INTRODUÇÃO Um dos shows mais noticiados pela mídia no ano de 2007 foi a apresentação do grupo paulistano Racionais MCs, na Praça da Sé, no centro de São Paulo, que levou 3 milhões pessoas á rua e acabou em confusão e quebra-quebra. Será que se esse evento tivesse ocorrido na mais perfeita ordem, se tornaria manchete no “Jornal Nacional” e na maioria das editorias de cidades por todo Brasil, na mesma proporção? Em que medida os meios de comunicação sustentam a idéia de que o rap está relacionado à criminalidade? E de que forma os hip-hoppers sustentam a cultura originada da periferia e que completa a resistência de mais de 30 anos na cultura urbana do mundo? Através da contextualização histórica que fomentam os pilares da cultura hip-hop como instrumento de militância e auto-afirmação, pretendemos analisar neste trabalho, de que forma o jornalismo trata esta cultura, principalmente o rap carioca. Partimos da premissa de que existe um silêncio midiático a respeito da cultura hip-hop no Brasil, especialmente na chamada grande mídia. Neste sentido, procuraremos mostrar a construção narrativa midiática sobre a cultura hip-hop e seu poder de gerenciar os discursos promovidos por esta. Este trabalho será desenvolvido em torno de duas vias. O discurso da mídia sobre hip-hop e a voz do rap como sinônimo de criminalização; o hip-hop enquanto movimento cultural e representante da voz da periferia. Se por um lado os media silenciam tais manifestações, em que medida os rappers negociam a relação com a mídia? Procuramos refletir as manifestações da cultura hip-hop no contexto do rap carioca com base na lógica dos estudos culturais e de teóricos como o norte-americano Douglas Kellner, o anglo-jamaicano Stuart Hall, o especialista em comunicação e hip hop, Micael Herschmann e o antropólogo Hermano Vianna. Iremos assim, desenvolver questões de mídia, cultura e identidade. Pretendemos evidenciar a forma com que a mídia gerencia os assuntos de acordo com seus interesses, e quais as principais causas de negociações dos media que,
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hipoteticamente, causariam o silenciamento de muitos eventos organizados fora das vistas da cultura da mídia. Deveremos nos basear em um tipo de pesquisa exploratória, tendo em vista a análise a partir de um veículo de massa. Portanto, optamos por analisar o caderno cultural “Rio Show” do jornal “O Globo”. Escolhemos o suplemento do jornal “O Globo” por conta da sua abrangência, já que faz parte da maior empresa de comunicação do Brasil, as Organizações Globo. Por ser um jornal de classe média e por conta disso, com grandes chances de promover elitismo e criminalizar articulações sócio-culturais da periferia, a exemplo do movimento hip-hop. Dados apurados pela Marplan, divulgados pelo IVC (Instituto Verificador de Circulação) em pesquisa de agosto de 2007, indicam que o público consumidor do jornal “O Globo” possui 1.154.000 leitores. Já o suplemento “Rio Show” que é publicado toda sexta-feira no jornal “O Globo” é de 752.000 leitores em maioria classe A-B e de nível escolar superior. 1 Esta pesquisa é voltada para a articulação do movimento hip-hop na mídia impressa e tem como principal objeto, o evento “Hutúz” na sétima edição, realizada entre os dias 7 e 28 de novembro de 2006. O tema do ano foi Hutúz Esporte Clube, cujas atrações realizadas na periferia destacaram os eventos culturais, como basquete de rua e batalhas de MCs. A fundamentação teórica na análise do suplemento “Rio Show” tem como pilar os Estudos Culturais, em uma perspectiva que permite entender o processo comunicativo entre o suplemento, culturas juvenis e leitores. A partir deste objeto, buscaremos mostrar como a imprensa constrói a cultura hiphop em suas narrativas e de que forma ela trata os sujeitos envolvidos neste movimento de intervenção social. Para entender este processo de construção midiática sobre aquilo que cerca a cultura hip-hop, especialmente, as manifestações da música no prêmio Hutúz, consideramos necessário estudar o conceito de identidade, já que para o senso comum, e em geral, nos discursos midiáticos este conceito é utilizado apenas sob a forma de representação e de idéias fixas que partem de uma única verdade, naturalizada pela vida cotidiana. Por acreditar que as identidades não são fixas no tempo, mas sim 1
Ver Info Globo. Dados de Mercado. Disponível em http://:www.infoglobo.com.br/mercado_perfilleitores.asp%3Fperfil%3D1+caderno+rio+show+o+globo+ivc& hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br.
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múltiplas e geradoras de verdades não absolutas, buscaremos entender o processo de construção da imprensa a respeito de um lugar polêmico e abundantemente híbrido, como a cultura hip-hop. Do Latim, identitate, produz a relação entre o idêntico e a coesão do grupo. Como construção cultural, a identidade pode ser percebida através da relação com os lugares, testemunhos, ações, memórias e outros elementos com os quais nos relacionamos e que nos dão uma dimensão polivalente do conceito. Interessa-nos mostrar também, como os praticantes do hip-hop promovem seus discursos sobre o outro, aquele que não se encontra no mesmo lugar que eles, como os veículos de mídia e a classe média. Os sujeitos que falam do lugar do hip-hop assumem um caráter contra-hegemônico diante das negociações da cultura da mídia. Passam a ser modalidades da cultura popular e de massa de um mundo globalizado, e assim apropriam-se de diferentes formas de representações do mundo, que são apropriados e consumidos, por jovens na pós-modernidade, como a maioria dos praticantes da cultura de rua. Mas estes, muitas vezes por falta de reconhecimento ou pela crença alheia que se baseia apenas nos ideais de um senso comum a respeito desta cultura, acabam sendo “demonizados” e tendo assim, suas identidades estereotipadas. Entendemos, que a mídia tem um importante papel neste processo de cristalização dos valores da cultura do hip-hop. Mas como isso acontece? De que forma a imprensa, especialmente o jornal “O Globo”, contribui com a criminalização do hip-hop? O que a mídia tem mostrado sobre a cultura hip-hop e o que ela tem silenciado? O campo de pesquisa dos Estudos Culturais se faz academicamente importante para os estudos de comunicação, especialmente quando tratamos de cultura hip-hop, pois a entendemos como um modo de negociação de poder e valores de uma esfera minoritária em nossa sociedade especialmente quando sobre o aspecto políticoeconômico. Os pressupostos fundamentais dos Estudos Culturais neste trabalho são a análises da ação da mídia, atentando sobre as estruturas sociais e o contexto histórico como fatores essenciais para a compreensão da ação desses meios. Ocorre o deslocamento do sentido de cultura da sua tradição elitista para as práticas cotidianas, já que a cultura não é tanto um conjunto de obras, mas um conjunto
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de práticas. A cultura tem relação com produção e intercâmbio de sentidos, isto é, o dar e receber sentidos entre os membros de uma sociedade ou grupo. Assim, a cultura deixa de ser considerada algo passivo e incorpora um sujeito que pode criar e agir sobre as coisas. A cultura é uma região de disputas e de conflitos acerca do sentido; cultura diz respeito aos enfrentamentos entre modos de vida diferentes devido à existência de relações de poder. Como a comunicação é entendida dentro desse contexto? Ela é vista como um processo simbólico através do qual a realidade é produzida, reproduzida e transformada. Desenham-se enlaces entre texto, contexto e receptores. Para os Estudos Culturais não existe divisão entre cultura e condições de produção. As principais propostas de Micael Herschmann possuem abordagens centradas na sociabilidade, no consumo cultural ou nas representações sociais que circundam os grupamentos urbanos juvenis ligados a determinados gêneros musicais, como por exemplo, o funk e o hip-hop do Rio de Janeiro. Desse modo, as análises oriundas dos Estudos Culturais, nos levam a pensar a música rap como um ponto de partida para a abordagem dos aspectos sociais e culturais dos fenômenos juvenis, tomando como focos principais, as expressões musicais da periferia carioca, principalmente do hip-hop, aliados aos fatores de criminalização do mesmo, fruto das manifestações culturais da juventude das periferias cariocas. Dentro desta análise, ao identificar esses fenômenos culturais da juventude, nos propomos a questionar o papel dos meios de comunicação de massa para originar essa estigmatização do hip-hop. Por que as notícias relacionadas aos eventos de rap aparecem em segundo plano, dando ênfase a fatos da periferia ligados à violência, como nos cadernos policiais, por exemplo? O destaque da mídia aos eventos de periferia existe geralmente quando os mesmos estão relacionados à violência ou desordem? Por que razão o “Prêmio Hutúz” de música, que acontece a oito anos na cena cultural carioca – e que, mesmo com a divulgação inexpressiva é apoiado entre outras instituições, pelas Organizações Globo - só é conhecido e identificado pelos adeptos do hip-hop e da cultura negra em geral? O evento que acontece durante todo mês de novembro tem uma estrutura e organização suficientes para percorrer simultaneamente os principais espaços culturais do Rio de Janeiro, envolvendo manifestações culturais
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entre cinema, música e encontros de mesa redonda, além do basquete de rua, do centro ao subúrbio carioca. Para dar conta destas questões, este trabalho se originou com a seguinte estrutura: no primeiro capítulo intitulado “Hip-Hop e o Advento do Rap”, procuramos contextualizar os acontecimentos político-sociais que originaram as manifestações ideológicas das periferias dos Estados Unidos, e tiveram como conseqüência o surgimento da cultura hip-hop. Definimos e legitimamos os elementos que compõem a cultura hip-hop, tais como a expressão musical através do Dj e do MC; a expressão corporal do B-Boy e visual do Grafite. Os quatro elementos definem “As poderosas vigas que sustentam o Hip-Hop”. Esclarecemos as expressões e linguagens da cultura de rua cujos dois primeiros elementos (DJ e MC) constituem a música rap, como conhecemos atualmente. Mostramos como o rap é de origem pan-africana, evidencia a consciência do gueto através do canto falado, defendendo o lugar do indivíduo no mundo. Procuramos ao final do capítulo trazer um pouco da cena rap do Brasil, onde tratamos organizações não-governamentais (ONGs) e selos de gravadoras micro, que acabam gerando pólos da cultura, ou são geradas pelo próprio hip-hop, especialmente para mostrar um dos principais aspectos que explicam a independência dos grupos de rap, através da sustentabilidade macro por meio da cultura hip-hop, nos principais centros urbanos da América Latina. No segundo capítulo, como forma de compreender a sustentabilidade da cultura hip-hop, tomamos como exemplo o fenômeno do grupo Racionais MCs que, mesmo sendo radicalmente contra aparições e veiculações de seus trabalhos na grande mídia, mantém um público fiel, mais de 1,5 milhões de cópias oficialmente vendidas. Percebemos nas relações com os media posições contra-hegemônicas dos rappers, através, por exemplo, dos espetáculos do cotidiano, relatados nas letras do vocalista Mano Brown. Analisamos ainda, de que forma a indústria cultural reproduz discursos que articulam posições ideológicas que ajudam a reiterar formas de dominantes de poder social, e que servem aos interesses de dominação da sociedade. Em virtude dos eventos promovidos pela cultura hip-hop nos perguntamos: por que a mídia não articula
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essa manifestação da camada mais expressiva da sociedade brasileira tendo em vista o dever ético de ser fiel aos fatos de relevância social? A abordagem da pesquisa, além da questão cultural apontada por Kellner é reforçada em torno da questão das identidades pelo teórico Stuart Hall. Tomando o foco na cena carioca, o antropólogo Hermano Vianna sustenta as manifestações das galeras, para completar a idéia de como os jovens do Rio de Janeiro continuam produzindo incessantes símbolos de vigor cultural, que tornam-se ferramentas para contestação e resistência da cultura de rua, além de exportar modismos para todo o país. O último capítulo é focado na pesquisa do caderno cultural, a revista “Rio Show” do jornal “O Globo”. Voltamo-nos para a articulação do movimento hip-hop na mídia impressa. Temos como principal representante o evento “Hutúz”, maior festival de hiphop da América Latina, que acontece simultaneamente em diversos espaços culturais do Rio de Janeiro. Tentaremos, com base nos objetivos propostos, hipóteses criadas e aqui tratadas, promover o desenvolvimento desta monografia.
