Osvaldo - Complexidade E Transdisciplinaridade

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Complexidade e Transdisciplinaridade

Mestre Osvaldo Monteiro Borges

2004

Seminário sobre Sistemas de Informação, Intervenção Sócio-Educativa e Transdisciplinaridade

Índice Pag. 1. Introdução

2

2. Complexidade

3

2.1 Origem da complexidade

3

2.2 Análise multidimensional da complexidade

4

2.2.1 Dimensão da física

4

2.2.2 Dimensão da biologia

4

2.2.3 Dimensão da saúde

5

2.2.4 Dimensão da matemática

5

2.2.5 Dimensão da informática

6

2.2.6 Dimensão da justiça

6

2.2.7 Dimensão social

7

2.2.8 Dimensão económica

7

2.3 Melhor forma de abordagem sobre a complexidade

8

3. Da Disciplinaridade á Transdisciplinaridade

10

3.1 Contribuição da ciência

10

3.2 Disciplinaridade

11

3.3 Multidisciplinaridade

12

3.4 Interdisciplinaridade

13

3.5 Transdisciplinaridade

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4. Considerações finais

17

Referências bibliográficas

18

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Seminário sobre Sistemas de Informação, Intervenção Sócio-Educativa e Transdisciplinaridade

1. Introdução O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do Seminário sobre Sistemas de Informação, Intervenção Sócio-Educativa e Transdisciplinaridade do Curso de Doutoramento em Educação e Desenvolvimento Humano desenvolvido pelas Universidades de Santiago de Compostela de Espanha e Jean Piaget de Cabo Verde, em 2004. Este trabalho versa o tema “Complexidade e Transdisciplinaridade - abordagem conceptual”. Pretendemos com este trabalho apresentar a nossa reflexão sobre as actuais abordagens que os conceitos complexidade e transdisciplinaridade vêm tendo no mundo científico. Entendemos que o diálogo inter-disciplinas vem se impondo a partir da última década como uma necessidade crescente. Vários motivos a justificam. Dentre os principais destaca-se a transformação do próprio conceito de disciplina científica e do que se entende por cientificidade. Por isso, pretendemos destacar alguns aspectos desta transformação e seu impacto sobre o desenvolvimento científico actual. Procuraremos em seguida nos deter sobre a definição de alguns conceitos que delimitam este campo (dando ênfase especial à complexidade, disciplinaridade, multidisciplinaridade, sinterdisciplinaridade e transdisciplinaridade), apresentando alguns exemplos e dimensões designadamente no ensino superior, na matemática e estatística e na informática. Por outro lado, após alguma experiência na elaboração dos horários da UniPiaget de Cabo Verde constatamos que quase todos os colegas docentes frequentemente utilização a terminologia “complexo” e “complexidade” relativamente aos horários, perante uma instituição de natureza transdisciplinar. Neste sentido, decidimos desenvolver o tema “Transdisciplinaridade”, focando, em primeiro lugar, a complexidade. Resta, finalmente, dizer que estes são os principais motivos que justificam a escolha deste tema, além de ser uma exigência do referido seminário.

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2. Complexidade 2.1. Origem da complexidade Complexus (ou apenas plexus) é o vocábulo que, em latim, significa entrelaçado, tecido em conjunto e, que constitui a origem etimológica da palavra complexo. Hoje, este termo é usado com uma certa frequência e, muitas vezes absolve quem a usa de dar maiores explicações sobre o assunto de que trata. Por isso que constantemente ouvimos as expressões: esta disciplina é complexa, a situação é complexa, o problema é complexo, a busca de solução é uma tarefa complexa, a complexidade computacional, complexidade de algoritmos, etc. Não é por acaso, que existe actualmente em muitas instituições superiores e cursos a disciplina “teoria da complexidade”. Alguns glossários definem a complexidade com medida sistémica, propriedade dos processos caóticos; informação, diversidade, multiplicidade de conexões; alta conectividade. Daí que a ideia que nos fica de complexidade é de caos, desordem, obscuridade, dificuldades, complicação. A complexidade e a complicação não são dois dados antinómicos e não se reduzem uma à outra. Para Morin (2001:101), a complicação é um dos constituintes da complexidade. Para Morin (2001), esta ideia de complexidade estava muito mais espalhada no vocabulário corrente do que no vocabulário cientifico. De um modo ou de outro a complexidade, sempre foi usada, mas só recentemente vem ganhando contornos de uma nova ciência. Fala-se, actualmente, em teoria da complexidade, paradigma da complexidade, epistemologia da complexidade. A complexidade do mundo em que vivemos transparece nas expressões que usamos: o mundo das artes, o mundo da política, o mundo da ciência, o mundo académico, o mundo do comércio, e por aí vai. No entanto, só existe um mundo. Todos os mundos acima se entrelaçam num mesmo espaço-tempo em que vivemos.

