Origens Ocidentais Da Irmandade Branca

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Origens Ocidentais da Irmandade Branca Julio Cesar Assis Mestre em História das Idéias Universidade de São Paulo [email protected]

O conceito corrente em certos meios de uma antiga hierarquia de seres espiritualizados que manteriam escolas nas quais pessoas escolhidas seriam instruídas sobre assuntos metafísicos e encarregadas de aperfeiçoar o restante da humanidade surgiu, no Cristianismo ocidental, como uma concepção não canônica mas digna, até ser desvirtuada por acatólicos a partir do século XIX. Hierarquia São Paulo (c. 5-67) descreve claramente uma hierarquia de funções: “Vós sois o Corpo de Cristo e membros dele, cada um em seu lugar. Aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; a seguir vêm os dons dos milagres; das curas; de assistência aos outros; da administração e o dom das línguas”1. Hierarquia significa propriamente “autoridade sagrada”, conceito apresentado magistralmente por Dionísio Areopagita (sec. V) em obras como A Hierarquia Celestial2. Escola Um dos Pais da Igreja, Orígenes (c. 185-c. 254) detalhou como após a morte os santos continuam seus estudos no Paraíso Terrestre, um lugar de erudição (locus eruditionis) e escola das almas (scola animarum). Com base na passagem evangélica “Na casa de meu Pai há muitas moradas”3, Orígenes ensinou que estudos de graus cada vez mais elevados seriam realizados em diferentes mansiones. Eventualmente os santos conheceriam Deus através do

intelecto e em pureza de coração (videre Deum, id est intelligere per puritaten cordis)4. Antiguidade Na audiência de 30 de maio de 2007, Bento XVI lembrou que em sua célebre afirmação segundo a qual a alma humana é “naturalmente cristã”, Tertuliano5 (c. 160-c. 220) evoca a perene continuidade entre os autênticos valores humanos e os valores cristãos. Santo Agostinho (354-430) explica que a religião verdadeira já existia antes de Jesus: “O que hoje é conhecido como a religião cristã existiu entre os antigos, e nunca deixou de existir, do início da espécie humana até o tempo em que Cristo veio à carne, em cujo tempo a verdadeira religião, que já existia, começou a ser chamada de Cristianismo”6. A Igreja interior O místico católico alemão Karl von Eckartshausen (1752-1803) descreveu com riqueza de minúcias: “É necessário, meus queridos irmãos no Senhor, vos dar uma idéia clara da Igreja interior; desta iluminada Comunidade de Deus, que está espalhada por todo o mundo, mas é governada por uma só verdade e unida em um só espírito. Tal comunidade esclarecida existiu desde o primeiro dia da criação do mundo e sua duração será até o último dia do tempo. Esta comunidade possui uma escola, na qual todos que têm sede de conhecimento são instruídos pelo próprio Espírito de Sabedoria, e todos os mistérios de Deus e da natureza são preservados para os filhos da luz. Conhecimento perfeito de Deus, da natureza e da humanidade são os objetos de instrução nesta escola. É a partir dela que todas as verdades penetram o mundo, é a Escola dos Profetas, e de todos que procuram por sabedoria, e é apenas nesta comunidade que a verdade e a explicação de todo mistério pode

ser encontrada. É a mais oculta das comunidades, mas possui membros de muitos círculos; assim é esta escola. Desde todos os tempos tem havido uma escola exterior baseada na interior, da qual aquela é apenas a expressão externa. Desde todos os tempos, portanto, tem existido uma assembléia oculta, uma sociedade dos Eleitos, daqueles que buscaram e têm capacidade para a luz, e esta sociedade interior foi chamada de Santuário ou Igreja interior. Tudo o que a Igreja exterior possui em símbolos, cerimônias ou ritos, é a letra que expressa externamente o espírito da igreja que reside no Santuário interior. Este Santuário é composto de membros espalhados, mas ligados por laços de perfeita unidade e amor, que estiveram ocupados desde épocas antigas em construir o grande Templo através da regeneração da humanidade, pela qual o reino de Deus será manifestado. Esta sociedade está na comunhão daqueles que têm maior capacidade para a luz, ou seja, os Eleitos. Os Eleitos estão unidos em verdade e seu Líder é a própria Luz do Mundo, Jesus Cristo, o Ungido em luz, o único mediador para a espécie humana, o Caminho, a Verdade e a Vida, a luz e a sabedoria primordiais e o único meio pelo qual o ser humano pode retornar a Deus. A Igreja interior foi formada imediatamente após a queda do ser humano e recebeu de Deus em primeira mão a revelação dos meios pelos quais a humanidade caída poderia ascender a seus direitos e ser libertada de sua miséria. Ela recebeu o fardo primordial de toda revelação e mistério, recebeu a chave da verdadeira ciência, tanto divina como natural. Mas quando os seres humanos se multiplicaram, a fragilidade e fraqueza humanas necessitaram de uma sociedade exterior, que velou a interior e ocultou o espírito e a verdade contidos na letra. Muitas pessoas eram incapazes de compreender a grande verdade interior e o perigo seria muito grande de confiar o todo Santo a pessoas incapazes. Portanto, a verdade interior foi coberta por cerimônias externas e perceptíveis, para que os seres humanos, pela percepção do externo, que é o símbolo do interior, pudessem gradualmente ser capacitados com segurança para aproximarem-se das verdades interiores. Mas a verdade interna sempre foi confiada para aquele

