia instruir os destróieres a não lançar novos ataques. Mais uma vez Kitai Ishibashi recorreu ao método de sugestionamento por camadas. Esse método era mais demorado, mas quando havia algumas camadas homogêneas superpostas, estas deixavam de ser um corpo estranho na mente do indivíduo. O comandante da nave dos mercadores estava convencido de que agia por livre vontade quando transmitiu pelo telecomunicador a instrução destinada aos destróieres: — Suspender os ataques! Escoltar o pária Levtan. Aguardar licença de pouso para a Lev-XIV. O grito que Levtan soltou na sala de comando despertou Kitai Ishibashi dos seus sonhos. Respirou profundamente por algumas vezes, passou as mãos pelos olhos e, encurvado, dirigiu-se à sua cabine. — Então? — cumprimentou-o o teleportador com um sorriso. — Lá fora ainda está caindo neve? Com a voz indiferente, como se apenas tivesse olhado o tempo, Kitai Ishibashi respondeu: — Já parou. Mas logo vai começar de novo. *** Longe da Stardust-III e dos três cruzadores, as naves dos mercadores caçavam a LevXIV. A gigantesca tela de visão global da Stardust-III não mostrava nada. A distância era muito grande. Mas os instrumentos ultra-sensíveis reagiam fortemente. Toda vez que os ponteiros disparavam escala acima, um raio desintegrador havia sido disparado em direção à Lev-XIV. Na sala de comando da Stardust reinava um silêncio mortal. Rijo como uma estátua, Perry Rhodan mantinha-se diante do grande painel, observando os instrumentos. — Por que será que Kitai Ishibashi não intervém? — perguntou bastante nervoso. — Como pôde acontecer um imprevisto desses? Quem havia de dizer que Levtan seria estúpido a ponto de não responder ao chamado da grande nave dos mercadores? O hipercomunicador captou a mensagem. Ouviram-se palavras balbuciadas, mas o tom de voz de Levtan era inconfundível. — Que covarde miserável! — praguejou Bell. A covardia do pária poderia representar o fim do lance galático de Perry Rhodan e de quatro dos seus melhores mutantes. Mais cinco raios de desintegrador estenderam-se em direção à Lev-XIV. Instintivamente Perry conteve a respiração. Fitou três instrumentos próximos. Quando chegaria outro movimento do ponteiro, o maior de todos, indicando que a Lev-XIV se transformara numa nuvem de gases? Mais uma vez o receptor de hipercomunicação voltou a soar. — Suspender os ataques! — rangeu a voz no alto-falante. — Escoltar o pária Levtan. Aguardar licença de pouso da Lev-XIV. Uma das pessoas que se encontravam na sala de comando respirou ruidosamente. — Depois do pouso nossos mutantes serão desmontados... Perry Rhodan virou-se abruptamente para a pessoa que acabara de pronunciar estas

palavras. O jovem oficial-telegrafista que soltara a observação enrubesceu e inclinou o rosto sobre o quadro de instrumentos. Perry Rhodan deu-se conta do fato de que nem Bell estava informado sobre seu plano. — Nossos mutantes não serão desmontados — declarou com a voz calma, enquanto seus olhos cinzentos pareciam expedir um ligeiro sorriso. — Os tripulantes da Lev encontram-se sob influência sugestiva e não sabem que trazem mais quatro pessoas a bordo. E posso assegurar-lhes que nossos homens têm o aspecto de genuínos ciganos espaciais. Nesse instante o operador do aparelho de observação disse: — A formação segue com a Lev-XIV em direção ao segundo planeta. Com isso a tensão que vinha consumindo os nervos dos ocupantes da Stardust deixou de existir. Perry Rhodan pôde lançar mais uma parcela a crédito da conta da Humanidade. Crest, o arcônida, que se mantinha discretamente nos fundos, sabia que o homem que acabara de ocupar o assento de piloto da Stardust — Perry Rhodan — era o herdeiro do Universo. *** Em velocidade bastante reduzida, o grupo de destróieres, com a Lev-XIV no centro, passou a baixa altura sobre o planeta de Goszul. O astro recebera esse nome em homenagem a Goszul, um mercador que o descobrira e dele tomara posse. Os mutantes ficaram espantados quando a tela lhes mostrou não apenas uma paisagem encantadora, mas também um grande centro industrial. Nem mesmo os verdadeiros membros do clã ocultavam o espanto. — Então é aqui que ficam os estaleiros dos mercadores — disse Dorget em tom preocupado, coçando o crânio meio tosado. John Marshall parecia contemplar seu próprio interior de tão ausente que parecia. Na verdade, empenhava todas as energias mentais para captar os pensamentos dos párias. Mas seu conhecimento do planeta de Goszul não passava daquilo que chegara a eles através de boatos. Fazia muitos anos que Levtan fora expulso da comunidade dos saltadores, e naquela época o planeta ainda levava uma vida pacata. Descrevendo uma grande curva, retornaram ao formidável centro industrial, sempre acompanhados pelos destróieres. Ao que parecia, a Lev-XIV recebera permissão para pousar. Mal tocou o solo, a ordem de Levtan foi ouvida em todos os cantos: — Preparem-se para abandonar a nave. Os mutantes deixaram que os três membros verdadeiros do clã seguissem à sua frente. Hesitavam em sair dali. — Seremos presos — informou Marshall. Ninguém se abalou, pois já contavam com essa possibilidade. Tama Yokida, um telecineta de estatura mediana, olhou para o lugar em que os robôs haviam escondido algumas armas manuais bastante eficientes. O rosto estreito de John Marshall empalideceu mais um pouco. Mais uma vez estava captando o pensamento alheio. Retornou à realidade. — Não podemos levar nada — disse em tom decidido. — Todas as pessoas que saem

desta nave serão rigorosamente revistadas... — Mesmo com...? Marshall entendera o pensamento de Ishibashi. — Sim, também com isso. Por enquanto dispensarão apenas a lavagem cerebral. Os saltadores não confiam em Levtan. Ninguém lhes pode levar a mal. Vamos embora. Somos os últimos. *** Goszul, descobridor do sistema 221-Tatlira e conquistador do segundo planeta — ou melhor, o patriarca Goszul — ainda gozava duma saúde excelente. Naquele momento ouvia as notícias sobre o pouso da Lev-XIV. Mais três patriarcas, sentados em poltronas confortáveis em torno duma mesa redonda, ouviam atentamente as notícias. O nome Perry Rhodan foi mencionado várias vezes, e sempre que isso acontecia um dos patriarcas dava uma expressão de ódio ao rosto e respirava pesadamente. Goszul, um homem velho, baixo e calvo, notou a respiração pesada de Etztak. — Está contrariado com o pouso de Levtan? — perguntou. — Ou será que o nome de Rhodan lhe dá tamanha raiva? Os olhos penetrantes do sagaz Goszul fitaram o amigo, que chegara a acreditar que conseguiria destruir Perry Rhodan, mas deu-se por satisfeito por ter escapado, embora fosse o único. — Não gosto nem de uma coisa nem de outra, Goszul — respondeu Etztak com uma calma surpreendente. — Conheço Levtan. É um covarde e um criminoso traiçoeiro. — E Perry Rhodan? Por que não fala a respeito dele? Estou muito interessado em ouvir sua opinião, Etztak. Etztak lançou um olhar desconfiado para Goszul. Os outros patriarcas sentiram a discussão aproximar-se. Um deles interveio apressadamente. — Vamos aguardar o resultado do interrogatório de Levtan. Depois disso ainda poderemos conversar sobre o tal do Perry Rhodan. Etztak chiou indignado: — Não é o tal do Perry Rhodan, mas o Perry Rhodan, que encontrou o mundo da imortalidade e sabe onde encontrá-lo de novo. Um ser desse tipo não pode ser designado com a expressão depreciativa “o tal do”. O patriarca Goszul esboçou um sorriso matreiro. — Você fala conforme lhe dá na veneta, Etztak. Quanto a mim, nunca acreditei na lenda do mundo da vida eterna. Mas chega de palavras vazias. Não temos muito tempo. Dentro de duas horas começará a reunião na qual será elaborado o programa da grande conferência. *** Parados na grande comporta da Lev-XIV, os mutantes de Perry Rhodan viram como os tripulantes foram recebidos um por um pelos mercadores, sendo obrigados a entrar num veículo fortemente vigiado, depois de terem sido revistados. — Parece que as coisas não estão boas para nós — constatou Tako Kakuta. Nesse instante um dos mercadores gritou para eles: — Vocês querem um convite especial?

Kitai Ishibashi saiu andando. Com toda calma deixou que o revistassem. Caminhou tranqüilamente entre dois mercadores armados até os dentes e entrou num veículo que logo o levaria dali. — Se fizer qualquer movimento estranho, atiraremos — preveniram seus acompanhantes. Kitai tomou conhecimento da advertência sem responder nada. Acontece que, uma vez sentado ao lado das sentinelas, o veículo continuou parado. — Por que não vai embora? — berrou a sentinela, à sua direita, para o condutor do veículo, que não moveu um dedo para colocar a chave na posição de movimento. — Devo esperar pelos últimos três — respondeu tranqüilamente o mercador, e não se espantou com a resposta do indivíduo que acabara de berrar: — É verdade, temos que esperar por esses traidores. Kitai Ishibashi riu para dentro. Estava satisfeito com o servicinho que acabara de realizar. Já era algum consolo saber que os amigos estariam ao seu lado. *** Etztak teve uma conferência com os membros de seu clã. — Fiquem de olhos abertos amanhã, quando Levtan for interrogado diante da grande assembléia. Não se esqueçam de que por pouco Rhodan não nos destrói. Ainda não consegui convencer Goszul de que Rhodan é um elemento extremamente perigoso. Seu filho interrompeu-o. Com isso cometeu uma violação grave dos costumes, mas Etztak deixou-a passar. — Sempre que você alude a Levtan está pensando em Rhodan? — Será que ainda não me expliquei? — gritou o patriarca para seu filho. — Levtan diz que fugiu do centro de armamentos de Rhodan. Acontece que eu sei como é difícil escapar dessa criatura. Não acredito em Levtan. Sempre andou mentindo para entregar-nos a Rhodan. — Quer dizer que você não acredita nos vinte e dois supercouraçados que, segundo afirma Levtan... — Se você me interromper mais uma vez, terá que limpar o campo número três — gritou Etztak para o filho. — Não, para prevenir qualquer pergunta tola, não acredito nas informações de Levtan. Rhodan possui duas naves de grande porte, não vinte e duas. E também não é verdade que tenha cem cruzadores. O pária se vendeu a Rhodan, que por intermédio dele quer descobrir o que pretendemos fazer. Sabe que é fraco... O filho não pôde deixar de interrompê-lo mais uma vez, embora se arriscasse a limpar com as próprias mãos o grande depósito da nave: — É tão fraco que destruiu nossa frota. Pai, será que isso é fraqueza? O velho Etztak estava fervendo por dentro, mas a inteligência conseguiu vencer a cólera. O filho acabara de lembrar um acontecimento que nos últimos quatro meses surgira muitas vezes em seus sonhos, fazendo-o despertar banhado em suor. Bastante contrariado, respondeu: — Voltei a dizer a Goszul que Perry Rhodan esteve no mundo da vida eterna. De lá trouxe aquela arma medonha, que faz com que as naves desapareçam sem mais aquela. Acontece que Goszul não acredita nisso. Para ele essas histórias não passam de lendas. — Ou então não quer confessar que Perry Rhodan representa uma ameaça para ele — interveio o filho mais uma vez. — Acho que Goszul nunca teve que saborear uma derrota. Todos se surpreenderam quando Etztak respondeu com um gesto amável:

— Cá para mim, desejei muitas vezes que ele tivesse um encontro com Rhodan. Um único encontro fará com que pense e fale de maneira muito diferente. Vocês — disse, apontando para três homens — participarão na qualidade de observadores da conferência que será realizada amanhã. Abram os olhos quando Levtan for chamado a prestar depoimento e apresentar provas das suas declarações. Lembrem-se de que esteve com Rhodan, e nunca se esqueçam do que este fez com as nossas naves. *** Os quatro mutantes de Rhodan registraram atentamente todos os detalhes que puderam ver durante a viagem. Encontravam-se no interior duma fortaleza. Os canhões pesados não eram novidade para eles; a bordo dos cruzadores e da Stardust-III viram peças iguais. Essa fortaleza dos mercadores galácticos constituía uma posição inexpugnável, capaz de resistir a qualquer ataque vindo do espaço. Enquanto prosseguia a viagem do veículo que deslizava pouco acima do solo, os quatro mutantes foram percebendo que a tarefa que tinham diante de si era tremenda, quase insolúvel. Via-se de tudo: estaleiros espaciais, gigantescas fábricas, milhares de robôs que desempenhavam as tarefas mais variadas e gente de pele avermelhada. Eram indivíduos estranhos, mas tinham um aspecto humano e pareciam simpáticos. Esses goszuls preguiçosos... Foi a única coisa que a pesquisa mental de John Marshall conseguiu revelar a respeito daqueles seres baixos e ruivos, cuja densa cabeleira chamava a atenção. Os mercadores chamavam-nos de goszuls — e os desprezavam. Foram recolhidos à prisão. Os quatro mutantes passaram por três áreas distintas e dois conjuntos de muralhas muito altas. Pelas antenas que havia no topo das mesmas via-se que acima delas ainda existia uma grade de radiações. Pela primeira vez John Marshall fez uma observação para a sentinela que o acompanhava. Era uma observação irônica, que desafiava uma resposta. — Que monstro de prisão! Entre os mercadores deve haver muitas ovelhas negras. A sentinela que caminhava à sua esquerda resmungou: — Recomendo-lhe que não volte a abrir a boca desse jeito, seu pária. Daqui a pouco você verá quem está preso aqui. Pensou nos goszuls, aquela corja preguiçosa que apesar do treinamento hipnótico continuava a ser falsa e traiçoeira. Os veículos pousaram um atrás do outro. — Desçam! — soaram os comandos. Um campo de radiações abriu-se diante deles. Uma sentinela saiu do portão e perguntou em tom contrariado: — São os últimos traidores? Desde o instante do pouso no planeta de Goszul os homens de Levtan só foram chamados assim. Os acompanhantes estavam satisfeitos por entregarem os prisioneiros. Mas um deles respondeu em tom aborrecido: — Você pode bancar o arrogante. Bem que eu gostaria de ter um serviço confortável como o seu. Vamos logo! Passe o recibo e desapareça com estes indivíduos. Os mutantes olharam-se. Seus acompanhantes perceberam. Um dos mercadores

aproximou-se de Tako Kakuta e atirou o japonês franzino de encontro à sentinela. Esta praguejou e conseguiu desviar-se no último instante. — Quase que ele vai para cima de mim, seu idiota! — gritou para o mercador. — Eu o denunciarei. Aposto que hoje você ainda recebe uma visita. John Marshall leu os pensamentos e percebeu o que Tako Kakuta pretendia fazer. Tako demorou propositadamente em pôr-se de pé. Estava atrás da sentinela. — Vamos, entrem! — resmungou a sentinela para os outros três, deixou-os passar e assinou o documento pelo qual confirmava ter recebido os homens de Levtan. O mais brutal dentre os mercadores teve que receber o recibo. Foi o último a entrar num dos veículos. A sentinela seguiu-o com os olhos, virou-se para os quatro homens que acabavam de ser entregues e ouviu um grito. John Marshall respirou profundamente e lançou um ligeiro olhar para Tako Kakuta. Por uma fração de segundo o japonês desapareceu, para efetuar um ligeiro salto de teleportação e pagar o brutal mercador na mesma moeda. Voltou no mesmo instante e estava no mesmo lugar de antes... bem no interior do corredor. Praguejando, o mercador pôs-se de pé. Esfregou a testa, que na queda batera contra uma quina metálica. — Você me deu um pontapé! — gritou furioso para a sentinela. — Eu? — respondeu esta em tom sarcástico, apontando-lhe a arma. — Você acha que sei dar saltos milagrosos? Não está vendo onde estou eu e onde está você, seu idiota? Você deve ter tropeçado sobre suas pernas. Você sabe pisar nos outros, mas ainda não aprendeu a andar. O rosto de Tako Kakuta continuou impassível. No seu íntimo sentia-se alegre. *** Levtan viu-se diante de três mercadores, que o fitavam com uma expressão de profundo desprezo. As perguntas foram desabando sobre ele. O pária respondia quase sem refletir. — Não nos conte lorotas, seu covarde! — gritou subitamente um dos mercadores que o interrogavam. — Sabe quem eu sou? Sou filho de Gaxtek. Isso mesmo! Pertenço ao clã que você logrou na estrela de Caster, tirando-lhe o produto de três circuitos de trabalho. Não está lembrado de mim? O pária encolheu-se como se estivesse sendo chicoteado, mas o brilho sagaz de seus olhos não se apagou. Gritou: — Vocês são muito pequenos; não deporei perante vocês. Pedi que fosse conduzido para a grande assembléia. Tenho direito a isto. É um direito que cabe ao proscrito. Vim para trazer informações que nos podem salvar da destruição. — Seu fanfarrão! — disse Gaxtek por entre os dentes, cerrando os punhos. — Tenho provas do que digo — disse Levtan em tom irônico, mas no mesmo instante suplicou: — Se eu e o meu clã formos tratados bem... Gaxtek riu. — Este sujeito só sabe mentir — disse. O mercador alto e esguio acenou com a cabeça. O outro, que era um baixote, que se limitara a formular vez por outra uma pergunta durante o interrogatório cerrado, disse: — Informaremos Goszul sobre as declarações que acaba de prestar. O patriarca

decidirá o que deve ser considerado mentira e o que pode ser aceito como verdade. Na minha opinião deve ser levado de volta para sua cela. Levtan olhou-os com um sorriso malévolo. Sabia que amanhã seria o grande homenageado. Depois disso esses três mercadores seriam os primeiros que sentiriam sua vingança. Lançou mais um olhar traiçoeiro para Gaxtek, antes que as duas sentinelas o conduzissem à sua cela. — Você viu o olhar dele, Gaxtek? — perguntaram a este, assim que o grupo se viu a sós. O mercador lançou um olhar pensativo para seus companheiros. — Sim — respondeu em tom grave — vi o olhar e compreendi. O que acontecerá se aquilo que Levtan acaba de dizer for verdade e amanhã ele conseguir provar o que afirma? Farei uma visita ao patriarca Etztak. — O que você quer com esse velho impulsivo? — perguntou o indivíduo alto e esbelto em tom de surpresa. — Procurarei Etztak para semear a desconfiança, a desconfiança contra as declarações de Levtan. Etztak é o único patriarca que já lutou contra Perry Rhodan. Teve que fugir. Teve que fugir de Rhodan. Topthor, o superpesado, perdeu sua frota. Vocês já estão começando a compreender quem é esse Levtan? Não compreenderam. Limitaram-se a fitá-lo. — Pois eu lhes direi, e também direi a Etztak. Levtan é a bomba infernal de Perry Rhodan, que fará a desgraça de nosso povo.

6 Kitai Ishibashi empenhara a força de sua vontade para que ele e seus companheiros ocupassem uma cela especial, em vez de serem recolhidos à cela coletiva em que foi abrigada a maioria dos tripulantes da Lev. Levtan foi o único que ocupou uma cela individual. Na opinião dos mercadores e de seus patriarcas era o homem mais importante. A tripulação desempenhava um papel secundário. Os mutantes espantaram-se ao notar que os goszuls também trabalhavam na prisão. Por duas vezes John Marshall conseguira entabular conversa comum deles através da portinhola da cela, mas de cada uma das vezes foram surpreendidos por uma sentinela dos mercadores, que interrompeu o contato recém-estabelecido. Apesar disso as capacidades telepáticas de John Marshall lhe proporcionaram muitas informações. Aos cochichos transmitiu as mesmas aos amigos, depois que Yokida, o telecineta, realizou um exame minucioso e constatou que não havia microfones na cela. — Todos os goszuls estão bloqueados, ou seja, escravizados. Não podem voltar para junto dos seus familiares. E querem saber por quê? Não querem que o povo de Goszul saiba que existe a navegação espacial. Tako Kakuta, o teleportador, desconfiou da veracidade da informação. — E as naves a cujo pouso e decolagem assistem constantemente? Será que essa gente é cega? John não levou a pergunta a mal. — Quando Levtan ainda se encontrava no assento do piloto, captei uma informação a respeito dum corredor de entrada. A esta hora já entendo o motivo da precaução. — É um ramo encantador dos arcônidas — resmungou Tama Yokida. — Não me sinto nem um pouco à vontade por aqui — pelo brilho dos seus olhos percebia-se que brincava com a idéia de usar seu dom telecinético para abrir a porta maciça da cela. Por ordem de Rhodan, Marshall assumira o comando do grupo. Este limitou-se a olhar para Tama Yokida, que respirou profundamente e disse: — Está bem. Deixemos disso. No mesmo instante ouviram-se passos no corredor. A porta da cela abriu-se, a mesma porta que Yokida pretendia arrombar com sua força telecinética. Uma sentinela e dois goszuls lançaram os olhos para dentro da cela. — Saiam! — ordenou a sentinela. Segurava um radiador numa das mãos. Saíram; Tako Kakuta foi o único que parecia não ter pressa. Ele e Marshall acabaram de combinar alguma coisa. Quando os três mutantes passaram perto dos goszuls, estes lhes lançaram um olhar estranho. Kitai Ishibashi notou que em seus olhos havia compaixão, mas alguma coisa faltava neles. John Marshall examinou os pensamentos confusos que atravessavam a mente da sentinela. A única coisa que o homem sabia é que seriam interrogados, e que o tema Levtan empolgava toda a fortaleza. O grande australiano de rosto estreito perscrutou os pensamentos dos goszuls. Descobriu a mesma coisa que Kitai Ishibashi havia notado em seus olhos, e ainda

compreendeu uma pergunta silenciosa: Por que vieram a este mundo? Não sabem que nunca mais poderão sair dele, tal qual nós? A sentinela berrou para Tako Kakuta, que continuava parado no interior da cela: — Vamos logo! Depressa! * ** No mesmo instante John Marshall sorriu sem querer. Captara os pensamentos de Tako. Todos eles convergiam numa pergunta: Será que este sujeito também vai me dar um pontapé? O guarda notou o sorriso de Marshall e pensou que o mesmo estivesse zombando dele. Num movimento abrupto levantou o radiador, apontou para Marshall e, com um brilho ameaçador nos olhos, disse: — Pare de sorrir, senão... Foi quando Kitai Ishibashi resolveu intervir. Sua vontade tomou conta do guarda. O rosto de John Marshall estava enrijecendo quando o guarda baixou a arma e disse tranqüilamente a Tako Kakuta: — Venha, amigo. Não nos faça esperar. Kitai Ishibashi desligou. O ligeiro tratamento garantiria uma atitude amável do guarda até que chegassem à sala de interrogatórios. Sentiu o olhar dos dois goszuls pousado nele. E compreendeu o gesto de Marshall. Os dois goszuls possuíam uma reduzida capacidade telepática, bloqueada ou diminuída em 99 por cento por meio dum processo hipnótico. Kitai Ishibashi percebeu que esse fato fez brotar o suor em seu corpo. Será que ao elaborar seu plano Perry Rhodan contara com a possibilidade de encontrarem telepatas no planeta de Goszul? Os dois seguiram-nos a poucos metros de distância. O guarda, que de uma hora para outra se tornara tão amável, abriu-lhes a porta e convidou-os a entrarem. Etztak lançou um olhar de pavor para o guarda. Os quatro mercadores que se encontravam presentes além dele demonstravam uma perplexidade tipicamente humana. — Levem esses sujeitos para fora — gritou subitamente Etztak com a voz rouca. — Levem-nos para fora e tranquem-nos em sua cela! O guarda esteve a ponto de levá-los de volta. — Fique aqui! — berrou Etztak e apontou sua pesada arma para ele. — Gaxtek e Hor, levem-nos de volta. Levem-nos imediatamente para a mesma cela. Kitai Ishibashi mal e mal conseguira impor ao patriarca Etztak a ordem de levá-los de volta para a mesma cela, quando Gaxtek e Hor já os estavam tangendo para fora. John Marshall logo reconheceu o perigo. Procurou ouvir os pensamentos de Etztak, absorveu-os e sentiu-se muito preocupado. Só quando se encontravam no interior da cela e os fechos magnéticos já haviam trancado a porta, que estava com a portinhola fechada a tramela, contou o que sabia. Kitai Ishibashi empalideceu. — O quê? — cochichou. — Etztak quer, fazer uma lavagem cerebral no guarda? Tako Kakuta, o teleportador, reagiu. — John, onde está o guarda? Diga logo. Marshall concentrou-se. As pessoas que se encontravam na cela prenderam a respiração.

