Negro

  • June 2020
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Índice

Do colonialismo escravocrata ao capitalismo semicolonial................................................................5 Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil ...................9 A opressão do negro no Brasil ...................................29 Teses sobre a Opressão do Negro (III Internacional) ...39

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

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Do colonialismo escravocrata ao capitalismo semicolonial

É necessário conhecer a realidade que lutamos por transformar. Muito se escreveu sobre o escravismo e a formação do capitalismo no Brasil. Documentos e dados são abundantes. As mais diferentes teses e explicações sobre a origem do capitalismo e das classes em nossas fronteiras já foram expostas e motivo de controvérsias, como formação feudal, pré-capitalista e combinação de modos de produção. O que pretendemos não é acrescentar mais algum conhecimento ou requentar polêmicas, mas conhecer e elaborar o programa da revolução social. Extrair as principais lições das lutas das massas oprimidas e conclusões históricas. Vivemos a época da revolução proletária ou da contra-revolução. Sob a égide do mercado mundial, da constituição internacional do capitalismo e do imperialismo, o Brasil concluiu sua formação capitalista semicolonial e não há outro

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futuro para a economia, para as massas exploradas, famintas, senão a destruição da sociedade de classe e edificação do socialismo como parte da revolução mundial (comunismo). O proletariado brasileiro tem em suas fileiras negros e brancos. O mesmo se passa com os camponeses pobres e famintos. Em sua origem, tanto do proletariado quanto do campesinato, estão negros libertos da escravidão, brancos, índios; tanto nativos quanto imigrantes de várias nacionalidades, que já em seus países sofriam a opressão dos capitalistas. A gigantesca presença do negro trabalhador mostra que seus antecedentes escravos são as raízes do proletariado e do campesinato, não importando decisivamente em que estágio se incorporou mais decididamente. Também o índio, apesar de sua destruição genocida pelos exploradores, participa do portentoso caudal que corresponde à maioria oprimida. O sangue que corre nas veias dos operários e camponeses tem presente a descendência dos negros africanos escravizados, dos índios aprisionado em cativeiros, do português pobre e dos imigrantes proletarizados que aqui foram trazidos a partir da segunda metade do século XIX. A discriminação racial contra os negros corresponde à sua situação de proletário e de camponês, portanto de oprimidos pelos capitalistas. Sempre foram a camada mais sofrida e pisoteada, projetando no presente capitalista seu passado de escravidão, de brutal destruição física e mental. A revolução proletária, cuja única cor distintiva é o vermelho, cor do sangue dos oprimidos, emancipará a todos e erradicará a odiosa discriminação racial, bem como as demais. As revoltas escravas, que foram abundantes e heróicas, formam parte da história da luta de classe no Brasil, sem falar em outras latitudes, como nos Estados Unidos,

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

Haiti etc, bem como na África. O Brasil formou parte do sistema colonial, iniciado pela burguesia comercial européia no século XVI. A expansão do comércio por todos os rincões impôs a incorporação de continentes e povos nativos no processo de acumulação originária do capital, base para a futura revolução industrial. Em toda parte em que chegavam os comerciantes, ocorria a subjugação das populações nativas, implicando exploração e massacre. A penetração capitalista desintegrava as formações sociais existentes e provocava resistência dos povos conquistados, vencida à base da violência colonialista. No Brasil também foi assim com os indígenas. Mas os conquistadores enfrentavam particularidades em cada região, o que lhes obrigavam variar as formas de incursão e exploração. A formação econômica implantada pelos portugueses correspondeu a tais particularidades, que também refletiam o desenvolvimento do capitalismo nas metrópoles. A produção do açúcar, iniciada a partir de 1530, constitui-se sob a base do trabalho escravo, fundamentalmente do negro africano. Tal formação pré-capitalista percorreu vários séculos, reunindo em torno de si a economia de subsistência camponesa, rudimentar produção artesanal e manifestações semifeudais, servis. Essa base produtiva e relações sociais marcadas pela força de trabalho escravista e exploração pelos senhores de escravos serviram ao capital externo no seu processo de acumulação original e em menor medida à formação do capital interno, que muito lentamente foi se acumulando e amadurecendo as condições sociais para ser substituído pela estrutura capitalista. Os ciclos econômicos baseados no escravismo refletiram a divisão social do trabalho internacional, em que cabia às colônias serem fornecedoras de matérias-primas e agrárias às metrópoles que encabeçavam as forças produ-

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tivas capitalistas em expansão. A forma de monocultura agro-exportadora, assentada no latifúndio, movida pelo trabalho escravo, condicionou o atraso do desenvolvimento das forças produtivas internas e permitiu altos lucros para a burguesia colonizadora. O tráfico de escravos foi parte essencial dessa estrutura de acumulação primitiva. Essa atividade comercial só teve fim quando a produção industrial ganhou supremacia, condicionando a expansão comercial. Enquanto houve, na época da manufatura, a supremacia comercial condicionando à industrial, como demonstrou Marx, o sistema colonial teve um papel fundamental e como parte dele o tráfico de escravos. A burguesia inglesa impôs, no século XVIII, aos espanhóis, portugueses, franceses, holandeses sua hegemonia no tráfico negreiro e foi ela quem exigiu sua supressão assim que o sistema de produção baseado no assalariado ganhou impulso. Essa mudança se refletiu no Brasil, o maior consumidor de escravos, que eliminou definitivamente a forma de produção escravocrata num quadro de total decadência desse sistema. O estreitamento do mercado mundial e as limitações internas trouxeram brutais crises, que levaram ao esgotamento da indústria açucareira, à superprodução do algodão, à rápida dilapidação do ouro e diamante e, já no início do século XX, manifestações dos impasses do café. O capitalismo metropolitano alcançava alto desenvolvimento industrial, fundamentalmente na Inglaterra, França, e despontava o vigor econômico dos Estados Unidos, que indicavam o caminho de futura potência. O Brasil morosamente criou as bases para a substituição do trabalho escravo para o trabalho livre (assalariado), condição essencial do sistema capitalista. A propriedade privada dos meios de produção foi implantada no sistema colonial-escravocrata, agro-exportador. Uma vez que a in-

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

dústria ganhou supremacia a partir da segunda metade do século XVIII, com a Inglaterra à frente, o processo de acumulação primitiva do sistema colonial se esgotou. O modo de produção capitalista se impôs universalmente. Os primeiros indícios no Brasil de que o escravismo teria de ceder lugar se manifestariam na primeira metade do século XIX e só concluiriam no seu final. Portanto, quando a indústria já ganhara a predominância na Europa e os Estados Unidos davam impulso nesse sentido. Entre nós começam aparecer as primeiras indústrias e, assim, constituir o proletariado industrial. O Brasil inicia a substituição das velhas relações de produção com um brutal atraso frente à expansão do capitalismo mundial. A colônia escravista e escravizada pela burguesia colonialista cederá lugar à semicolônia capitalista submetida à burguesia imperialista. Em nossos dias, a semicolônia reflete as contradições históricas do capitalismo mundial, encontra-se amplamente submetida ao saque. As massas operárias e camponesas sofrem o esmagamento de suas condições mais elementares de existência. A pobreza, miséria, fome e todo tipo de chaga social atingem a maioria, enquanto que a burguesia enriquecida continua a velha política oligárquica. Mas o fundamental é que se formou um poderoso proletariado, que tem um importante contigente concentrado nas grandes fábricas, base para as transformações socialistas. O trabalho coletivo está em choque com a propriedade privada dos meios de produção. O campesinato, que constitui uma herança do sistema colonial, por sua vez, representa um caudal de trabalhadores extremamente oprimido pela oligarquia latifundiária e financeira. A classe operária e camponesa compõem a massa revolucionária de pobres e miseráveis. Ao seu lado, há um ampla classe média urbana que se arruina dia-a-dia. O proletariado está conformado como uma poderosa força so-