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I Hip-Hop e o Advento do Rap Nos Estados Unidos, na década de 60, muitas manifestações de grupos segregacionistas estavam ganhando força, principalmente em opressão aos negros originados dos guetos de Nova Iorque. Os imóveis se desvalorizaram rapidamente visto que a região estava abandonada pelos negócios, pelo governo e pelos brancos. A situação de abandono dos que ficaram no bairro do Bronx - que eram negros e extremamente pobres - deu surgimento às gangues, que se formavam para se proteger2. Desde então foram surgindo cada vez mais manifestações violentas, assim como também as que pregavam a não-violência, de forma organizada e de cunho religioso por parte dos negros de todas as camadas sociais dos Estados Unidos. Nesta época, proliferou-se uma grande discussão sobre direitos humanos e, nesse contexto, os marginalizados da sociedade de Nova Iorque se articularam para fazer valer suas propostas na eliminação das suas inquietações. Assim surgiram grandes líderes negros, como Martin Luther King e Malcom X, e grupos que lutavam pelos direitos humanos como os Panteras Negras. Em 4 de abril de 1967, o pastor Martin Luther King Jr. levantou-se na igreja de Riverside em Nova Iorque e proferiu o mais violento manifesto contra a ação dos Estados Unidos no Vietnã, incitando os negros americanos a se recusarem ao serviço militar por motivos de consciência.3 O líder pacifista negro revelou ao povo seu poder latente. O protesto não-violento às massas, firmemente disciplinado, capacitou-o a avançar sobre seus opressores de forma eficiente, sem derramamento de sangue. Em um espaço de um ano, o mais expressivo líder negro da época mobilizou dezenas de Estados por onde passava para proferir seu discurso e sua causa em nome de seu povo excluído, além de brancos que aderiram ao protesto não-violento, o que provocou a ira de chefes de Estado, brancos conservadores da época. 2
Ver SILVA, Adriana Ferreira. Livro analisa origem do hip hop em NY. Folha online. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u55195.shtml
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Coincidência ou não, após Martin L. King ser morto em 4 de abril do ano seguinte, quando se preparava para um sermão e estava hospedado no hotel Loraine, localizado em Washington, mais de cem cidades americanas viveram conflitos, saques, explosões, além de confrontos de radicais negros com a polícia. No final de 1968 – ano histórico de protestos juvenis mundiais - parte do Bronx se viu tomada por gangues e traficantes. Em meio às diversas manifestações, o hip-hop4 surgiu como mais uma forma de contestação - e foi conseqüência dos protestos pacíficos - em Nova Iorque no início da década de 70. Os jovens negros procuravam locais para se divertir, a exemplo das festas do DJ (Sigla para Disk Jóquei, que instrumentaliza a música com aparelhos eletrônicos) Kool Herc. As festas lideradas pelo DJ local se tornaram referência para os jovens envolvidos na atmosfera da cultura black. O discurso envolvendo os direitos civis dos negros nos anos 60 era intrínseco na memória americana. Essa luta por parte dos afro-americanos influenciou de forma evidente os primeiros praticantes da cultura. Dessa maneira, a partir da década de 80 está formado o cenário emergente do hip-hop, com suas três manifestações primárias – o rap, o break e o grafite, que no decorrer deste trabalho iremos descrever. Somado as indignas condições de vida impostas às camadas menos privilegiadas de Nova Iorque durante o governo Reagan, a partir de 1981, a manifestação cultural do hip-hop toma formas de resistência e auto-afirmação por parte das camadas excluídas. Tal contexto social explica, em parte, situações de turbulência e conflito urbano. A periferia dá um grito de guerra que, tal qual o jornalista havaiano Jeff Chang defende a idéia que o hip-hop é a arma mais poderosa dos Estados Unidos e de todas as capitais e periferias do mundo. Coadjuvante nessa história, Chang reuniu suas pesquisas e o resultado está no livro "Can't Stop, Won't Stop - A History of the Hip Hop Generation" (Não pode parar, não vai parar - Uma história da geração hip-hop). O
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CLARET, Martin. O pensamento Vivo de Martin L. King. São Paulo. Coleção 28. Martin Claret Editores, 1988.p.12. 4 Segundo o site oficial Nação Hip-Hop Brasil, o termo foi criado em meados de 1968 pelo Dj Afrika Bambaataa, que teria se inspirado em dois movimentos. Um deles estava na transmissão da cultura dos guetos americanos, enquanto o outro estava justamente na forma de dançar que faz referência aos movimentos de coreografias: hip (quadril); hop (salto). Disponível em http://www.nacaohiphopbrasil.com.br/
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havaiano radicado nos Estados Unidos, Jeff Chang, há 14 anos escreve e milita no movimento. “Fuck tha Police”, uma das músicas do álbum “Straight Outta Compton” do grupo N.W.A., segundo o filósofo norte-americano Douglas Kellner, foi uma das maiores obras de Gangsta Rap
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de todos os tempos, criticava a violência da policia nas ruas dos
bairros e a discriminação racial na primeira metade dos anos 90. A música deste gênero é defendida por muitos e alguns morreram mesmo pela causa, a exemplo dos rivais Tupac Shakur e Notorious B.I.G., que foram as maiores figuras do Gangsta Rap e continuam a ser os ícones do gênero. Geralmente têm problemas com a lei, alguns inclusive têm ou já tiveram envolvimento com gangues.6 De origem negra, ainda que em alguns aspectos assimilado por outras culturas de origens intercontinentais, como européia, norte-americana e latina, segundo ele, o hiphop se faz presente nas grandes cidades como cultura oriunda de classes menos favorecidas. Com o passar do tempo o gênero assumiu características de movimento, detendo assim uma gama de desdobramentos, sendo reconhecido também como uma “cultura de rua”, assim como o movimento punk, o rock e o heavy-metal. A respeito do papel social do movimento hip-hop, Tatiana Galvão, afirma que o hip-hop firma-se principalmente por parâmetros ideológicos construídos na periferia e voltados para a reflexão da realidade em que essa maioria está imersa. Encarado ora como cultura de rua, ora como movimento social, através de discurso político, radicalidade e da linguagem provocativa, o hip-hop revitalizou parte das reivindicações do movimento negro, ainda que não seja parte da estrutura do mesmo.7
1.1 - As Poderosas Vigas que sustentam o Hip-Hop A cultura hip-hop é formada basicamente por quatro elementos. Só a música rap detém dois desses elementos: o MC (Sigla americana para Mestre de Cerimônias, que 5
Gangsta Rap é um dos estilos do rap, com letras violentas e normalmente com orientação machista, seus temas são a violência das gangues, as drogas e os maus-tratos contra a mulher. 6 KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia – Estudos Culturais: identidade e política entre moderno e o pósmoderno, p. 237 7 GALVÃO, Tatiana Verônica Bezerra.Hip hop e mídia: negociando interesses e ampliando conceitos. p.10.
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também pode significar rapper, para aquele que executa o canto falado) e o DJ8. Os outros dois elementos são mais independentes entre si. São eles: o grafite (a arte plástica, expressão visual) e o break (dança). Cada um deles com sua representação específica, mas que juntos compõem um mosaico que corresponde à representação de protesto, auto-afirmação, reivindicação, crítica social, diversão ou hobby. Segundo o site “Nação Hip-Hop”, o fato é que a principal referência da cultura hiphop está da costa leste à oeste dos Estados Unidos. O Brooklyn é o reduto do hip-hop, e onde tem força também na cultura do basquete de rua e atividades urbanas em geral. De acordo com o site, o Queens, por exemplo, é conhecido como o bairro do grafite e lá durante muito tempo residiu o DJ Kool Herc, um dos precursores do ritmo nos Estados Unidos. Na Califórnia o break ganhou força nos anos 80. Sendo assim muitos desses locais se tornaram referências da cultura para o resto do país e do mundo.9
1.2 - O Grafite Graffiti ou Grafite (do italiano graffiti, plural de graffito) significa marca ou inscrição feita em um muro10, e é o nome dado às inscrições feitas em paredes desde o Império Romano. Trata-se de um movimento organizado nas artes plásticas, em que o artista aproveita os espaços públicos, criando uma linguagem intencional para interferir na cidade. Enquanto para alguns, os grafiteiros apenas mascaram impulsos de vandalismo com discursos de vitimização, para outros essa expressão é utilizada como veículo que revela realidades oprimidas, sem forças perante pressões governamentais e políticas. Ativista do movimento hip-hop carioca, há mais de 10 anos, o MC Luiz Cláudio, conhecido como Slow da BF (Baixada Fluminense) ou Slow do Esquadrão Zona Norte (EZN) é referência quando se fala em hip-hop no Rio de Janeiro. Seus argumentos passam por questões que enfatizam o peso do grafite diante do sistema capitalista. 8
Ver p.2. Ver site Oficial Nação Hip Hop Brasil. A história do hip-hop e seus elementos. Disponível em http://www.nacaohiphopbrasil.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=10&Itemid=76 10 Site Oficial sobre grafite. Disponível em http://www.graffiti.org.br/ 9
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“O grafite é o único sistema que bate de frente com o sistema capitalista, de forma que ele choca esse sistema. A estrutura de um prédio vertical é o maior ícone do capitalismo, é a maior potência, um em cima e embaixo do outro. Quando você grafita esse prédio você quebra toda a estrutura do capitalismo. O grafite não é só aquela letra bonita: é a quebra do sistema imposto pelo capitalismo. Você tá botando a sua vivência, a sua cultura, que veio de latinidades, dos hispânicos de Nova Iorque. Ta botando aquilo ali na cara deles, falando assim: ‘Mermão, teu prédio é lindo, tem cinquenta andares, mas lá embaixo tem a p**** do meu tag lá.’ É o papel da pixação, num bom sentido.”11
Dos quatro elementos que compõem o hip-hop, o grafite é o mais intrigante, dada a mistura de significações: galeria e rua; protesto e estética; artes plásticas e prática ilegal, como mostra a reportagem especial da revista “Caros Amigos”. No mercado formal das artes ele vem ganhando um espaço nunca previsto. A influência latina é algo que podemos dizer que existe muito forte em toda a estética, já que os maiores artistas são oriundos de países como Porto Rico, Colômbia e Bolívia. 12 É importante ressaltar que, como protesto, diante de uma ordem social estabelecida, a prática de pixação de prédios é condenada, pois significa um ato de perversão contra o sistema. Ainda que o objetivo seja burlar a lei, tal evento de protesto se aproxima da criminalidade. Segundo a reportagem, no início dos anos 80 uma geração surgiu entrando em galerias de arte de renome e fazendo turnês pela Europa. Nomes como Dondi, Futura 2000, Lady Pink, Blade, Fab 5, Freddy e Lee Quiñones levaram a arte grafite para a mídia. O cinema foi um grande impulsionador nesta época. Os filmes “Beat Street” musical urbano de 1984 - e “Wild Style” (documentário sobre o grafite da década de 80 lançado em 2003) de certa forma divulgaram a cultura hip-hop por todo o mundo. O grafite foi percebido no Brasil em meados da década de 80 - segundo a repórter Sofia Amaral - por meio de duas correntes distintas: a primeira mais ligada às artes plásticas tinha como destaque Alex Vallauri, considerado o precursor do grafite brasileiro; a segunda deu os primeiros passos através do impulso do início do hip-hop. Dos brasileiros que iniciaram a arte, da galera de Vallauri à frente da prática do spray 11
BARCELLOS, Monique. Rádio Online Introdusom. Programa Som de Rua - Entrevista especial - Slow parte 2. Disponível em http://introdusom.blogspot.com/2007_03_01_archive.html
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estão até hoje Hudinilson Urbano Jr., Mário Ramiro e Rafael França. Uma das técnicas do grafite é o estêncil (ou “máscaras” , como alguns chamam) o qual o spray é aplicado sobre um molde vazado, modelado de acordo com a figura que se quer revelar. Os anos 90 tiveram a influência de dois artistas brasileiros consagrados mundialmente: os gêmeos grafiteiros Gustavo e Otávio. De acordo com a reportagem, a partir desta época o grafite se torna um elemento independente do hip-hop, e na medida em que esse elemento vai se desvinculando, vai também atingindo outras áreas além das ruas. Segundo a revista Carta Capital, os Gêmeos, como ficaram conhecidos, finalizaram uma exposição em uma galeria em Nova Iorque e viajaram a convite da Nike, por sete países ao redor do mundo expondo seus trabalhos. Existe em São Paulo uma galeria de arte dedicada especialmente ao grafite, a Choque Cultural, no bairro Vila Madalena.13 De acordo com Sofia Amaral, o grafite invadiu não somente nas galerias de arte, já que ultimamente grandes marcas querem associar a imagem do produto à proposta da arte urbana. O mercado publicitário vem se servindo da estética do estilo do grafite dentro da mídia. Campanhas de publicidade vêm incorporando a arte de grafiteiros para criarem comerciais de TV, outdoors e peças do gênero, a exemplo da Nike: “A mesma Nike vem usando o grafite em suas campanhas publicitárias no mundo todo, assim como a Brasil Telecom e diversas grifes de vestuário. O grafite esteve até em estandes no São Paulo Fashion Week, isso sem falar nas festas rave.”14
As barreiras transpostas além dos muros pelos grafiteiros através das últimas décadas e juntamente com a abrangência do movimento são motivos de comemoração para os artistas desse gênero, mas a maioria admite que grafiteiro que é grafiteiro pinta na rua. A forma de lutar é grafitar e por isso, defendem a legitimidade registrada nos muros dos becos e edifícios e não somente nas galerias de exposições.
12
AMARAL, Sofia. Caros Amigos - Especial Hip-Hop Hoje: Além dos muros. Número 24, junho de 2005, p. 31. 13 AMARAL, Sofia. Op. Cit, p. 31. 14 AMARAL. Idem. p.31
12
1.3 - O Rap: DJ, MC e Poesia Rap significa Rhythm and Poetry, ou seja, ritmo e poesia, que é a expressão verbal da cultura hip-hop, como mostra o site “Nação Hip-Hop”. Considerado a linguagem musical, o rap tem geralmente como base, o rhythm’n blues, intermediado por uma fala transposta à parte musical. Com um discurso quase sempre fundamentado na crônica urbana da diferença de classes, o texto em si é usado como uma forma de protesto, no qual expõe o problema e discursa sobre ele. Para tanto, usa a abordagem que provoca tensão entre as classes, colocando em choque as diferenças (culturais, sociais, políticas) ou somente demonstra a ineficiência do poder Estatal perante aos problemas da comunidade. O DJ e o MC ou rapper são responsáveis pela instrumentação, isto é, o primeiro coordena e toca o mixador e a pick-up (aparelhos que são considerados instrumentos) e dos quais retiram sons eletrônicos, que dão o ritmo à fala do rapper ou MC, cujos termos são sinônimos. Este é o compositor da obra e quem leva o discurso para o público. Há quem defenda que são coisas diferentes e que o rap - ou canto falado, ou ainda fala ritmada - não é novo e nem foi criado nos Estados Unidos. 15
1.3.1 - Surgimento do Rap: elos de uma corrente De acordo com os autores do livro “Hip-Hop: A Periferia Grita”, o hip-hop é basicamente, de origem afro-jamaicana. Faz parte de um híbrido da cultura negra jamaicana mesclada a aspectos da cultura afro-norte-americana.16 Segundo os autores, no Caribe, especificamente na Jamaica, surgiu uma cultura musical de nome ragga, uma mescla de ritmos jamaicanos com ritmos africanos, mais ou menos na década de 60, quando surgiram os sound systems – equipamentos eletrônicos de som – que eram colocados nas ruas dos guetos jamaicanos para animar os bailes.
