Mundo Livre Sa Juliano Domingues

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO – UNICAP DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – DCS HABILITAÇÃO EM JORNALISMO PROJETO EXPERIMENTAL IMPRESSO

mundo livre s/a: 20 anos de banda

Este trabalho é uma série de quatro reportagens, apresentada, em 2003.2, como Projeto Experimental de conclusão do curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo.

Aluno: Juliano Mendonça Domingues da Silva Professor-orientador: Alexandre Figueiroa Recife, novembro de 2003

mundo livre s/a

Índice das matérias pag. Matéria Principal 1

Matéria Principal 2

03 Liberdade é palavra de ordem para a mundo livre s/a Quinto disco do grupo propõe-se a buscar uma nova linguagem para o pop brasileiro

Vinculada 1 Proposta é unir música, literatura e cinema

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Vinculada 2 Enfrentar o mercado fonográfico não é novidade

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Vinculada 3 Quem é Manoela Rosário?

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Uma volta no mundo livre

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Banda completa vinte anos de trajetória, do hardcore ao samba Vinculada 1

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É punk esquema samba Matéria Principal 3

Matéria Principal 4

Banda acertou na medida Especialistas reconhecem importância da mundo livre s/a para música brasileira

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Vinculada 1 Um grupo que nunca atingirá grande público

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Dois lados de um mundo sem meio-termo

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Fãs e desafetos tentam explicar o amor e o ódio pela mundo livre s/a Vinculada 1

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Para argentino-mexicano, mundo livre s/a é a vanguarda da música

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MATÉRIA PRINCIPAL 1

Liberdade é palavra de ordem para a mundo livre s/a Quinto disco do grupo propõe-se a buscar uma nova linguagem para o pop brasileiro Um disco inovador, conceitual. Mais do que isso. Um disco-manifesto. É dessa forma que o novo álbum da banda mundo livre s/a (grafada assim mesmo, em minúsculo), “O Outro Mundo de Manoela Rosário” deve ser encarado – o quinto disco, em vinte anos de carreira. Quem alerta é Fred Zeroquatro, letrista, líder do grupo e responsável pela concepção do trabalho. “Mas não sou ingênuo a ponto de achar que todo mundo vai entender isso”, pondera. A transgressão, por ele relatada, pode ser resumida em uma frase: liberdade de criação.

De acordo com Zeroquatro, o disco é fruto de um questionamento quase filosófico: qual o conceito de música pop hoje em dia? Essa indagação perseguiu a banda nos últimos três anos, desde que a Abril Music, sua última gravadora, encerrou as atividades – para ele, um sinal claro de falência de todo um modelo de se fazer e vender música no Brasil. Daí, surgiu uma outra pergunta – menos filosófica, mais pragmática: vale a pena fazer um cd de música pop?

Vale, sim, desde que – nas palavras do líder do grupo – sirva para não só negar, mas também quebrar a engrenagem do sistema fonográfico atual. “Esse trabalho desafia toda a lógica do mercado fonográfico. Chega de comodismo. Está na hora de meter o dedo em tudo e transgredir o modelo”, diz, em tom revolucionário. Esse posicionamento, segundo ele, está presente em todo o disco, desde o fato de ter sido inteiramente gravado e produzido fora do eixo Rio-São Paulo, até a média de duração das músicas – de cinco minutos, quando o padrão das gravadoras mais comerciais é de três minutos.

Mas para colocar em prática essa postura, a mundo livre s/a teve de arrumar uma alternativa às grandes gravadoras. A idéia era fazer um disco que não se prendesse apenas à

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reprodução de sons musicais, mas que, pelo conteúdo e forma de elaboração, jogasse luz sobre outras possibilidades que se abrem com a crise do mercado fonográfico. Após três anos de reflexão, a luz brilhou no fim do túnel e veio de um candeeiro, em agosto do ano passado, entre um gole e outro de cerveja, durante uma festa no Recife.

“Por que você não grava a parada pela Candeeiro?”, perguntou Pupilo durante um bate-papo. Ele, além de ser baterista da Nação Zumbi, é dono do selo Candeeiro Records, com sede no Recife e em atividade há quatro anos. “Por que não utilizarmos o formato CD para questionarmos o próprio CD?”, completou Zeroquatro. O acordo foi fechado na hora.

Alternativas - E foi justamente isso que, um mês depois do papo, Fred Montenegro (Zeroquatro), Jadson Macedo do Vale (Bac), Tony Montenegro (Xef Tony), Walter Domingos Pereira Filho (Júnior Areia) e Marcelo Alves Oliveira (Pianinho) fizeram no estúdio Muzak, no bairro de Casa Forte, no Recife. Foram 327 horas de trabalho, encerradas em maio deste ano.

“Os caras são muitos seguros no que fazem”, relata Pupilo, que assina a produção, ao lado do vocalista da banda. “Fred sempre quis se livrar desse compromisso com a indústria fonográfica. Ele sempre odiou muito esse laço que o atrelava a uma gravadora grande”, completa.

A resposta ao que mais parecia ser uma crise de existência das brabas não poderia ser diferente “O objetivo da banda era fazer um disco inovador”, afirma Marcelo Soares, produtor executivo do álbum. Com isso, melodias e refrões perderam espaço. O resultado é um desabafo sob a forma de um disco inquietante, que se propõe a entrar para o hall dos mais inovadores da música brasileira. E Zeroquatro afirma isso sem constrangimentos.

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VINCULADA 1

Proposta é unir música, literatura e cinema A liberdade de criação levou O outro mundo de Manoela Rosário a dialogar com outras linguagens, na busca por um novo formato de música pop. “Tentamos definir um outro papel para a música no Brasil”, afirma Zeroquatro. Ao lado da música, estão a literatura e o documentário.

Para ele, o papel da Candeeiro Records foi fundamental para a proposta do grupo, o que é assegurado por Pupilo. “Não houve qualquer tipo de restrição ou exigência. As músicas foram mudadas quantas vezes a banda achou que fosse necessário”, diz o produtor.

Esse processo de integração de linguagens artísticas é identificado a partir do título do álbum. Manoela Rosário é um diálogo com a literatura, já que se trata de um personagem presente ao longo de todo o disco, como se cada canção fosse uma espécie de capítulo. Zeroquatro confessa, até, que ela pode virar o personagem principal de um futuro livro seu. “Tenho um bom material. Só não sei, ainda, qual destino darei a ele”.