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cial imersa na base do sistema capitalista de produção. Comparece como a força motriz da revolução social, da rebelião do trabalho social (coletivo) contra a grande propriedade capitalista. Unido aos camponeses - tarefa essa a ser realizada e que revela a necessidade do partido proletário revolucionário - a classe operária reunirá as condições para destruir o poder da burguesia. A tomada do poder, que só pode ocorrer pela revolução, é a condição para a maioria explorada iniciar a erradicação de toda forma de opressão de classe, incluindo a racial. As raças não são senão a riqueza diferencial que a natureza possibilitou como necessidade da própria espécie animal que somos. A opressão racial é obra da sociedade de classe, que desaparecerá com o extinção das classes. O trabalho entre os oprimidos para que materializem a estratégia da revolução e ditadura proletárias, através do partido, é a condição para se realizar essa grandiosa e necessária tarefa. Atílio de Castro junho/2001

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

Magda Soares 1. A ocupação portuguesa no Brasil se deu com o objetivo de expandir o modo de produção capitalista, nascente na Europa. Por mais de trezentos anos (1500-1822), a colônia brasileira esteve sob o domínio colonialista da metrópole portuguesa, que impôs a forma capitalista mercantil agro-exportadora baseada na mão de obra escrava. A independência da colônia não significou a emancipação da opressão nacional. Ao contrário, saiu da condição colonial para semicolonial - do domínio português para o inglês e, mais tarde, se tornou alvo da disputa das potências imperialistas, particularmente dos Estados Unidos. A classe latifundiária e a burguesia mercantil, associadas à Coroa Portuguesa, mantiveram a escravidão negra como instrumento para impulsionar a acumulação primitiva do capital, porém, fora das fronteiras coloniais. Para isso, a adoção da “independência” serviu para manter a forma po9

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lítica atrasada (monarquia) e os interesses das classes dominantes. Monarquia e escravidão negra se soldaram até quase o final do século XIX (1889). Essa particularidade da “independência” do Brasil expôs a brutal debilidade da burguesia em formação e o pouco desenvolvimento capitalista. Não pôde, assim, romper com o domínio político e econômico da metrópole e constituir o Estado burguês, sob sua forma típica, que é a república, e a eliminação do escravismo colonial através do trabalho assalariado. A burguesia nacional, que se consolidou mais tarde, nasceu e se assentou na condição de subserviência à burguesia estrangeira. O fim do trabalho escravo foi lento e sob a intensa pressão dos interesses industriais da Inglaterra. 2. O saque colonialista sobre o Brasil é parte da luta comercial entre as nações européias. As proibições de “livre-comércio com a colônia, de privilégios à determinadas companhias burguesas de exploração comercial, as restrições às manufaturas no Brasil, as concessões de terras para a agro-exportação, os direitos aos traficantes de escravos, os acordos com a Igreja católica na chamada cristianização dos indígenas e os monopólios tributários à Coroa foram elementos da exploração e atraso da colônia. Nessa disputa, levou vantagem a Inglaterra sobre Portugal. Pôde acumular capital suficiente capaz de impulsionar a industrialização e exigir o rompimento com as formas arcaicas do colonialismo dos séculos XVI e XVII. Se, de um lado, a crescente expansão do comércio mundial (descobrimentos, conquistas, saques, trocas de mercadorias na África, Ásia e Américas) se incumbiu de soterrar as formas feudais de produção na Europa, de outro, foi essencial para a sedimentação do modo de produção capitalista na sua forma industrial. A produção colonial agrícola para o mercado mundial e o saque das riquezas minerais (ouro e prata) potenciaram as metrópoles européias nessa disputa pela he-

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gemonia política e econômica. É nesse quadro de luta pela expansão comercial e de rompimento com o modo feudal de produção que o capitalismo foi introduzido no Brasil. 3. Em todo o período colonial a produção mercantil baseada no trabalho escravo foi destruindo as formas comunais de produção primitiva (das comunidades indígenas) e se apropriando efetivamente das terras. No Brasil, as numerosas tribos indígenas, que se encontravam no estágio do comunismo primitivo (propriedade coletiva), foram submetidas ao trabalho forçado e a um tipo de servidão pela Igreja católica. A resistência indígena ao massacre e à perda da terra esteve presente nos combates com os brancos colonizadores, munidos de armas de fogo para exterminar os revoltosos. Os cinco milhões de indígenas, na época da chegada dos europeus, foram reduzidos para pouco mais de duzentos mil, no final do século XIX. Coube aos padres jesuítas a tarefa de introduzir a chamada civilização aos nativos. As missões, aldeamentos indígenas, sob o poder da Igreja se espalharam pela colônia. Tornar o índio passivo (dócil) para permitir a ocupação da terra e a constituição da economia mercantil obrigou a Igreja a defender a prioridade na utilização da mão de obra escrava negra em detrimento da indígena. Fato que acabou gerando conflitos com os interesses de proprietários, a exemplo da revolta de Beckman, no Maranhão. O que não quer dizer que os indígenas não tenham servido como mão de obra forçada nas lavouras e na criação do gado. Porém, o importante é que os colonizadores farão do trabalho escravo negro uma fonte de lucratividade. É nesse sentido que o trafico de africanos, que já se desenvolvia desde o século XV, foi imposto (de fora para dentro) como fonte necessária para a produção mercantil e de acumulação do capital nas mãos da burguesia mercantil européia.

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4. A colônia brasileira só poderia ser fonte de riqueza e acumulação primitiva para os europeus se fosse organizada sob a base da produção mercantil. A demora na descoberta das jazidas de ouro e diamante obrigou a Coroa portuguesa a utilizar a agricultura latifundiária inteiramente voltada para o mercado externo. A monocultura da cana-de-açúcar, tabaco, algodão constituíram, na fase colonial, nos produtos tropicais essenciais para esse comércio. A pequena economia natural (de sobrevivência) esteve acoplada à mercantil de exportação. A imposição de leis restritivas às manufaturas na colônia e a obrigatoriedade da importação (política mercantilista portuguesa) foram determinantes no processo histórico de implantação do capitalismo no Brasil. Diferentemente da Europa, onde o modo de produção feudal se chocava com o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, determinando a destruição das formas econômicas envelhecidas, no Brasil, o modo de produção existente (comunismo primitivo) não havia amadurecido suficientemente para dar lugar às novas formas capitalistas. Estas foram impostas a ferro e fogo, de fora (da Europa) para a colônia. O que quer dizer que não expressavam o desenvolvimento natural das forças produtivas locais. Ou seja, desenvolvimento da técnica, cultura, produção excedente, aumento população e o choque com a forma comunal de subsistência das tribos indígenas. Sem que estivessem amadurecidas as condições, o Brasil foi integrado à economia mundial na situação de colônia. O trabalho de milhões de escravos negros nos latifúndios agro-exportadores serviu, prioritariamente, para o fortalecimento e desenvolvimento do modo de produção capitalista europeu. 5. Os ataques dos bandeirantes (colonizadores) às aldeias indígenas com objetivo de transformá-los em escravos foram constantes. A opressão chegou a causar atritos com

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os padres jesuítas, obrigando a Igreja (Papa) a fazer uma condenação moral da “violência” empregada pelos bandeirantes. O choque entre jesuítas e Coroa Portuguesa (Marquês de Pombal) em torno da obrigatoriedade do trabalho forçado indígena ( todos os índios de 13 a 60 anos deveriam trabalhar metade do ano de graça para os brancos) e o controle das aldeias pelos soldados resultaram na expulsão temporária dos padres da colônia. As leis “protetoras” contra a escravização indígena existiam, mas não eram aplicadas. Porém, havia acordo entre Igreja e colonizadores de escravização indígena em função das “guerras justas” (guerras consideradas defensivas) e como punição à prática da antropofagia. O lucrativo tráfico de escravos negros foi o fator fundamental na utilização mais limitada da mão de obra forçada indígena. 6. A escravidão na África já existia antes da chegada dos traficantes portugueses. Um dos relatos indica a forma como era empregada: “muito pouca crueldade acompanha o estado de escravidão entre os nativos de Angola , e creio que possa dizer o mesmo do resto da África tropical, nas quero-me restringir à parte de que tenho perfeito conhecimento. É uma instituição doméstica, e existe até hoje desde tempos imemoráveis; e não há maior desgraça ou descrédito em ter nascido de pais escravos, e em ser, por conseqüência, um escravo(...) Os homens livres (...) têm obrigação de dar aos seus escravos bom alimento (...) os escravos, de fato, são considerados como família”. A fonte principal de escravos era proveniente das guerras, mas existia a escravidão por dívidas ou por crimes graves. Foi somente com o tráfico mercantilista que a escravidão passou a ser um negócio rentável e fonte de conflito permanente entre os povos nativos. A África passou a ser o celeiro de força de trabalho à disposição dos colonizadores. As formas comunais existentes deram lugar aos combates cons-