Depois de algum tempo Marshall levantou o rosto banhado em suor. Os olhos haviam perdido o brilho, o rosto parecia ainda mais estreito. — Está sendo levado num veículo blindado, acompanhado de seis guardas. — Onde está, Marshall? — insistiu Tako Kakuta, preparando-se para o salto. Com um gesto cansado o telepata respondeu: — Estou captando muitos pensamentos, mas todos eles representam sua morte, se você saltar. Os seis homens que estão levando o guarda para a lavagem cerebral mantêm o dedo no gatilho. Sinto; não hesitarão em apertar o gatilho. — Onde está? — perguntou o japonezinho franzino, com uma terrível frieza na voz. Marshall lhe disse que um dos guardas estava pensando no grande estaleiro pelo qual estavam passando naquele instante. Só havia três mutantes na cela. Tako Kakuta, o teleportador, saltara. Saltara para o desconhecido, atrás do guarda que mostraria suas cartas quando fosse submetido à lavagem cerebral. *** Etztak e os outros mercadores saíram da sala de interrogatórios antes que o guarda fosse levado dali. Lá fora entrou num veículo e correu para junto de Goszul. Entrou sem fazer-se anunciar. Interrompeu uma conferência. Etztak não ligou para o fato. Principiou com o entusiasmo dum jovem, e estimulado pelo fato de saber que Perry Rhodan representava um perigo que não devia ser subestimado. Ele o conhecera. Viu o sorriso condescendente de Goszul. Subitamente Etztak acalmou-se. Interrompeu sua exposição. — Você não acredita no que acabo de dizer, Goszul? — perguntou em tom indiferente. — Acredito tanto quanto acredito na estrela da vida eterna — respondeu Goszul. — Etztak, você teve oportunidade de travar conhecimento com Rhodan, e por isso não consegue mais pensar objetivamente. Ainda se sente abalado pelo susto. Eu vejo a coisa sob outro ângulo. Mas não me oponho a que o guarda seja submetido à lavagem cerebral, para que tiremos dele tudo que sabe. Os mercadores não se comoveram pelo fato de que a lavagem cerebral transformaria um dos seus num idiota. Subitamente a porta abriu-se. Gaxtek gritou, ainda na entrada: — Um dos homens que vigiavam o guarda acaba de matá-lo! — Isso foi obra de Rhodan! — gritou Etztak. — Se não o tivesse feito, muita coisa teria sido diferente. O patriarca Goszul quase estourou de rir. Tako Kakuta, o teleportador japonês, estava de volta à cela da qual desaparecera quinze minutos antes. Reapareceu no mesmo lugar de que saíra. O rostinho de criança encimado pela testa protuberante parecia ainda menor e revelava um tremendo cansaço. Enxugava seguidamente o suor da testa. A respiração era rápida. Com uma paciência sobre-humana, os amigos esperaram que relatasse o que havia

acontecido. Marshall era o único que conhecia as experiências pelas quais o japonês acabara de passar, mas preferiu ficar calado. Tako Kakuta disse com a voz cansada: — O homem está morto. Estavam parados em círculo, com ele no centro. Quando cheguei ao veículo, apenas para desaparecer no mesmo instante, um dos radiadores foi disparado... Não contou que teve de executar meia dúzia de saltos perigosos para localizar o veículo blindado. Era de opinião que não valia a pena relatar esse fato. Também não contou que depois do segundo salto foi parar no telhado transparente do estaleiro espacial, o que provocou um alarma geral no mesmo. Seus amigos fitaram-no em silêncio. Compreendiam perfeitamente por que um dos seis homens que vigiavam o guarda disparara seu radiador. Ainda estavam lembrados do choque que sentiram quando pela primeira vez o teleportador surgiu diante deles, vindo do nada, que nem um fantasma. *** Marshall acordou no meio da noite. Assustou-se; captou impulsos mentais duma criatura estranha. Eram gritos mudos de angústia, uma confusão que conseguiu decifrar. Depois de algum tempo compreendeu de onde vinham os impulsos: da cela ao lado. Um goszul condenado à morte estava mergulhado no desespero. Marshall acordou os amigos e transmitiu-lhes os pensamentos que acabara de captar. O planeta de Goszul apresentou-se aos mutantes como um mundo escravizado, digno de lástima. Os mercadores haviam implantado um regime desumano em meio a esse povo pacífico e bondoso. — Descendentes dos arcônidas? — perguntou Kitai Ishibashi, perplexo. — Quer dizer que estes goszuls também descendem da raça dos arcônidas? A pergunta não era de estranhar. Muito antes do desaparecimento da Atlântida, os arcônidas aportaram à Terra como se fossem deuses para nunca mais retornar. Apesar disso continuaram a viver nas lendas dos povos. Aqui, no planeta de Goszul, o destino provavelmente seguira por uma trilha semelhante. E esse povo pacato foi escravizado por seus irmãos de raça. — Estes saltadores... — disse Tama Yokida, falando entre os dentes, e voltou a prestar atenção aos cochichos de Marshall. Os goszuls regrediram a um estágio primitivo. Na ciência e na tecnologia não estavam mais avançados que a Terra no século XVII. Quando o patriarca Goszul pousou no planeta com seu clã, acreditaram que se tratasse de deuses. Mas este não viu outra coisa naqueles seres e no seu mundo que um objeto de exploração: foi o melhor negócio de sua vida. Apossou-se do segundo planeta do sol 221-Tatlira. Subjugou a inteligência daquele povo tranqüilo através dum processo de treinamento hipnótico, reduzindo-o à escravidão, deportou-os para esse lugar e, auxiliado pela poderosa comunidade dos mercadores e pelo trabalho dos escravos de Goszul, criou seu centro de poder. O medo de morrer enlouquecera o homem da cela vizinha. As disfunções doentias de seu cérebro romperam a barreira hipnótica e, sempre que surgia um momento de lucidez em que percebia todo o desespero de sua situação, lembrava-se do que os mercadores haviam feito com ele e com seu povo. De repente os mutantes que escutavam atentamente foram interrompidos por passos ruidosos. Três guardas caminhavam pelo corredor, passaram por sua cela e pararam diante

da porta ao lado. Ouviram as fechaduras magnéticas que se abriam com um rangido, ouviram quando a porta girou nas dobradiças — e todos abaixaram-se: Kakuta, Ishibashi e Yokida. Só Marshall parecia imobilizado. Teve a impressão de que via através dos pensamentos que estava captando. Viu que um dos guardas apontou a arma de radiações para o goszul condenado à morte. O pavor do homem escravizado doeu no telepata. Subitamente tudo acabou. John Marshall não ouvira nada. Mas Ishibashi, Yokida e Kakuta ouviram o chiado típico da arma de radiações. *** O patriarca Goszul não era o idiota que Etztak começava a ver nele. Goszul ordenara uma investigação sobre a morte do guarda que devia ser submetido à lavagem cerebral. Sharer, um dos membros do clã, apresentou o relatório. O patriarca ouviu-o sem dizer uma palavra. Não se esquecera da exclamação de Etztak: “Isso foi obra de Rhodan!” E não subestimava esse indivíduo, que vivia num mundo pequeno e afastado, num planeta chamado Terra, situado num braço deserto da Via Láctea. Formulou a primeira pergunta: — Quem viu aquela sombra, além do idiota que matou o guarda? — Ninguém. Interroguei insistentemente todos eles. Aquele que se encontrava à direita do sujeito que atirou diz ter sentido uma pancada nas costas que não consegue explicar. Apesar da idade, Goszul era dotado duma espantosa agilidade mental. Sabia extrair os pontos importantes de cada situação complexa com que se deparava. Foi o que fez agora. — Quero que você me repita textualmente o que o homem disse a este respeito. Sharer refletiu ligeiramente: — Vi Plug atirar. No mesmo instante senti uma pancada e uma mão fechada passou pelas minhas costas. Não podia ter sido Plug, pois este cambaleou e ainda estava cambaleante no momento em que atirou. Lusudo, que se encontrava à minha esquerda, ainda não compreendera o que havia acontecido. Estava parado. Foi o que o homem disse, patriarca Goszul. — E agora quero que me forneça as declarações de Plug, também textualmente. — Ele disse o seguinte: “Fui atacado de surpresa. Um homem saltou sobre mim de costas e procurou estrangular-me com a mão esquerda. Ainda sinto o lugar do pescoço em que me apertou com o polegar. O impacto me fez perder o equilíbrio. Tropecei, e nesse instante devo ter disparado a arma de radiações contra o guarda. No mesmo instante tudo desapareceu: não havia mais nenhuma mão que procurava estrangular-me, nenhum homem nas minhas costas, nada, absolutamente nada...” — Plug lhe mostrou o lugar em que o homem apertou seu pescoço? Sharer apressou-se em mostrar-lhe o lugar em que Plug, segundo suas declarações, seria estrangulado por um dedo estranho. O patriarca refletiu por um instante. Depois mandou que o ligassem com a prisão. — Quero falar com o oficial de plantão! — disse. O oficial não tardou em responder. Goszul gritou para dentro do microfone:

— Verifique se os tripulantes da nave de Levtan se encontram todos na prisão. Coloque dois guardas diante de cada cela em que haja párias. Se na contagem faltar um homem ou mais, aguardo seu aviso... mas só neste caso. Voltou a encarar Sharer. Nesse instante a tela começou a tremeluzir, e um leve chiado saiu do alto-falante. Era um chamado do espaçoporto. Na tela surgiu um rosto safado. — Aqui fala Ottek — disse o homem. — Concluímos o exame da Lev-XIV. Não encontramos nada. Apenas alguns equipamentos que devem vir do planeta Terra ou Vênus... — Você acha que isso não é nada? — berrou Goszul. — Será que não se pode confiar em mais ninguém desse clã? Exijo que todos os objetos provenientes do planeta Terra ou Vênus sejam levados imediatamente ao laboratório, para serem examinados. Entendido? E os comprovantes de que o pária vive falando? Onde estão as provas em apoio daquela conversa sobre o estaleiro gigantesco que Rhodan possui em Vênus? Onde está esse material, Ottek? — Não encontramos nada, patriarca Goszul — respondeu o homem antipático, cabisbaixo. — Voltem a revistar a nave. Irradiem tudo. No momento em que for iniciada a grande conferência, preciso ter tudo nas mãos. Os comprovantes de Levtan só podem estar na Lev-XIV. Se você não os encontrar, pode tomar a próxima nave para ser levado às minas. Não se esqueça disso, meu filho — Goszul desligou com um sorriso malévolo. — Sharer, você também pode dar o fora. Quero ficar só. E Goszul ficou só. Estava a sós com suas angústias. Pronunciou o nome de Perry Rhodan com tamanho ódio que Etztak teria dado uma pancada amistosa no ombro do velho amigo, se pudesse ouvi-lo nesse momento. *** De repente a porta da cela abriu-se. Cinco radiadores dirigiram-se ameaçadoramente contra os mutantes de Rhodan, enquanto estes se erguiam sonolentos, fitando a luz com os olhos semicerrados. Um dos homens contou em voz alta até quatro. Outro, que se encontrava atrás dele, disse: — Está certo. O lote está completo. A porta da cela voltou a fechar-se ruidosamente. Os fechos magnéticos ajustaram-se com um rangido. Dois guardas permaneceram diante da porta. Os outros foram para diante. O grupo de Rhodan limitou-se a trocar alguns olhares. Todos haviam compreendido a finalidade do controle. Era a reação à morte do guarda que seria submetido à lavagem cerebral. — Os mercadores desconfiaram — cochichou Marshall. — Se houver mais um incidente que não puderem explicar, fatalmente terão a idéia de que entre os tripulantes da Lev existem mutantes. *** Etztak estava sentado diante do patriarca Gaxtek, o mercador que há muitos anos, por obra de Levtan, fora privado dos resultados de seu trabalho. O filho de Gaxtek era o melhor defensor das idéias de Etztak. Não se esquecera do olhar assassino de Levtan. Nunca se esqueceria de que hoje o clã de Gaxtek seria tão rico

como o de Etztak, se não tivesse sido miseravelmente enganado por um indivíduo de seu próprio povo. Etztak falava em tom insistente: — Perry Rhodan é forte, mas também é fraco. Ninguém me tira esta idéia da cabeça. Se não fosse assim, já nos teria atacado de novo. Tem algum ponto fraco, e um homem fraco sempre é perigoso. Procura compensar a fraqueza por meio da astúcia. E a astúcia de Rhodan é Levtan. Nunca mais terá uma oportunidade tão boa de destruir os mercadores galácticos num só golpe como na grande conferência. Diga-me uma coisa, Gaxtek: O que faria você se fosse Rhodan? O ódio que dedicava a Perry Rhodan fez com que Etztak subestimasse o patriarca Goszul. Este já formulara a mesma pergunta, e já respondera à mesma. E já estava agindo! Mais de cinqüenta mensageiros procuravam um por um os patriarcas do clã. No espaçoporto foi desencadeado o alarma. Na noite que antecedeu a grande conferência nenhum dos patriarcas dormiu. Os jatos uivaram e os grupos de destróieres dos mercadores, acompanhados de alguns couraçados, passaram pelo corredor de saída e dispararam em direção ao céu límpido. Mas Goszul não admitira apenas a possibilidade dum ataque vindo do espaço. Também incluiu em suas cogitações a possibilidade dum atentado contra a grande conferência. Identificara-se com Perry Rhodan, colocando-se na situação em que este se encontrava. Tal qual Etztak, era de opinião que a força de Rhodan devia ter um ponto muito fraco. Goszul não quebrou a cabeça para descobrir que ponto seria este. Viu nesse fator o X de seus cálculos, e percebeu que esse X representava um perigo imenso. O nervosismo na ante-sala cresceu. Ouviu a voz de Sharer. A tela junto à poltrona iluminou-se. O comandante da grande base de artilharia apresentou-se. Sem dizer uma palavra, Goszul recebeu a informação de que todas as posições estavam ocupadas e prontas para entrar em ação. Enquanto a imagem na tela se desfazia, a voz odienta de Goszul voltou a pronunciar um nome: — Perry Rhodan! Não se recordava de que em toda a história dos mercadores galácticos tivesse surgido um ser cuja intervenção e cujos ataques os tivessem obrigado a convocar a grande conferência. Sharer entrou. — Todos os clãs foram informados. Os patriarcas e os observadores que participarem da conferência, antes de entrar na grande sala, se identificarão através de membros de dois outros clãs, que anunciarão seus nomes. Nesse instante Goszul teve uma idéia. — Antecipo o início da conferência por duas horas. Sharer, providencie para que os mensageiros só avisem os patriarcas no último instante. Quando se viu a sós, disse em tom apreensivo: — Gostaria que a grande conferência já tivesse chegado ao fim. Mais uma vez lembrou-se de Perry Rhodan.