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Ver Site Oficial Nação Hip Hop Brasil. Disponível em http://www.nacaohiphopbrasil.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=10&Itemid=76 16 ROCHA, Janaína, DOMENICH Mirella, CASSEANO Patrícia. Hip Hop: A Periferia grita, p.132.
13
Essa conclusão é pensada pelos autores do livro diante do contexto sócio-cultural que relaciona o ragga como a raiz do que se conhece como rap. Esse gênero básico serviu como ponto de partida para a criação de novos gêneros a exemplo do reggae e o rap. Esses bailes passaram a servir de cenário e fundo sonoro (base rítmica) para os discursos. De acordo com o livro, na ilha da Jamaica era uma prática popular de ritmos regionais rolando com os toasters - que eram como os MCs (mestres de cerimônias de hoje) que ficavam falando frases e discursando sobre as carências da população, os problemas econômicos, a violência nas favelas, sobre a dificuldade em geral da classe baixa dos guetos. Os autênticos mestres de cerimônia em suas intervenções comentavam assuntos como a violência das favelas da capital, Kingston e a situação política da ilha. O professor da UCSAL (Salvador), ativista e produtor cultural Nelson Maca, em entrevista para o site “Over Mundo” diz que não acredita que o hip-hop tenha surgido unicamente na Jamaica, e defende que o hip-hop formatou-se, como cultura híbrida, nos Estados Unidos: “É corrente a defesa da Jamaica como pai dessa cultura. Vamos dizer que é um dos avós da criança. Vem de lá a prática coletiva criada pelos toasters”. Porém, segundo ele, os jamaicanos já praticavam a arte de “falar” sobre uma base instrumental. Segundo
professor
Nelson
Maca,
outro
elemento
jamaicano
aceito,
unanimemente, como precursor do hip-hop é o DJ Kool Herc, que traz para os Estados Unidos a prática do sound system para a festa de quarteirão, festa de rua, a block party. Mas o professor sustenta que há várias outras variáveis de matizes culturais não jamaicanas, como por exemplo, a tecnologia japonesa. 17 De acordo com o “Diário de Nova York” do site Globo, Clive Campbell é o nome de batismo do DJ que nasceu em Kingston, Jamaica em 1955 e imigrou com os pais para Nova Iorque em 1967. Uma corrente de adeptos considera Kool Herc o primeiro DJ do hip-hop e sua origem ilustra o elo de ligação entre o reggae e o rap. Herc começou a tocar em festas de bairros em Bronx a partir de 1969 e, nos anos 70 introduziu o sistema
17
Ver entrevista “Em torno do Hip-Hop”. Disponível em http://overmundo.com.br
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de tocar pequenas porções rítmicas dos vinis, método este que foi batizado como breakbeat.18 Nesta época, quando o ritmo chegou aos Estados Unidos, em vez do ritmo jamaicano,
os
norte-americanos
improvisavam
em
cima
do
rhythm’n
blues,
principalmente do soul e do blues, desencadeando a música rap, como conhecemos. Os autores destacam que na década de 70, o soul representou uma força unificadora que incitava ideológica e visualmente os avanços dos negros. Esse conceito percorreu o mundo e lançou moda: cabelo afro, calça de boca larga, sapatos multicoloridos de solas altas, danças de James Brown e a expressão de auto-estima black. Foi nessa atmosfera que tomou força o movimento pelos direitos civis. 19 No entanto, a reportagem especial da revista “Caros Amigos” sustenta que o rap surgiu em local, dia, mês e ano marcados. Chegam até a dar data precisa: 12 de novembro de 1974 no Brooklyn, em Nova Iorque20, fruto de experiência de DJs novaiorquinos. No bairro do Bronx, em Nova Iorque, só existiam dois deejays conhecidos: DJ Kool Herc - o maior e mais seguido de todos os DJs do Bronx - e DJ Kool Dee. Quanto ao primeiro registro fonográfico de rap, há divergências entre os registros históricos, porém o livro afirma que foi o grupo Sugar Hill Gang que gravou o primeiro registro em vinil. O Sugarhill Gang foi um trio de negros norte-americanos que praticamente implantou o estilo rap (música falada). Em 1979 a Sugarhill Records lança o grupo Sugar Hill Gang, vendendo mais de dois milhões de cópias no Estados Unidos. O sucesso estrondoso “Rappers Delight”, ficou muito conhecida no Brasil como ”Melô do Tagarela”. O livro “Hip-Hop: A Periferia Grita”, sustenta que Afrika Bambaataa ou Kevin Donovan nasceu e foi criado no Bronx, Nova Iorque. O DJ e também líder da Zulu Nation é reconhecido como fundador oficial do hip-hop. A ONG Zulu Nation fundada por Afrika Bambaataa viajou por todo o mundo, fazendo shows e arrecadando fundos para campanhas Anti-Apartheid (Anti-Racista) e chegou a reunir 10.000 membros em todo o mundo através da cultura. Até hoje a ONG é referência e continua sendo representada 18
Ver Diário de Nova York. Disponível em http://oglobo.globo.com/blogs/ny/post.asp?cod_Post=67065&a=283 19 ROCHA, Janaína, DOMENICH, Mirella, CASSEANO Patrícia. Op. Cit, p.129.
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pelos integrantes do hip-hop. Segundo o livro, Bambaataa caracterizou o som sampleado – onde se utilizam gravações já existentes de diferentes tipos de música - para criar raps. Usando sons, que iam desde James Brown até o som eletrônico da música “Trans-Europe Express” (da banda européia Kraftwerk), e misturando ao canto falado trazido pelo DJ jamaicano Kool Herc, Bambaataa criou a música “Planet Rock”, que hoje é um clássico. Foi o primeiro hip-hopper a trabalhar com James Brown, gravando “Peace, Love & Unity”. De acordo com a escritora Janaína Rocha, esta mesma época apareceu Joseph Saddler (Bridgetown, 11 de janeiro de 1958). Mais conhecido como Grandmaster Flash, é um músico de hip-hop e DJ, que ajudou a reformular o jeito de rimar em cima dos break-beats. Um discurso de corrente militante surge em primeiro plano com a gravação de “The Message”, de Grandmaster Flash and The Furious Five. De acordo com a autora, se existem responsáveis pela criação da música break-beat, foram Kool Herc, Afrika Bambaataa e Grandmaster Flash, os que vieram depois somente ajudaram a construir o que chamamos de hip-hop. Herc sofisticou cada vez mais o jeito de fazer música trazendo técnicas inovadoras que foram cada vez mais sendo associadas ao ritmo, com os scratchs.21 Assim como analisa o produtor musical Milton Salles, quando afirma que tanto a música dos Estados Unidos quanto do Brasil é a soma de ramificações da cultura africana. “Você pode falar que ele é pan-africano, porque ele é uma fusão, que vem do reggae, que nasceu com os caras tocando na Jamaica e que ouviam rhythm 'n 'blues de Miami” 22, podemos concluir que o rap é pan africano.
1.4 – Break: Protesto e orgulho em forma de dança
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AMARAL, Sofia. Op. Cit, p. 31. Scratch (arranhão, em português) é o movimento de vai-e-vem que os DJ’s fazem com o disco (originalmente de vinil, mas que hoje já pode ser feito em mesas – as chamadas pick-ups - com equipamento e som digitais). O movimento contrário à rotação resulta em um som arranhado ou na alteração da velocidade normal da execução da música. 22 ROCHA, Janaína, DOMENICH, Mirella, CASSEANO Patrícia. Opcit, p.133-4. 21
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Como mostra o livro “Hip-Hop: A Periferia Grita”, o principal artista desta época era o Mister Dynamite (Senhor Dinamite) James Brown, conhecido não só por sua voz ou canções, mas também por toda sua estética, que virou referência para a grande maioria dos pop-stars que vemos depois dele, a exemplo de Michael Jackson, Prince, Madonna, entre outros. James Brown era idolatrado principalmente nos redutos negros e latinos das grandes metrópoles e influenciava todos os jovens com sua dança, chamada Good Foot (Pé Bom). No Brasil essa dança é chamada de Soul, pois é o estilo de música que Brown cantava. Nos anos 80 com o “Boom do Break” que aconteceu mundialmente, todas as danças independente das ramificações - se fosse locking ou b-boying ou popping apareciam sob o nome até hoje conhecido mundialmente pela mídia como break dance. Para os autores do livro, vários grupos aderiram ao break, os grupos são denominados de crew, que em inglês significa tripulação. O conceito dessas posses ou turmas - o que hoje parece moda e é também apropriado por grupos de rap. Segundo o site “Nação Hip-Hop”, no Brasil, o break ganha a cena urbana desde 1982, quando Nelson Triunfo e a posse Funk Cia, já mostravam o novo conceito de dança na movimentadíssima Rua 24 de Maio, coração de São Paulo. Depois se deslocaram para a estação São Bento, que se tornou para sempre o templo dos b-boys de todo o Brasil. Formaram as crews como Crazy Crew, Street Warriors, Nação Zulu, Fantastic Force, Jabaquara Breakers e Back Spin Kings.23 Podemos perceber que a cultura vai bem mais além e é, na verdade, uma manifestação do movimento hip-hop de forma geral. Sob essa ótica entende-se que o MC e o DJ não necessariamente necessitam aprender as técnicas do break e do grafite, por exemplo. Os elementos são coexistentes, independentes entre si, mas que fazem parte de movimentos unificados, separados apenas na forma elementar de expressão, seja ela visual, corporal ou musical. O grafite existe independente do hip-hop, ao mesmo tempo em que, em contrapartida, o hip-hop não existe sem o grafite. O rap pode ser inserido em vários estilos musicais, mas o hip-hop só se expressa musicalmente através do rap e assim por diante. 23
Site Oficial Nação Hip Hop Brasil. A história do hip-hop e seus elementos. Disponível em http://www.nacaohiphopbrasil.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=10&Itemid=76
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1.5 - Escala Brooklyn -Brasil: “O Mundo Inteiro é o gueto”24 O “Black Rio” e o “Hip Hop Rio” são projetos separados por três décadas e ambos são manifestações da periferia carioca. Ainda segundo o livro “Hip Hop: A Periferia Grita”, o primeiro surgiu naturalmente nos subúrbios do Rio, mais especificamente nos bairros de Catumbi, Realengo e Bangu. A influência do soul e do funk também foi refletida na atmosfera das festas black da época. Formada a partir do Movimento Black Rio em 1976, a banda homônima é considerada revolucionária para a música negra brasileira. Pioneira na mistura de samba, soul e funk, com acentos de jazz e baião, a banda tinha, como única preocupação, fazer um som dançante e autêntico. Como mostra o site do “Dicionário Cravo Albim” de música, foi através de “Maria Fumaça”, de 1977, que a Banda Black Rio tomou maiores proporções e invadiu de uma vez as pistas de dança. Com a morte de um dos principais participantes da banda, Oberdan Magalhães, em 1980, a banda terminou.25 Segundo o site, a primeira tentativa de reunir os artistas cariocas desta nova tendência musical foi a coletânea "Tiro Inicial", surgida no início da década de 1980. Produzida pelo CEAP (Centro de Articulações das Populações Marginalizadas) tendo como mentor o político e ativista negro Ivanir dos Santos e como produtor musical Mairton Bahia, “a coletânea aglutinou os primeiros valores cariocas ligados ao hip-hop: Gabriel O Pensador, MV Bill e Artigo 288 (liderado pelo rapper Gilmar), entre outros”.26 No Brasil, de acordo com a jornalista Janaína Rocha, fim da década de 90, a base passou do rhythm’n blues (a vertente paulista) para o samba, com Marcelo D2 e BNegão. Porém, outros rappers, como Gabriel O Pensador, Mr. Catra e MV Bill preferiam a cultura americanizada, fazendo uso de ritmos americanos como base de suas falas. O hip-hop na expressão musical do rap assume características próprias em cada região.
