:. Autor: Àsògún Érico
MIGRAÇÃO AFRICANA NO ATLÂNTICO Quando falamos em virada de ano e juntos nos saudamos e torcemos para que os acontecimentos que estarão por vir neste novo ano que se estenderá em nossas vidas sejam carregados de muita paz, felicidade, amor e fraternidade. Não podemos deixar de lado a retrospectiva que mostra tudo que marcou o ano que passou. É inspirado na lembrança que falarei sobre o processo brutal de migração dos nossos descendentes africanos que foram forçados a vir para este lado do Atlântico, mas com muita sabedoria souberam se adaptar e expandir ainda mais a sua cultura que hoje faz parte da nossa. Considero esta uma das melhores matérias que já fiz e estou dando de presente para todos os nossos leitores neste ano de 2004. Desde as guerras ocorridas entre os Jeje, Fon, Ewé e Yorùbá há séculos passados, onde suas tradições se associaram na atual África Ocidental numa grande parte livre da categoria de religião tradicional africana e começou a ganhar reconhecimento como religião mundial. As religiões que cultuam divindades africanas também estão englobadas entre os povos do Atlântico, que são no entanto o histórico precipite das ações e interações de indivíduos particulares que as dividiram em segmentos e ramificações conforme as regiões africanas que foram espalhadas nas Américas. Essas religiões já chagavam deste lado do Atlântico sob o epicentro humano dos povos que deixaram a África num dos processos mais brutais de inserção na economia mundial sofrida em qualquer lugar; o tráfico de escravos no Atlântico. Os primeiros escravos africanos chegavam nos carregamentos enviados a Cuba em torno de 1512 totalizando uma média de três milhões de escravos vendidos à América Espanhola até 1866, e aqui no Brasil este comercio se iniciou provavelmente no ano de 1538 e teve em torno de cinco milhões de escravos vendidos até a data de abolição do tráfico de escravos em 1850. Como informa Edson Carneiro, o tráfico trouxe escravos de três regiões: da Guiné Portuguesa, do Golfo da Guiné (Costa da Mina) e de Angola, chegando até Moçambique. Os africanos chegaram divididos em dois grupos principais: sudaneses (os de Guiné e da Costa da Mina) e os bantos (Angola e Moçambique). Os da Costa da Mina desembarcavam na Bahia, enquanto que os demais eram levados para São Luís do Maranhão, Bahia, Recife e Rio de Janeiro, de onde se espalhavam para outras regiões do Brasil, como litoral do Pará, Alagoas, Minas Gerais e São Paulo. Algumas viagens eram constituídas por membros reais africanos que foram capturados por conseqüência das desavenças entre os Jeje, Fon, Ewé e Yorùbá, como também muitos outros membros eram enviados a pedido dos reis que estavam envolvidos com os comerciantes do tráfico negreiro como forma de proteção ou questões pessoais. Estes privilégios freqüentemente acarretavam numa grande despesa trazendo um grande risco pessoal para os soberanos africanos e seus vínculos diretos neste comércio escravista. Todas estas viagens, sendo elas de escravos ou questões pessoais dos reis africanos, culminaram em uma verdadeira transmigração em ambos os lados do Atlântico. Justamente dentro deste complexo migratório amoldado pelas rotas dos navios de escravos que transportavam todas estas pessoas que foram forçadas a saírem de suas origens e superar esta dor, não perdendo suas identidades e trazendo para o novo mundo toda sua experiência de vida em seus corações. Sendo assim, eles se adaptaram e transformaram cultura e cultos específicos no que consideramos hoje como as religiões de divindades africanas contemporâneas. O termo “Yorùbá” ainda não existia nos meados do século XIX, sabia-se apenas que os escravos vindos da sociedade Ulkumy, mas estas pessoas e unidades culturais ainda não estavam classificadas por este termo que só veio aparecer em 1895, vindo dos missionários britânicos que identificavam os costumes das cidades-