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2.2 Análise multidimensional da complexidade Face ao contexto mundial marcado por uma evolução de carácter científico-tecnológico, a complexidade torna-se cada vez mais um conceito fundamental. Neste sentido, faremos uma análise de algumas abordagens e/ou dimensões:

2.2.1 Dimensão da física ¾ Segundo alguns especialistas, a complexidade vem sendo usada para estudos no mundo da física, alguns de escala planetária, envolvendo emissão de gazes poluentes, camada de ozónio, correntes marítimas, aquecimento da Terra. Para o domínio dos circuitos integrados convém separar os dois aspectos da complexidade distinguindo as duas componentes: o conjunto do número de elementos e o conjunto de suas relações. Diz-se que um circuito será complexo quando um ou dois conjuntos forem (relativamente) grandes. Sob o aspecto prático é ainda mais importante poder classificar os circuitos quanto à sua complexidade do que obter o seu valor absoluto. Esse parâmetro permitirá, por exemplo, decidir qual dentre duas opções de implementação é mais complexa.

2.2.2 Dimensão da biologia

¾ No mundo biológico, a complexidade é vista na sua plenitude no ser humano, com seus múltiplos sistemas e aparelhos interagindo para manter a homeostase. Por exemplo, certas experiências específicas, como a observação do aumento dos padrões de reprodução da lagarta-do-sobreiro e das subsequentes alterações no tamanho da população, revelaram a ocorrência de drásticas mudanças nãolineares na própria qualidade do sistema.

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2.2.3 Dimensão da saúde ¾ Segundo Leal (1996), a definição de complexidade não pode ser considerada uma novidade para a psicanálise. Refere que o seu objecto de estudo, o inconsciente, é por natureza um objecto complexo. Recorda que Freud considerava o Édipo como o complexo nuclear das neuroses. Então, onde estaria a

complexidade

do

Complexo

de

Édipo?

Estaria

no

carácter

multi/sobredeterminado das representações (inconscientes) que o compõe, estruturantes do sujeito humano. O sujeito para a psicanálise estrutura-se de uma forma não linear, onde as relações de causa e efeito - tão caras à ciência clássica - tem pouco ou nenhum lugar. O carácter dinâmico da estruturação do sujeito do inconsciente

tem,

por

outro

lado,

a

característica

de

engendrar-se

permanentemente sem jamais concluir-se. Para o referido autor, outro aspecto de natureza essencialmente complexa para a psicanálise é o conceito de pulsão. Situando-se em uma região fronteiriça entre o somático e o psíquico, a pulsão não tem um endereço certo ou estático. Ainda, retrata que desde sempre transitamos (“nós, psicanalistas”) por um universo de complexidades.

2.2.4 Dimensão da matemática ¾ Na matemática ou mesmo nas probabilidades, a complexidade é utilizada para formular problemas com elevado grau de dificuldade ou que a solução não é tão imediata. A teoria da complexidade serve-se de fórmulas matemáticas e de potentes computadores para caracterizar o vastíssimo número de eventos iterativos verificados em cada um dos sistemas deste tipo, e de que é exemplo o caso do montículo de areia. Dito de outro modo, certas mudanças ao nível do parâmetro resultaram em transformações ao nível do sistema; em certos contextos, a ordem gera o caos (Baker 1993: 133).