Em outro momento do disco, na faixa “O outro mundo de Xicão Xucuru”, uma reportagem – e não um trecho de música – é “sampleada”. O “sample” é um recurso de edição de som, como uma espécie de colagem sonora, bastante utilizada na música eletrônica. “Trata-se de um conceito diferente de ´sample´. ´Sample´ sendo ousado. Isso é quase uma ofensa a certos ideólogos do pop”, destaca.

A idéia de fazer um videoclipe que mais parece um documentário – como em “O outro mundo de Xicão Xucuru”, produzido pela TV Viva – também faz parte do conceito proposto no disco. Além disso, qualquer pessoa pode se habilitar a produzir um “videoclipe genérico”, como diz Zeroquatro. Se a banda estivesse vinculada a uma gravadora, seria preciso uma autorização da empresa. “Hoje, estamos livre desse tipo de coisa”, finaliza.

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VINCULADA 2

Enfrentar o mercado fonográfico não é novidade “A gente quis aproveitar a liberdade total que tivemos, pelo fato do disco ter sido produzido por um amigo e parceiro que é Pupilo, e no Recife, para dizermos o seguinte: fomos quase engolidos por uma engrenagem que funcionou por algumas décadas e que era totalmente perversa com o compositor e com o consumidor. Agora, há a possibilidade de zerar tudo isso”, afirma Zeroquatro, em tom claro de enfretamento ao sistema fonográfico.

Apesar da ruptura, fazer música de maneira independente, nos moldes propostos pela mundo livre s/a, não é nenhuma novidade, de acordo com o doutor em Sociologia da Arte pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Paulo Marcondes. “Na segunda metade dos anos 70, as produções independentes foram um grande desmapeamento em comparação com o que produziam as grandes gravadoras”, observa.

Marcondes cita como exemplos o selo Lira Paulistana e o Feito em Casa, de Antônio Adolfo, pelo qual Arrigo Barnabé lançou seu primeiro LP, chamado “Clara Crocodilo”. Ainda segundo ele, foi nos anos 80 e 90 que a produção alternativa pipocou, ou seja, no mesmo período em que as multinacionais fonográficas começavam a exercer maior influência no mercado nacional. “Mas a atitude da banda, de não optar por uma grande gravadora, não deixa de ser ousada”, reconhece.

Para o doutor em Sociologia da Comunicação pela Universidade de Westminster, em Londres, Nadilson Manoel da Silva, o mais interessante na postura do grupo é se propor a abrir caminhos, a partir de vários questionamentos feitos ao mercado e sua relação com os músicos. “O interessante é querer mostrar uma visão sobre a produção artística, que não esteja completamente sobre os controles externos das gravadoras”. Para Nadilson, é preciso, agora, saber de que forma essa postura repercute em outros artistas.

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VINCULADA 3

Quem é Manoela Rosário? Afinal de contas, quem é essa tal de Manoela Rosário? Essa será a pergunta mais freqüente que os integrantes da mundo livre s/a terão de encarar daqui para frente. “Manoela Rosário é uma ficção, com muito de realidade”, responderá Zeroquatro. Aliás, é sempre assim que o criador se refere a sua relação com a personagem, como se ela nunca tivesse existido de fato.

A versão oficial conta que Manoela é brasileira, mas conheceu a banda em Guadalajara, no México, onde estudou cinema e se envolveu com a guerrilha zapatista. É aí que a ficção toma forma de realidade – ou será o inverso? É que boa parte dessa lenda urbana é bem real e encontra-se vizinha ao estúdio onde o disco foi gravado, em Casa Forte. É lá onde a arquiteta Séfora Silva passa boa parte do seu dia, no Museu do Homem do Nordeste, na Avenida 17 de Agosto, onde trabalha.

Paulista de nascimento e pernambucana por opção, Séfora é receptiva, simpática, de sorriso fácil e, assim como Manoela Rosário, estudou cinema na Universidade de Guadalajara. Para confirmar ainda mais a suspeita, ela diz ser uma grande admiradora da causa Zapatista. “Sempre fui militante”, assegura. Ela esteve na cidade de San Juan de Dios, em Chiapas, onde se encontra um dos principais quartéis generais da guerrilha liderada pelo subcomandante Marcos.

“Acompanho todos os discursos dele. Marcos representa o mexicano comum em busca dos valores da sua terra”, afirma. A admiração pelo zapatismo virou até nome de bar. Entre 1994 e 1998, funcionou, na Cidade Alta de Olinda, o bar e restaurante Viva Zapata!, do qual Séfora era uma das proprietárias.

As coincidências não param por aí. Manoela Rosário, segundo Zeroquatro, gravou vários documentários, dentre os quais um sobre os índios Xucurus. “Quem assistir ao

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videoclipe da música “O outro mundo de Xicão Xucuru” pode até pensar que as imagens foram gravadas por Manoelita”, brinca o líder da mundo livre s/a.

Ao mesmo tempo, Séfora já participou de vários vídeos, curtas e longas-metragens. Como se não bastasse, ela confessa que chegou a discutir com colegas cineastas a possibilidade de fazer um documentário sobre os índios Xucurus – o que não se concretizou.

Pensativa, Séfora afirma que ainda não havia tomado conhecimento da idéia contida no novo disco do grupo. Durante a constatação das semelhanças, ela divertiu-se bastante. “Realmente, há muita coisa parecida. Mas eu não sou a... como é mesmo o nome dela? Manoela? É isso?”, afirma, com um leve sorriso.

Vida real – Séfora sempre acompanhou o trabalho da banda. Mas a relação entre ela e o grupo se intensificou em 1995, quando estudava cinema em Guadalajara. Para o México, ela levou o disco “Samba Esquema Noise”, o primeiro da mundo livre s/a, lançado um ano antes, e o apresentou ao seu amigo Che, um dos produtores da rádio universitária. As músicas do álbum logo entraram para o set list. Era o início de uma relação que iria gerar bons frutos para a banda.

Em 1996 o grupo lança o álbum “Guentando a Ôia”, do qual uma das faixas homenageia o subcomandante Marcos. “Salve Marcos, salve, salve / Viva México!”, diz a letra. Séfora teve, então, a idéia de sugerir à universidade a participação da banda em um festival de música, programado para janeiro de 1997. A homenagem ao país era o gancho de que ela precisava.

“Consegue as passagens que o resto é comigo”, disse ela, por telefone, a Antônio Gutierrez, o Guti, então empresário da banda. Na segunda quinzena de janeiro de 1997, a mundo livre s/a rompeu as fronteiras do Brasil e aterrissou na Cidade do México. Foram quatro apresentações em 15 dias – uma pela universidade e três em casas de shows.