estados organizadas naquela região. Estes missionários declaravam confiantemente para suas ordens cristãs que o termo Yorùbá se resumia sem dúvida nos povos de Ègbá, Ketú e Òyó com suas subdivisões, que se igualavam em todos os seus modos, costumes, ações, artesanatos, alfândegas, comércios e tudo que era sagrado por todos eles sem exceção. O conceito de Yorùbá e seu batismo com o termo Hausa para os habitantes de Òyó, veio através da influencia dos islâmicos que faziam negociações comerciais desde a época dos reis ferreiros. Eles eram bem visto pelos europeus que liberavam muitos cativos com suas crianças para voltarem a Serra Leoa, particularmente nas condições de se tornarem missionários para futuramente implantarem os costumes do velho mundo dentro de sua cultura. Os descendentes Yorùbá protestantes contra este sincretismo europeu e demais implementações em sua cultural, sofreram drásticas conseqüências e eram selecionados para serem enviados para as Américas logo nas primeiras rotas que estariam partindo para o outro lado do Atlântico. Os descendentes destes Yorùbá ficaram conhecidos mundialmente hoje em dia como “Nagô” no Brasil, “Nago” no Haiti e Jamaica, “Lucumí” em Cuba, “Akú” em Serra Leoa. O aparecimento dos Orixás são relatados nas tradições religiosas de várias localidades distintas ao redor da bacia Atlântica com processos históricos semelhantes relacionados no envolvimento das pessoas de uma região particular da África. Muitos trabalhos a nível local e explorações culturais de épocas foram realizadas até hoje por etnólogos e arqueólogos para tentar justificar e sintetizar as várias semelhanças e diferenças entre os povos que se encontram divididos entre o Atlântico, como também a inter-relação histórica que é mantida ainda hoje entre eles e se tal aproximação sintética tem precedentes. Pierre Verger em 1968 presenteou a história monumental com seu livro “Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo de Benin e a Baía de Todos os Santos”, onde eu particularmente considero este livro com muito esplendor, pois através dele que Verger apresentou ao mundo o primeiro estudo para dar um senso da riqueza e complexidade da interação cultural entre os lados “Velhos” e “Novos”, inspirando ícones consagrados como Thompson a dar o termo de “Mundo Atlântico Negro” e Matory por sua vez faz uma formulação mais específica de “Complexo YorùbáAtlântico”, enfatizando historicamente o “Yorùbá” nas culturas da África e América. Uma aproximação comparativa nos dados destes pesquisadores mostra uma formação de tradições e interconexões no campo geográfico que corresponde com o domínio temporal revelando perspectivas puramente locais e contemporâneas entre os costumes e Orixás cultuados em ambos os lados do Atlântico. O número de Sacerdotes Yorùbá que foram capturados e recapturados antes do final do século XVIII era relativamente pequeno em vista da porção de africanos vendidos na escravidão Atlântica. Isto foi mudado dramaticamente com o declínio do Império de Òyó depois de 1789, revolta e guerra de Owu em 1817, secessão do Dahomey sob Òyó em 1821, a revolta de Afonjá em 1824, a guerra de Ègbá em 1825, a guerra de Ifé-Òndó em 1829, o Ilorin Jihad e o colapso final da antiga Òyó ao redor de 1835. Os principais motivos que acarretaram estes conflitos foram às desintegrações regionais, culturais e religiosas. O aumento em provisão de cativos Yorùbá coincidiu com uma nova demanda de escravos que foi organizada devido a Revolução Haitiana que estava afetando a produção de açúcar na economia mundial depois de 1791. Este fato levou Cuba e Brasil a receberem estes escravos que eram encaminhados para as plantações de cana-de-açúcar e tabaco. O comercio de exportação destes produtos cresceu tanto e exigiu mais mão-de-obra escrava onde o Benin enviou 416.000 cativos para o Mundo Novo entre 1770 e 1851, e outros 15.000 chegavam clandestinamente mais tarde até 1870. Um movimento crescente contra o tráfico de escravos depois da Revolução Haitiana culminou particularmente na Grã-Bretanha industrializada, criando em 1808 uma política de "recapture". A Marinha britânica começou a agarrar navios de escravos em alto-mar e libertar e enviar os cativos para a colônia britânica em