7 — Localização! O grito soou quatro vezes — uma vez na Stardust-III e uma vez em cada um dos três destróieres. Já o aguardavam há algumas horas, pois o sinal combinado com o grupo ainda não havia chegado. A dezoito milhões de quilômetros a frota de Rhodan mantinha-se à espera. Eram quatro objetos minúsculos parados na imensidão do espaço, quatro estruturas altamente sofisticadas, cujos hiperrastreadores acabaram de constatar a decolagem de grande número de naves no planeta de Goszul. — As coisas não estão boas — disse Bell, falando tão baixo que só Rhodan pôde ouvi-lo. Crest, líder científico dos arcônidas, entrou. — Não quero insistir — disse — mas não se pode acreditar mais no êxito dos nossos mutantes. Acho que o alarma no planeta diz tudo. Perry ergueu-se lentamente do assento do piloto. Quando se encontrava diante de Crest, via-se que este o superava em tamanho por cerca de vinte centímetros. Apesar disso havia uma espantosa semelhança entre os dois, embora fossem homens de raças diversas. — Pois eu acredito no êxito dos meus mutantes — respondeu Perry Rhodan, sem enfatizar suas palavras. — E suponho que nosso cérebro positrônico continua a acreditar nisso. Quer ver no que ele está acreditando, Crest? Os postos de observação continuavam a fornecer novas indicações. A frota de guerra dos mercadores descrevia círculos cada vez maiores em torno do planeta do qual decolara. Dava uma busca sistemática no espaço. Durante a ligeira caminhada em direção ao cérebro positrônico, Crest mencionou esse fato inquietante. — Já sei — respondeu Rhodan. — Pois não demorarão em localizar-nos, tal qual nós constatamos sua decolagem, Rhodan! — advertiu Crest em tom insistente. — No momento em que a frota dos mercadores decolou começamos a retirar-nos — havia uma ligeira repreensão no tom da voz de Perry. — Não quero arriscar a vida de meus quatro homens. Crest lançou-lhe um olhar de surpresa. Nunca deixaria de admirar a superioridade desse homem terreno. Sabia perfeitamente que foi graças a ele que Rhodan adquiriu o saber incomensurável dos arcônidas, mas não cometeu o erro de atribuir importância excessiva ao fato, pois a utilização do saber depende das qualidades de cada indivíduo. A forma pela qual Perry Rhodan manipulava seus conhecimentos causava admiração até a Crest, o arcônida. O cérebro positrônico da Stardust-III forneceu, traduzidas em algarismos frios, as possibilidades de êxito do grupo de mutantes que se encontrava no planeta de Goszul. — Mas isso é... — ...é bom, não é? — interrompeu Perry. — Se houvesse apenas um zero atrás da vírgula, também ficaria satisfeito. O grande cérebro de Vênus calculou que as chances

eram de zero vírgula quatro... Um brilho estranho surgiu nos olhos de Crest. — E com uma chance de zero vírgula quatro por cento o senhor arrisca a vida de quatro homens? O gesto de Rhodan fê-lo calar-se subitamente. — Isso mesmo! — a firmeza com que Rhodan proferiu estas palavras fez com que Crest o compreendesse. Logo ouviu a explicação que se seguiu a essas palavras: — É uma possibilidade de êxito de zero vírgula quatro por cento, mais o fator humano, Crest. Não somos como os arcônidas, para os quais a finalidade da vida consiste em sonhar de olhos abertos. Por isso as chances do grupo de mutantes são bem maiores. O fator humano representa um mais que nenhum cérebro positrônico pode calcular, nem mesmo o grande cérebro de Vênus. É que todos eles foram construídos por arcônidas. A voz áspera do oficial do posto de observação interrompeu-os: — Três destróieres dos saltadores estão saindo do grupo e dirigem-se ao ponto em que nos encontramos... Imediatamente Perry gritou para Bell: — Acelerar para o quíntuplo! Na sala de comando a pergunta para a qual ninguém tinha resposta enchia o ar como se fosse um pesadelo: — Será que os destróieres dos saltadores nos localizaram? *** — Vou dar uma olhada lá fora — dissera Kakuta há poucos minutos. — Preciso saber o que está acontecendo. Alguma coisa não está certa. Dentro de quinze minutos estarei de volta. Ninguém se opusera. O teleportador desaparecera para, num salto arriscado, transportar-se ao espaçoporto. O lugar estava banhado numa verdadeira orgia de luzes. Tako Kakuta fechou os olhos ofuscados e saltou para a beira das pistas. Fora da profusão de luzes, pôde contemplar tranqüilamente a grande área. Por coincidência viera parar perto da Lev-XIV. Arriscou-se a chegar mais perto e viu que os saltadores entravam na nave e dela saíam pela grande comporta. Essa atividade intensa despertou sua curiosidade. No mesmo instante não havia mais ninguém no lugar em que Tako Kakuta se encontrara há pouco. Voltou a materializar-se no interior da Lev-XIV, mais precisamente, no recinto destinado a um fim específico, e que por isso mesmo era de dimensões bastante reduzidas. Acontece que a porta da toalete estava aberta. Lá fora dois mercadores conversavam. Satisfeito, Kakuta ouviu que falavam mal do patriarca Goszul. O fato de que Levtan também era atacado não o abalou nem um pouco. Riu para dentro ao saber que continuavam a procurar os registros escritos de Levtan. Tako Kakuta ouvira o suficiente. Concentrou-se no grande edifício situado na periferia do espaçoporto, que vira no instante em que os saltadores o levavam à prisão — e saltou. Surgiria na sombra do grande edifício. Não havia necessidade de esconder-se. Pelo aspecto exterior e pelas vestimentas não se distinguia dos saltadores. Dobrou lentamente o canto do prédio e aproximou-se dum grupo que discutia junto à entrada. Quando Tako viu o guarda em meio ao grupo, já era tarde. Este o vira e achava que o

fato de ele dobrar o canto direito do prédio tinha algo de errado. Fazendo um movimento vigoroso com o braço esquerdo, o guarda deixou a linha de tiro livre. Com o outro braço dirigiu a arma paralisadora sobre Tako Kakuta. O pequeno japonês mascarado de saltador não perdeu a calma. — Venha cá — gritou o guarda. Em vez de esperar que se aproximasse, o guarda foi andando em sua direção. — Quem é você? E o que andou fazendo no lugar em que estão guardadas as bombas? Kakuta só absorveu a palavra “bombas”. Numa operação mental instantânea registrou todos os detalhes: a situação do edifício em relação ao espaçoporto, o aspecto da fachada bem iluminada, a fábrica situada de fronte, a rua larga — e o fato de que atrás do edifício, à direita, ficava o depósito de bombas. — Perdeu a língua? — berrou o guarda. O grupo de homens que discutia animadamente teve a atenção despertada para o incidente. Dois homens aproximaram-se lentamente. Tako Kakuta avaliou a situação. Assumia rapidamente os contornos duma catástrofe. No momento não poderia recorrer à teleportação. Não daria uma demonstração de sua arte, pois com isso poria em risco os planos de Rhodan e a vida dos homens do grupo. — Meu nome é Brom. Pertenço ao clã de Gaxtek — disse em tom atrevido, fazendo votos de não se deparar com nenhum membro do clã de Gaxtek. Quando viu o sorriso largo que se espalhou pelo rosto do guarda, pondo à mostra os dentes estragados, sentiu que o desastre se aproximava. Mas nem de leve desconfiou de que a situação fosse assumir uma feição tão grave. — Só se você for da nova nave, a Gax-XXII — disse o guarda em tom desconfiado. — Conheço todos os outros, e nunca vi você. — O quê? — gritou uma voz sonora vinda mais de longe. — A Gax-XXII. Eu sou dessa nave. O que houve com ela? — Não fale tanto; venha cá — disse o guarda, virando-se de lado. — Este homem diz que é de sua nave. Você o conhece? Dê uma olhada... — virou a cabeça para não tirar os olhos por muito tempo de cima do suspeito, quando o fato de não ver mais o sujeito lhe fechou a boca. Tako Kakuta não vira outra saída senão teleportar-se. O mercador que dizia ser da Gax-XXII e tagarelara por tanto tempo transformara-se na palha em que resolvera agarrar-se desesperadamente. No momento em que todo mundo olhava para o saltador, Tako Kakuta efetuara um salto pequenino, que o transportara até o canto do edifício. Num cálculo frio e instantâneo, avaliou todas as chances. Os saltadores não deveriam perceber que era um mutante. Deviam acreditar que seu desaparecimento não era outra coisa senão uma fuga normal. Um deles vira-o dobrar o canto do prédio. O coração de Tako palpitou. A situação melhorava a olhos vistos. Saiu correndo. Lembrava-se de que o guarda não trazia nenhum radiador, apenas a arma paralisadora. E o alcance desta não era muito grande. Foi nesse fato que Tako baseou seu plano de fuga. Fugiu como qualquer outro indivíduo. Sua proteção era a escuridão. Mas aproximava-se cada vez mais do depósito de bombas, e num lugar em que se guardam bombas sempre existem guardas. “É sempre a mesma coisa”, pensou, quando ouviu um grito vindo da escuridão: — Pare!

Por trás dele os saltadores aproximaram-se. Um deles gritou para o guarda do depósito de bombas: — Mate-o! Tako teleportou em meio ao salto e pousou meio esbaforido junto a algumas peças de artilharia pesada. Dois soldados estavam conversando. O mutante aguçou o ouvido. Falavam no alarme e no fato de que Goszul enviara seus mensageiros aos patriarcas e nos motivos por que o velho não recorrera ao rádio para transmitir suas ordens. — Você ouviu alguma coisa? — ouviu Tako, um tanto preocupado, viu um soldado que se aproximava. Preferiu não aguardar o encontro. Saltou silenciosamente e rematerializou-se no interior de sua cela, limitando-se a perguntar: — Será que demorei mais de quinze minutos? *** O orgulhoso patriarca Goszul levantou-se no momento em que foi anunciada a chegada do último participante da grande conferência. Há poucos minutos ainda se sentira martirizado pelas idéias de desastre iminente. Mas agora estava livre das mesmas e regalava-se no respeito que todos tributavam a ele, o descobridor e conquistador do planeta. Presidia a grande conferência. Fora escolhido por unanimidade. Com uma ligeira alocução abriu os trabalhos. Cumprimentou os participantes pessoalmente, sem citar nomes. Mas enquanto ainda proferia a fala introdutória, seus olhos aguçados procuravam um homem em meio ao grupo de mais de mil e duzentos patriarcas. Era Etztak. Não o encontrou, nem mesmo quando voltou a sentar-se. E não viu qualquer dos filhos de Etztak. No momento em que ia ordenar que lhe dissessem em que fileira se encontrava Etztak, o orador Kherr mencionou pela primeira vez o nome de Perry Rhodan. No mesmo instante Goszul esqueceu seu amigo Etztak. — ...o espaço vital dos mercadores galácticos está ameaçado. Topthor, o superpesado, pagou com suas naves e com a vida de sua gente o fato de ter atendido ao pedido de socorro do patriarca Etztak. Perry Rhodan, um ser vindo do planeta que seus clãs chamam de Terra, recorreu aos recursos dos arcônidas para destruir-nos. O Império de Árcon encontra-se em estagnação. Os herdeiros legítimos somos nós. Nada nos impedirá de solicitar o auxílio de todos os superpesados e, com o auxílio dos mesmos, eliminar o planeta Terra do seio da galáxia. Nosso poder é cem vezes maior que o de Rhodan. Basta que nossos objetivos sejam definidos. Mas antes de abrir a discussão a este respeito, interrogaremos o pária Levtan. Fomos nós que criamos as leis de nossos clãs. Por elas punimos e por elas perdoamos. Sejam quais forem as declarações de Levtan, não se esqueçam, patriarcas, de que veio do mundo de Perry Rhodan. Examinem as palavras de Levtan e as provas que apresenta. Examinem tudo antes de pronunciar o perdão segundo as leis dos clãs, tirando dele a mácula do pária. — Examinem tudo, mesmo que acreditem que está mentindo. — Examinem com toda atenção, como se nossa vida dependesse de tudo. — Examinem, pois temos diante de nós uma questão de vida ou morte. E a morte traz o nome de Perry Rhodan! À fala seguiu-se um silêncio mortal. As palavras que acabavam de ser pronunciadas traziam uma enorme carga sugestiva.