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tantes entre grupos e impérios africanos. O continente africano foi invadido por traficantes de diversos países europeus, pelas feitorias (entrepostos comerciais) e suas riquezas minerais (ouro) foram diretamente saqueadas pelas potências européias. 7. Os escravos negros foram trazidos de vários locais da África, principalmente da Costa do Ouro, Golfo da Guiné, Congo, Angola e Moçambique, regiões onde os portugueses tinham controle. Inicialmente, os próprios portugueses assaltavam as aldeias e realizavam capturas. Mas logo passaram essa tarefa aos africanos através da compra/troca. Os negros-escravos eram trocados por armas de fogo, munição, tecidos, trigo e por produtos provenientes do Brasil, como o açúcar, tabaco e aguardente. Os chefes africanos foram se incorporando ao negócio e passaram a depender dos traficantes para se obter armas cada vez mais necessárias para sobrevivência de suas tribos. O que obrigava as tribos obtê-las por meio da captura de homens, mulheres e crianças de outras tribos africanas. Ou seja, a obtenção de armas dependia da captura de escravos. A guerra deixou de existir em função do controle da terra e dos tributos e passou a ser meio de sobrevivência para grande parte dos povos africanos. Conforme ampliou o tráfico de escravos mais indispensável se tornou a existência de mosquetes e pólvora. Os conflitos internos se aprofundaram, favorecendo os interesses da burguesia e do Estado metropolitano. 8. Os traficantes possuíam uma rede de agentes - os pombeiros, que faziam incursões pelo interior até os pumbos, mercado onde se realizava o escambo de escravos com as tribos locais. Os prisioneiros seguiam acorrentados até os portos à espera do embarque para o Brasil. Os navios negreiros - tumbeiros - eram encarregados no transporte de escravos. As condições dos navios e a longa viagem de-

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terminavam a morte de boa parte dos africanos, chegando a atingir até 40% dos embarcados. Mesmo assim o comércio era altamente lucrativo. A Coroa portuguesa chegou a criar regulamentações para o transporte de negros, bem como obrigações dos agentes da Fazenda Real localizados no litoral da África e até mesmo para os pombeiros. Porém, quase nada era respeitado. Mesmo nas condições mais sobrehumanas em que foram transportados os escravos negros, calcula-se que entraram nos portos da colônia brasileira, no período de 1550 a 1855, aproximadamente 4 milhões e meio de africanos. 9. O tráfico de escravo foi aberto à iniciativa privada, com exceção de pequenos períodos em que foi privilégio da Coroa ou de determinadas companhias de comércio. Na época do domínio holandês na região nordeste do Brasil, o tráfico de escravos foi monopólio da Companhia de Comércio das Índias Ocidentais, que obtinha os prisioneiros em Angola e os vendia nos portos de Pernambuco. Nos séculos XVI e XVII, os escravos se concentravam no Nordeste, onde existiam os engenhos açucareiros. Com a descoberta do ouro, final do século XVII, foram para as regiões auríferas (Minas Gerais) e Rio de Janeiro. Somente no século XIX, com as lavouras de café, que o mercado de escravos se voltou para São Paulo, sul de Minas e Rio de Janeiro. Havia também o tráfico inter-provincial e este reproduzia as mesmas condições do tráfico com a África. A metrópole portuguesa dependia das taxas aduaneiras cobradas com o comércio de escravos, sendo essas uma das únicas fontes de renda provenientes da África. Não é por acaso que hesitou por mais de três séculos em abolir a escravidão e introduzir o trabalho assalariado. 10. O escravo negro era denominado “peça”. O seu valor era determinado pela idade, sexo, robustez. Calcula-se que

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durante a primeira metade do século XVII, época de grande exportação do açúcar, o custo de um escravo era amortizado entre 13 a 16 meses de trabalho. O proprietário de escravos, em tese, deveria zelar pela “peça” comprada, para que pudesse gerar lucros por muitos anos. Mas as condições de produção em larga escala e a possibilidade de lucro imediato obrigavam-no a usar o máximo de trabalho de cada escravo adquirido. O que reservava ao negro um trabalho árduo, exaustiva jornada diária e castigos cruéis freqüentes. Nessas condições, o proprietário contava com pouco tempo de vida útil de um escravo. Os escravos que conseguiam chegar à velhice ou que se tornavam inválidos eram alforriados pelos latifundiários. Como homens livres, os negros engrossavam as fileiras dos famintos e miseráveis. Para os proprietários, significava reduzir as despesas. Alguns proprietários usavam a prática de assassinar os escravos inválidos. Decorre dessa relação (pouco tempo de vida útil) a necessidade constante de comprar mão de obra. A reprodução no cativeiro também representava custo e, por isso, havia preferência na compra de escravos adultos e adolescentes, aptos ao trabalho forçado. 11. A monarquia (Coroa), a burguesia portuguesa e a Igreja Católica estiveram consorciadas no empreendimento da colonização do Brasil, na transformação da região em uma colônia exportadora de riquezas minerais e produtos agrícolas tropicais. Dessa forma, a utilização da mão-de-obra escrava negra em grande escala foi consentida pela Igreja. Dizia que se tratava de uma instituição já existente na África e que o transporte de negros para a América significa a conversão destes em cristãos. Na verdade, os decretos da Igreja davam permissão para o tráfico e a escravização. As bulas (documentos papais) legitimavam a ação, a exemplo da “Dum Diversus” (1452) que autorizava a Coroa portuguesa a invadir e subjugar “pagãos”, a

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capturar seus bens e territórios, a fazer dessas pessoas escravos perpétuos e transferir suas terras à Coroa. A bula “Romanus Pontifex” concede aos portugueses o monopólio de comércio sobre os escravos negros nas regiões já conquistadas da África e as futuras ao sul do Cabo do Bojador até às Índias. E a “Inter Coetera” (1456) deu à Ordem de Cristo jurisdição e direito de padroado para as regiões conquistadas e para as que vierem a ser conquistadas. A chamada conversão ao cristianismo (“catequese”) dos escravos negros não foi possível, pois o saque, o tráfico, o uso do escravo negro e a alta lucratividade permearam as ações “missionárias”. Basta que lembremos que os próprios missionários eram pagos com concessões de exportação de escravos. Padres que vieram para converter os negros acabaram se ocupando em vendê-los. A Companhia de jesuítas estava integrada ao tráfico de escravos. Os batizados obrigatórios de cada escravo, nos portos africanos, rendiam dividendos à Igreja. Possuíam também privilégio na exportação “de umas centenas, em três navios ao ano, isentos de direitos”. O clero - jesuítas, beneditinos, carmelitas - possuía propriedades e engenhos, onde empregavam o trabalho escravo do negros. Os padres não só recomendavam o emprego de negros na colônia brasileira como exploravam em suas numerosas fazendas, conseguiram altos lucros no tráfico e inclusive de sua prática direta. Portanto, a Igreja foi parte desse processo de violência e massacre do povo africano. 12. A imposição de uma economia voltada ao mercado externo na colônia determinou a necessidade de grande quantidade de mão de obra. A experiência portuguesa com a produção monocultora do açúcar nas Ilhas da Madeira e Açores usando o trabalho escravo dos negros; a existência de um rico comércio de escravos africanos e as dificuldades de escravização da população nativa (indígena) determina-