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Trecho de “Gueto”. Marcelo D2. Meu Samba é Assim. Sony-BMG, 2006. Em 1999 William, filho de Oberdan, recriou a BBR, com razoável aceitação da crítica. A necessidade de se pensar e expressar a cultura negra e suas aspirações se fez presente na sonoridade da banda. 26 ALBIM, Cravo. Dicionário da Música Popular Brasileira. Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?nome=Gabriel%20O%20Pensador&tabela=T_FORM_A 25
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No Rio de Janeiro alguns rappers usam como base o samba e em São Paulo a preferência para a base sonora ainda são os loops americanizados. Segundo a autora, curiosamente, a primeira mescla de hip-hop e samba de que se tem notícia se deu no Rio Grande do Sul, feita pelo grupo de rock De Falla. O rap tem como característica fundamental os MCs (Mestres de cerimônias), o qual detém a fala central ou a voz centro na melodia. Percebemos diante das práticas alternativas de sustentabilidade que o hip-hop brasileiro de forma geral não toca nas rádios, mesmo embora já haja alguns campeões de vendas no elenco de artistas urbanos. Os anos 90 trouxeram novos ares para o hiphop a exemplo do grupo Planet Hemp que - segundo o líder Marcelo D2 - na época a banda chegava a vender em média 250 mil CDs por lançamento. Isso sem falar do grupo de São Paulo, Racionais MCs, que desde que chegou ao milhão de cópias vendidas do álbum “Sobrevivendo no Inferno” (1998, Zâmbia Records) – que não apenas derrubou a barreira contra música independente das rádios FM, com canções de oito minutos de duração – centenas de discos de rap foram lançados no país e, com isso, o movimento passou a ocupar nichos do mercado. Tatiana Galvão analisa que o espaço da cena cultural nos meios de comunicação representa para muitos não só expectativa de vida, mas também uma possibilidade de inserção social até então negada27. A grande mídia que durante tanto tempo estigmatizou tudo aquilo que vinha da periferia, acabou se rendendo ao estilo de irrefutável expressão e nos anos 90 passou a incluir nas pautas a nova manifestação artística a partir da cultura urbana até os dias atuais. O hip-hop chegava para oxigenar os outros tantos gêneros musicais já consagrados pela cultura popular. A partir do ano 2000 à medida que a tecnologia se torna mais simples e acessível e através de um microcomputador, onde é possível gerenciar gravações, o mercado musical reflete a crescente facilidade de se produzir um disco. Assim, de acordo com o site “Clique Music”, se desenvolveu uma verdadeira indústria formada por grupos de rap, produtores de discos independentes, estilistas, revistas e programas de rádio e TV, todos dedicados exclusivamente ao rap. Uma enxurrada de discos rompeu
27
GALVÃO, Tatiana Verônica Bezerra. Op. Cit, p. 7.
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sedimentadas barreiras de distribuição em lojas e vem alcançando expressivos níveis de venda. A música pop incorporou definitivamente o gênero, dando popularidade a grupos como O Rappa e os paulistas do Charlie Brown Jr.28 O Black Rio, como anteriormente citamos, foi um movimento que atualmente só existe como nostalgia quase surrealista. Já com o hip-hop, a proposta similar tomou um ar bastante real em 2001. “Levinson e D2 lançaram o CD ‘Marcelo D2 Apresenta Hip Hop Rio’. O disco reúne uma dúzia de rappers, com os raps intercalados por intervenções de D2, que participa de uma faixa individual, intitulada ‘A maldição do Samba’. A ‘maldição’ do samba seria os descendentes de velhos sambistas trocarem o tamborim pelo scratch do pick-up do hip-hop? ‘O hip-hop fala a língua da galera, tem mais a ver com o que ela vive’, teoriza D2.” 29
Segundo a matéria no site “Clique Music”, essa coletânea não apenas tomou ares de realidade, como se tornou uma referência na discografia do rap nacional e ainda na cultura popular. Essas novas interações passam a mostrar que, na sociedade contemporânea, o exercício da cidadania já não se dá apenas pelos direitos fundamentais, mas também por meio do poder de consumo de bens simbólicos possibilitado pela visibilidade midiática. O site “Real Hip-Hop” mostra outra organização que também fala em nome do movimento hip-hop é a Central Única das Favelas (Cufa), que criticou os rappers que participariam do “Hip-Hop Manifesta”.
As críticas a respeito da ideologia do evento
recaíam sobre o fato de ser um show de grande porte, mas que não representava o público da periferia. O fato de ter se tornado um evento meramente comercial gerou polêmica perante os adeptos brasileiros da cultura que começam a contestar a força do hip-hop como movimento de resistência e cultura de rua. “(...) Hoje, a grande discussão que vem tomando espaço nas reuniões de rappers e militantes é a banalização do movimento causada pelas programações de rádios e a grande quantidade de festas que se auto-intitulam hip-hop, quando na verdade o movimento vai além. Além da polêmica causada pelo evento HipHop Manifesta que investiu 4,2 milhões de reais por grandes 28
Ver site Clique Music. Disponível em http://cliquemusic.uol.com.br/br/Retrospectiva/Retrospectiva.asp?Nu_materia=1343 29 Jornal do Commercio Recife. Disponível em http://www2.uol.com.br/JC/_2001/2010/cc2010_8.htm
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empresários, o teor político do rap o dos outros elementos do movimento podem estar perdendo a força.” 30
Como informa o site da UNE (União Nacional de Estudantes), no Rio de Janeiro foi criada a Liga dos MCs em 2002, numa sinuca no bairro da Lapa, local onde aconteceu a primeira batalha de rappers (batalha de rimas improvisadas, o chamado Freestyle) a "Batalha do Real". O evento Liga dos MCs - Primeiro Campeonato Oficial de Freestyle do Rio. L.A.P.A. (Lugar Aberto Para Amigos), reuniu alguns rappers como Aori, Marechal, o paulista Xis, Don Negrone, entre outros. O segundo encontro, produzido pela Brutal Crew Produções, aconteceu em outubro de 2004, no Teatro Rival Br, no Rio de Janeiro, tendo como um dos organizadores o rapper Aori. 31 O site “Real Hip-Hop” mostra que um dos pontos culminantes do reconhecimento da mídia convencional para com o hip-hop seria o Hutúz32, que há oito anos cria festivais de cinema, hip-hop, batalhas de MCs, DJs, B. Boys, seminários, entre outras modalidades de cultura. O prêmio reverencia a cultura hip-hop em uma grande festa com entrega de prêmios em várias categorias da criação. Em 2002 o saudoso rapper Sabotage recebeu dois prêmios Hutúz, sendo um na categoria "Personalidade do HipHop" e ou outro na categoria "Revelação". O projeto é idealizado por Celso Athayde, produtor brasileiro, empresário do rapper MV Bill e dos Racionais MC’s e co-autor dos livros “Falcão: Meninos do Tráfico” e “Cabeça de Porco”. É co-produtor e co-diretor, dos filmes “Falcão - Meninos do Tráfico” e “Falcão - O Bagulho é Doido”. Criador da primeira Liga Brasileira de Basquete de Rua (Libbra) e das Sebar (Seletivas Estaduais de Basquete de Rua) também e fundador da Cufa (Central Única das Favelas). Cuida ainda da agenda de nomes do hip-hop brasileiro, como Nega Gizza e MV Bill. As formas de organização do hip-hop no Brasil demonstram que o movimento se mostra cada vez mais independente de indústria fonográfica e não gera lucro para
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FIDELES, Nina. O movimento Hip Hop e a luta diária de periferia brasileira. Site Real Hip Hop, 2003. Disponível em http://realhiphop.com.br/ 31 Ver site da União Nacional dos Estudantes. Disponível em http://www.une.org.br/home3/cultura/cultura_2007/m_10226.html 32 O prêmio é parte do projeto Hutúz – que pela gíria significa “força” e ao mesmo tempo faz alusão aos tribalistas africanos.
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grande maioria dos adeptos. A reportagem especial da revista Carta Capital de 3 de outubro de 2007 tem como tema principal a forma com que membros da cultura hip-hop criam sustentabilidade através de organizações que trabalham fontes de renda e emprego no Brasil e na América Latina, em suas grandes capitais e periferias. A maioria das oficinas está nominada às respectivas redes de organização – espécies de frentes de trabalhos organizados – tendo como matéria-prima a arte de rua e como principal veículo o hip-hop. Desde o pólo de confecção de camisetas – a exemplo de Recife, onde reside o núcleo da “Rede Resistência Solidária” – que emprega artistas plásticos (em maior parte os grafiteiros) além das costureiras das comunidades, que são contratadas. Como mostra a reportagem, o Movimento Enraizados, da Baixada Fluminense, liderado por Flávio Eduardo de Assis, o Dudu do Morro Agudo, tem como principal fonte a loja virtual, com mais de 600 mil acessos mensais e o movimento hoje tem filiados em mais de 16 estados. Afinal, dá para sobreviver do rap no Brasil? Essa é a pergunta mais intrigante ao se pensar em música original das periferias. A maioria dos grupos possui produções independentes, onde a renda dos shows (somada à renda das grifes e selos) chega a capitalizar as produções de discos e também os eventos. Através de políticas alternativas, o rap é um gênero musical, o hip-hop da periferia (que não o estilo gangsta projetado pela grande mídia) é um movimento que continua vivo, mas que na mesma medida não gera lucro. A revista mostra que, ao contrário dos Estados Unidos, no resto do mundo, falar de hip-hop é falar do povo pobre. Ao mesmo tempo, hip-hop é um termo amplo que abrange uma subcultura associada à vida social, à dança e à moda dos jovens negros e latinos (principalmente, mas não de modo exclusivo) urbanos dos Estados Unidos dos anos 1980 até os dias atuais. Inclui o rap, a dança break, o grafite, os clubes, os DJs e os trajes esportivos (bonés, tênis, etc.). O movimento hip-hop incorpora um pósmodernismo altamente sofisticado além de uma exigente prática política consciente, uma reciclagem e uma reiteração do passado.
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A expressão do hip-hop no Brasil e na América do Sul, principalmente, independente de vertentes que visam o lucro e projeção na mídia - é o estilo do gueto que produz para o consumidor do gueto, como indica a reportagem. “Viver de hip-hop ainda é para poucos, mas experiências como a do Recife e a de Nova Iguaçu mostram uma força econômica embrionária que pode revelar novos elementos desse movimento cultural”. 33
Podemos observar que a força do hip-hop não pode ser medida somente em números de vendas de CDs, roupas, ingressos de shows ou empregos, mas no valor incorporado a tudo isso, ou seja, a sustentabilidade cultural. Segundo Magalhães, enquanto um produto de luxo incorpora valores culturais como sucesso e status, os produtos do hip-hop – com um preço bem mais acessível – carregam uma visão de mundo que transforma o consumidor em cidadão“ - explica.34 O Movimento Hip Hop Organizado (MHHOB) é o indício de como o Nordeste está bem organizado politicamente. A reportagem demonstra que essa frente tem outras várias filiadas espalhadas por todo o Brasil. O rap vira empresa e observando a realidade ao redor, os articuladores do movimento no Brasil cada vez mais lançam mão de montar suas próprias “siderúrgicas”. As estruturas de aço, que têm como alicerce o rap, o break e o grafite resistem à falta de estrutura, de conhecimento de empresas que possam patrocinar seus projetos. Tomam força através do planejamento social que os próprios adeptos traçam para levar projetos adiante, tomando como foco principal o que chamam circuito favela35. Na Argentina e na Colômbia as políticas relacionadas ao movimento hip-hop têm uma abordagem semelhante ao que se vê nas periferias do Brasil como mostra a reportagem da Carta Capital. “Na Colômbia, indagado se conseguia viver de hip-hop, um dos integrantes do Chinatown, o mais conhecido grupo de rap do país, responde bem humorado: ‘Sim. O rap dá muita vida. O que não dá é dinheiro’. De fato, na capital, Bogotá, hip-hop é assunto de 33
TONETO, Bernardete, LEMOS, Jaqueline e CARRARO, Renata. O hip-hop sobrevive. Revista Carta Capital. p.12 34 Idem, p.12. 35 São os eventos de hip-hop produzidos e direcionados pelas favelas e para as favelas. Uma espécie de intercâmbio cultural das periferias.
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gente pobre. Do total de 44 milhões de colombianos, os jovens que integram os 3 mil grupos locais amontoam-se entre os 70% de pobres e miseráveis.”36
Quando se fala em marcas, tanto nos condomínios de classe média, quanto nas favelas do mundo, os autores citam como exemplo Nike, Fórum e Triton. No caso da influência do hip-hop, uma marca original da favela Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo, passou a rivalizar com os gigantes das marcas. O empresário e ativista do hiphop Reginaldo Ferreira da Silva, vulgo Ferréz, tornou-se referência para os jovens com a grife 1daSul. Consciência e resistência sempre foram armas de Ferréz e coerentemente sua marca foi pensada para valorizar e desenvolver a auto-estima aos moradores de um dos bairros mais violentos da periferia da capital paulistana. A matéria da Carta Capital mostra as relações que dão base a esse tipo de desenvolvimento sustentável. Ferréz em entrevista para a revista Carta Capital, afirma que o negócio que idealizou em 1999, hoje gera renda para mais de 80 pessoas. “O desafio era criar uma marca de periferia que fosse usada com orgulho pelos moradores. Atualmente, mais de 70 lojistas querem comercializar a grife 1da Sul.”37 De acordo com a reportagem, a exemplo desses grupos, o que todos eles têm em comum é a arte com engajamento já que, além da preocupação com o âmbito social e musical, o principal objetivo é trabalhar em coletividade. A reportagem considera que, tendo em vista tantos trabalhos independentes, cada qual com suas organizações, em um cenário musical onde pelo menos 70% das transações internacionais de música ficam sob o poder de quatro grandes empresas multinacionais, os olhos dos economistas se voltam para o hip-hop, como se enxergassem uma alternativa para dar continuidade à promissora sustentabilidade cultural. “(...) Colocam-no sobre o grande guarda-chuva da ‘economia criativa’, que faz circular cerca de 8% do PIB dos países desenvolvidos. No Brasil, a discussão ainda está no começo.”38
36
Idem. p.12 Idem. p.12-13 38 Idem. p.14 37
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A reportagem conclui que a mudança social só se fará expressiva a partir do momento em que houver o reconhecimento social, ou seja, o reconhecimento como profissional - tanto por parte do artista como um agente de mudança quanto do público. Quando o ativista do movimento deixa de ser o que a reportagem denomina “maluco simpático” e passa a ser encarado como um profissional sério e competente. Segundo Gorczevski, música rap é um elemento que desenvolve um papel central nas culturas juvenis e na formação das novas identidades. Nesse sentido, a pesquisa serve como instrumento importante para entender a rede que conecta o rap, a cultura de mídia e a juventude da periferia. O que é profissionalismo e organização para uns é tido como industrial e corrupto por outros. Ao contrário, por exemplo, dos rappers americanos 50 Cent e Ja Rule, que para alguns hip-hoppers se camuflam no estilo gangsta rap para lucrar milhões - o que ao mesmo tempo também é o objetivo de muitos rappers que estão no underground muitos adeptos vêm com a inventiva de prosperar de forma indiferente ao que se pode categorizar como “rap industrial”, ou o conhecido “hip-hop da moda” (Há nesse termo uma confusão sobre o significado de rap e hip-hop) que engloba artistas das gravadoras majors. Na realidade o hip-hop nos Estados Unidos virou sinônimo de música popular e conseqüentemente lucro nas vendas. Os grupos de hip-hop brasileiros além de outros países da América Latina têm mostrado seriedade na luta pela sobrevivência do hip-hop, através de um “rap conceitual” como expõem nas suas práticas culturais com um novo tipo de desenvolvimento sustentável dentro dos recursos tecnológicos e mídias alternativas (Rádios Comunitárias, e Internet, por exemplo). No entanto, essa sustentabilidade cultural deve estar associada a uma organização competente, que atenda a voz das periferias para o mundo. Em uma medida evolutiva, os especialistas estão atentos a tais práticas econômicas através de políticas alternativas, o que indica socialmente, um caminho positivo para o trabalho coletivo que a cultura hip-hop procura abraçar.