O silêncio condenou quando Levtan, acompanhado de seis robôs, foi conduzido pelo largo corredor central. Foi obrigado a sentar-se numa posição em que fitava os dirigentes e todos os participantes da grande conferência. O olhar de Levtan, que refletia o medo, ficou preso em Goszul. Este voltou a levantar-se, cruzou os braços diante do peito, lançou um olhar severo para o pária e dirigiu-lhe a primeira pergunta. — Pária Levtan, onde estão as provas escritas daquilo que você afirmou a respeito de Perry Rhodan? Um eco soou no recinto. — Rhodan! — respondeu ironicamente. Goszul viu que alguns dos patriarcas estremeceram, virando o rosto em direção à entrada. Ele mesmo conseguiu com grande esforço reprimir o susto. — As provas estão em minha nave — respondeu Levtan quase num cochicho. — Onde? — perguntou Goszul em tom áspero e logo pronunciou a ameaça: — Não pense que com essa tática poderá prolongar a vida... Num esforço desesperado, Levtan animou-se a uma objeção: — Não vim de minha livre vontade? — gritou, e seus olhos oblíquos tornaram-se ainda mais estreitos. — Não vim para mostrar-lhes a maneira de destruir Rhodan? Afinal, quem conhece Rhodan? E o eco escarneceu: — Rhodan! Mais uma vez Goszul viu os patriarcas estremecerem e olharem para a entrada, como se esperassem ver Perry Rhodan. Goszul refletiu ligeiramente. Já por duas vezes esse eco devolvera o nome de Rhodan num tom de escárnio. As frases deviam ser formuladas de modo a reduzi-lo ao mínimo. — Onde estão os documentos? — gritou para o pária. — Na sala de comando de minha nave. No cristal de pilotagem — respondeu Levtan em tom submisso. — No segundo cristal de pilotagem. Os olhos velhos de Goszul dirigiram-se para a entrada onde se encontravam os membros de seu clã. Brilhavam como os dum jovem caçador. Em tom autoritário gritou: — Desmontem e tragam para cá! Em tom mais calmo, dirigiu-se a Levtan: — Conte tudo sobre Rhodan. Não pôde retirar a palavra. E a mesma foi devolvida. — Rhodan! — gritou o eco. Goszul sentiu as primeiras gotas de suor porejarem em sua testa enrugada. — Fale — berrou Goszul para o pária. Perdera o autocontrole diante dos numerosos patriarcas que, dominados pelo eco, estavam encolhidos em suas poltronas, cochichando aos grupos. Levtan, o pária, iniciou seu relato. *** A situação de Perry Rhodan e sua frota tornara-se mais tranqüila. As naves dos saltadores continuavam a circular em torno do planeta de Goszul, mas não se afastavam mais de cinco milhões de quilômetros. E, o que era mais importante, os instrumentos da Stardust-III revelavam que os mercadores trabalhavam exclusivamente com os

rastreadores estruturais, que funcionavam com base em princípios hipergravitacionais. Os mesmos não permitiam uma localização precisa num raio de uma unidade astronômica, mas tornavam-se muito eficientes a distâncias superiores a 150 milhões de quilômetros. As naves de Perry Rhodan mantinham-se a uma distância de 35 milhões de quilômetros do planeta de Goszul e esperavam. Esperavam uma mensagem de rádio, um ataque. Esperavam que houvesse alguma coisa. Nada aconteceu. Subitamente o receptor emitiu um som. O decifrador automático revelou o texto da mensagem, que ao ouvido humano só se apresentava sob a forma dum chiado instantâneo. Rhodan leu o texto e não ocultou o desapontamento. Era uma mensagem vinda de Terrânia. Fora enviada pelo coronel Freyt. O destinatário era Perry Rhodan, chefe do Governo Mundial. Sem dizer uma palavra, este entregou a mensagem a Bell, que já adivinhava seu conteúdo. Em tom contrariado perguntou: — É uma guerra de papéis vinda lá de baixo? Lá embaixo — isso significava a Terra, o planeta que finalmente alcançara a união sob a direção de Perry Rhodan, a Terra em que já não existiam os blocos de potências, que viviam gritando uns para os outros que eram mais fortes. Ainda havia três grupos de interesses na velha Terra, mas aos mesmos só cabia a tarefa de entregar-se ao processo de auto-dissolução. — Leia! — disse Perry ao amigo. Bell leu bastante contrariado. — Sempre há uns senhores que querem fazer política. Bem, Freyt lhes dará umas palmadinhas. Não vamos responder, não é, Perry? — Não vamos responder — respondeu Rhodan laconicamente. Tirou a mensagem das mãos de Bell e entregou-a a Julian Tifflor, que estava de pé a seu lado. — Jogue isto no desintegrador, Tifflor. Sem olhar para o papel, Tifflor atirou o mesmo para a grade junto ao autômato. O papel desfez-se sem produzir fogo ou fumaça. Rhodan lançou um ligeiro olhar para o jovem. Seu rosto delicado, que já trazia as marcas das tarefas desempenhadas nas condições mais adversas, poderia iludir, tal qual os olhos castanhos e sonhadores. Julian Tifflor podia ser tudo, menos frouxo ou macio. Era um dos membros da geração jovem dedicada a Perry Rhodan, que tinha nele o cadete mais fiel e capaz. — Está com saudades de John Marshall, Tifflor? Um brilho fugaz surgiu nos olhos castanhos. Esse fogo revelara de que material era feito Julian Tifflor. Só por uma fração de segundos deixara perceber seus pensamentos. Ao responder, sua voz era tranqüila: — Não podemos estar sempre na linha de frente. A espera enervante na sala de comando da Stardust-III foi interrompida pela exclamação do engenheiro que controlava os instrumentos: — Emanações radiativas intensas no planeta de Goszul. A área é limitada. Um instante, que a interpretação logo virá. Mesmo Rhodan concordou em esperar. Começou a desconfiar de alguma coisa. Lançou um olhar pensativo para o relógio. Em tom áspero, perguntou: — Peço o tempo local do segundo planeta! — 45,71! — foi a resposta vinda do posto de cronometragem. Isso correspondia aproximadamente ao meio-dia terreno. No planeta de Goszul o dia já chegara ao zênite, e a mensagem combinada com o grupo de mutantes ainda não havia chegado.

— A interpretação chegou! — voltou a falar o engenheiro dos instrumentos. — As radiações ocorreram na cidade dos mercadores. Estão restritas a um raio de cem a cento e cinqüenta metros. Os homens que se encontravam na sala de comando pensaram em Marshall, Yokida, Ishibashi e Kakuta. A faixa de ondas previamente convencionada não trouxe a mensagem dos mutantes.

8 John Marshall acabara de “trazer” o tempo. Eram 23:104. Os quatro homens que se encontravam na cela fizeram seus cálculos; na Terra eram cerca de nove horas. — A alimentação neste estabelecimento é muito deficiente — disse Tama Yokida, o telecineta, em tom seco. — Sugiro que procuremos alguma coisa para comer — voltou a acariciar a idéia de usar suas forças telecinéticas para tirar a pesada porta dos gonzos. — Não — disse Marshall, que mais uma vez captara seus pensamentos. — Não é necessário. Daqui a pouco virão buscar-nos para participarmos da grande assembléia dos patriarcas. Os amigos olharam-no, desconfiados. Havia alguma coisa na voz de Marshall que não lhes agradara. — Sim — acrescentou o telepata, completando suas informações. — Acontece que não participaremos na qualidade de hóspedes, mas como testemunhas párias. Levtan deve ter feito papel de louco, não abrindo mão da exigência de que todos os membros de seu clã também sejam interrogados. — Que chefe de clã! — observou Tako Kakuta, que geralmente costumava manter-se calado. — Meu pai não teria agido dessa forma. Quando virão buscar-nos? — O comando já está a caminho. Todo mundo vive falando em Levtan. Já sabem em que lugar estavam escondidos seus documentos. Dizem que Goszul mandou alguns homens de seu clã à Lev-XIV, para retirá-los do segundo cristal de pilotagem... Kitai Ishibashi interrompeu as palavras de Marshall. — Já me interessei por isso, e sei que o segundo cristal de pilotagem não existe — no mesmo instante pôs a mão na cabeça e soltou uma risada. — Formidável! Ninguém desconfiaria de que os documentos pudessem estar lá. Encontraram nossas armas e equipamentos? — Os homens do comando não estão pensando sobre isso — respondeu Marshall e aguçou o ouvido. — Não são eles que estão chegando? No corredor ouviram-se passos; as pisadas duras dos robôs eram inconfundíveis. A porta da cela abriu-se. Três armas paralisantes e dois radiadores de impulsos foram apontados sobre eles. — Saiam! — gritou um saltador. Pelo uniforme devia ser um oficial. Sem dizer uma palavra, o grupo de Rhodan saiu do alojamento pouco acolhedor. O transporte até o local da grande assembléia foi realizado em grandes veículos em forma de tanque. Tako Kakuta teve a impressão de que no dia anterior, quando o guarda estava sendo levado ao local em que seria submetido à lavagem cerebral, já estivera num veículo desse tipo. Ao descerem, viram-se cercados por uma companhia de robôs de combate. “Se esses camaradas de brinquedo nos acompanharem até a sala de conferência e não tirarem seus radiadores de nós, nossa situação poderá tornar-se bastante difícil”, pensou Tama Yokida, e experimentou o peso de um dos robôs. Escolheu um dos indivíduos metálicos que estava na fileira de trás, onde não podia ser visto por seus amigos sem alma, nem por qualquer dos saltadores.

Tama Yokida limitou-se a “brincar” ligeiramente com ele. O esforço que teve de fazer para levantar o robô numa altura de cinqüenta centímetros não foi maior que o de quem mexe um dedo. A experiência durou menos de um segundo. E Tama Yokida ficou satisfeito com o resultado. Caminhando com a maior tranqüilidade atrás dos amigos, entrou no gigantesco salão. Quando viu mais de mil patriarcas enfileirados em confortáveis poltronas, conteve a respiração por um instante. Nunca esperaria encontrar essa multidão de caciques dos clãs. Marshall fez uma descoberta: apesar dos documentos de Levtan, nenhum dos patriarcas que se encontravam no recinto acreditava uma palavra daquilo que o mesmo dizia a respeito de Perry Rhodan. À sua frente, de ambos os lados, atrás deles, estavam os robôs, e mais ao longe grupos de saltadores armados. Foram conduzidos pelo largo corredor central em direção ao presidente da grande conferência. Banhado em suor, Levtan estava em sua pequena tribuna e olhava para os membros de seu clã como um homem que está prestes a morrer afogado. Não sabia mais o que fazer. Ninguém acreditava nele nem nas provas que apresentava — nos desenhos, nas fotos em três dimensões, nos filmes. — Isso não passa dum truque barato! — gritou um dos patriarcas depois que um terço do filme havia sido rodado, e a tela mostrou a decolagem de vinte e dois couraçados que traziam o nome Stardust com uma numeração seguida. Levtan gritou de volta. Sabia que seu filme não era nenhuma falsificação. Ele mesmo fizera a fotografia em Vênus. Quando se arriscou a isso, por pouco não cai nas mãos de um grupo de guardas de Rhodan. Lembrava-se de todos os detalhes, mas suas palavras apenas provocavam uma desconfiança tola e odienta. Queria ajudar os saltadores! Era o único que poderia mostrar-lhes a maneira de escapar ao perigo representado por Perry Rhodan. Perry Rhodan — era este o poder mais imenso que jamais existira em meio às estrelas. O poderio de Perry Rhodan equivalia ao triplo daquele que o Império de Árcon atingira nos seus melhores tempos. Com a voz rouca e suplicante, gritou: — ...a cada cinco dias que passam um cruzador pesado é construído. As naves de Perry Rhodan brotam do solo de Vênus que nem cogumelos. Mercadores, eu... eu vi com estes olhos... eu, que já fui um dos seus, e que fui tratado por Perry Rhodan como se fosse um cachorro. Rhodan nos odeia. Se nos atrevermos a atacá-lo, seremos destruídos. Caçará os nossos clãs um por um... Um raio de choque fechou-lhe a boca e o filme pôde ser rodado sem ser interrompido por sua cantilena de ódio. Etztak, patriarca do clã de Orlgans, viu a tripulação da Lev-XIV entrar. Afundado em sua poltrona e escondido atrás das costas largas do gigantesco patriarca Slurd, absorvia todas as impressões com sua vigilância instintiva, sem deixar que nada o comovesse. Também o filme não o comoveu. Não acreditava nas imagens que estavam sendo projetadas, e muito menos nos vinte e dois couraçados, sem falar na afirmativa infantil de Levtan, segundo o qual a cada cinco dias Perry Rhodan construía um cruzador pesado em Vênus. Ninguém lhe tirava da cabeça a idéia simplista de que ainda hoje os milagres demoram para serem feitos.

— Gostaria de saber por que Goszul mandou trazer essa gente da prisão — disse a Virn, patriarca do clã de Sanko, que estava sentado à sua direita, acariciando nervosamente a longa barba. — Será que teremos que ouvir de novo toda a série de mentiras infames? O vizinho da esquerda de Etztak era Gaxtek, o homem que há muitos anos quase foi arruinado pelas falcatruas de Levtan. Deu uma cotovelada no patriarca dos Orlgans, chamando a atenção do mesmo para o espetáculo que se desenrolava na mesa diretora, formada por um grupo de nove patriarcas. Entre esses nove patriarcas um dos documentos de Levtan passava de mão em mão, enquanto o clã e a tripulação dos párias se ia agrupando em torno de seu comandante. Três robôs mantinham-se mais ao longe, prontos para dirigirem impiedosamente os raios mortíferos de suas armas sobre os proscritos. Seu centro positrônico estava regulado especialmente sobre os párias. Pela primeira vez Etztak endireitou o corpo e, lançando os olhos por cima do ombro largo de Slurd, contemplou a mesa diretora. Estreitou os olhos. Pensou que estivesse vendo uma alucinação. Viu que os membros da mesa diretora demonstravam um interesse surpreendente ao examinarem um dos documentos de Levtan. O patriarca Goszul formava o centro do grupo que discutia animadamente. Levantou a cabeça e dirigiu uma pergunta a Levtan. Etztak começou a desconfiar também dos seus ouvidos. Que tom de voz era este que Goszul punha na sua pergunta? O pária viu suas chances subirem. Até agora respondera com a voz estridente, ou em tom choroso e suplicante. Agora respondeu com a voz firme: — Produção diária de destróieres da classe C, três unidades; da classe G, quatro unidades, e oito unidades da classe H, a maior de todas. Mais uma vez Goszul discutiu animadamente com os membros da mesa diretora da grande conferência. Depois de algum tempo ordenou: — Vejamos o segundo filme. Projeção, por favor! Etztak voltou a mergulhar em sua poltrona, desaparecendo atrás das costas do gigantesco patriarca Slurd. Não se interessou pelo filme que estava sendo projetado, nem respondeu às perguntas de Gaxtek. Apenas seu corpo se encontrava no gigantesco salão. Em pensamento estava no interior de sua nave, e esta estava envolvida num combate com os cruzadores de Perry Rhodan. Naquele tempo acontecera alguma coisa — uma coisa impossível, mas real. O que seria? Etztak mergulhou cada vez mais profundamente nessa indagação; pretendia descobrir a resposta, custasse o que custasse. Não via nem ouvia o que se passava em torno dele. Foi o único patriarca que não participou da grande conferência. *** O grupo de Rhodan encontrava-se no meio do clã de Levtan. Praticamente no centro do grupo, mantinham-se bem juntos e, tal qual o patriarca, assistiram a um filme que os teria entusiasmado — se representasse a verdade. O filme tridimensional mostrava uma gigantesca batalha espacial. As esquadrilhas de couraçados e cruzadores de Perry Rhodan lutavam contra um inimigo que era muito mais forte que ele, para quem se baseasse no número de naves.