que tivesse a capacidade para a iluminação e ele tornava-se o guardião da fé original, como sumo sacerdote do Santuário. Quando se tornou necessário que as verdades internas fossem cobertas em cerimônias e símbolos exteriores, devido à fraqueza de seres humanos que não eram capazes de suportar a Luz da Luz, então o culto exterior começou. Mas este sempre foi a imagem e símbolo do culto interior, o símbolo da verdadeira homenagem oferecida a Deus em espírito e em verdade”7. A Montanha dos Profetas A monja agostiniana alemã Ana Catarina Emmerich (1774-1824), beatificada pelo Vaticano em 2004, relatou que na juventude recebeu a visita de um homem santo envolto em uma luz ofuscante, que apresentou a ela um grande livro de pergaminho ilustrado, com a capa amarela e escrito em Latim com letras vermelhas e douradas. Anos depois foi arrebatada em espírito ao Oriente, nas vizinhanças do Paraíso, onde contemplou na Montanha dos Profetas o mesmo livro, dentre outras escrituras sagradas de todos os tempos e lugares. “Estes escritos são transmitidos miraculosamente para aqueles que, pela infusão da luz profética, tornaram-se capazes de lê-los”8. A História se Repete como Farsa Com Helena Blavatsky (1831-1891) e demais teosofistas9 surge claramente a idéia de uma Irmandade Branca com departamentos e outras características de uma organização burocrática humana. A Great White Sisterhood - como a apelidou K. P. Johnson10 devido à liderança de senhoras européias e norteamericanas como Helena Blavatsky, Alexandra David-Neel, Anne Besant, Alice Bailey e outras - parecia mais uma rede de espionagem do que a fonte de autoridade espirtual11. No livro Le Roi du Monde (1927) o sufi franco-egípcio René Guénon descreve o conceito original de hierarquia sendo assim degradado a uma caricatura ou paródia imaginária do verdadeiro centro espiritual12.

1

Coríntios 12: 27-31. Grifos nossos. Pseudo-Dionysius: the complete works. New York: Paulist Press, 1987. 3 João 14:2. 4 Loosky, Vladimir. The vision of God, 1983, p. 66. 5 Apologética, 17,6. 6 Retractationis, I. 7 The Cloud upon the Sanctuary, carta II. 8 Schmoger, Carl E.The Life and Revelations of Anne Catherine Emmerich, vol 1, Tan Books, 1976. 9 A verdadeira Teosofia cristã foi cultivada por Cornélio Agripa (1486-1535), Paracelso (1493-1541), Robert Fludd (1574-1637), Jacob Boehme (1575-1624), Emanuel Swedenborg (1688-1772) e Karl von Eckartshausen (1752-1803). 10 www.backintyme.com/kpjohnson/. 11 www.katinkahesselink.net/his/katkov.htm; www.katinkahesselink.net/his/kp_john2.htm. 12 Este locus classicus do tema foi por sua vez contestado convincentemente como demasiado fantasista. Cf. o filósofo católico Jean Borella, “The problematic of the Unity of Religions”, www.sacredweb.com/online_articles/sw17_borella.pdf, o explorador budista Marco Pallis, “Le ‘Roy du Monde’ et le problème des sources de Ossendowski”, Studies in Comparative Religion, vol. 15, n° 1-2, 1983, p. 30-41 e a católica canadense Marie-France James, Ésoterisme e Christianisme autour de René Guénon, Paris, 1981, p. 277-283. 2

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