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II Rap Carioca X Cultura da Mídia: Negociando territórios Para compreendermos essa sustentabilidade cultural é preciso consideramos que o hip-hop serve-se de um complexo de expressões culturais e que estas são alternativas. Tais expressões são construídas pela cultura que vai das periferias aos grandes centros urbanos e se consolida independentemente da indústria cultural, por exemplo. Essas expressões são construídas por uma ideologia cultural que cria a autoafirmação do sujeito como agente social a despeito de sua identidade. De acordo com a reportagem do livro “Hip Hop: A Periferia Grita” esta identidade é concebida positivamente ou não pelos outros (tanto aqueles que não são da periferia como também os representados na manifestação cultural do hip-hop). Através do discurso que costuma questionar a sociedade contemporânea, os rappers procuram se afirmar como sujeitos, muitas vezes com a postura avessa aos mass media. Geralmente procuram refletir o contexto e condição social em que a população da periferia vive. “A imagem dos Racionais não é uma parada de imitar americano, é uma cara fechada que reflete a cara de São Paulo. Aqui não é praia, não é festa o tempo todo e, por isso, a música também não é alegre como o miami bass.” 39
O produtor musical Milton Sales, considerado o “quinto homem” do Racionais MCs, devido ao envolvimento notório ao grupo, acredita que o rap é um produto gerado por um sistema de cultura”40. O livro reflete que o elemento musical do hip-hop se relaciona com a indústria, mesmo que muitas vezes busque formas de produção, divulgação e circulação alternativas, que nada mais são do que subsistemas da indústria cultural. De acordo com os autores do livro, percebe-se uma relação de ambigüidade entre o rap e a mídia, na medida em que o rap no Brasil se relaciona de uma forma 39
SALLES, Milton apud ROCHA, Janaína, DOMENICH Mirella, CASSEANO Patrícia. Hip Hop: A periferia grita. Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 134. 40 Idem, p. 136.
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particular com a indústria. Lida o tempo todo com a tecnologia que está na mídia, mas dá um sentido específico para essa tecnologia, a adapta ao seu contexto, e acaba dando-lhe outro significado. Dentro desse processo existem negociações entre esses dois elementos, tendo em vista que o próprio rap é feito a partir de produtos da mídia.
“Uma parte significativa das pessoas que criam e pensam a cultura (ou movimento) hip-hop trata tais assuntos quase como um tabu. Manos e teóricos parecem preferir ignorar que o rap vende milhões de discos pelo menos desde o estouro de “Walk This Way”, do Run DMC, em 1988; que em 2001 o rapper branco norteamericano Eminem foi o principal vencedor do ultra-conservador prêmio Grammy.” 41
O livro analisa que grande parte dos hip-hoppers prefere ficar indiferente ao fato de que, se não fosse o poder de divulgação dos meios de comunicação de massa, as mensagens, os símbolos e as formas artísticas do hip-hop não teriam circulado pelo mundo e, por exemplo chegado ao Brasil. Os rappers fazem um esforço de trabalhar com a criação de rádios comunitárias, além dos recursos da tecnologia, como por exemplo a utilização da internet para a produção de programas em rádios online, para divulgação dos eventos de hip-hop e produção de discos. Um exemplo dessas práticas alternativas é o MC e produtor Iky Castilho (Café Crime) que, em 2002, juntamente com MC Marechal, criaram a “Batalha do Real” num bar vizinho ao estúdio. Fortaleceram a cena após as famosas festas do Zoeira Hip Hop, também na Rua do Riachuelo – Lapa. Em 2005 foi lançada a “Iky’x Tape Vol.01” (Café Crime), o que resultou do material gravado no estúdio em 2004, mixada por Dj Babão (Inumanos).42 De forma a refletir e analisar teoricamente a manifestação cultural do hip-hop a partir da premissa de que o movimento expressa a busca pela identidade de uma nação excluída, no caso a periferia, tomamos como referência o discurso do teórico Stuart Hall. No primeiro capítulo do livro intitulado “A Identidade em Questão” o teórico explora a identidade cultural contemporânea, seus principais aspectos e conseqüentes mudanças perante a história da cultura moderna. Hall defende o argumento de que a 41 42
Idem, p. 133. Mais informações no site de Iky Castilho. Disponível em http://www.myspace.com/ikycastilho
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sociedade atual sofre constantemente transformações em sua identidade cultural, quando afirma que: "(...) Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isto está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade(...). Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um 'sentido de si' estável é chamada algumas vezes de deslocamento ou descentração do sujeito.”43
A partir de um ponto central, o qual o autor se refere à descontinuidades, propõese a examinar mais profundamente as mudanças no conceito de identidade. Isto implica em explicitar como o sujeito do Iluminismo transcendeu para o sujeito sociológico e depois para o “pós-moderno”. Tendo em vista tais transições, o autor pretende explorar o pertencimento a uma cultura nacional, como aspecto da identidade cultural moderna e como os processos de mudanças – uma mudança que efetua um deslocamento compreendido no conceito de “globalização” estão afetando isso. Segundo o filósofo norte-americano Douglas Kellner, com o ritmo e a poesia, os rappers colocam seus ouvintes diante de uma colagem de sons urbanos, combinando seleções de rádio, televisão, discos populares e outros sons conhecidos que, executados em altíssimo volume, são pontuados pelo discurso de vozes distintivas e agressivas. Nesse elemento a voz é o recurso principal, e as letras características transmitem experiências e, muitas vezes, mensagens. Um exemplo claro da crítica aos mass media está no conteúdo do seguinte trecho da música do rapper e raggaman niteroiense Gustavo “Black Alien” Ribeiro. É notável a rima lírica envolta à auto-afirmação como sujeito, o que tem em mente e a perspectiva da realidade cotidiana:
“(...) Enquanto o mundo muda pela música/ Preparo poesia de aço na minha siderúrgica/ Um hábito noturno inspirado em Saturno/ E seus anéis em torno, não há retorno/ Eu sempre estive aqui, no verbo cru que nem sashimi/ A verdade virá à tona pelo parto, infarto no miocárdio/ Revolução não será televisionada nem virá pelo rádio/ Metal 43
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. p. 9 -10.
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inox, instrumental e mental na jukebox/ Golpe baixo, perde ponto, é que nem no boxe/ Prepare a esquiva, informação real pro povo à deriva/ Na terra da terra improdutiva.” 44
Kellner diz que tal elemento musical do hip-hop expressa um senso bem característico de lugar e tempo. O rap é um modo de falar - e não de cantar - que freqüentemente utiliza rimas complexas, embora não ortodoxas. Em geral é executado em andamento rápido, em staccato45 e a combinação complexa de rima e ritmo pode criar tensões entre a espontaneidade da performance e a constância da letra. As canções são freqüentemente longas e às vezes sinuosas, continuando uma tradição afro-americana de contar histórias longas e complexas com variações individuais e refrões em solo repetidos indefinidamente como no rag-time, no jazz e no blues. No sentido com que o autor usa o termo “pós-modernismo”, defende que o rap é modernista, por ser forma extremamente expressiva e os rappers têm vozes, estilos e mensagens distintas, muitas vezes relacionadas com a política moderna. Segundo ele, em
oposição
aos
textos
pós-modernos fragmentários,
desconexos,
planos e
unidimensionais, que só se referem a si mesmos ou carecem de profundidade de significado, a colagem da maioria dos raps muitas vezes representa uma declaração política, e não fragmentos sem sentido ou com sentido minimalista. O rap freqüentemente se identifica com determinada política, como o radicalismo negro dos anos 1960 ou o afrocentrismo, e não com o esvaziamento político, como em alguns textos pós-modernos.46 Entendemos que os meios de comunicação de massa detém o poder de gerenciamento dos sentidos, visto que a mídia trabalha com estereótipos que acabam enquadrando a cultura hip-hop em um padrão não realista e nesta cultura, ao contrário, não existe um padrão, ou uma fórmula, pois ela atravessa um processo híbrido. Diz que a cultura hip-hop trata-se de uma combinação das tradições afro-americanas com estilo contemporâneo, misturando a voz humana e tecnologia, sons existentes e fragmentos sonoros da mídia, música e ruído dissonante. 44
ALIEN, Black. Trecho de “From Hell do Céu”. Babylon By Gus Volume 1 – O Ano do Macaco: Deck Disc, 2004. 45 Técnica musical e vocal que tem uma articulação na qual as notas devem ser alcançadas com suspensões entre as mesmas, executando assim as notas em curta duração.
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Percebemos que o hip-hop é uma manifestação contra-hegemônica e de hibridismo característico que a cultura de mídia tenta enquadrar, silenciando os discursos nos padrões da ordem social. Um exemplo da resistência da cultura de rua é o rapper Gas-PA, ativista da frente LUTARMADA, que em entrevista à revista Fazendo Media justifica a identidade contestadora dos representantes do movimento: “São várias cabeças pensando coisas bem diferentes. (...) O hip-hop está a anos luz de ser homogêneo. Então é bom observar o que fazem determinadas correntes. Hoje, existem 5 organizações nacionais de hip-hop e o LUTARMADA é filiada a uma delas. E o nosso objetivo é a revolução, o rompimento com essa estrutura vigente, uma sociedade sem classes. É clichê? Pode ser, mas se nossa realidade também é, qual o problema?”47
Como sustenta Kellner, há grande distinção entre os rappers e os praticantes de rock, do soul ou da música popular comercial. Também há diferença entre os grupos centrados nos guetos, que incitam as reformas ou à revolução nas comunidades, e os grupos centrados na cultura africana, que incitam à criação de uma nação africana separada. O autor defende que níveis de radicalismo diferem no rap: muitas vezes se define mais em apresentações ao vivo, que tendem a ser mais cruas e extremadas; suas músicas às vezes não são tocadas no rádio por serem radicais. Debruçarmos-nos sobre a análise da juventude carioca que, de acordo com o antropólogo Hermano Vianna, a totalidade da vida desse grupo social poderia ser definida com palavras que identifiquem a juventude em geral, que são: “transitoriedade, turbulência, agitação, tensão, possibilidade de ruptura, crise, conflito, instabilidade”.48 Vianna atenta para o fato de que a vida social deve caracterizar-se por sua diversidade e não pela busca de uma uniformidade. Para ele, a “contracultura” carioca que aprendeu táticas de guerrilha nos anos 60, hoje encontra terreno mais fértil em cursos de teatro, manifestos musicais além de projetos sociais, que o autor denomina “mediações intergaleras”, citando grupos como AfroReggae. De acordo com o autor de “Galeras Cariocas”, novas identidades são colocadas a 46
KELLNER, Douglas. Op. Cit., p. 246. ZORNITTA, Bruno. Entrevista: Gas-PA, do Movimento Hip-Hop. Disponível em http://www.fazendomedia.com/novas/movimentos251005.htm
47
48
VIANNA, Hermano. Galeras Cariocas. Territórios de conflitos e encontros culturais. p. 14-15.