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ram o uso massivo da mão-de-obra dos africanos no Brasil. Teve início aproximadamente em 1550, nos primeiros engenhos. Porém, a colonização portuguesa se enraizou de fato com as concessões de sesmarias (latifúndios), na região Nordeste, para a produção exportadora. Foi a partir daí que o uso do escravo negro passou a ser intenso. Já em 1570, era grande a quantidade de escravos na Bahia e em Pernambuco. Feitorias foram criadas na África para servir de “viveiros de gado humano, destinado ao embarque”. Basta que lembremos que a maior receita da Coroa portuguesa em Angola era proveniente do imposto sobre os escravos embarcados, embora o contrabando já fosse grande (dados indicam que um terço de cada tumbeiro era fruto de contrabando). 13. No latifúndio exportador existia a produção para o consumo, como auto-subsistência da unidade produtora. Além dos produtos básicos para a alimentação, algumas fazendas fabricavam tecidos, cobertores e panos em geral para os escravos. Também peças de carpintaria, móveis, calçados, selas, arreios, feitos pelos escravos, em alguns casos sob a direção de alguns trabalhadores livres. A concessão de um lote de terra para os escravos usarem como subsistência foi mais comum nas fazendas de café. Com a descoberta do ouro e diamantes - final do século XVII-XVIII - a população escrava negra se deslocou para a extração, particularmente para Minas Gerais e os portos do Rio de Janeiro. A mão-de-obra forçada era usada não só na extração do minério como também no transporte. A exigência do regimento de abril de 1702 de conceder o direito a uma data inteira aos proprietários de no mínimo 12 escravos atesta o aumento da importação e do tráfico inter-provincial de negros. As atividades dos centros urbanos eram praticadas por escravos negros. As oficinas, ferrarias etc viviam na dependência da economia agrária exportadora. Ou seja, supriam as necessidades dos latifúndios,

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aquelas permitidas pela Coroa. Nessas, os negros trabalhavam na condição de escravos alugados ou não a um mestre (artesão). No século XIX, particularmente no Rio de Janeiro, alguns proprietários permitiam que os escravos fizessem seu “ganho”, prestando serviços ou vendendo produtos, mediante pagamento de parte da venda. O uso da mão-de-obra escrava negra foi predominante na economia exportadora, porém teve presença no trabalho doméstico (criadagem) e nos centros urbanos. As condições de trabalho foram terríveis em todas as atividades. Tomando alguns aspectos, temos de considerar que o trabalho nas minas foi um dos mais cruéis. A média de vida útil de um escravo nesse setor era de 7 anos, enquanto que nos latifúndios era de 11 anos. 14. Os negros não ficaram passivos, como mercadorias “peças”, diante da escravidão. Os descontentamentos individuais, que culminavam em suicídios, assassinatos de feitores ou de proprietários, deram lugar às fugas e às resistências coletivas. Em toda parte, surgiram os agrupamentos de negros fugitivos, os quilombos. Estes variavam de tamanho e se organizavam de acordo com o número de pessoas. As lideranças dos quilombos apareciam, na maioria das vezes, no momento da fuga e da estruturação do núcleo armado. O de Palmares, entre Pernambuco e Alagoas, chegou a ter mais de 20 mil negros e o de Campo Grande, em Minas Gerais, atingiu 10 mil. No século XIX, na época do império, destacou-se o de Manuel Congo, Rio de Janeiro, e o de Jabaquara, São Paulo. Com o tempo, os quilombos deixaram de ser apenas refúgio armado dos fugitivos para se tornar um instrumento de luta contra a escravidão. A proliferação dos quilombos exigiu, da parte da Coroa e dos proprietários, maior unidade na repressão e extermínio, pois constituíam forte ameaça ao domínio de uma economia movida pelo trabalho escravo.

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15. Os quilombos tinham de se defender constantemente da repressão. A construção de milícias, as emboscadas, os saques às propriedades latifundiárias e às vilas eram necessidades objetivas de sua existência. Na auto-defesa armada e na tática de “guerrilha”, destacou o quilombo de Preto Cosme (Maranhão). Chegou a organizar uma milícia de 3 mil negros para saquear e conseguir novos aliados entre os escravos nas fazendas. Chegou a ter forte participação na Revolta da Balaiada, o que lhe custou a vida. Os negros chegaram ao ponto das insurreições. O movimento dos Malês, em 1835, na Bahia, foi preparado passo a passo, em reuniões clandestinas. O plano da revolta: “partiria o grupo da Vitória comandado pelos chefes daquele clube tomando a terra e matando toda gente da terra de branco, rumando para a Água dos Meninos e, em seguida, marchariam para o Cabrito, onde se reuniriam aos escravos dos engenhos e quilombolas” - não foi cumprido devido à delação e à brutal repressão. Outra forma de resistência dos negros foi a ocupação das fazendas, a exemplo da Fazenda Santana (1789), onde os escravos ficaram parados por dois anos. Exigiam melhores condições de trabalho, terra para plantio, controle das ferramentas do engenho etc. Como se vê, a luta dos negros contra a escravidão se espalhou por todas as capitanias. A resistência dos africanos surgiu desde a origem do sistema escravista enquanto o movimento pela abolição da escravidão somente se consolidou quando a crise desse sistema já era profunda. 16. A Inglaterra sempre esteve ligada ao tráfico de escravos africanos. Porém, no início do século XVIII, pelo tratado de Ultrech (1713), a Inglaterra obteve o monopólio do tráfico de escravos para as colônias da América. O fornecimento de escravos, pelos ingleses, às colônias estrangeiras possibilitou atingir o auge do tráfico e o manteve até a sua extinção. Na Inglaterra, até 1783, havia concordância en-

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tre a monarquia, Igreja e burguesia em torno do tráfico de escravos. A campanha contra a escravatura iniciou somente no final do século XVIII. Porém, foram decisivas as contradições entre o sistema colonial escravista e a nascente industrialização. O período anterior, onde fazia parte também o tráfico de escravos, possibilitou à Inglaterra acumular capital e dar um salto qualitativo na substituição das manufaturas pela indústria. O sistema colonial foi decisivo na fase de acumulação primitiva do capital, mas se tornou um obstáculo para a expansão das forças produtivas industriais. A exigência de mercados consumidores e matérias-primas obrigou a Inglaterra a se posicionar contrária ao tráfico e à escravidão. 17. Já no início do século XIX, a Inglaterra iniciou a pressão para que a Coroa Portuguesa pusesse fim ao tráfico. Pelo tratado de 1810, “Aliança e Amizade”, a Inglaterra exigiu que Portugal assumisse a gradual abolição do comércio de escravos. Esse tratado também permitiu à metrópole inglesa romper com o rígido monopólio colonial, se beneficiar do comércio da colônia brasileira e impor medidas mais severas de combate ao tráfico de escravos. Em 1815 - no Congresso de Viena - a Inglaterra conseguiu impor a abolição do tráfico ao norte do Equador. Portugal podia realizá-lo ao sul. Outras medidas foram criadas para pressionar o fim do tráfico de escravos no Brasil. O Parlamento inglês aprova as leis de apresamento de navios negreiros, que se intensificou após a separação formal da colônia brasileira de Portugal. A Inglaterra tinha se tornado a maior potência mundial, aproveitou-se para intensificar o domínio econômico e político sobre os débeis Estados nacionais. O tráfico de escravos foi abolido no Brasil somente em 1850, quando a imigração se ampliou e quando as primeiras indústrias eram criadas, principalmente, em São Paulo e Rio de Janeiro.

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18. Durante a fase imperial (1822-1889), dois partidos políticos se revezavam nos ministérios, o Liberal e o Conservador. Os problemas em torno da centralização ou descentralização do poder e as eleições dividiam os dois partidos. A propaganda abolicionista fez parte das campanhas do Partido Liberal, embora no seu interior houvesse posições contrárias. Porém, todas as leis abolicionistas, desde o fim do tráfico até a Lei Áurea de 1888 foram feitas pelos ministros do Partido Conservador. O programa do Partido Liberal defendia a emancipação dos escravos, “consistindo na liberdade de todos os filhos de escravos, que nascerem da data da lei e na alforria gradual dos escravos existentes pelo modo que oportunamente será declarado”. (...) “é um dever inerente à missão do Partido Liberal, e uma grande glória para ele a reivindicação da liberdade de tantos milhares de homens, que vivem na opressão e na humilhação”. Os “liberais radicais”, 1868, tinham em seu programa a bandeira de “substituição do trabalho servil pelo trabalho livre”. Mas eram partidos que expressavam os interesses políticos de setores da classe dominante ou no máximo de alguma fração intermediária. Nas suas fileiras estavam os proprietários de escravos. Mesmo fazendo parte do programa dos liberais a questão da abolição, só veio à tona quando o movimento abolicionista começou a ganhar a força no Império. Em 1870, foi criado o Partido Republicano - fase de crise da monarquia e do regime latifundiário escravista. As idéias republicanas, em relação à abolição da escravatura, revelaram as contradições entre os dirigentes republicanos (fazendeiros e classe média -advogados, engenheiros etc) e o movimento em favor da abolição. Nas resoluções, circulares e no programa estavam algumas das definições sobre o problema da abolição. Na circular de 18 de janeiro (1872) esclarecia da seguinte forma:" Referimo-nos ao boato espalhado, de que o partido republicano proclama e intenta pôr em prática medidas