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Nesse meio tempo, Séfora ainda roteirizou e dirigiu a gravação do videoclipe da música “Desafiando Roma”. As filmagens foram feitas em apenas um dia e consumiram R$ 300,00. “Gastamos só com a compra das fitas. Foi um barato”, recorda.

Hoje, Séfora Silva coordena o projeto Faço Arte com Quem Sabe, hospedado no prédio no Museu do Homem do Nordeste, onde são ministradas oficinas de arte voltadas a crianças de baixa renda. Mais recentemente, ela assinou a produção de arte do premiado filme de Cláudio Assis “Amarelo Manga”. Em andamento, está mais uma produção de arte para outro longa, dessa vez dirigido por Marcelo Gomes, chamado “Cinema, aspirinas e urubus”.

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MATÉRIA PRINCIPAL 2

Uma volta no mundo livre Banda completa vinte anos de trajetória, do hardcore ao samba Rua José Bonifácio, número 43, bairro da Madalena. Às 14h30, Damião Venâncio Coutinho, de 61 anos dá uma geral no ambiente, localizado nos fundos do terreno. Aspirador e purificador de ar em mãos, é hora de preparar o estúdio. Cinzeiros e carpete limpos, biscoitos, bolachas e café à espera da banda que irá ensaiar das 15h às 18h. É a mundo livre s/a, que acumula cinco discos gravados em 20 anos de trajetória. Mas antes do grupo chegar, um flashback.

Rua Abdo Cabuz, bairro de Candeias, 1978. O garoto Fred Rodrigues Montenegro, de 16 anos, acabou de chegar da Mesbla Magazine, localizada, à época, na rua da Palma, no centro do Recife. Na sacola, ele trazia um single do grupo Silvester. A música “You make me feel” tocava no último volume, sob reclamação da sua mãe, Eliete. O som rolava solto na radiola, observada com atenção por Tony Montenegro, caçula da família, de apenas seis anos, e por Fábio Montenegro, de 11 – os três integrariam, anos mais tarde, a mundo livre. Mas até lá, há um pouco de história a ser contada, com mais flashback.

Fred Montenegro comprava tudo quanto era disco – desde a Discoteca do Papagaio até Rick James, passando por Slade, Nazareth, Yes e Rolling Stones. “Eu misturava rock com discoteca, o que era uma heresia, como fui saber depois. Mas como não conhecia ninguém que também gostasse de música, não tinha quem tirasse onda com a minha cara por causa disso”, diverte-se.

Na mesma época, a duas ruas da Abdo Cabuz, uma radiola também rodava, mas o som era bem diferente. Lá, Renato Lins, também com 16 anos, escutava “My Generation”, clássico do The Who. Na sua coleção, porém, nada de discoteca; só rock anos 60, como Jimi Hendrix e... Rolling Stones. Pois foi justamente a música de Mick Jagger e Keith Richards que aproximou Fred e Renato.

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Em 1979, o cenário era outro: beira-mar de Candeias. Um jovem de 17 anos, cabelos encaracolados e óculos escuros à Bob Dylan, toca Stones rodeado por amigos – era Fred Montenegro. Renato, que caminhava pela praia, escutou e se aproximou. “Posso dizer que foi um encontro que mudou a minha vida”, confessa Renato.

Na verdade, mudou a vida de ambos. “Antes de conhecer Renato, eu era o típico consumidor de música solitário. Não tinha ninguém com quem compartilhar informação”, diz Fred, que ganhava, a partir daquele momento, uma espécie de orientador musical. Na verdade, Renato Lins, mais conhecido por Renato L, tornou-se um verdadeiro guru intelectual da turma de Candeias e um dos co-criadores da mundo livre.

Quanto mais sujo, melhor - Em 1982, Renato L participou de um congresso de Comunicação Social em São Paulo e conheceu a efervescente cena punk da região do ABC paulista. Na volta de Sampa, na bagagem, o estudante de jornalismo trouxe o LP “Grito Suburbano”, a primeira coletânea brasileira dos grupos do gênero. “Quando nos reunimos para escutar o disco, pensei: isso é que é som”, lembra Fred. O LP reunia grupos como Olho Seco, Cólera e Inocentes. “Daí em diante, todo mundo quis montar uma banda punk”, completa Renato L.

Nascido no final dos anos 70, o punk rock foi reciclado em São Paulo e fincou raízes, também, junto aos coqueiros da praia de Candeias. Fred Montenegro adotou o apelido Rato, assumiu a filosofia do “faça você mesmo” e ensinou não só baixo ao irmão Fábio, como também bateria e guitarra aos amigos Avron e Neguinho, respectivamente. Juntos, eles formaram a banda Trapaça, que deu lugar a Serviço Sujo, em 1983. Era o reflexo da influencia do LP “Grito Suburbano”.

Mas ser punk não era apenas ter uma banda; era, sobretudo, ter atitude. E isso significava cara de poucos amigos, calças rasgadas, coturnos, narizes furados com grampos e, é claro, anarquia – ensinamentos que o pessoal de Candeias levou ao pé da letra. “A turma se vestia de preto, ia para as festas dos ‘boyzinhos’ e destruía tudo. Em Candeias,

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terra de praia e muito sol, eram mesmo que alienígenas”, relembra Tony Montenegro, hoje com 32 anos, antes de soltar uma boa gargalhada.

Punk, praia e samba? - Mas um punk rocker escutaria Samba? E funk? A princípio, a resposta é não. Mas um dos ícones do gênero, a banda inglesa The Clash, havia lançado, em 1981, o disco “Sandinista”. Nele, como disse John Piccarella em resenha da revista Rolling Stones em março daquele ano, há uma verdadeira mistura de ritmos, sobretudo jamaicanos, com espaço para o reggae e dub. “Essa mistura deu um curto-circuito na cabeça da gente”, lembra Renato L.

É que em 1983, uma corrente do punk rock inglês ganhava força, a chamada segunda geração – ou seja, posterior àquela dos Sex Pistols e do The Clash. Dela, faziam parte bandas como Exploited e Damed, com as quais boa parte dos grupos de São Paulo se identificava. Mas a turma de Candeias gostava mesmo era de The Clash. Então, misturar samba e punk “era nenhuma”.

O resultado é o fim da Serviço Sujo e a fundação, em 1984, da mundo livre s/a. “A proposta era ser uma banda com atitude de provocação oriunda do punk, anarquista, mas que, musicalmente, não se limitasse às amarras do hardcore ou de qualquer outro gênero específico”, explica Fred, que passou a se chamar Zeroquatro – nome de guerra formado a partir dos dois últimos dígitos da sua carteira de identidade, como uma espécie de agente secreto.