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prova e que apesar dessa pouca atenção dos antropólogos, os ‘jovens’ do Rio continuam produzindo incessantes símbolos (muitas vezes conflitantes entre si) de seu vigor cultural e exportando ‘modismos’ (que nunca são ‘meros’ modismos) para todo o País. “A idéia da crise e da desorganização social foi objeto de muitas críticas pelo seu inegável compromisso com o arcabouço teórico do funcionalismo e, portanto, com uma idéia consensual de ordem e uma forma homogênea de organização”.49
Vianna argumenta que, como decorrência desses conceitos, surge o processo de rotulação dos jovens que moravam em guetos ou bairros pobres, focalizando principalmente as práticas governamentais, policiais e judiciais que classificavam os jovens de etnias inferiorizadas ou camadas pobres como “delinqüentes”, ainda que fossem simplesmente jovens vivendo os conflitos próprios da idade. O autor traz a “teoria do rótulo”, cuja vantagem principal é lembrar que as organizações juvenis não existem isoladas do resto da sociedade num contexto institucional com uma trama de interações simbólicas entre os jovens que pertencem a essas organizações e os representantes da ordem e da lei. Tomando ainda o referencial de Hermano Vianna, todas as teorias foram criticadas pelo seu compromisso com o positivismo que transformava as pessoas em objetos e seu comportamento em fatalidade ou determinação, dificultando o entendimento delas como sujeitos que participariam de forma ativa nas suas escolhas e ações, apesar das constrições e pressões de forças de várias ordens. Como resultado gerou-se um olhar sobre a criação, por sujeitos ativos, se práticas “desviantes”, “delinqüentes” ou “criminosas” que estariam de algum modo articuladas com as práticas, formas de organização e valores da sociedade mais ampla onde organizações juvenis, criminosas ou não, apareceram. O cenário cultural do hip-hop no Brasil com o discurso sobre a relação do rap com cultura da mídia tende a ser mais voltado para militância. Quando chegamos nesse viés, podemos identificar a idéia do estigma e da identidade social tal qual o teórico Erving Goffman demonstra. Diz que “a sociedade estabelece os meios de categorizar as
49
Idem, p.18.
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pessoas e a totalidade de atributos considerados normais para os membros de cada uma dessas categorias”50. Conseqüentemente baseando-se nessas preconcepções, nós as transformamos em expectativas normativas em exigências rigorosas de se posicionar socialmente. No caso das culturas de minorias, mais especificamente, no Rio de Janeiro, encontramos indícios da estigmatização territorial quanto à criminalização dessas manifestações culturais periféricas, além da criminalização desses movimentos sociais por parte dos mass media. Micael Herschmann aponta esses indícios através do discurso das galeras cariocas sobre a realidade urbana: “Ao invés de reforçarem a imagem de um ‘país libertário/ malandro’, as representações promovidas pelos funkeiros sugerem um país hierarquizado e autoritário. Revelam assim os conflitos diários enfrentados pelas camadas menos privilegiadas da população, como: a repressão e os massacres policiais, a dura realidade dos morros, favelas e subúrbios, a precariedade e ineficiência dos meios de transporte coletivo, o racismo e assim por diante.”51
Tanto no caso do funk carioca, como o rap, além da maioria das manifestações culturais minoritárias o autor nota a postura da resistência e auto-afirmação, onde a mídia, por outro lado, constitui uma arena na qual não só diferentes narrativas concorrem engrenando diferentes sentidos, como também o discurso em si briga perspectivas diversas e, muitas vezes, posições até contraditórias. Herschmann no artigo “Linguagens da Violência - As imagens da galera funk na imprensa”, busca afastar o trabalho da visão hegemônica bastante mecanicista que encara a violência como uma situação de exceção. Classifica os acontecimentos violentos como uma prática recorrente e fundamental para a dinâmica social sempre presente em distintas sociedades e diferentes contextos, como um importante recurso que vem garantindo a perpetuação e/ou a renovação social. Dessa forma, o autor percebe a violência não apenas como expressão de dissidências ou forma de perpetuação, mas também como fonte de renovação e de vida, considerando que a violência é uma das peças fundamentais no dinamismo das sociedades.
50
GOFFMAN, Erving. Estigma. p. 11.
51
HERSCHMANN, Micael [et al.].Linguagens da Violência - As imagens da galera funk na imprensa. p.67.
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A questão da violência, tal como se apresenta nos espaços urbanos brasileiros, deixa entrever, por trás de suas manifestações freqüentes, se não uma reivindicação por ordenamentos sociais mais justos. Neste contexto marcado pelo descaso, o autor considera a violência desencadeada pela sociedade, no Brasil, não só como indícios de uma “desordem urbana”, mas também, como uma forma de expor a insatisfação perante uma estrutura autoritária e clientelista que promove a exclusão social.52 De acordo com Herschmann, podemos trabalhar com a hipótese da agendasetting, o que nos leva a avaliar em que medida a capacidade dos media em dizer aos seus leitores sobre que temas devem refletir”. Um exemplo prático dessas práticas midiáticas é a produção do Hutúz, que acontece há pelo menos oito anos durante todo o mês de novembro e circula diversos espaços culturais simultâneos pela cidade, da periferia ao centro.
“De fato, o rap muitas vezes é um bode expiatório para os verdadeiros problemas de uma sociedade extremamente dividida, onde os conflitos entre raças, classes e sexos são por demais explosivos. (...) Vê-se que os elementos mais extremos e ofensivos do rap são sintomáticos dos reais problemas que precisam ser resolvidos, e a simples proibição do rap não trará a solução desejada”.53
Kellner identifica que, com um histórico cultural cercado de segregação e discriminação, os hip-hoppers usam como referência líderes da luta política e armada como Martin Luther King, Malcom–X e Che Guevara. Também por meio desses recursos tecnológicos subsistemáticos os rappers fazem uso da linguagem política, onde falam sobre os grandes problemas enfrentados por essa população excluída e de maioria negra. No Brasil este discurso não interessa muito à imprensa. Para interrogar de modo crítico a cultura contemporânea da mídia, Kellner analisa estudos do modo como a indústria cultural cria produtos específicos. Produtos esses que reproduzem os discursos sociais inseridos nos conflitos e nas lutas fundamentais da época. É importante percebermos de que modo tudo isso articula posições ideológicas específicas e ajudam a reiterar formas dominantes de poder social, servindo aos 52 53
Idem, p. 171. KELLNER, Douglas. Op. Cit., p. 246.
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interesses de dominação da sociedade, de resistência às formas dominantes de cultura e sociedade, ou ainda se têm efeitos contraditórios. O autor constata, a exemplo da manifestação sociocultural do hip-hop, uma nova forma de entender o que significa cidadania em tempos globalizados, onde o consumo passa a ser o modo mais eficaz de existir e ser notado em uma esfera pública, iluminada. Nesse processo a mídia passa a ser um dos importantes intercessores de uma forma de inserção social. Portanto, através de seus veículos (audiovisuais, impressos, entre outros), constitui-se uma estrutura que alimenta e é alimentada pelo cenário público, onde essa dimensão midiática, para um jovem excluído caracteriza-se como um desafio.
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III
A Voz da Periferia Carioca no jornal O Globo
No capítulo, identificaremos a cultura hip-hop representadas no jornal “O Globo”, abordando como as identidades se configuram nos textos do caderno cultural do jornal de maior circulação do país. Os resultados foram alcançados com a utilização das noções de estilos de vida e cultura do consumo. Através da análise do caderno cultural, procuramos exemplificar de que forma a cultura da mídia aborda as manifestações culturais promovidas pela cultura hip-hop. Em resposta ao silenciamento dos mass media a respeito das produções de periferia, conforme afirma a doutora em Comunicação Deisimer Gorczevski, para os produtores culturais do hip-hop, os programas nas rádios comunitárias e emissoras de televisão, os sites, selos de gravadoras independentes, revistas e fanzines representam uma estratégia que esperam que garanta não só a visibilidade pública, no sentido de afirmar uma imagem diversa da estigmatizada pelos meios, mas também um relativo controle do seu trabalho, ou seja, do sentido e significado da produção que realizam.54
3.1. Análise: Revista “Rio Show” X Prêmio Hutúz de Música Como vimos no capítulo anterior, o discurso segue norteado pela lógica dos estudos culturais e sociológicos de autores como Micael Herschmann para tratar a juventude; Stuart Hall para conceituar a questão de identidade e Douglas Kellner para ilustrar a conceituar da mídia. Ainda com base nos estudos que se seguiram, procuramos refletir as manifestações do hip-hop no contexto do rap carioca pela mídia impressa através da análise do caderno cultural do jornal “O Globo”. Procuraremos ainda, evidenciar a conjuntura dos trabalhos em torno do hip-hop com alguns dos nomes mais ativos do rap carioca, tendo como objeto principal os eventos do “Hutúz”.
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O cerne da pesquisa englobou duas vias: o hip-hop e a voz do rap como sinônimo de criminalização perante a mídia; o hip-hop enquanto manifestação cultural da periferia. Dialogando com a relação silenciosa da cultura da mídia diante do outro (no caso dos hip-hoppers) propomos mostrar que existem universos pouco explorados, tomando como exemplo os trabalhos sociais e projetos musicais sustentados pelo hip-hop ao longo da existência no cenário cultural carioca. Durante a realização, da presente pesquisa - datada de todo o mês de novembro de 2006 - percebemos que as matérias sobre o os eventos do “Hutúz” estavam distribuídas como informativo de “expediente”, em um formato de “classificados”, evidenciadas nas editorias do “Segundo Caderno”, mais especificamente da coluna “Rio Show”, homônima à revista em questão. Suplemento que circula semanalmente às sextas-feiras, revista “Rio Show” possui em média 50 páginas. Voltado para a classe média, aborda temas como gastronomia, e eventos de entretenimento e lazer, como teatro, música e cinema, por exemplo. O que evidencia e reforça a idéia de silenciamento dos media referentes à cultura de rua. A pesquisa baseada em no tipo exploratória, em vista da análise do veículo em questão, evidencia as relações de destaque e silêncio da cultura de mídia. O caderno “Rio Show” – pesquisado de 3 a 24 de novembro de 2006 - teve as matérias prioritárias ligadas à editoria de gastronomia, lazer e consumo em geral, como comércio e entretenimento. Das notícias ligadas ao hip-hop, entre as quatro edições publicadas nas sextas-feiras de novembro, todas possuíam anúncio de show do rapper Marcelo D2, na casa de eventos Claro Hall. O show data de 16 de dezembro, estréia da turnê “Meu Samba é Assim”: “Meu Samba é assim/ Tá bom pra mim/ Dois toca-discos e um tamborim (...)/ No batidão, chora cuíca/ Erros e acertos parceiro, coisas da vida/ Mas quem diria?/ Que engraçado hein!/ Foi pra cadeia e agora bomba no rádio/ MD2 de novo, a voz do povo/ Do tiozinho mais velho ao moleque mais novo/ Trago cultura de um jeito simples/ Corpo fechado que não aceita revide.” 55
54 55
GORCZEVSKI, Deisimer. Op. Cit. p.2 D2, Marcelo. Trecho de “Meu Samba É Assim” – Cd homônimo: Sony-BMG, 2006.
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Marcelo D2 é o primeiro rapper brasileiro a ganhar uma biografia, lançada na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Intitulado “Vamos Fazer Barulho - Uma Radiografia de Marcelo D2” (Ediouro, 2007), o livro teve como estopim o álbum “À Procura da Batida Perfeita” (2003). Segundo o jornalista e autor do livro, Bruno Levinson, também organizador do festival Humaitá Pra Peixe, ao ouvir o disco ele sentiu que estava diante de um artista que merecia ser homenageado. Atualmente Marcelo D2 tem uma carreira solo bem-sucedida, enquanto os outros integrantes do Planet Hemp (grupo que D2 liderava) se dedicam a projetos solos menos popularizados.56 Um modelo textual foi publicado durante todo o mês de novembro na coluna do “Rio Show”, salvando-se alterações de acordo com tipos de eventos ligados ao projeto “Hutúz”, datas, e locais ao final do mesmo. Um exemplo é a publicação de terça-feira, do dia 14 de novembro, localizado no “Segundo Caderno”, na categoria de “Eventos” que datava a atração: “Hutúz Festival – A sétima edição do evento dedicado à cultura hiphop, que ocupa diversos espaços da cidade até 28 de novembro, apresenta festival de música e shows com rappers latino-americanos, além de seminários, mesas-redondas, cinema, batalhas de MCs, grafite e demonstrações de basquete de rua. Ter, ao meio-dia e às 18h e 30m, show com o grupo Los Hombres. -Centro Cultural Banco do Brasil: Rua Primeiro de Março, 66, Centro – 3808-2080. Livre.”57
O periódico do dia 17 trouxe na revista “Rio Show” matéria de capa com reportagem sobre grafite, intitulada “TÁ NA RUA” que faz uma espécie de mapeamento dos grafites pelos bairros do Rio de Janeiro. Trouxe a foto-legenda: “Pintura do coletivo “Nação Crew” ao lado da Fundição Progresso na Lapa” 58 A única matéria explicitamente agendada é datada do dia 20 de novembro, Dia de Zumbi dos Palmares, abolicionista negro da época da escravidão no Brasil. A fotolegenda foi publicada na editoria de cultura do caderno principal, “Segundo Caderno”, intitulada “Viva Zumbi!”, que deu destaque na coluna “Gente Boa” para a rapper Negra Rê: 56
Mais informações no site Clique Music. Disponível em http://www.allbrazilianmusic.com/artistas/planethemp.asp 57 Ver jornal O Globo – Segundo Caderno – Eventos. Publicado em 14 de novembro de 2006. 58 BRUM, Luciana. Capa - Rio Show. TÁ NA RUA - Conheça os grafiteiros que estão dando o que falar e saiba onde encontrar suas obras pela cidade. p. 27 – 32.
