O lado B da cozinha portenha Para não dizer que não falei de comida, apresento um dos guias mais inusitados da cozinha portenha. Foi o que a jornalista americana Layne Mosler criou em quase dois anos de textos no blog Go Where the Taxista Takes You, que parte de um método simples para explorar o lado B dos restaurantes da cidade: as dicas dos taxistas locais. Com sua ideia, que rendeu reportagens por todo o mundo, Layne segue agora para investigar os conhecimentos gastronômicos dos taxistas de Nova York.
Taxi Churrascaria, no bairro de Constituición: a última parada de Layne
No último verão, acompanhei Layne em uma de suas aventuras, que acabou em uma churrascaria da Grande Buenos Aires. O relato segue abaixo. PS: Não está no blog, mas foi por Layne que conheci, na cidade que “vive de costas para o rio” _referência ao poluído rio da Prata_, um dos melhores lugares para se comer peixe em Buenos Aires, o Nemo. Acredite: na cidade da pizza e da carne, não é tarefa fácil. Giro em Buenos Aires Blogueira norte-americana recorre a taxistas da capital argentina para descobrir restaurantes pouco conhecidos
Nada de parrillas em Puerto Madero ou restaurantes cool de Palermo garimpados em guias gastronômicos e de viagem. Para conhecer o lado B da cozinha de Buenos Aires, a jornalista norte-americana Layne Mosler, 34, elegeu um método muito simples: ela estica o braço e chama um táxi. "Tenho um pedido estranho: pode me levar ao seu lugar preferido para comer?" É a senha de Mosler para a descoberta de tesouros secretos da culinária portenha, que descreve desde 2007 no blog www.taxigourmet.com, um guia pouco convencional escrito em inglês.
A Folha embarcou com Layne Mosler em uma de suas aventuras. Calejada por experiências com choferes que não entenderam bem o espírito da coisa, ela antes alerta: "Preparem-se para o rechaço". O taxista Daniel, 38, não se opõe à ideia, mas sugere mais do mesmo. "Palermo tem de tudo." Enquanto rebate a proposta ("Procuramos um lugar de bairro"), Mosler perscruta a vida do motorista: descobre que já foi cozinheiro, trabalha 13 horas por dia e acha que Buenos Aires anda perigosa. A viagem de 15 minutos termina em Boedo, o bairro do tango. Mas o Mi Lugar -uma parrilla de motivos tangueiros na rua Castro Barros- está fechado. Hora de trocar de guia. "Os taxistas costumam ser menos tímidos", comenta Mosler sobre o lacônico Daniel. Longe do turismo Ao sabor de alguns dos 38 mil taxistas da cidade, a jornalista explora a cozinha de bairros distantes do circuito turístico, como a da comunidade genovesa de Villa Devoto e a dos coreanos de Flores. E arrisca até uma geografia das especialidades portenhas: San Telmo guarda as parrillas, a melhor pizza está no centro, Abasto ganha pelos peruanos, choripán (a versão argentina do pão com linguiça) é na avenida Costanera Sul.
Layne Mosler e o taxista José Luis, em viagem que acabou no Tía Margarita, no bairro de Caballito
Com a rodagem adquirida, Mosler se credencia a opinar em uma polêmica: a fama da carne argentina é exagerada? Diz que não, porém lamenta que a tradição de gado solto em campos abertos -um dos segredos do bife local- esteja perdendo espaço para a criação em regime de engorda confinada, em pequenos espaços. Fora da cidade A fome aperta e a busca continua com o taxista Mario, 52. Morador de Avellaneda, no sul da Grande Buenos Aires, diz nunca comer fora da vizinhança. Sugere um
lugar por lá em que "a comida é sempre boa". "Não tenho dinheiro para ir sempre, mas levo a família quando posso", diz Mario. Enquanto conta ter conhecido a mulher no táxi, o torcedor do Independiente ruma para a La Provinciana, na avenida Belgrano, uma mistura de rodízio e casa de festas na principal via comercial de Avellaneda. Nada animador, mas são as regras do jogo criado por Mosler. Em meio a um globo espelhado, bufês de saladas, massas e peixes, o churrasqueiro sugere a colita de cuadril (alcatra) com chimichurri caseiro -molho típico a base de ervas. Mas quem quase faz valer a viagem, na opinião da autora do blog, é a molleja (timo). Chorizo e vacio Radicada em Buenos Aires há três anos, Mosler ainda não tolera alguns miúdos exóticos do churrasco argentino, como o chinchulin -intestino bovino. Elege por ora o bife de chorizo do Don Zoilo (av. Honorio Pueyrredón, 1.406, Villa Crespo) e o sanduíche de vacio (fraldinha) do El Litoral (r. Moreno, 2.201, em Balvanera) como os melhores. Fez também, a pedido da Folha, um "top five" de suas peripécias de táxi por Buenos Aires. Acertos entre as mais de 50 viagens que, por refletirem o gosto local, muitas vezes terminaram -e mal- na tríade carne-massa-pizza de sempre. Daí a pergunta: os taxistas têm ou não as chaves dos segredos da cozinha portenha? Para Mosler, suspeita por ter encontrado no projeto a ligação entre as paixões pela gastronomia e pela antropologia, sim. "Fui a lugares que nunca encontraria e a outros bem medíocres. Os taxistas oferecem um meio, não sei se o mais eficiente, mas com certeza é o mais interessante." As cinco melhores dicas gastronômicas de taxistas portenhos em 2008, segundo Layne Mosler: 1. Albamonte - Av. Corrientes, 6.735 (entre Maure and Olleros) - Chacarita 2. Don Zoilo - Av. Honorio Pueyrredon, 1.406 (esquina Luis Viale) - Villa Crespo 3. Don Lechón - Av. Elcano, 3.607 (at Alvarez Thomas) - Colegiales 4. La Mezzetta - Av. Alvarez Thomas, 1.311 - Chacarita/Colegiales 5. Mi Sueño - Costanera Sul - um dos trailers da região da reserva ecológica Costanera Sul - um carrinho vermelho e amarelo, a um quilômetro da entrada da reserva