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

violentas para a realização de sua política e para a abolição da escravidão". (...)"com toda sinceridade declaramos que a bandeira, sob a qual militamos, desfralda-se no terreno legal, moderado ou pacífico". (...) “Também não podem nossos adversários fazer, de boa fé, acusações ao partido republicano, responsabilizando-o por atos precipitados e intenções perigosas em relação ao estado servil”. (...) “Esta questão é social, assim pensam e o dizem os homens sensatos de todas as cores políticas, e, neste sentido, se enunciou igualmente o governo, quando no parlamento se discutiu a lei de 28 de setembro próximo passado” (referia a Lei do Ventre Livre -1871).(...) “Sendo certo que o partido republicano não pode ser indiferente a uma questão altamente social, cuja solução afeta todos os interesses, é mister entretanto ponderar que ele não tem e nem terá a responsabilidade de tal solução, pois que, antes de ser governo, estará ela definida por um dos partidos monárquicos”. No Manifesto do Congresso Republicano (2 de julho de 1873), sobre a escravidão, deliberou-se: “1o Em respeito ao princípio da união federativa, cada província realizará a reforma de acordo com seus interesses peculiares mais ou menos lentamente, conforme a maior ou menor facilidade na substituição do trabalho escravo pelo livre”; 2o Em respeito aos direitos adquiridos e para conciliar a propriedade de fato com o princípio da liberdade, a reforma se fará tendo por base a indenização e o resgate". Termina dizendo: “Estas são as nossas idéias expostas em toda franqueza da convicção sincera”. Portanto, o partido republicano não surgiu para se contrapor à ordem econômica e social vigente. As chamadas reformas - substituição da monarquia pela república, o poder federativo (descentralização) - expressavam os interesses de um setor da oligarquia agrária, particularmente dos fazendeiros de café. Os métodos deveriam ser pacíficos e dentro da lei. A abolição, para os republicanos, era um problema da monarquia e deveria ser

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

solucionada por ela, dentro da legalidade e não ferindo o direito de propriedade. Não é por acaso que reivindicavam indenização no caso de fim do trabalho escravo. 19. A primeira metade do século XIX foi marcada pela pressão Inglesa em torno do fim do tráfico negreiro e as reações da fração oligárquica escravista. O fim do comércio de escravos com a África foi determinado em 1850 com a Lei Euzébio de Queirós. A partir daí houve uma diminuição na entrada de escravos. Nas províncias do Norte, os escravos negros foram aos poucos sendo substituídos pelo trabalho assalariado (livre), particularmente no Ceará. A extinção do tráfico atingiu as receitas do Estado (cobrança de impostos sobre o comércio de escravos) e de um setor da classe dominante, o que favoreceu o deslocamento de capital para outros setores da economia. Iniciou-se o período de implantação das primeiras fábricas, da criação de bancos e do transporte ferroviário e do telégrafo. Foi também o momento em que o trabalho assalariado se intensificou. Já em 1842, o Conselho Governamental permitiu aos latifundiários importar trabalhadores agrícolas assalariados, na condição de colonos livres. No período de 1850 a 1872, chegaram no Brasil mais de 230 mil imigrantes. Uma colocação importante desse período é dada pelo capitalista Barão de Mauá (Irineu Evangelista de Souza): “Acompanhei com vivo interesse a solução desse grave problema; compreendi que o contrabando não podia reerguer-se desde que a vontade nacional estava ao lado do ministério que decretava a suspensão do tráfico. Reunir capitais que se viam repentinamente deslocados do ilícito comércio e fazê-los convergir a um centro donde pudessem ir alimentar as forças produtivas do país, foi o pensamento que me surgiu na mente ao ter certeza de que aquele fato era irrevogável”. As idéias aí contidas mostravam a necessidade de romper com os elos do pré-capitalismo materializados na forma escravista de

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

produção e de criar as bases do capitalismo industrial e do trabalho assalariado, no campo e nas cidades. A extinção do tráfico de escravos indicou a forma gradual, pacífica e legalista (parlamentar) como se faria a abolição da escravatura. 20. Na segunda metade do século XIX, cresceu o movimento abolicionista. Foram criadas a “Associação Central Emancipadora”, “Sociedade Brasileira contra a Escravidão”, clubes e jornais, a exemplo da “Gazeta da Tarde”, e em 1883 fundou-se a “Confederação Abolicionista”. Mesmo entre os poucos operários (quase não havia indústria) houve reação contra a utilização da mão de obra escrava. Os tipógrafos se manifestaram no Ceará, recusando a imprimir material defendendo a escravidão. No Rio de Janeiro, os tipógrafos tomaram conhecimento de que havia uso de escravo nessa profissão e condenou veemente. Também foram realizados debates sobre o abolicionismo no Centro Operário Italiano (São Paulo). Esses exemplos mostram o vínculo de uma classe social nascente (proletariado) com a luta pela extinção do trabalho forçado. Porém, entre os abolicionistas não havia um programa único sobre a questão da emancipação dos escravos. Havia um setor liderado por Joaquim Nabuco mais moderado e, outro, por Silva Jardim e Luiz Gama, mais “radicais”. Os moderados insistiam em denunciar e convencer os ministérios e o imperador das dificuldades morais em manter a escravidão. Apoiavam nos exemplos da América onde a escravidão havia sido eliminada. Não se tratava de um propaganda dirigida aos escravos e à população pobre das cidades para se engajarem no combate à escravidão. Ao contrário, dizia Nabuco: “Seria um covardia, inepta e criminosa, e, além disso, um suicídio político para o partido abolicionista incitar a insurreição ou ao crime homens sem defesa e que a lei de Linch, ou a justiça pública imediatamente iria esmagar”. A

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

insurreição dos negros, a exemplo do que ocorreu no Haiti, era, para os conservadores do abolicionismo, na verdade, um perigo à classe proprietária. A outra ala, a chamada radical, era composta por ex-escravos (Luiz Gama) e por abolicionistas como Silva Jardim e Antônio Bento. Tornaram defensores dos escravos fugitivos (quilombos) e chegaram a defender o direito de legítima defesa o escravo se vingar das crueldades assassinando os proprietários. O movimento ganhou corpo com a intensificação das campanhas. Nas províncias do Norte, a manutenção do sistema escravista não resistiu, a ponto do Ceará declarar extinta, por conta própria, a escravidão em 1884. 21. A fração oligárquica escravista se manifestou de maneira contundente no momento em que foi aprovado a Lei do Ventre Livre (28/setembro de 1871). Essa lei declarava livres os filhos de mulheres escravas nascidos a partir dessa data, os quais ficavam em poder dos fazendeiros até a idade de 8 anos. Depois, os proprietários poderiam optar entre receber uma indenização, entregando as crianças ao Estado e utilizá-las até 21 anos como escravos. O ministério conservador, representado por Rio Branco, foi acusado de “roubo” por essa fração. A classe latifundiária via, nessa aprovação, a possibilidade de ampliar as fugas e insurreições escravistas. A lei em si em nada modificou, pois poucas crianças foram entregues ao poder público. Os proprietários acabaram por manter a escravidão dos menores e adolescentes. Por detrás da reação dos proprietários estavam as dívidas contraídas com os traficantes (comerciantes) e a quebra dos engenhos. Estes não conseguiam competir com o produto da região da Antilhas (onde já se empregava o trabalho assalariado) no mercado mundial. 22. Em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários, pelo gabinete representando o partido conservador. Estabelecia