Para Renato L, a formação da mundo livre representou um processo evolutivo. “Fred sempre foi talentoso demais para se resumir à simplicidade do punk rock. O refinamento está até no nome da banda” – uma sutil ironia com o “mundo da liberdade” norte-americano.

Em seguida, Neguinho e Avron saíram do grupo, para o qual entraram Tony, Bactéria e Otto – que em 1996 deu lugar a Marcelo Pianinho. Fábio também deixou a banda, no final de 2002, para a entrada de Júnior Areia. Está aí a formação atual: Fred

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Zeroquatro no cavaquinho, violão, voz e guitarra; Bactéria nos teclados e nas guitarras; Areia no baixo; Tony na bateria e Pianinho na percussão.

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De volta a 2003, Rua José Bonifácio, 43, Madalena. São 15h e Damião faz os últimos ajustes no ar condicionado. "Já era pra eles terem chegado", comenta, olhando o relógio de parede. Com 45 minutos para encerrar as três horas reservadas ao ensaio, chega a banda. Todos atrasados. A causa: fila de banco. Mas não há problemas, o clima é de alto astral. Disco novo nas lojas, novo gás. “Esse é o melhor momento que a banda já viveu”, destaca Zeroquatro, sorridente.

Damião é nome certo na lista de agradecimentos dos discos. Desde 1996, ano de inauguração da casa, a mundo livre s/a ensaia no seu estúdio. “Acho isso uma bobagem”, diz Damião, referindo-se aos agradecimentos. “Eles não estão pagando pelo serviço? Então, por que agradecer dessa forma?”, indaga, encabulado.

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É punk esquema samba “Mandou me chamar, eu estou aqui, o que é que há?”, parecia dizer o balacobaco do samba de Dona Yvone Lara à sisudez do punk dos Sex Pistols, The Clash e companhia. É que, na verdade, apesar de ter o rock do ABC paulista como um modelo pelo qual se guiar, o punk do pessoal de Candeias sempre esteve acompanhado de samba, suor e cerveja.

O disco de estréia da mundo livre s/a, por exemplo, lançado em 1994 pelo selo Banguela, dos Titãs, tem o nome de “Samba Esquema Noise” – uma referência direta ao disco de estréia de Jorge Ben, “Samba Esquema Novo”, considerado pela crítica musical como um dos marcos do samba-rock brasileiro.

Para contar um pouco mais sobre essa influência, vale “um parêntese”. Zeroquatro lembra que escutava o disco Tábua de Esmeraldas, comprado pelo seu pai, José Rodrigues Montenegro, mais conhecido por Zelito, e fazia que tocava um violão, imitando Jorge Ben. “Aí meu pai me prometeu que, se eu passasse por média na escola, me daria um instrumento. Passei, ganhei um violão e ficava tentando aprender a batida do disco”, recorda-se.

Mas não dava para ficar só imitando, era preciso aprender. Daí, Zelito chamou o vizinho do prédio de trás, que era músico de uma banda de baile, para dar umas aulas ao filho. No repertório, desde valsa até Kiss, banda de rock preferida do professor. Na primeira aula, o garoto aprendeu três acordes, com os quais compôs uma canção.

No dia seguinte, apresentou-a ao músico. “Rapaz... tu és um compositor!”, espantou-se o professor. “Pois é... gostei de inventar”, disse o garoto em seguida. Zeroquatro não lembra o nome do professor, mas não esquece aquele momento, até porque aquela era a primeira de uma série de “invenções”.

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Do violão ganho de presente pelo pai para a guitarra foi um pulo – ou melhor, uma noite. Era alguma sexta-feira de 1981, quando a Banda Vermelha das Trevas se apresentava em um bar na avenida Bernardo Vieira de Melo, em Candeias. Os amigos Fred Montenegro e Renato Lins vinham da praia, sem rumo, após fumar “unzinho”, quando entraram no bar para ouvir o som.

“Do nada, no meio do show, o guitarrista chamou Fred ao palco para tocar guitarra. Foi um momento decisivo... né?”, lembra-se Renato L, diringido-se ao amigo, com certo saudosismo. “Decisivo, sim, pois era a primeira vez que eu pegava em uma guitarra”, completa Zeroquatro. No dia seguinte a essa noite, veio a idéia de formar uma banda, a Trapaça – mas essa história já foi contada. Bem, agora é hora de “fechar o parêntese” aberto há quatro parágrafos e voltar a mundo livre, em 1984.

Punk e samba no mesmo groove - Surgiu, então, o primeiro show, em março, em uma churrascaria, no bairro de Candeias. Na platéia, só os pais dos integrantes. Um mês depois, a banda tocou em uma festa de 15 anos, também em Candeias, com a guitarra, o baixo e o microfone conectados em um micro-system “3 em 1”. No repertório, só mundo livre, como “Samanta Smith”, inédita até hoje, “Rios, pontes (smart drugs) e overdrives”, gravada no disco de estréia, e “Quarta Parede”, do disco “Carnaval na Obra”, lançado em 1998. O tamborim e o agogô estavam lá, presentes – o cavaquinho, porém, só entrou no som da banda quatro anos mais tarde, em 1988.

Depois, foi a vez das boates da zona sul, como Lacadoro e Grants. No cartaz de divulgação, lia-se “Show de rock com a banda mundo livre s/a”. “O pessoal via esse anúncio e não entendia quando a gente começava a tocar com tamborim e outros instrumentos de percussão”, diverte-se Zeroquatro. No palco, a platéia assistiu à esquisita tentativa de misturar samba, psicodelia, noise e punk – o que se poderia chamar de psychosamba.

Mas a banda encontrou seu público nos shows da Soparia de Roger de Renor, no Pina; no Espaço Arte Viva, em Boa Viagem – coordenado por Lourdes Rossiter –; nas

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apresentações no Espaço Oásis, em Casa Caiada, Olinda; e no circuito Viagem ao Centro do Mangue. A partir daí, início da década de 90, a cooperativa que deu origem ao Movimento Manguebeat começou a se formar e a unir Rio Doce a Piedade, Barra de Jangada a Casa Caiada. Dividiram os mesmos shows bandas como Loustal, Chico Science e Lamento Negro e mundo livre s/a.