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¾ No processo de planeamento do ano lectivo, vários docentes falam sobre e (da) a complexidade da elaboração dos horários. Aqui a complexidade é entendida como a planeamento de múltiplas variáveis (horário dos cursos, ano de estudo, turma, disponibilidade do docente, disponibilidade e especificidade dos espaços (salas, normais, laboratórios, anfiteatros, …), vinculo, categoria profissional, ….de forma apresentar a solução mais adequada. Houve quem tenha dito que a complexidade e as restrições das variáveis são de tal ordem que leva a acreditar que é um problema de optimização utilizando modelos do tipo multicritério ou multi-objectivo (investigação operacional, uma das áreas/disciplinas da Matemática).

2.2.5 Dimensão da informática ¾ No mundo da informática, o termo “complexidade“ refere-se à quantidade de recurso necessário para a realização de uma tarefa ou algoritmo. Os recursos são basicamente número de passos do algoritmo e volume de memória. Para os sistemas digitais em geral e para os circuitos integrados em particular, esses conceitos são muito eficazes para o discernimento da viabilidade de alternativas ou mesmo para a escolha da mais interessante. Existem estudos que mostram a relação entre a complexidade de algoritmo e a área de silício necessária para sua implementação [BAU81]. O relacionamento existente é perfeitamente compreensível. A quantificação dessa relação é um dado extremamente útil na síntese: é possível estimar a área de um circuito integrado a partir da descrição do algoritmo a ser implementado.

2.2.6 Dimensão da justiça ¾

No contexto jurídico, a complexidade das matérias sobre as quais o Direito se debruça obriga o investigador jurídico a conhecer outras ciências sem as quais não lhe seria possível construir um discurso ou uma ciência jurídica verdadeira, adequada à realidade. Por essa razão, o jurista deverá ser o mais ecléctico dos cientistas, uma vez que trabalha com uma ciência horizontal.

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Assim, o jurista que se dedique ao Direito dos Valores Mobiliários não poderá deixar de ter noções mínimas de economia e não poderá deixar de se socorrer do contributo de economistas para apreender a complexidade contratual e operacional que caracteriza este ramo específico do Direito. Nem se poderá falar em Direito da Informática se não se conhecer conceitos como o de software, ou sem nunca se ter "navegado" na Internet, sem se saber o que é um link, ou qual o alcance da ubiquidade na "Rede" (Duro, 2000).

2.2.7 Dimensão social ¾ Na esfera social, a complexidade torna-se cada vez mais importante pelos avanços tecnológicos que permitem comunicações cada vez mais rápidas entre pessoas, povos e nações. Por outro lado, as redes globais promoveram a complexidade enquanto modo de pensar, e de tal modo que por volta de 1989 — e desse espectáculo à escala global que foi a demolição do Muro de Berlim — a complexidade assumiu tonalidades globais no domínio das Ciências Sociais. Quais, então, os tipos de pensamento que a globalização passou a permitir.

2.2.8 Dimensão económica ¾

Na esfera económica, a complexidade vem também associada à globalização, pobreza, …. De há muito se tem usado a economia como justificativa para obter recursos para programas especiais, aumentos de orçamentos. Dá-se um valor à vida humana, baseado em potencial de ganho que não é realizado por uma morte prematura. Calcula-se a perda económica por razão do insucesso escolar (educação) e do absentismo causado por uma determinada doença (saúde). A dimensão económica deve ter a chamada economia da educação, da saúde, … tem que estar orientada no sentindo do valor intrínseco da vida humana, e não no seu valor de uso como instrumento de trabalho.