Levtan arriscou um comentário. — Local da batalha: a Nebulosa de Xaders. A Nebulosa de Xaders era um dos nomes encontrados no catálogo estelar dos mercadores. Perry Rhodan não se esquecera de nenhum detalhe, quando refletiu sobre o que Levtan devia dizer a respeito desse filme para que os que o ouvissem acreditassem nele. O catálogo dos saltadores encontrado na Lev-XIV prestara-lhe ótimos serviços. A Nebulosa de Xaders ficava na extremidade oposta da Via Láctea, e entre os mercadores era conhecida como a região mais perigosa da Galáxia. Até agora toda e qualquer nave que se aproximasse da Nebulosa de Xaders a menos de cinco unidades astronômicas desapareceria sem deixar vestígio. Nenhum pedido de socorro, nenhuma nave salva-vidas dava notícia do desastre. E agora o filme de Perry Rhodan desvendava o segredo da Nebulosa de Xaders. O formato das naves utilizadas pela raça que habitava a Nebulosa era estranho e apavorante. Consistiam de três gigantescas esferas grudadas umas às outras. A do centro tinha um gigantesco furo que a atravessava de lado a lado e devia ter um diâmetro de quinhentos metros. O filme mostrou a vitória de Rhodan sobre a raça da Nebulosa de Xaders. Quando a fita terminou, o pavor tomou conta da grande assembléia. Todos se mantinham em silêncio, e assim continuaram, inclusive Levtan. Ninguém deu atenção aos quatro homens do clã de Levtan que se mantinham bem unidos em meio aos tripulantes da nave. Dois deles estavam trabalhando: Kitai Ishibashi, o sugestor, e John Marshall, o telepata. Lançando mão de todas as suas energias mentais, o médico e psicólogo japonês obrigou o patriarca Goszul a submeter-se à sua vontade. De início concentrou a força de seus dons sobre ele. Sem que o soubesse, Goszul sentiu os efeitos tremendos do método progressivo. “Acredite no que o filme acaba de mostrar e nos dados constantes dos documentos. Acredite naquilo que Levtan e seu clã estão prontos a declarar sob juramento. O poder de Perry Rhodan é infinitamente superior ao de vocês. Desista da idéia de atacar a Terra ou voar para a base de Vênus. Seria um vôo para a morte.” John Marshall encarregou-se dos cérebros dos homens que ao lado de Goszul dirigiam os trabalhos da grande conferência. O poder de sua mente não era igual ao do japonês, mas tornou mais fácil a este mergulhar os patriarcas na hipnose profunda, fazendo com que acreditassem estarem agindo por sua livre vontade. O silêncio que reinava no recinto rompeu-se como uma fina parede de vidro. Numa pergunta proferida em tom estridente, o patriarca Resd exigiu que Levtan lhe prestasse as informações que desejava. Levtan acreditava no que estava dizendo. Acreditava ter visto e sentido tudo aquilo. E também acreditava no ódio que nutria por Rhodan. Foi justamente esse ódio desenfreado que tornou plausíveis suas informações. Um cérebro atrás do outro submetia-se a Ishibashi. Os patriarcas iam reconhecendo que, se atacassem Rhodan, estariam selando sua própria destruição. Do lado direito do recinto o pânico começou a fermentar e ameaçava transbordar. Com a voz estridente Levtan gritou sua resposta nessa direção. — Vi a arma. Quando Rhodan a acionou, uma enorme cadeia de montanhas desapareceu sem deixar para trás nem uma nuvem de gases. Quando fugi, essa arma estava

sendo montada em todas as naves de Rhodan. Goszul começou a falar. Em tom autoritário exigiu silêncio, mas o pânico espalhouse como um veneno sutil. — Será que aquilo que acabamos de ouvir não basta? O último filme do arquivo de Rhodan ainda não nos convenceu? Isto sem falar nos documentos que se encontram diante da mesa diretora da grande conferência. Patriarcas dos mercadores galácticos, um pária nos adverte para que não percorramos a trilha que levará nossa raça à destruição. Não quero convencer ninguém com as minhas palavras. Não posso exibir os documentos de Levtan a todos os patriarcas. Peço aos ocupantes das primeiras três fileiras que se levantem e venham olhar. Kitai Ishibashi realizou um trabalho inacreditável. Suas forças mentais haviam desencadeado o pânico. Um cérebro atrás do outro estava sendo submetido ao poder de sua mente. Os patriarcas se iam convencendo da veracidade das declarações de Levtan e começavam a temer a força de Rhodan. Indiferentes como os membros do clã dos párias, Tako Kakuta, o teleportador, e Tama Yokida estavam imprensados em meio ao grupo. Limitavam-se a observar, a registrar os acontecimentos. Viram que o lance galático de Perry Rhodan colocava os mercadores numa posição de xeque-mate. Subitamente o coração de Kakuta começou a palpitar. Onde estava Levtan? Não o via em parte alguma. Por algumas frações de segundo conseguia enxergar o lugar em que o pária, de pé numa pequena tribuna, fizera suas declarações. Os patriarcas curiosos que se dirigiam à mesa iam obstruindo a visão. Será que Goszul chamara Levtan, para fornecer explicações sobre os documentos aos membros da mesa diretora? Tako Kakuta não conseguiu descobri-lo por lá. Tama Yokida notou algo de estranho no amigo. — O que houve? — cochichou. — Levtan desapareceu — respondeu o teleportador, também em voz baixa. Tama Yokida virou-se para os robôs. Os vigilantes continuavam no mesmo lugar, com as armas apontadas para eles. — Deve estar aqui. — Mas onde? Não o vejo! A esta hora devíamos vê-lo — disse Kakuta com a voz quase incompreensível. Sentiu que uma aflição tremenda começava a sacudi-lo. Deu uma cotovelada em John Marshall. O retorno ao mundo real quase chegou a ser doloroso para o australiano. A interrupção consumira tamanhas energias mentais que no momento não foi capaz de entender os pensamentos de Tako Kakuta. O teleportador teve que transmitir-lhe a notícia inquietante aos cochichos. Marshall, que era bem mais alto que o teleportador japonês, procurou localizar Levtan. Não o encontrou. Não estava junto à mesa diretora, onde os patriarcas continuavam a acotovelar-se, nem no meio da multidão, nem no largo corredor central. — Quando começou a notar a falta dele? — perguntou Marshall tranqüilamente. — Há dez minutos; talvez sejam oito. Não sei dizer exatamente. Procure-o, Marshall. É a primeira vez que tenho medo de verdade. Parece que alguma coisa não deu certo. O nervosismo de Tako Kakuta foi contagiante. John Marshall respondeu com um ligeiro aceno de cabeça, e através de suas energias telepáticas procurou localizar Levtan.

*** Etztak viu que os patriarcas que se encontravam nas primeiras três filas levantaramse e correram para a mesa diretora, a fim de apresentar as provas oferecidas por Levtan. Etztak, patriarca do clã de Orlgans, também se levantou, e isso com uma rapidez de que ninguém o julgaria capaz. Sua poltrona ficava próxima ao corredor central. Resmungando desculpas, abriu caminho entre quatro patriarcas, viu-se no corredor e olhou para a saída principal. Acenou ligeiramente com a cabeça e aguardou os acontecimentos. No primeiro minuto não aconteceu nada, mas dali a dois minutos Levtan não estava mais na sua tribuna. Um dos mercadores que tinham ido à mesa diretora passou tão perto que esbarrou nele. Pediu desculpas. Etztak fez uma careta. Dali a um minuto — ou seja, três minutos depois de se ter levantado — virou-se lentamente, como alguém que respira profundamente antes de dar um salto. *** Quando Marshall lhe apertou o braço com tamanha força que parecia querer arrancarlhe o bíceps, Tako Kakuta percebeu que tinha havido uma catástrofe. — Etztak e o clã de Orlgans levaram Levtan para submetê-lo à lavagem cerebral! — cochichou Marshall aflito. “Isto é o fim”, pensou Kakuta num acesso de pânico. Ia voltar-se para Marshall, mas deteve a cabeça em meio ao movimento. Marshall movia os lábios. Cochichava uma ordem quase imperceptível. A ordem era dirigida a Kitai Ishibashi. O sugestor compreendeu. John Marshall sabia localizar Levtan e ler seus pensamentos, mas nada podia fazer para impedir a lavagem cerebral. Nem mesmo Kitai poderia evitá-la. Mas podia fazer outra coisa. Marshall captou a angústia mortal de Levtan. Identificou todos os pensamentos: a defesa desesperada do pária, os golpes que distribuía com as mãos e os pés para não ser submetido à lavagem cerebral. Sabia qual fora o destino da grande massa de indivíduos submetidos a essa tortura. Todos perderam a razão em virtude do tratamento. Marshall também captou os pensamentos de Etztak. Etztak — esse nome equivalia a um sinal de alarme. Etztak desconfiara e resolvera agir imediatamente. John Marshall lembrou-se do povo escravizado do planeta, e lembrou-se da Terra indefesa e do destino que a aguardaria se os saltadores pusessem os pés nela. Seria a escravização total. O aparelho que agiria sobre a mente de Levtan devia ter sido ligado. A lavagem cerebral! Seria a revelação do lance galático de Perry Rhodan! John Marshall pensou na Terra e no destino que a aguardava, quando indicou a posição a Ishibashi.

9 Com o rosto petrificado Etztak contemplou os quatro homens de seu clã, que acabavam de dominar Levtan. O pária defendera-se desesperadamente. Um dos filhos de Orlgans fora jogado ao chão, gemendo e segurando o ventre. Seu sobrinho mais novo estava enxugando o sangue do queixo. Mas Levtan teve de capitular diante da tremenda superioridade. Com uma cruel indiferença Etztak viu que os feixes de radiações cingiam o peito do pária. Dentro de poucos segundos o respectivo campo energético estabilizou-se, condenando o pária à imobilidade. — Saia da frente! — gritou Etztak para o sobrinho. — Sim senhor — fungou o jovem mercador e saltou para o lado. O próprio Etztak pôs o aparelho a funcionar. Os protestos desesperados de Levtan cessaram. O pária conformara-se com o destino cruel. Não acreditava num milagre que pudesse salvá-lo. E para ele não houve nenhum milagre. Limitou-se a atirar a cabeça para trás — era a única parte do corpo que conseguia mover. Depois disso foi atingido pela força do aparelho, que penetrou nas idéias e nas memórias armazenadas em sua massa cinzenta. — Etztak — disse com um gemido — os deuses castigarão você e seu clã por... Não completou a frase. Levtan já não era senhor de si mesmo. Teria que entregar todo o saber, todos os mistérios que se encerravam em sua mente, e pagaria isso com a razão. O patriarca cruel saltou para a frente. — Saiam a frente! ordenou, aproximando-se de Levtan e lançando-lhe um olhar preocupado. — O que houve com o traidor? — gritou. — Será que está morrendo? — apontou para Levtan, cuja cabeça estava imóvel, levemente inclinada para o lado. *** Quando percebeu que não conseguia captar mais nenhum pensamento de Levtan, Marshall soube que a lavagem cerebral fora iniciada. A catástrofe aproximava-se vertiginosamente. Etztak estava a ponto de desvendar o mistério em torno das relações entre Levtan e Perry Rhodan. A mais de mil anos-luz do sistema solar, a destruição da Terra estava sendo encetada no planeta de Goszul. John Marshall transformara-se num tático frio. Sobrecarregando suas forças ao máximo interveio em tudo, não negligenciou nada, não perdeu nenhuma oportunidade. Arranjou tempo para orientar as forças de Kitai Ishibashi para outro objetivo e dar uma ordem terrível a Tako Kakuta, o teleportador. — Prepare-se para um salto para o depósito de bombas. O delicado japonês nem pestanejou ao receber a ordem de Marshall. Preparou-se; sabia que a qualquer momento a catástrofe poderia desabar sobre eles. As forças telepáticas de John Marshall voltaram a exercer-se na área em que Levtan estava sendo submetido à lavagem cerebral.