Abril pro Rock - O show decisivo surgiu em 1993, no primeiro Abril pro Rock, sob as lonas do Circo Maluco Beleza. Com o irmão caçula Tony na bateria, Bactéria nos teclados e Otto na percussão, a mundo livre mostrou aos correspondentes da imprensa nacional, como a revista Bizz e a MTV, presentes ao evento, que os caranguejos do Recife tinham cérebro.

Ainda em 1993, o grupo se juntou a Chico Science e Nação Zumbi e caiu na estrada em busca de contatos com gravadoras. Em São Paulo, fizeram uma apresentação na casa de show Aeroanta, para 700 pessoas. Era a Mangue Tour, que incluiu, também, Belo Horizonte.

Na volta para o Recife, as bandas trouxeram contrato assinado para gravação de disco. Chico Science e Nação Zumbi assinou com a Sony o lançamento de três discos e a mundo livre acertou com a Banguela, dos Titãs, a gravação do disco de estréia. Com “Samba Esquema Noise”, a banda de Candeias entrou para o hall das mais importantes dos anos 90. O disco ganhou o Prêmio Bizz em três categorias: Melhor Disco, Melhor Letrista e Banda Revelação.

Com o segundo álbum, “Guentando a Ôia”, de 1996 – lançado pela Excelente Records, um outro selo da Warner –, a banda estreou internacionalmente, com shows no México. Em setembro de 1998, saiu o terceiro álbum, “Carnaval na Obra”, pela Abril Music. Baseado nesse disco, a Associação de Críticos de Arte de São Paulo (APCA) elegeu a mundo livre como a melhor banda do ano.

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Em 2000, a banda ganhou outro prêmio da APCA. “Por Pouco”, lançado em 2000 pela Abril Music, é eleito melhor disco daquele ano. Agora, a banda aguarda os frutos de “O Outro Mundo de Manoela Rosário”.

Sugestão de arte: discografia da banda Samba Esquema Noise (Banguela/1994) Guentando a Ôia (Execelente/1996) Carnaval na Obra (Abril/1998) Por Pouco (Abril/2000) O Outro Mundo de Manoela Rosário (Candeeiro/2003)

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MATÉRIA PRINCIPAL 3

Banda acertou na medida Especialistas reconhecem importância da mundo livre s/a para música brasileira

“Da lama para a fama: Recife inventa o manguebeat”, traz a manchete da primeira reportagem sobre a cena recifense na imprensa nacional, escrita pelo jornalista José Teles e publicada na extinta revista Bizz (Editora Abril), em março de 1993. Na foto, Fred, acocorado no mangue do Rio Capibaribe, empunha o cavaquinho com uma mão, enquanto a outra faz o sinal da patola do caranguejo. Ao seu lado, Chico Science e Nação Zumbi e o restante da mundo livre s/a.

Exatamente um ano após a publicação da reportagem, a banda liderada por Zeroquatro entrou no estúdio Be Bop, em São Paulo, para gravar o disco de estréia, “Samba Esquema Noise”, produzido por Carlos Eduardo Miranda. “Fiquei quase três dias sem sair do estúdio, sem dormir, possuído por aquele disco”, lembra Miranda.

A repercussão ganhou as páginas dos jornais. “A estréia do mundo livre s/a é embasbacante. Esse segundo grupo a despontar da tal cena de Recife fez a última coisa que se esperava: um disco importante”, dizia a nota publicada no jornal Folha de S. Paulo, em 05 de setembro de 1994. Era meados da década de 1990 e a banda despontava como a grande novidade do pop nacional. Até na badalada coluna social de Joyce Pascowitch o grupo figurou: “Malu Mader estréia agora como cantora. Faz backing vocal no disco da banda mundo livre s/a, do Recife, no hit Musa da Ilha Grande”, dizia a nota, também publicada em 1994.

Após quase 10 anos de estréia fonográfica e cinco discos lançados, pode-se dizer que o grupo está mais do que inserido no contexto musical do País. “A mundo livre é uma banda que, apesar de não ser uma das minhas preferidas, é importantíssima dentro do

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cenário brasileiro”, admite o jornalista Luiz César Pimentel, diretor de redação da revista Zero.

O músico João Marcelo Bôscoli, produtor e presidente da gravadora Trama, também enxerga o grupo de forma diferenciada no cenário da música brasileira. “Acho uma das bandas mais criativas dos nossos dias. Fred Zeroquatro é especial”, garante. A Trama é responsável pela distribuição do último disco do grupo, “O Outro Mundo de Manoela Rosário”, gravado pelo selo recifense Candeeiro Records.

Bôscoli participou da votação para eleger os 25 melhores discos do Brasil, realizada pela revista Zero, na sua edição de agosto último. Em 16°, logo à frente do álbum “As Quatro Estações”, da Legião Urbana, está “Samba Esquema Noise”. Além do produtor da Trama, outras 178 pessoas, entre jornalistas, produtores, críticos e músicos, participaram da votação. Bôscoli, porém, é um tanto cauteloso ao falar sobre o primeiro disco do grupo. “Adotar o termo ‘clássico’ para se referir à mundo livre é curioso. Prefiro dizer que é um grande álbum”.

Em uma outra recente votação, desta vez realizada pela Revista da MTV, em fevereiro deste ano, 52 pessoas ligadas, direta ou indiretamente, ao ramo da música elegeram os 100 melhores discos brasileiros de todos os tempos. Bôscoli também participou dessa votação. Em 50° lugar está, novamente, o disco de estréia do grupo, à frente de clássicos da música nacional, como o álbum branco de Caetano Veloso (Philips/1969); Matita Perê (Polygram/1973) e Wave (AM Records/1967), de Tom Jobim; e Volume 2 (RGE/1967), de Chico Buarque.

Pimentel procura justificar o bom desempenho de crítica do disco. Para ele o “Samba Esquema Noise” marca o maior mérito da banda: misturar samba com guitarras pesadas e samplers. O som une o harmônico e o pesado na medida certa. “Isso abriu a cabeça de muita gente para a possibilidade de usar gêneros diferentes de forma harmônica e com qualidade”.

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O jornalista e escritor Alex Antunes, colaborador da extinta revista Bizz, segue pelo mesmo caminho do diretor de redação da revista Zero: a banda de Candeias acertou no tempero da mistura. Para ele, os tropicalistas abriram o que chama de “crise de dosagem” que, em outras palavras, significa se perguntar o quanto de música de raiz e o quanto de cosmopolitismo fazem ou fariam o pop nacional. “Essa dosagem, o iê-iê-iê e o samba-rock fizeram sem se perguntar”, compara.