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2.3 Melhor forma de abordagem sobre a complexidade Alguns autores têm questionado sobre a melhor abordagem de tratar o assunto, ou seja, deve ser abordado a teoria da complexidade, paradigma da complexidade, ou simplesmente complexidade. Um dos pensadores dessa problemática prefere a utilização da expressão pensamento complexo (Morin, 2001). Esta forma de pensamento não recusa de modo alguma a clareza, a ordem, o determinismo. O referido autor diz que a complexidade necessita de uma estratégia, visto que considera insuficiente, sabe que não se pode programar a descoberta, o conhecimento, nem a acção. No entanto, Morin (2001) diz que para compreender o problema da complexidade, é preciso saber primeiro que há um paradigma de simplicidade, que é utilizado com muita frequência. A definição1 apresentada pelo referido autor mostra de forma clara e inequívoca que neste paradigma prevalece, a ordem, a lógica, a lei e os princípios, expulsando o caos, a desordem e etc. “O principio da simplicidade quer separar o que está ligado (disjunção), quer unificar o que está disperso (redução)” (Morin, 2001:86). O paradigma da simplificação não permite pensar a unidade na diversidade ou a diversidade na unidade. Este paradigma deixar perder a riqueza da diversidade, da dinâmica, da desordem. Uma instituição de ensino superior como objecto de estudo nesta perspectiva é vista parcelarmente. Por exemplo, na avaliação de um curso de graduação, não ligamos às suas implicações sociais e económicas. Apenas, conhecemos uma parte do real, ficando a perder o conhecimento da imensidão das restantes partes que o compõem. “Vai estudar-se o cérebro como órgão biológico e vai estudar-se o espírito, the mind, como função ou realidade psicológica. Esquece-se que um não existe sem o outro; ou melhor, que um é simultaneamente o outro, embora sejam tratados por termos e conceitos diferentes” (Morin, 2001:86).

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Paradigma de simplicidade – é constituído por um certo tipo de lógica extremamente forte entre noções, mestras, noções chave e princípios (Morin, 2001).

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Para entendermos a noção de complexidade, temos, por outro lado, que analisá-la em relação ao que se considera usualmente seus opostos. Podemos formar vários pares: simples-complexo, simplificação-complexificação, redução-conjunção, reducionismoholismo, partes-todo. Na perspectiva de Edgar Morin (2001; 106), existem três princípios para ajudar-nos a pensar a complexidade: 1. Principio dialógico - A complexidade só o é porque nela não existe apenas uma lógica, pelo contrário, nela coexistem duas lógicas. Embora muitas vezes contraditórias, em determinados momentos, estas lógicas parecem colaborar para construir algo de novo. “O princípio dialógico permite-nos manter a dualidade no seio da unidade. Associa dois termos ao mesmo tempo complementares e antagónicos” (MORIN, 2001:107). 2. Principio da recursão organizacional - A relação simples de causa efeito deixa de fazer sentido, uma vez que o que é causa é igualmente efeito, e aquele que é efeito, é igualmente causa. Somos simultaneamente produzidos e produtores (MORIN, 2001:108). 3. Princípio hologramático - Segundo Pascal referido por (MORIN, 2001:109) “não posso conceber o todo sem conceber as partes e não posso conceber as partes sem conceber o todo”. Refere mais à frente que a ideia hologramática está ligada à ideia recursiva, que por sua vez está em parte ligada à ideia de dialógica. Frente às múltiplas reflexões de pensadores, Morin (2001: 151) diz que aceita a complexidade como princípio de pensamento que considera o mundo e não o princípio revelador da essência do mundo. Neste contexto, apresentou ainda no que chamou “Os mandamentos da complexidade”, referindo que há dez princípios. No entanto, este paradigma da complexidade veio acabar de vez com as ilusões de segurança. O pensamento humano é cheio de dúvidas, de incertezas e o erro é o seu principal companheiro, com quem urge aprender a viver. “Estamos condenados ao pensamento inseguro, a um pensamento crivado de buracos, um pensamento que não tem nenhum fundamento absoluto de certeza. Mas somos capazes de pensar nestas condições dramáticas” (MORIN, 2001:101).