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“No último dia 4 Negra Rê desbancou 15 marmanjos que participavam de uma batalha de MCs, em Madureira. A rapper, que canta há 3 anos, era a única mulher da disputa. Teve dificuldade. O universo é masculino com confronto verbal, as mulheres não gostam muito. Na batalha não tem cavalheirismo. Eles agridem para inibir o raciocínio – diz. Quinta-feira ela disputa uma das categorias do Prêmio Hutúz, no Canecão. Rê ensina rap para as crianças na Rocinha, integra a banda Parvat, só de meninas, e lamenta o vazio do funk: “Não querem falar dos problemas, só bobagem. (Foto – Destaque (Legenda: Negra Rê: rap para mulheres)”59
De acordo com a lógica de Micael Herschmann, tanto as manifestações do funk quanto do hip-hop parecem expressar e sintetizar, nas letras e na diversidade de sons e gestos, o novo ambiente cultural urbano brasileiro contemporâneo. Permitem esboçar um mapa da multiplicidade de territórios presentes nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, ou melhor, permitem compreender um pouco da emergente dinâmica cultural destas “cidades-vitrines” do País.60 Percebemos que, por mais que os eventos sejam de certa forma evidenciados no jornal, não há nessa exposição um compromisso por parte dos meios de comunicação de massa, especificamente dos cadernos de cultura do Rio em legitimar as produções da periferia como algo que mereça destaque, ou diante de uma relevância social. Eventos mais sofisticados a exemplo do Hutúz não aparecem com a mesma freqüência em que são realizados e muito menos contextualizados para os mass media.
3.2. Rap na Mídia: o silêncio que potencializa o grito.
O hip-hop torna-se o mais complexo objeto de signos que se transformam em ferramentas para a expressão de contestação, resistência da cultura de rua através de manifestações pacíficas. Esses eventos vêm ajudando a cultura de rua a penetrar em meios mais conservadores, a exemplo do rapper Marcelo D2, e MV Bill, que aparecem 59
Ver matéria – Viva Zumbi! – Conheça os personagens principais das festas que comemoram hoje o Dia da Consciência Negra. Segundo Caderno, p.3. 60 HERSCHMANN, Micael. O outro no Brasil contemporâneo - O funk e o hip-hop invadem a cena. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.
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em programas como o Fantástico e Domingão do Faustão, da rede Globo. Apesar de a mídia ser um espaço com inúmeras limitações e formatos, voltada para a elaboração de imagens normalizadoras, o teórico Micael Herschmann afirma que ela também produz lacunas nas quais emerge o outro (excluído), constituindo também um espaço fundamental para a percepção das diferenças.
No caso dos funkeiros,
analisado pelo autor - assim como outros grupos de periferias, incluindo-se os rappers – na medida em que a mídia os torna “visíveis”, permite-lhes, de certa forma, denunciar a condição de excluídos e reivindicar cidadania como Black Alien explicita na música: “Doa a quem doer/ Eu não acredito em você/ Não acredito no sucesso/ Não acredito na TV./ Não acredito no que me vem impresso/ Acredito em ordem e progresso quando o povo tem acesso ao ingresso (...)” 61.
Em seu artigo, Deisimer Gorcsevski afirma que esse tipo de discurso, que envolve a relação do rap com a mídia e a indústria cultural, expõe um viés um tanto militante. A ênfase no domínio de todos os estilos musicais por parte desses monopólios midiáticos nacionais, parece ser um forte argumento que interfere e faz escola junto aos hiphoppers. Segundo a autora, o modo geralmente avesso dos rappers de lidar com os grandes monopólios da comunicação, no Brasil, resulta na admiração de uma grande parcela de simpatizantes. Eles alteram, inclusive, o modo como a grande maioria dos hip-hoppers age diante da mídia, seja ela grande, nacional ou regional. Envolve ainda condutas que geram perturbações, tanto dentro da própria cultura, como em termos de crítica do meio externo. 62 Diante dos espetáculos agendados pela mídia, poucos são os rappers que ganham espaço, tampouco esse espaço é democratizado pela indústria cultural, mais especificamente quando se fala em rap no Rio de Janeiro, seguem exemplos mínimos, enquanto os demais pertencem a subsistemas de um mesmo circuito.
61
ALIEN, Black. Trecho de “Umextrapunkprumextrafunk”. Babylon By Gus Vol.1 – O Ano do Macaco: Deck Disc,2004. 62
GORCZEVSKI, Deisimer. Op. Cit. p.2
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Um exemplo é o rapper carioca Aori, também conhecido como MC Lapa começou em 1998, e em 2000 conheceu Marcelo D2 e tornou-se seu rapper de apoio nos shows: “Eu me sinto fraco, longe, saudade dos Arcos e do Bonde, Lapa, bem-vindo aonde os ratos se escondem. / Espaço da cidade que pra mim é um marco, não é viagem, toda vez que eu parto, eu nasço, (...)/ Mas eu me sinto forte, perto, dos amigos, no Rio antigo, esse é meu abrigo, onde eu me identifico./ Esse é meu bairro, parceiro, da Riachuelo a Taylor,/ Todos tem que reconhecer que../ Quem faz a Lapa viver é nós!” 63
De acordo com o site do grupo, no mesmo ano, junto com o DJ Babão, Aori, forma o grupo INUMANOS - Inteligência Natural União Maior Através de Núcleos Originários do Subterrâneo. Aori também organiza eventos de rap, a exemplo da segunda edição da Liga de MCs pela Brutal Crew Produções, realizada em 2004. Em 2006, os INUMANOS lançam o CD “Volume Dez” (gravado em 2002) que rendeu “Prêmio Hutúz” na categoria de “Melhor Vídeo”.64 No caso do silenciamento do rap, a autora Deisimer Gorcsevski, destaca em seu artigo que Mano Brown representa as classes excluídas batendo de frente com os media, onde as formas de negociação e representação entre mídia e periferia conflitam constantemente. Nesse sentido, a música de Mano Brown e dos racionais MCs deixa claro o conflito entre o centro e a periferia, entre o Brasil dos incluídos e dos excluídos. O grupo se transformou numa expressão das idéias sobre consciência negra no Brasil e fez dessa percepção sua marca no rap brasileiro. 65 O rapper Mano Brown em uma das raras aparições na mídia, foi recentemente entrevistado no programa Roda Viva da TV Cultura, e é um exemplo claro da postura contra-hegemônica além do discurso do rap. Em entrevista para o portal de hip-hop “Bocada Forte”, segundo o diretor do programa, Marcelo Bairão, o programa Roda Viva se caracteriza pela diversidade de personalidades das mais variadas áreas, segundo ele, Mano Brown é um representante do rap e de uma parcela da sociedade brasileira, é a voz das pessoas oprimidas, das pessoas que vivem na periferia, uma pessoa importante e que precisa ser entrevistada, assim como várias personalidades da vida 63
AORI, MC. Trecho de “Lapa”. Participação Aori e Marechal – Marcelo D2. Meu Samba é Assim: Sony-BMG, 2006. 64
Ver site do grupo Inumanos. Disponível em http://www.myspace.com/inumanos
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brasileira e de outros setores. 66 Devido à presença mínima do rap na mídia graças a poucos nomes como MV Bill, Marcelo D2 e Mr. Catra – onde conseguem articular seus trabalhos para o público, a maioria dos grupos de rap no Brasil pertencem a subsistemas, a exemplo do grupo paulista Racionais MCs. Um exemplo no Rio de Janeiro de quem opta pela por evoluir artisticamente sem o apoio da mídia é o niteroiense Rodrigo Cerqueira de Souza Machado Vieira, vulgo MC Marechal: "(...) Os Verdadeiros sabem de onde eu vim, reconhecem quando os versos são de Coração. / Um só caminho... Mais que música é uma missão / Não rendo pra gravadora... Quer me pôr sob pressão. / Não sei fazer o som do momento, eu faço dos ‘momento’ um som / Independente! Demora ‘pra’ lançar... ‘Pra’ fazer / demora ‘pra’ ‘tu’ perceber que TAMUJUNTO! É só você! / E f***-se CD, eu tenho conteúdo Lírico / CD é só matéria...Minhas rimas ferem teu espírito(...)" 67
Apesar da potencialidade da performance dos grupos e da energia com que fazem seus discursos, não é necessário unicamente ir aos shows para perceber a força desses efeitos dentro do discurso do rap. Essa energia de resistência e força pode ser notada nos discursos dos rappers, nos discos. A única matéria da revista “Rio Show” relacionada ao Prêmio Hutúz, publicada brevemente - e mesmo com foto padronizada apenas em formato de divulgação - é datada do último exemplar no mês, dia 24, tendo em vista que o presente evento se encerra dia 28 de novembro. A coluna “E Mais...” da categoria de “Eventos” trata o “Hutúz Festival”. A mostra de cinema, levou a seguinte legenda: “Hutúz Festival – O festival de cultura hip-hop promove de hoje a domingo, mostra no Odeon BR – entre os filmes está “Rize”(foto), de David La Chapelle – e festas de rap no Cais do Porto - Odeon BR: Praça Mahatma Gandhi, 5 - Cinelândia, Centro – 2622-5089. R$ 4,00. 14 anos.”
Ainda de acordo com o artigo de Deisimer Gorcsevski, o hip-hop constrói sua cultura através de uma transmissão em pequena escala, mas que geralmente só tem abrangência expressiva dentro do lugar de origem. Evidencia-se assim a forma com que 65
GORCZEVSKI, Deisimer. Op. Cit. p.3 Site oficial Bocada Forte. Mano Brown no Roda Viva Parte 1. Disponível em http://bocadaforte.uol.com.br/site/?url=materias_detalhes.php&id=586 67 MARECHAL, MC. Trecho de “Espírito Independente”. Single, 2007. 66
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a mídia de massa gerencia os assuntos de acordo com seus interesses, e quais as principais causas de negociações dos media que, hipoteticamente causaria o silenciamento de muitos eventos organizados fora das vistas da cultura de mídia.68 Entre essa maioria praticamente anônima existem projetos alternativos onde é notória uma atividade que podemos chamar de mega-parcerias que seria um projeto unificando várias frentes. Sem um líder, a princípio, com um time de MCs que representam os respectivos grupos, porém produzindo e se lançando em conjunto, ou criando parcerias em eventos, os chamados coletivos: O nome “Unir Versos Urbanos” foi criado pelo produtor Fábio Cintra Reis, vulgo TRex, numa sessão de gravação com Psicopato e o saudoso Zé Bolinho - que além de dar o aval foi o primeiro a citar em um som o nome da UVU na música “Nosso Império”. O mega grupo tem como componentes: T-Rex & Psicopato (RaPress); Bocão (Maus Elementos); Loco (Manuscritos); Slow (Esquadrão Zona Norte); Mr Break (Destroyer); André Ramiro, Lepô & Mv Hemp (Comando Selva); Chapadão (B32); Gremilin Man (Urbanóides); Acme & Airá (Rimas e Tintas); Dóla; Ducontra; Rico; Gil & Sheep; Beição & Dropê; Coé (Antipáticos Crew); Shock (Vícios in Versos).69 Outros nomes que podemos destacar tanto no circuito carioca, como também em festivais do gênero são Vozes do Gueto, Eltosh, Bob –X, Kapella PDF (Preto de Fé), De Leve, Mahal, Shawlin, Iky Castilho, Queen Odara (Rap de Saia), Schakal(3 Preto), Gutierrez, Damas do Rap, Original da Uruguaiana, o grupo feminino Parvat, entre outros. Falando em festivais, estes também têm sido essenciais à consolidação do rap brasileiro, com o luxo das mega produções das cerimônias exclusivas para o gênero, como o “Prêmio Hutúz” (que traz o “Hutúz Rap Festival” – com as famosas batalhas de MC), “Hip Hop Experience” e o “Troféu Hip Hop 2000”. Como pudemos observar, essa sensação culturalmente benéfica causada pelo hip-hop não é observada na mídia, que muitas vezes só retrata os eventos e a música rap como notícias esporádicas, ou sinônimo de desordem e violência. Ao mesmo tempo, sensacionalismo em torno dos eventos de rap por parte da mídia evidencia a disputa 68
GORCZEVSKI, Deisimer. Op. Cit. ,p.2 Informações sobre o hip-hop em geral nos site: Portal Bocada Forte: http://bocadaforte.uol.com.br/site/ Nação Hip Hop 2007: http://www.nacaohiphop.net/ Portal Real Hip Hop: http://www.realhiphop.com.br/ 69
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territorial entre os interesses institucionais. Diante da exposição das produções e de alguns artistas nesse capítulo, surge a questão de que, se eles são premiados, reconhecidos pela cultura em si, como pelos artistas em geral, como a mídia não os reconheceria, não os noticiaria a não ser para fins de retratar cultura urbana associada à violência? Para muitos rappers a forma de ler e entender o mundo não se dá unicamente a partir dos meios de comunicação de massa. Sabem ler e interpretar suas mensagens de forma que não se acham favorecidos ou ainda não se identificam com o que é noticiado. Como sustentou Herschmann, a resposta ao silenciamento da mídia através do rótulo, ou do estigma social faz com que se crie até a necessidade desses grupos originais da periferia de se intitularem como“protetores locais” do crime organizado, já que ”os cenários de representação da violência urbana se encontram associados de forma reducionista a esse grupo social.” 70 Vitor “Gutierrez” Andrei, o rapper do bairro do Flamengo na letra de “Por Toda Noite” mostra claramente a conseqüência do reducionismo apontado por Herschmann: “(...) ‘Tô’ aqui pra provar meu valor ‘pra’ minha família/ Vou ser bem sucedido nem que seja em uma quadrilha/ Zoando (por toda noite) com ervas e bebidas, / com as ‘minas’ sem camisa suprindo minha comitiva, / os amigos sorrindo, feliz com suas vidas, / falando de alegria em cima de suas batidas/ Essa noite eu não dormi, trabalho mais do que vários/ Eu rimo ‘pra’ viver, e ‘pra’ tirar ‘os ruim’ de otário/ A cada quilômetro vejo mais que é tudo ou nada/ Por isso sigo neurótico (por uma estrada)(...)”.71
Portanto a pesquisa que tomou um teor minimalista no ponto de vista quantitativo, em nossa perspectiva denota um caráter qualitativo que tende evidenciar o silenciamento dos eventos culturais por parte jornal “O Globo”. Sustenta-se assim, a hipótese de que no caderno de cultura “Rio Show” que, como exemplo de um jornal voltado para a classe média, não é interessante pôr em evidência, ou reportar eventos relacionados a questões culturais de classes menos favorecidas.