Mas para Antunes, essa é uma pergunta cerebral, cuja única maneira de ser respondida é por meio do talento e da intuição, e não “cerebralmente”. “E o Zeroquatro tem isso, apesar das suas preocupações políticas ostensivas”, afirma. Nesse sentido, a banda é, para ele, o elo perdido da inspiração entre os compositores da MPB-pop da passagem dos anos 60 para os 70 e o momento atual. Isso tem gerado, segundo Antunes, uma espécie de retomada com boas conseqüências, como o Los Hermanos dos últimos dois discos. “Ou seja, para ser Chico Buarque, só faltou o Zeroquatro ser lindo”, diz.

Para o também jornalista José Teles, autor do livro “Do Frevo ao Manguebeat”, lançado em 2000 pela editora 34, a mundo livre possui características que são só suas, desde a sonoridade, até a postura política. “Eles fazem músicas de cunho social e político, mas não pertencem a nenhuma facção, nem étnica, nem ideológica”, ressalta. Quanto à música, Teles é contundente. “O som não tem parâmetros com outros grupos atuais. A banda é única”.

Com relação a esse aspecto, Pimentel é um pouco mais ponderado. Para ele, a originalidade se restringe aos três primeiros discos da banda – “Samba Esquema Noise” (Banguela/1994), “Guentando a Ôia” (Execelente/1996), e “Carnaval na Obra” (Abril/1998). “Esses três discos são muito bons. Desde então, vejo uma repetição na fórmula, culminando neste último, de 2003 [“O Outro Mundo de Manoela Rosário”], que, sinto, não acrescenta nada à banda”.

Alex Antunes compartilha, em parte, da mesma opinião de Pimentel. Apesar de ter feito um disco de estréia, nas suas palavras, “maravilhoso”, a banda não manteve uma

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regularidade quanto ao estilo de produção. “O segundo disco é espartano demais, simples demais”, opina. Mas, ao mesmo tempo, “Guentando a Ôia” é apontado por ele como o início da busca pelo equilíbrio entre uma mobilização excessiva de recursos sonoros, presentes no “Samba Esquema Noise”, e a simplicidade. “Desde então, eles vêm tentando achar um modo equilibrado de produção, com alguns resultados muito bons”, completa Antunes.

Os resultados satisfatórios se devem, de acordo com Tárik de Sousa, do Jornal do Brasil, à coerência e organicidade preservada pela banda ao longo dos discos. Segundo ele, aceitar a tarefa de experimentar novas linguagens é um desafio e algo muito difícil. “O importante é que nesses ‘altos’ e ‘baixos’ a coerência seja mantida, o que está acontecendo com a mundo livre s/a”.

Para ele, o último disco da banda, o mesmo criticado negativamente por Pimentel, é algo realmente inovador. “Uma mistura revolucionária de música, política, jornalismo, roteiro de cinema”, destaca Tárik.

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Um grupo que nunca atingirá grande público Por um lado, elogios da crítica: “mistura perfeita”, “banda única”, “disco maravilhoso”, “Zeroquatro é especial”. Por outro, poucos discos vendidos: 15 mil cópias, em média, segundo dados da Warner e Abril Music – detentoras dos direitos fonográficos da banda.

Há controvérsias, porém, quanto a esses números. “Isso é uma máfia. Não temos nem noção de quantos discos vendemos, pois deixamos de receber relatórios das gravadoras há um bom tempo”, afirma Zeroquatro. Como exemplo, ele relata que a banda vendeu cerca de 4,5 mil cópias nos Estados Unidos e nunca recebeu qualquer comprovante de prestação de contas. ”Já do último disco, cujos números estamos acompanhando de perto, vendemos 3 mil cópias em um mês!”, festeja o que considera um bom desempenho mercadológico para uma banda independente.

Para o diretor de redação da revista Zero, Luiz César Pimentel, comemorar muitas cópias vendidas nunca será uma prática do grupo. Ele encaixa a mundo livre no estereótipo de banda cult, daquelas que agradam a crítica, mas nunca venderão muito. No entanto, o grupo sempre manterá uma média de discos vendidos considerada boa, quando se trata do contexto nacional. “Daqui a 20 anos, pessoas ainda vão estar comprando o disco. O grupo contraria as bolhas de explosão, aquelas bandas que vendem 1 milhão de cópias e param por aí”. De acordo com Pimentel, isso faz da mundo livre um bom exemplo para a indústria musical.

O jornalista especializado em música Alex Antunes também afirma que dificilmente a banda atingirá o grande público. O principal motivo que o leva a pensar dessa forma se deve ao fato de Zeroquatro abrir mão do que ele chama de “estratégia de celebridade”, em favor de um conjunto, formado pelos integrantes da banda. “Eu, sinceramente, acho essa ‘estratégia de celebridade’ mais prática, embora tenha seus riscos”. Nesse sentido, para Antunes a banda é um veículo de um grande compositor de MPB, passando-se por coletivo.

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Em outras palavras, Zeroquatro venderia mais se seguisse carreira solo, assim como Otto que, para Antunes, é um bom exemplo de artista que se utilizou desse instrumento.

O ex-percusionista da mundo livre s/a abandonou a coletividade – a banda – logo após a gravação de “Guentanto a Ôia” e seguiu carreira solo. Antunes argumenta, ainda, que o seu disco de estréia, “Samba pra Burro” (Matraca/Trama/1998), apesar de ter sido uma parceria com Apollo 9, leva apenas seu nome na capa. De acordo com a assessoria de comunicação da Trama, gravadora pela qual Otto lançou seus outros quatro discos, o álbum de estréia vendeu 30 mil, e o segundo, “Condom Black”, 20 mil – quase o dobro da média da mundo livre.

José Teles, porém, discorda de Antunes. Para ele, outros artistas com trabalhos muito mais complexos atingiram o grande público. “Isso é imprevisível”, garante. Como exemplo, Teles cita os cantores do Tropicalismo, cujas músicas tocavam nas rádios “o tempo inteiro”. Hoje, salvo um ou outro fenômeno isolado, são raros os grupos que conseguem sucesso sem tocar no rádio. “A mundo livre não é uma exceção”.

Tárik de Sousa, do Jornal do Brasil, atribui a dificuldade de tocar no rádio não à complexidade do trabalho do artista, mas a um a fator externo: a prática do jabá (valor pago pelas gravadoras, para as rádios tocarem seus artistas). Ele compara o jabá à censura imposta pela ditadura, que deixou de ser política para se tornar econômica. “Ou seja: sem jabá, não se toca nas grandes cadeias de rádio e TV, as que atingem o povão e podem motivar uma adesão maior ao ideário da banda”.