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3. Da Disciplinaridade à Transdisciplinaridade 3.1 Contribuição da ciência Segundo CARAÇA (2001:51), a ciência constrói-se a partir de teorias e de verificações experimentais dessas teorias, observando-se no decurso da actividade de investigação científica uma interacção permanente entre teoria e experimentação. Esta abordagem trouxe à luz do dia a importância do apuramento da prova empírica, validando o novo saber científico. “Deste modo, a estratégia central da modernidade – a verificação pela experiência – foi apoiada no seu desenvolvimento pela instituição de uma nova base tecnológica constituída pelos instrumentos científicos cujo uso e implicações vieram reforçar os pressupostos de partida” (CARAÇA, 2001:53). Aparentemente isto não se compadece com a lógica do conhecimento próprio do senso comum. Pelo contrário, parece afastar-se, impiedosamente, dessa lógica, dando-lhe luta e marcando através disso a sua diferença e originalidade. Partindo desta ideia vasta de ciência, como forma de construção de conhecimento, ao olharmos para as diversas dimensões da existência humana, percebemos agora, por fim, a importância das diferentes áreas disciplinares do saber. O seu objecto mais global surge-nos então trabalhado numa dimensão disciplinar. É neste contexto, que vamos abordar os conceitos da disciplinaridade, interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade. Geralmente tratadas numa perspectiva abstracta, idealista e arbitrária, atribui-se a elas até mesmo a função de resolver problemas complexos que incidem sobre o âmbito escolar e educativo. Há algumas décadas atrás, a abordagem sobre a transdisciplinaridade era considerada um sonho ou algo de impossível. Neste momento, é assunto que de interesse de vários debates e conferências nacionais e internacionais, pelo que é actualmente considerada uma realidade. Frequentemente, no mundo académico ouve-se e fala-se da e sobre uma teia de novas abordagens que vai da disciplinaridade até à transdisciplinaridade,

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3.2 Disciplinaridade Etimologicamente,

o

termo

disciplina

tem

origem

no

latim,

significando

comportamento obediente e ordenado, assimilado ao de ensinamento, instrução e conhecimento (Guido Gómez de Silva, 1995, apud, NEST, 2000). O dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa de Caldas Aulete, informa que disciplina é instrução e direcção dada por um mestre a seu discípulo, …. A disciplina constitui um corpo específico de conhecimento ensinável, com seus próprios antecedentes de educação, formação, procedimentos, métodos e áreas de conteúdo (Berger 1972, citado por Chaves, 1998). Esta definição põe de forma clara o enfoque no processo de ensino e aprendizagem. Outras abordagens referem que o termo disciplina pode ser usado no mesmo sentido que o de «ciência», ainda que inclua a noção de «ensinar uma ciência». Por outras palavras, há uma diferença entre a ciência como actividade de investigação e a disciplina como actividade de ensino. Segundo NEST (2000), no senso comum a disciplina inclui três entendimentos fundamentais: o primeiro, traduzindo o sentido comum de um campo específico ou particular de conhecimento (genericamente, dizemos matéria de conhecimento), o segundo, revelado na postura de obediência e submissão do homem a regras de conduta (autodisciplina e método de comportamento) e, por último, envolvendo regras e códigos comportamentais e específicos e próprios de certas colectividades (militares, religiosas, filosóficas,..). Este entendimento é mais amplo na perspectiva de Heckhausen (1972), quando distinguimos uma disciplina das outras: 1) domínio material ou objecto de estudo: 2) o conjunto possível de fenómenos observáveis; 3) o nível de integração teórica; 4) os métodos; 5) os instrumentos de análise; 6) as aplicações práticas; e, 7) as contingências históricas. Assim, entendemos a disciplinaridade como a exploração científica especializada de um domínio

determinado

e

homogéneo,

exploração

que

consiste

em

produzir

conhecimentos novos que substituir os antigos. A actividade disciplinar conduz a uma reformulação contínua de actual corpo de conhecimento sobre o domínio em questão (Heckhausen, 1972).