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

liberdade aos escravos com mais 60 anos e criava normas para a libertação gradual de todos, mediante indenização. Era um mecanismo do Parlamento para evitar que o movimento abolicionista culminasse numa extinção da escravatura mais radical. Era o período em que cresceram as fugas de escravos e rebeliões contra os proprietários. As idéias abolicionistas ganhavam apoio da população, que se encarregava de esconder os fugitivos. Os juizes não conseguiam cumprir com a pena prevista pela “Lei do Açoite”. As ordens imperiais para que o exército capturasse os escravos que fugiam não encontraram ressonância. O Clube Militar (1887) emitiu uma nota dizendo que os militares não fariam o papel de “capitão do mato”. Isso comprova que o governo já não tinha forças para manter em pé o regime escravista. A forma pacífica e legal da escravidão havia penetrado até nos órgãos de repressão do Estado. 23. No final dos anos 80, o desenvolvimento das forças produtivas se esbarrava com a manutenção do trabalho escravo. Da mesma forma, exigia a substituição da forma política arcaica (monarquia) pela República. Em alguns setores da produção, o trabalho escravo já tinha sido abolido ou quase inteiramente abolido, a exemplo das fábricas têxteis. Mesmo assim, os projetos parlamentares, às vésperas de 1888, a exemplo do de Antônio Prado que decretava a abolição mas na condição de os “libertos permanecer, durante dois anos, junto a seus senhores, trabalhando mediante modica retribuição”, previam indenizações e um tempo de utilização da mão de obra que variava às vezes de 10 a 2 anos. Tais projetos não foram avante em função das pressões externas e internas em favor da abolição imediata, pois já havia se passado quase 40 anos da eliminação do tráfico de escravos. Como dizia João Alfredo (Ministro), em 10 de março de 1888: “As condições do país eram de tal ordem que nenhum governo seria capaz de resistir à exi-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

gência da libertação dos escravos”. Portanto, a lei que libertou o trabalho escravo, 13/maio, foi resultado dessas condições e da forma como se preparava a abolição, ou seja, pacífica e dentro da lei. 24. A abolição da escravatura não significou o fim da opressão dos negros. Essa camada social de mais de um milhão de pessoas continuará marginalizada dos direitos elementares. Não foi incorporada naturalmente como força de trabalho assalariada na indústria nascente. As condições do trabalho escravo cravaram de forma brutal sobre esse contigente humano, mutilando-o físico-moral e culturalmente. As exigências da indústria alijaram os chamados “desclassificados”, aqueles que não possuíam nenhum conhecimento técnico para o manuseio das máquinas, a disciplina fabril e o mínimo necessário de alfabetização. Essa massa humana, libertada na forma da lei, se tornou miserável, forçada a permanecer submissa aos latifundiários como mão de obra assalariada superexplorada ou sobreviver da pequena plantação de sobrevivência . À parcela que migrou para as cidades só lhe restou o trabalho nos setores de serviços mais brutalizados (carregadores, pedreiros, construção de estradas e “bicos” em geral). A indústria, que dava seus primeiros passos, particularmente na região sudeste, foi movida pela força de trabalho dos imigrantes. Os ex-escravos do final do século XIX se tornarão o exército potencial do proletariado brasileiro. O proletariado moderno encontra-se objetivamente em posição de destruir o capitalismo e implantar as bases da nova sociedade comunista.

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A opressão do negro no Brasil

Bárbara Fonseca 1. As condições dos negros O negro forma metade da população brasileira. De acordo com dados do IBGE, 45,5% da população do país é composta por negros. As condições de existência são de extrema miséria, em comparação com os brancos pobres. O fato da expectativa de vida dos negros ser de 59 anos de idade, quando a expectativa de vida dos brancos é de 64 anos; o fato do Brasil, segundo a classificação da ONU, ocupar a 121ª posição em qualidade de vida dos negros contra a 63ª posição em qualidade de vida dos brancos; o fato das condições de moradia dos negros serem 4 vezes piores que a dos brancos são provas disso. Na verdade, o negro vive no Brasil da mesma forma, isto é, enfrentando as mesmas condições de existência, que o negro no Zimbábue, um dos países mais pobres da África. Dados do Dieese relativos à educação revelam que a população negra é a que apresenta menor índice de alfabetização. Ou seja, do total de brasileiros alfabetizados (90 29

A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

milhões), 60% são brancos e somente 37% são negros. Os negros são os que mais sofrem com a violência policial. Em 1999, a Polícia Militar cometeu 202 assassinatos, sendo que 125 (62%) deles foram contra negros, jovens e homens. Além disso, a justiça burguesa discrimina mais a população negra, pois 15% dos réus negros respondem a processo em liberdade contra 27% dos brancos. Os negros formam um contingente de força de trabalho maior que o da população branca. De acordo com dados do IBGE, do total da população “preta”, 60,5% constituem a População Economicamente Ativa (PEA), isto é, a população apta ao trabalho. Do total da população “parda”, 56,8% forma a PEA. Do total da população “branca”, 56,3% forma a PEA. Se considerarmos que as populações “pretas” ou “pardas” formam a população negra, o contingente de força de trabalho desta será ainda maior. Por outro lado, sabendo que tanto a população negra como a branca são metade da população brasileira, à medida que o contingente de força de trabalho da população negra é maior, consequentemente, ela compõem a maior parte da força de trabalho do país. A maior parte da PEA negra encontra-se na região Sul (a preta com 62,4% e a parda com 63,3%) e, em seguida, na região Nordeste (a preta com 58,2% e a parda com 55,2%). Isso não significa, entretanto, que esta população esteja trabalhando, isto é, empregada nestas regiões. Como sabemos, a PEA trata da população apta ao trabalho, mas não do trabalho a ela oferecido. O desemprego atinge mais a população negra no país. De acordo com dados do Dieese (1999), nas principais cidades do país o desemprego abarca mais a população negra do que a branca. Em Salvador, o índice de desemprego dos negros em relação ao índice dos brancos é 45% superior; em São Paulo, 41%; em Porto Alegre, 35%; em Belo Horizonte, 29%, em Recife, 20%; e no Distrito Federal, 17%. Dados relativos à empregabilidade da mão-de-obra tam-

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

bém ajudam a esclarecer como ela está sendo desperdiçada nas regiões acima mencionadas e em algumas áreas econômicas. Vejamos o quadro abaixo. Áreas de Ocupação

Artísticas, Técnicas e Científicas Administrativas Agropecuária e Extrativas Indústria e Construção Civil Comércio e Auxiliares Transporte e Comunicação Serviços Outras

Total

GRANDES REGIÕES Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

C. Oeste

4.6

8.5

4.4

4.6

5.1

13.1

6.7

10.7

5.1

7.0

8.2

8.4

22.0

4.0

40.3

13.8

15.1

23.9

21.4

20.2

14.5

25.1

22.9

17.4

6.7

7.7

6.6

7.4

4.0

5.6

3.3

6.5

1.9

4.0

3.1

2.8

18.6 16.7

17.6 24.8

13.2 14.0

21.0 17.1

21.3 20.3

19.2 19.6

A força de trabalho negra se concentra, de uma maneira geral, na área Agropecuária e Extrativa e na área de Indústria e Construção Civil, em todas as regiões. Pois, mesmo na região norte, embora se dedique mais a outras atividades (não detalhadas pelo IBGE), em seguida (com percentual sem grande diferença) é na área da Indústria e Construção Civil que se concentra. Isso significa que os negros realizam o trabalho mais pesado e considerado desqualificado e, em sua maioria, são operários. A concentração de negros na área Agropecuária e Extrativa ocorre em regiões onde não há desenvolvimento industrial e prevalece a pecuária primitiva, como na região Nordeste e Centro Oeste, e a pecuária melhorada, como em parte da região Centro Oeste (Mato Grosso, quase que totalmente e Goiás, parcialmente). Ou seja, nas áreas onde a indústria está desenvolvida, como nas regiões Sudeste e Sul, é nela que a 31

A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

mão-de-obra negra se concentra. Assim, os negros são em sua maioria operários. Operários fabris em áreas de desenvolvimento industrial, e operários agropecuários, em áreas onde não há desenvolvimento industrial. A conclusão de que a maior parte da força de trabalho negra é operária se fundamenta nos dados sobre a posição que ela ocupa na área de ocupação, isto é, em que está empregada. Em todo o Brasil, somente 1,3% dos negros ocupam a posição de patrões, sendo que 73,4% ocupam a posição de assalariados. É claro que nem todos os trabalhadores assalariados são proletários, mas sabemos que a maioria da população negra é. Neste sentido, este último dado confirma que esta maioria vive do salário conseguido pela venda de sua força de trabalho, e só se relaciona com os meios de produção na medida em que os patrões (donos dos meios de produção) lhes contrata para colocá-los para funcionar. Essa situação se repete em todas as regiões do país, independentemente do desenvolvimento econômico (existência de indústria e tecnologia) em cada uma delas. Isso significa que os operários negros não são donos de fábricas, nem de máquinas, nem de bancos e nem de terras e fazendas agropecuárias. Vejamos o quadro abaixo. POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO Empregados Autônomos Empregadores Não-remunera dos