Uma outra barreira apontada por Tárik é a postura política do grupo. “A probabilidade de altas vendagens de uma banda questionadora e incômoda para o sistema, hoje mais deteriorado do que nunca, é pequena”. Mas mesmo assim, destaca ele, a mundo livre s/a cumpre, dinamicamente, seu papel de não só inovar no cenário brasileiro, mas buscar uma linha engajada, ansiosa por uma unidade latino-americana. “Até que ponto isso será assimilado, vai virar corrente ou influenciará outros criadores, ainda é cedo para definir”, finaliza.

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Dois lados de um mundo sem meio-termo Fãs e desafetos tentam explicar o amor e o ódio pela mundo livre s/a Vinte anos de estrada, 10 de indústria fonográfica e cinco discos lançados. Uma banda com esse histórico tem, naturalmente, fãs. Mas onde estão os fãs da mundo livre s/a? Música estourada nas rádios ou videoclipe entre os mais pedidos da MTV nunca estiveram no currículo do grupo de Candeias. Além disso, o grupo faz aquele tipo de som que ou agrada ou desagrada, sem meio-termo. Portanto, não se vê um fã da banda facilmente, andando na rua ou em cada esquina, por exemplo.

Em Olinda, em uma pequena casa dúplex do bairro de Ouro Preto, está um exemplo de cultuador da banda. Trata-se do jornalista Bruno Brito, de 24 anos – seis deles movidos a muito “samba esquema noise”, como ele diz. “O cara que curte o grupo não é uma pessoa alienada politicamente, mas quem consegue enxergar a realidade das coisas, mesmo quando ela não está explicitamente clara”, garante, para brincar em seguida: “poxa, será que sou convencido?!”

Se Brito sente-se assim hoje, ele deve agradecer a Fred – não o Zeroquatro, mas a um primo chamado Fred Brito. Foi ele quem o fez “enxergar a realidade”, em meio a uma prateleira cheia de discos. Isso foi em janeiro de 1997, quando os dois passeavam pela sessão de música de um supermercado no bairro da Torre, no Recife. Na prateleira, “Guentando a Ôia”, segundo disco da banda, pela bagatela de R$ 13,00. “Compra, rapaz. Essa banda é muito boa, vale a pena! E por esse preço...”, recomendou Fred Brito, admirador do movimento Manguebeat e vizinho de Francisco Assis França, o Chico Science, em Rio Doce.

Brito ouviu o conselho e tornou-se fã incondicional das criações de Fred e companhia – não o primo, mas, agora, o Zeroquatro. “A mundo livre reúne, em suas músicas, tudo o que há de bom e de ruim na vida. Numa hora, o grupo fala da causa dos

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índios Xucurus [‘O Outro Mundo de Xicão Xucuru’, presente no último disco]; noutra, uma música diz que vai fazer a mulher tremer [‘Treme-Treme’, do disco Por Pouco, de 2000]”, argumenta.

Mas ele confessa ter sido o discurso politizado da banda que o conquistou. Ele conta que na primeira vez em que foi a um show do grupo, ouviu um discurso de Zeroquatro em defesa da resistência da Venezuela e de Hugo Chaves, frente a uma suposta conspiração americana. “Isso mexe comigo. Ele não é o primeiro nem será o último a fazer isso. Mas quem mantém essa postura de contestação hoje?”.

Originalidade – Para o editor de imagens George Tavares, de 27 anos, o grupo carioca O Rappa também fala de questões políticas. “Mas não de forma tão clara como faz a mundo livre, cujas letras me fazem pensar mais”, ressalta. O que chama atenção dele, além “das letras que o fazem pensar”, é a diversidade rítmica. “Tanto faz tocarem uma coisa mais sutil e dançante musicalmente, como também uma porrada, um hardcore”.

Tavares, morador de Jardim Paulista, Região Metropolitana do Recife, está produzindo um CD-ROM da mundo livre s/a, a custo zero para a banda. Fã tem dessas coisas. Foi justamente durante a produção desse CD-ROM que Tavares ouviu o que, para ele, é a melhor definição do grupo. “A mundo livre é ímpar”, disse Jorge Du Peixe, vocalista da Nação Zumbi. “A mundo livre é única! Quero ver alguém dizer: eles copiaram essa ou aquela banda. Não tem como dizer isso, pois eles são originais”.

A originalidade é também destacada pela estudante de psicologia Bruna Roberta Íris, de 22 anos. “Eles fazem um ritmo diferente, bem original”, afirma, com entusiasmo, para, em seguida, derreter-se. “Acho tudo que Fred faz maravilhoso”. Para ela, não é difícil identificar um fã da banda. “Quem gosta de boa música, gosta da mundo livre s/a”, garante. No entanto, ela se confunde ao tentar buscar os motivos que a fazem ser uma fã. “Acho que é por conta das melodias... ou das letras, que são sensíveis e, ao mesmo tempo, politizadas... acho que é por aí... não sei”.

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A estudante de psicologia considera-se uma louca pela banda, daquelas capazes de fazer qualquer coisa para não perder um show, mesmo que esteja doente, com amidalite, por exemplo – como aconteceu no último dia 12 de outubro, quando a mundo livre se apresentou no campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Desde o Abril pro Rock de 2001, quando viu a banda no palco pela primeira vez, ela vai a todos os shows.

“Me encantei. Achei o máximo. Eu nunca tinha ouvido uma mistura daquelas: samba com punk rock; guitarra com cavaquinho”, lembra. Seu namorado à época, o jornalista Marcel Tito, levou-a para a “fila do gargarejo”, bem em frente a Fred Zeroquatro. Aliás, de acordo com Bruna íris, ser jornalista é meio caminho andado para gostar da banda. É que outros dois amigos seus, além do ex-namorado, são jornalistas e fãs da banda de Candeias.

Do outro lado do Mundo – O jornalista Roberto Beltrão, de 35 anos, porém, é enfático ao discordar de Bruna. “Não tem nada a ver! Não há relação alguma entre ser jornalista e gostar da mundo livre”.

Ele conheceu a banda na década de 1980, quando era baterista da N.D.R. – que, posteriormente, deu origem à irreverente Paulo Francis vai pro Céu. Para a turma de jovens que Beltrão integrava, Fred Zeroquatro era considerado uma espécie de guru. “Ele era mais velho do que a gente e fazia umas letras bem sacadas”, lembra, citando como exemplo a canção “Computadores fazem arte”, do álbum “Guentando a Ôia” (Execelente/1996).