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3.3 Multidisciplinaridade Em alguns dicionários, o termo multidisciplinar [De mult(i)- + disciplina + -ar1.] é um adjectivo, que significa referente a, ou que abrange muitas disciplinas. É neste sentido que Berger (1972) refere que multidisciplinaridade é a justaposição de disciplinas diversas, às vezes sem relação aparente entre elas. Na mesma linha de pensamento, outros definem como um conjunto de disciplinas justapostas sem nenhuma cooperação entre elas (Jantsch, 1972). No entanto, a multidisciplinaridade ocorre quando2 “a solução de um problema torna necessário obter informação de duas ou mais ciências ou sectores do conhecimento sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam elas mesmas modificadas ou enriquecidas”.

Expressa

a

abordagem

do

conhecimento

mediante

recursos

metodológicos provenientes não necessariamente de várias disciplinas que, embora não sejam convergentes em relação ao objecto de estudo, concorrem com seus métodos e informações de modo genérico (NEST, 2000). Por exemplo, a Avaliação na Educação, Estatística têm objectos diferentes, mas nos seus estudos difusos de análise instituição e de análise de dados podem contribuir com metodologia, informação e conhecimentos. Este processo designamos por metodologia multidisciplinar. Como já foi referido atrás a multidisciplinaridade deriva da abordagem disciplinar, mas por outro lado, orienta-se para a interdisciplinaridade quando as relações de interdependência entre as disciplinas emergem. Passa-se então do simples «intercâmbio de ideias» a uma cooperação e a uma certa compenetração das disciplinas. Outro conceito que é também muito utilizado é o de Pluridisciplinaridade. O prefixo pluri vem do latim, trazendo significado semelhante ao de multi. Ambos estão ligados ao significado do prefixo grego poli, ou seja, referem-se a muitos, vários coisas ou pessoas. Assim, a pluridisciplinaridade diz respeito ao estudo de um objecto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas no mesmo tempo … … Por outras palavras, a abordagem pluridisciplinar ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade contínua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar (NICOLESCU, 1999:14) 2

Piaget, Jean. The epistemology of interdisciplinary relationships, citado por Chaves (1998).

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3.4 Interdisciplinaridade O prefixo inter originado do latim, significa posição intermédia; reciprocidade. Assim, nesta ordem de ideias, o termo interdisciplinaridade significa o que é relativo a ou o que se efectua entre as disciplinas. Para NEST (2000), a interdisciplinaridade revela o caminho entre as disciplinas que é percorrido nas abordagens do conhecimento, em que o observador recebe a contribuição metodológica e informativa das disciplinas individualizadas, sem que estas sejam afectadas ou dirigidas pelos resultados. Outros pensadores afirmam que a interdisciplinaridade é utilizada para designar “o nível em que a interacção entre várias disciplinas ou sectores heterogéneos de uma mesma ciência conduz a interacções reais, a uma certa reciprocidade no intercâmbio, levando a um enriquecimento mútuo” (Chaves, 1998). A título exemplificativo, citamos que nas observações sobre o funcionamento da universidade, usamos informações e recursos da economia, da demografia e da sociologia, que são campos de conhecimento diferentes e compõem-se as teorias e enunciados sem que esses campos, como disciplinas distintas, sejam alteradas ou modificadas em face dos resultados. Portanto, falar da interdisciplinaridade é falar de disciplinas autónomas que comunicam entre si, aproveitando sinergias criadas; é falar em realidades distintas que se assumem enquanto tais e que estabelecem relações nesse pressuposto. Outro aspecto que ressalta na abordagem interdisciplinar, é que diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. Segundo Locarno, é possível distinguir três graus de interdisciplinaridade: a) um grau de aplicação. Por exemplo, os métodos da física nuclear transferidos à medicina conduzem à aparição de novos tratamentos do câncer;