Total

GRANDES REGIÕES Norde Sudes Sul s- te - te 60.4 79.4 77.1 27.7 16.9 18.2 1.4 1.2 1.4

Norte

73.4 20.3 1.3

75.5 20.1 4.0

5.0

0.9

10.5

2.5

3.3

C. Oeste 77.0 17.8 1.6 3.6

É importante considerar que os dados acima nos mostram a existência de trabalho sem remuneração que, sobretudo no nordeste, atinge uma parcela significativa da força de trabalho negra. Os dados acima ainda revelam que há um significativo 32

Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

contingente de trabalhadores negros autônomos. Se considerarmos que tem havido na economia do país um crescimento do trabalho informal, chegaremos à conclusão de que estes trabalhadores autônomos, na realidade, são trabalhadores que sobrevivem de trabalhos informais, isto é, sem vínculo empregatício. Na verdade, mais da metade da população negra trabalha sem carteira assinada (53,8%). E isso principalmente na região Nordeste, onde somente 38,3% da população negra masculina e 34,1% da população feminina possui carteira assinada. Devemos considerar ainda que a população negra é a que entra mais cedo (com menor idade) no mercado de trabalho e é a que sai mais tarde (com idade mais avançada). Trata-se de uma brutal exploração do proletariado negro. Fenômeno que tem de ser visto como taxa de exploração geral do proletariado brasileiro e particular da camada proletária negra. Em relação à remuneração salarial, o rendimento médio da população branca é de 6,3 salários mínimos contra 2,9 salários mínimos da população negra. Na verdade, na faixa da linha de pobreza as famílias negras representam maior número. Os salários dos negros são menores que os salários dos brancos.

O reformismo diante da opressão dos negros Os reformistas do PT, da Igreja e vários movimentos negros utilizam o conceito de “exclusão social”. Serve para descaraterizar o caráter de classe de opressão capitalista que está por detrás da discriminação racial. O Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), por exemplo, acredita que não podemos falar em um “trabalhador brasileiro”, à medida que o trabalhador negro tem enfrentado uma situação diferente ao longo da história do país. Ou seja, o trabalhador negro, embora por 400 anos tenha tido um papel fundamental,

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

como força de trabalho, na economia do país, sustentando todos os ciclos econômicos (produção de açúcar, mineração etc.) e mesmo a riqueza da metrópole portuguesa e da Inglaterra, através de uma jornada exaustiva (cerca de 15 a 18 horas por dia), acabou por ser “excluído” do mercado de trabalho. Quando começa a se configurar o trabalho assalariado livre seja nas lavouras de café paulista seja nas indústrias, o negro é substituído primeiramente pelo imigrante depois pelos brancos descendentes de imigrantes, é excluído porque o mercado de trabalho é racista, tanto que antes da Lei Afonso Arinos (1951), que proibiu formalmente a discriminação racial, os anúncios de emprego deixavam claro que os patrões “não admitiam pessoas de cor”. Diante do desenvolvimento do trabalho industrial, reclama o CERT, o sindicato não reagiu, porque considerava esta luta “divisionista”. E reagir significaria lutar contra o racismo no mercado de trabalho, lutar contra a discriminação racial, que faz com o negro tenha sido e continue sendo excluído. Somente na década de 1990, os sindicatos começaram a se preocupar com este problema, levando em conta que, além de reivindicações gerais de todos os trabalhadores, há as reivindicações específicas do trabalhador negro. Embora, o trabalhador negro sempre tenha participado do movimento operário e das principais lutas que se desenvolveram no país. Dentre as reivindicações específicas do trabalhador negro, este centro de estudo menciona: • políticas de combate à discriminação racial no mercado de trabalho, que se traduza em uma legislação antidiscriminatória que funcione; • exigência de que as empresas explicitem seus critérios de recrutamento, treinamento, avaliação de desempenho e demissão, como forma de inibir práticas de racismo; • implantação da Convenção 111 da Organização Interna-

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

cional do Trabalho (OIT); • denúncia sindical, através de cursos e da imprensa, da existência de discriminação racial no mercado de trabalho; • considerar que classe trabalhadora não é homogênea, há nela diferenças de raça, idade e sexo, enfim, há diferenças que precisam ser levadas em conta. De acordo com o CEERT, os problemas enfrentados pelo trabalhador negro não será resolvido somente com a revolução social, que vise a construção de uma sociedade socialista. Segundo esta concepção, defender a revolução como forma de resolver o problema do racismo é fazer o jogo da burguesia, que procura levar os brancos e os negros a acreditarem que não há racismo. Reconhece-se a necessidade de superar tanto as desigualdades de classe como as de “raça e gênero”. Esta superação, entretanto, consiste em se construir a “cidadania”, através de uma redistribuição das riquezas e da adoção de políticas públicas que priorizem a população menos favorecida. A via, portanto, é de constituir um governo que adote medidas de igualdade social e racial, sem que seja um governo revolucionário, produto da destruição do poder econômico e político da burguesia. O Estado, neste sentido, assume um papel fundamental, pois sua função é promover e assegurar a igualdade de direitos, por meio de um programa que se baseie em oportunidades iguais para todos. Desta forma, o problema do governo de FHC consiste no fato de ter ampliado a “exclusão” e as desigualdades “sociais-raciais”. Daí, por outro lado, a necessidade do PT, nas cidades e estados em que está a frente da administração pública, ter de buscar a hegemonia política e cultural, priorizando questões como a cultura, rompendo com a visão de que o socialismo se constrói por meio da luta de classes. Pois, não basta uma distribuição de riquezas igualitária se não transformarmos a menta-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

lidade e costumes existentes, a qual prejudica até mesmo uma proposta socialista. O governo alternativo ao de FHC se distingue por ser reformista, como se fosse possível um poder dos trabalhadores no interior do capitalismo. Finalmente, para este grupo, as centrais sindicais, os sindicatos, o movimento negro, os partidos políticos etc., precisam lutar arduamente pelo cumprimento da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tanto o CEERT como o movimento de Negros e Negras do PT acreditam que é possível resolver o problema da discriminação racial através da via institucional burguesa. O CEERT entende que a justiça burguesa pode aplicar uma legislação “anti-discriminatória”; o grupo petista entende que dentro do Estado burguês pode haver um governo contra os interesses da burguesia, que realize a distribuição de riquezas, priorize a população mais pobre e de valorização da cultura afro. Os problemas de desigualdade social-racial mencionados pelo movimento de Negros e Negras do PT são frutos de um tipo de gestão governamental: o governo de FHC tem um “projeto neoliberal” e não um pautado pela preocupação social, como teria o do PT. Neste sentido, quando o grupo de Negros e Negras do PT afirma haver uma limitação na sociedade atual para se resolver o problema da exclusão social (dos negros e brancos pobres), quer dizer que o problema está na governabilidade. Ambos os movimentos desconsideram que, no capitalismo, o Estado representa os interesses da burguesia. E que, desta forma, qualquer governo nos marcos desse sistema não erradicará a discriminação racial.