Kitai Ishibashi, o sugestor, trabalhou mais uma vez sobre Goszul, antes de unir suas forças às de Marshall. A cabeça calva do saltador virou-se ligeiramente para a tripulação da Lev. Não notou a ausência do comandante dos párias. Os três guardas-robôs continuavam no mesmo lugar. Cochichou alguma coisa para o homem que se encontrava a seu lado. Este acenou com a cabeça e levantou-se. Pouco depois Tako Kakuta viu-o atrás dos robôs. Os robôs foram dispensados. Os verdadeiros tripulantes da Levtan nem o perceberam. O ligeiro nervosismo causado pelo desaparecimento do comandante proscrito já cessara. Kitai Ishibashi trabalhou depressa. Mas o perigo ainda não fora removido; continuava grave como antes. Sob a orientação de John, Kitai empenhou todas as forças numa luta titânica contra o coração de Levtan. O mesmo tinha que ser paralisado, e já! Etztak não poderia receber a menor indicação que aumentasse a desconfiança que já se instalara em seu espírito. Kitai perdeu por completo a noção do tempo. Não sabia se o teleportador estava preparado para saltar, não sabia se Goszul providenciara para que os três robôs fossem afastados, não sabia se os tripulantes da Lev já deixaram de preocupar-se com o desaparecimento de seu comandante. Crescera acima de si mesmo. Em suas mãos jazia o destino dum mundo — a Terra. E houve mais um estímulo que lhe conferia energias titânicas: Perry Rhodan confiava em sua capacidade. Ele mesmo, um dos combatentes da Terceira Potência de Perry Rhodan e do futuro império cósmico, travava o combate mais cruel de sua vida. Subitamente os músculos cardíacos de Levtan contraíram-se num espasmo, enrijecendo sob a força das energias hipnóticas. Kitai percebeu que em certo setor do espaço, onde Levtan estava submetido ao poder de Etztak, não havia mais nada que representasse o comandante dos párias. Levtan não poderia revelar o plano de Perry Rhodan. Seu coração parara. Mas o perigo continuava a aproximar-se do grupo. Esse perigo era Etztak, um patriarca que não recuava diante de nada, o protótipo do mercador galático, que não hesitava em valer-se dos métodos mais brutais para alcançar seus objetivos. — Tirem-no daqui! — berrou, apontando para o cadáver de Levtan. — Tragam dois ou três párias de seu clã. Quero saber o que está atrás dessas declarações a respeito de Levtan. Tama Yokida estava condenado a um papel de simples observador. O treinamento a que Rhodan o submetera dava-lhe forças para não mostrar o menor sinal de inquietação, mas na verdade toda a mente do japonês, geralmente tão equilibrado, fervilhava. Viu que Kitai Ishibashi, o sugestor, quase se consumia no esforço interior, chegando progressivamente à exaustão total; descobriu os primeiros sinais de fraqueza em John Marshall, o telepata; e viu que Tako Kakuta, que se encontrava a seu lado, concentrava-se para o salto. Finalmente, Tama Yokida viu que o pânico se espalhava entre as fileiras de poltronas que nem um veneno sutil, apossando-se das mentes dos patriarcas, em cujos cérebros ganhava corpo a idéia de que qualquer ataque a Perry Rhodan ou ao seu planeta traria a morte. Nada parecia indicar a iminência duma catástrofe, mas Tama Yokida viu a mesma aproximar-se. — Traga uma bomba! — cochichou Marshall ao ouvido de Kakuta. — Faça-a detonar dentro de três minutos. Mande este salão para os ares.

Tako Kakuta não saltou imediatamente. Mudou de lugar, passando entre Marshall e Ishibashi. Os dois cobriram-no com seus corpos. Foi nesse instante que o teleportador saltou para o depósito de bombas. Rematerializou-se sobre uma pilha de bombas. O pouso não fora totalmente silencioso. Ligeiramente abaixado, mantinha-se de pé sobre os artefatos de vinte centímetros de comprimento, aguçando o ouvido. Três bombas haviam batido ruidosamente umas contra as outras. Ouviu passos. O “rosto de mercador” de Tako Kakuta, inalterado sob a máscara, contorceu-se num sorriso. Os passos que acabara de ouvir eram dum ser de carne e ossos. Será que os saltadores usavam os goszuls — os escravos — como guardas? A pilha sobre a qual se encontrava tinha mais de três metros de altura. As outras pilhas, muito numerosas, não eram menos altas. As passagens existentes entre as mesmas pareciam vielas estreitas. O guarda surgiu de trás de uma das pilhas. Aproximava-se sorrateiramente, segurando uma arma de impulsos em cada mão, mas não olhava para cima. Nem desconfiava de que o perigo pudesse estar ali. Sem fazer o menor ruído Tako Kakuta pegou uma das bombas. Era leve: pesava menos de trinta quilos. Era quanto bastava. O guarda estava bem embaixo dele. O saltador estacara em meio ao passo que ia dar. “Que diabo”, pensou Tako Kakuta contrariado, “esse sujeito tem um ouvido excelente. Sabe perfeitamente que foi daqui que veio o barulho.” Ao soltar a bomba, não causou o menor ruído. Mas houve um forte baque quando a mesma bateu na cabeça do mercador. E um verdadeiro estrondo fez-se ouvir quando deslizou pelo corpo do saltador e bateu no chão. Tako contou até dez. Tudo continuou em silêncio no interior do depósito. Não havia outro guarda além do saltador inconsciente. O teleportador lembrou-se da ordem de Marshall: — A bomba tem que ser detonada dentro de três minutos. O incidente já lhe custara um minuto! E aqui havia um estoque imenso de bombas de todos os calibres, mas nenhum detonador. Teleportou-se para a viela que começava ao lado do mercador inconsciente. As duas armas de impulsos vinham bem a propósito. Mudaram de dono. Tako Kakuta enfiou a bomba sob o braço e saiu correndo pela passagem entre as pilhas. Com quatro passos atingiu o primeiro cruzamento. Olhou apressadamente para os lados, estendeu a mão e pegou um detonador. Noventa segundos já se haviam passado quando o detonador estava preso à pequena bomba atômica. No mesmo instante Tako Kakuta teleportou-se de volta para o salão em que estava sendo realizada a grande conferência dos patriarcas. *** — Dentro de três minutos deverá ser detonada! — dissera John Marshall ao teleportador. Com isso dera aos amigos um prazo extremamente curto para escaparem ao perigo. Se usassem o largo corredor central gastariam mais de um minuto para atingir a saída, isso se nenhum patriarca procurasse detê-los. E ainda tinham de contar com a possibilidade de, lá fora, se defrontarem com os robôs.

— Vamos usar a saída que fica atrás da mesa diretora! — cochichou Marshall. Mais uma vez Kitai Ishibashi concentrou todas as energias. Mais uma vez derramou suas forças sugestivas sobre a multidão dos patriarcas que se comprimia em torno da mesa. A sugestão profunda dirigida aos saltadores, no sentido de que estes não vissem nada de anormal em sua saída, foi breve e potente. O dia do planeta de Goszul era mais longo que o dia terreno. Apesar disso Marshall baseava-se nos minutos de nosso planeta. Levaram quarenta segundos para atingir a estreita passagem lateral. Atrás deles o pânico continuava a espalhar-se. Em centenas de cérebros fixara-se a idéia de que seria uma loucura envolver-se numa luta com Perry Rhodan. Tama Yokida viu um veículo parado na outra extremidade do gigantesco edifício. Lançou mão de suas energias telecinéticas. O veículo aproximou-se vertiginosamente, desviando-se dos obstáculos que se interpunham em seu caminho, como se alguma pessoa extremamente hábil o dirigisse. Enquanto percorria os últimos cem metros, viram que estava ocupado. Mais uma vez Kitai Ishibashi interveio. O método progressivo durou apenas alguns segundos. Foi o tempo suficiente para que o mercador que se encontrava no interior do veículo se esquecesse de que, apavorado, fizera tudo para parar o carro. Sem demonstrar o menor espanto, desceu, cumprimentou os três estranhos e disse: — Entrem, por favor. John Marshall acabara de contar o segundo minuto. Restavam-lhes sessenta segundos para afastarem-se a uma distância suficiente até o momento em que Tako Kakuta fizesse detonar a bomba no interior do salão. Saltaram para dentro do carro. O veículo acelerou a toda e saiu em disparada. Reunindo as forças de seu cérebro, Marshall voltou a escutar o que se passava nos cérebros dos patriarcas que se comprimiam em torno da mesa diretora. Um misto de medo e cólera atingiu-o como uma interferência perturbadora. Levou alguns segundos para encontrar uma explicação para a confusão. Depois compreendeu o que se passava lá dentro. Etztak enviara alguns homens do seu clã para trazer outros homens da tripulação da Lev que serviriam de vítimas para a lavagem cerebral, e os párias resolveram defender-se. Nesse instante Kitai Ishibashi berrou pela terceira vez: — Quanto tempo nos resta? Num processo doloroso Marshall retornou à realidade que o cercava. O veículo passava por um grupo de robôs. Os seres mecânicos não lhe deram atenção; controlavam apenas a saída principal. Tama Yokida pilotava o veículo voador. No momento em que entrava na larga avenida que ia para o espaçoporto, forças gigantescas atiraram o veículo para o alto. O grito de Kitai Ishibashi foi engolido por um rugido primitivo. *** Com a bomba ativada sob o braço, Tako Kakuta materializou-se no subterrâneo do gigantesco salão. Cautelosamente colocou a bomba no chão, fez mais um salto e, que nem um macaco, ficou preso ao teto do salão, no ponto exato em que as quatro travessas que sustentavam o teto se encontravam. Lançou um olhar para a profusão de crânios de patriarcas. Para ele isso representava um exame de posições.

Numa teleportação vertical desceu novamente ao subterrâneo. A escuridão não constituía nenhum obstáculo. Bem ao longe, na outra extremidade do teto abobadado, uma lâmpada espalhava sua luz débil. Com a bomba sob o braço, voltou a realizar um salto. A luz foi apenas suficiente para ler a escala do detonador. O prazo de três minutos havia chegado ao fim. Tako tinha certeza absoluta. Seu sentido do tempo nunca o enganava. A detonação se daria dentro de dez segundos. Por um instante lembrou-se de John Marshall, Tama Yokida e Kitai Ishibashi. Naquele instante julgava os amigos capazes de realizar o impossível. O contador de tempo do detonador começou a funcionar. Tako Kakuta concentrou-se no espaçoporto e saltou em direção ao mesmo. *** Sem que ninguém o percebesse, Thora, a arcônida, entrou na sala de comando da Stardust-III. A mulher alta e bela, uma das poucas criaturas do império estelar de Árcon que não se deixara dominar pela letargia sob a qual o poderio dos arcônidas se esfacelava, lançou um olhar indagador para Crest. — Estão perdidos, desaparecidos, não é? — a pergunta não representava uma simples constatação, mas uma afirmativa terminante, que não admitia a menor contradita. Bell virou-se abruptamente na sua poltrona. — Pois está enganada! — disse em tom agressivo. Havia ocasiões em que não suportava o pessimismo virulento dos arcônidas. E hoje era uma dessas ocasiões. — Pois prove que estou errada, Reginald Bell! — respondeu a arcônida em tom mordaz, sem dar atenção a Crest, que colocou a mão sobre seu braço, pedindo-lhe que procurasse dominar-se. Thora não queria dominar-se. Depois de tanta demora desejava ir para Árcon, para casa. Queria obrigar Perry Rhodan a cumprir sua promessa. De tão nervosa que estava, não notou o brilho suspeito nos olhos de Bell. Mas Perry viu-o e já estava adivinhando a resposta que o esquentado Bell soltaria. — Com o maior prazer, Thora — principiou Bell num tom pacato que dava para desconfiar. — A prova está naquilo que a senhora vive afirmando. Para a senhora somos bárbaros semi-selvagens. Acontece que uma criatura semi-selvagem é, sob todos os pontos de vista, mais estável e resistente que um povo altamente evoluído, que atingiu um estágio em que se transformou num grupo de deuses indolentes. Espere aí, Thora, a senhora ainda não ouviu as provas que tenho a oferecer... Ainda estava rindo depois que a escotilha que dava para o corredor principal da nave se fechara atrás da arcônida, que se retirara apressadamente. Crest aproximou-se de Bell; parecia pensativo. — Se um dia Thora voltar a praticar um ato que para o senhor é uma tolice perigosa, a culpa será sua. Bell fez um gesto de desprezo e ia reclinar-se confortavelmente no assento, quando o alarme de localização começou a uivar. As naves dos saltadores estavam decolando do planeta de Goszul. Não era duas ou três, nem dez. A localização registrou mais de cem naves. As pessoas que se encontravam na sala de comando lembraram-se da pequena explosão atômica ocorrida no planeta. Menos de meia hora se passara desde então. — Abalos estruturais! — gritou exaltado o oficial que controlava os rastreadores. —