70
HERSCHMANN, Micael. Op. Cit., p. 173-4.
71
GUTIERREZ - Trecho de “Por Toda Noite” – Participação Jacksom e Marechal. Mixtape Corpo Fechado, 2007.
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O rap carioca não é visto como um manifesto sensacional, isto é, que desperte o interesse de forma positiva. A mídia, pelo contrário explicita a cultura em caráter sensacionalista, isto é, de forma pejorativa, muitas vezes associando a cultura como um manifesto da criminalidade. Kellner que defende os espetáculos da mídia demonstram quem tem poder e quem não tem, quem pode exercer força e violência, e quem não. Partimos da premissa que os media dramatizam e legitimam o poder das forças vigentes e mostram aos nãopoderosos (no caso as classes menos favorecidas e seus manifestos contrahegemônicos) que, se não se conformarem, estarão expostos ao risco de prisão ou morte (no caso, o risco evidente é o silenciamento).72 Na pesquisa tomam lugar nas manchetes abordagens já naturalizados pelo “público consumidor”, como a criminalização do rap, por exemplo. Um indício de como o tipo de notícia sobre rap está sempre vinculado à idéia de criminalização foi o evento “Virada Cultural” que contou com a participação do grupo Racionais MCs em um festival na Praça da Sé, em 6 de maio deste ano, e cuja confusão foi manchete nos principais jornais e telejornais do Brasil, incluído os veículos do objeto de nossa pesquisa: “Acabou em confusão e quebra-quebra o show do grupo de rap paulistano Racionais MCs, realizado na madrugada deste domingo (6) em um palco montado em frente à Catedral da Sé, na região central de São Paulo. Na segunda música, parte da platéia começou a insultar policiais que reagiram com bombas de efeito moral. O show é uma das mais de 400 atrações da Virada Cultural, evento promovido pela prefeitura de São Paulo em vários locais públicos da cidade neste sábado e domingo.” 73
Como vimos, no ano de 2006, o festival de cinema do “Hutúz” foi realizado no Odeon BR, enquanto o “Hutúz Rap Festival” aconteceu no Armazém 5. As palestras e seminários foram promovidas no Centro Cultural Banco do Brasil. Já o “Prêmio Hutúz” de música foi realizado no Canecão. Os eventos acontecidos do dia 4 a 28 de novembro foram noticiados intercalados minimamente com a aproximação da data da Consciência Negra, que no calendário, também comemora o Dia de Zumbi dos Palmares, principal ícone da cultura africana no Brasil. 72
KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia – Estudos Culturais: identidade e política entre moderno e o pós-moderno. p.8-9. 73 Ver site G1 Globo. Notícias - São Paulo. Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL32020-5605,00.html
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Deisimer Gorcsevski critica que a mídia vem manifestando seu poder de agendar discursos, recebendo-os, disseminando-os, mas ao mesmo tempo, também produz discursos e, conseqüentemente, interfere no processo social e, de certo modo, cultural da sociedade. Nesse sentido, a autora observa que os meios são tensionados pela vida em sociedade e não totalizam esta experiência. De acordo com a autora, jovens declaram na mídia que esta não os faz de reféns, no entanto, desejam os espaços midiáticos, sejam eles quais forem, para difundir as suas mensagens e obter visibilidade. A partir dessa perspectiva, alguns grupos passaram a reelaborar estratégias, para se fazer notar junto à opinião pública. No Brasil, o rap, como o “produto comercial do hip-hop”, de acordo com a autora, tem sido o carro-chefe para a divulgação da cultura de rua, ou seja, os jovens dessa pesquisa apresentam, como ponto de referência para as suas conexões com o hip-hop, o surgimento do grupo Racionais MCs, no cenário nacional. O curioso é notarmos diversos eventos ligados à cultura em geral discriminados geralmente em forma de reportagem. Não foi evidenciado em relação ao hip-hop durante esta pesquisa, uma cobertura propícia diante do momento do “Hutúz” e ainda oportunizado pelo dia da Consciência Negra, datado no dia 20 de novembro. O que pudemos perceber na abordagem do “Rio Show” foi o caráter de veicular os eventos do Hutúz sem uma continuidade notada pela agenda do evento. Não há nenhum aspecto de reportagem, como contextualização e entrevistas, por exemplo. Tal questão aponta para uma conseqüência do desinteresse da cultura da mídia em reportar as manifestações culturais das classes menos favorecidas, incluindo-se o protesto em forma de hip-hop. O poder de mídia vigente do jornal “O Globo” silencia os eventos do hip-hop carioca cujos discursos contra-hegemônicos indiquem protesto e resistência ao sistema no terreno das negociações midiáticas. A disputa pelo território da existência cria um sensacionalismo propício que coloca a imagem dos rappers muitas vezes como marginais para a mídia.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A sétima edição, do Prêmio Hutúz de Música, realizada entre os dias 7 e 28 de novembro de 2006, evidenciou a forma com que o jornal “O Globo” agenda os eventos de acordo com seus interesses, causando o silenciamento de muitos eventos organizados fora das vistas da classe média. Ao falar dessas negociações e relações de consumo entre as periferias e os meios de comunicação de massa, o cerne da discussão envolveu o conceito de identidade, que etimologicamente traz a idéia de pertencer a um meio igual a si mesmo. Nesse aspecto a indústria cultural identifica sua gênese na classe média, o que explica o motivo de termos analisado o jornal de maior circulação no país: “O Globo”, que por ter o público de classe média como principal alvo, acaba agendando os discursos na mídia acerca dos interesses para com seu público. O desdobramento de identidade é nada menos do que a diferença, ou seja, o outro. Procuramos nesse trabalho problematizar como, a partir de estigmas, expressões culturais os jovens da periferia exemplo do hip-hop sofrem um silenciamento nos mass media. Buscamos dar certa exposição de como esse grupo social lida com o processo de estigmatização e glorificação, que varia através do tipo de implicação sócio-política que esse estilo promove direta e indiretamente, dependendo do campo em que atua. Na medida em que a pesquisa foi avançando percebemos que, para o jornal esse tipo de manifestação não interessa muito, o que não impede que esse silenciamento evite a propagação dessa cultura, que permanece há mais de 30 anos no Brasil, mesmo sem o conhecimento do público em geral. No decorrer da pesquisa acabei ouvindo comentários que iam do senso comum ao senso crítico, afirmando, em suma, que esse tipo de manifestação cultural só é interessante e expressivo para o público de quem produz, ou seja, para a periferia. Custou-me interpretar tais críticas com o caráter minimalista, mas sim como o reflexo do estigma já engessado no imaginário de uma cultura hegemônica de consumo e segmentação. O uso das colagens e os agenciamentos até mesmo de outros segmentos sociais que o rap utiliza potencializam um e outro, tanto dos rappers, quanto
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dos media. Os rappers são capazes de expressar as experiências de opressão de sua comunidade e de detectar causas e possíveis soluções para problemas expressos na música. O que leva à questão dos efeitos do rap e da constituição de formas culturais contra-hegemônicas e comunidades alternativas na atualidade e que continuou produzindo grande número de declarações, em que se dizia que certos atos violentos e criminosos eram causados por ele, havendo muitos apelos em favor de sua proibição e censura. Essa autoridade que gerencia os eventos, também tem o poder de silenciá-los de acordo com seus interesses políticos, promovendo um ocultamento da cultura hip-hop e todo seu discurso, tanto de quem produz, quanto para quem é por ela representado. Salvos poucos nomes como MV Bill, Mr. Catra e Marcelo D2 e o rap americano, a presença do rap na mídia é inexpressiva. Durante esta pesquisa, procurei dar visibilidade a alguns dos articuladores do rap e do hip-hop do Rio de Janeiro, cuja maioria pertence a subsistemas. Mesmo que minimamente a cultura hip-hop vem se espalhando pelo mundo, multiplicando suas produções midiáticas como dança, música, grafite, fanzines, sites, vídeos, etc. Conscientes de sua condição social, eles organizam a denúncia na composição de suas mídias alternativas e, principalmente, nas letras do rap, temperada por palavras e vozes que escancaram a violência nos presídios, nas favelas e a atuação da polícia. Contestam, resistem e negociam com setores do campo social, cultural, político e midiático, em nosso país.
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Glossário Atitude: Palavra indispensável no vocabulário do hip-hop. Para fazer parte do grupo é preciso não só ter consciência, mas também atitude. Termo que sintetiza a linha de conduta que o grupo espera de cada 74 um. Abraçar: 1) Ir na fé; 2) Aceitar, participar, concordar, acreditar. Acerola: Muleque ligeiro, esperto. Alemão: Pessoa de fora, forasteiro, inimigo. Aliado: “Camarada”, muito amigo. Alma Sebosa: Gente ruim, repugnante. Aloprar: Incomodar; Brincar; Zoar. B. Girls: Versão feminina de B. Boys. Balão: Fazer a volta. Bala de coco: Cocaína. Balada: Festa. Ir pra balada / Sair à noite. Bagana: Bituca de cigarro maconha. Bagulho: 1) Maconha; 2) Para se referir a qualquer “coisa”. Ex. Ah, vamu fazê uns bagulho? - Igual a "coisa". Chegado: Pessoa legal, amigo. Cair: Morrer. Dar pála: Vacilar. Flow: Do inglês, fluir. Levada, cadência do MC para rimar. Gambé: Polícia militar. Hóstia: Quando a pessoa não tem mais jeito, aí só indo pra igreja pra melhorar. Irado (Da hora): Bom, ótimo. Maçarico: Arma de fogo (pistola). Maloqueiro: 1) Caricato, ou seja, o público do hip-hop e seu estilo indumentário e articulado. Possui verdadeira adoração por marcas esportivas; 2) Malandro, libertário. Mano: Amigo. Mina: Mulher Migué: Enganar, se fazer de otário. MixTape: São produções de áudio onde as faixas de um álbum são mixadas entre si, como se fosse um DJ fazendo as intervenções no intervalo das mesmas. Naipe: Estilo da pessoa. Osso: “Zuado”, ruim. Operário: Trabalhador. Quebrada: Lugar Rato/Rataria: Aquele / galera que atua no cenário urbano subterrâneo, adepto da cultura de rua em geral. Rabiscar: Desenhar; Pixar. Sagaz: Esperto, ligado, atento. Sampler: Aparelho que copia e "cola" sons para os Djs usarem nas músicas. Trecho de uma música, utilizada para produzir outra música. Subir: Morrer. Tadashi: Mentiroso. Tag: Do inglês, é o nome, pseudônimo, assinatura do artista (ou grupo, posse) que pinta o grafite. Vazar: Sair, ir embora. Véio/ Velho: Amigo, mano. Veneno: Dificuldade Verme: Safado. 75 X9: “Caguete”, “dedo duro”. Que acusa, entrega o outro. 76 Yo: Gíria americana. Grito geralmente utilizado para animar público em shows e festas. 74
HERSCHMANN, Micael. Op.Cit. p.289-90. Ver Site Bocada Forte. Gírias. Acessado em 18.11.2007. Disponível em http://bocadaforte.uol.com.br/site/?url=girias.php&letra=num 76 HERSCHMANN, Micael. Op.Cit. p.290. 75
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Anexos
Coletânea Hip Hop Rio –Núcleo Sucata Sound, Black Alien, 3 Preto, Inumanos, BNegão, Negaativa, Artigo 331, Esquadrão Zona Norte (EZN), Mahal e Marcelo D2. Foto:Divulgação.
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Prêmio Hutúz. Edição 2006. Foto: Site Rap Nacional. 77
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Disponível em http://www.rapnacional.com.br/imagens/destaque/hutus.jpg
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Revista Rio Show. Publicada Sexta-feira, 13 de novembro de 2006.Suplemento do jornal “O Globo”.
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Bibliografia AMARAL, Sofia. Caros Amigos - Especial Hip-Hop Hoje: Além dos muros. Edição 24. Junho, 2005. GALVÃO, Tatiana Verônica Bezerra. Hip-hop e mídia: negociando interesses e ampliando conceitos. UFPE. Recife, 2006. GOFFMAN, Erving. Estigma. 4ª Edição. Rio de Janeiro: LTC, 1998. GORCZEVSKI, Deisimer [et al.]. O hip-hop e a mídia no cenário urbano. Belo Horizonte. Intercom. XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2003. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. 7ª edição. São Paulo: DP&A, 2003. HERSCHMANN, Abalando os anos 90: funk e hip hop, globalização, violência e estilo cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. ______________, Micael [et al.]. Linguagens da Violência - As imagens da galera funk na imprensa. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. ______________, O funk e o hip-hop invadem a cena . Rio de Janeiro: UFRJ, 2000. KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia – Estudos Culturais: identidade e política entre moderno e o pós-moderno. Bauru, São Paulo: EDU, 2001. ROCHA, Janaína, DOMENICH Mirella, CASSEANO Patrícia. Hip Hop: A periferia grita. Rio de Janeiro: Fundação Perseu Abramo, 2001. VIANNA, Hermano. Galeras Cariocas: Territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001.
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