A luta contra a discriminação e parte do programa proletário Em primeiro lugar, afirmamos que, sem dúvida, existe o problema de discriminação racial, bem como discrimina-

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

ção sexual e outras formas de discriminação, na sociedade capitalista. Tanto é assim que homens e mulheres negros recebem menores salários, tem menor taxa de escolarização, arcam com o trabalho mais desqualificado e são os mais afetados pelo desemprego. Em segundo lugar, defendemos a luta contra qualquer espécie de discriminação. Diferentemente das correntes reformistas que tomam as reivindicações dos negros de forma isolada (com um fim em si mesmo), apontamos que tais reivindicações devem fazer parte da luta geral pelo fim da exploração e opressão de classe. O problema enfrentado pelos negros no Brasil, assim como por um grande número de pobres (negros ou brancos), não é de exclusão social, mas sim de opressão social. Ou seja, quando os reformistas do PT e do CEERT tratam da exclusão social estão se referindo ao problema de falta de oportunidades gerais (de emprego, escolaridade etc.). A idéia de “exclusão” social pressupõe que há na sociedade capitalista uma parcela de “incluídos” e outros de “excluídos”, isto é, uma parcela que participa da sociedade trabalhando, consumindo, utilizando serviços etc., e outra parcela que não participa totalmente, seja porque não tem trabalho, seja porque ganha pouco e não pode usufruir dos bens e serviços que a sociedade produz. E isso pressupõe que é possível “incluir” os “excluídos”. Basta para isso a vontade política dos governantes. Ao contrário, o capitalismo explora e cria um exército cada vez mais numeroso de desempregados (negros e brancos). Certamente, os negros constituem a maioria. Esse sistema de exploração do trabalho joga o operário branco contra o negro, com o intuito de dividir a classe operária. Como vimos, o capitalismo não pode resolver o problema da emancipação total ou sequer a igualdade plena. Por isso, a luta pelo fim de todo tipo de discriminação é parte do programa da classe operária. O método é o da ação direta e

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

o da unidade dos explorados sob a direção do proletariado. O combate à discriminação é uma importante arma da classe operária para lutar contra a burguesia, pois não há como eliminá-la ou minimizá-la no capitalismo. Na sua fase de desintegração, a opressão social se amplia cada vez mais.

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Teses Sobre a Questão Negra

(Aprovada no Quarto Congresso da Internacional Comunista , novembro de 1922) 1. Durante e depois da guerra, desenvolveu-se entre os povos coloniais um movimento de rebelião contra o poder do capital mundial, movimento que fez grandes progressos. A intensa penetração e colonização das regiões habitadas por raças negras introduz o último grande problema do qual depende o futuro do desenvolvimento do capitalismo. O capitalismo francês admite que seu imperialismo, depois da guerra, só poderá se manter mediante a criação de um império franco-africano, unido por uma via terrestre transaariana. Os maníacos financistas dos EEUU, que exploram em seu território doze milhões de negros, se dedicam agora a penetrar pacificamente na África. As extremas medidas adotadas para derrotar a guerra de Rrand evidenciam de que modo a Inglaterra teme a ameaça surgida contra suas posições na África. Assim como no Pacífico o perigo de outra guerra mundial aumentou devido à competição entre as potências imperialistas, assim também a África aparece

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

como objeto de suas rivalidades. Além do que, a guerra, a revolução russa, os grandes movimentos protagonizados pelos nacionalistas na Ásia e os muçulmanos contra o imperialismo, despertaram a consciência de milhões de negros oprimidos pelos capitalistas, reduzidos a uma situação de inferioridade há séculos, não somente na África mas também nos EEUU. 2. A história reservou aos negros dos EEUU um papel importante na libertação de toda raça africana. Faz trezentos anos que os negros norte-americanos foram arrancados de seus países natais na África e transportados para a América onde passam pelos piores tratamentos, além de serem vendidos como escravos. Há 250 anos trabalham sob o açoite dos proprietários norte-americanos. Foram eles que derrubaram os bosques, construíram as estradas, plantaram o algodão, colocaram os trilhos das ferrovias e mantiveram a aristocracia rural do sul. Sua recompensa foi a miséria, a ignorância, a degradação. O negro não foi um escravo dócil, recorreu à rebelião, à insurreição, à fuga para recuperar sua liberdade. Mas seus levantes foram reprimidos com sangue. Mediante a tortura foi obrigado a se submeter. A imprensa burguesa e a Igreja se associaram para justificar sua escravidão. Quando a escravidão começou a competir com o trabalho assalariado e se converteu em um obstáculo para o desenvolvimento da América do Norte capitalista, teve de desaparecer. A guerra de secessão, empreendida não para libertar o negro, mas para manter a supremacia industrial dos capitalistas do norte, colocou o negro diante da obrigação de eleger entre a escravidão do sul e o trabalho assalariado do norte. Os músculos, o sangue, as lágrimas do negro “liberto” contribuíram para o estabelecimento do capitalismo norte-americano e quando, convertida em uma potência mundial, os EEUU foram arrastados para a guerra mundial, o negro norte-americano foi declarado em condições com o branco

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Escravismo: raiz do capitalismo no Brasil

para matar ou morrer pela democracia. Quatrocentos mil operários de cor foram incorporados nas tropas norte-americanas, formando os regimentos de “Jim Crow”. Assim que saíram da fogueira da guerra, os soldados negros, de volta a “sua pátria” foram perseguidos, linchados, assassinados, privados de todas as liberdades ou postos nas prisões. Combateram, mas para afirmar sua personalidade tiveram de pagar muito caro. Perseguiram-nos ainda muito mais que durante a guerra para lhes ensinar a “se conservarem em seus lugares”. A grande participação dos negros na indústria após a guerra, o espírito de rebelião que despertaram neles as brutalidades de que são vítimas, coloca aos negros da América, e sobretudo os da América do Norte, na vanguarda da luta da África contra a Opressão. 3. A Internacional Comunista contempla com grande satisfação que os operários negros explorados resistem aos ataques dos exploradores, pois o inimigo da raça negra é também o dos trabalhadores brancos. Este inimigo é o capitalismo, o imperialismo. A luta internacional da raça negra é uma luta contra o capitalismo e o imperialismo. Na base desta luta é que deve se organizar o movimento negro: na América, como centro de cultura negra e centro de cristalização dos protestos dos negros; na África como reserva de mão-de-obra para o desenvolvimento do capitalismo; na América Central (Costa Rica, Guatemala, Colômbia, Nicarágua e demais repúblicas “independentes” onde predomina o imperialismo norte-americano) em Porto Rico, Haiti, São Domingos e nas demais ilhas do Caribe, onde os maus tratos infligidos aos negros pelos invasores norte-americanos provocaram os protestos dos negros conscientes e dos operários brancos revolucionários. Na África do Sul e no Congo, a crescente industrialização da população negra originou diversas formas de sublevação. Na África oriental, a recente penetração do capital mundial impulsio-

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A formação do capitalismo no Brasil e as premissas da revolução proletária

na a população nativa a resistir ativamente ao imperialismo. 4. A Internacional Comunista deve assinalar ao povo negro que não é o único que sofre a opressão capitalista e do imperialismo, que os operários e os camponeses da Europa, Ásia e América também são suas vítimas, que a luta contra o Imperialismo não é a luta de um só povo, mas de todos os povos do mundo que na China, Pérsia, Turquia, Egito e Marrocos os povos coloniais combatem com heroísmo contra seus exploradores imperialistas, que estes povos se sublevam contra os mesmos males que consomem os negros (opressão racial, exploração industrial intensa), que estes povos reclamam os mesmos direitos que os negros: liberdade e igualdade industrial e social. A Internacional Comunista, que representa os operários e camponeses revolucionários de todo o mundo em sua luta por derrotar o imperialismo, a Internacional Comunista, que não é somente uma organização de operários brancos da Europa e da América, mas também dos povos de cor oprimidos, considera que seu dever é alentar e ajudar a organização internacional do povo negro em sua luta contra o inimigo comum. 5. O problema negro converteu-se numa questão vital da revolução mundial. A III Internacional, que reconheceu a valiosa ajuda que puderam trazer para a revolução proletária as populações asiáticas nos países semicapitalistas, considera a cooperação de nossos camaradas negros oprimidos como essencial para a revolução proletária que destruirá o poder capitalista. Por isso o IV Congresso declara que todos os comunistas devem aplicar especialmente ao problema negro as “Teses Sobre a Questão Colonial”. 6. a) O IV Congresso reconhece a necessidade de manter toda a forma de movimento negro que tenha por objetivo socavar e debilitar o capitalismo e o imperialismo, ou deter

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sua penetração. b) A Internacional Comunista lutará para assegurar aos negros a igualdade de raça, a igualdade política e social. c) A Internacional Comunista utilizará todos os meios ao seu alcance para conseguir que os sindicatos admitam os trabalhadores negros em suas fileiras. Nos lugares onde estes últimos têm o direito nominal de se filiarem aos sindicatos, realizará uma propaganda especial para atraí-los. Se não se consegue, organizará os negros em sindicatos especiais e aplicará particularmente a tática da frente única para forçar aos sindicatos a admiti-los em seu seio. d) A Internacional Comunista preparará Imediatamente um Congresso ou Conferência geral dos negros em Moscou.

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