Meu Deus, tão perto! O “perto” dizia respeito ao planeta de Goszul. Agindo desarrazoadamente, as naves dos saltadores lançaram-se à transição, sem a menor consideração pelo planeta habitado. — Uma série ininterrupta de transições! — continuou a falar o oficial em tom exaltado. Subitamente a voz de Perry Rhodan fez-se ouvir. Era uma voz que impunha silêncio a todos. — Realizaremos a transição dentro de oito segundos. Daremos um salto de volta numa distância de oito dias-luz. A programação da Stardust-III e dos três cruzadores pesados de Rhodan era atualizada constantemente pelo grande cérebro positrônico do supercouraçado, para que a qualquer momento pudesse realizar uma transição no mais curto espaço de tempo. — ...quarenta e três ...quarenta e quatro ...agora são três de uma vez ...quarenta e oito... — contava o oficial que controlava o rastreador estrutural. Para a frota de Rhodan ainda faltavam cinco segundos. Depois a mesma também realizou seu salto a pequena distância. As quatro naves saltaram ao mesmo tempo, para que houvesse um único abalo. Com as tensões tremendas a que os saltadores estavam submetendo a estrutura espacial, seria praticamente impossível que a transição da frota terrena fosse registrada no planeta de Goszul. Rhodan e Reginald Bell olharam-se. A contagem automática chegara ao zero. Nas quatro naves o espaço cósmico com o esplendor dos sóis fulgurantes desfez-se, abrindo-se para envolver o couraçado e os três cruzadores pesados no processo de transição. *** Tako Kakuta voltou a materializar-se na sala de comando da Lev-XIV. Três mercadores levantaram-se apavorados quando subitamente viram diante de si um homem vindo do nada. Mas o pavor ainda não se desenvolvera em toda plenitude quando, num gesto automático, moveram as mãos para pegar as armas. Sem perder o sangue-frio, Tako apertou o gatilho das duas armas de impulsos de que acabara de apoderar-se. Disparou três vezes. O sistema de exaustão uivou, expelindo três nuvens de gases. O teleportador virou-se abruptamente. Só agora teve tempo de examinar a sala de comando da nave dos párias. A escotilha estava fechada. Se havia outros mercadores que vigiavam a nave, os mesmos não perceberam a luta que acabara de travar-se. Os olhos de Tako passaram apressadamente pelos diversos objetos. De repente os mesmos arregalaram-se, e Tako praguejou. Um dos instrumentos mais importantes da LevXIV fora destruído: o cristal de pilotagem. Apavorado, dirigiu o olhar para a tela de visão global. Procurou desesperadamente outro veículo espacial cilíndrico do mesmo tipo da Lev-XIV. Viu um bem ao longe, quase na extremidade oposta do gigantesco porto espacial. No mesmo instante teleportou-se para a sala de comando da nave. Materializou-se do nada atrás dum saltador que cochilava. A coronha de sua arma não pertencia ao nada: era a mais dura realidade. A pancada fez o mercador cair ao chão, inconsciente. — Bendita seja a técnica arcônida! — cochichou Tako, enquanto com um simples

movimento de mão arrancou o instrumento com o cristal de pilotagem. A técnica arcônida não conhecia as perigosas ligações por fios, as soldas que se derretiam com facilidade ou chaves estampadas inquebráveis. Eles, os arcônidas, seguiram pelo caminho mais fácil. Tako Kakuta os estava elogiando acima de todas as medidas quando a nave foi atingida por uma imensa vaga de compressão, e meia dezena de suportes se dobraram com um estalo. Já estava de volta na Lev-XIV, preparado para enfrentar a onda de compressão. Arrancou o instrumento destruído do painel, atirou-o num canto, colocou a peça sobressalente que acabara de “arranjar” e não se preocupou quando a onda de compressão também sacudiu a Lev-XIV. — Bendita seja a técnica arcônida! — voltou a dizer, e só então aguçou o ouvido para saber o que se passava lá fora. A onda de compressão desencadeada por sua bomba atômica acabara de passar. Não causara o menor dano à Lev-XIV. No longo caminho que tivera de percorrer até atingir a extremidade oposta do espaçoporto perdera muito de sua força destrutiva. Tako pôs-se a caminho para limpar a Lev-XIV dos mercadores que ainda pudessem importuná-lo com sua presença. Não encontrou ninguém e pôs-se a esperar na grande comporta. Não eram eles que estavam chegando? Tako estreitou ainda mais os olhos oblíquos e sorriu. Aquilo só podia ser Tama Yokida. O telecineta transformara o lento deslizador num veículo que se deslocava em vôo rasante. Com as energias de sua mente fazia-o correr em direção à Lev-XIV. De uma altura de trezentos metros desceu sobre a nave dos párias. Até o coração de Tako Kakuta começou a palpitar quando, ao chegar junto ao solo, perto da rampa, o veículo ainda desenvolvia uma velocidade tremenda. Mas não se ouviu o baque da batida nem o estalo dos materiais que se partiam. O veículo pousou suavemente. No mesmo instante os amigos de Tako corriam desesperadamente rampa acima. — Vamos decolar! — gritou Marshall. — Estão atrás de nós. Maldito Etztak! *** Etztak viu os muros de concreto arrebentarem. Parte do teto desabou, soterrando os membros do clã. Mas não viu nem ouviu nada do inferno que desabava sobre ele. “As radiações!”, martelava seu cérebro. “A dose é mortal!” Atirou-se contra a porta empenada e correu para a sala contígua. Sabia que ali havia trajes espaciais. E um traje desses foi sua salvação. Envergou-o e, passando pelo buraco aberto no teto, atingiu o ar livre; lutando contra o furacão desencadeado pela bomba, chegou ao salão de reuniões. Sentiu um frio na espinha. Até onde alcançava a vista só havia devastação, mas também havia vida. Passando pela gigantesca abertura — do teto do salão só restava um terço — flutuou para baixo. Um olhar para o medidor de radiações mostrou-lhe que a dose já não era perigosa. Abriu o capacete e gritou para o primeiro patriarca que, cambaleando por cima dos cadáveres, procurou atingir a saída. Agarrou o décimo, o vigésimo, e finalmente encontrou alguém que lhe disse que três homens da tripulação de Levtan haviam abandonado o salão, utilizando a saída atrás da mesa diretora. Resmungando uma praga, Etztak fez com que o traje espacial o levasse através do salão. Só viu cadáveres. Até parecia milagre: a maior parte dos comprovantes de Levtan

estava intacta aos pés de Etztak. Enfiou-os apressadamente no bolso. Não havia mais nada a fazer por ali. Passou pela gigantesca abertura no teto e dirigiu-se velozmente para o espaçoporto. — Três deles fugiram — disse numa fúria impotente. — Três elementos desse clã maldito. A vingança deles foi terrível, mas esqueceram-se de me incluir nos seus cálculos. Eu os agarro! Minha nave é mais veloz que a deles. O ódio de Etztak ia crescendo, e ele nem suspeitava de que Marshall captava seus pensamentos como se estes tivessem sido emitidos por uma potente emissora. *** Os propulsores da Lev-XIV uivaram terrivelmente quando a nave se desprendeu do solo, precipitando-se em direção ao céu luminoso. Estava sendo pilotada por John Marshall. Na sala de comando não foi trocada uma única palavra. Marshall ainda se encontrava no planeta de Goszul, embora seu corpo corresse pelo espaço no interior da Lev-XIV. Experimentou o pânico dos patriarcas que sobreviveram à bomba de Tako Kakuta. O medo dominava todos, mesmo os que não tinham sido submetidos ao tratamento. Era o medo do poderio de Perry Rhodan. Ninguém pensou na terrível explosão. Ninguém via nela uma obra de Rhodan. O medo que sentiam por ele sobrepujava tudo. Tama Yokida fitou o velocímetro como se fosse um inimigo. A aceleração da LevXIV era terrivelmente lenta. O planeta de Goszul foi mergulhando no espaço, transformando-se numa esfera. A tela de visão global mostrou uma cidade grande e ampla que surgiu na extremidade sul do continente, até que uma camada de nuvens a cobriu. — Localização! — disse Tako Kakuta. — Estão chegando! Se não me engano é um grupo de destróieres, mas também há mais grande nave mercante... — É Etztak! — comentou Marshall laconicamente. — Qual é a velocidade? — perguntou Ishibashi. — Estamos indo muito devagar para viver e muito depressa para viver. Marshall, vamos para a face noturna. É nossa única chance. Dentro de cinco minutos seremos derrubados — a voz de Tama Yokida continuava tranqüila. — Fechar os capacetes! — ordenou Marshall. Quatro destróieres e uma nave mercante dos saltadores aproximavam-se vertiginosamente. A Lev-XIV descreveu uma curva e correu desesperadamente para a face noturna do planeta de Goszul. A altitude era apenas de 30.000 quilômetros! Os propulsores não davam mais que isso. O aparelho de hipercomunicação começou a funcionar. Uma mensagem rápida e codificada dirigida a Rhodan. A mensagem era formada de apenas três frases: — Levtan está morto. A conferência foi desmanchada por uma bomba atômica. Ishibashi conseguiu... Foram estas as únicas palavras captadas pela Stardust-III, que juntamente com os três cruzadores pesados se mantinha numa posição situada a oito dias-luz do sistema de Tatlira, onde estava fora do alcance da localização.

Um forte raio desintegrador esfacelara os campos energéticos da Lev-XIV, atingindo a nave de raspão. A popa desmanchou-se numa nuvem de gases incandescentes. E a ponta caiu sobre a face noturna do planeta de Goszul. *** “Desceram” da nave a três mil quilômetros de altura. Face aos trajes espaciais arcônidas, essa “descida” não era nenhum ato tresloucado de desespero. Cada homem era uma pequena nave espacial, com seu campo energético, seu propulsor e sua capacidade de aceleração. A três mil quilômetros acima da superfície do planeta de Goszul não passavam de quatro partículas de pó, tangidos pelas fronteiras do infinito. Abaixo deles a ponta da Lev-XIV queimou-se nas camadas densas da atmosfera. Depois que a nave fora atingida de raspão não saíram para o espaço em pânico. Ainda tiveram tempo de levar parte do equipamento habilmente escondido na nave por ocasião da reforma a que a mesma foi submetida em Terrânia. Os quatro mutantes de Perry Rhodan formavam uma corrente. Era uma corrente que se deixava cair. Só quando atingiram as camadas densas da atmosfera tiveram de lutar contra as tormentas — fluxos desencadeados pelos jatos e tempestades de mais de trezentos quilômetros por hora. John Marshall foi desviado. Parecia que a noite o havia engolido. Mas Kitai Ishibashi conseguiu localizá-lo, e Tama Yokida usou suas faculdades telecinéticas para trazê-lo para junto de si. Os campos antigravitacionais dos trajes dos mutantes desenvolviam uma atividade bastante reduzida, pois a maior parte da energia produzida pelos mini-geradores era destinada aos envoltórios energéticos. Atravessavam as primeiras camadas de nuvens, e estas estavam carregadas de granizo. Ao atingirem os campos energéticos, os pedaços de gelo se assemelhavam a balas. A vibração e as sacudidelas pareciam ameaçadoras e desagradáveis, mas eram muito mais agradáveis que a lembrança da impressão causada pelo chiado da popa da Lev-XIV, quando esta se transformou numa nuvem de gases. — Atenção! Estamos a cem metros de altura — disse Marshall. Os campos antigravitacionais dos trajes espaciais foram reforçados, e a queda dos mutantes transformou-se num suave flutuar. O planeta de Goszul voltara a recolhê-los — como náufragos. *** Quando o dia começou a raiar, ligaram os defletores de seus trajes espaciais. No mesmo instante desapareceram, fizeram-se invisíveis. Conformaram-se com o fato de não se verem uns aos outros. Através dos pontos de referência geográficos conseguiam manter contato entre si. A cerca de cem quilômetros por hora voaram por cima do continente em cuja extremidade haviam visto no dia anterior, de bordo da Lev-XIV, uma cidade bastante extensa. Essa cidade era seu destino. À medida que passavam a pouca altura sobre o solo, mantendo a direção geral sul, convenciam-se de que o poder dos saltadores não chegava até lá.

Pelo meio-dia, John Marshall espantou-os com uma exclamação: — Olhem a cidade! Vamos subir mais um pouco, para que possamos vê-la melhor. A trezentos metros de altura conseguiram ver a área à qual se destinavam e tiveram todos os motivos para espantar-se. — Navios a vela? — cochichou Kitai Ishibashi no seu capacete, e o rádio embutido transmitiu suas palavras aos amigos. — Navios a vela do século XVIII. Santo Deus, em que era estamos penetrando? E dizem que este povo descende dos arcônidas. Não acredito. Marshall interrompeu-o: — Silêncio! Estamos recebendo uma mensagem. Seu aparelho portátil de hipercomunicação estava ligado para a recepção. A trezentos metros acima da superfície do planeta de Goszul, à vista duma cidade quase medieval, Marshall recebeu a mensagem de Perry Rhodan. Era uma mensagem lacônica, codificada e concebida em termos muito gerais. — Aguardem a chegada de auxílio! Aguardem a chegada de auxílio! Estas palavras foram repetidas vinte vezes. Só então o receptor de hipercomunicação silenciou. Até o anoitecer não houve nenhum contato. — Aguardem a chegada de auxílio! Para os homens do grupo de Perry Rhodan estas palavras eram suficientes. Conheciam o chefe. Sabiam que não os abandonaria.

*** ** *

No momento em que ia ser submetido à lavagem cerebral, Levtan já devia ter chegado à conclusão de que o resultado final da traição e do jogo dúbio nunca é favorável. É bem verdade que para Perry Rhodan o aparecimento de Levtan representou uma dádiva do destino, pois sem isso não teria conseguido introduzir quatro dos seus mutantes na grande conferência dos patriarcas dos saltadores, realizada no planeta de Goszul. E esses quatro mutantes — quatro homens terrenos num mundo estranho — continuam a desempenhar um papel de destaque na nova aventura de Perry Rhodan, relatada no próximo volume da série: O Planeta dos Deuses.

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