Serra Leoa. Entre 1814 e 1824, 12.765 africanos entraram numa nova colônia. Na realidade, a recaptura destes cativos ajudou a reduzir esta demanda de escravos, e manter o número de habitantes brutalmente reduzidos das Terras Yorùbá. O fenômeno migratório secundário de "recaptura", gerou uma função de troca direta de escravos entre Brasil e Cuba, que começavam a se adaptar num movimento terciário de cativos que foram liberados. Os recapturados que foram enviados a Serra Leoa, tinham como escolha permanecer na colônia ou se alistar como soldados imigrando para a Índia Ocidental. Aqueles que permaneceram foram sujeitados a um programa ativo de evangelização e educação na missão cristã, para logo mais tarde se tornarem missionários. Aqueles que aprendiam na missão cristã as artes de comércio estrangeiro, juntavam o dinheiro que recebiam da missão para comprar escravos condenados e mercadorias leiloadas pela marinha britânica a preço de pechincha ao longo da costa, criando uma dura competição para os outros europeus, que para se ter uma idéia de como este comércio se estendeu, foi parar até os portos dos quais estes escravos tinham sido vendidos. O Regimento britânico da Índia Ocidental era composto de índios Ocidentais emancipados e africanos recapturados, e contava com mais de 12.000 integrantes antes de 1840, que foram enviados ao longo do Caribe e África. (Cobley, 1990, p.61). O Serviço no Regimento abriu um canal novo de contato entre africanos na Serra Leoa, Índia Ocidental e território dos Yorùbá em 1865. O Regimento enviou pelotões a Abeokuta, onde alguns soldados conseguiram estabelecer contato com antigos integrantes de suas cidades natais (ibid., p.56). Os que foram enviados para o Caribe ficavam contratando escravos emancipados que tinham abandonado as plantações depois da abolição para trabalhar na produção do açúcar, principal produtor à venda e em competição direta com os compatriotas escravizados no Brasil e Cuba. Embora a liberação dos africanos tinha começado a migrar ao redor da Índia Ocidental britânica 1834, com aproximadamente 3.200 chegadas antes de 1840 (Asiegbu, 1969, p.190), era a afluência de 36.120 recapturados de Serra Leoa e Santa Helena entre 1841 e 1867, levavam a influencia religiosa dos sacerdotes Yorùbá para Trinidade, Guiana britânica e Jamaica, com andamento de números menores para São Vicente, Santa Lúcia, Dominica, Tobago e Granada depois das 1848. Os britânicos também começaram a recapturar navios de escravos no Caribe depois de 1808 e libertando os cativos em Cuba. Em 1846 1.056 recapturados tinham entrado em Cuba, saltando para um número de 11.000 antes de 1860, embora um número indeterminado foi re-escravizado e misturado na população urbana que também era constituída de escravos africanos livres. Depois da Revolta dos Malê na Bahia em 1835, e a Conspiração de Escalera em Cuba no ano de 1844, foram deportados para a África de 100 à 1.207 escravos, incluindo 978 libertos para Trinidade e Granada. Ao longo deste complexo migratório de escravização, recaptura, deportação e escolha de território para constituírem novas vidas, os sacerdotes Yorùbá constituíram uma novo ordem adaptando seus cultos e crenças devido seu alto número de integrantes religiosos espalhados pelas Américas. Para se ter uma idéia deste número de pessoas, aproximadamente em 1835, 28.6% de africanos escravizados em Salvador eram Nagô. Em Cuba, os Lucumí representam um grupo 34.5% depois de 1850, e com o percentual acima da metade totalizando 54,8% os recapturados de Serra Leoa, em 1848. O volume desta deportação de escravos numa alta concentração de pessoas vindas de uma única região, criou condições inigualáveis para a reconstrução de instituições africanas em exílio. O que significou muita para estes africanos e seus filhos nascidos no Novo Mundo, foi vivenciar sua abolição 1886 em Cuba e 1888 no Brasil. Além disso, muitos deles nunca foram para as plantações, pois permaneceram em centros urbanos e litorais que os possibilitou maiores oportunidades para organizar seus fins econômicos, políticos e religiosos. Os que residiam perto dos portos para os quais ainda estavam sendo
transportados, os escravos tiveram o benefício irônico de permanecer ou voltar a ter o contato direto com os lugares dos quais eles tinham vindo, e até mesmo em alguns casos obtinham dinheiro para poder comprar uma moradia ou a passagem de volta. Este padrão de movimento demográfico forçado, abastecido pela demanda de trabalho nos centros produtores de açúcar da Bahia e Cuba, que foi alterado pelos esforços britânicos para contrariar aquele comércio de uma forma inteligente e menos predatória, estes dois países em especial nunca teriam este sabor carismático do antigo jeito africano de ser.