De lá para cá, porém, na sua opinião, a banda não evoluiu: as letras já não o impressionam, a influência de Jorge Ben tornou o som sacal, e o engajamento político soa, nas suas palavras, à “Coleção Primeiros Passos”, da editora Brasiliense, ou à uma “apostila de Marilena Chauí”, filósofa brasileira.

“As letras são de um engajamento político meio bobo. A mundo livre tenta fazer um trabalho intelectualizado, mas, lamentavelmente, não consegue. Além disso, Fred não tem carisma, tem voz chata e, quando o assunto é música, isso conta muito”, opina. Para aliviar,

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um desagravo: “Nada de pessoal contra ele! Fred é um cara legal, bem intencionado, até meio ingênuo. Ele é fã do subcomandante Marcos, veja só!”, ironiza.

O administrador de empresas João de Araújo, de 30 anos, compactua da opinião de Beltrão no quesito voz. “As letras são legais, da política ao humor. Mas o que me irrita é o jeito de Fred cantar.” Mas não é só isso. Para ele, o líder da banda não tem presença de palco e a mistura entre samba e rock não deu muito certo.

Como fã da música brasileira, Araújo confessa que já fez de tudo para gostar da banda de Candeias. Durante quase um mês, ouviu três discos emprestados pelo amigo Fábio Marconi e chegou até a ir a um show, no campus da UFPE. Mas na terceira música, ele foi embora. “Não tem jeito, eu me esforço para caramba para engolir o som”, lamenta. Ele justifica a insistência: “Uma banda tão premiada e conceituada entre quem gosta de música... e eu não consigo gostar? Será que tem alguma coisa errada comigo?”, diverte-se Araújo.

“Não!”, responderia Beltrão, que se arriscou a traçar um perfil de uma pessoa que gosta do grupo. A princípio, quem simpatiza com a mundo livre tem suas opiniões movidas por uma espécie de “senso-comum-intelectualóide”, típicas de quem tem medo de ficar por fora do que está em alta. “Se o lance é maracatu, vamos bater bumbo! Se o maneiro é o bate-estaca-dance, vamos para a rave! Que saco! Será que a gente tem de dizer amém a todos os modismos que ilustram as primeiras páginas dos cadernos de cultura? Prefiro ficar em casa, ouvindo Beatles”, completa Beltrão.

A reflexão sobre a mundo livre o levou a elaborar, ainda, uma teoria para explicar por que a banda sustenta-se na mídia. Para ele, há um lobby não só por parte de críticos de música local que, na sua opinião, não gostam de falar mal dos artistas da terra; mas também de críticos do sul e do sudeste do País. Estes, segundo Beltrão, caracterizam-se por cultuar esquisitices, bizarrices, que, de acordo com ele, nunca vão cair no gosto da massa. Nesse contexto, na sua opinião, está a banda de Candeias.

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Para argentino-mexicano, mundo livre s/a é a vanguarda da música O estudante de arquitetura Fábio Giannuzzi é o que se pode chamar de um barbubo simpático. Nascido, em 1982, em Santiago Del Estero, na Argentina, mudou-se para o México com apenas seis anos de vida. Em Guadalajara ele cresceu e é lá onde vive hoje. Foi lá, também, que se tornou fã de carteirinha da mundo livre s/a, ao descobrir o que chama de “verdadeiro underground brasileiro”. “Eles são o que há de melhor, a vanguarda da música!”, afirma, em alto e bom portunhol.

Aluno de arquitetura na Universidade de Guadalajara, Giannuzzi participa de um programa de intercâmbio que o trouxe ao Brasil, onde está desde junho. Dos três motivos que o fizeram viajar até aqui, todos estão diretamente relacionados à banda de Candeias. Um deles é finalizar sua pesquisa de conclusão de curso, que conceitua a música enquanto espaço arquitetônico, inclusive quando se trata do som da mundo livre. “Que formato teria o som da banda se ele fosse um espaço físico?”, pergunta-se.

Giannuzzi pretende, também, conhecer melhor os integrantes do grupo e a música contemporânea do Recife. Ele quer, ainda, levar a banda para tocar, pela segunda vez, em Guadalajara. Mas por trás de tudo isso, há um objetivo maior: fazer música pernambucana, nos moldes mexicanos.

A mistura entre tradições folclóricas e música de vanguarda, no estilo Movimento Mangue, impressiona-o, até porque isso, segundo ele, nunca foi uma prática do país em que vive, sobretudo em Guadalajara. “É uma sociedade muito fechada e preconceituosa”, diz. Mas esse quadro dá sinais de que poderá mudar em breve, devido a uma espécie de movimento de música eletrônica, com origem no norte do México – o Nortech, daí o nome. “O que já acontece aqui há um bom tempo com o Manguebeat só começou a acontecer lá há três anos, quando se passou a misturar música eletrônica com música folclórica”, contextualiza.

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Giannuzzi sempre gostou de música e se interessou por samba, ao mesmo tempo em que ouvia rock. Mas as mistura entre os dois estilos – cavaquinho com guitarra – como faz a banda de Candeias, é uma novidade para ele. “Vim ao Brasil para entender melhor como tudo isso é feito”, revela. Até chegar ao Recife, ele não sabia que havia uma cena cultural na cidade, criada por Fred Zeroquatro e Chico Science, apesar de conhecer o trabalho das bandas lideradas por eles. “É mais ou menos isso que eu quero fazer na minha cidade: uma espécie de movimento”, planeja, entusiasmado.

O fato de ser fã da mundo livre levou Giannuzzi a aprender a tocar cavaquinho, comprado durante uma viagem ao Rio de Janeiro. “Pegava pela internet os acordes e tentava tocar as músicas”. Ele montou, então, uma banda com amigos que já haviam tocado com ele em um outro grupo, o La Goma. No repertório, uma versão de “Livre Iniciativa”, do disco “Samba Esquema Noise”.

A volta para Guadalajara está marcada para janeiro. “Na bagagem, levarei muito samba esquema noise”, brinca. Até lá, ele pretende acertar com o grupo alguns shows no México, com seu grupo abrindo as apresentações. De acordo com ele, há público de sobra para a banda. “Hoje, muito mais gente os conhece do que em 1997, quando tocaram em Guadalajara”, garante.

Fábio Giannuzzi é uma prova de que o sinal emitido pela “parabólica enfiada na lama”, pensada por Fred Zeroquatro à época do Manifesto Mangue, em 1993, tem difusão garantida no país do zapatismo. “Viva, México!”

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