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b) um grau epistemológico. Por exemplo, a transferência dos métodos da lógica formal ao campo do direito gera análises interessantes na epistemologia do direito; e, c)

um grau de geração de novas disciplinas. Por exemplo, a transferência

dos métodos da matemática ao campo da física gerou a física-matemática; da física de partículas à astrofísica, a cosmologia-quântica; da matemática aos fenómenos meteorológicos ou aos da bolsa, a teoria do caos. a transferência dos métodos estatísticos e matemática para o campo da economia deu origem à econometria. Tal como a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade também permanece inscrita na pesquisa disciplinar. Contudo, alguns autores têm apresentado várias abordagens da interdisciplinaridade, das quais salientamos: - Interdisciplinaridade auxiliar - Interdisciplinaridade complementar - Interdisciplinaridade compósita - Interdisciplinaridade de engrenagem - Interdisciplinaridade estrutural - Interdisciplinaridade heterogénea - Interdisciplinaridade linear - Interdisciplinaridade restritiva - Interdisciplinaridade unificadora De acordo com o exposto, qualquer investigador precisa familiarizar-se com as outras ciências, usando-as como ciências auxiliares para a sua análise, de forma a facilitar o processo de tomada de decisão. Isto significa que de uma abordagem disciplinar, em que trata de certa categoria de fenómenos, obriga acostumar-se com saberes, pensamentos, curiosidades e disciplinas diferentes.

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3.5 Transdisciplinaridade Bassarab NICOLESCU (1999), afirma que foi Jean Piaget o primeiro a usar a palavra transdisciplinar como expressão de uma nova abordagem do conhecimento, em 1967: A transdisciplinaridade, como o prefixo "trans" indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objectivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. ... (NEST, 2000). Para Chaves (1998), o conceito de transdisciplinaridade envolve “não só as interacções ou reciprocidade entre projectos especializados de pesquisa, mas a colocação dessas relações dentro de um sistema total, sem quaisquer limites rígidos entre as disciplinas”. Esta definição mostra-nos que a transdisciplinaridade não é uma nova disciplina ou uma nova hiperdisciplina. No entanto, alimenta-se da pesquisa disciplinar, que, por sua vez, é clareada de uma maneira nova e fecunda pelo conhecimento transdisciplinar. Nesse sentido, as pesquisas disciplinares e transdisciplinares não são antagónicas, mas complementares. Na verdade, a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são as quatro flechas de um único arco: o do conhecimento (Nicolescu, 1999). É a partir da correcta compreensão destes quatro âmbitos do conhecimento que eles serão correctamente articulados nos quatro pilares da educação superior, a saber: ¾ Aprender a conhecer: ser capaz de estabelecer pontes entre os diferentes saberes, entre tais saberes e sua significação para a vida quotidiana e ainda entre tais saberes e significações e as capacidades interiores de cada um. Este procedimento

transdisciplinar

constitui

complemento

indispensável

ao

procedimento disciplinar pois conduzirá à formação de um ser constantemente atento, capaz de adaptar-se às mutáveis exigências da vida profissional e dotado de uma flexibilidade permanente, orientada para a actualização de suas potencialidades interiores.

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¾ Aprender a fazer: dentro do espírito da transdisplinaridade significa escolher uma profissão, adquirir os conhecimentos e técnicas a ela associados e exercer essa profissão com criatividade. Fazer significa também fazer coisas novas, criar, pôr em dia as potencialidades criativas. ¾ Aprender a conviver: acatar as normas que regem as relações entre os membros de uma colectividade, que devem ser verdadeiramente compreendidas e intimamente aceitas pelas pessoas e não apenas obedecidas como uma lei imposta exteriormente. ¾ Aprender a ser: cada um deve descobrir os seus condicionamentos, a harmonia ou a desarmonia entre a vida interior e social, sondar os fundamentos das suas convicções, para descobrir o que existe de subjacente. Por outro lado, a transdisciplinaridade interessa-se pela dinâmica gerada pela acção de vários níveis de Realidade ao mesmo tempo... (NEST, 2000). Neste sentido, a transdisciplinaridade exige uma mudança do sistema de referência e articula-se em três pontos, a saber: a)Vários níveis de realidade3; b) a lógica do terceiro termo incluso implica em não mais esperar encontrar a solução de um problema nos termos de “verdadeiro” ou “falso” da lógica binária. c) a complexidade do problema reconhece a impossibilidade da decomposição desse problema em partes simples, fundamentais.

Na Declaração mundial sobre a educação superior para o século XXI: visão e acção, tem-se que "deveriam fomentar-se e reforçar-se a inovação, a interdisciplinaridade e a transdiciplinaridade nos programas, fundando as orientações a longo prazo nos objectivos e necessidades sociais e culturais" (Art. 5.a). O planeamento interdisciplinar e transdisciplinar da educação superior estão aqui relacionados às funções de serviço à sociedade, e mais concretamente suas actividades encaminhadas a erradicar a pobreza, a intolerância, a fome, a deterioração do meio ambiente e as doenças" (cf. Art. 16.b).

3

Por “nível de realidade” entende-se designar um conjunto de sistemas que são invariáveis sob certas leis. Dois níveis de realidade são diferentes se, quando passando de um a outro, há uma quebra nas leis e uma quebra nos conceitos fundamentais (como, por exemplo, a causalidade).

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Neste contexto, a transdisciplinaridade aparece, na pós-modernidade, como uma nova forma de enquadrar a ciência. Sem prejuízo de manter a investigação científica disciplinar, enriquecendo-a pelo recurso à interdisciplinaridade, parte-se para o tratamento de novos temas que se apresentam como caracteristicamente transversais, ocupando, em diversos aspectos da sua análise, espaços reservados a diversas disciplinas e não se enquadrando nem prescindindo inteiramente de nenhuma delas. Não se trata de criar novas disciplinas ou hiperdisciplinas, porque não se trata de preencher espaços vazios. Trata-se, sim, de individualizar temas que só existem enquanto tais, conglobando conhecimentos de várias disciplinas e que só podem ser analisados de forma integrada.

4. Considerações finais As reflexões atrás apresentadas levam-nos a dizer que o progresso da ciência ao longo dos tempos contou com a contribuição da abordagem disciplinar. Por esta razão, muitos autores afirmam que o mundo da ciência, o mundo académico é o mundo das disciplinas. A crescente complexidade das áreas sobre as quais o conhecimento tem de intervir (p.e., a já citada economia, a biotecnologia, direito, educação e o ambiente), obriga o investigador a familiarizar-se com as outras ciências, outras abordagens e metodologias sobretudo numa perspectiva auxiliar. Esta familiaridade de disciplinas abre caminho para a interdisciplinaridade, apresentando-se algumas áreas de conhecimento, mais do que como contribuinte, como beneficiário. Portanto, a complexidade dos problemas levou à aproximação e associação gradual das disciplinas em diferentes graus, do mais simples, o da multidisciplinaridade ao mais completo, o da transdisciplinaridade. Neste contexto, a transdisciplinaridade implica uma revolução metodológica, mas também uma revolução conceptual (Duro, 2000). Podemos, assim, dizer que a transdisciplinaridade é o fenómeno característico da pós-modernidade, enquanto superação da disciplinaridade estanque, mas não enquanto aniquilação da disciplinaridade assumida como método simplificador do conhecimento, adaptador da realidade à natureza da consciência humana.

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Seminário sobre Sistemas de Informação, Intervenção Sócio-Educativa e Transdisciplinaridade

Referências Bibliográficas Baker, P. (1993) 'Chaos, order, and sociological theory', Sociological Inquiry, 63:123 – 49. http://www.aps.pt/ivcong-actas/Acta007.PDF. [BAU81] BAUDET, G. M. On the Area Required by VLSI Circuits, In: CMU Conference on VLSI SYSTEMS AND COMPUTATIONS, Ed. H. T. KUNG Carnegie-Mellon University 1981 consultado no site http://planeta.terra.com.br/informatica/gbardais/cmp117/susin.doc.

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